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Guia avançado de

calagem, gessagem
e fosfatagem na prática

2023
PARTE 01

CALAGEM
O que é calagem?
A calagem é uma prática agrícola que consiste
na aplicação de corretivos ao solo para
neutralizar a acidez (elevar o pH do solo),
reduzir a disponibilidade de elementos tóxicos
(como alumínio e manganês) e disponibilizar
cálcio e magnésio às plantas.

A redução da acidez, consequentemente,


aumenta a disponibilidade e o aproveitamento
de nutrientes pelas plantas.
O que causa a acidez do solo?
ACIDEZ NATURAL
Os solos brasileiros são naturalmente ácidos, com pH em torno de 4,3 e 5,3, devido ao
processo de formação dos solos.

O clima tropical apresenta altas precipitações, responsáveis pela remoção dos cátions de
caráter básico do complexo de troca, como Ca2+, Mg2+, K+ e Na+, e o consequente acúmulo
de cátions de natureza ácida, como H+ e Al3+. Além disso, o material de origem não
possui minerais primários e secundários capazes de repor essas bases, e as elevadas
temperaturas favorecem a ação dos agentes microbiológicos. Com isso, há predominância dos
íons H+ e Al3+, responsáveis pela acidificação dos solos.
O que causa a acidez do solo?
PRÁTICAS AGRÍCOLAS

Em solos cultivados, a acidez pode ser acentuada pela absorção de cátions básicos
exportados com a colheita. A erosão, favorecida pelo manejo inadequado do solo, pode
expor horizontes subsuperficiais, que são, em geral, mais ácidos. O uso de fertilizantes
amoniacais contribui para a acidificação devido a nitrificação do amônio. A oxidação da
matéria orgânica e do enxofre também desempenha papel importante na acidificação. Por
esse motivo mesmo os solos agrícolas corrigidos e bem manejados precisam receber calcário
periodicamente.
Processos que causam a acidificação dos solos
A acidificação dos solos é causada principalmente por dois processos: a produção de íons H + e a
lixiviação de cátions básicos pela percolação da água. Com a acidificação do solo há redução
dos cátions de interesse como Ca2+; K+; Mg2+ e NH4+ e predominância de H+ e Al3+ na CTC do solo.

Veja na sequência quais são


os principais processos res-
ponsáveis pela geração de
íons H + e como
eles ocorrem.

pH (KCl) =6,5 pH (KCl) =5,3 pH (KCl) =3,5


1) Intemperismo
das rochas
devido à chuva
Quando o CO 2 do ar se dissolve em água
forma o ácido carbônico, que na
sequência se dissocia liberando íons H+.
O metabolismo dos microrganismos no
solo adiciona mais CO2, fazendo com que a
equação abaixo tenda para a direita,
conferindo mais acidez ao solo.

CO 2 +H 2O H2CO3 HCO3- +H +
2) Hidrólise do alumínio
Em condições de acidez há maior intemperismo dos minerais
de argila, o que promove aumento do Al3+ na solução do solo,
liberando mais H+ à solução.

Al3+ +3H 2O Al(OH)3 + 3 H +


3) Decomposição da
Matéria Orgânica do solo
O acúmulo de MOS tende a acidificar o solo por duas razões.
Primeiro: a matéria orgânica forma complexos solúveis com cátions básicos
(como Ca e Mg), facilitando sua perda por lixiviação.

Segundo: a matéria orgânica contém diversos grupos


ácidos funcionais (grupos fenólicos e carboxílicos)que
por dissociação, podem liberar íons H+.

R-OH +H 2O R-O -+ H 3O +

R-COOH +H 2O R-COO - + H 3O +
4) Hidrólise de Cátions (lixiviação)
Íons H+ e Al3+ presentes na solução do solo em grande concentração quando o solo está ácido,
deslocam os cátions básicos do complexo de troca para a solução do solo. Estes são facilmente
arrastados pela água da chuva para camadas profundas onde não mais aproveitados pelas
raízes das plantas.
5) Nitrificação do amônio

A utilização de fertilizantes nitrogenados e a decomposição da matéria orgânica


fornecem amônio ao solo. Esse amônio é nitrificado por microrganismos nitrificadores
(bactérias Nitrossomonas e Nitrobacter) produzindo nitrato, (que representa 99% do N
mineral no solo) e liberando dois íons H+, processo denominado nitrificação.

NH 4 ++2O 2 NO 2- + 2 H + 2NO 2- +O 2 2NO 3-


6) Oxidação de enxofre
O enxofre liberado pela matéria orgânica ou adicionado ao solo na form a
de enxofre elementar é oxidado por microrganismos do solo, liberando H+.

2-
Sorgânico ou So H 2 S + O2 H2SO4 2 H + + SO4
Ciclo do enxofre no solo

Lixiviação

Condições aeróbicas Condições anaeróbicas


7) Absorção de cátions pelas plantas
As plantas precisam manter o balanço de cargas positivas e negativas dos íons absorvidos da
solução do solo. Para manter esse balanço, quando as plantas absorvem uma carga positiva
de um cátion, a raiz pode liberar íons H+ à solução.

Interior
da raiz NH4+
H+ Absorção de cátions balanceados
pela liberação de H+ das raízes.

Ca2+
2H+
Acidez e o poder tampão do solo
Os solos têm comportamento semelhante ao dos ácidos fracos, pois
apresentam constante de ionização muito baixa. Isso indica que uma
quantidade muito pequena de H+ ionizado na solução do solo está em
equilíbrio com grande quantidade de H0 adsorvido na fase sólida (matéria
orgânica e argilas). Assim, quando se adiciona OH- neutralizando H+ da
solução do solo, a fase sólida libera H+, repondo-o na solução de forma a
restaurar o equilíbrio, caracterizando a resistência à mudança de pH,
denominada de poder tampão do solo.
Você sabia?
Um solo com pH 4,0 precisa de apenas 2,5 kg de calcário para
neutralizar a sua acidez ativa (pH). Contudo, devido ao poder tampão do
solo, essa necessidade de calagem é da ordem de toneladas por
hectare.

