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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA


FACULDADE DE HISTÓRIA
MESTRADO

CLEITON RICARDO DAS NEVES

O Projeto de identidade latino-americana de Manoel Bomfim na


obra A América Latina: Males de Origem (1905)

Goiânia
2010
CLEITON RICARDO DAS NEVES

O Projeto de identidade latino-americana de Manoel Bomfim na


obra A América Latina: Males de Origem (1905)

Dissertação apresentada ao
Programa de pós-graduação em
História da Universidade
Federal de Goiás, como
requisito para a obtenção do
grau de mestre em história.
Área de Concentração:
Culturas, Fronteiras e
Identidades.
Linha de Pesquisa:
Identidades, Fronteiras e
Culturas de Migração.
Orientador: Prof. Dr. Eugênio
Rezende de Carvalho.

Goiânia
2010
Cleiton Ricardo das Neves

O Projeto de identidade latino-americana de Manoel Bomfim na


obra A América Latina: Males de Origem (1905)

Dissertação defendida no Curso de Mestrado em História do Programa


de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Goiás, para a
obtenção do grau de Mestre, aprovado em _______ de ________ de _______,
pela Banca Examinadora constituída pelos seguintes professores:

Prof. Dr. Eugênio Rezende de Carvalho – UFG


Presidente da Banca

Prof. Dr. Eduardo José Reinato – UCG

Profª. Drª. Fabiana de Souza Fredrigo – UFG

Profª. Drª. Libertad Borges Bittencourt – UFG


Suplente
Agradecimentos

Ao CNPQ que disponibilizou a bolsa de estudos para a realização do


presente trabalho.
Ao professor Eugênio Rezende de Carvalho, orientador deste trabalho,
pela paciência e dedicação a mim dispensadas ao longo de minha caminhada
acadêmica na pós graduação da UFG.
Aos professores Marcio Antônio Santana e Eduardo José Reinato, pela
dedicação com a qual me introduziram e me auxiliaram na discussão latino-
americanista ainda na graduação.
Ao meu filho Daniel Ricardo Moraes dos Santos Neves, razão de minha
vida, pelo amor e ternura sempre presentes, os quais sempre me deram novo
ânimo na jornada da vida.
À minha esposa Ana Cristina Moraes dos Santos Neves, pelo seu amor
e compreensão de minhas constantes ausências dedicadas aos estudos.
À minha mãe Benedita Matias das Neves, que sempre apoiou e
incentivou minha caminhada na academia.
Aos meus irmãos Nivaldo e Nivair que sempre respeitaram e
incentivaram meus estudos.
Ao meu amigo André Luiz pelo carinho e companheirismo em todos os
momentos da vida.
Espero poder retribuir a cada um o que fizeram por mim e desculpem
aqueles que não foram citados, mas tenham a certeza de que estarão sempre
comigo. Obrigado.
“A grandeza do Homem se exprime
pelo esforço constante para
compreender melhor as suas necessidades,
para conhecer qualquer coisa de novo;
continuar, conservar é obra dos mortos;
viver é acrescentar alguma coisa ao que existe,
Eliminar o que já não convém”
(Manoel Bomfim)
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.....................................................................................................9
1. O CONTEXTO HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DO PENSAMENTO DE
MANOEL BOMFIM............................................................................................18
1.1 O Brasil e a América Latina no Final do Século XIX...............................18
1.2- Manoel Bomfim em seu Contexto: vida e obra......................................26
2. REPRESENTAÇÕES DEPRECIATIVAS DE RAIZ EUROPEIA SOBRE A
AMÉRICA LATINA: ORIGENS E REFLEXOS DAS TESES SOBRE A
HIERARQUIA RACIAL E A MESTIÇAGEM.....................................................39
2.1 Georges- Louis Leclerc Buffon................................................................40
2.2 Corneille De Pauw......................................................................................44
2.3 Hegel e a Imaturidade da América...........................................................47
2.4 Darwinismo Social.....................................................................................49
3. O “PARASITISMO SOCIAL” DE MANOEL BOMFIM: OS MALES DA
AMÉRICA LATINA ORIGINÁRIOS DE UM “PASSADO
FUNESTO”........................................................................................................56
3.1 Parasitismo e Degeneração......................................................................57
3.2 As Nações Colonizadoras da América do Sul........................................60
3.3 Efeitos do Parasitismo sobre as Novas Sociedades..............................64
3.4 Efeitos Devidos à Tradição e à Imitação.................................................71
3.5 Revivescência das Lutas Anteriores.......................................................73
4- A IDENTIDADE “MESTIÇA” DE MANOEL BOMFIM..................................75
4.1- O indígena.................................................................................................77
4.2- O negro......................................................................................................80
4.3- O ibérico....................................................................................................81
4.4- A mestiçagem...........................................................................................82
CONCLUSÃO....................................................................................................91
FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................94
RESUMO

A presente dissertação objetiva contribuir para o debate latino-americanista


trazendo para a discussão as idéias do pensador brasileiro chamado Manoel
Bomfim (1868-1932) específicamente com relação à identidade latino-
americana. Pretendemos, para tanto, vislumbrar em que medida as
considerações que este pensador brasileiro faz acerca da América Latina
podem ser consideradas como um projeto de identidade latino-americana, e
como tal projeto incorpora o homem mestiço como seu portador. Tal projeto
presente em Bomfim embasa-se principalmente nas idéias de parasitismo
social e mestiçagem. Como desdobramento da dissertação, pontuamos uma
análise da biografia intelectual de Bomfim concatenada com o discurso
intelectual da época. Neste sentido, identificamos as correntes de pensamento
que explícita ou implicitamente influenciaram a construção de uma visão
deturpadora da América Latina e do homem latino-americano e que são
refutadas nas obras de Bomfim. Tais refutações são basilares para o seu
discurso, pois sua narrativa é uma narrativa de resistência e seu pensamento
se caracterizará pela defesa das acusações de degeneraçao, ao mesmo tempo
em que ataca as pretensões de neo-colonização da América Latina tanto da
Europa quanto dos Estados Unidos. Por fim, trabalha-se as concepções
fundamentais que trazem a originalidade de Bomfim para este debate, sua
especificidade e importância, tanto para uma identidade latino-americana
quanto para uma possível identidade nacional. Isto numa relação entre o macro
e o micro, pois Bomfim pensa a América Latina a partir do Brasil. Salienta a
mestiçagem, a plasticidade cultural e educação como fundamentos de seu
projeto identitário latino-americano.

Palavras chave: América Latina, mestiçagem, identidade.


ABSTRACT

The present dissertation has an objective to build a Latin-Americanist debate


unfolding the ideas of a Brazilian thinker named Manoel Bomfim (1868-1932),
specifically with respect to Latin American identity. We intent to glimpse in
which measurement the forethoughts of this Brazilian thinker makes of Latin
America; if it can be considered a project of identification of the Latin American
identity and as such design incorporates the mestizo man as bearer. This
present project in Bomfim’s work is especially based on the ideas of social
parasitism, miscegenation. As an unfoldment of the dissertation, we focused on
an analysis of Bomfim’s intellectual biography connected with the intellectual
discourse of the time. This locates spatially and temporally the Brazilian and
foreign interlocutors of Bomfim. In this sense, we identify the streamlines that
explicit or implicitly influenced the construction of a distorted conception of Latin
America and of the Latin-American and which are refuted in Bomfim’s works.
Such refutations are the basis for Bomfim’s discourse because his narratives
are of resistance and his thought is characterized by the defense, as well as
attacks the neo-colonization pretensions of both Europe and the United States,
regarding Latin America. Finally, the fundamental conceptions that bring
Bomfim originality to this discussion were worked; it’s specificity and
importance, both for the Latin-American identity as for a possible national
identity. Herein, in a macro micro relation, Bomfim thinks Latin America from a
view point in Brazil. He accentuates the miscegenation, the cultural plasticity
and education as the fundaments of his Latin-American identification project.

Keywords: Latin America, mestizaje, identity.


INTRODUÇÃO

A América Latina foi, historicamente, objeto de inúmeras


representações, sendo que, até o século XIX a maioria delas foi construída e
disseminada a partir do referencial europeu, com base em uma imagem
bastante negativa em vários aspectos. No final do século XIX e início do século
XX, vários intelectuais latino-americanos buscaram romper com a negatividade
de tal representação, contrapondo uma imagem mais positiva da América
Latina mediante a valorização do próprio em contraposição à perspectiva
eurocêntrica. Entre estes intelectuais encontrava-se, no início do século XX, o
brasileiro Manoel Bomfim.
Manoel Bomfim, sergipano de Aracaju, nasceu em 1868, era médico,
radicado no Rio de Janeiro, mostrou-se ao longo de sua vida um estudioso dos
problemas nacionais, investigando suas causas, denunciando seus males,
apontando soluções, como atestam seus livros, A América Latina (1905) 1 , O
Brasil na América (1929), O Brasil na História (1930), e O Brasil nação (1931).
Sua análise tanto do Brasil quanto da América Latina passa pela História,
Sociologia, Literatura, Pedagogia e Psicologia. Poucos meses antes de morrer,
escreveu sua última obra, Cultura e educação do povo brasileiro (1932) 2 , a
qual foi lançada postumamente. Bomfim morreu em 1932, vitima de câncer. Ao
analisar sua biografia, percebe-se que foi um intelectual marginal, um “rebelde
esquecido” 3 que nadou contra a corrente intelectual dominante de sua época.
Sua relevância reside na singularidade de seu pensamento na história
das idéias no Brasil – que não tinha uma tradição de pensadores preocupados
com o tema latino-americano – bem como no seu posicionamento frente a um
debate que tanto inquietou a intelectualidade latino-americana como um todo.
1
As citações bibliográficas na presente dissertação obedecerão ao ano da publicação da obra
e não a reedição adotada pela pesquisa, escolheu-se trabalhar metodologicamente desta
forma visando uma melhor localização temporal para os leitores.
2
No entanto, esta obra foi finalizada ainda em 1931, nos últimos meses de vida de Bomfim. A
obra foi agraciada com um segundo lugar no prêmio Francisco Alves da Academia Brasileira de
Letras em 1932.
3
Este conceito é de Ronaldo Conde Aguiar e é titulo de um livro do mesmo autor, intitulado o
Rebelde Esquecido: Tempo, Vida e Obra de Manoel Bomfim. São Paulo: Topbooks, 2000. Este
conceito inspira a idéia de que Bomfim teria sido um intelectual que se rebelara contra as idéias
positivistas e racistas vigentes em sua época.
O discurso latino-americanista tem construído uma tradição que se pauta
pelos questionamentos acerca da identidade latino-americana. Este
pensamento tem seus representantes localizados em vários países de nosso
continente, que produziram seus discursos tanto no transcurso do século
dezenove quanto no século seguinte. O estudo de Manoel Bomfim se torna
relevante por este pensador ser pioneiro nas discussões latino-americanistas
no Brasil, bem como pelas contribuições que legou aos pensadores
posteriores.
Dessa forma, a presente dissertação pretende evidenciar como Manoel
Bomfim se distanciou do pensamento corrente entre a maioria de seus
contemporâneos (brasileiros ou hispano-americanos), na confecção de seu
projeto. Procura saber também em que medida, em que aspectos e por quais
razões o discurso identitário do intelectual brasileiro representou uma ruptura
com as representações correntes e depreciativas acerca da América Latina,
formuladas externamente, sobretudo a partir da Europa.
Entre os estudiosos que investigaram o tema, destacam-se, de um lado,
aqueles que trataram o assunto mais geral das representações da América
Latina e da tese da inferioridade latino-americana e seus reflexos na própria
América Latina, incluindo o Brasil, como por exemplo Antonelo Gerbi em seu
livro O Novo Mundo: História de uma polêmica (1750-1900) e de outro lado,
aqueles que se dedicaram especificamente ao estudo da obra de Manoel
Bomfim, seja enfocando outros temas ou especificamente a parte de sua obra
que trata específicamente do tema da América Latina, como por exemplo
Aluízio Alves Filho, Flora Sussekind e Roberto Ventura, José Maria de Oliveira
Silva, Ronaldo Conde Aguiar, Rebeca Gontijo e José Carlos Reis.
Em Antonelo Gerbi, é possível encontrar um dos principais estudos
acerca das teses depreciativas da América e do americano. Ele contribuiu
muito para o estudo em questão, principalmente na parte que trata de Buffon,
De Pauw e Hegel. Seu estudo vai até o final do século XIX e contempla as
discussões sobre as três raças que constituem a América e as acusações e
defesas das mesmas.
Um dos pioneiros a trabalhar Bomfim no final do século passado foi
Aluízio Alves Filho que em seu livro Pensamento político no Brasil: Manoel
Bomfim: um ensaísta esquecido (1979) fez um resgate de Manoel Bomfim
dando prioridade para suas concepções acerca dos menos favorecidos, ou
seja, o povo, e não as elites como até então havia ocorrido tanto na América
Latina quanto no Brasil. Alves Filho trabalhou principalmente o conteúdo de A
América Latina: Males de Origem, ressaltando sua originalidade para com o
discurso de resistência, mostrando os principais pontos de seu argumento, com
os quais refuta as teses depreciativas da mestiçagem no Brasil e na América
Latina, inclusive dando alguns indícios de seu possível esquecimento.
Flora Sussekind e Roberto Ventura em História e dependência: cultura e
sociedade em Manoel Bomfim (1984) fazem um apanhado geral das obras de
Bomfim desde A América Latina: Males de Origem, até O Brasil nação, que
ocupam 80% do livro, e nos 20% restante, fazem alguns comentários
introdutórios ao pensamento de Bomfim, inclusive partindo da pergunta sobre o
porquê de seu esquecimento. Como possível resposta ao questionamento,
estaria o uso de metáforas e o discurso carregado de biologismos. Ou seja,
características do discurso com ranço positivista que buscava a legitimidade
para a análise histórica servindo-se de discursos de disciplinas com
cientificidade não contestada. No entanto, neste livro, pouco se observou sobre
a discussão na qual estava inserido, ou seja, no debate latino-americanista.
Privilegiou-se sua ressonância no Brasil, como se averigua na constante
referência a Silvio Romero, o interlocutor rival de Bomfim.
Outro contribuinte ao pensamento de Manoel Bonfim é José Maria de
Oliveira Silva que em sua dissertação de mestrado intitulada Da educação à
Revolução: Radicalismo Republicano em Manoel Bomfim (1991) analisa as
concepções de Bomfim referentes a uma ideologia radical na prática do
liberalismo na sociedade brasileira. A educação seria um eixo norteador do
trabalho que faz referência ao caráter pedagógico das análises de Bomfim. Seu
escrito é assim dividido: uma primeira parte, onde analisa a concepção de
Bomfim com relação à educação. Uma segunda na qual analisa as concepções
progressistas de Bomfim e, por fim, uma terceira, na qual relaciona a primeira e
a segunda parte para se construir o nacionalismo, ou melhor, para refazer a
história nacional a partir dos postulados de pátria e revolução.
Já Ronaldo Conde Aguiar em seu O Rebelde esquecido (2000), uma
obra de caráter biográfico, faz um resgate histórico-sociológico de Bomfim
desde o nascimento até sua morte. Dá maior ênfase no pensamento crítico e
na resposta a este pensamento. Isto justifica o seu titulo, pois Bomfim era com
toda certeza um rebelde, que manifestava sua rebeldia nas críticas contra a
elite brasileira, tanto intelectual quanto política e econômica. Sua obra é,
portanto, uma espécie de biografia sociológica. Sua abordagem muito contribui
para o estudo em questão, pois traz aspectos da vida de Bomfim que se
apresentam como de extrema relevância, ajudando-nos a remontar o espaço
de experiência do autor, e, por conseguinte, lançando luzes sobre as
expectativas geradas no seio deste espaço, que poderão ser vislumbradas em
suas obras.
Temos também a contribuição de Rebeca Gontijo que em sua
dissertação de mestrado intitulada Manoel Bomfim: “Pensador da história na
primeira república” (2001), analisa principalmente as concepções
historiográficas de Bomfim com relação ao Brasil, com vistas a se contrapor à
historiografia vigente e principalmente contra a historiografia produzida por
Adolf Varnhagem. Segundo ela, Bomfim foi um revolucionário no campo do
saber historiográfico, pois deu voz aos marginalizados e os colocaram como
fundamento no processo de constituição da identidade nacional brasileira, que
em sua concepção é fundada desde as primeiras lutas contra o estrangeiro.
Outro autor a trabalhar o pensamento de Bomfim foi José Carlos Reis
em seu livro As Identidades do Brasil 2 (2006). Nesta obra, Reis afirma que
Bomfim foi um dos poucos pensadores que conseguiram pensar a realidade
brasileira a partir de um pensamento independente, formado no espírito da
nacionalidade, no entanto, em alguns aspectos ingênuo, em função de suas
características utópicas. Para chegar a tais conclusões sobre Bomfim, Reis
trabalha principalmente o livro O Brasil nação, e a concepção de fundação de
nação assim como o ideal revolucionário presente no mesmo.
Sobre estes últimos, identificamos que ainda persistem algumas lagunas
ou aspectos que não foram ainda tratados, que merecem um novo enfoque,
quais sejam, a contribuição de Bomfim para o debate latino-americanista, sua
defesa do latino-americano mestiço e principalmente seu projeto identitário
latino-americano, o qual o mestiço é o seu fiel portador, todos presentes na
obra A América Latina: males de origem. A importância cientifica de se
completar tais lacunas referentes ao objeto se dá em função da riqueza do
debate de história das idéias desenvolvidos na América Latina e com o qual o
estudo de Manoel Bomfim e de seu projeto identitário latino-americano pode
lançar novas luzes e possibilidades.
O objetivo maior deste estudo é investigar os fundamentos ou as bases
da proposta de identidade latino-americana formulada por Manoel Bomfim em
sua obra A América Latina: males de origem, com destaque para a sua
reinterpretação do passado colonial e para os sujeitos desse projeto identitário.
Portanto, desafiado pelo discurso exógeno que aponta a tese da
inferioridade latino-americana como a causa da carência de progresso e
civilização da América Latina, Manoel Bomfim responde contra-
discursivamente apontando as causas históricas de tais carências e projetando
uma nova identidade, que revaloriza positivamente os sujeitos latino-
americanos, sobretudo os elementos mestiços.
A presente pesquisa se situa no campo da história intelectual, numa
abordagem que parte do princípio da negação da existência real das idéias.
Embora tenha como objeto a “idéia” de Manoel Bomfim sobre a América Latina,
temos a clareza de que as idéias são produtos socialmente determinados que
não constituem ma dimensão independente e autônoma da realidade social e
histórica Trata-se de uma história intelectual que busca privilegiar a análise das
articulações internas (análise e interpretação textual do discurso produzido pelo
intelectual) e externas (análise das relações do discurso com o seu contexto de
produção), mesmo tendo consciência da fragilidade da noção de contexto
frente à questão da sua permanente mediação pelos discursos.
Trabalharemos com o conceito de identidade e representação na
perspectiva de diversos autores situados na corrente dos estudos culturais, que
vêem a mesma como um processo dialético de identificação diferenciação.
Nesta perspectiva, as identidades estão ligadas a estruturas discursivas e
narrativas, bem como a sistemas de representação e de produção de sentido.
Torna-se importante, no nosso objeto específico, investigar os elementos de
alteridade ou negatividade (os “diferentes” inquiridores) presentes nos
argumentos legitimadores da identidade da identidade latino-americana de
Manoel Bomfim, bem como as relações temporais (valoração e relação entre
as dimensões passado, presente, futuro) e os sujeitos históricos apontados
como portadores privilegiados da mesma.
A identidade pode ser compreendida como um fenômeno natural ou
construída discursivamente, mas que em todo caso traz para o debate as
características que unem e dão coesão social a uma comunidade, povo ou
mesmo nação. Dessa forma, a cultura compreende um reservatório do que de
melhor cada sociedade possui (de saber e de pensamento), não deixando
também de ilustrar o que de pior ela constrói, como as ideologias justificadoras
de dominação, preconceitos étnicos e religiosos, estigmas, etc. De certa
maneira, a cultura deve ser avaliada como uma fonte de identidade, onde se
podem perceber os perfis de um povo. Mas ainda assim, quando se pensa em
identidade, pensa em contrapartida na diferença, pois se pensa diferente de
outrem, neste sentido devemos pensar a identidade latino-americana imbuída
de elementos distintos, heterogêneos, mas que concorrem cada qual a sua
maneira para a construção de algo diverso, novo, singular, que é a identidade
latino-americana.
Segundo Larrain Ibañez (1996) existem três concepções de identidade
cultural, sendo “una constructivista, de carácter plural y totalmente abierta a
cualquier cambio; otra esencialista, estrecha y cerrada a todo cambio; y otra,
intermedia, incluyente y en falta de mejor nombre, podríamos denominar
histórico-estructural” (LARRAIN IBAÑEZ, 1996, p.214). De acordo com a
concepção construtivista a identidade cultural seria o resultado do discurso,
pois este teria a responsabilidade de organizar toda a vida social. Nesta
perspectiva, o sujeito não cria o discurso, mas o discurso cria o sujeito. Em
contrapartida, a concepção essencialista defende que o elemento identitário já
está dado naturalmente no ato de constituição da nação, e que desde então
são compartilhados reiteradamente, pois é algo dado, essencial. Em último
lugar, mas não menos importante, tem a concepção histórico-estrutural, que
prima por um equilíbrio entre as duas posições anteriores. Por um lado pensa a
identidade cultural como algo dinâmico em constante processo de leitura e
reconfiguração, e por outro, não vê a identidade cultural apenas como
resultado de uma construção discursiva, mas sim, como um processo dinâmico
no qual as práticas e representações cotidianas são fundamentais para sua
construção. E é basicamente por esta terceira via que interpretamos o projeto
identitário latino-americano de Manoel Bomfim.
Por representação entendemos as percepções do universo social,
percepções estas que não são, em espécie alguma, discursos neutros. “A
representação faz ver uma ausência, o que pode ser uma distinção clara entre
o que representa e o que é representado”, mas por outro lado também “é a
apresentação de uma presença, a apresentação pública de uma coisa ou de
uma pessoa” (CHARTIER, 1991, p.184). Dessa forma, as representações

produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas)


que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por
elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a
justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e
condutas (CHARTIER, 1990, p.17).

A concepção de discurso de resistência aparece aqui aplicada à


interpretação bomfiniana pelo sentido que o conceito carrega, qual seja o de
viabilizar uma resistência efetiva que consiga representar as necessidades da
sociedade. Estas são algumas características presentes em Manoel Bomfim.
Isto faz com que a interpretação do passado, levada a cabo por alguns
brasileiros, e aqui especificamente por Bomfim, seja por si só um discurso de
resistência, pois a possibilidade de se ter uma identidade originalmente
nacional estava no debate de representações, as quais até então eram
efetivadas pela Europa e pelos Estados Unidos, os quais no discurso eram os
únicos portadores de “verdadeira” identidade.
Na concepção de Edward Said o discurso de resistência é uma
prerrogativa de quem aspira à libertação de uma condição subalterna, ao
mesmo tempo em que se pretende forjar a partir do próprio discurso uma
integração social para o povo. Mesmo escrevendo sobre uma realidade
diversa, a contribuição de Said se apresenta como iluminadora de nosso objeto
uma vez que procura desconstruir o discurso colonialista produzido por
europeus sobre outros povos. Sua idéia de resistência cultural é pertinente,
pois busca a relevância no contexto de tomada de consciência da situação
colonial das chamadas “narrativas de emancipação e esclarecimento”, que em
suas formas mais vigorosas “também foram narrativas de integração, não de
separação, histórias de povos que tinham sido excluídos do grupo principal,
mas que agora estavam lutando por um lugar dentro dele” (SAID, 2005, p.29).
Entre as dezenas de livros escritos por Bomfim, sobre as mais diversas
áreas 4 , temos um pequeno grupo de obras que consideramos mais importantes
para o trabalho em questão, que são: Pensar e dizer: estudo do símbolo no
pensamento e na linguagem (1923), O Brasil na América: caracterização da
formação brasileira (1929), O Brasil na história: deturpação dos trabalhos,
degradação política (1930), O Brasil nação: realidade da soberania brasileira
(1931). Porém, a principal obra de Bomfim para o nosso propósito, obra esta
que fundamenta e legitima a presente dissertação é A América Latina: males
de origem (1905).

A presente dissertação encontra-se estruturada em quatro capítulos. No


primeiro capítulo, exploramos panoramicamente o contexto histórico de
formação do pensamento de Manoel Bomfim, que se divide em duas partes,
sendo que a primeira trabalha o contexto histórico latino-americano e brasileiro
do final do século XIX e, a segunda, aborda Manoel Bomfim nesse contexto,
dando prioridade para a sua biografia intelectual.

