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A União Europeia, a Turquia

e a Segurança Energética 1
LUÍS EDUARDO SARAIVA

Introdução
A energia constitui uma das variáveis mais relevantes da segurança global.
Apesar das previsões mais pessimistas apontarem para um mundo sem petró -
leo ou gás natural a partir da década de 2030, na verdade as reservas que
têm sido descobertas ou estimadas atualmente lançam aquele horizonte tem -
poral para bem mais longe. A questão de segurança, no entanto, não deixa
de adquirir uma relevância progressivamente maior. As sociedades modernas
dependem cada vez mais das fontes de energia e têm de garantir a disponibi -
lidade física dos recursos de que necessitam sem interrupções, bem como da
sua aquisição a preços razoáveis que não ponham em causa as suas economias.
Na revisão de 2008 da Estratégia de Segurança Europeia, que datava já de
há cinco anos, o Secretário-geral e Alto Representante da UE no momento,
Javier Solana, indicava a importância da segurança energética para a Europa.
O problema apresentado então, e que permanece atual, é que a UE estava
demasiado dependente dos fornecimentos da Rússia, devido a fortes contratos
com a Alemanha e outros países europeus. Este parece ser, de resto, o maior
problema de segurança energética da UE. Entretanto, a solução mais apon -
tada parece ser encetar um processo de maior diversificação das fontes. A área
mais importante do globo, no que diz respeito à existê ncia de hidrocarbone-
tos, vai desde a Bacia do Mar Cáspio ao Golfo Pérsico. Mas, para acederem à
Europa, a via mais curta e lógica parece ser a Anatólia. Assim, pode colocar-se
a seguinte questão: será a Turquia alternativa da UE às rotas russas? O papel
da Turquia na diversificação dos sistemas de transporte de energia da Eurásia
para a Europa é, sem dúvida, considerado um dos pontos mais importantes
da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD) da UE (Dogru, 2009: 34).
Aceitando que a segurança energética é um dos grandes temas "quentes"
europeus, há necessidade de se apontar uma solução de reforço da segurança

1
Publicado em Nunes, Isabel Ferreira. 2013. Segurança Internacional – Perspetivas
Analíticas. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Instituto da Defesa Nacional, pp.
193-219.
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energética europeia. Essa segurança deve materializar-se numa equação que
incluirá variáveis como a paralisação do fornecimento, a disponibilidade, a
fiabilidade e a diversificação desses fornecimentos, tanto das fontes como
dos produtos. Deve ainda considerar a razoabilidade dos preços, os
investimentos, a disponibilidade da procura, as dependências dos
consumidores e dos fornecedores, e também, as dimensões económicas,
políticas e ambientais (Mammadov, 2009: 212). Como se poderá deduzir da
leitura, o argumento que aqui se procura apresentar é de que, quando se
considera a existência da Turquia como Estado-membro da UE, então
grande parte das variáveis acima enunciadas deixam de constituir fonte de
preocupação. A primeira secção deste capítulo vai analisar a evolução do
dossiê europeu de energia, assim como fazer o ponto de situação da
estratégia europeia para a energia. A secção segui nte analisa a estratégia
energética da Turquia, com especial ênfase no seu Plano Estratégico para o
período de 2010-2014. A terceira secção identifica os recursos existentes na
Bacia do Cáspio, considerada a principal região alternativa possível para a
UE adquirir hidrocarbonetos. Na secção seguinte procura -se fazer o
encontro dos dados analisados anteriormente: a estratégia europeia, a
estratégia turca e os recursos disponíveis no Cáspio. De seguida encontra -se
uma secção dedicada a demonstrar a validade do argumento de que se a
Turquia fosse parte da UE, o acesso comunitário aos recursos energéticos se
encontraria enormemente facilitado. Por último, nas notas finais,
apresentam-se algumas das ideias-força identificadas neste estudo e
consideradas relevantes, apontando-se algumas iniciativas de nível nacional
ou comunitário.

