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CIÊNCIA

cosmologia
Choque de galáxias fotografado pela sonda Chandra (colocar na lateral da imagem)

A escuridão do Universo
Dados divulgados pela NASA parecem ser a primeira comprovação
“direta” da existência da “matéria escura” – um conceito ligado às
principais hipóteses que procuram explicar o futuro do Universo
Romildo Póvoa Faria

A cosmologia científica atual trabalha fenômenos ainda não observados. por Einstein, essa “força de gravida-
em duas vertentes que aparentemente Ou seja, um modelo que se pretenda de” não existiria e o fenômeno obser-
parecem ser completamente contrári- científico pode e deve ter suas conclu- vado (a queda de um corpo na direção
as: a imensidão do Universo (conjunto sões e previsões testadas através de da superfície terrestre) seria causado
de todas as coisas existentes) e a pe- experimentos e/ou observações que por uma “curvatura” na estrutura ge-
quenez do mundo sub-atômico. Isso comprovem ser ele adequado e útil ou ométrica do “espaço-tempo” devida à
porque para criar teorias científicas (mo- que comprovem que ele não é bom massa da Terra.
delos científicos teóricos) que expliquem para explicar e prever fenômenos. Um
a totalidade das coisas existentes é pre- modelo científico não deve ser encara- A “mecânica newtoniana” A expli-
ciso também que esses modelos expli- do, portanto, como uma verdade ou cação newtoniana é aparentemente
quem o “universo” das partículas ele- representação definitiva da realidade mais fácil de entender, pois nascemos
mentares e das interações ou “forças” dos fatos, mas sim como algo provisó- e fomos condicionados culturalmen-
que constituem a matéria e a energia rio para ser utilizado enquanto é cor- te e educados numa sociedade onde
existentes e, por decorrência, os fenô- roborado pelos dados observacionais. essa explicação é usada costumeira-
menos observados. E vice-versa. Caso contrário é necessário substituí- mente como sendo uma verdade ab-
Um dos entraves para que um “leigo” lo ou complementá-lo com um novo soluta: a existência da força gravitaci-
ou “não-especialista” entenda vários ou mais modelos. onal, causadora da queda do corpo e
aspectos da ciência, e em particular, da Bons e costumeiros exemplos de mo- de outros fenômenos observados em
cosmologia científica, decorre da não delos científicos são os criados por Isaac nosso cotidiano.
compreensão do que é “modelo cien- Newton (físico inglês, 1643-1727) e Com a suposição da existência da for-
tífico” e também da necessidade do por Albert Einstein (físico alemão, ça gravitacional e, além disso, descre-
uso de conceitos e, principalmente, de 1879-1955) acerca dos chamados fe- vendo-a através de fórmula matemáti-
conhecimentos de matemática muito nômenos gravitacionais. No modelo ca, juntamente com outras “leis”,
além dos triviais. newtoniano, a queda de um corpo (de Newton desenvolveu a “mecânica
De forma simplificada pode-se dizer uma maçã, por exemplo) seria ocasio- newtoniana”. Essa teoria ou modelo
que uma das principais característi- nado por uma “força” denominada da realidade permitiu o cálculo de vári-
cas de um modelo científico é expli- “gravidade” ou “força gravitacional”, os parâmetros, como a velocidade ad-
car a realidade que se observa de for- existente entre dois corpos quaisquer quirida por um corpo em queda livre,
ma coerente a partir de certos princí- do Universo. No caso da queda da sua aceleração, o tempo e a posição da
pios aceitos, a priori, como verdades, maçã, por uma força gravitacional en- queda etc. com suficiente precisão.
e possibilitar também a previsão de tre ela e a Terra. Já no modelo criado Além disso, permitiu explicar de forma