No segundo capítulo são apresentadas as principais interpretações


acerca da América Latina, de caráter eurocêntrico, que tinham como objetivo
denegrir ou mesmo deturpar a realidade latino-americana, tais como as
análises empreendidas por Buffon, De Pauw, Hegel e pelos representantes do
darwinismo social. Tais interpretações se encontram explícita ou implicitamente
na obra A América Latina: Males de Origem, onde são veementemente
refutadas por Bomfim.

No terceiro capítulo analisamos as principais idéias de Bomfim no que se


refere ao parasitismo social, bem como o seu diagnóstico e sua terapêutica
para os problemas latino-americanos. É neste capítulo que conseguimos
visualizar a originalidade do pensamento de Bomfim acerca da América Latina,
revelando sua perspectiva latino-americanista, pois ao representá-la
contradiscursivamente, ele construiu uma narrativa de resistência que
fundamentou seu projeto identitário de uma comunidade imaginada latino-

4
A lista completa de suas publicações encontra-se no capítulo primeiro e, ao final, na bibliografia.
americana. É neste capítulo que é analisado com mais detalhamento o
conceito de parasitismo social, um conceito-chave da interpretação que Bomfim
faz da América Latina, denunciando suas conseqüências nefastas para o futuro
latino-americano. Tais conseqüências negativas seriam o que deveria ser
reparado pelo seu projeto identitário. Portanto, na obra A América Latina: Males
de Origem se percebe uma batalha de representações, batalha na qual a obra
se insere como sendo mais uma representação do passado latino-americano,
só que com a pretensão de libertar e incentivar a América Latina a trilhar um
caminho no qual todas as suas potencialidades pudessem ser efetivadas
plenamente.

Por fim, no quarto capítulo aprofundaremos nossa abordagem da


identidade e da cultura latino-americana que se processa, segundo Bomfim,
através da mestiçagem e de seu representante: o homem mestiço. Seu projeto
identitário só seria possível a partir da ferramenta interpretativa denominada
parasitismo social, trabalhada no capítulo anterior. É importante evidenciar que,
em qualquer projeto identitário, não se busca apenas ressaltar o “como são”
determinado povo, mas também e principalmente “como querem ser”. Nesse
sentido, o projeto identitário latino-americano de Manoel Bomfim se propôs a
representar as aspirações do povo latino-americano por meio da manifestação
de sua identidade e cultura.

Com o presente trabalho, não temos a pretensão de esgotar a temática,


mas sim, dentro de nossas limitações, contribuir para o debate intelectual sobre
a América Latina do ponto de vista dos projetos de identidade latino-americana.
Por isso, o conhecimento e o estudo da obra de Manoel Bomfim pode contribuir
para a análise tanto da América Latina quanto do Brasil, sob a ótica daqueles
sujeitos historicamente marginalizados.
1 O CONTEXTO HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DO PENSAMENTO
DE MANOEL BOMFIM

Este capítulo está dividido em duas partes, sendo que a primeira


destina-se à análise do processo de consolidação das nações latino-
americanas, com atenção especial para o Brasil. A segunda analisa a biografia
intelectual de Manoel Bomfim, biografia que esteve em diálogo aberto com a
corrente de ideias que o precederam, tanto em âmbito nacional quanto regional
ou latino-americano. É neste momento que se abordará o autor em seu
contexto, ou seja, a vida e a obra de Manoel Bomfim.

1.1 O Brasil e a América Latina no Final do Século XIX

O século XIX caracteriza-se, na América Latina, pela luta em favor da


independência de suas colônias, que se estendeu do início até meados do
século em questão. Mas não apenas as independências foram importantes
neste período, também o caráter ideológico que as fundamentou e, mais do
que isto, o sistema de governo instituído na maior parte dos novos estados
nacionais.
Sob a bandeira da ilustração do século XVIII foram travadas as lutas
pela independência das colônias latino-americanas. Neste caso, a ilustração
francesa, o liberalismo inglês e as novas ideias derivadas de Augusto Comte
orientaram a constituição das novas nacionalidades Ibero-americanas. As elites
latino-americanas, tanto política quanto intelectual, buscavam no novo
cientificismo explicações cabíveis para o atraso e para a quase
ingovernabilidade das novas nações americanas. Dessa forma, as novas ideias
científicas seriam uma promessa de ordem e progresso para o aparente “caos”
reinante na América Latina.
No final do século XIX, os Estados Unidos retomavam o projeto da
Doutrina Monroe 5 , enquanto as nações latino-americanas lutavam para se

5
A Doutrina Monroe foi promulgada pelos Estados Unidos em 1823, pelo então presidente James Monroe,
e primava por certo protecionismo às nações americanas contra possíveis investidas bélicas do Velho
Continente sobre suas antigas colônias. No entanto, passou a ser uma ação unilateral, interpretada a
posteriori (início do século XX, em 1904, com o corolário Roosevelt) como uma possibilidade de
intervenção, inclusive militar, para garantir seus interesses político-econômicos em toda a América Latina.
incorporarem ao discurso civilizatório europeu. Em tal aspecto, os intelectuais
tiveram um papel predominante, pois construíram representações de seus
países e de seus habitantes, nas quais os elementos nativos ou bárbaros foram
introduzidos no discurso, por parte de alguns, ou foram aniquilados
discursivamente, por outros. Aos que fazem parte deste último grupo, no lugar
do elemento nativo, base originária do novo homem, o mestiço foi colocado o
“homem ideal”, de influências europeias e brancas, mais especificamente
anglo-saxônicas, para redimir o atraso e a degeneração causados pela
influência da raça indígena e negra. Poucos foram os pensadores que
consideraram o elemento mestiço como partícipe da nação. Raros também
foram os intelectuais que não pensaram a América Latina a partir do conceito
simplesmente de raça, entre os quais esteve Manoel Bomfim. Ele foi um
intelectual que defendeu a ideia de cultura ao invés de raça, isto porque, para
Bomfim, não existiria uma raça superior a outra, mas sim estágios distintos de
civilização.
Na Europa, discutia-se o seu papel civilizador, ou mesmo a sua missão
civilizatória em relação aos povos “atrasados” que viviam na América. Neste
aspecto, percebe-se como a Europa, em sua relação com os outros povos não
europeus, foi definindo sua identidade, ao mesmo tempo em que definia
também a identidade daqueles considerados, neste caso, atrasados e
bárbaros, incluindo os latino-americanos. Esta discussão é interessante e foi
exposta com maestria por Edward Said, em seu livro Cultura e imperialismo
(2005), no qual o autor analisa os discursos das nações imperialistas, dentre
elas os Estados Unidos.
Enquanto ocorrem apenas algumas iniciativas espaças de se pensar a
América Latina como um conjunto de povos com identidade continental, tem-se
uma quantidade maior de intelectuais engajados na temática nacionalista. Este
ponto indica um caminho que não foi percorrido por muitos pensadores na
América Latina, ou seja, o de relacionar uma identidade nacional com uma
identidade regional, latino-americana. Bomfim foi um dos poucos brasileiros a

Assim se expressava o presidente dos EUA em 1904 “a insistência no erro, da parte de alguma nação
americana, poderia exigir a intervenção de outra nação civilizada” fazendo com que a “fidelidade dos
Estados Unidos à Doutrina Monroe nos leve a exercer um poder de polícia internacional” (ROOSEVELT.
Apud: SCHILLING, 2002, p.42)
tentar tal ousadia e o resultado é, além de seu A América Latina: males de
origem, sua trilogia O Brasil na América, O Brasil na História e O Brasil Nação.
Neste aspecto, será observada a articulação entre o micro e o macro,
pois Brasil e América Latina tinham muitas diferenças, segundo o próprio
Bomfim, mas também havia similitudes que possibilitariam aos representantes
da América Latina lutar para serem inseridos não somente no discurso, mas
também, e principalmente, na vida sócio-político-econômica mundial.
Para pensar a identidade latino-americana, Bomfim fez o que Jorge
Larrain Ibañez afirmou ser um processo de associação de construção
identitária, pois

las ideas principales asociadas con ella parecen las de


permanencia, cohesión y reconocimiento. Cuando hablamos de
identidad, solemos implicar una cierta continuidad, unidad y
autoconciencia. (IBAÑEZ, 1996, p.93)

A autoconsciência supracitada é tratada por Bomfim como algo


constitutivo do povo brasileiro, mas que foi silenciada ao longo do tempo por
projetos homogeneizantes de uma elite bacharelesca, que não dava voz ao
povo, mas sim aos olhares exteriores. Com isso, segundo Bomfim, o que
fizeram foi, ao longo dos séculos, no Brasil, malograrem as várias revoluções
que poderiam ser de cunho nacional e popular. Estas sim teriam as
características da alma nacional.
De forma semelhante, tanto luso-americanos quanto hispano-
americanos estavam sofrendo duras críticas quanto à viabilidade de sua
identidade, cultura e, principalmente, quanto à sua competência político-
econômica, só que agora não poderiam estar preocupados somente com a
invasão e a neo-colonização européia; tinham também um novo problema, a
situação de soberania perante o protetorado estadunidense. A princípio, os
Estados Unidos eram tidos como um aliado; no entanto, com a consequente
reinterpretação da Doutrina Monroe, passaram a ameaçar a autonomia e a
soberania das nações latino-americanas.
Quando se fala de América Latina atualmente, vem claramente à mente
o universo de populações que se encontram logo abaixo dos Estados Unidos e
que comungam entre si o fato de terem uma origem semelhante a partir da
questão linguística, pois o espanhol e o português são línguas neolatinas. Mas,
muito mais do que a questão linguística, tem-se a questão cultural, pois as
nações latino-americanas são fruto da colonização ibérica e, portanto,
comungam elementos étnico-culturais semelhantes.
No entanto, no início do século XX (1903), Manoel Bomfim chamou a
atenção para o perigo e, ao mesmo tempo, para a amplitude da utilização do
conceito de América Latina, muito embora seja o título de seu próprio livro,
afirmando que tal designação era muito mais geográfica do que cultural. Seria
o mesmo que designar Caribe, como se houvesse uma homogeneidade de
língua e cultura nesta região, o que não há. Pelo contrário, o Caribe é muito
mais conhecido pela heterogeneidade do que pela homogeneidade.
Isto pode ser aferido nas próprias argumentações de Bomfim, conforme
se segue:

Expressão de tanto uso, essa América Latina deve servir,


sensatamente, para designação geográfica - do grupo de
nações formadas por ibéricos, num regime colonial de
subordinação e dependência imediata, e que logo se degradou
em parasitismo, despótico, antiprogressista. No mais, é
designação nula, própria somente para a tecnologia fútil dos
que, aceitando a divisão fácil do Ocidente em – latinos,
germânicos, eslavos... Voltados para este lado, concluem que
deve haver uma América Latina, para contrapor-se à América
inglesa. (BOMFIM, 1929, p.32).

Ora, à primeira vista pode-se questionar o fato de Bomfim relativizar o


conceito de América Latina, e é verdade. Mas isto ele faz mostrando que até
essa própria designação, enquanto povos de origem ibérica têm, de vir a partir
de indivíduos alheios a estas pátrias e aos sentimentos nelas presentes. Isto
porque, a princípio, eram todos designados como hispano-americanos, luso-
americanos ou simplesmente ibero-americanos.
Segundo Richard Morse, pesquisas sobre a expressão conduzem a
Michel Chevalier (1806-1879), engenheiro, político e economista liberal francês,
que teria mencionado o termo América Latina durante missão diplomática
francesa feita aos Estados Unidos e México em 1836. A partir de então,
convencionou-se chamar genericamente essa complexidade de nações
simplesmente de América Latina. E isto em função de uma “suposta unidade
linguística, cultural e racial dos povos latinos, em contraposição aos
germânicos, anglo-saxões e eslavos” (MORSE, 2000, p.14).
O que Morse defende aproxima-se, em muitos aspectos, do quê o
próprio Bomfim já havia discutido em 1903, inclusive se for observada a
discussão de Morse em seu livro O Espelho de Próspero: cultura e ideias nas
Américas, no qual ele faz claramente a opção por trabalhar a América
enquanto fruto de seu passado colonizador, ou seja, enquanto Ibero-América,
em contraposição à Anglo-América. Então, mesmo levando em consideração
os possíveis problemas vinculados ao conceito, Bomfim fez uso dele, bem
como de conceitos sinônimos, como os de Ibero-América e Sul-América.
Bomfim preferiu, inclusive, utilizar-se dos conceitos de América do Sul ou
mesmo Ibero-América para designar as nações então classificadas como
latino-americanas.
Ao utilizar o conceito América do Sul, Bomfim fez referência a todos os
povos que estão abaixo dos Estados Unidos. Inclusive o México entrou nesta
designação conceitual de Ibero-América ou América do Sul, pois se encontra
ao sul dos EUA.
O momento em que Bomfim escreveu foi justamente um momento de
redefinição na América. Isso porque os Estados Unidos já haviam resolvido
suas tensões internas e voltavam sua atenção para a política externa. Já na
segunda metade do século XIX, houve uma reinterpretação e reafirmação da
Doutrina Monroe contra as pretensões da Europa. No entanto, Bomfim, que
conhecia o discurso da doutrina Monroe e o perigo que ela representava, já a
discutia em seu livro, chamando a atenção da América Latina.
É nítida a percepção de que as ameaças contra a América Latina não
partiam somente da má vontade europeia. Partiam da má vontade europeia
concatenada com novos discursos científicos, os quais Manoel Bomfim
classificou como “pseudocientíficos”. Na verdade, esses discursos não eram
tão novos, pois alguns surgiram no século XVIII, embora no século XIX tenham
ressurgido com uma força esmagadora, isto somado à deturpação que foi feita
das teses de Charles Darwin, desembocando no que se convencionou chamar
de “darwinismo social.”
Não é por menos que Darcy Ribeiro afirmou que Bomfim deu uma
grande contribuição para o pensamento latino-americano ao ter percebido
o caráter reacionário e anti-científico do chamado “darwinismo
social”. No seu tempo em que tantos autores brasileiros,
latino-americanos - como de resto, os ensaístas de todo o
mundo – apelavam para esta falsificação como a explicação
básica da história, Manoel Bomfim a desmascara, afirmando
que é desonesto confundir as “alternativas históricas dos
povos” com a suposta “inferioridade definitiva das raças.”
(RIBEIRO, 2005, p.19)

Mas como o darwinismo social somente veio somar forças ao argumento


deturpador da realidade no Novo Mundo, serão analisadas panoramicamente
quais eram essas ideias e como elas foram incorporadas ao discurso
imperialista europeu ao longo do século XIX e início do século XX.
Segundo Lilia Moritz Schwarcz, as ideias racialistas desenvolvidas no
Brasil a partir de 1870 foram resultado de discussões iniciadas na Europa no
século XVIII e com mais ênfase e propriedade no século XIX. Por esse motivo,
Schwarcz, no livro O Espetáculo das Raças (1995), afirma que as ideias
desenvolvidas no século das luzes por naturalistas como Buffon e De Pauw 6
foram fundamentais para instrumentalizar teóricos e viajantes do século XIX em
sua visão estigmatizadora acerca das raças inferiores ou inferiorizadas que
compunham o cenário sócio-antropológico latino-americano. Nas palavras da
autora,

Os teóricos raciais do século XIX referiam-se constantemente


aos pensadores do século XVIII, mas não de maneira
uniforme. Enquanto a literatura humanista e em especial
Rousseau apareciam como seus principais antagonistas – em
sua defesa da noção de uma humanidade una -, autores como
Buffon e De Pauw eram apontados como grandes influências
quando se tratava de justificar diferenças essenciais entre os
homens (SCHWARCZ, 1993, p.43).

A questão é que a miscigenação tornou-se, no final do século XIX, o


centro das discussões sobre a viabilidade de progresso e civilização no Brasil e
na América Latina. Seja para questioná-la, seja para defendê-la, inúmeros
intelectuais se detiveram em pensar como poderia uma nação caminhar rumo

6
Estes autores serão analisados pormenorizadamente no capítulo 2, dedicado à análise das
ideias depreciativas da América Latina.
ao futuro, futuro este entendido do ponto de vista do progresso, com a figura do
mestiço, símbolo da miscigenação entre raças distintas, em seu meio.
Algo de suma importância para o presente trabalho é vislumbrar como a
discussão em torno da mistura racial, bem como suas possíveis
consequências, estavam em voga no final do século XIX e início do século XX.
Esta discussão pode ser percebida quando Schwarcz (1993, p.45) afirma que

observado com cuidado pelos viajantes estrangeiros,


analisado com ceticismo por cientistas americanos e europeus
interessados na questão racial, temido por boa parte das elites
pensantes, o cruzamento das raças era entendido, com efeito,
como uma questão central para a compreensão dos destinos
dessa nação.

No entanto, o que se observa é que a discussão trazida para o Brasil


toma um caráter de repetição, para não dizer de modismo, basicamente como
se a nova moda fosse explicar as mazelas sócio-enconômicas do ponto de
vista de um positivismo permeado de questões explicativas advindas das
ciências naturais, mais especificamente elaboradas por naturalistas
comprometidos em analisar e explicar as diferenças entre os homens. Para
clarificar melhor esta concepção, Ángel Rama (Apud: ABDALA JUNIOR, 2004,
p.11) afirma que “o mundo universitário tornou-se um porto importador de
ideias, por vezes não como enriquecimento do trabalho crítico e cumulativo,
mas como moda”. Era moda explicar o atraso do Brasil, bem como da América
Latina ancorando-se no discurso sobre a diferença entre as raças e
principalmente na degeneração das raças surgidas na miscigenação. Embora
seja posível vislumbrar um pensamento pessimista a respeito de todo o Novo
Mundo desde o século XVI, foi sobretudo no século XIX que este pensamento
se cristalizou, quando o Brasil, em maior proporção, mas a América Latina
como um todo, “para vários viajantes, representará um exemplo de nação
degenerada de raças mistas.” (SCHWARCZ, 1993, p.36)
No Brasil, a discussão ainda se processava no sentido de viabilizar a
nação, que era constituída de elementos, em sua grande maioria, mestiços.
Para isso, era necessário, na nova forma governamental que surgiu em fins do
século XIX, ou seja, na República, um projeto que integrasse a nação e
permitisse o avanço sócio-econômico tão sonhado para o Brasil.
No campo das ideias no Brasil, a discussão sobre a superioridade das
raças estava mais forte do que nunca, isto porque havia um grande e
significativo contingente de negros e mestiços na sociedade brasileira no final
do século XIX, ao mesmo tempo em que a ordem social escravista entrava em
crise. Entre os autores europeus racistas consumidos indistintamente pelos
intelectuais brasileiros, há um de importância singular, Gustav Le Bon, “um dos
escritores europeus racistas mais vendidos nas livrarias do Rio de Janeiro até
meados dos anos vinte” (SOUZA, 2001, p. 6), do século XX. Em seus livros, Le
Bon condenava ao fracasso todos os países de raça mestiça, dentre os quais
se encontrava o Brasil, com um terço de brancos e a maioria de negros e
mulatos.
Para muitos escritores, segundo Ventura (2000), a adoção de teorias
sobre a inferioridade das raças não-brancas, bem como das culturas não-
europeias, vem com a difícil tarefa de se pensar uma identidade brasileira na
qual o mestiço esteja presente de forma ativa. Grande parte dos viajantes, bem
como dos cientistas e mesmo dos intelectuais locais, considerava a
mestiçagem um entrave para a viabilidade do Brasil enquanto nação. Um dos
elementos que fundamentavam a retórica da inviabilidade da nação brasileira
era “a rebelião de Canudos 7 , no início da República, percebida como a síntese
dos perigos e das ameaças representados por um Brasil mestiço, dominado
por fanatismos e superstições” (VENTURA, 2000, p. 332).
O final do século XIX foi marcado, no Brasil, por inúmeros fatos que se
propunham a mudar radicalmente os destinos do país, tais como a abolição
dos escravos e a Proclamação da República. Juntamente com esses fatos,
deve-se enfatizar a importância da Escola de Recife 8 que, a partir da década
de 1870, passa a ser o centro irradiador de novas ideias, dentre as quais se
percebe o positivismo, o evolucionismo, o darwinismo, a crítica religiosa, o

7
A comunidade de Canudos situava-se no nordeste da Bahia e fora formada no ano de 1893
por Antonio Conselheiro, que se opunha às “leis seculares do novo regime, como a separação
entre a Igreja e o Estado e a introdução do casamento civil. Seus seguidores foram acusados
de fazer parte de uma conspiração internacional com o objetivo de restaurar a monarquia, o
que serviu de justificativa para o massacre da comunidade” por parte do aparato militar da
República que se encerrou em 1897. (VENTURA, 2000, p. 332)
8
A Escola de Recife foi um movimento intelectual e cultural que floresceu dentro da faculdade
de direito de Recife a partir de 1871 e se caracterizou por pensar a mestiçagem e o caráter
nacional a partir da influência de postulados europeus como o positivismo e o darwinismo
social, dentre outros.
naturalismo e o cientificismo na poesia e no romance. Estas formas de
interpretação e explicação da realidade foram adaptadas ao contexto brasileiro,
“tendo como horizonte de referência o debate sobre os fundamentos de uma
cultura nacional em oposição aos legados metropolitanos e à origem colonial.”
(SCHWARCZ, 1993, p.28)
A Escola ou Faculdade de Direito de Recife foi transferida de Olinda em
1854 e, a partir de então, teve uma enorme influência no desenvolvimento das
reflexões acerca das raças e de sua influência nos destinos do país, pois,
imbuídos das reflexões desenvolvidas no século XVIII por naturalistas
europeus como Buffon e De Pauw, consideravam as raças não-brancas como
inferiores e degeneradas. Neste aspecto, observa-se que, no campo
intelectual, o debate girava em torno da mestiçagem, defendendo-a ou
refutando-a. Esse era o assunto que ocupava as mentes pensantes do país
naquele momento.
Uma das principais saídas encontradas por quem defendia a
incorporação à nação de elementos supostamente inferiores indígenas e
negros era a mestiçagem como procedimento de eugenia. Esta seria o
elemento que homogeneizaria o homem brasileiro, amenizando as influencias
das raças inferiores e potencializando as características da raça branca. Um
dos teóricos brasileiros que defendiam esta posição e que fazia parte da Escola
de Recife era Silvio Romero (1851-1914) 9 , que afirmava que haveria uma
desigualdade natural entre os homens e, mais do que isso, defendia a ideia de
um determinismo biológico e etnográfico.
No entanto, este posicionamento de Romero só perdurou até 1900,
quando ele mesmo mudou radicalmente sua posição, condenando, a partir de
então, toda e qualquer forma de miscigenação. Surgiu, assim, o pensamento
que o caracterizou em maior proporção, que foi a defesa do arianismo ortodoxo
em detrimento da mestiçagem, que passou a ser vista por Romero como
degradação racial.

1.2- Manoel Bomfim em seu Contexto: vida e obra

9
Silvio Romero foi um dos representantes da Escola de Recife, um intelectual que contribuiu
para o debate de idéias sobre a miscigenação, bem como a viabilidade do Brasil enquanto
nação soberana e próspera.
Para melhor compreender a reflexão de Manoel Bomfim sobre a América
Latina se faz necessário utilizar sua biografia, isto porque a biografia, não
somente pode, como via de regra o faz, elucida as ideias contidas nas obras, e
isto em diálogo com o contexto no qual o autor está inserido. O uso do recurso
biográfico tem sido utilizado em larga escala e é defendido por inúmeros
autores, como por exemplo, Ronaldo Vainfas em seu livro Micro-história: os
protagonistas anônimos da história (2002), além do próprio Bomfim, como
defendeu em seu livro Pensar e dizer: Estudo do symbolo no pensamento e na
linguagem (1923). Neste livro ele afirmou que para se compreender bem o que
se está lendo, inclusive cada palavra, é necessário verificar as
interdependências, pois elas são formais, explícitas e características na
atividade mental de cada consciência. Dessa forma,

A palavra – a ideia – define-se pelo juízo em que ocorre; o


juízo explica-se pelo texto, pelo parágrafo; o parágrafo tem de
ser compreendido no capítulo e o capítulo tem a sua razão no
total do livro que, aliás, precisa ser estudado à luz da obra e
da filosofia geral do pensador. Por sua vez, o escritor tem de
ser interpretado no conjunto da sua época. (BOMFIM, 1923, p.
22-23).