A Estratégia Energética Europeia


Faça-se então a análise do dossiê europeu de energia. Atendendo à especial
ênfase que merece a Estratégia Europeia para este setor, esta parte do
texto também considerará o respetivo ponto de situação. A Europa
comunitária tem formalmente uma estratégia energética. Desde 2007 que a
UE tem vindo a sublinhar a importância que atribui à conjugação de
esforços dos seus Estados-membros por forma a alcançar-se uma maior
rentabilização das infraestruturas e recursos ao dispor de todos. Por outro
lado, a UE também se preocupa com um aspeto crucial da sua política
energética, a questão da segurança energética para todos os seus membros.
Mas será que a prática corrente, ou seja, a condução de política externa por
cada um dos Estados-membros da UE, confirma esta disposição? Não
-2-
haverá maior ênfase nos esforços pela via bilateral dos seus membros,
como é o caso da aproximação entre a Alemanha e a Rússia,
nomeadamente, no que diz respeito à concretização do projeto Nord
Stream, do que pela via coletiva? O problema é que, conforme foi
constatado num estudo apresentado em 2012, a Europa comunitária é
demasiadamente dependente das fontes de energia russas. "Presentemente
a União Europeia importa 61 % do gás natural de que necessita, prevendo -
se que aumente essa exigência em 73% em 2020. Esta grande dependência
de gás é combinada com a reduzida diversificação de fontes de
abastecimento: 84% do seu gás importado vem unicamente de três países:
Rússia, Noruega e Argélia" (Rodrigues, Leal e Ribeiro, 2012: 213). Essa
dependência parece assim ser cada vez mais devida aos contratos que tem
vindo a ser estabelecidos entre a Rússia e a Alemanha — e outros países da
UE relevantes na Europa Central e de Leste. A solução para este "quase
monopólio" do fornecimento seria promover com mais "vigor" a
diversificação das fontes. Onde? No Norte de África, no Atlântico Sul e na
África Subsaariana — Sudão, Chade, República Centro-Africana e Nigéria. Na
verdade, "a UE e alguns dos Estados-membros definiram, a Bacia do Cáspio
como a principal aposta na diversificação de abastecimentos de gás natural"
(Idem, Ibidem: 214). Por outro lado, o fluxo energético através da Anatólia
parece garantir o acesso da UE à produção do Médio Oriente, que
atualmente se encontra sob controlo dos EUA. A Comissão Europeia
considera uma prioridade garantir a segurança do fornecimento de petróleo
especialmente a países europeus sem acesso ao mar. Tal será conseguido
com o reforço da interoperabilidade da rede de oleodutos do Centro Leste
europeu (Dogru, 2009: 11). A Conferência Ministerial de Energia realizada
em Baku a 13 de novembro de 2004, reuniu a Comissão Europeia com os
países costeiros dos mares Negro e Cáspio e ai nda alguns vizinhos destes,
nomeadamente Azerbaijão, Arménia, Bulgária, Geórgia, Irão (como
observador), Cazaquistão, Quirguízia, Moldávia, Federação Russa (como
observador), Roménia, Tadjiquistão, Turquia, Ucrânia e Uzbequistão. "A
conferência lançou a 'Iniciativa Baku' que visava facilitar a integração
gradual dos mercados de energia desta região no mercado da UE, assim
como o transporte dos extensos recursos em petróleo e gás para a Europa,
fosse através da Rússia, fosse via outras rotas, tais como o Irã o e a
Turquia", escrevia Mammadov em 2009. "Será importante para a segurança
energética da UE a existência de rotas seguras do petróleo e do gás do
Cáspio pois garantirão à UE a diversidade geográfica das fontes de

