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A empresa que aboliu os

chefes e perdeu 200


funcionários
E-commerce de calçados Zappos está implantando um conceito
diferente de gestão: a holocracia. Entenda o que ela pode ensinara para
o seu negócio.
Por Reuven Gorsht
access_time2 mar 2016, 10h32

O CEO da Zappos, Tony Hsieh (Ethan Miller/Getty Images/)

A Zappos já fez história sendo o local no qual dois de seus clientes casaram. Agora,
inovando ainda mais, ela aplica um conceito totalmente diferente e inovador de gestão,
a holocracia.
Quando 14% dos seus funcionários decidem deixar voluntariamente a sua empresa de
uma vez, a maioria das organizações apertaria o botão de pânico. Mas para a Zappos,
um e-commerce de calçados e moda de rápido crescimento, o 30 de abril de 2015
representou um ultimato para que os colaboradores optassem por abraçar uma mudança
organizacional maciça, chamada “holocracia”, ou por receber um dividendo atrativo e
deixar a empresa . 210 funcionários escolheram partir.
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A mudança mais recente que a Zappos tem lutado para implementar, ao longo dos
últimos três anos, é a sua mudança para uma estrutura organizacional chamada
holocracia. Inicialmente concebida pelo autodescrito ”CEO em recuperação” Brian
Robertson, a holocracia é um sistema de autoridade distribuída – um conjunto de
“regras do jogo ” que colocam o empoderamento como núcleo da organização.

Pense nisso como o funcionamento de uma organização sem a clássica estrutura de


“comando e controle”, encontrada em muitas das organizações de hoje. Em uma
holocracia, a autoridade e tomadas de decisão são distribuídas por equipes auto-
organizadas, ao invés de estarem no topo de uma hierarquia. Como resultado, você
poderia esperar uma organização mais flexível e ágil – uma que é construída para lidar
com mudanças constantes, ao mesmo tempo em que cria uma cultura de
empoderamento. Essa cultura distinta faz com que seja muito difícil para qualquer
concorrente replicá-la.

Desde que ingressou na Zappos, com 27 anos de idade, o CEO Tony Hsieh tinha
estabelecido uma estratégia única para o varejo on-line. A Zappos é mundialmente
famosa por ter estabelecido padrões mínimos de qualidade quando se trata de serviço
ao cliente. Muitos, inclusive Tony, já disseram que ela é uma “empresa de atendimento
ao cliente que, por acaso, vende sapatos e roupas”.

A experiência do cliente Zappos é tão única e personalizada que todos que fazem negócios com eles não conseguem

parar de falar disso.

Para entregar o fator “wow” (nas próprias palavras da Zappos) aos seus clientes, a forte
equipe de 600 empregados de Lealdade ao Cliente que cuida dos telefones, e-mail e
linhas de bate-papo, não é um call-center qualquer. Eles não seguem scripts ou manuais.
Eles são, provavelmente, a equipe de atendimento ao cliente com maior autonomia em
toda a indústria – e isso funciona maravilhosamente bem!
Desde seus primeiros dias na Zappos, Tony sabia que qualquer um poderia montar uma
loja online e vender sapatos. Um serviço incrível, no entanto, tornou-se uma ocorrência
cada vez mais rara, com muitas organizações enxergando serviço ao cliente como um
custo, não um ativo. Ele sabia que ter um serviço incrível é algo que não pode ser
facilmente replicado pelos concorrentes. A estratégia funcionou e impulsionou a
Zappos para mais de US$ 2 bilhões em receitas anuais, em apenas alguns anos.

Então, como entregar “wow”?


Tony sempre foi claro sobre isso – é questão de ter a cultura certa.

Desde seu início, Tony tem focado na construção de uma cultura que inclui diversão,
criatividade, receptividade à mudança, aprendizagem, entre outros. Para moldar a
cultura Zappos, Tony sempre cultivou uma forte cultura de experimentação na empresa.
Ele foi pioneiro em dezenas de práticas por meio de “hacks” que foram pilotadas ou
totalmente implementadas em toda a organização.

Práticas como pagar US$ 2 mil para funcionários deixarem a empresa depois de
receberem o treinamento de novos funcionários fez com que tradicionais gestores de
RH entrassem em choque. No entanto, para a Zappos, essa mudança caiu como uma
luva e trouxe funcionários de alta qualidade, criando um ambiente trabalho muito bom.

Quando visitei a sede da Zappos, no centro de Las Vegas, no ano passado, o lugar
não parecia um escritório, era mais como uma vila. É um ambiente único, onde as
pessoas parecem super-animadas com o que fazem e por que fazem. Em um edifício
renovado que anteriormente abrigava a prefeitura de Las Vegas, encontra-se um
espaço meticulosamente desenhado que realmente traz a cultura da Zappos à vida. É
um grande espaço para a colaboração, diversão, e o que Tony chama de colisões (ou
encontros imprevistos entre os funcionários).

Os funcionário da Zappos orgulham-se de sua mentalidade colaborativa, muitas vezes


ajudando os outros, não importando em qual função ou departamento estão. Eles são
guiados por uma missão; Do RH ao pessoal do TI, é tudo questão de entrega o “wow”
para os seus clientes, não importa sua função ou posição.

Parece uma organização em que a maioria dos CEOs sonharia em trabalhar. A maioria
das organizações com as receitas e tamanho da Zappos são atormentados pela falta de
colaboração. Camadas de gestão e burocracia as desacelera, quando o tempo exige
mudanças. Então, por que Tony não está satisfeito com a incrível empresa que
construiu?