De forma semelhante ao que supracitado, será investigado seu


pensamento, numa relação texto/contexto/biografia. Isto por que, na relação
biografia/contexto, “a biografia individualizada conserva sua especificidade,
sem ser exclusiva ou concentrar o foco do historiador.” (VAINFAS, 2002, p.
140)
Manoel Bomfim, sergipano, nasceu em Aracaju no ano de 1868. Filho de
Paulino José do Bomfim e Maria Joaquina do Bomfim, os senhores do engenho
“Bomfim”, viveu e estudou em Aracaju até 1886, momento em que se transferiu
para a Bahia, para cursar Medicina. Pouco depois se dirigiu para o Rio de
Janeiro, onde concluiu seus estudos em Medicina, defendendo sua tese
intitulada “Das Nefrites”, isto já em 1890. Foi médico da Polícia do Estado do
Rio de Janeiro e tenente-cirurgião da Brigada Policial, mas logo passou a
dedicar-se à Educação e à Psicologia, áreas em que teve uma atuação
importante. Entre 1901 e 1903, esteve em Paris na qualidade de comissionado
pela Prefeitura do Rio de Janeiro, tendo frequentado a Sorbonne e trabalhado
com Alfred Binet (1857 – 1911) 10 . Os estudos o levariam ainda uma segunda
vez a Paris, em 1910.
Bomfim atuou ativamente no Pedagogium, instituição da qual foi
subdiretor (1896) e, mais tarde, diretor. O Pedagogium foi uma instituição
pública criada para impulsionar reformas e centralizar ações no âmbito do
ensino público, particularmente no que diz respeito à formação de professores.
No Pedagogium, em 1903, a convite do Diretor da Instrução Pública do Distrito
Federal, organizou o primeiro Laboratório de Psicologia criado no Brasil,
mantendo atividades de pesquisa durante quinze anos. Foi ainda diretor
interino da Instrução Pública Municipal e Diretor-Geral da Instrução Pública do
Distrito Federal, tendo sido professor de Moral e Cívica (1898), de Psicologia
(1902) e de Psicologia Aplicada à Educação (1916) na Escola Normal.
Essa experiência o fez fundador e colaborador de várias revistas
(Pedagogium, Educação e Ensino, Revista Universal, Tico-Tico e Leitura para
Todos), autor de livros didáticos, alguns dos quais em co-autoria com Olavo
Bilac, e de discursos e livros voltados ao ensino e aos problemas da educação.
Na área da Psicologia, além de seu trabalho no Laboratório, Manoel Bomfim é
autor de um estudo intitulado Alucinações Auditivas dos Perseguidos (1904),
do livro Noções de Psicologia (1916), além da obra intitulada Pensar e Dizer:
estudo do symbolo no pensamento e na linguagem (1923).
Artigos em diversos jornais e revistas também compõem o rol de
atividades de Bomfim, que ainda estudante escreveu no jornal Correio do Povo
e mais tarde em outros jornais do Rio de Janeiro. A atividade política fez dele
redator e secretário do jornal jacobino República, em 1896. Do Jacobinismo 11 ,
movimento dos defensores exaltados da República no começo do novo regime,
Bomfim guardou, na sua obra de escritor, o teor nacionalista, anti-lusitano, anti-
monarquista e anti-clerical. Esses traços e mais os de uma concepção de uma
América unida e fraterna, a preocupação com a unidade nacional, a ênfase na
industrialização para o país e, principalmente, a ênfase na necessidade da

10
Binet, pedagogo e psicólogo francês, foi o criador do primeiro teste psicológico de avaliação
da inteligência.
11
O jacobinismo pode ser traduzido nesta frase da historiadora Suely Robles Reis de Queiroz,
que diz: "Uma sociedade laica, anti-clerical, sem o bacharelismo pedante e pontificador, onde
os grupos urbanos tivessem maiores oportunidades. Um Estado republicano, nacionalista,
voltado para as próprias fronteiras e conduzido por um governo forte – eis a concepção
jacobina” (QUEIROZ. Apud: OLIVA, 1998, p. 90)
instrução pública, marcam a obra de Bomfim. Sua caracterização como
jacobino, guardadas as interpretações pessoais que ele dá a alguns aspectos
do ideário jacobino, fica demonstrada por José Maria Oliveira Silva (1991), em
estudo sobre a obra de Bomfim e sua inserção no pensamento radical.
Na política, além da militância jacobina e da participação, em 1903, na
fundação de um partido operário independente, Manoel Bomfim foi deputado
federal por Sergipe, eleito em 1907. O Estado acabava de viver uma grande
comoção provocada pela revolta que tentara derrubar a primeira oligarquia
republicana. Em 1906, Sergipe sofreu intervenção do Governo Federal para
reposição do Governo oligárquico deposto. Sucedeu-se um acordo para a
pacificação do Estado, mediado pelas grandes forças da política nacional. O
nome de Manoel Bomfim como candidato à Câmara fez parte dos itens
negociados por Pinheiro Machado – senador gaúcho que à época liderava a
política nacional – e teve o patrocínio local de Oliveira Valadão, chefe do
jacobinismo sergipano. Na Câmara, Bomfim teve uma atuação pouco marcante
e não conseguiu reeleger-se em 1909. Bomfim continuou, entretanto, dedicado
à Educação, ao Laboratório de Psicologia e à imprensa, participando
ativamente da vida intelectual carioca. Faleceu vítima de câncer em 1932, no
Brasil, após longo sofrimento. Sua vida compreendeu, assim, um período bem
específico da História do Brasil: viveu 32 anos no século XIX; portanto,
vislumbrou a abolição e a proclamação da república, ao mesmo tempo em que
viveu 32 anos no século XX e viu de perto a Semana de Arte Moderna de 1922,
bem como a revolução, segundo Bomfim malograda 12 , de 1930.
Bomfim foi versátil e escreveu sobre diversas áreas do conhecimento,
como, por exemplo, Medicina, Psicologia, Educação, História, Sociologia e
Literatura. E foi através de sua obra escrita, na qual se destacam os títulos A
América Latina: males de origem (1905), O Brasil na América: caracterização
da formação brasileira (1929), O Brasil na História: deturpação das tradições:
Degradação Política (1930) e O Brasil Nação: realidade da soberania brasileira
(1931), que sua contribuição para a construção de um Brasil com identidade

12
Segundo Bomfim, o que se chama de revolução de 1930 não passou de uma agitação
política que, em suas palavras, “por mais profunda que pareça, não realiza nenhuma das
condições de uma legítima revolução renovadora, pois não traz substituição de gentes, nem de
programas, nem de processos.” (BOMFIM, 1931, p. 581)
própria torna-se mais visível, isso apesar de todo o silêncio e anonimato que a
tem marcado ao longo de quase todo o século XX.
Manoel Bomfim veio da geração dos homens que usaram a literatura
como missão ou da geração dos homens de ciência, aqueles que
recepcionaram as novas ideias e, à luz dessas idéias, passaram a olhar o
Brasil. Esses intelectuais procuraram enfrentar o desafio de continuarem a falar
a linguagem da ciência da época, mesmo que ela não se adequasse à
singularidade do objeto. Bomfim desafiou paradigmas e falou do Brasil sempre
com esperança. Foi contemporâneo de figuras como Euclides da Cunha, Olavo
Bilac e Machado de Assis, com quem procurou dialogar em seus trabalhos.
Sílvio Romero produziu um livro intitulado A América Latina: análise do livro de
igual título do Dr. M. Bomfim (1906), somente para criticá-lo. Deixou, portanto,
muito marcada a sua presença no meio intelectual da época, além de
influências identificadas ou declaradas em autores como Gilberto Freyre e
Darcy Ribeiro.
Com Olavo Bilac, Bomfim escreveu uma obra-prima da educação infantil
no Brasil, intitulada Através do Brasil (1910). Neste livro, Bomfim e Bilac
defenderam a ideia de que a educação tem o papel de formação moral e civil
da nação. Ambos estavam ligados à vida intelectual da época, o que pode ser
vislumbrado no fato de Bomfim ter sido convidado por Machado de Assis, mas
não ter aceitado, para fazer parte da Academia Brasileira de Letras, enquanto
Bilac foi co-fundador da academia.
Assim como Bomfim, Bilac foi um profundo crítico do estado e de como
este se mostrava inerte ante o bem-estar da sociedade. Nesta perspectiva,
Bilac afirmou que o governo estava em descompasso com a sociedade e não
proporcionava o verdadeiro progresso advindo de uma educação consistente e
massificadora. No entanto, para Bilac, a ordem no país deveria ser tributária ao
Exército, pois apenas esta instituição seria capaz de restaurá-la e mantê-la.
Mesmo Bomfim e Bilac sendo nacionalistas fervorosos, o
estabelecimento do progresso do país desenvolvia-se com elementos muitas
vezes antitéticos, como é o caso dos militares que, na concepção de Bilac,
eram fundamentais para o restabelecimento e a manutenção da ordem,
enquanto para Bomfim os militares eram justamente os responsáveis pelos
malogros revolucionários, pois interferiam nos destinos políticos do país. Por
ora é necessário apenas reforçar a ideia de que a amizade entre os dois
autores proporcionou excelentes resultados para a educação brasileira. Nas
palavras de Ronaldo Conde Aguiar (2000, p. 269), Olavo Bilac era

mais que cronista, crítico, conferencista e memorialista, Bilac


assumiu ainda o papel de veiculador de teses nacionalistas,
engajando-se, com raro entusiasmo, nas campanhas pela
defesa nacional e pelo serviço militar obrigatório.

Nesta citação ficam subentendidos tanto o nacionalismo quanto o apoio


à participação militar na vida política. Mas, ainda assim, o que sobressaía no
pensamento de Bilac era a sua defesa da nação e suas críticas ao governo
instituído. Tais posicionamentos teriam aproximado sobremaneira Manoel
Bomfim de Olavo Bilac, tanto que, após ler uma conferência de Bilac intitulada
Poesia no Brasil, Bomfim defendeu o amigo afirmando que “sem ser
demagogo, nem revolucionário”, o poeta “é homem de todas as grandes
aspirações de sua época: é socialista, internacionalista, pacifista.” (BOMFIM.
Apud: AGUIAR, 2000, p. 268)
É de fundamental importância para a biografia intelectual de Bomfim
situarmos seu interlocutor e rival conterrâneo, Silvio Romero, que foi um grande
intelectual brasileiro, crítico literário, ensaísta, poeta, filósofo, professor e
político. Dentre suas obras, há uma de suma importância para a presente
dissertação, que é A América Latina: análise do livro de igual título do Dr. M.
Bomfim (1906). Sua importância para a presente dissertação reside no fato de
que, enquanto intelectual respeitado no meio intelectual brasileiro, Romero
comprou uma briga com Manoel Bomfim, em função das ideias inovadoras
deste último quanto à análise da América Latina e do Brasil. Dentre os pontos
de conflito, esteve principalmente a questão da mestiçagem, tão repudiada pela
intelectualidade brasileira. A mestiçagem era identificada correntemente como
degeneração, ao passo que Bomfim a defendia como melhoramento, situando-
a como base para a construção identitária latino-americana.
Silvio Romero rivalizava com Bomfim, questionando-o em praticamente
tudo. Tanto que escreveu o referido livro de quase quatrocentas páginas
apenas para desautorizar as concepções de Bomfim. Neste livro, Romero
desenvolveu seu argumento partindo do pressuposto de que realmente os
povos latinos eram inferiores, o que poderia ser provado não apenas em
referência à América Latina enquanto tal, mas também ao próprio Canadá que,
enquanto colônia francesa, estava de mal a pior, mas, a partir do Tratado de
Paris, de 1783, quando passou às mãos inglesas, ou seja, aos anglo-saxões, e
transformou-se em uma colônia promissora, em vias de se tornar uma potência
econômica.
Romero defendia a ideia de que há essencialmente diferenças entre as
raças, sendo que a raça anglo-saxã é superior a todas. Portanto, partindo de
uma influência do darwinismo social aplicado à teoria das raças inferiores,
afirmava que a exploração era algo natural, pois seria a natureza manifestando
sua seleção a favor dos exploradores. Dessa forma, Romero (1906, p. 41-44)
defendia que,

nas sociedades animais e nas sociedades humanas, os vários


modos de agremiação que receberam os nomes de castas,
classes, escravidão, servidão, comensalismo, parasitismo e
outros, não passam de formas diversas, ensinam os
competentes, do mutualismo, da solidariedade, indispensável
à existência dessas mesmas sociedades. São produções
necessárias, fatais, do principio mesmo da evolução das
espécies vivas... não devem, nas relações humanas tomar
como parasitismo fatos que não passam, na realidade, de
adaptação para outras funções diversas das nossas,
fenômenos que não são mais do que uma isenção de certos
trabalhos forçados em vista de outras vantagens.

Ao observar atentamente a citação acima, pode-se perceber


claramente a defesa dos exploradores, dos pretensos superiores, em
detrimento dos inferiores, os trabalhadores, os escravos etc.
Romero também foi contra a mestiçagem e principalmente contra a
forma como Bomfim a defendia, pois, nas palavras de Romero (1906, p. 235),
“Bomfim toma essas morenices 13 , tão queridas no Brasil, terra onde abundam
os mestiços namorados de si próprios, ao sério”. Romero faz uma defesa da
raça ariana, pretensamente superior. A propósito, Ronaldo Conde Aguiar (2000,
p. 328) afirma que

focalizando a mestiçagem que Silvio Romero, apoiado em


Gobineau e Le Bon, considerava um mecanismo de
degradação racial, Bomfim não só desmontou como,
sobretudo, desmascarou os argumentos que afirmavam os
efeitos negativos dos cruzamentos entre as diferentes raças

13
Grifo do autor.
humanas. Nunca é demais recordar que, nessa época,
Romero vergava-se de angustia e estresse, pois perdera - ele,
um intelectual brilhante, que gastara a vida pensando o Brasil -
a crença de que o país pudesse tão cedo vir a ser uma
verdadeira nação, dominada, como era, por uma maioria de
mestiços. “Só a imigração, povoando de brancos o sul do
Brasil, e depois alastrando-se pelo Norte, poderia reverter
segundo Romero, a tendência, substituindo-se o “exército de
mulatos que nos governa” por brancos educados e cultos.”

Romero questionava categoricamente o futuro do Brasil a partir da


participação do elemento mestiço, pois, em sua concepção, a mistura das
raças teria provocado sua degeneração. Para Romero (1906, p. 262), na figura
do mestiço, o

gênio criador, espírito de iniciativa, disposição para conquistar


a vida por si, vencendo todas as dificuldades, atilamento para
empresas ousadas e seguras, a vis organisatrix das grandes
almas plásticas e produtivas, não lhe surgem jamais.

Darcy Ribeiro questionou Romero, afirmando que ele se apresentava


como um modista, que teria repetido ideias alheias à pátria sem criticá-las. Isto
pode ser aferido na seguinte fala de Ribeiro (2005, p. 15): “Idiota era Silvio,
coitado, tão diligente no esforço de compreender o Brasil, mas tão habitado
pelos pensadores europeus em moda que só sabia papagaiá-los”. Bomfim
também bebe nas fontes europeias, no entanto o faz levando em consideração
as especificidades latino-americanas 14 . Ribeiro, que era um admirador de
Bomfim, justificava a confecção do livro A América Latina a partir da discussão
supracitada, pois, de acordo com ele,

o fato é que Manoel Bomfim surgia com um livro sábio e


profundo, pensado, trabalhado, em que demonstra
cabalmente, dizendo-o com todas as letras – exemplificando
com propriedade, contracitando com sábios europeus que se
opunham aos teóricos do racismo tão admirados no Brasil –
que nossos males não vem do povo. São, isto sim, produto da
mediocridade do projeto das classes dominantes que aqui
organizaram nossas sociedades em proveito próprio com o
maior descaso pelo povo trabalhador, visto como uma mera
fonte de energia produtiva, que ele podia desgastar como bem
quisesse. (RIBEIRO, 2005, p. 15)

14
Tais fontes européias serão trabalhadas pormenorizadamente nos capítulos três e quatro da
presente dissertação.
Apesar de todos os ataques e provocações feitas por Silvio Romero,
Bomfim não se preocupou em revidar; ao contrário, continuou dedicando-se à
interpretação do Brasil.
A bibliografia de Bomfim é vasta e contempla várias áreas do
conhecimento. No entanto, aqui serão listados apenas os livros, não sendo
inseridas, portanto, suas publicações em jornais e revistas, também bastante
significativas. Assim, suas obras são Livro de Composição para o Curso
Complementar das Escolas Primárias (1899), Livro de Leitura para o Curso
Complementar das Escolas Primárias (1901), Compêndio de Zoologia Geral
(1902), Elementos de Zoologia e Botânica Gerais (1904), Das Alucinações
Auditivas dos “Perseguidos” (1904), O Fato Psíquico (1904), A América Latina:
males de origem (1905), Através do Brasil (1910), Obra do Germanismo
(1915), Lições de Pedagogia: teoria e prática da educação (1915), Noções de
Psicologia (1917), Primeiras Saudades (1920), Lições e Leituras (1922),
Crianças e Homens (1922), Livro dos Mestres (1922), Pensar e Dizer: estudo
do símbolo no pensamento e na linguagem (1923), O Brasil na América:
caracterização da formação brasileira (1929), O Brasil na História: deturpação
dos trabalhos, degradação política (1930), O Brasil Nação: realidade da
soberania brasileira (1931) e Cultura e Educação do Povo Brasileiro (1932).
Deixou ainda inacabadas duas obras, intituladas Moral de Darwin e Plástica na
Poesia Brasileira.
De todas as obras de Bomfim, serão destacadas aqui as quatro
principais, e, dentre elas uma que serve de eixo condutor ao seu discurso
latino-americanista. As quatro obras são A América Latina: males de origem, O
Brasil na América: caracterização da formação brasileira; O Brasil na História:
deturpação das tradições; Degradação Política e O Brasil Nação: realidade da
soberania brasileira.
Dar-se-á início pela trilogia de interpretação do Brasil, pois o livro A
América Latina: males de origem será o guia maior, a partir do qual os outros
livros trarão suas contribuições a respeito do discurso identitário latino-
americano defendido por Bomfim.
Em O Brasil na América, Bomfim trabalhou exaustivamente a diferença
entre o Brasil e o restante das nações hispano-americanas, isto porque
acreditava que, à parte a identidade regional latino-americana, da qual o Brasil
também faz parte, cada país tinha suas especificidades e singularidades
historicamente constituídas e foi neste livro que ele buscou justamente fazer o
caminho inverso ao que muitos autores optavam, qual seja, escolheu ir do
macro para o micro e não do micro para o macro. Primeiramente, Bomfim
pensava a América Latina em franco diálogo com a história do Brasil, mas,
neste livro, afunilou a discussão para vislumbrar quais as características que
distinguiam o Brasil do restante da Ibero-América. Nesta obra ele já buscava
elementos que descortinavam a identidade nacional brasileira. Trata-se de uma
história comparativa, baseada nos princípios de identidade e de diferença.
No livro O Brasil na História, Bomfim fez um esforço intelectual no
sentido de relativizar o discurso efetivado pela historiografia oficial. Desse
modo, elegeu alguns interlocutores, dentre os quais o mais conhecido era Adolf
Varnhagem (1816-1878), historiador que escreveu, dentre outros, um livro
intitulado História Geral do Brasil (1854-1857), mas que, segundo Bomfim, foi
uma história a partir da lente lusitana. Neste ponto específico, Bomfim trouxe
uma originalidade interessante, pois, ao contrário de muitos pensadores
brasileiros que cantavam louvores aos colonizadores, ele refutava,
questionava, desmascarava a história do parasitismo ibérico.
Segundo Darcy Ribeiro (2005, p. 16), Bomfim teria desenvolvido
inclusive uma “lusofobia, aliás, iluminada, de tão lúcida e necessária naqueles
tempos em que a tendência era – como continua sendo – a louvação do
colonizador”. Bomfim assim o fez em função de que os ibéricos nunca
quiseram o bem-estar das colônias, a não ser no sentido de que estas
deveriam estar aptas a mandar para a península todas as riquezas que eram
esperadas.
A historiografia que foi intencionalmente revisitada por Bomfim pensava
a história a partir das ideologias dominantes e, nesse sentido, foi fundamental
para desenvolver uma sociedade paradoxal entre dominantes e dominados. A
intenção de Bomfim foi trazer à tona justamente a história dos oprimidos, das
revoluções malogradas, enfim, daqueles que desde o início da colônia tinham
contribuído para a identidade e a cultura nacionais.
Em seu terceiro livro, O Brasil Nação, Bomfim consagrou suas páginas a
analisar as constantes revoluções malogradas pelo espírito conservador
herdado das metrópoles e propôs, por ser um livro de maturidade, uma
revolução nacionalista popular, semelhante a que aconteceu no México no
início do século XX. É neste livro que Bomfim analisou a função da Literatura e
da Poesia 15 como marcadores de intensidade da identidade e da cultura no
Brasil.
Já o livro A América Latina: males de origem servirá de referencial maior
para a discussão identitária, enquanto os livros acima citados complementarão
as ideias desenvolvidas inicialmente no respectivo livro.
No Brasil, Bomfim esteve em contato direto com a abolição dos escravos
(1888) e com a consequente proclamação da república (1889), dois fatos que
deveriam ser considerados fundamentais para a construção da identidade
nacional, nos quais se leva em consideração todos os elementos que estão
inseridos na nação. No caso brasileiro, tem-se os elementos indígena e negro,
que até então estavam excluídos de todos os projetos identitários pensados
para o Brasil e que poderiam sair da condição de apêndices para a de
protagonistas, caso lhes fosse dada tal possibilidade. Por fim, tem-se o
elemento detentor do papel principal, que é o elemento branco ibero-
americano.
No entanto, o que Bomfim viu e registrou principalmente em O Brasil
Nação: realidade da soberania brasileira, de 1931, é que a fase idealista já
havia passado e havia se deparado com o total desprezo em relação à
população negra e indígena e, porque não, a sua mistura – os mestiços – por
parte tanto dos intelectuais quanto dos governantes brasileiros. Prova disso é
que não houve, no ato da abolição, nenhum projeto político-social de
integração desse novo cidadão ao seio da sociedade. O resultado, como pôde
ser observado, foi que muitos preferiram permanecer numa condição servil ao
seu antigo senhor, outros montaram suas comunidades no interior do país,
outros foram para a cidade e, como não foram incorporados como força de
produção, passaram à condição de vadios, sendo, portanto, forçados à
condição de pedintes ou mesmo a promoverem furtos e assaltos, o que
mergulhou a cidade em um caos social.

15
A literatura e a poesia foram fundamentais para o projeto de identidade de Manoel Bomfim,
pois, segundo ele, elas seriam uma espécie de termômetro identitário para se medir o grau de
satisfação e/ou insatisfação social e, a partir de então, expressar com emoção e liberdade as
expectativas do povo.
Bomfim acreditava, no final do século XIX, enquanto idealista positivista,
que a educação seria a saída para o atraso brasileiro, atraso este que seria
consequência de um governo caracterizado pela rapinagem e pela espoliação.
E isso foi detectado por Bomfim a partir de seu diagnóstico da realidade latino-
americana. Seu diagnóstico parte, fundamentalmente, do conceito de
parasitismo social 16 . Para ele, o Brasil, enquanto colônia, foi parasitado pela
metrópole, que sugava todas as suas forças e potencialidades. Tal modelo de
espoliação foi rapidamente implementado pelos novos dirigentes do Brasil no
ato da sua independência. Então, os brasileiros que antes eram usurpados pela
metrópole ultramarina, passaram a ser usurpados pelos governantes formados
em uma cultura dita “de rapinagem e espoliação”, que Bomfim sintetizava no
conceito de “brangantismo” 17 que, grosso modo, poderia ser entendido como
sinônimo de parasitismo social, mais especificamente brasileiro.
No entanto, passados 27 anos da publicação de sua visão idealista da
educação maciça da população, em A América Latina: males de origem,
Bomfim retomou a temática da viabilidade do Brasil enquanto Estado-Nação
com identidade e cultura próprias, só que agora o discurso era menos idealista
e mais realista, para não dizer pessimista, isto porque já se havia vislumbrado
a deturpação das tradições por parte da elite do país ao longo dos anos
referidos.
Segundo Bomfim, o Brasil teria uma tradição guerreira, ou seja, uma
cultura de resistência, a qual permitiu que, ainda que estivesse na condição de
um corpo parasitado, fosse gradativamente construindo sua identidade
nacional. No entanto, tal tradição à qual Bomfim se referia sucumbiu diante de
uma historiografia cunhada numa visão exógena, para não dizer, nas palavras
de Bomfim, “encomendada”, sendo o principal responsável por tal atrocidade

16
Por parasitismo social se entende, segundo Bomfiim, um organismo social, seja uma um
país, uma instituição ou mesmo pessoas que vivem de sugar as forças de organismos
supostamente mais frágeis. E “vivendo parasitariamente, uma sociedade passa a viver às
custas de iniquidades e extorsões; em vez de apurar os sentimentos de moralidade, que
apertam os laços de sociabilidade, ela passa a praticar uma cultura intensiva dos sentimentos
egoísticos e perversos” (BOMFIM, 1905, p. 66).
17
O conceito bragantismo faz referência especificamente à tutela parasitária desenvolvida no
Brasil por parte da monarquia lusitana e tem uma conotação pejorativa para identificar uma
cultura ou forma de pensamento na qual há sempre a opressão de uns sobre outros, cultura
esta que foi, segundo Bomfim, herdada pelos dirigentes do país, mesmo após a destituição da
monarquia.
historiográfica Adolf Varnhagen. Isto pode ser percebido com maior atenção no
livro O Brasil na História 18 .
Segundo José Carlos Reis (2006, p. 186), a obra de Bomfim “é uma
densa revisão da história e da historiografia brasileiras. É uma teoria da história
do Brasil e da América Latina”. Isso mostra a abrangência da obra de Bomfim,
que consegue transitar entre o nacional (Brasil) e o regional (América Latina),
trazendo contribuições tanto à interpretação quanto à proposição de um
modelo de identidade latino-americana. Foi Bomfim, segundo Reis (2006, p.
22), quem “sustentou a força da civilização brasileira contra o olhar
desanimador, aniquilador, de europeus e intelectuais brasileiros aculturados”. É
contra estes olhares europeus, que denegriam a imagem do Brasil e da
América Latina e por consequência a imagem do homem latino-americano
mestiço, que Bomfim se levantou. Alguns desses intelectuais, bem como
sistemas de pensamentos que detratavam a América Latina, serão tratados no
próximo capítulo.