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abastecimento de energia" (Mammadov, 2009: 58). Em março de 2007 o
Conselho Europeu estabeleceu uma nova política energética e ambiental
por forma a obter sustentabilidade, competitividade e segurança do
aprovisionamento (Comissão Europeia, 2008: 2), para além do compromisso
da iniciativa "20-20-20"2. O plano de ação da UE sobre segurança energética
e solidariedade (Idem, Ibidem) dedica atenção à necessidade de
diversificação das fontes de aprovisionamento. Por muitos anos ainda a UE
continuará a estar dependente da energia importada, em petróleo, em
carvão e especialmente em gás, nota a Comissão Europeia (2008: 3). Ao
propor o plano de ação, a Comissão Europeia identificou como "prioridades
comunitárias" as seguintes ações relativas a infraestruturas, ou seja,
"prioridades de segurança energética": (1) plano de interconexão do
Báltico; (2) corredor meridional do gás; (3) plano de ação GNL (Gás Natural
Liquefeito); (4) anel de energia do Mediterrâneo (energia elétrica, gás, solar
e eólica);3 (5) interconexões Norte--Sul do gás e eletricidade na Europa
Central e Sudeste; (6) modelo para uma rede ao largo da costa do Mar do
Norte.
Estas prioridades tiveram a sua aprovação numa primeira etapa da
implementação do plano de ação. Seguiram-se, nos períodos seguintes,
outras duas etapas: de 2009 a 2010, determinação precisa de quais as ações
necessárias para a realização das necessidades de financiamento e
potenciais fontes desses financiamentos; a partir de 2010, realização das
ações identificadas, tanto a nível comunitário como nacional. 4
Para além de incidir sobre as questões das infraestruturas, o plano de ação
proposto pela Comissão Europeia chamava ainda a atenção para a
necessidade de maior ênfase das questões energéticas nas relações
internacionais da UE, a identificação de melhores reservas de petróleo e de
gás e melhores mecanismos de resposta a crises, a adoção de uma nova
dinâmica no domínio da eficiência energética, e uma melhor utilização dos
recursos energéticos internos da UE. Na verdade, estão a decair os recursos

2
Ou seja, de acordo com a Comissão Europeia (2008: 2), "redução de 20% das emissões de
gases com efeito de estufa, aumento para 20% da quota -parte das energias renováveis no
consumo energético (...) e melhoria da eficiência energética em 20%, devendo todos esses
objetivos serem atingidos até 2020.
3
Relativamente à Comissão Europeia (2008: 6), esta comprometeu-se a apresentar uma
Comunicação até 2010, "incluindo importantes projetos -chave para a diversificação dos
aprovisionamentos externos de energia da UE em regiões mais distantes, como as futuras
ligações a partir do Iraque, do Médio Oriente e de África".
4
O "Livro Verde" da Comissão Europeia ou "Instrumento para as Infraestruturas e Segurança
Energética" da União Europeia detalham estas abordagens.
-4-
energéticos disponíveis de que a UE dispõe internamente, pelo que o
aumento das facilidades de acesso a outras fontes é cada vez mais
importante. Mammadov nota que, no que diz respeito à Europa, se prevê
um declínio significativo no Mar do Norte, ou seja, na produção offihore da
Noruega, do Reino Unido, da Holanda e da Alemanha. Há, contudo,
indicadores positivos de perspetivas futuras tanto para a Noruega (com a
abertura à exploração do Mar de Barentz) como para o Reino Unido (com o
desenvolvimento do campo de Buzzard). A título de comparação, diga-se
que nos EUA a produção total de combustíveis líquidos aumentará de 8,2
milhões de barris por dia (valor de 2005) para 10,3 milhões de barris por dia
em 2022. No entanto, em 2030 cairá para 9,8 milhões de barris por dia de
acordo com Mammadov (2009: 26). A proposta da Comissão Europeia
(2008: 8) dá-nos pistas sobre a utilidade de a UE tornar mais fortes os seus
laços com os países produtores e de trânsito: "em muitos casos, há
necessidade de desenvolver a confiança e laços mais profundos e
juridicamente vinculativos entre a UE e os países produtores e de trânsito,
o que poderia resultar em benefícios mútuos significativos na perspetiva a
longo prazo necessária para financiar os projetos do futuro que exigem uma
maior intensidade de capital". Curiosamente, o texto da Comissão Europeia
releva a presença da Noruega no mercado interno da energia como membro
do Espaço Económico Europeu. Não faz, no entanto, naquele ponto do
texto, qualquer referência à Turquia. A Comissão Europeia (idem) sublinha
que é essencial uma colaboração eficaz com a Noruega para a segurança
energética da UE. Se tal é verdade, então parece que será e também
verdade para a relação com a Turquia, em cujo território se encontram
corredores essenciais que possibilitam libertar a UE da pressão russa sobre
os fornecimentos, especialmente de gás natural. A Comunidade de Energia,
instituição que relaciona a UE com os países não membros do Sudeste
Europeu, para além dos membros efetivos tem como observadores a
Arménia, a Geórgia, a Noruega e a Turquia. Após terem também recebido o
estatuto de observadores, a Moldávia, a Ucrânia e a Turquia indicaram
formalmente o seu interesse em se tornarem membros de pleno direito
daquela comunidade. As negociações que, entretanto, tiveram lugar
acabaram por conceder à Moldávia e à Ucrânia o estatuto de membro. A
ronda de negociações com a Turquia decorreu em setembro de 2009, mas
até à data ainda não se concretizou a sua plena adesão. 5 Parece assim, que