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coerente todos os fatos dessa nature- artigos nos quais expunha a Teoria da nunciada nas proximidades da bola.
za observados na Terra e também os Relatividade Geral com uma nova Teo- Qualquer objeto (outra bola, por exem-
relacionados a outros corpos celestes, ria da Gravitação. Com ela, Einstein plo) colocado na lona adquirirá um
explicando e prevendo movimentos de conseguia explicar e calcular o avanço movimento em direção à bola mais
planetas, satélites (inclusive a Lua), co- do periélio de Mercúrio dentro da pre- massiva. Isso representa a “força gra-
metas, estrelas e outros astros, assim cisão das observações da época, sem a vitacional” suposta por Newton, mas
como fenômenos como as marés oce- necessidade da suposição da existên- por Einstein considerada apenas com
ânicas e terrestres. Isso, até que novos cia de Vulcano. Nela não utilizava a o movimento natural do corpo decor-
fatos observados muito depois de sua idéia de “força gravitacional” e sim a rente da “curvatura do espaço-tempo”.
época foram detectados e não explica- idéia de “deformação do espaço-tem- São apenas formas diferentes de ex-
dos por seu modelo ou teoria. po” pela presença de uma massa. No plicar o mesmo fenômeno. Ambas po-
Um dos primeiros fatos não explicá- caso do avanço do periélio de Mercú- dem ser consideradas corretas – tan-
veis satisfatoriamente pelo modelo rio, a massa do Sol “curvaria ” o “es- to é que a teoria newtoniana permi-
newtoniano foi o chamado “avanço paço-tempo” ao seu redor – e mais te explicar praticamente todos os fa-
do periélio de Mercúrio”. Em seu mo- fortemente em sua proximidade, onde tos cotidianos e também observáveis
vimento orbital em relação ao Sol, a está Mercúrio. com outros astros, sendo ainda usa-
distância entre o Sol e cada planeta da normalmente para quase tudo na
varia. Na máxima distância diz-se que Curvatura do espaço-tempo Diferen- ciência e tecnologia. Mas para alguns
o planeta está no afélio e na mínima, temente do modelo newtoniano, com fenômenos astronômicos observa-
no periélio. Esse fato é observado com o qual estamos acostumados, o mo- dos desde o final do século 19 e pos-
todos os planetas e é explicado pela delo einsteiniano da gravidade é mui- teriormente, inclusive no mundo sub-
teoria newtoniana. Mas, no caso de to mais difícil de entender, principal- atômico, o modelo newtoniano não
Mercúrio o valor era (e é) maior do que mente se considerarmos sua elabora- é suficiente para explicá-los. O mes-
o previsto pela teoria, o que levou os ção matemática, muito mais sofistica- mo não ocorre com o modelo eins-
astrônomos a imaginarem que entre o da que a matemática utilizada no mo- teiniano, que além de explicar o que
Sol e Mercúrio poderia existir um pla- delo newtoniano. Simplificadamente,
neta então não conhecido (apelidado a curvatura do espaço-tempo pode ser
de Vulcano) cuja força gravitacional visualizada como o que ocorre numa Em 1917, Einstein propôs um
geraria um periélio maior do que o pre- lona elástica, representando a estrutu- modelo com uma “constante
visto quando se utiliza a teoria newto- ra geométrica do “espaço-tempo”. cosmológica”. De Sitter (abaixo, à
esq., com Einstein, no canto oposto,
niana. No final do século 19 e início do Sobre ela coloca-se uma bola de ferro
na imagem de 1920, à esq.)
século 20 tentou-se descobrir esse pla- bem massiva. A lona (o espaço-tempo) conseguiu outra solução para as
neta, em vão. é então afetada pela massa (matéria) equações da Teoria da Relatividade
Nessa época Einstein já estava elabo- da bola de ferro e adquire uma “de- Geral. Em 1965, Penzias e Wilson
rando a Teoria da Relatividade Restrita formação” na direção da posição da (abaixo, à dir.), detectaram os sinais
ou Especial (publicada em 1905) e al- bola, tornando toda a lona curva, com que fizeram com que a Teoria do
guns anos depois (1915) já publicava curvatura ou “deformação” mais pro- Big Bang ganhasse mais adeptos