18
Este livro se apresenta como um exercício de desconstrução historiográfica, ao mesmo
tempo em que é um discurso de proposição no qual os nativos e suas histórias, embora tão
heterogêneas, contribuem para o fortalecimento da ideia de coesão social sob uma pátria, no
caso aqui analisado, a identidade do Brasil.
.
2. REPRESENTAÇÕES DEPRECIATIVAS DE RAIZ EUROPEIA
SOBRE A AMÉRICA LATINA: ORIGENS E REFLEXOS DAS
TESES SOBRE A HIERARQUIA RACIAL E A MESTIÇAGEM

Neste capítulo serão trabalhadas algumas concepções depreciativas


acerca da América Latina e do homem latino-americano mestiço com a
finalidade de melhor entender contra quais argumentos Bomfim constrói seu
discurso. Tais concepções são expressas através das representações
europeias acerca do Novo Mundo e fundamentadas cientificamente nas
afirmações das ciências naturais, principalmente a Biologia, em franca
ascensão no século XIX.
Inicialmente, será explorado o pensamento de Georges-Louis Leclerc
Buffon e de como seu pensamento influenciou a posteridade no que tange à
interpretação depreciativa da América Latina. Num segundo momento, serão
exploradas as concepções de Corneille De Pauw, com toda sua radicalidade e
indisposição para com a América ou mesmo para com os americanos. Corneille
De Pauw será um dos maiores responsáveis pela vulgarização das concepções
depreciativas da América Latina. Por fim, serão analisadas as contribuições do
darwinismo social para as representações deturpadoras da realidade latino-
americana, bem como a refutação de Bomfim a tais representações.
Esta discussão foi desenvolvida com profundidade por Antonello Gerbi
19
em seu livro O Novo Mundo: história de uma polêmica (1750-1900) . Neste
livro, o autor trabalha as concepções de inferioridade da América a partir da
fundamentação das teses de Buffon e de De Pauw.
Será analisado, portanto, o iniciador das concepções depreciativas
acerca da América e do homem americano mestiço, o naturalista francês
Buffon. Porém, é necessário ressaltar que, após o bom desenvolvimento
alcançado pelos Estados Unidos no final do século XIX, após sua guerra civil,
os norte-americanos “se apoderaram” do nome de “América” exclusivamente
para seu território e, por conseqüência, o de “americanos” para seu povo. Em
função da ascensão dos Estando Unidos, as concepções depreciativas

19
Gerbi, Antonello. O Novo Mundo: história de uma polêmica (1750-1900). São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
desenvolvidas por Buffon passaram a se referir basicamente à América Latina,
que não havia alcançado tal desenvolvimento, e seu representante, o elemento
mestiço.

2.1 Georges- Louis Leclerc Buffon

Georges-Louis Leclerc Buffon (1707-1788) foi um naturalista francês


que, em meados do século XVIII, desenvolveu uma tese sobre a inferioridade,
a debilidade ou mesmo a imaturidade das Américas. Sobre o homem indígena,
habitante primeiro das Américas, Buffon afirmou que “a natureza, ao recusar-
lhe as potências do amor, maltratou-o e apequenou-o mais que a qualquer um
dos animais.” (Apud: GERBI, 1996, p. 21)
Esta teoria teria sido assimilada por parte dos intelectuais e líderes
políticos europeus e lhes possibilitado questionar a viabilidade da América
Latina como um conjunto de nações autônomas. No entanto, para condenarem
os nativos e os americanos como um todo (visto que são resultado de um
hibridismo racial e cultural que, com exceção da Península Ibérica, não tinha
precedentes na história), necessitavam de uma teoria de caráter científico para
legitimá-la. Não se pode esquecer que Buffon foi do século das luzes, no qual
as ciências floresciam, entre elas, as ciências naturais se desenvolviam com
maior intensidade e prestígio.
Convém ressaltar, no entanto, que antes da teoria pseudocientífica de
Buffon, o preconceito depreciativo em relação ao homem americano era algo
corrente na Europa. Tal preconceito era alimentado muitas vezes pelas
narrativas de viajantes imbuídos de um imaginário formado de longa data, no
qual se definiam as realidades não por elas mesmas, mas sim pela pertença
imaginária na qual foram concebidas historicamente.
Dessa forma, o que se tem na verdade acerca da América Latina são
representações a partir de postulados eurocêntricos, os quais não viam
nenhuma possibilidade de florescer uma grande civilização nos trópicos; pelo
contrário, o que havia aqui, na verdade, era o contrário de civilização, ou seja,
representava a barbárie.
Segundo Buffon (Apud: GERBI, 1996, p. 21),
O selvagem é débil e pequeno nos órgãos de reprodução; não
tem pêlos nem barba, nem qualquer ardor por sua fêmea:
embora mais ligeiro que o europeu, pois possui o hábito de
correr, é muito menos forte de corpo; é igualmente bem menos
sensível e, no entanto, mais crédulo e covarde; não demonstra
qualquer vivacidade, qualquer atividade d’alma. .

Percebe-se que a força física era um atributo dos europeus,


considerados como uma espécie mais perfeita do que as outras no quadro
evolutivo. Esta forma de representar o mundo foi intitulada de “a degeneração
dos animais” e foi a teoria utilizada para legitimar a dominação do forte
(concebido como o europeu) sobre o fraco (representação do homem latino-
americano).
Não se pode retirar de Buffon o mérito ter sido um dos primeiros
naturalistas a catalogar e sistematizar o conhecimento acerca dos animais no
Velho e no Novo Mundo a partir de comparações empíricas. O próprio Darwin
posteriormente reconheceu seu valor; no entanto, reconheceu também os
equívocos existentes em sua teoria, como se reconhece no comentário a
seguir.

O primeiro autor que nos tempos modernos tratou disso


[espécies] com um espírito científico foi Buffon. Mas [...] sua
opinião flutuava muito em diferentes momentos e [...] ele não
entra nas causas ou meios da transformação das espécies.
(DARWIN. Apud: GERBI, 1996, p. 42)

O que está em questão não é o mérito de se ter levado a cabo uma


pesquisa dessa envergadura, mas sim os pressupostos dos quais parte Buffon
e as fragilidades de sua teoria. Tal teoria serviu de fundamentação
epistemológica a vários movimentos no século XIX, os quais, em sua grande
maioria, denegriam a imagem da América Latina, bem como do homem latino-
americano. Faz-se necessário reafirmar que foram as fragilidades de sua teoria
que possibilitaram várias de suas utilizações para propósitos escusos, como,
por exemplo, legitimar o domínio do Velho sobre o Novo Mundo e do europeu
sobre o latino-americano.
Na obra A América Latina: males de origem, conquanto não se
vislumbre, num primeiro contato, referência direta a Buffon, percebe-se, em
contrapartida, as consequências do discurso buffoniano nas teorias racialistas
do século XIX combatidas por Bomfim em sua obra.
A afirmação supracitada pode ser verificada a partir da identificação
entre as teses de Buffon e a concepção de Hegel acerca dos latino-
americanos, isto porque Hegel não se detinha em problematizar a realidade do
homem americano, por concordar com Buffon que os homens do Novo Mundo
eram seres imaturos e apequenados intelectualmente. Dessa forma, ambos
concordavam que o homem americano era jovem, imperfeito e incapaz, de
desenvolver-se social e culturalmente. Na verdade, Buffon afirmava que o
homem americano encontrava-se pior ainda que os outros animais devido à
sua frigidez.
Segundo Bomfim, que sai em defesa dos americanos, a incapacidade de
desenvolvimento latino-americano naquele momento manifestava-se a partir de
condições sócio-históricas impostas pelas metrópoles sobre as colônias (o que
Bomfim chamou de Parasitismo Social) e não por uma degeneração biológica.
Pelo contrário, nas palavras de Bomfim, em nível de potencialidade, o latino-
americano estava em vantagem comparativa, pois conjugava em si as
melhores características das três raças.
O que faltava, na verdade, para que a potencialidade da América Latina
se transformasse em realidade histórica eram justamente as condições
favoráveis. Nessa perspectiva, a instrução era considerada por Bomfim uma
das principais condições a serem desenvolvidas para permitir e incentivar a
consciência livre e libertadora, pois, para ele, era a instrução que alimentava a
vontade. A vontade, em sua concepção, era

o ato do espírito pelo qual o homem examina, escolhe,


delibera e decide, em vista das condições e situações novas
que a vida lhe oferece, no seu transformar contínuo; é a
faculdade de achar o caminho para avançar, e de atender aos
imprevistos que se ofereçam na derrota para o futuro.
(BOMFIM, 1905, p. 337)

Se o discurso europeu, a partir desse momento, embasado nas teses


naturalistas, visava à expansão geográfica e econômica, tal discurso precisava
representar a América Latina e o latino-americano de tal forma que, para o
europeu, a reconquista e a manutenção da América Latina sob sua tutela seria
a única saída para a situação de barbárie na qual teoricamente se encontrava.
No entanto, Bomfim lançou por terra tal representação latino-americana,
argumentando que ela fora cunhada de forma abstrata, sem um contato efetivo
com o objeto da representação, sendo, portanto, ilegítima. Ao mesmo tempo,
Bomfim se propôs a mostrar a verdade dos fatos latino-americanos, pois, ao
contrário dos teóricos europeus, conhecia bem a realidade sócio-cultural na
qual estava inserido. E por isso defende a América Latina, representando-a
discursivamente.
Não é gratuitamente que alguns teóricos latino-americanos como, por
exemplo, o argentino Domingos Faustino Sarmiento 20 , formados numa
mentalidade heteronômica, reconheceram a condição de barbárie latino-
americana e se propuseram a indicar o caminho da civilização, qual seja,
eliminar todo e qualquer vestígio de barbárie no país e, por extensão, na
América Latina. Dessa forma, tal fundamentação teórica permitiu que se
empreendessem as maiores atrocidades no intuito de marginalizar e explorar
do indígena e o negro do seio da sociedade.
A literatura, inspirando-se numa mentalidade agressiva, que, para
caracterizar-se necessita caracterizar o outro (por isso toda identidade
pressupõe diferença, diferença em relação a outrem), forjou narrativas
exemplares, no sentido de difundir tal pretensa identidade e superioridade
distintiva. Nesta perspectiva, a Europa considerava-se possuidora de uma
identidade, enquanto os outros eram simplesmente os outros, os exóticos, os
distintos, em suma, os incapazes de, por si só, desenvolverem-se sócio-
culturalmente em comparação à Europa.
É contra tais perspectivas que Manoel Bomfim se revolta. No exato
momento em que se encontrava na Europa, especificamente em Paris, em
seus estudos de Psicologia, no ano de 1903, sensibilizou-se com tamanha
indisposição dos europeus para com o homem latino-americano e,
fundamentado em outros teóricos das ciências naturais, refutou tais teses
depreciativas. A análise europeia se firmava sobre no etnocentrismo e não no
conhecimento dos fatos que se passavam aqui. Segundo Bomfim, o verdadeiro

20
Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888) foi educador, escritor e presidente argentino, fruto
do momento histórico de emancipação e consequente afirmação das antigas colônias ibero-
americanas durante o século XIX. Sua obra, apesar de referir-se à realidade Argentina,
representa o discurso de americanistas identificados com projetos construídos a partir da
noção de superioridade dos anglo-saxões e, por conseqüência, era favorável à tese de
inferioridade do mestiço.
interesse por trás de tais argumentos era o de apropriar-se das riquezas que
tão abundantemente existiam na América Latina e que não podiam ser
extorquidas, se não de forma legitimada. Foi isso que Buffon fez ao afirmar que
“a dimensão do corpo, que parece ser apenas uma grandeza relativa, possui,
entretanto, atributos positivos e direitos reais no ordenamento da natureza: o
grande é tão fixo quanto o pequeno é variável” (BUFFON. Apud: GERBI, 1996,
p. 29). Em suma, o grande é superior ao pequeno, o fixo é superior ao mutável
e isto legitima a dominação do forte sobre o fraco.
Para concluir o pensamento de Buffon, veja-se o que Antonello Gerbi
escreveu sobre sua visão da América:

Julgar a fauna americana imatura ou degenerada equivalia a


proclamar a do Velho Mundo madura, perfeita, idônea, capaz
de servir de cânone e ponto de referência a qualquer outra
fauna de outro recanto do globo. Com Buffon, o eurocentrismo
se afirma na nova ciência da natureza viva. (GERBI, 1996, p.
41)

Alguns intelectuais partiram para a generalização e aplicaram a assertiva


da imaturidade da fauna e na flora a qualquer coisa que estivesse na América,
inclusive os homens, pois se estes já eram apequenados, com a miscigenação,
seriam menos que animais. Portanto, só restava uma saída redentora, qual
seja, a neo-colonização europeia.
Bomfim, em sua obra, se propôs a desmascarar o discurso
pseudocientífico e a ideologia que lhe conferia o motor propulsor. E conseguiu
fazê-lo a partir de um víés contra-discursivo, que foi ao mesmo tempo um
discurso de resistência.
Se Buffon foi quem inaugurou as interpretações depreciativas da
realidade latino-americana, baseadas na ciência do momento, a biologia, De
Pauw foi o maior vulgarizador de tais ideias.

2.2 Corneille De Pauw

Corneille De Pauw (1739-1799) foi também um naturalista francês


contemporâneo de Buffon, no entanto, suas teses depreciativas acerca do
Novo Mundo são expressivamente mais radicais, o que favoreceu ainda mais a
construção de estereótipos sobre o americano. Em sua obra de 1768, intitulada
Recherches Philosophiques sur les americains, ou Mémoires intéressants pour
servir à l’histoire de l’especie humaine, De Pauw afirmou que os selvagens
americanos “odeiam as leis da sociedade e os obstáculos da educação...E sem
tal cultura eles não são nada.” (DE PAUW. Apud: GERBI, 1996, p. 56-57)
A figura de De Pauw se apresenta muito mais hostil ao homem
americano do que fora Buffon. Seu argumento, em tom quase jornalístico,
alcança o ápice da detração aos americanos. Isto pode ser aferido
paradoxalmente na reação quase que simultânea à publicação de sua tese,
tanto na Europa quanto na América. Tais reações em grande parte foram de
humanistas influenciados pelo pensamento de Rousseau, que concebiam o
homem americano original como o bom selvagem.
Segundo De Pauw, o homem americano não era imaturo, como
observou Buffon, mas sim verdadeiramente degenerado, no sentido mais
profundo do termo. Nesta concepção, Buffon teria sido condescendente com o
ser americano, ao passo que na concepção de De Pauw (Apud: GERBI, 1996, p.
57)

o americano nem sequer chega a ser um animal imaturo, não


é um crianção, é um degenerado. A natureza do hemisfério
ocidental é imperfeita: é decaída e decadente.

Para o mestiço, a condenação é ainda mais perniciosa, pois, segundo


De Pauw (Apud: GERBI, 1996, p. 96), os mestiços “são uma espécie de
homens que possuem somente os vícios das nações cuja mescla
representam.”
Num período em que se aventavam discursos sobre o bom selvagem,
De Pauw contrasta com todos e coloca o selvagem americano em total
barbárie e maldade instintiva. Sua ousadia chega ao ponto de afirmar que os
homens americanos

estão pior ainda que os animais. São tão débeis que ‘o menos
vigoroso dos europeus sem esforço os deitaria por terra numa
luta’; possuem menos sensibilidade, menos humanidade,
menos gosto e menos instinto, menos coração e menos
inteligência, numa palavra, menos tudo. São bebês raquíticos,
irreparavelmente indolentes e incapazes de qualquer
progresso mental. (DE PAUW. Apud: GUERBI, 1996, p. 58)
Como foi dito anteriormente, a deturpação do homem, assim como do
continente americano, tinha como pano de fundo, no século XIX, o interesse
europeu em suas terras e em subjugá-los novamente, num movimento
neocolonizador. Tal interesse fez com que se chegasse à conclusão, segundo
Gerbi (1996, p. 74), de que

A debilidade ou inferioridade do continente possui, portanto,


uma de suas primeiras raízes nas especulações legais e nos
sofismas dos defensores de um direito natural de domínio dos
forasteiros europeus sobre os aborígines das Novas Índias. É
uma tentativa de sobrepujar a liberdade dos nativos com
pretensas leis geográficas, a cândida realidade com citações e
silogismos. É um simulacro de má ciência natural, para
aprisionar a liberdade virgem daquele mundo inesperado na
mordaça histórica da política e da autoridade.

No entanto, o pensamento de De Pauw era um tanto quanto paradoxal,


pois, ao mesmo tempo em que legitimava a superioridade do europeu em
comparação ao homem latino-americano, questionava a dominação truculenta
que aqueles faziam, inclusive prevendo possibilidades para o homem
americano, como se percebe na seguinte afirmação: “Eles [os americanos]
desejarão fugir à tutela e, quando o quiserem, seguramente terão os meios de
fazê-lo e de afirmar sua liberdade.” (DE PAUW. Apud: GERBI, 1996, p. 64)
É possível vislumbrar como seus argumentos serviram para alimentar a
mentalidade europeia pela via da detração. Ainda hoje, no século XXI, algumas
das imagens que vêm à mente do europeu no que se refere à América Latina
estão em maior ou menor grau permeadas pela visão pejorativa de De Pauw.
Tal visão passou a se tornar consenso entre boa parte dos europeus, sempre
trazida à tona no exato momento em que são perguntados sobre o que é a
América Latina, mesmo que tal depreciação não seja intencional.
Segundo Bomfim, a visão pejorativa acerca da América Latina servia
como motor propulsor legitimador da possibilidade de invasão da América
Latina pela Europa. De acordo com Bomfim, seria fundamental que a Europa
se ocupasse de conhecer efetivamente a vida das sociedades latino-
americanas, pois seria

bom para ela, para a humanidade e vantagem para nós em


particular. Para os países da América do Sul, isto representa,
quase, uma questão de vida ou morte. Em primeiro lugar,
porque esse juízo universal, condenatório, a nosso respeito se
reflete de um modo perniciosíssimo sobre nós mesmos.
Somos a criança a quem se repete continuamente: ‘não
prestas para nada; nunca serás nada...’ e que acabará
aceitando esta opinião, conformando-se com ela,
desmoralizando-se perdendo todos os estímulos...A menos
que a Europa não se converta a sentimentos de uma relativa
equidade, e que as nações civilizadas não resolvam dirigir os
seus atos segundo os princípios de justiças e solidariedade
humana, que os homens individualmente aceitam – a menos
que um tal milagre não se faça, a América do Sul, as
populações latino-americanas, terão sorte igual à da Índia,
Indochina, África, Filipinas, etc. (BOMFIM, 1905. p. 47-48)

Mas tal visão não se apresentava de forma tão simples assim, pois, além
da causa efetiva, interesseira, como a supracitada, há também uma causa
intelectual, que se processa pela total ignorância da realidade sócio-política e
mesmo econômica latino-americana tanto no passado mais remoto, quanto em
sua época (início do século XX). E é essa total ignorância da realidade
histórico-social latino-americana que Bomfim utilizou como arma de defesa,
pois mostrava as fragilidades dos argumentos pseudocientíficos.
Se as teses de Buffon e de De Pauw serviram para legitimar o discurso
imperialista europeu, Hegel se serviu das ideias precedentes e intensificou seu
discurso desfavorável em relação ao novo continente.

2.3 Hegel e a Imaturidade da América

Hegel seguiu a mesma linha dos teóricos do século XVIII supracitados e


condenou a uma posição subalterna o continente americano e seus habitantes,
frente ao velho continente. Para Hegel, o homem americano era semelhante a
um animal, uma besta, pois ainda não havia desenvolvido a razão e tudo o que
continha era sentimento, mas,

se é todo e apenas sentimento, não se distingue mais da


besta. Caso toda a sua religião devesse ser reduzida ao
sentimento, mais precisamente a sentimento de sua
dependência de um Poder Superior, o melhor cristão seria um
cão. (HEGEL. Apud: GERBI, 1996, p. 327)

Para o elemento natural das Américas, o indígena, não era reservada nem
mesmo uma definição de raça, pois não se encaixava nas características das
raças conhecidas nos velhos continentes, Europa, Ásia e África. Segundo
Hegel, uma das justificativas para essa relativização era que “até a cor da pele
é incerta: brancos, negros e amarelos, sabe-se o que sejam; mas a epiderme
dos americanos é acobreada” e indefinida (HEGEL. Apud: GERBI, 1996, p.
327). Ora, um ser humano em que nem mesmo a cor da pele se podia
mensurar com precisão, segundo Hegel, não podia ser colocado em igualdade
com os seres humanos do Mundo Antigo. Nas palavras de Hegel, que
confirmam o total desprezo pelo Novo Mundo, com tudo o que nele há, as
civilizações americanas, que são rudimentares, “deviam necessariamente
desaparecer com a chegada da incomparável civilização europeia (...), pois
caberá aos europeus fazer florir uma nova civilização nas terras conquistadas”
(HEGEL. Apud: GERBI, 1996, p. 327, 328)
Diante do total desprezo pelos nativos americanos, Hegel se via numa
complicada situação para analisar e emitir seu juízo sobre a participação dos
Estados Unidos nesta América imatura. Mesmo para os Estados Unidos do
século XIX, a análise de Hegel não foi uma das mais favoráveis, apesar dos
primeiros passos em direção à civilização. Segundo Gerbi (1996), Hegel
considerava os Estados Unidos ainda imaturos, não tanto quanto as demais
nações americanas, mas ainda assim imaturos, pois suas estruturas políticas
ainda estavam em fase de consolidação, bem como seu Estado-Nação.
Considerava ainda que houvesse diversos espaços a serem preenchidos no
interior do seu território, o que demandaria uma colonização maciça do oeste.
Os Estados Unidos somente teriam iniciado sua marcha rumo à civilização
porque teriam recebido uma grande quantidade de europeus, que contribuíram
com suas energias ao projeto de criar, no meio do nada, uma nação.
Para reforçar seus argumentos da inferioridade da América e do homem
americano, Hegel começou a formular a hipótese de que os habitantes do
norte, que se consolidaram a partir da matriz europeia, eram superiores, bem
como o clima e a geografia também eram mais propícios para o
desenvolvimento de uma civilização à imagem e semelhança da europeia. Ao
sul do continente ficava de novo, ao qual era reservada toda a espécie de
detração e questionamentos. Desde a geografia até a história, tudo servia para
Hegel como elementos basilares de sua argumentação de que a América e os
americanos são bárbaros e incivilizáveis. Mas agora, o argumento detrator se
dirigia à América do Sul. A antiga contradição entre Velho e Novo Mundo
passa, num segundo momento da fala de Hegel, a uma contradição entre o
norte e o sul do continente americano, sendo que o norte, em função de uma
maior proximidade sócio-cultural com o Velho Mundo, estava em um estágio de
barbárie menor do que os do sul da América. Em suas palavras,

em toda a América do Sul, exceto no Brasil, surgiram


repúblicas; todavia, se as confrontarmos com a América do
Norte, encontraremos uma ‘antítese surpreendente’. No Norte,
ordem e liberdade; no Sul, anarquia e militarismo. No Norte, a
Reforma; no Sul, o Catolicismo. O norte foi ‘colonizado’; o Sul,
‘conquistado’. (HEGEL. Apud: GERBI, 1996, p. 331)

Conforme a citação, Hegel transfere sua visão entre Velho e Novo


Mundo para uma América polarizada entre o norte, mais parecido como o velho
continente e o sul, símbolo do novo continente bárbaro. Dessa forma, a
América do Norte era contemplada como sendo de “confiança nos protestantes
industriosos, fieis e liberais” ao passo que a América do Sul era vista como
símbolo de “violenta desconfiança nos católicos, briguentos e prepotentes”
(HEGEL: Apud: GERBI, 1996, p. 332). A partir de tal definição dada por Hegel,
para os latino-americanos só restava a subserviência à civilização europeia ou
mesmo aos anglo-saxões do norte.
As teses de Hegel também fizeram parte dos antecedentes depreciativos
da América Latina contra os quais Manoel Bomfim se posicionou de forma
contundente. Mas ainda resta analisar as contribuições do darwinismo social
para a depreciação da América Latina e como essas teses foram assimiladas
pela intelectualidade latino-americana, principalmente brasileira.