5
De acordo com a informação disponibilizada pela Comunidade de Energia na sua
-5-
a aposta da UE a nível de corredores de abastecimento se faz mais pelos
acessos tradicionais — da Rússia, via Ucrânia, principalmente, para a UE —
do que por novas rotas alternativas, como é naturalmente o território
turco. Na verdade, o próprio plano de ação proposto pela Comissão
Europeia (idem: 9) parece querer dar ainda mais ênfase a corredores a
Norte quando preconiza, além do mais, que deveria ser desenvolvida uma
estratégia sobre a Bielorrússia, atendendo à sua importância como país
vizinho e de trânsito. Dois anos depois do seu plano de ação sobre
segurança energética, em 2010, a Comissão Europeia apresentou um
documento sobre as prioridades em infraestruturas energéticas a partir de
2020, e que consistiu essencialmente na proposta de uma "matriz para uma
rede europeia integrada de energia". Nesse documento é feito um exercício
de identificação das necessidades da União Europeia em equipamento de
transporte e de armazenamento de combustível, mas sublinha -se também a
importância da segurança dos aprovisionamentos. A matriz identifica um
grande problema para a UE: "os mercados continuam a estar fragmentados
e a ser de natureza monopolista, com diversos entraves à concorrência
aberta e leal" (Idem, Ibidem: 7). Conforme refere o documento, parece,
pois, ser necessário que até 2020 a UE disponha, "de uma carteira
diversificada de rotas e fontes físicas de gás assim como de uma rede de gás
bidirecional e plenamente interligada, sempre que necessário". Esta
evolução relativa à diversificação de rotas e fontes de abastecimento deve
ser intimamente ligada à estratégia da UE relativa os países terceiros,
nomeadamente no que se refere aos novos países fornecedores e de
trânsito (Idem, 2010: 7). A Matriz para uma Rede Europeia Integrada de
Energia identifica como corredor prioritário, no âmbito do
aprovisionamento diversificado de gás à UE, o corredor meridional, de
forma a permitir maior diversificação das fontes de abastecimento, ao
transportar gás do Cáspio, da Ásia Central e, em geral, do Médio Oriente
para a UE (Idem, Ibidem: 12). Entende a Comissão Europeia (Idem: 12) que
a diversificação do aprovisionamento de petróleo, por outro lado, pode ser
em grande medida conseguida com as infraestruturas atuais através do
reforço da interoperabilidade da rede de oleodutos da Europa Centro -
Oriental pela ligação dos vários sistemas e eliminando-se pontos de
estrangulamento, ou adicionalmente permitindo fluxos inversos. Apesar do