Qual problema a Zappos está tentando resolver com a holocracia?

A resposta para essa questão, creio eu, é vaga, na melhor das hipóteses. Enquanto Tony
sempre tenha sido de experimentar e nunca ficar parado, a implementação da holocracia
na Zappos é, de longe, a sua maior aposta. A Zappos é a maior empresa a adotar a
holocracia. É uma jogada que está escorrendo risco e incerteza, mesmo para uma
organização que já atingiu níveis de agilidade que são de dar inveja até mesmo às
organizações mais desenvolvidas.

Eu seria negligente se não explicasse o que holocracia realmente significa. Há muitos


equívocos lá fora, que se materializaram com o tempo. Com muito crédito para Steve
Denning, que tem escrito sobre e dissecado os principais ingredientes da holocracia,
aqui estão alguns equívocos comuns sobre holocracia e como eles podem impactar a
Zappos.

1. Uma hierarquia super carregada


O primeiro equívoco sobre a holocracia é que ela não é hierárquica. Enquanto a
holocracia coloca muita ênfase no consensual, tomada de decisão democrática, é na
verdade, uma forma explícita e fortemente hierárquica.

Basicamente, em holocracia, existe uma hierarquia de círculos, os quais e devem ser


executados de acordo com procedimentos democráticos detalhados (eles até têm uma
constituição muito detalhada por trás dele). Ao mesmo tempo, cada círculo opera dentro
da hierarquia. Cada círculo maior indica a seu círculo mais baixo (ou círculos), qual o
seu propósito e o que se espera dele.

Se um círculo não satisfaz o objetivo definido pelo seu círculo maior, ele pode ser
mudado, reestruturado ou até mesmo abolido.
O que isso pode significar para Zappos é que, por mais que o modelo funcione para
certas funções (tais como atendimento ao cliente, por exemplo), ele pode ter problemas
em funções que exijam muito mais coordenação e liderança do projeto.
2. Sem gestores?
Na verdade, as responsabilidades das “funções essenciais” na holocracia, tais como
Lead link, Rep Link, facilitador e secretário, são exaustivamente explicados, em
detalhes, na Constituição da Holocracia. Qualquer responsabilidade que seja
desenvolvida é atribuída a um desses papéis. Sugerir que não existem gerentes aqui é
uma mentira.

Essa estrutura pode potencialmente levar a disputa pelo poder e burocracia quando os
indivíduos começam a disputar papéis que vêm com um maior potencial e capacidade
de tomada de decisão. Não ter gestores, certamente não significa que não há pessoas
que buscam posições de poder.

3. Apenas siga o manual


Cada círculo deve ser executado de forma democrática e aberta, enquanto governado
com procedimentos detalhados sobre como coisas como reuniões devem ser geridas e
como as decisões devem ser feitas.

Nós sabemos como manuais e scripts podem ser desempoderadores. Hoje, a Zappos
oferece aos seus funcionários uma autonomia incrível para que eles sejam capazes de
fazer o que é certo para o cliente (volta para a entrega do “wow”). Hoje, a maioria das
decisões são guiadas por princípios simples e seguem os dez valores fundamentais da
Zappos. Como manuais e processos de holocracia vão orientar as decisões?

Será que ainda vai ser simples? Será que eles vão continuar se concentrando no prêmio
– o seu cliente?

4. E o cliente?
A palavra cliente ou referências a qualquer mecanismo de feedback do cliente não
aparece uma única vez na Constituição da holocracia.
Isso não quer dizer que os membros de qualquer círculo deixam de sentir uma “tensão”
de fracasso em atender às necessidades dos clientes. No entanto, o foco explícito da
Constituição da holocracia é totalmente interno. O cliente simplesmente não está na
foto.
Em uma organização onde até mesmo o CEO gasta tempo respondendo chamadas de
serviço ao cliente, em períodos de pico, como a Zappos vai continuar aprimorando sua
vantagem competitiva e permanecer em contato direto com um cliente, em uma
dinâmica de constante mudança?

Enquanto o júri está fora, a holocracia pode fazer maravilhas para a Zappos e outras
organizações que optam por adotá-la. É muito claro e explícito onde Tony Hsieh
gostaria de levar a Zappos. Ele está apostando a empresa nisso.

Como uma empresa que está continuamente em mudança e experimentação, a Zappos


tem uma cultura resiliente com muitas pessoas de mente aberta que realmente se
importam com a empresa. Há poucas dúvidas de que, se qualquer organização estava
preparada para essa mudança, essa empresa seria a Zappos.

No entanto, essa transformação radical, sem dúvidas, não foi a melhor escolha para
todos que a tentaram implementar, fazendo com que alguns indivíduos parassem no
meio do caminho (como eu tenho certeza que alguns outros também farão nos próximos
meses).

A realidade é que nenhum modelo vai ser perfeito para qualquer organização. Ainda
não está claro o que Tony está realmente tentando resolver com essa grande aposta.

Será que ele quer mais agilidade? Ele já tem isso. Felicidade? A empresa ganhou mais
prêmios de “melhor lugar para se trabalhar” do que qualquer outra em sua indústria.
Faturamento? Há maneiras mais fáceis de gerar receita do que mudar uma cultura.

Talvez Tony veja algo que está muito abaixo da superfície. Algo com um significado mais profundo que tem o potencial

de dar forma a como trabalhamos?

Seja qual for a razão, todos nós devemos a ele uma dívida de gratidão por ser um
visionário e mostrar a outros líderes que, de fato, existem maneiras de fazer as coisas
de forma diferente.

O post original você confere aqui.


Texto publicado no site da Endeavor.

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