Você está na página 1de 3

O que é FÍSICA QUÂNTICA?

25 de janeiro de 2023 Lucas Miranda 2 Comentários Física, quântica

Você certamente já ouviu a palavra “quântico”. Possivelmente, já ouviu essa palavra


em explicações a respeito da capacidadede de utilização da nossa mente para
transformar a matéria e afetar nossa saúde.

Essas interações entre física quântica e saúde, frequentemente denominadas de


“terapia quântica”, “cura quântica”, “medicina quântica”, em geral não possuem
qualquer embasamento científico, tratando-se portanto de pseudociências.

Uma maneira de ficarmos um pouco menos vulneráveis ao charlatanismo quântico é


entendendo melhor o que de fato é esta área de conhecimento. Por isso, vamos falar
neste texto sobre o que de fato é a física quântica, como ela se diferencia da
física clássica e a partir de que ponto as afirmações quânticas deixam de ser
científicas.

Este conteúdo é inspirado em meu texto “A física do multiverso” (publicado na


edição 394 da Revista Ciência Hoje) e foi produzido em vídeo para o canal Ciência
Nerd. Você pode assisti-lo no player acima ou lê-lo abaixo!

O surgimento de uma nova física


No final do século 19, pairava um sentimento sobre os físicos de que tudo estava
resolvido. Muitos realmente acreditavam que todas as grandes descobertas já haviam
sido feitas, que não havia mais mistérios da natureza para a física investigar. Mas
por quê? Como estava o cenário da física naquele momento?

A teoria eletromagnética, brilhantemente elaborada pelo físico e matemático escocês


James Clerk Maxwell (1831-1879), dava conta de explicar praticamente todos os
fenômenos envolvendo a luz, as radiações, a eletricidade e o magnetismo. A
termodinâmica, estrela da revolução industrial, nos possibilitava conhecer com
precisão o comportamento dos gases e estava plenamente consolidada. E a mecânica
clássica de Isaac Newton era tão bem sucedida que descrevia matematicamente o
movimento dos objetos na Terra e no espaço com primazia. Eram poucos os fenômenos
que ainda não encontravam explicações nestas três grandes áreas da física.

No entanto, esses poucos fenômenos inexplicados de repente viraram problemas tão


grandes, que alguns físicos perceberam que a física que nós conheciamos
simplesmente seria incapaz de explicá-los. Uma nova física se fazia necessária.

Para contornar algumas dessas questões que não tinham explicação científica, o
físico alemão Max Planck (1858-1947) encontrou um artifício matemático que não
aparentava fazer muito sentido no mundo real, mas resolvia alguns problemas da
física.

Planck propôs que a energia presente na luz não poderia ser emitida (ou absorvida
por outros corpos) de maneira contínua, mas sim na forma de “pacotes” com
quantidade fixa. Como assim?

Imagine que você quer encher um copo com água. Se a água estiver líquida você pode
encher o copo de forma contínua, ou seja, pode colocar qualquer quantidade: 10 mL,
5 mL, 2,5 mL, até mesmo 0,37 mL. Sempre haverá um valor intermediário de água que
você pode colocar no copo. Mas e se essa água estivesse na forma de cubos de gelo?
Você poderia colocar 1 cubo gelo no copo, ou 2, ou 3, ou 4. Mas não poderia colocar
valores intermediários. Nesse caso, a água existe e é transferida na forma de
pacotes com quantidades fixas.

Assim, a solução matemática de Planck considerava que a energia contida na luz


também deveria existir na forma de pacotes, com quantidade fixa de energia. E ao
absorver energia, um átomo só poderia absorver um desses pacotes, ou dois, ou três,
mas nunca valores intermediários.

Esse “pacote”, que carrega a menor quantidade de energia possível para uma
determinada luz, recebe o nome de quantum de luz, ou de fóton. E, por meio de uma
equação muito simples, denominada ‘relação de Planck-Einstein’, demonstrou-se que a
energia contida em cada um desses fótons dependia exclusivamente da frequência da
luz (ou seja, da sua cor).

Essa tese de que a energia é quantizada (ou seja, existe em quantidades fixas e
específicas) foi extremamente revolucionária. Ela violava áreas da física muito bem
consolidadas e, por isso, muitos foram os físicos que se opuseram a ela.

Com o passar do tempo, essa nova física – que já podemos passar a chamar de física
quântica” – mostrou-se bastante sólida. A concordância entre as equações
matemáticas e os resultados experimentais era tão grande, que ela se mostrou uma
das teorias mais bem-sucedidas da física. Hoje, nenhum físico questiona a validade
da mecânica quântica e a sua enorme importância para a ciência.

O mundo quântico
Neste mundo macroscópico que conhecemos, todos os movimentos podem ser muito bem
descritos e previstos por equações matemáticas da física clássica, em especial pela
2ª lei de Newton. Se eu sei as condições iniciais de um sistema, eu sei como ele
vai evoluir no tempo.