página da internet, disponível em www.energy-community.org, consultada em 15


de abril de 2012.
-6-
grande interesse pela diversificação das fontes, a realidade, conforme já
notado acima, é que os acordos bilaterais transport am as prioridades de
alguns Estados-membros da UE para outras paragens que não as opções a
Sudeste. É o caso do desinteresse com que a UE tem ultimamente tratado o
projeto Nabucco, que seria um importante investimento para o
fornecimento alternativo de gás para a Europa, aliviando a pressão de
tendência monopolista da Rússia. O Nabucco foi parcialmente posto de lado
devido ao apoio da Alemanha ao gasoduto Nord Stream que fornece gás
russo diretamente a esse país via mar Báltico, acusa Mammadov. Por seu
turno, o projeto South Stream, que é proposto ligar a Rússia ao Sudeste
europeu por um gasoduto que atravessa o Mar Negro, também tem
recebido apoios. O Nord Stream e o South Stream são ambos controlados
pela empresa russa Gazprom (Mammadov, 2009: 64), parecen do haver aqui
uma inteligente estratégia da Rússia para se antecipar a projetos que, neste
campo, ao diversificarem as fontes de abastecimento de gás à UE, possam
diminuir o elevado protagonismo russo. Sentindo a necessidade de acelerar
a implementação do reforço das infraestruturas europeias, a Comissão
Europeia apresentou, em 2011, a proposta criação de um Grupo de Alto
Nível, baseado na cooperação com os países da Europa Centro -Oriental —
indicava o grupo de Visegrad —, com um mandato para elaboração durante
esse ano de um plano de ação referente às ligações de gás e petróleo
Norte-Sul e Leste-Oeste, assim como de eletricidade (Comissão Europeia,
2010: 15). Notando que a Comissão Europeia reafirma a importância da
conexão de novas capacidades, qual era então a situação da ligação entre a
Europa Centro--Oriental e a Europa de Sudeste? Em comparação com a rede
no resto do continente, sublinha a Comissão Europeia, no Sudeste a rede de
transmissão é bastante escassa. Entretanto, toda a região onde se incluem
não só os Estados-membros da UE como outros países da Comunidade de
Energia apresenta grandes potencialidades em termos de maior produção
hidroelétrica. Há, no entanto, necessidade de reforçar e adaptar as ligações
por forma a aumentar os fluxos de energia entre países da Europa de
Sudeste e a Europa Central. "O alargamento da zona síncrona, desde a
Grécia (e mais tarde da Bulgária) até à Turquia criará necessidades
adicionais de reforço das redes nesses países" (Idem, Ibidem: 33). Assim, a
Comissão Europeia recomenda que sejam aumentadas as capacidades de
transferência entre os países da Europa de Sudeste, onde se incluem os
membros da Comunidade de Energia, para a sua integração nos mercados
de eletricidade da Europa Central (Idem, Ibidem). Não é despicient e reiterar

-7-
o interesse da UE pelo corredor meridional, como foi notado pela Comissão
Europeia no texto da "Matriz" acima referida. Este corredor inclui -se,
conjuntamente com os corredores Setentrional, Oriental e Mediterrânico,
no grupo dos quatro grandes eixos para a diversificação dos
aprovisionamentos de gás na Europa identificados pela Comissão Europeia
(idem: 34). "O objetivo do corredor meridional é estabelecer uma ligação
direta entre o mercado do gás da UE e o maior depósito de gás do mundo
(Bacia do Cáspio/Médio Oriente) estimado em 90,6 biliões de metros
cúbicos (a título de comparação, as reservas comprovadas da Rússia são de
44,2 biliões de metros cúbicos)". Com a vantagem, nota o texto, de que as
jazidas de gás estão mais próximas da UE do que os depósitos da Rússia
(Idem, Ibidem: 34-35). Deste modo considera a Turquia o principal Estado
de trânsito. O grande desafio para o sucesso deste corredor é garantir que
todos os elementos estejam disponíveis quando necessário e de forma
satisfatória (matéria--prima, infraestruturas e acordos), o que, até à data,
não será completamente seguro, enquanto permanecerem pressões de
relevantes atores na região, como os EUA, a Rússia e o Irão. No âmbito
deste corredor meridional já se encontram em fase de desenvolvimento
projetos concretos de transporte, como o Nabucco, ITGI (Turquia --Grécia-
Itália), TAP (Grécia-Albânia-Itália) e White Stream, além de outros
propostos em estudo. Considera a Comissão Europeia (Idem: 35) que o
principal desafio para o futuro consistirá em garantir que os países
produtores de gás sejam capazes e estejam dispostos a exportar gás
diretamente para a Europa, o que poderá muitas vezes implicar que tenham
de aceitar elevados riscos políticos ligados à sua situação geopolítica,
especialmente devido à sua proximidade com a Rússia. A Comissão Europeia
considera que deve continuar a mostrar o seu empenhamento em
estabelecer relações a longo prazo com os países produtores de gás nesta
região, em cooperação com os Estados--membros envolvidos no corredor
meridional e reforçar a sua ligação com a UE. Atualmente a Rússia usa os
gasodutos para promover a sua política energética. É o caso do South
Stream, que foi lançado e promovido para tornar redundante o projeto
Nabucco. Nota Mammadov (2009: 87) que o Nabucco só será realizável se o
Cazaquistão e o Turquemenistão aderirem e, para isso, será necessária a
construção de um gasoduto que atravesse o Mar Cáspio de Leste para
Oeste.