2.4 Darwinismo Social

A teoria da seleção natural, de Charles Darwin, foi uma tentativa de


explicar a diversidade de espécies de seres vivos através da evolução e da
seleção natural. A partir destas concepções, diversos cientistas defenderam a
tese das diferenças raciais entre os seres humanos.
O discurso eurocêntrico, além de imperialista, era também racista, o que
justifica o constante ataque de Bomfim a tais argumentos, pois, além de latino-
americano, o homem central do discurso (ou contra-discurso) de Bomfim era o
homem mestiço, típico representante da América Latina.
Os argumentos do darwinismo social partem do pressuposto de que, no
desenvolvimento das espécies, as mais aptas sobreviveram, mas isto através
da dominação e da morte dos mais fracos ou menos aptos. Tal pressuposto
justificaria a dominação dos fortes sobre os fracos. No entanto, Bomfim
invalidou tal discurso, identificando-o como reacionário e anti-científico, uma
vez que defendia equivocadamente a inferioridade definitiva das raças no lugar
das alternativas históricas de cada povo.
Os argumentos utilizados pelos pensadores europeus e estadunidenses
que comungavam essa tese desenvolveram-se, como apresentado por
Bomfim, da seguinte maneira: em primeiro lugar, “os indígenas e negros têm
sido exterminados, eliminados pelos brancos, o que prova serem eles
inferiores”; em segundo lugar, “estes povos são, geralmente, muitíssimo mais
atrasados que os brancos. São todos ainda selvagens ou bárbaros, e este
atraso geral tem como causa, certamente, uma inferioridade étnica essencial”
(BOMFIM, 1905, p. 273-274). Tais fatos por si só justificariam a dominação
estrangeira sobre a América Latina. No entanto, para se legitimarem, citam
Darwin como se este pensador compartilhasse dos mesmos objetivos e
postulados.
Porém, se for observada atentamente a reação de Darwin, ver-se-á que,
ao contrário de confirmar os argumentos do darwinismo social, ele, na verdade,
os questionou, e o fato de tê-los questionado mostra que suas teses foram
apropriadas e deturpadas pela teoria do progresso ou do darwinismo social,
como é mais comumente conhecida.
Dentre os vulgarizadores desse movimento, tem-se como principais
representantes Gobineau e Le Bon. Arthur de Gobineau (1816-1882), francês,
diplomata, escritor, etologista e filósofo, foi um grande defensor da
superioridade da raça branca e sua teoria do determinismo racial teve uma
grande influência tanto na Europa quanto nas Américas, a partir de sua
principal obra, intitulada Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas
(1855). Gobineau esteve no Brasil no ano de 1869 como diplomata a serviço de
Napoleão III, permanecendo aqui apenas um ano. Neste período, fez amizade
com Dom Pedro II, por quem tinha apreço e continuou esta amizade por cartas
após sua partida. No entanto, se por um lado Gobineau tinha apreço pelo
imperador, o mesmo não poderia ser afirmado de sua nação, que, para
Gobineau, era a maior representatividade de degeneração que se poderia
observar. Gobineau era um defensor árduo da superioridade branca e afirmava
que a miscigenação levava o ser humano à degeneração contínua até o ponto
da barbárie absoluta. Foi atribuída a ele a frase “eu não acredito que viemos do
macaco, mas creio que estamos indo nesta direção”. Isto se dizia por causa da
miscigenação. Segundo Gobineau, a raça ariana era superior às outras, sendo
os fieis representantes desta raça os alemães, enquanto as sociedades
constituídas por negros ou amarelos seriam incivilizadas. Quanto à miscigeção,
gradativamente caminhavam no sentido da imoralidade e da corrupção.
Já Gustave Le Bon (1841-1933), psicólogo social, sociólogo e físico
amador francês, um dos interlocutores pressupostos na obra de Bomfim.
Gustave Le Bon foi autor de várias obras nas quais expos teorias de
características nacionais, superioridade racial, comportamento de manada e
psicologia de massas. Era adepto da chamada Psicologia Social, que entendia
a atividade do indivíduo como condicionada pelo grupo social a que pertencia.
Gustav Le Bon alterou a definição de espécie para raça, e com isto influenciou
toda uma geração de pensadores, inclusive no Brasil.
A grande característica do darwinismo social era que, “partindo da teoria
de Darwin, mas na verdade subvertendo-a, esses pensadores afirmavam que o
resultado de um casamento híbrido era sempre degenerado ou mais fraco. Pior
ainda, carregava os defeitos (e não as qualidades) de cada um dos seus
ancestrais”. (SCHWARCZ, 1993, p. 61)
De acordo com esse argumento, a miscigenação seria o que de pior
poderia ocorrer no seio de uma sociedade, pois, se para as raças inferiores (o
negro e o amarelo) já não havia saída por serem ontologicamente inferiores
aos brancos e incapazes de civilização, a situação mestiça de sub-raça era
algo ainda pior e execrável.
É a partir desse prisma que Le Bon condena as sociedades latino-
americanas, afirmando que

todas elas, sem uma exceção, chegaram a este estado em


que a decadência se manifesta pela mais completa anarquia,
e em que os povos só têm a ganhar em ser conquistados por
uma nação bastante forte para dirigi-los. (LE BON Apud:
BOMFIM, 1905, p. 344)

A condenação supracitada, para Le Bon, é um conselho a ser seguido


pelos povos civilizados, para uma possível recolonização, como se percebe na
afirmação: “sujeitam-nos a um regime de ferro, único em que são dignos estes
povos, desprovidos de virilidade, de moralidade e incapazes de se governar.”
(LE BON. Apud: BOMFIM, 1905, p. 344)
Bomfim questiona as afirmações de Le Bon, afirmando serem elas parte
de uma filosofia de péssima qualidade que, a partir de 1870, vinha tentando
fazer escola na França. Dessa forma,Bomfim afirma que, para Le Bon e seus
adeptos, a teoria do progresso ou darwinismo social se resumia de forma
grotesca em que

a força é o instrumento único; a riqueza é o sucesso; o fim, a


consagração; nem tréguas aos fracos, nem esperança para os
infelizes...é em nome desses princípios que eles passeando
os olhos pelos povos, dão a palma da excelência aos alemães
e anglo-saxões, principalmente a estes últimos, que, além de
mais fortes são os mais ricos. Obcecados pela inveja,
fascinados pela grandeza dos Estados Unidos e da Inglaterra,
eles não compreendem que “progredir” possa ser outra coisa
se não adquirir uma situação comparável a desses países.
(BOMFIM, 1905, p. 347)

Contra tudo isso Bomfim cita o discurso de um homem latino-americano


que ganha a vida através de seu livro, no qual afirma: “porque a Inglaterra está
farta e rica, não vamos nós latinos condenar o nosso gênio e curvar a cabeça,
aceitando como ideal de progresso a utilidade prática!” (BOMFIM, 1905, p.347)
Isso mostra que não há resignação por parte dos latino-americanos, mas
sim resistência, resistência esta que, nesse momento, se dá também e
principalmente pelo discurso, no sentido de que na contra-argumentação, a
resistência latino-americana ganha visibilidade e legitimidade constituindo-se,
assim, como uma representação afirmadora de identidade.
Outro autor europeu que escreveu na mesma linha de Gobineau e Le
Bon foi o português Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894), sociólogo
e historiador, tendo escrito uma obra de grande repercussão intitulada O Brasil
e as Colônias Portuguesas (1880). Neste livro e em todo o seu pensamento,
Oliveira Martins defendeu a ideia da superioridade da raça branca, bem como a
inferioridade das raças negra e indígena, bem como dos mestiços, estes
considerados ícones da degenerescência humana.
Uma de suas posições foi a de que o negro deveria ser escravizado e
eliminado, e não haveria crueldade nenhuma neste processo, pois tudo isto
faria parte de um sistema de seleção natural, no qual o elemento fraco é
vencido pelo forte. Através de suas palavras, “os processos com que as raças
superiores escravizaram ou exterminaram sempre as inferiores (...) essa lei que
na sociologia produz pela seleção, os tipos superiores” (OLIVEIRA MARTINS.
Apud: BOMFIM, 1905, p. 279), percebe-se invariavelmente a vitória do mais
forte e, consequentemente, a inferiorização do perdedor. Para Oliveira Martins,
o extermínio do indígena e do negro fazia parte da marcha do progresso, no
qual apenas os aptos permanecem. Para elucidar tal assertiva, Oliveira Martins
afirmou que “é legítimo que o branco escravize e extermine o negro, porque é
assim que as coisas se passam na natureza” (OLIVEIRA MARTINS. Apud:
BOMFIM, 1905, p. 280). Este autor é o grande interlocutor com o qual Bomfim
dialoga em seu livro, refutando suas teses.
Este debate teve repercussões no Brasil, o que pode ser percebido no
que tange ao debate sobre a miscigenação que engendrou a intelectualidade
brasileira no final do século XIX e início do século XX. Alguns dos pensadores
brasileiros que sofreram influência dos teóricos do racismo europeu são Nina
Rodrigues (1862-1906), Joaquim Nabuco (1849-1910) e mesmo Silvio Romero
(1851-1914). Cada qual à sua maneira, todos contribuíram para o caloroso
debate em que se encontrava Manoel Bomfim, qual seja, a viabilidade da
nação brasileira a partir de seu elemento mestiço.
Segundo Roberto Ventura (2000, p.331), intelectuais, políticos e
cientistas brasileiros “repensaram a identidade cultural e política do Brasil em
meio às transformações que levaram à extinção da escravidão em 13 de maio
de 1888 e à implantação do regime republicano em 15 de novembro de 1889”.
Isto proporcionou um amplo debate, pois significava pensar a viabilidade da
nação brasileira à luz das novas teses racistas europeias, tendo como campo
de análise o Brasil, um país constituído por indígenas, negros, brancos e uma
grande maioria de mestiços.
Foi neste contexto e influenciados pela teoria do progresso que alguns
escritores brasileiros lutaram para a abolição da escravidão, não incluindo
nesta luta necessariamente a participação social do negro. É o caso de
Joaquim Nabuco, autor de O Abolicionismo (1883), que defendia a ideia de
uma democratização da sociedade, com a eliminação da escravidão, mas tudo
isto sem a participação direta das massas ou mesmo dos negros, que eram os
principais elementos das manifestações. Em sua concepção, os destinos do
país deveriam ser decididos por meio de um debate entre pessoas
esclarecidas.
Outro autor de grande envergadura neste contexto foi Silvio Romero,
que escrevia sobre a funcionalidade da nação brasileira sob o influxo da
mestiçagem. Seus escritos, no entanto, sofriam influência direta das teses
racistas europeias. Em sua concepção, “o servilismo do negro, a preguiça do
índio e o gênio autoritário e tacanho do português produziram uma nação
informe, sem qualidades fecundas e originais” (ROMERO. Apud: VENTURA,
2000, p. 344). O resultado inevitável para uma nação que incorporasse tais
raças tão dispares seria a total degeneração.
Surgem também, neste momento, os escritos de Nina Rodrigues que,
enquanto médico, desenvolveu uma série de mecanismos para definir uma
propensão do indivíduo ao crime e à degeneração. De acordo com Roberto
ventura, as pesquisas de Nina Rodrigues apontavam que “a loucura, a
criminalidade e a degeneração poderiam ser previstas e entendidas a partir dos
cruzamentos raciais, que produziram uma população fraca e doente”
(VENTURA, 2000, p. 346). Para Nina Rodrigues, todos que não fossem
brancos estariam em condição de ameaça à ordem liberal-republicana, pelo
simples fato de a degeneração racial a partir da mestiçagem impossibilitar
algum tipo de progresso.
A partir das teses de superioridade racial, Nina Rodrigues empenhou-se
em provar que tanto os negros quanto os mestiços eram elementos contrários
à civilização e ao progresso, pois se encontravam em etapas atrasadas no
processo evolutivo. Analisando o que Nina Rodrigues afirma sobre o negro e o
mestiço, Roberto Ventura afirma que, naquele momento, de acordo com o
discurso dos intelectuais brasileiros, o negro

não havia ultrapassado o estágio infantil da humanidade,


tenderia não só à loucura e à paranóia, como também ao
crime devido à sobrevivência psíquica de caracteres
retrógrados. O mestiço também apresentaria alto grau de
criminalidade em razão da degeneração resultante do
cruzamento de raças díspares. (VENTURA, 2000, p. 347)

A nação brasileira pensada a partir de tais concepções dificilmente seria


incorporada à civilização, e pensar a identidade e a cultura brasileiras com
elementos tão díspares seria quase impensável. No entanto, o pensamento de
Nina Rodrigues é fruto de um período em que as ideias racistas caíam como
grandes chuvas torrenciais e eram absorvidas pela grande maioria dos
intelectuais e políticos brasileiros.
Há ainda a presença neste debate de Euclides da Cunha, autor de Os
Sertões (1902), que em seu interesse em retratar o homem do sertão transpõe
para as páginas de seu livro um pouco de sua visão acerca do mestiço. Para
ele, haveria uma dupla miscigenação no Brasil, uma sertaneja e outra litorânea.
Sua perspectiva, segundo Roberto Ventura, pode ser averiguada na seguinte
assertiva acerca do caráter de Antonio Conselheiro, chefe da resistência de
Canudos:

o Conselheiro teria sido capaz de sintetizar as superstições


das populações sertanejas, que reviveram as tendências
impulsivas das raças inferiores, condensadas no seu
“misticismo feroz e extravagante”. (VENTURA, 2000, p.349)

Tal citação indica como, de forma menos feroz, mas nem por isso menos
contundente, Euclides da Cunha interpretava e escrevia sobre os mestiços e
sua degeneração, uma vez que havia incorporado em seu discurso a ideia
presente na teoria das raças superiores de que os brancos eram
inegavelmente superiores aos indígenas e principalmente aos negros.
Foi contra tais discursos e com perspectivas distintas que Bomfim
analisou a história da América Latina e do Brasil. A análise empreendida por
Bomfim visava a identificar no passado histórico latino-americano real a raiz do
atraso, que, no entanto, não estaria ligada às raças, muito menos ao
cruzamento dessas raças, mas sim às alternativas históricas resultantes do
parasitismo social. O parasitismo social é justamente a ferramenta de análise
do passado latino-americano, bem como a chave para a compreensão do
projeto identitário de Bomfim, como será visto a seguir.
3 O “PARASITISMO SOCIAL” DE MANOEL BOMFIM: OS MALES
DA AMÉRICA LATINA ORIGINÁRIOS DE UM “PASSADO
FUNESTO”

Neste capítulo será desenvolvido com mais dinâmica e profundidade um


elemento fundamental do pensamento de Bomfim, sem o qual não seria
possível a correta interpretação de seu projeto identitário, qual seja, o conceito
de “parasitismo social”. Bomfim em momento algum forneceu explicitamente
uma definição para o conceito de “parasitismo social”, no entanto, a partir de
seus exemplos e comparações com organismos biológicos, fica claro do que se
trata. Isto pôde ser evidenciado quando Bomfim analisou um animal marinho
chamado Chondracanthus gibbosus, que é complexo na condição de larva,
mas que passa a ser extremamente simples na condição de adulto, no entanto,
detém colchetes poderosos com os quais se agarra ao animal que será
parasitado. O que fez este animal simplificar-se ao invés de complexificar-se?
Segundo Bomfim, isto se deve à degeneração que se deu a partir da não
necessidade de utilização de todos os órgãos. Nas palavras de Bomfim,

fixado ao animal que o nutre, o Chondracanthus resume toda a


atividade vital em sugar a seiva nutritiva, que ele já encontra
elaborada, pronta a ser assimilada e apropriada para a
nutrição íntima dos tecidos, e em reproduzir-se. É nessas
condições que o animal adulto se apresenta: parasita,
rudimentar e “inferior” – a ponto de ser considerado um verme.
(BOMFIM, 1905, p. 62)

Tal citação mostra o que é o parasitismo e quais as suas consequências


para o parasita, pois é uma ação que produz dois efeitos distintos: ao mesmo
tempo em que o parasita suga tudo o que necessita para sua sobrevivência,
sem o mínimo de esforço, do corpo parasitado, em contrapartida involui, decai,
degenera, pois não utiliza outros órgãos além dos que são necessários para
garantir a perpetuação do parasitismo. Segundo o autor de A América Latina,
as consequências são as mesmas para os organismos sociais, pois,

vivendo parasitariamente, uma sociedade passa a viver às


custas de iniquidades e extorsões; em vez de apurar os
sentimentos de moralidade, que apertam os laços de
sociabilidade, ela passa a praticar uma cultura intensiva dos
sentimentos egoísticos e perversos... demais, o simples
exame do fato em si é bastante para mostrar que um grupo,
um organismo social, vivendo parasitariamente sobre outro, há
de fatalmente degenerar, decair, degradar-se, involuir, em
suma. (BOMFIM, 1905, pp.66,67)

Portanto, o parasitismo social carrega em si a ideia de exploração de um


indivíduo ou sociedade sobre outrem, a ponto de adoecer o parasitado e
degenerar o parasita. Este foi um conceito-chave que possibilitou toda a
construção interpretativa de Bomfim, bem como sua terapêutica para a América
Latina, materializada em seu projeto identitário e no representante deste
projeto – o homem latino-americano. Bomfim, no intuito de defender a América
Latina das acusações europeias, buscou no referencial teórico da Biologia os
elementos necessários para analisar a história e fundamentar sua acusação
contra a pretensão neocolonialista da Europa e dos EUA, como será visto a
seguir.

3.1 Parasitismo e Degeneração

Conforme visto anteriormente, o conceito de parasitismo social é um dos


termos emprestados da Biologia para se analisar a realidade social latino-
americana. Dessa forma, o relativo atraso em que se encontrava a América
Latina era fruto de um processo histórico, no qual as metrópoles foram, durante
todo o tempo de colonização, verdadeiros parasitas. Para defender sua
abordagem sociológica a partir de postulados da Biologia, Bomfim afirmou que

Não é o conceito que é condenável, e sim a estreiteza de


vistas com que o aplicam à critica dos fatos sociais, mais
complexos, sem dúvida, que os fatos biológicos, pois
dependem das leis biológicas, e ainda das leis sociais,
peculiares a eles. Uma verdade, porém, é hoje universalmente
aceita – que as sociedades existem como verdadeiros
organismos, sujeitos como os outros a leis categóricas. Deste
consenso unânime vem – exatamente o considerar-se a
sociologia como ciência, isto é - o estudo de um conjunto de
fatos dependentes de leis fatais, tão fatais como as da
astronomia ou da química, fatos estreitamente dependentes e
relacionados, e pelos quais nos é dado perceber a sociedade
como uma realidade à parte, cujas ações, órgãos e elementos
são perfeitamente acessíveis ao nosso exame. Nenhum
homem verdadeiramente pensante desconhece, hoje, esta
noção, elementar da ciência social: as sociedades obedecem
a leis de uma biologia diversa da individual nos aspectos, mas
em essência idêntica. (BOMFIM, 1905, p. 57-58)

A citação acima mostra a defesa que Bomfim fez do uso de conceitos


advindos da Biologia para a interpretação do social. Levando-se em
consideração os limites, mas também as possibilidades de tal uso e utilizando-
se desse aparato conceitual que considera a sociedade como verdadeiro
organismo vivo, Bomfim lançou luz à compreensão do passado latino-
americano. Tal abordagem do passado latino-americano tinha a pretensão de
questionar o arcabouço teórico-argumentativo oriundo da Europa e dos
Estados Unidos, que considerava o atraso sócio-econômico da América Latina
como fruto de uma sociedade constituída por elementos díspares – tais como
os brancos, os indígenas, os negros e, o pior de todos, os mestiços –
resultados da mistura e da consequente degeneração das raças originais. No
entanto, em lugar de pensar as sociedades pura e simplesmente no seu
estágio atual e lançar um juízo sobre o que via como sendo resultado de uma
inferioridade racial, tal qual faziam europeus e estadunidenses, Bomfim propôs
uma abordagem histórica do passado dessas sociedades para se compreender
então o estágio atual das mesmas. Em suas palavras,

Como organismos vivos, as sociedades dependem não só do


meio, não só das condições de lugar, mas também das
condições de tempo. Quer dizer: para estudar
convenientemente um grupo social – uma nacionalidade no
seu estado atual, e compreender os motivos pelos quais ela se
apresenta nestas ou naquelas condições, temos de analisar
não só o meio em que ela se acha, como os seus
antecedentes. Uma nacionalidade é o produto de uma
evolução; o seu estado presente é forçosamente a resultante
de ação do seu passado, combinada à ação do meio. É mister
estudá-la “no tempo e no espaço”. (BOMFIM, 1905, p. 58)

Tempo e espaço passam, então, a fazer parte do arcabouço


interpretativo da América Latina e de seu passado. Nestas condições, Bomfim
reconheceu que a América Latina estava enferma. Mas o que viria a ser esta
enfermidade e quais as suas causas? Ora, segundo Bomfim, a doença nada
mais era do que uma “inadaptação do organismo a certas condições especiais”
(BOMFIM, 1905, p. 58). Portanto, a América Latina estava enferma em função
da inadaptação da sociedade latino-americana às condições especiais
impostas pelo parasitismo social das metrópoles sobre as colônias ibero-
americanas. Este argumento se contrapunha ao discurso da superioridade
racial, pois a enfermidade latino-americana, para Bomfim, não era fruto da
miscigenação e da consequente degeneração dos povos latino-americanos,
como acreditavam alguns defensores desta tese, mas sim fruto de uma
situação de exploração historicamente identificável, conceituada por Bomfim
como parasitismo social. Procurar explicar a enfermidade em que se
encontrava a América Latina pura e simplesmente pelo diagnóstico presente
não era um procedimento confiável, e é através desta expectativa que Bomfim
conclamava os intérpretes da América Latina a procurar, no passado da
mesma, as respostas para a atual situação. Conforme Bomfim, “num tal caso, o
empenho do clínico é dirigido, todo, não contra o meio atual, pois que este é
propício –, mas contra o passado, para vencê-lo e eliminá-lo”, pois é
definitivamente “nesse passado, nas condições de formação das
nacionalidades sul-americanas, que reside a verdadeira causa das suas
perturbações atuais” (BOMFIM, 1905, p.59). Não havia nada de inferior com a
América Latina ou mesmo com o homem latino-americano, mas sim eram
inferiorizados pelas representações construídas pela Europa e posteriormente
pelos Estados Unidos ao longo da história.
O parasitismo social foi um sistema a partir do qual as metrópoles
sugavam todas as potencialidades latino-americanas, não permitindo que se
desenvolvessem. Ao contrário, fazia o organismo parasitado definhar, beirando
a morte, exatamente como aconteceu com a América Latina, pois, na
concepção de Bomfim, no momento da independência, ela era um corpo
semimorto, que estava naquele instante despertando para a vida. Estas são
algumas características da América Latina após passar tanto tempo sob a
égide do regime parasitário. Nas palavras de Bomfim, “no fim de três séculos
de exploração aturada, de produção intensiva e trabalho escravo, tocado a
relho, a América Latina se achou tão pobre como no dia em que os
aventureiros luso-espanhóis pisaram aqui, ou mais pobre ainda.” (BOMFIM,
1905, p. 151)
Porém, o parasitismo é um tanto quanto paradoxal, pois, enquanto
parasita, subjuga o organismo, sugando-lhe as forças, mas inicia, em
contrapartida, um processo de degeneração, pois seus órgãos deixam de
exercer as funções para as quais foram criados. Neste aspecto, Bomfim
defendeu que, se há algo degenerado, não é o parasitado, mas sim a figura
parasitária, pois a partir do momento em que o parasitado consegue se libertar,
aquele que o parasitava encontra-se numa posição de quase extinção, em
função da difícil readaptação dos órgãos às funções originais. No organismo
parasitado, o que se apresenta é doença e inabilidade mental para caminhar,
mas nada que não tenha cura; pelo contrário, o fato de se libertar já indica o
caminho para a cura.
Da mesma forma ocorreu com a América Latina que, ao se libertar das
metrópoles, teve de construir do nada um caminho próprio e distinto do anterior
para se afirmar e se manter em nível sócio-cultural e político perante as nações
colonizadoras. Isto leva a perceber o quanto os projetos identitários, tais como
o de Manoel Bomfim, eram significativos nesse contexto latino-americano do
século XIX e princípios do século XX. Até o século XIX, segundo Bomfim, a
América Latina havia sido impedida, pelo parasitismo social metropolitano, de
colocar todas as suas potencialidades a serviço do progresso social. Mas o que
é o progresso social? Segundo Bomfim, o progresso social consistia

no desenvolvimento da inteligência, pelo esforço contínuo para


aproveitar do melhor modo possível os recursos havidos da
natureza, da qual tiramos a subsistência, e no apuro dos
sentimentos altruísticos, que tornam a vida cada vez mais
suave, permitindo uma cordialidade maior entre os homens,
solidariedade mais perfeita, um interesse maior pela felicidade
comum, um horror crescente pelas injustiças e iniquidades.
(BOMFIM, 1905, p. 66)

Tal concepção de progresso social muitas vezes destoa do que se


apregoava tanto no século XIX quanto no século XX a partir de concepções
imperialistas de desenvolvimento e manutenção das sociedades.