Reprodução
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a teoria newtoniana explica, permi- V=Hd, onde d é a distância, V a velo- se expandindo e se imagina como era
tiu expor e prever novos fatos poste- cidade e H é uma constante, denomi- tempos atrás, como se um filme fosse
riormente observados. Por isso, a Te- nada constante de Hubble. Essa veri- passado ao contrário, chega-se à con-
oria de Einstein é aceita e utilizada ficação de que o Universo se expan- clusão que seu volume é menor quan-
particularmente na cosmologia e dia, bem como modelos teóricos de- to mais voltamos no tempo. Através
também na explicação e aplicação em senvolvidos por outros cosmólogos das equações é possível calcular há
fenômenos do mundo das partículas indicavam que o modelo proposto por quanto tempo no passado todo o vo-
elementares. Mas, principalmente, Einstein era inconsistente. lume do Universo estava concentrado
nesse último caso, ela não é também num volume insignificante, o “átomo
suficiente e é necessário recorrer à O “átomo primordial” Também em primordial” de Lemaitre. A partir des-
Mecânica Quântica (do físico alemão 1917 o astrônomo neerlandês Willen se momento, estimado atualmente em
Max Planc, 1858-1947) e a outras De Sitter (1872-1934) havia consegui- aproximadamente 13,5 bilhões de
teorias desenvolvidas no século 20 e do outra solução para as equações da anos atrás, teria começado a ocorrer
mais recentemente, já no século 21. Teoria da Relatividade Geral, sem in- o processo de expansão do espaço-
Em 1917, com base em sua teoria, troduzir qualquer termo novo. O mes- tempo e da matéria-energia, gerando
Einstein propôs um modelo de univer- mo fez o matemático russo Alexander progressivamente o Universo hoje ob-
so, no qual utilizou a geometria Friedman (1888-1925), em 1922. Ba- servado.
Riemaniana (elaborada por Bernhard seando-se na solução de Friedman o Esse início do processo expansivo é
Riemann, 1826-1866). Trata-se de astrônomo belga Georges Lemaitre comumente denominado “Big
uma geometria não-euclidiana quadri- (1894-1986) sugeriu que todo o Uni- Bang” e a teoria ou modelo que des-
dimensional. Einstein considerou três verso se originou daquilo que ele cha- creve as condições do Universo des-
dimensões do espaço (com eixos x, y e mou de “ovo cósmico” ou “átomo de então é conhecida como Teoria
z) e uma dimensão como sendo o tem- primordial”. do Big Bang ou Modelo do Big Bang.
po (t). Ele considerou que o Universo Quando se considera o fato verifica- Foi desenvolvida principalmente por
era espacialmente homogêneo (com do por Hubble de que o Universo está George Antonovich Gamow, físico
densidade igual em todas as regiões),
isotrópico (com propriedades iguais em

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todas as direções) e estático ou estaci-
onário. Entretanto, para conseguir a
solução das equações introduziu um
termo chamado “constante
cosmológica” (mais tarde, a conside-
rou o maior erro científico de sua vida).
Poucos anos após Einstein criar esse
modelo de Universo estacionário, o
astrônomo norte-americano Edwin P.
Hubble (1889-1953) verificou, a par-
tir da determinação do redshift (des-
vio para o vermelho no espectro das
galáxias), que elas se afastavam em
altas velocidades, descobrindo que o
Universo estava em expansão. Ele es-
tabeleceu, em 1929, que a velocidade
de recessão (afastamento) de uma
galáxia é proporcional à sua distância
a nós. Essa relação, chamada Lei de
Hubble, diz, é expressa pela fórmula

Estudos realizados na década de


1980 revelaram grande diferença nas
velocidades de rotação entre o
“disco” e o “halo” das galáxias
espirais. Para explicar tal divergência
supôs-se que o “halo” contivesse
mais matéria do que a observada,
que, por não emitir nenhum tipo de
radiação eletromagnética, foi
chamada “matéria escura”

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Nos próximos dez anos deverá ser
lançado o Snap (Supernova/
Acceleration Prove), com o objetivo
de confirmar e esclarecer melhor a
questão da aceleração da expansão
do Universo e a natureza da
“energia escura”. Com ele, espera-se
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obter dados de milhares de