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Não deixando de se enfatizar que o país com o melhor trânsito de
hidrocarbonetos do Cáspio para a Europa Comunitária é a Turquia, o que é
verdade é que devido a iniciativas de países como a Alemanha e a França, o
esforço de ligar a Europa às principais fontes de abastecimento tem sido
feito sempre com mais veemência a Norte do que a Sul, reforçando -se
assim a dependência da Rússia em vez de se prosseguir a via d a
diversificação de fontes. Se houver uma genuína vontade de fazer
aproximar a União Europeia das principais jazidas mundiais de
hidrocarbonetos, então a adoção de medidas para reforço das
infraestruturas de transporte e armazenamento de combustível deve
refletir essa vontade. Ora, o que se tem visto, pelo menos no que à Turquia
diz respeito, é que motivos nem sempre muito claros ou pretextos de
argumentação não muito forte têm impedido que o processo de adesão da
Turquia à UE se concretize. O corredor de Sudeste é essencial para a
segurança energética da Europa e se o Irão melhorar as suas relações
políticas e comerciais com a União Europeia, então será incontornável o
interesse de se poder contar com os corredores da Anatólia para garantir,
agora sim, uma verdadeira e sustentada alternativa às rotas de Leste para
Oeste. Na sua tese, Mammadov (2009) faz uma análise muito cristalina da
posição da Europa face ao interesse da Bacia do Cáspio. Claro que essa
análise é a de um académico do Azerbaijão, e portanto, a perspetiva é
centrada nesse país costeiro do Mar Cáspio. O autor chama a atenção de
que já data de 1993 a primeira ligação da UE à região, quando, por forma a
tirar partido da favorável posição geográfica no que concerne ao comércio,
a UE iniciou o projeto TRACECA, Transport Corridor Europe, Caucasus, Asia,
relativo a transportes. O programa seguinte, criado em 1995, denominou -se
INOGATE, Interstate Oil and Gas Transport to Europe. O mandato deste
-9-
programa consiste em apoiar o desenvolvimento da cooperaç ão no campo
energético entre a UE, os Estados costeiros dos mares Negro e Cáspio e os
respetivos países vizinhos. O quadro de cooperação cobre as áreas de gás e
petróleo, eletricidade, energias renováveis e eficiência energética. O
INOGATE também se debruça sobre as estratégias gerais de segurança
energética, tanto dos países parceiros como da UE. A partir de novembro de
2004 e até 2006 teve lugar um processo de alargamento do âmbito das
atividades do INOGATE, a partir de uma conferência de ministros de ene rgia
em Baku a 13 desse mês, referida como a "Iniciativa de Baku". Dois anos
depois, a 30 de novembro de 2006 esta iniciativa culminou com a assinatura
da Declaração Ministerial da Energia de Astana, pela qual o programa
INOGATE teve o seu âmbito alargado e os seus objetivos foram
formalmente adotados por todos os países envolvidos (Mammadov, 2009:
87). O INOGATE continua atualmente a implementar outras orientações.
Presentemente, como acima já referido, a Europa é muito dependente das
importações, tanto de petróleo como de gás, em particular da Rússia, e
tudo faz prever que esta dependência se irá acentuar. O caso do gás é o
mais grave: a Rússia parece poder vir a tornar-se o fornecedor
tendencialmente exclusivo de gás natural para a Europa. Por seu turno, a
empresa russa Gazprom tem orientado muita da sua exportação de gás de
forma a servir as necessidades crescentes dos países da UE, bem como da
Turquia. Se a UE realmente quer ter uma política energética robusta e
coerente, então alguns desideratos do seu "Livro Verde: Estratégia Europeia
para uma Energia Sustentável, Competitiva e Segura", divulgado pela
Comissão Europeia em 2006, deveriam já ter tido resultados palpáveis, o
que, salvo alguns passos titubeantes, até à data não parece ser o caso. O
Livro Verde refere que um primeiro passo deveria consistir em chegar-se a
acordo a nível comunitário sobre quais os objetivos da política energética
externa da UE. Seriam particularmente significativas para a dimensão
externa as vantagens que adviriam de uma abordagem baseada numa
análise estratégica da energia da UE, que por sua vez deveria ser centrada
em alguns grandes objetivos e instrumentos, ou seja, de acordo com o texto
do livro verde: (1) uma política clara de segurança e diversificação do
aprovisionamento energético; (2) depois, no estabelecimento de parcerias
energéticas com países produtores, com países de trânsito e com outros
intervenientes internacionais (o Livro Verde só refere a Rússia, a Noruega, a
Ucrânia, a Bacia do Cáspio, os países mediterrânicos, a OPEP e o Conselho
de Cooperação do Golfo, parecendo haver alguma distração na relevância