3.2 As Nações Colonizadoras da América do Sul

Para problematizar o parasitismo social, Bomfim analisou as duas


nações preponderantes na colonização latina das Américas, Espanha e
Portugal, fez um apanhado histórico das campanhas das duas nações,
enfatizando que sua educação guerreira, a partir do momento em que
passaram a desenvolver o parasitismo, tal parasitismo transformou o que era
educação guerreira em banditismo, ou seja, as nações degeneraram ao ponto
de perderem quase completamente toda e qualquer manifestação de
humanidade.
Sobre a Espanha, Bomfim afirmou que em toda a sua história, que ele
remonta a origem ao século IV a.C. com as invasões cartaginesas até a
expulsão dos Mouros em 1492, ela se constituiu por lutas constantes contra
invasores que, de tempos em tempos, surgiam na península ibérica. No
entanto, ainda que em luta constante, havia assimilações sócio-culturais e
raciais tanto por parte dos invasores quanto por parte dos ibéricos. Segundo
Bomfim,

duas foram as consequências deste passado de lutas


permanentes sobre os povos ibéricos, consequências que se
combinaram maravilhosamente para os impelir às aventuras
que constituem a sua vida posterior: a educação guerreira,
exclusivamente guerreira, a cultura intensiva dos instintos
belicosos de centenas de gerações sucessivas; o regime a
que eles se afizeram durante esses longos séculos – de viver
de saques e razias; o desenvolvimento sempre crescente das
tendências depredadoras; a impossibilidade, quase, de se
habituarem ao trabalho pacífico (BOMFIM, 1905, p. 83)

Ora, fica claro que Bomfim considerava a vida belicosa da Ibéria como
sendo um empecilho a seu próprio desenvolvimento, pois ao invés de
desenvolver técnicas de aprimoramento da cultura, da sociabilidade,
desenvolveu sim uma cultura da rapinagem e do saque, de forma que, após a
expulsão dos mouros, houve a necessidade de encontrar e pilhar outros povos.
Segundo Bomfim, foi nesta ânsia por encontrar novas vítimas, que Portugal
descobriu as índias e, a Espanha a, América, ambas se lançando ao projeto de
pilhar, matar e destruir tudo o que os olhos alcançavam. O que era heróico na
defesa da Ibéria se degenerava à condição de lutar por lutar, o que
desembocava em outras consequências nefastas na cultura espanhola, que
Bomfim afirmou ser vista em elementos como “a audácia do bandido, a
intrepidez cruel do toureiro, a selvageria das festas e torneios – tudo resulta, na
península, dessa cultura intensiva dos instintos guerreiros” (BOMFIM, 1905, p.
84).
Para Portugal a situação era semelhante, pois foi esta nação quem
primeiro se lançou à campanha de “devorar o descoberto”. Em sua primeira
missão nas Índias, os portugueses não tinham nenhuma dignidade, nem
mesmo humanidade, a ponto de um dos navegadores de uma nau portuguesa
que acabara de saquear os passageiros de um navio árabe, no ano de 1502,
afirmarem:

tomamos uma nau de Meca, aonde iam a bordo 300


passageiros, entre eles mulheres e crianças; e depois de
sacarmos mais de 1200 ducados de dinheiro e pelo menos
100 mil de fazendas, fizemo-la saltar com os passageiros que
continha, por meio de pólvora, no 1º de outubro (BOMFIM,
1905, p.97).

Tal citação de Bomfim era apenas para demonstrar a crueldade e a


cultura do saque que a Ibéria desenvolveu, que se prolongou para as colônias
americanas através do parasitismo social. Alguns elementos são distintos, mas
no geral o princípio era o mesmo: viver subjugando outros povos e sobreviver
sem o mínimo de esforço necessário à vida.
Causas comuns produzem efeitos comuns, com esta máxima Bomfim
afirmou que a Espanha efetivou na América o que os Portugueses haviam
efetivado na índia: um massacre cruel e sem precedentes, com o qual
conseguiram eliminar duas civilizações, com toda sua cultura tradicional, a
civilização Asteca e a Inca. Com tal truculência,

tudo desaparecera. Nem atilas, nem tamerlões, nem vândalos,


nem citas – ninguém cumprira jamais façanha igual: eliminar
duas civilizações, de tal forma que até as tradições se
perderam, desaparecendo as próprias cinzas (BOMFIM, 1905,
p. 107).

Segundo Bomfim, o parasitismo teve duas manifestações, quais sejam,


o parasitismo heróico e o parasitismo sedentário. O primeiro foi característico
de Portugal, quando espoliava a Índia, e o segundo foi característico tanto de
Portugal quanto da Espanha, quando se instalaram definitivamente na América
e a espoliavam continuamente, de forma sedentária. Em sua concepção, o
sedentarismo seria o primeiro passo para a degeneração do parasita, assim, o
sistema colonial, ao ser inaugurado, marcava o início de sua consequente
falência pela inutilidade dos órgãos. O tráfico negreiro, por exemplo, foi
classificado como parasitismo depredador, no entanto, era também, ao mesmo
tempo, fundamento para o desenvolvimento do parasitismo sedentário.
O intuito primeiro de Bomfim foi mostrar ao mundo como a Ibéria
desenvolveu ao longo dos séculos a cultura do roubo e da rapinagem, portanto,
sempre vivendo de forma parasitária. E o parasitismo se tornou estrutural,
sendo que se processava também em escala menor, pois

Todo mundo corria à obra, todas as classes se incorporaram


ao parasitismo. O Estado era parasita das colônias; a Igreja
parasita direta das colônias, e parasita do Estado. Com a
nobreza sucedia a mesma coisa: ou parasitava sobre o
trabalho escravo, nas colônias, ou parasitava nas sinecuras e
pensões. A burguesia parasitava monopólios, no tráfico de
negros, no comércio privilegiado. A plebe parasitava nos adros
das igrejas ou nos pátios dos fidalgos (BOMFIM, 1905, p.
119).

Ao contrário de alguns pensadores latino-americanos, como José


Enrique Rodó (1900), que via na religiosidade cristã latino-americana um dos
fundamentos da identidade cultural, Bomfim afirmava que a inquisição e a
Companhia de Jesus foram as duas instituições responsáveis por mergulhar a
Ibéria numa inércia sem rumo, também responsáveis pelo não
desenvolvimento latino-americano, pois eram uma forte parasita que subjugava
até às últimas consequências a vida do homem latino-americano. Assim definiu
Manoel Bomfim o papel da Igreja no novo mundo:

Amparada pelo Estado – ou melhor, amparando-se um ao


outro - a Igreja estende a sua trama sobre a nova sociedade
que vai se formando; escraviza os espíritos, assegura a
obediência das populações, semeia superstições, de modo a
tornar quase impossível qualquer tentativa de reforma e
progresso social. É a escravidão absoluta, intelectual e moral.
Ao mesmo tempo, explora como pode o trabalho das pobres
raças escravizadas, enriquece com ele, e lá vai para Roma, ou
para onde for mister, todo o fruto do trabalho de milhares e
milhares de índios e negros (BOMFIM, 1905, p.130).

O parasitismo tornou-se, desde então, a fonte de vida das nações


ibéricas que aqui se firmaram. No entanto, assim como as nações parasitadas
adoeceram, beirando a morte, o parasita também decaiu, degenerou-se e
perdeu quase toda sua vitalidade durante o período de parasitismo social
colonial. Como dito alhures, “a função faz o órgão” e eram justamente os
órgãos necessários à sobrevivência da Ibéria que quase inexistiam no
momento das independências americanas, uma vez que, após de três séculos
de parasitismo, foram necessários outros meios para a subsistência da Ibéria,
que não fossem mais os latino-americanos.
O século XIX marcou profundamente a Ibéria, pois foi o século em que o
parasita teve de sobreviver sem sua presa. Segundo Bomfim (1905, p.124), foi
um “século de estagnação política, de conservantismo sistemático, um século
de regresso social”. Bomfim tentou demonstrar ainda que a Ibéria houvesse
degenerado, alegando, para tanto, a falta de grandes escritores, filósofos,
sábios ou mesmo artistas. Nas palavras do autor,

durante 200 anos de fecunda elaboração, reforma a Europa


culta as ciências antigas, cria seis ou sete ciências novas, a
anatomia, a fisiologia, a química, a mecânica celeste, o cálculo
diferencial, a crítica histórica, a geologia: aparecem os
Newton, os Descartes, os Bacon, os Leibniz, os Harvey, os
Buffon, os Ducange, os Lavoisier, os Vico: - onde está, entre
os nomes destes e dos outros verdadeiros heróis da epopeia
do pensamento, um nome espanhol ou português? (BOMFIM,
1905, p. 125)

A falta de intelectuais ibéricos seria, mais que um indício, uma prova de


que haviam degenerado a partir do parasitismo sedentário na América Latina.
A justificativa dada por Bomfim foi a de que a degeneração da sociedade
ibérica se deu justamente pelo viés das faculdades racionais, pois “são as
faculdades intelectuais que se atrofiam.” (BOMFIM, 1905, p. 128)

O parasitismo social foi, portanto, uma ferramenta que proporcionou o


descortinamento do passado latino-americano, passado que teria colocado a
América Latina no estado de debilidade em que se encontrava no final do
século XIX e início do século XX. Mas tal passado foi também o grande
obstáculo encontrado por Bomfim para a construção do projeto identitário
latino-americano, pois era um passado nefasto que deveria ser substituído a
todo custo pelas manifestações culturais originais do povo latino americano.
Porém, somente poderia haver engajamento social do povo a partir do
momento que houvesse um processo de reeducação social, uma educação
que pudesse estar sensível à realidade latino-americana para se efetivar o
progresso social da América Latina e do homem latino-americano.

3.3 Efeitos do Parasitismo sobre as Novas Sociedades


O parasitismo social levado a cabo pelas metrópoles ibéricas
desenvolveu, segundo Bomfim, duas espécies de efeitos, sendo estes gerais e
especiais. Os efeitos gerais eram representados pelas modificações e
perturbações que ocorriam ao organismo parasitado, pelo simples fato de estar
parasitado. Possuíam três ordens de manifestações: o enfraquecimento do
parasitado; as violências exercidas sobre ele para que preste uns tantos
serviços ao parasita e, finalmente, a adaptação do parasitado às condições de
vida que lhe são impostas. Lá os efeitos especiais nos remetem para as
especificidades na vida econômica, política, intelectual e moral.
A questão econômica era primordial no parasitismo, sendo os outros
aspectos secundários dela derivados, pois em primeiro lugar as riquezas eram
sugadas e levadas à Europa e, em segundo lugar, para haver tais riquezas
destruíam tudo, sendo que tal era

a síntese da vida econômica das novas nacionalidades por


todo o tempo de colônia: o senhor extorquindo o trabalho ao
escravo, o negociante, o padre, o fisco, e a chusna dos
subparasitas, extorquindo ao colono o que ele roubara ao
índio e ao negro. Trabalhar e produzir, só o escravo fazia
(BOMFIM, 1905, p. 147).

Ao contrário do que afirmara Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala


(2002), na concepção de Bomfim não havia nada de humano na relação entre
senhor e escravo; pelo contrário, o que havia eram “gerações e gerações de
homens que viveram a martirizar, a devorar gerações de índios e negros
escravos pela fome, pelo açoite, pela fadiga. O pobre africano só tinha um meio
de libertar-se: a morte” (BOMFIM, 1905, p. 149). A partir dos interesses
econômicos, a truculência se desenvolveu, mas, mesmo esta truculência não
impediu que os elementos se misturassem e interagissem, desembocando em
algo novo, o mestiço latino-americano.
Ainda sobre o aspecto econômico do parasitismo social, Bomfim (1905,
p. 157) afirmou que

bastava que se houvesse fixado na América do Sul um décimo


da riqueza arrancada ao trabalho do escravo para que ela não
precisasse andar hoje, pelo estrangeiro, a mendigar
empréstimos que mais a empobrecem. Nada se empregou,
aqui, em coisa que signifique efetivamente riqueza: reservas
econômicas – nenhuma; instrumentos de produção – escravos
e açoites; regime de trabalho – a ignorância sistemática,
irredutível... No dia da independência, as novas
nacionalidades se acharam sem indústria, sem comércio
nacional, sem capitais, sem riqueza, sem gente educada no
trabalho livre, sem conhecimento do mundo.

O sistema parasitário imposto à América Latina impossibilitou, durante


todo o período colonial, todo e qualquer desenvolvimento das colônias. O
enfraquecimento da América Latina como um todo foi um dos efeitos gerais do
parasitismo social. Tal enfraquecimento, segundo Bomfim, beirou a aniquilação
e, até o momento em que escreveu A América Latina, no início do século XX,
tal enfraquecimento era perceptível, pois boa parte do que era necessário à
viabilidade de uma nação ainda estava por fazer. A América Latina só não
sucumbiu diante do regime parasitário porque a provisão de parasitas era
refeita constantemente, primeiramente pelos nativos, posteriormente pelos
negros.
Tal era o quadro da América Latina mergulhada no parasitismo que,
além de nutrir o parasita, tinha ainda de defendê-lo e protegê-lo nas guerras.
Foi assim que os espanhóis conseguiram destruir milhares de indígenas no
México, com a ajuda dos próprios nativos que eram recrutados à força para
lutar contra outros indígenas em favor dos interesses ibéricos. Da mesma
forma, os explorados do Brasil também se prestaram ao papel de defender os
interesses de Portugal na luta contra os invasores das costas brasileiras. De
acordo com Bomfim (1905, p. 139), três foram os ataques que sofreu o Brasil
colonial:

dos franceses, ao Norte e ao Sul e dos holandeses, em


Pernambuco; e foi sempre com o auxílio decisivo das
populações naturais, principalmente dos índios, que os
portugueses puderam repelir os invasores...foram os
pernambucanos – negros e índios, Tapuios principalmente –
que defenderam Pernambuco e o reconquistaram para
Portugal.

O povo parasitado ainda se colocava à disposição para defender os


interesses de seus algozes. No entanto, não eram apenas os interesses das
metrópoles que eram defendidos, mas também seus próprios interesses, pois a
partir do momento em que as metrópoles não conseguiam garantir a segurança
e a estabilidade nas colônias, as próprias colônias se organizaram e
expulsaram os invasores. Isto aconteceu tanto no Brasil, conforme citado
anteriormente, quanto nas províncias do Prata, que resistiram bravamente a
uma troca de colonizador 21 . Passar das mãos da Espanha para as mãos da
Inglaterra não foi algo aceito passivamente, ao contrário, as províncias
revidaram e mostraram à Inglaterra que não queriam simplesmente trocar de
senhor. É sobre esse aspecto que Bomfim afirmou que, mesmo em meio ao
sistema de parasitismo social, a América Latina – e em especial o Brasil –
desenvolveu uma concepção de resistência e forneceu elementos de
agregação para seu povo, proporcionando-lhe uma coesão sócio-cultural, ainda
que a contragosto das metrópoles.
No entanto, mesmo em meio à independência e à constituição das
novas nacionalidades, a cultura do parasitismo foi absorvida pelos dirigentes
políticos e econômicos da América Latina, todos formados numa mentalidade
que buscava seus próprios interesses em detrimento dos interesses do
restante da nação. Segundo Manoel Bomfim (1905, p. 158),

o regime parasitário impunha a escravidão. E porque o regime


colonial era o do puro parasitismo, foi imposta às novas
sociedades uma organização política inteiramente antagônica
e incompatível com seus interesses próprios, um regime
retardatário, opressivo, corrupto e extenuante... eis a razão por
que, exânime, embrutecida, a América do Sul se achou, na
hora da independência, como um mundo onde tudo estava por
fazer.

A vida econômica resultante do parasitismo social imputou sobre a vida política


das novas nacionalidades um desarranjo estrutural, isto porque os maus
costumes políticos latino-americanos encontravam-se na mentalidade
parasitária herdada das metrópoles. Dessa forma, o Estado – que na
modernidade aparece como representante, garantidor, protetor e defensor da
nação – na América Latina, em função da cultura parasitária, degenera-se ao
ponto de ser para a nação “o inimigo, o opressor e espoliador; a ele não se liga
nenhuma ideia de bem ou de útil (...) ainda hoje se notam esses sentimentos
porque ainda hoje eles não perderam o seu caráter duplamente maléfico –
tirânico e espoliador.” (BOMFIM, 1905, p. 160)

21
O episódio se refere à conquista de Buenos Aires por tropas britânicas no dia 26 de Junho
de 1806, as quais foram repelidas bravamente por uma milícia crioula sob a direção de Juan
Martin de Pueyrredón, que expulsou definitivamente as tropas inglesas no dia 12 de Agosto de
1806.(MYERS, 2007)
É a partir da hereditariedade do parasitismo social nas sociedades ibero-
americanas que é possível compreender seus efeitos especiais. Isto posto,
segue-se a concepção de que a hereditariedade influiu tanto no caráter
psicológico e social quanto educacional da América Latina. No entanto, é a
partir dos conceitos de “herança, educação e reação” que se compreendem os
efeitos especiais do parasitismo ibérico sobre as nações ibero-americanas.
A hereditariedade social consiste na “transmissão, por herança, das
qualidades psicológicas, comuns e constantes, e que, por serem constantes e
comuns, dão a cada grupo social um caráter próprio distintivo” (BOMFIM, 1905,
p. 172). Esta concepção de hereditariedades social foi o elemento que permitiu
que as nações latino-americanas fossem identificadas em alguns aspectos com
as nações colonizadoras, a partir dos elementos parasitários que herdaram.
Contudo, além da hereditariedade, tem-se a questão da educação, pois
não se pode apenas definir os destinos dos povos pela questão hereditária.
Nesse sentido, segundo Bomfim, a educação promove nas nações uma
espécie de adaptação às novas exigências da realidade e complementa a
formação do caráter nacional. A educação, portanto, teria o papel fundamental
de dar sentido e orientação aos povos na busca por sua identidade e cultura.
Se o passado se colocava como o grande fantasma dos destinos da América
Latina, era necessário, a partir da re-interpretação e identificação dos
elementos funestos que a colocaram em seu estágio atual, eliminar tal
passado, ou melhor, resgatar neste passado os elementos que compuseram
positivamente a identidade e a cultura latino-americana, descartando todo o
resto.
A nova empreitada era nada mais nada menos que construir a América
Latina buscando sua identificação sócio-cultural nesse passado que, em
grande parte, era símbolo de opressão e atraso. Tal deslocamento de
identificação com o passado era fundamental para a América Latina, pois

se não querem morrer entanguidas, mesquinhas e ridículas,


têm que travar uma luta sistemática, direta, formal,
conscientemente dirigida contra o passado, respeitando
apenas a sociabilidade afetiva, natural entre as populações, e
os sentimentos de hombridade e independência nacional,
característicos destes povos (BOMFIM, 1905, p. 179).
Caso contrário, as pretensões tanto europeias quanto estadunidenses
para com a América Latina se tornariam efetivas, ou seja, uma neocolonização.
Era preciso lutar contra todas as figuras de opressão, seja o passado de
parasitismo social seja contra a Europa e os Estados Unidos e suas
respectivas representações da América Latina e do homem latino-americano.
Além de lutar contra o passado e contra os inimigos externos, era
necessário também e principalmente lutar contra os inimigos internos, que
Bomfim classificava como homens formados numa mentalidade alheia à pátria.
De acordo com ele, os dirigentes políticos, bem como a intelectualidade latino-
americana, em grande parte eram corrompidos pela mentalidade estrangeira,
insensível e estéril aos problemas nacionais. Isto poderia ser constatado nos
processos revolucionários que se desenvolveram na América Latina e que
foram malogrados por seus dirigentes que, ao invés de progresso, no final
queriam apenas conservar seus privilégios. Tal era a herança psicológica do
parasitismo social aplicado pelos dirigentes das novas nacionalidades. Mas o
interessante é que Bomfim desmontou tais posicionamentos, acusando seus
responsáveis e conclamando a população à conscientização e construção de
novos rumos para as nações latino-americanas. Ao indivíduo que estava à
frente das revoluções, mas que no final queria apenas garantir seus interesses
pessoais, Bomfim chamou de “revolucionário conservador”. Segundo Bomfim,
era o mesmo personagem trabalhado por Machado de Assis em seu livro O
Alienista.

Indivíduo que revoluciona uma cidade, e se põe à frente das


gentes exasperadas contra um médico que, em nome de uma
teoria estranha, vai encerrando todo mundo num hospício. O
nosso revolucionário depõe as autoridades, faz-se chefe do
governo local, vai ao médico, arranca-lhe as chaves do
hospício-prisão; mas, com grande espanto das gentes, no
momento da franquear as portas, faz um discurso sobre os
interesses conservadores da sociedade e os perigos das
transições bruscas, e pede o respeito às coisas existentes.
Acaba conservando o hospício e o médico. (BOMFIM, 1905, p.
183)

Os dirigentes latino-americanos incorporaram uma dupla personalidade,


que era expressa na contradição entre os discursos e os atos, semelhante ao
revolucionário de Machado de Assis. Até os intelectuais latino-americanos,
para Bomfim, caíram no mesmo erro, pois conheciam e defendiam ideais
europeus e desconheciam a realidade que os cercava. As consequências não
poderiam ser piores e estariam manifestas nas próprias constituições dos
povos. A titulo de exemplo, tem-se o Brasil que, segundo Bomfim (1905, p. 191),

aboliu-se a centralização, adaptou-se o federalismo, pediu-se


uma constituição (...). Uma constituição para o Brasil não
centralizado? (...) Está achada: abre-se a Constituição dos
Estados Unidos da América do Norte, e a Constituição da
Suíça, e algumas páginas da Constituição Argentina; corta
daqui, tira daí, copia dacolá, cosem-se disposições de uma, de
outra, e de outra, alteram-se alguns epítetos, pregam-se os
nomes próprios, tempera-se o todo com um molho
positivistoide e temos uma Constituição para a Republica do
Brasil – federativa e presidencial. Constituição na qual só não
entraram a história e as necessidades do Brasil.