supernovas (estrelas que explodem)
em galáxias muito distantes

Numa descrição simplificada do mo-


delo de Universo Fechado, considera-
se que o espaço-tempo que se expan-
de é esférico, finito e ilimitado. Ele exis-
tiria somente por um período finito de
tempo e corresponderia a uma bola
em processo de expansão e posterior
contração. Considerando-se a curva-
tura nula, teríamos o Universo Plano,
no qual o espaço-tempo que se expan-
de é plano, infinito e ilimitado. O Uni-
verso duraria um período infinito de
russo-norte-americano (1904-1968). Woodrow Wilson (nascido em 1936), tempo. Finalmente, no modelo de cur-
É comum se descrever, de forma errô- físico norte-americano, detectaram si- vatura negativa, do Universo Aberto, o
nea, esse início do processo de expan- nais de radiação de microondas vindo espaço-tempo que se expande é
são, o “Big Bang” como uma “grande uniforme e constantemente de qual- hiperbólico, infinito e ilimitado. A ex-
explosão”. Ele foi introduzido ironica- quer direção para a qual fosse aponta- pansão é contínua por um período in-
mente pelo astrônomo inglês Fred da a antena do radiotelescópio que finito de tempo.
Hoyle (1915-2001) em uma de suas utilizavam. Analisando as observações, Para decidir dentre essas hipóteses qual
críticas aos modelos de universo em concluíram que tinham detectado o ocorrerá, é necessário conhecer qual é
expansão feita em um programa de “sinal” da grande explosão. Essa des- a densidade média do Universo, já que
rádio da rede BBC, da Inglaterra. Ele coberta fez com que a Teoria do Big a massa do Universo é que determina-
próprio elaborou um modelo cosmo- Bang ganhasse mais adeptos, pois ela rá qual é sua curvatura. A questão de
lógico conhecido como “modelo da previa essa distribuição de microondas qual é o modelo mais adequado de
criação contínua” no qual propunha no Universo. Universo depende, portanto, da deter-
um Universo em estado estacionário, minação de sua massa, o que por sua
em que a matéria estaria sendo criada Três modelos Na teoria gravitacional vez depende de poder constatar de al-
continuamente, mas numa taxa não da Relatividade a geometria do espa- guma forma a quantidade de matéria
observável. Assim ele explicava como, ço em qualquer ponto do Universo nele existente. O valor da massa do
num Universo estacionário, estático, a está diretamente relacionada com a Universo determinada a partir da ma-
expansão ocorreria. Mas a idéia era (é) intensidade do campo gravitacional téria observável (que emite luz ou ou-
muito exótica (como outras do passa- naquele local. Quanto mais intenso tras faixas de radiação eletromagnéti-
do e atuais) e não encontrou muitos for o campo gravitacional, mais forte ca) não é, entretanto, suficiente para
adeptos. será a curvatura correspondente. A explicar alguns fenômenos conhecidos.
A expressão “Big Bang” gera a idéia curvatura ou geometria do Universo É o caso do estudo do movimento de
errada de que houve de fato uma ex- depende, por decorrência, da massa rotação de galáxias espirais. Essas ga-
plosão. Uma explosão é algo que ocor- que ele contém, que determina sua láxias, como se supõe ocorra com a
re em um ponto no espaço – mas o “auto-gravidade”. Isso, por sua vez, Via Láctea, em cujo interior nos en-
“átomo primordial” era o próprio Uni- determina a intensidade da interação contramos, possuem um “disco
verso naquele momento, cerca de 13,5 gravitacional ou a curvatura do “espa- galático” onde se concentra a maior
bilhões de anos atrás. Ou seja, a “ex- ço-tempo”. Diferentes modelos de parte se sua matéria detectável e um
plosão” ou “início do processo de ex- Universo foram elaborados com base “halo galático” envolvendo o disco
pansão” na realidade teria ocorrido em na Teoria da Relatividade Geral de e, aparentemente com menos maté-
todos os pontos do Universo, sem que Einstein. São considerados basicamen- ria visível.
nenhum fosse preferencial, sem um te três modelos: o Universo Fechado, Quando se realizaram, na década de
“centro” da “explosão”. de curvatura positiva; o Universo Pla- 1980, medidas das velocidades de ro-
Em 1965, Arno Allan Penzias (nascido no, de curvatura nula; e o Universo tação dessas duas regiões das galáxias
em 1933), físico alemão, e Robert Aberto, de curvatura negativa. espirais notou-se uma grande diferen-