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da Turquia para a segurança energética da UE); (3) a promoção do diálogo
com os grandes produtores e fornecedores de energia; (4) o
desenvolvimento de uma comunidade pan-europeia da energia; (5) reagir
eficazmente a situações de crise externa; (6) integrar a energia nas outras
políticas com uma dimensão externa; (7) finalmente, perspetivar a energia
como forma de promover o desenvolvimento. Em resumo, aquando da
promoção dos debates que conduziram em 2003 à aprovação da estratégia
europeia de segurança, foi já nesse momento tratada com relevo a questão
da necessidade de se estabelecerem medidas com vista à segurança
energética da UE, de forma a garantir que não ficaria refém de decisões ou
de acontecimentos que, ocorrendo num fornecedor de hidrocarbonetos
para a Europa, limitassem ou bloqueassem as fontes de energia de que a
Europa tanto carece. O estabelecimento de uma política energética
europeia em 2007 veio materializar a linha de ação que conduziria ao
reforço dessa segurança energética. A principal ação preconizada era uma
diversificação das fontes, que já se faz, contudo em percentagens pouco
relevantes. A aposta na aproximação aos produtos do Médio Oriente e com
origem especialmente no Mar Cáspio parece constituir a mais segura forma
de diversificar essas fontes, fomentando assim a segurança energética.
Contudo, movimentos individuais de alguns Estados -membros tendem a
fragilizar essa via. A Alemanha, por exemplo, com a sua relação privilegiada
com a Rússia, promovendo o reforço do reabastecimento a Norte através de
contratos bilaterais, não parece muito interessada em que a diversificação
das fontes — e portanto, o reforço de segurança energética da UE — se
concretize. E sem a vontade da Alemanha, a rota energética do Sudeste que
evite a Rússia nunca será uma realidade. Adicionalmente deverá fazer a
Turquia repensar os seus esforços, que têm sido legítimos e transparentes,
para trabalhar no sentido de incrementar a segurança energética da UE,
clube de que quer ainda ser membro, e para o qual a sua adesão traria
grandes benefícios na vertente energética, como se tentará demonstrar
adiante.
(…)

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