Veja-se que era o caráter de reprodutores de ideias e pensamentos


estrangeiros que estava sendo questionado nesta citação. Isto porque as
constituições deveriam ser feitas levando-se em consideração as
especificidades e necessidades da nação, e não mediante a adaptação da
nação a uma Constituição alheia à realidade nativa. Era, e ainda continuava
sendo, necessário que houvesse progresso na América Latina. Mas o que
vinha a ser “progresso”? Nas palavras de Bomfim (1905, p. 196), o progresso
se resumia na “estabilidade e liberdade das instituições políticas, boa justiça,
instrução popular e atividade social”. Neste sentido, segundo o autor, tal
progresso ainda era pouco observado na América Latina.
Bomfim defendeu a instrução como forma de inserção e conscientização
social, ou seja, através da educação os laços históricos de coesão sócio-
cultural seriam potencializados ao máximo, trazendo para a América Latina não
apenas a liberdade efetiva, mas também e principalmente uma identidade
coesa, vigorosa e real, identidade esta que faria frente a qualquer nação
europeia ou norte-americana.
A instrução era tão importante para Bomfim que a falta dela colocaria a
nação fragilizada, suscetível a qualquer investida dos exploradores. Mas, com
a instrução, haveria as ferramentas necessárias para o fortalecimento e a
resistência da nação. Para fundamentar a defesa da instrução popular, Bomfim
citava o exemplo dos Estados Unidos, que haviam se desenvolvido
rapidamente na América e afirmava que “não foi a emigração quem produziu o
maravilhoso progresso da grande república, mas a cultura, a instrução
generalizada” (BOMFIM, 1905, p. 202) e que tal instrução deveria ser popular e
não simplesmente para a elite, como sempre foi na América Latina. Segundo
Bomfim (1905, p. 203), em toda a América Latina era comum encontrar

doutores, academias, institutos – universidades, para praticar


a inércia sobre uma sociedade de irresponsáveis e estimular à
sonolência essa massa popular, que é hoje o que era há 300
anos. Necrópoles de ideias mortas, abandonadas, esquecidas,
distanciadas de todos os ideais e aspirações modernas.

Se a América Latina era o lugar do atraso e da sonolência, como citado


acima, a educação tinha a função de elevar este corpo semi-morto a um
processo de avivamento, de reestruturação, de questionamento do passado, de
oposição ao esse passado e de vitória a partir de novos postulados
encontrados no seio da nação. Os latino-americanos tinham uma árdua tarefa
pela frente, mas Bomfim os animava dizendo que

à tenacidade dos hábitos defeituosos, é preciso opor uma


educação igualmente tenaz e aturada... só quem sabe ver e
medir os pequenos resultados, obtidos dia a dia, por um
esforço contínuo, é capaz de conceber esperanças fortes;
assim se reanima a confiança e fortifica-se a tenacidade.
Esses, que deste modo educam o seu espírito, não
desfalecem nas alternativas da ação, nem são colhidos,
nunca, de surpresa (BOMFM, 1905, p. 205).

São palavras como estas que indicavam Bomfim como um pensador


latino-americano que acreditava na viabilidade da América Latina a partir de
seus próprios elementos.

3.4 Efeitos Devidos à Tradição e à Imitação

Darcy Ribeiro afirmou que o que mais lhe chamou a atenção na obra de
Bomfim foi o fato de que ele se “opõe a todos os antigos e modernos
pensadores coniventes com os grupos de interesse que mantém o Brasil em
atraso” (RIBEIRO, 2005, p. 20). Mas não apenas o Brasil, e sim a América
Latina como um todo. Darcy Ribeiro (2005, p. 20) finaliza dizendo que o que o
cativa em Bomfim

é sua extraordinária capacidade de indignação e esperança. É


sua certeza de que esse é um país viável. É sua convicção de
que construiremos aqui uma civilização solidária e bela, assim
que retirarmos o poder de decisão das mãos de nossas
classes dominantes, infecundas e infieis.

O espantoso em Bomfim não era apenas sua indignação e esperança,


mas o viés irônico com que dotava suas análises da América Latina como um
todo e do Brasil em particular. Tal ironia bomfiniana pode ser percebida na
seguinte assertiva a respeito dos processos revolucionários em favor da
independência latino-americana:

Em que consistiu a independência? (...) Numa substituição de


pessoas: criou-se uma junta, aclamou-se um ditador, elegeu-
se um presidente, para substituir o vice-rei, e este se foi
embora levando consigo alguns retalhos de tropas e dois ou
três funcionários mais suspeitos. Assim se fez nos países em
que a mudança foi mais radical. No Brasil e no México, por
exemplo, não houve nem isto. (BOMFIM, 1905, p. 212)

Eis a ironia que o caracterizou muito bem, pois, em sua concepção,


diferentemente de uma “verdadeira” revolução, na América Latina
simplesmente trocaram-se os governos, permanecendo a tradição
governamental inalterada. Dessa forma, ele classificou o Estado desenvolvido
na América Latina como exatamente igual ao Estado “nos tempos coloniais,
salvo modificações de forma, inerentes aos novos regimes políticos.”
(BOMFIM, 1905, p. 209)
Um dos elementos de que a América Latina era carente era a educação
política, educação que possibilitava à nação lutar e conquistar seus direitos e
condicionar seus dirigentes a exercer um governo em sintonia com as
aspirações da nação. Por outro lado, a mesma educação política poderia
orientar os que são colocados em posição de mando. Dessa forma, Bomfim
afirmava que era necessário, a partir de uma nova consciência política, que os
dirigentes

saibam conter-se, e tratem de educar-se e educar todas as


classes, de modo a que se convençam uns e outros, de que o
Estado só tem uma razão de ser: representar e defender os
interesses gerais das populações, não tendo outros interesses
que não os interesses comuns da sociedade, e o seu bem-
estar. (BOMFIM, 1905, p. 213)

A partir do momento em que as classes dirigentes estivessem


notadamente em sintonia com as aspirações do povo, neste momento a nação
seria forte e vigorosa e teria plenas condições de defender sua soberania, sua
identidade e a cultura nacional. Neste caso específico, a identidade pretendida
era a identidade latino-americana, era a coesão sócio-cultural a partir dos
elementos agregadores e potencializadores que distinguiam a América Latina
do restante dos povos.
O parasitismo social que tanto empobreceu a América Latina também
proporcionou a união da mesma América em torno de elementos essenciais
correlacionados: religião, língua, cultura, miscigenação racial e plasticidade
cultural. No entanto, produziu também um ódio letal contra as antigas
metrópoles por parte dos elementos nativos, constituidores da identidade e da
cultura latino-americanas. Este ódio proporcionou, ao longo da história do
parasitismo colonial ibérico, uma série de rebeliões, resistências e guerras
contra as metrópoles, pois “os primeiros sinais de vida nas sociedades
americanas foram protestos e revoltas contra o Estado opressor e voraz. Aos
protestos e queixas frequentes (...) vinha a rebelião como recurso único.”
(BOMFIM, 1905, p. 230)
No Brasil, a verdadeira revolução, na concepção de Bomfim, teria sido a
Revolta de Pernambuco, em 1817, que representava as aspirações nacionais
sufocadas pelo poder imperial “tacanho e espoliador”. No entanto, a ruptura
com Portugal seria uma questão de tempo, pois o Brasil já apresentava
elementos constitucionais de uma nacionalidade desde que expulsaram os
invasores franceses e holandeses. Nem mesmo o parasitismo seria capaz de
frear a marcha que o Brasil havia inaugurado com sua coesão sócio-cultural e,
por que não dizer, racial, na participação do mestiço nos destinos do país.

3.5 Revivescência das Lutas Anteriores

Acredita-se que, uma vez feita a independência, restaria apenas


administrar a condição de liberdade e afirmar a situação de soberania nacional.
No entanto, mais do que isto, segundo Bomfim, era necessário lutar contra os
elementos refratários que queriam conservar as novas nações no mesmo
regime espoliador que exercitavam na época colonial. Isto pode ser averiguado
no fato de que, em alguns casos, na América Latina a própria independência e
a República foram proclamadas por indivíduos que, na véspera, eram realistas
e monarquistas, que, de um dia para o outro, haviam defendido a
independência e proclamado a República. O Brasil é um caso emblemático
neste sentido, pois a independência fora proclamada por um indivíduo da
família real que, diga-se de passagem, era herdeiro do trono metropolitano.
Décadas mais tarde, após alguma agitação popular,

trava-se nova batalha, desaparece finalmente a monarquia; a


revolução é incruenta, proclama-se a República, ninguém
protesta; ninguém se espanta mesmo ao ver que, no dia
seguinte – literalmente no dia seguinte, toda a gente é
republicana. (BOMFIM, 1905, p. 304)

Diante do exposto, fica claro o quão difícil era a tarefa de construir a


nacionalidade mesmo depois de “proclamada” a República. Segundo Bomfim,
no Brasil, como de resto em toda a América Latina, o “parasitismo social” teria
deixado marcas profundas contra as quais se deveria lutar para curá-las. Mas
não era fácil tal cura, pois “o conservantismo instintivo de uns, o reacionarismo
sistemático de outros, vêm perpetuando todas as causas de mal-estar social”
(BOMFIM, 1905, p. 306). Era necessário fazer uma troca de pessoas e
consciências e não apenas de regimes ou programas governamentais.
A América Latina contemporânea a Bomfim estava sendo questionada a
partir do elemento de progresso civilizacional dos latino-americanos, que
segundo a visão corrente na Europa, estava ainda numa condição degenerada,
bárbara e caótica. Bomfim saiu em defesa da América Latina e dos latino-
americanos afirmando que, ao contrário da Europa ou mesmo dos Estados
Unidos, na América Latina, no momento da independência, tudo estava ainda
por fazer e não seria em pouco mais de 80 anos que uma herança nefasta do
parasitismo social, imposta às antigas colônias ibéricas, seria estancada. Além
do curto espaço de tempo, contava ainda contra a América Latina a
indisposição tanto de cientistas quanto de políticos europeus 22 . Mas apesar de
tudo isto, a América Latina tem sua própria identidade e seu próprio portador,
conforme veremos no capitulo a seguir.

22
Isto pode ser aferido na discussão desenvolvida no capitulo II.
4 A IDENTIDADE “MESTIÇA” DE MANOEL BOMFIM

É importante ressaltar que, quando se fala de identidade, não se está


falando apenas do que pode ser observado empiricamente, sobre como são os
latino-americanos, mas também sobre como querem ser os latino-americanos,
segundo a perspectiva de Manoel Bomfim – e neste ponto seu projeto se insere
como fundamento necessário para a construção do que ainda não está
presente, mas que se aspira enquanto uma realidade ideal.
A intenção do projeto bomfiniano era colocar a América Latina no
caminho do progresso. Por isso, ele lutou discursivamente para superar o
passado trágico e assim permitir que a América Latina fosse colocada nos
trilhos do “progresso mundial”. Mas, na concepção de Bomfim, o progresso
social não era simplesmente o modelo sócio-econômico defendido pelos
Estados Unidos e pela Europa em seus discursos contra a América Latina,
consistia também no

desenvolvimento da inteligência, pelo esforço contínuo para


aproveitar do melhor modo possível os recursos havidos da
natureza, da qual tiramos a subsistência, no apuro dos
sentimentos altruísticos, que tornam a vida cada vez mais
suave, permitindo uma cordialidade maior entre os homens,
uma solidariedade mais perfeita, um interesse maior pela
felicidade comum, um horror crescente pelas injustiças e
iniquidades. (BOMFIM, 1905, p.66)

Bomfim tentou mostrar que o progresso que buscava para a sua


América Latina não estava muitas vezes em conformidade com as concepções
europeias ou mesmo estadunidenses.
Enquanto conclamava à reflexão sobre a América Latina, Bomfim
afirmava que um dos problemas fundamentais, tanto do Brasil quanto da
América Latina como um todo, era que os intelectuais aqui eram formados em
uma mentalidade alheia à pátria e queriam que sua terra, com suas
especificidades, se condicionassem a sistemas interpretativos desenvolvidos
do outro lado do Atlântico. Bomfim fez então uma acusação direta aos
intelectuais latino-americanos. Segundo ele, os eruditos sul-americanos
desconheciam o meio no qual viviam, pois
existem na América do Sul muitos homens ilustrados – pela
livraria, muitos espíritos curtidos de leitura; mas ciência de
verdade, que é a ciência baseada na observação, essa não
existe. Assim se explica por que se conhece tudo – do céu e
da terra – menos o meio e a natureza dentro da qual vivem
todos. (BOMFIM, 1905, p. 188-189)

Bomfim chamou a atenção para as particularidades latino-americanas,


que iriam fundamentar a consciência libertadora de sua população. Nessa
empreitada de libertação das consciências latino-americanas, o autor se voltou
para sua concepção de identidade e cultura e defendeu as circunstâncias que
permitiram o surgimento do representante da América Latina: o mestiço.
O autor desenvolveu seus argumentos contra discursivos a partir da
valorização da mestiçagem e é perceptível como tal valorização contribuiu para
a construção do que Bomfim chamou de “comunidade de raças”, ou seja, um
lugar onde convivem harmoniosamente, depois de três séculos de tensões, o
indígena, o negro, o branco e principalmente a síntese das três raças, o
mestiço. Essa comunidade racial seria o que distinguiria a América Latina – e
de forma mais intensa o Brasil – do restante das nações espalhadas pelo
globo.
As acusações de degeneração racial ocultariam o verdadeiro motivo do
atraso latino-americano, qual seja, uma colonização parasitária, que
expropriava a riqueza e eliminava as potencialidades de desenvolvimento a
colônia. Mas, de acordo com Bomfim, o mesmo indivíduo que era explorado,
era ainda o maior responsável por dar continuidade à vida nacional. Por esse
motivo, Bomfim elegeu a análise da América Latina a partir dos menos
favorecidos, ou melhor, dos que haviam sido marginalizados ao longo do
processo de constituição das nações latino-americanas. Segundo Bomfim, as
classes dirigentes se mantinham graças à exploração plena do que ele
denominou de “proletários” e a nacionalidade só existia porque esses mesmos
“proletários” povoavam e constituíam as novas massas de manobra através de
sua descendência. Mas, o que era o proletário? Segundo Bomfim, proletário
era o “indivíduo que deixa prole. É ele – o miserável, o inferior, o explorado –
que faz prole e garante, pela sua descendência forte, a conservação da
nacionalidade.” (BOMFIM, 1905, p. 72)
A formação do Brasil deve-se, de forma trágica, à escravização do
indígena e, posteriormente, do negro, isto porque o Brasil foi “um produto
espontâneo da fertilidade das terras e do tráfico de escravos. Sem os negros, o
Brasil não teria existido” (BOMFIM, 1905, p. 115). A seguir é descrita a
abordagem que Bomfim fez das raças originárias que deram origem ao mestiço
latino-americano.

4.1 O Indígena

O indígena contribuiu significativamente para a construção do Brasil e da


América Latina como um todo, pois, de acordo com Bomfim, teriam sido eles,
os indígenas, os responsáveis por expulsar os invasores estrangeiros
(franceses e holandeses) do Brasil, assim como os ingleses da região do Prata.
Em ambas as guerras, os indígenas foram peças chave na expulsão do
invasor, pois somente “quando o indígena veio prestar mão forte às gentes da
metrópole, puderam elas vencer os seus competidores” (BOMFIM, 1905, p.
139). No entanto, mesmo com a truculência que caracterizou a colonização
ibérica, foi possível constituir no Novo Mundo uma civilização mestiça que não
era, segundo nosso autor, em hipótese alguma, responsável pelo atraso latino-
americano, o que era explicado pela sua situação parasitária.
Sobre o indígena, Bomfim afirmou que ele contribuiu significativamente
com a identidade cultural da América Latina, pois seu amor à liberdade e sua
capacidade guerreira teriam influenciado na formação forte e vigorosa da
nação brasileira, bem como de toda a América Latina, desde os primórdios da
colonização.
Para Bomfim, o indígena sempre resistiu ao colonizador justamente por
se apegar essencialmente à liberdade e, para defendê-la, lutava até as últimas
consequências. Mesmo quando perdia a liberdade e era escravizado,
protestava através do único instrumento que lhe sobrava – a morte. Ainda de
acordo com Bomfim, ao cativeiro o “índio resistiu sempre, ferozmente –
matando, trucidando, fazendo-se matar, deixando as carnes no tronco e nas
algemas, mas buscando a toda hora a liberdade” (BOMFIM, 1905, p. 263). Em
sua concepção, “o indígena americano, quanto às qualidades positivas, se
caracteriza por um amor violento à liberdade, uma coragem física
verdadeiramente notável” (BOMFIM, 1905, p. 263), o que pôde ser verificado
na prática durante a Guerra do Paraguai que, segundo Bomfim,

é um dos mais extraordinários exemplos de resistência


coletiva que se conhece. O modo pelo qual aqueles
descendentes de guaranis afrontavam a morte é especial
deles. Resistência comparável a esta só a dos jagunços
brasileiros, em Canudos. (BOMFIM, 1905, p. 264)

Não somente a resistência foi ovacionada por Bomfim, mas a qualidade


de trabalhar e produzir, pois em alguns pontos da América tais indígenas
levantaram verdadeiros impérios. Como forma de reforçar seus argumentos,
Bomfim forneceu alguns exemplos. Segundo ele,

as civilizações do México e do Peru, da América Central e da


Califórnia provam que estas raças sabem trabalhar e produzir;
a civilização sino-japonesa, apuradíssima e antiga, é obra
exclusiva desta raça amarela, de onde são originários os
indígenas americanos. (BOMFIM, 1905, p. 265)

Conforme a citação acima, bem antes de haver contato com o homem


branco, os indígenas americanos já haviam desenvolvido uma civilização
respeitável e, além disso, segundo Bomfim, a afirmativa de que eles seriam
inaptos para o progresso mental/intelectual era um engodo para suprimir sua
participação nos destinos das nações e serem colocados na condição de
exploração extrema. Eram acusados pelos europeus de serem sanguinários e
cruéis, mas na verdade os indígenas eram dóceis e amáveis ao receber de
bom grado o visitante. No entanto, a partir do momento em que o indígena
“percebeu as doçuras do regime que lhe ofereciam, quando sentiu a crueldade,
respondeu no mesmo tom (...) vingou a morte e a ferocidade com a ferocidade
e a morte” (BOMFIM, 1905, p. 265-266). Ainda analisando a acusação europeia
sobre a crueldade dos índios, Bomfim ironizou fazendo perguntas tais como:

foram os índios que inventaram o matar 4 mil prisioneiros à


baioneta a fim de poupar pólvora?... Cortar os narizes e as
mãos a 400 prisioneiros, cujo crime é o de ter riquezas que
foram pelos algozes roubadas?... Pobres indígenas! Falta-lhes
a cultura da inteligência, a riqueza de imaginação para achar
os requintes de atrocidade que os europeus sabem inventar
(BOMFIM, 1905, p. 266)

A vitalidade da ironia bomfiniana chama a atenção por escancarar a


fragilidade dos argumentos europeus. Então, questionando o sociólogo
português Oliveira Martins, que defendia o extermínio do indígena por serem
inferiores, Manoel Bomfim ironizou novamente com a seguinte pergunta:
“Inferiores a quem? Aos portugueses?!” (BOMFIM, 1905, p. 267)
Os indígenas teriam dado claras provas de que poderiam, e via de regra
o faziam, aprimorar-se numa cultura intelectual complexa. Segundo Bomfim,

não faltam às raças indianas nenhuma das qualidades


susceptíveis de cultura – nem atividade intelectual, nem
inclinação social. ‘todas as raças’, diz Topinard, ‘favorecidas
pelas circunstâncias, podem progredir’; e esta afirmação ele a
faz justamente a propósito dos índios americanos, e não a faz
sem salientar a ignorância ou a falsidade dos elementos em
que se baseiam os que proclamam a inferioridade e
degradação dessas raças. (BOMFIM, 1905, p. 279)

Vê-se, portanto, a partir da concepção bomfiniana, que não havia


justificativas para o discurso de inferiorização das raças. Se sobre o indígena
Bomfim fez essas considerações, veja-se o que diz em defesa do negro
africano.

4.2 O Negro

Em primeiro lugar, é bom ressaltar que, se os pensadores etnocentristas


já eram em sua maioria indispostos para com os indígenas, para com os
negros a situação era ainda pior, porque afirmam como regra geral que eram
raças completamente inferiores. É isso que afirma Oliveira Martins a respeito
dos negros, ao classificá-los como seres “abjetamente inferiores, na
inferioridade incontestável da sua raça” (OLIVEIRA MARTINS. Apud: BOMFIM,
1905, p. 282). Bomfim, analisando o pensamento de Oliveira Martins acerca do
negro, afirmou que, para este autor, o negro só tinha uma serventia que era a
de “trabalhar como besta para sustentar a malandrice do branco.” (BOMFIM,
1905, p. 29)
Mas a história se prestava, segundo Bomfim, para mostrar que tais raças
também eram amantes da liberdade e demonstravam sua resistência ao
colonizador desde que para cá foram introduzidos. Para exemplificar, Bomfim
afirmou que “a história das revoltas dos negros nas Antilhas, a história de
Palmares e dos quilombos ali estão para mostrar que não faltavam aos
africanos e seus descendentes nem bravura, nem vigor na resistência, nem
amor à liberdade pessoal.” (BOMFIM, 1905, p. 262)
De acordo com o darwinismo social, os elementos inferiores seriam
naturalmente derrotados e explorados, porque isso obedeceria a ordem da
seleção natural das espécies, que neste caso daria a vitória ao mais apto, ou
seja, ao europeu. No entanto, isto seria uma corrupção das teses de Darwin,
pois para ele não havia essencialmente nada de inferior nos negros, o que
pode ser confirmado quando disse:

Estimo muito o caráter do negro. É impossível ver um negro


sem sentir-se a gente atraída para ele. Tem fisionomias
alegres, francas, honestas, o corpo soberbamente musculoso.
Nunca pude olhar um destes enfezados portugueses, com o
seu aspecto sanguinário, sem desejar, por assim dizer, que o
Brasil siga o exemplo do Haiti. (DARWIN. Apud: BOMFIM,
1905, p. 276)

Com relação à capacidade de os negros se desenvolverem intelectual e


culturalmente, Bomfim também os defendeu, dizendo que bastava observar os
negros nos Estados Unidos que, “apesar da guerra implacável da população
branca, dá testemunho bem eloquente em prol da aptidão dos negros para a
civilização.” (BOMFIM, 1905, p. 286)

4.3 O Ibérico

Oriundos de um processo histórico de assimilação cultural na península,


os ibéricos contribuíram grandemente para o surgimento do elemento mestiço
e sua respectiva cultura, pois “as raças ibéricas mostraram possuir uma força
de assimilação de que não se tem exemplo em nenhum outro povo da Europa”
(BOMFIM, 1905, p. 258). A capacidade e a disposição para a assimilação
social, quase imperceptível em outros povos, na península ibérica constituíram
um diferencial que foi trazido para a América Latina e elevado ao mais alto grau
de possibilidades. É o que se percebe na afirmação de Bomfim de que

transplantadas para a América, as gentes da península


transmitiram suas qualidades distintas às novas populações.
Aqui encontramos essa mesma plasticidade intelectual e essa
mesma sociabilidade, acaso mais desenvolvida ainda.
(BOMFIM, 1905, p. 260)
Portanto, a principal característica da América Latina, a mestiçagem, é
devedora em alto grau desta disposição ao contato e à assimilação herdados
dos ibéricos.
Outro elemento típico dos ibéricos, que se somou às novas
características dos povos latino-americanos, foi sua violência na resistência e
na defesa da independência nacional. Tais características estiveram presentes,
segundo Bomfim, na luta constante contra o colonizador e contra as pretensões
de neo-colonização. Sabe-se, porém, que este comportamento violento na
defesa da independência e soberania nacionais foi

às vezes doentio, outras vezes ingênuo e retumbante, mas em


todo caso irredutível, orgânico, instintivo, acendendo-se
facilmente, explodindo brutal e feroz à ameaça de qualquer
sonhado perigo. (BOMFIM, 1905, p. 258)

É sob tal influência que Bomfim chama a atenção para os perigos de se


perder a soberania da América Latina, conclamando os latino-americanos a se
unirem para defendê-la e mantê-la.