Quando vamos para a escala quântica (ou seja, quando lidamos com objetos do tamanho
de átomos, elétrons, prótons), essas equações clássicas não fazem mais sentido,
elas simplesmente deixam de funcionar. O movimento de um elétron é completamente
diferente do movimento da queda de um objeto, ou de um planeta em torno do Sol. Por
isso, é impossível prever o comportamento de um elétron usando a “matemática das
coisas grandes”, ou seja, usando a física clássica. A matemática que descreve os
movimentos nessa escala subatômica é a famosa equação de Schrödinger, que foi
elaborada pelo físico austríaco Erwin Schrödinger.

Na física clássica, quando resolvemos as equações para analisar o movimento de um


corpo, nós conseguimos prever exatamente qual a posição e a velocidade dele em
qualquer instante de tempo.

Já na escala quântica, a solução da equação de Schroedinger não nos diz exatamente


onde estará o elétron ao redor de um átomo. Ela nos permite conhecer qual a
probabilidade desse elétron estar em cada uma das posições teoricamente possíveis.
Assim, não se trata de um resultado exato, mas de um resultado probabilístico. E
isso deixou muitos físicos incomodados, inclusive o Albert Einstein.

E as estranhezas dessa nova física não paravam de surgir.

Sobreposição de estados quânticos


Imagine uma pessoa jogando uma moeda dentro de uma caixa escura. O que vai
acontecer? Ou a moeda irá cair com a cara voltada para cima, ou com a coroa voltada
para cima. A chance da moeda terminar no “estado” de cara é de 50%. E a chance dela
terminar o movimento no “estado” de coroa também é de 50%. Quando ela de fato cair
uma das duas coisas terá acontecido: ou cara ou coroa.

No mundo quântico as coisas funcionam de um jeito bem diferente. Existe um


princípio chamado de sobreposição de estados quânticos (que você também pode irá
vê-lo por aí com o nome de superposição). A sobreposição significa que um sistema
(em escala quântica) existe em todos os estados teoricamente possíveis
simultaneamente. Ou seja, é como se um mesmo elétron estivesse, ao mesmo tempo, em
vários lugares diferentes. E todas essas possibilidades coexistem.
Se aplicássemos esse princípio no exemplo da moeda é como se se ela ficasse lá
dentro da caixa, depois de cair, no estado de cara, mas também de coroa, e até
mesmo de metade cara e metade coroa. Tudo isso ao mesmo tempo. Ela está nos 3
estados simultaneamente.

E para tornar as coisas ainda mais estranhas, sabe o que acontece quando tentamos
observar o átomo através de algum experimento específico (que o faça interagir com
outros objetos macroscópicos)? Todos esses estados sobrepostos se colapsam em um
único estado e o elétron se torna ‘localizável’.

Toda vez que nós tentamos observar um fenômeno quântico, através de experimentos,
essa sobreposição de estados simplesmente não acontece. Portanto, é impossível ver
ou detectar essa sobreposição.

Por mais estranha que seja essa ideia da sobreposição (e por mais que ela seja
impossível de ser observada), a sobreposição de estados de um sistema quântico faz
todo sentido matemático. Mais do que isso, ela é um postulado fundamental para que
toda a teoria quântica funcione.

Se o seu computador, o seu celular, até o seu pendrive funcionam perfeitamente bem,
é graças à mecânica quântica. Sim, até o seu pendrive tem mecânica quântica e você
pode ler mais sobre isso em meu texto sobre atravessar paredes, neste mesmo blog.

A mecânica quântica é uma teoria extremamente bem sucedida, o que significa que o
seu formalismo matemático é perfeitamente concordante com os resultados
experimentais. O grande desafio da mecânica quântica está no domínio da
interpretação das equações. O que elas significam exatamente? O que significa essa
sobreposição de estados? Como é essa sobreposição visualmente? Por que isso
acontece com o elétron? O que exatamente faz esses estados colapsarem?

Quando entramos no campo da interpretação da mecânica quântica, nós não temos


resposta para quase nada, não temos consenso científico para quase nada. E sempre
que uma pessoa (principalmente que não for da física ou que trabalhe com pesquisa
na área) apresenta qualquer interpretação, qualquer extrapolação da teoria quântica
que vá além da simples aplicação de suas equações; qualquer pessoa que relacione
física quântica com outras áreas do conhecimento (principalmente com a área da
saúde, da psicologia, da neurociência) essa pessoa provavelmente está tentando te
enganar. E ela certamente não sabe nada de física quântica.

Em um texto futuro, irei falar sobre O QUE NÃO É física quântica, quais são os
principais argumentos dos charlatões quânticos, quais são os pontos da mecânica
quântica essas pessoas se apropriam e deturpam afim de enganar os outros.

Você também pode gostar