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ça entre as curvas de velocidade do dis- te ano, a agência espacial norte-ame- aquela que seria necessária para expli-
co e do halo. Para explicar esse fato ricana, NASA, anunciou aquilo que car um Universo plano e a aceleração
resolveu-se supor que o halo contives- talvez seja a primeira comprovação da expansão.
se muito mais matéria do que se ob- “direta” da existência da matéria es- Foi então necessário supor a existên-
servava. Matéria essa que seria respon- cura. Com observações obtidas pelo cia de uma espécie de “interação anti-
sável por efeitos gravitacionais que Observatório Espacial de Raios-X gravitacional” que “empurraria” o
gerariam velocidades diferentes daque- Chandra e por outros telescópios, foi Universo na direção da expansão, ace-
las calculadas a partir da massa da possível detectar a colisão entre dois lerando-a. A essa causa da aceleração
matéria visível, concentrada na forma enxames de galáxias de grandes di- da expansão denominou-se “energia
de estrelas massivas de aglomerados mensões. Considera-se este o even- escura”. A energia escura não emiti-
globulares (agrupamentos de distribui- to cósmico mais energético já obser- ria radiações eletromagnéticas (inclu-
ção esférica contendo cada um milhões vado até agora. Mas, como sempre - sive luz), seria aproximadamente ho-
de estrelas). Apesar de interagir e ainda bem, há controvérsias. Ape- mogênea e exerceria uma grande pres-
gravitacionalmente, essa matéria não sar das consideráveis evidências já são negativa. Em 2004 pesquisado-
emitiria luz, ou mais exatamente, ne- oferecidas em prol da existência da res da Universidade de Pittsburgh, na
nhum tipo de radiação eletromagnéti- matéria escura, alguns cientistas co- Pensilvânia (EUA), consideraram ter
ca. Por isso resolveu-se denominá-la meçam a propor teorias alternativas encontrado uma outra evidência
“matéria escura“, cuja existência já para a explicar os fenômenos conhe- observacional para a existência de
havia sido prevista pela primeira vez cidos, como a existência dos “Weakly energia escura. Comparando a distri-
pelo astrônomo suíço Fritz Zwicky Interacting Massive Particles” – ou buição espacial de milhares de galáxi-
(1898-1974) em 1937. simplesmente, WIMPs. as detectadas pelo Sloan Digital Sky
Note-se que a suposição da existência Survey, situado no Apache Point
da “matéria escura“, de algo não A “energia escura” As WIMPs são Observatory (Novo México, EUA) com
detectável do ponto de vista de obser- novas partículas elementares sugeridas as flutuações de temperatura medi-
vação direta, decorreu da necessidade por um modelo que descreve as das através do satélite WMAP
de se encontrar uma explicação plausí- interações fortes, fracas e eletromag- (Wilkinson Microwave Anisotropy
vel para as diferenças observadas nas néticas entre partículas elementares. Probe), verificaram que a RCF é ligei-
curvas de velocidade de rotação de Esse modelo, como outros, foi desen- ramente mais quente onde há maior
galáxias espirais e por não existirem volvido a partir das teorias de concentração de galáxias, indicando
outras explicações cientificamente ade- supercordas. Sua detecção seria muito a presença da energia escura.
quadas para o mesmo fato. Ou seja, difícil devido à sua fraca interação com Os resultados teórico-observacionais
aceitou-se, ainda que provisoriamen- a matéria ordinária. Mas mesmo com a sugerem que cerca de 74% do Uni-
te, a existência de algo não observável aparente comprovação da existência de verso é constituído por energia escu-
diretamente, porque isso permitia uma matéria escura, os cósmologos não ra e cerca de 26% por matéria, sendo
“boa” explicação para o que se obser- estão satisfeitos. que aproximadamente 22% é maté-
va. No caso, a diferença de velocidade Observações de supernovas (estrelas ria escura e somente 4% matéria or-
de rotação em regiões diferentes das que explodem) feitas a partir de 1995 dinária. Na tentativa de confirmar e
galáxias espirais, incompatível com o em galáxias distantes, mostraram que a esclarecer melhor a questão da acele-
previsto pela teoria utilizada. possível existência de matéria escura, ração da expansão do Universo e a
A matéria escura não emite radiação além da matéria ordinária, não era sufi- natureza da energia escura, prevê-se
eletromagnética e, portanto, somente ciente para explicar o que se descobriu. o lançamento, por volta de 2013-
podemos detectá-la através da força Ao contrário do que se esperava, as 2014, do SNAP (Supernovae/Accela-
gravitacional que ela exerce sobre os observações indicaram que a expan- ration Probe) que deverá, a cada ano,
objetos celestes. A tentativa de detecção são do Universo está se acelerando obter dados de milhares de superno-
da existência de matéria escura é efetu- com o tempo. Elas foram inicialmente vas em galáxias muito distantes. Uma
ada através do estudo do movimento feitas por pesquisadores de dois pro- outra idéia para tentar explicar a ace-
de estrelas individuais em galáxias e o jetos independentes: o Supernova leração da expansão do Universo é
movimento de galáxias em aglomera- Cosmology Project e o High-Redshift postular um novo tipo de matéria,
dos de galáxias. Quando se aplica a lei Supernova Team. Essa conclusão é chamado “quintessência”. Sua den-
da gravitação a esses movimentos, veri- apoiada pelas medidas recentes das sidade poderia diminuir vagarosa-
fica-se que a massa é muito maior que flutuações de temperatura da radiação mente, de modo a simular uma cons-
a massa visível em estrelas e gases. cósmica de fundo (RCF), através das tante na época atual, e se anular num
Modelos teóricos e observações poste- quais se pode também concluir que a futuro distante.
riores de estrelas e aglomerados de ga- curvatura do espaço é aproximada- Como se vê, voltamos ao “Universo
láxias indicam que no Universo deveria mente zero (o que corresponde à con- Aristotélico”...
existir uma grande quantidade dessa cepção do Universo Plano). Verificou-
matéria, a fim de explicar outros fenô- se que a massa estimada do Universo,
Romildo Póvoa Faria é professor de astronomia, astrôno-
menos constatados. inclusive supondo a existência de ma- mo-planetarista e escritor. Atualmente trabalha na Pró-rei-
Muito recentemente, em agosto des- téria escura, é bastante menor do que toria de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp.

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