4.4 A Mestiçagem

Antes de defender a mestiçagem, Bomfim iniciou uma discussão acerca


da teoria das raças inferiores e o peso que ela exercia sobre os destinos da
América Latina. Sua defesa da mestiçagem parte do combate a tal teoria,
desbancando-a a partir dos critérios de observação empírica do homem latino-
americano. Ele classificou essa teoria como sendo “um sofisma abjeto do
egoísmo humano, hipocritamente mascarado de ciência barata, e
covardemente aplicado à exploração dos fracos pelos fortes” (BOMFIM, 1905,
p. 268). Segundo o autor, os que defendiam a degeneração humana a partir da
miscigenação na América Latina na verdade visavam a legitimar o interesse de
exploração deste continente.
Um dos grandes problemas enfrentados pela América Latina no contexto
do século XIX foi lidar com as teorias depreciativas da realidade latino-
americana. Um dos grandes argumentos utilizados por europeus era o de que
a miscigenação racial produzia um povo degenerado, incapaz de se
autogovernar. Tal concepção justificaria a tarefa apostólica da Europa, e por
que não dos EUA, de trazer a civilização para este continente.
Bomfim experimentou de perto essa visão deturpadora enquanto
estudava em Paris, no início do século XX. É este contato, em terra estranha,
com a visão dos estrangeiros sobre sua América Latina, que gerou indignação
e determinação de sua parte em analisá-la em suas reais manifestações, para
refutar as concepções europeias acerca dela. Em sua representação discursiva
da América Latina, aparece algo que soa como aberração para os EUA e para
a Europa, que é a defesa do mestiço e da convivência pacífica, em igualdade
de condições, das diversas raças. Isto deu origem, no pensamento de Bomfim,
à ideia de “comunidade de raças”, que não era percebida em nenhum outro
lugar, sendo, pois, um traço característico da América Latina e, portanto, um
dos elementos fundamentais de sua identidade.
Segundo Bomfim, os povos ibéricos possuíam uma capacidade de
assimilação sócio-cultural ímpar entre os povos, o que teria sido o diferencial
na constituição das novas sociedades, chamadas aqui de latino-americanas.
Para o autor, apesar de uma

preocupação de soberania nacional e de independência


pessoal, as raças ibéricas mostraram possuir uma força de
assimilação de que não se tem exemplo em nenhum outro
povo da Europa [...] Este poder de assimilação deriva de uma
grande plasticidade intelectual e de uma sociabilidade
desenvolvidíssima, qualidades preciosas para o progresso, e
mercê das quais estas nacionalidades seriam hoje entre as
primeiras do Ocidente, se não tivessem derivado para o
parasitismo que as degradou. (BOMFIM, 1905, p. 258-259)

Quando Bomfim se referiu à Ibéria para fundamentar sua concepção de


“comunidade de raças”, afirmou que “daqueles aluviões de gentes –fenícios,
celtas, cartagineses, romanos, godos, suevos, alanos, mouros, árabes (....) ela
fizera uma nacionalidade única, perfeitamente caracterizada, homogênea e
forte” (BOMFIM, 1905 p. 80). Tal plasticidade fez com que houvesse, desde os
primórdios da colonização, uma mistura racial intensa, que, mesmo
contrariando as expectativa dos povos de origem anglo-saxônica, desenvolveu
uma maior respeitabilidade social entre essas raças e seus cruzamentos.
Na América Latina, portanto, vislumbrava-se aquilo que se tentou por
vários séculos evitar nas colônias inglesas, a miscigenação racial, que
proporcionou uma equiparação racial na qual o negro, o branco, o indígena e a
síntese dos três – o mestiço – fizeram-se presentes no seio das nações. Para
nosso autor, na América Latina poder-se-ia verificar a mesma plasticidade do
homem ibérico, no entanto elevada ao mais alto cume, pois

a assimilação dos povos se tem feito, até entre raças


radicalmente distintas – brancos, pretos, índios. É por isso
que, apesar das distâncias, da extrema disseminação dos
povos e a falta de comunicações, há menos diferença entre o
brasileiro de Manaus e o de Santa Catarina que entre um
bretão e um marselhês; o alemão de Saxe se distingue melhor
do de Hamburgo que não se distingue o venezuelano do
argentino. (BOMFIM, 1905, p. 260)

Na “comunidade de raças” de Bomfim, o elemento mestiço latino-


americano exerceu um papel de proeminência, pois representava o que há de
mais original e positivo nessa cultura. Neste aspecto, Bomfim conferiu um
caráter positivo à mistura de raças, mistura que deveria ser inclusive seguida
por outras nações à beira de uma guerra civil, em função da segregação racial.
Manoel Bomfim, em sua obra, conseguiu identificar no americano não
somente um homem miscigenado cultural e racialmente, mas um homem
melhorado em todos os aspectos e que, se ainda não havia transcendido os
europeus, era porque estes últimos haviam levado a cabo o parasitismo social
a tal ponto de ter criado uma cultura da subalternidade no corpo parasitado.
Assim, seu discurso visava a libertar a cultura latino-americana das amarras
históricas impostas pelos colonizadores.
Manoel Bomfim forneceu também uma definição do que seria cultura.
Para ele, cultura era sinônimo de vida do espírito e, para compreendê-la era
necessário

representar cada indivíduo como sendo o nó vivo, de uma teia


igualmente viva e ativa, a sociedade – espécie de trama,
urdida em todos os sentidos possíveis, e cuja atividade se
manifesta justamente como produtos desses nós. (BOMFIM,
1923, p. 18)

Nesta concepção, os latino-americanos são seres responsáveis pela


cultura, no sentido de que participam coletivamente de tudo que é inventado
individualmente e o reinventam continuamente. Esta concepção só poderia ser
desenvolvida em função de uma ideia de cultura não-estática, pelo contrário,
sempre dinâmica, que fosse fruto, ainda que inconscientemente, da vontade
que, segundo Bomfim, permitiria a inovação. Para ele, “a vontade é a essência
da atividade e da transformação, como a inércia é a essência da conservação e
da resistência.” (BOMFIM, 1905, p. 338)
O que a América Latina precisava era se libertar dos estigmas, e esta
libertação se daria mediante batalha, não batalha bélica, mas sim batalha de
representações, pois o que estava em jogo era o confronto entre a
representação elaborada pelos europeus sobre a América Latina e a
representação de si própria, construída pelos intelectuais americanos, dentre
eles o próprio Manoel Bomfim. O latino-americanismo se constitui, portanto, no
articulador de um contra-discurso, que visou a elaborar uma representação
coletiva para fazer frente às representações estereotipadas acerca da
comunidade latino-americana.
Nesse prisma, a obra de Bomfim faz uma representação do passado
latino-americano ao passo que é, ela mesma, uma representação sócio-
histórica do tempo na qual foi constituída. Olhando para a obra em questão,
percebe-se que “as estruturas do mundo social não são um dado objetivo, tal
como não o são as categorias intelectuais e psicológicas: todas elas são
articuladas (políticas, sociais, discursivas) e constroem as suas figuras”
(CHARTIER, 1990, p.27). Bomfim mostrou que não estava neutro no discurso,
mas comprometido com a defesa dos que haviam sido, ao longo do processo
histórico, marginalizados, ou seja, com a América Latina como um todo.
Nesse ponto fica claro o choque de representações no qual estava
inserido. Ao analisar sua obra, percebe-se que os argumentos foram
constituídos gradativamente no intuito de edificarem não somente uma
representação das tradições, mas da própria cultura e com isso realçar o
sentimento de co-pertencimento presente em seu projeto identitário, pois a
união latino-americana se daria mediante laços de ajuda mútua e fraternidade a
serviço do bem comum do povo, o que, segundo Bomfim, poderia ser
identificado nas relações sociais desenvolvidas no interior das nações latino-
americanas, como se percebe na assertiva a seguir.

Apesar de quantos defeitos que lhes emprestam, as


sociedades em que vivem se impõem ao amor de quem as
conheça, porque não existe nelas essas lutas baixas, vis e
repugnantes, pelo interesse estreito e pela feroz avidez. Por
isso mesmo que as necessidades de cada um são quase
nulas, o egoísmo não as afeta, nem embaraça a expansão da
sociabilidade natural, instintiva, como ela é instintiva em todos
os homens. Quem viajou o interior das terras brasileiras, por
exemplo, notou, por força, a cordialidade, a paz relativa em
que vivem essas populações – arraiais, povoados, restos de
aldeamentos, onde se acumulam os casebres de sapê, onde
vivem como formigas – formigas que não trabalham – os
produtos da mistura de negros, índios, resíduos de colonos,
etc... Fique a acusação por conta de quem a faz; mas
convenham que, apesar de tudo, essa tendência à
sociabilidade, esse altruísmo, é uma boa qualidade, um
elemento favorável ao progresso moral. (BOMFIM, 1905, p.
293-294)

A obra A América Latina: males de origem foi o resultado de um


exercício de atribuição de sentido à realidade, que visou a ordenar atos e fatos
para remontar o Ethos (costumes de um povo) latino-americano e, como tal,
necessitou muitas vezes resignificar e articular a capacidade criativa para o
Telos (finalidade), que é a coesão sócio-cultural latino-americana. Bomfim
vinculou sua interpretação do presente da América Latina a sua representação
do passado histórico, no sentido de indicar a pretensa continuidade e
invariabilidade temporal entre um passado e um presente comuns.
Na construção da identidade latino-americana mestiça, os sofrimentos e
as lutas comuns também forjaram laços de co-pertencimento, de forma que a
consciência de pertencer à ibero-américa fundamentou-se na consciência de
um passado e um presente comuns, o que lançaria perspectivas semelhantes
para o futuro. O sentimento de co-pertencimento pressupõe, por sua vez, a
segurança de existência de um mesmo passado comum, composto de dramas
e sucessos, vitórias e derrotas compartilhadas. Mas, em ambos os casos, a
concretude da identidade, depende do discurso, no sentido de que é este
discurso que representa as afinidades e as aspirações de um povo. A
identidade passa, portanto, por um processo de construção levada a cabo por
determinados agentes sociais, que fazem uso de estratégias discursivas
diversas para despertar o sentimento de co-participação em torno de uma
determinada comunidade, que passa a ser pensada de uma determinada
forma. Nas palavras de Bomfim a idéia de identidade passa necessariamente
pela idéia de uma “comunidade de sentimento e de linguagem (...) pois dois
indivíduos que se compreendem estão mais perto de fraternizar e progredir,
principalmente se a raça, a educação e os gostos morais os aproximam
também.” (BOMFIM, 1905, p. 192)
Entretanto, a representação que o autor construiu não foi uma invenção
deliberada, mas sim o resultado de uma intencionalidade a serviço da
adequação do passado às novas conjunturas histórico-sociais, pois a tradição
anterior, que se mostrava paradoxal, foi criada para dar sustentáculo ao
governo parasitário ibérico, como se percebe na narrativa de Bomfim. Tal
construção foi levada a cabo por ele, tanto continentalmente (pensando a
América Latina) quanto nacionalmente (pensando a nação brasileira).
Já foi abordada aqui a forma como os teóricos das questões raciais que
defendiam a inferioridade do negro, do índio, bem como do resultado da
mistura entre o negro, o índio e o branco, ou seja, a inferioridade do mestiço,
trabalhavam seus argumentos no final do século XIX e início do século XX.
Observou-se também que, para refutar os argumentos de inferioridade racial
como fundamento do atraso em que se encontrava a América Latina no início
do século XX, Bomfim apontou que a causa era histórica e não racial, de forma
que o atraso seria justificado pelo sistema parasitário implantado nas novas
colônias que as impossibilitou de prosperarem. Observou-se ainda que, contra
tal sistema parasitário, bem como contra uma cultura de detração, também
explicitada nas teses pseudocientíficas, Bomfim desenvolveu elementos
capazes de impulsionar um contra discurso a partir de um projeto identitário.
Foi neste sentido que Bomfim propôs uma identidade de âmbito latino-
americana, na qual o elemento mestiço era o seu cerne, ou melhor, seu
portador privilegiado. Diante do exposto, poder-se-ia, então, afirmar que a base
mais sólida da identidade latino-americana estava muito bem definida, segundo
Bomfim, a partir de sua natureza mestiça. E esta foi a característica que esteve
presente em todos os povos ibero-americanos, embora seja mais acentuada
em algumas nações do que em outras.
Bomfim quis, em última instância, incluir o latino-americano mestiço,
enquanto um ser dotado de identidade própria, na comunidade humana
mundial. Para tanto, ele afirmou que

hoje conhecemos toda a humanidade, e toda ela nos


interessa; vê-la solidária, unida, aliviada de toda opressão,
aproveitando em comum, segundo as necessidades de cada
grupo, os recursos que a ciência tem revelado, é o ideal de
todos que têm um ideal. Tal sentimento é nobre e humano,
desde que, pugnando pelos interesses e necessidades de um
povo, não busque resolvê-los em oposição aos interesses
gerais da espécie. (BOMFIM, 1905, p. 36)

No entanto, para promover a boa relação da humanidade, há a


necessidade de uma identidade regional, uma sinergia identitária do latino-
americano, para que em seu relacionamento com outros conjuntos de povos já
constituídos e legitimados, tais como a Europa e os EUA, haja a possibilidade
de se relacionar, ao menos do ponto de vista sócio-cultural, em igualdade de
condições. Como não havia essa igualdade à época de Bomfim, sua tarefa foi
proporcioná-la discursivamente, por meio de um discurso de resistência,
fundador de identidade.
Em seu livro A América Latina, Bomfim chamou a atenção para o fato de
que a ideia de pátria remetia a uma relação na qual estariam presentes tanto
os sentimentos de co-participação quanto a existência objetiva de um povo,
uma cultura, limites geográficos, interesses comuns e necessidade de
conservação da vida. Segundo Bomfim, “a pátria é um sentimento e é um fato,
pois que nos sentimos fazer parte de um meio social, temos uma pátria, fora de
qualquer pensamento exclusivista, fora de qualquer preocupação agressiva.”
(BOMFIM, 1905, p. 36)
Partindo do pressuposto de que a identidade latino-americana é mestiça,
o Brasil teria sido o precursor de tal identidade, pois, segundo Bomfim (1929, p.
334),

por motivo de solidariedade íntima e de coesão essencial, o


povo brasileiro da colônia era, ao mesmo tempo, um ânimo de
liberdade, pois que se fizera na fusão de raças e de tradições,
em contato com a natureza virgem, estuante de energias
acumuladas. Desse cruzamento, resultara para ele a
capacidade primeira de progresso, essa plasticidade que,
ainda hoje é a superioridade da nossa gente, sedenta de
inovações a todos os progressos, como sem peias de rotinas e
sem preconceitos do passado.

Dessa forma, para Bomfim o Brasil teria sido o primeiro, mas não o
único, a permitir a miscigenação racial e cultural, dando forma a um novo povo
na América, independente, forte, vivaz e potencialmente superior às raças
matrizes, por constituir-se do que havia de melhor das três raças. Para Bomfim,
o brasileiro mestiço poderia ser considerado como modelo latino-americano de
identidade mestiça, pois, no Brasil, desde os primórdios da colonização, foram
“fundindo-se as raças componentes, desprezaram-se e desfizeram-se os
preconceitos que, noutras colônias, criaram as castas, dando motivo às lutas
de raças.” (BOMFIM, 1929, p. 335)
Bomfim, ainda em sua refutação da depreciação mestiça e da
valorização da mestiçagem, utilizou-se de uma citação do próprio Darwin a
respeito do mestiço. Segundo Darwin,

ninguém contestará que há mulatos tendo o caráter e o


coração excelentes, e seria difícil encontrar uma reunião de
homens mais doces e amáveis que os habitantes das ilhas de
Chiloé, originários de uma mistura, em proporções várias, de
índios e espanhóis. (DARWIN. Apud: BOMFIM, 1905, p. 289)

Darwin foi citado justamente para ser defendido das más utilizações de
suas teorias pelo darwinismo social, teorias que legitimariam a inferioridade das
raças mestiças. Para mostrar que o mestiço poderia e deveria ser considerado
o elemento mais original da América Latina, Bomfim citou ainda uma série de
autores que compartilhavam com ele uma apreciação do mestiço. Um exemplo
foi Quatrefages 23 , para quem, em suas palavras, os mestiços latino-americanos
tinham mostrado

uma decidida superioridade artística sobre as duas raças


mães. A quase totalidade dos pintores e músicos brasileiros
pertencem à raça cruzada; muitos se tornaram notáveis em
medicina (...) na Venezuela os mulatos têm-se distinguido
como oradores, publicistas, poetas (...) reconhecem-lhes,
sobretudo aos da América, muita inteligência, espírito e
imaginação. (QUATREFAGES. Apud: BOMFIM, 1905, p. 291)

Percebe-se nesta citação que as qualidades dos mestiços latino-


americanos foram ressaltadas no intuito de valorizar a mestiçagem e sua
potencialidade. Em outro momento, Bomfim afirmou que, mais do que uma
mistura pura e simples de raça e cultura, na América Latina era possível
perceber a emergência do novo. De acordo com ele, “mais do que sangues,
caldeiam-se as tradições logo que raças diferentes se encontram. Combinam-
se as qualidades de espírito e completam-se as respectivas manifestações,
23
Jean Louis Armand de Quatrefages de Bréau (1810-1892) foi um naturalista e antropólogo
francês.
numa expressão vivamente nova e original”. Bomfim (1929, p.36) afirmou
inclusive que era fundamental que se efetivasse a miscigenação entre raças
distintas, pois isto seria saudável no sentido de proporcionar a emergência de
um resultado novo, conforme o se pode observar no seguinte argumento: “o
progresso resulta da fusão de elementos dessemelhantes. Esta fusão é
criadora porque dela resulta qualquer coisa, que não é nem um nem outro dos
componentes que difere dos dois, e que é novo” (BOMFIM, 1929, p. 174). Este
elemento novo, mestiço, seria o portador da renovação dos povos latino-
americanos, pois na mestiçagem “dobram-se os costumes aos exemplos,
criam-se novos motivos, entrevêem-se novas possibilidades, e novas
capacidades se revelam em vista dessas possibilidades.” (BOMFIM, 1929, p.
185)
Neste sentido, o novo é o latino-americano mestiço, que teria qualidades
distintas, o que o tornaria símbolo da identidade da América Latina. Ao invés de
negar tais características, segundo o nosso autor, dever-se-ia reconhecê-la e
valorizá-la, pois este era precisamente o aspecto que nos diferenciava dos
“outros”, pois “a mistura de qualidades morais e intelectuais, na mestiçagem,
pode dar lugar ao aparecimento de aptidões novas” (BOMFIM, 1905, 288). A
identidade latino-americana iria trazer, segundo Bomfim, a dignidade humana
para a América Latina como um todo, pois a dignidade humana está

em não aceitar, nem resignar-se à necessidade... do mal; está


em revoltar-se e lutar contra ele. A indignação e a luta contra o
mal são também fatos sociais e funções legitimamente
humanas, mais nobres que a pura contemplação, se elas se
completam pelo estudo das causas da miséria e do atraso
social, e se buscam o meio de combate-las e suprimi-las
(1905, p. 361).

Segundo Bomfim, somente a partir do momento em que houvesse esta


consciência e este sentimento de co-participação a América Latina, através de
sua identidade, ou seja, da identidade mestiça, poderia se mostrar ao mundo
tal qual realmente é, ou melhor, tal qual seu potencial se apresentava. Caso
contrário, a América Latina continuaria na condição de subserviência aos
interesses europeus e estadunidenses. A propósito, afirmou que,

para que um povo realize de fato uma nação ou sociedade


política, em tipo formal de civilização, ele há de ser uma
legítima combinação humana, verdadeira síntese de
qualidades psíquicas, não diversas dos elementos formadores,
mas distinta e caracterizada, como síntese ou unidade nova e
complexa. (BOMFIM, 1929, p. 188)

A citação acima mostra que a unificação de vontades era fundamental


para qualquer projeto de sociedade, sendo na América Latina uma tarefa
imprescindível, que deveria ser levada adiante por todos os seus componentes,
em especial o mestiço. Havia, na concepção de Bomfim, uma espécie de
“destino manifesto” para o mestiço. Bomfim conclama a todos os latino-
americanos a tomarem consciência do que são e do que podem ser, conforme
pode ser observado no seguinte clamor identitário:

Conheçamo-nos e chegaremos à convicção de que somos um


povo cruzado, e que povos cruzados serão sempre aquilo em
que se fizeram: expressão de misturas combinadas. Poderão
unificar-se; hão de unificar-se, em tipos definidos e estáveis. E
esta certeza nos basta. Aceitemos o destino em que nos
formamos; tenhamos a hombridade de ser o que somos, e
façamos o dever em esforços, para que esse povo misturado
venha a ser uma nação de civilização realmente humana,
aproveitando todas as possibilidades de espírito e de coração,
como as encontramos, na herança das raças donde viemos.
(BOMFIM, 1929, p. 195)

Se, portanto, a América Latina só faz sentido se pensada com base nas
raças e culturas cruzadas, querer conduzi-la a um tipo puro é o mesmo que
deferir-lhe um golpe fatal, pois a identidade da América Latina é, segundo
Bomfim, essencialmente mestiça.
CONCLUSÃO

A identidade mestiça defendida por Manoel Bomfim em detrimento de


seus interlocutores no Brasil, que defendiam teoria das raças inferiores, o
colocou em evidência no âmbito intelectual da primeira república. Em muitos
aspectos, poderíamos atribuir a Bomfim a originalidade de quem nadou contra
a corrente de idéias de seu tempo, ou poderíamos dizer que estava inserido no
debate de idéias do seu tempo só que invertendo os resultados.
A presente dissertação foi construída no intuito de mostrar a viabilidade
de se identificar em Manoel Bomfim o projeto de identidade latino-americana,
que em sua obra passa pela idéia de uma identidade mestiça. Isto porque além
de se falar em identidade latino-americana, esta identidade tem um diferencial
se comparada com outras identidades, e o diferencial está justamente na
mestiçagem, que na América Latina e no Brasil de forma mais perceptível foi
levada ao mais alto grau. Bomfim chama a isto de plasticidade cultural,
plasticidade esta assimilada dos ibéricos e que é um traço distintivo positivo.
No entanto, percebemos que o livro A América Latina: Males de Origem
só foi possível ser concebido em função do contato que o autor teve com as
teses depreciativas do novo mundo e de seus habitantes, quando esteve em
Paris, em 1903 para seus estudos de psicologia. Tais teses o impulsionou a
construir uma narrativa contra-discursiva desbancando os argumentos
presentes nestes círculos europeus.
O fundamento básico para tais teses depreciativas era o Darwinismo
social que somado às interpretações naturalistas desenvolvidas no século XVIII
por Buffon e De Pauw e por Hegel no início do século XIX, que potencializaram
não apenas a má vontade para com a América Latina, mas também e
principalmente fundamentava a possibilidade de uma neo-colonização. Estes
são os argumentos básicos do segundo capítulo que ressalta as teses que
fundamentaram as concepções acerca da inferioridade da América Latina e de
seu povo. Inferioridade esta que seria a legítima desculpa para uma nova
colonização civilizatória dos povos mais desenvolvidos. Bomfim classifica os
argumentos de Buffon, De Pauw, Hegel e do darwinismo social como sendo
pseudo-científicos, não tendo legitimidade nenhuma para fundamentar as
explicações do atraso latino-americano, que não era fruto das raças que
compunham o cenário latino-americano, mas sim de contingências históricas
instituídas a partir de um sistema de parasitismo sedentário implementado nas
colônias por parte das metrópoles.
Por fim, trabalhou-se a originalidade do projeto identitário bomfiniano e
sua fundamentação discursiva. Fundamentação esta que passou pela
abordagem de seus pilares que são: a idéia de parasitismo social e
especificamente a identidade mestiça. Quando Bomfim fala de comunidade de
raças faz referência à plasticidade cultural característica dos povos ibéricos que
foi incorporada na América Latina na prática da mestiçagem e na incorporação
cultural das três raças. Isto em sua concepção permitiu o surgimento do
mestiço, portador da identidade latino-americana.
Para desestabilizar o discurso europeu sobre a inferioridade constitutiva
dos povos latino-americanos, Bomfim desenvolve o conceito “parasitismo
social”, que serve para mostrar que o atraso latino-americano não se dá pelas
raças que a compõem, mas sim pelo sistema de espoliação a que fomos
sujeitos historicamente.
O projeto identitário de Bomfim mostrou a viabilidade da identidade
latino-americana se materializar em uma identidade mestiça. Isto porque o que
temos de mais original na América Latina é o elemento mestiço e em sua
concepção é este elemento que representará a identidade da América Latina.
Isto pode ser justificado no aspecto de que o mestiço concatena as melhores
qualidades das três raças originais, sendo, pois potencialmente superior aos
elementos de que originaram.
Toda esta argumentação confirma as hipóteses iniciais, quais sejam, a
possibilidade de se ter em Manoel Bomfim um projeto identitário latino-
americano, com base e sustentação próprias e de caráter mestiço.
Seu pensamento segue uma linha que se inicia com a análise de uma
unidade regional latino-americana, esta analisada aqui nesta dissertação e se
desenvolve no sentido de pensar a unidade nacional brasileira, questão que
fica em aberto para desenvolvimento posterior. Será neste novo projeto que
pretendemos vincular Bomfim como sendo um dos pilares interpretativos do
Brasil, ao lado dos já consagrados autores Gilberto Freyre, Caio Prado Junior e
Sergio Buarque de Holanda. Isto porque em alguns aspectos Bomfim
desenvolve originalmente idéias que estão presentes nos três autores.
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