Quanto maior o poder tampão do solo, maior será a necessidade de


calagem, por isso solos argilosos demandam maior quantidade de
corretivos comparado a solos arenosos.
A acidez do solo pode ser dividida em:
acidez ativa, trocável, não
trocável e potencial.

As de maior importância para o


manejo agrícola são a acidez ativa
e a acidez potencial.
Acidez ativa
É a acidez causada pelos íons H+ dissolvidos na solução
do solo. É medida em laboratório por meio do seu pH,
determinando-se a atividade de H+ em uma suspensão
de solo com água ou com soluções salinas.

pH = -log [H + ]

Se a [H+] for 0,0001 mol. L-1, o pH do solo será igual a 4;


Se a [H+] for 0,00001 mol. L-1, o pH do solo será igual a 5.
Embora o pH seja um
compartimento pequeno, é
extremamente importante,
pois determina a disponibilidade
dos nutrientes para as plantas e
abastece o ambiente “solução do
solo” ao qual as plantas e
microorganismos estão expostos.
Nutrientes na
solução do solo

Acidez potencial
Representa a soma total de H + e Al3+
presente na solução do solo e no
complexo de troca (CTC).

Normalmente é expressa em
termos de H+Al,em mmolc.dm -3 e
obtida em laboratório por meio de Nutrientes absorvidos na
soluções tamponadas,como o argila e matéria orgânica
acetato de cálcio 0,5 mol L-1, em pH 7.
Corretivos de acidez
Para se elevar o pH do solo são utilizados materiais alcalinos proveniente de bases
oriundas de ácidos fracos, como carbonato (CO2-), óxido (O2-) hidróxido (OH-) e
silicatos (SiO32-). Mais frequentemente, essas bases são fornecidas em formas que
contêm cálcio ou magnésio e são chamadas de calcários agrícolas.

Essas bases conjugadas são capazes de consumir íons H+ para formar ácido fraco.

CO 2 - + 2 H + CO2 + H2O
Ca O + H2O Ca(OH) 2 Ca 2 + + 2 O H -
O H - + H+ H2O
3 O H - + Al 3+ Al(OH) 3
Métodos para determinação da
necessidade de calagem
Valor de
Região Método Indicador referência Dose (t ha-1)

MG, ES e Neutralização do Al
parte do e/ou elevação dos Teor de Al e Ca +
teores de Ca e Mg Mg trocável Al > 0 Ca + Mg < 2 NC = (Y*Al)+ [X − (Ca + Mg)]
Nordeste

SC e RS Solução tampão SMP pH em água 5,5; 6,0 ou 6,5 Tabela doíndiceSPM

SP, PR e Saturação por Saturação de


NC = (V2 - V1) * CTC /
Cerrados bases Bases (V%) 50 a 70 %
PRNT

Tabela 1. Métodos de recomendação de calagem em sistema convencional praticados em regiões brasileiras com base nas análises químicas do solo.
1. Neutralização do Al e/ou elevação
dos teores de cálcio e magnésio
Neste método, o cálculo da necessidade de calagem considera ao mesmo tempo o
poder tampão do solo (Y) e a exigências das culturas por Ca e Mg (X).

NC (t ha−1) = (Y*Al) + [X − (Ca + Mg)]

Textura do solo Teor de Argila (%) Y O valor de Y é definido de acordo


com a textura do solo:
Arenosa 0 a 15 0a1
Média 15 a 35 1a2 Por fim, X é um valor variável em
função dos requerimentos de Ca e
Argilosa 35 a 60 2a3 de Mg pelas culturas e seus valores
variam de 1,0 a 3,0. Para cereais e
Muito argilosa 60 a 100 3a4 leguminosas o valor de X é igual a 2,0
2. Método do tampão SMP
Este método baseia-se na medida do decréscimo do pH do meio após mistura
do solo com uma solução tampão (usualmente tampão SMP, a pH 7,5).

É simples de ser executado em laboratório. Obtém-se o valor de pH do solo


analisado (após equilíbrio com a solução tampão SMP) e, por meio dos dados
das tabelas, obtém-se a necessidade de calcário para elevar o pH do solo ao
nível desejado. A calibração do método é feita correlacionando o pH SMP de
uma série de solos representativos com a necessidade de calcário obtido pela
incubação com níveis crescentes de CaCO3. Esse método é o padrão adotado nos
Estados de SC e RS.
Quantidades de
calcário (PRNT 100%)
necessárias para
elevar o pH em água
do solo da camada de
0 a 20 cm, a 5,5, 6,0 e
6,5, estimadas pelo
índice SMP.
3. Método de saturação de bases
O método utiliza a correlação positiva existente entre pH e a porcentagem de
saturação por bases do solo (V%).

NC= Necessidade de Calagem (t ha-1) para a camada 0-20 cm;


V1= Saturação por bases atual do solo; V1= (SB/CTC) x 100;
V2= Saturação por bases mais adequada para algumas culturas (verificado em tabela específica);
CTC= Capacidade de Troca Catiônica Potencial, em cmolc.dm-3; (se utilizar a unidade em mmolc.dm-3 multiplicar o
PRNT por 10);
PRNT= Poder Relativo de Neutralização Total do corretivo, em %.
O que é o PRNT do calcário?
O PRNT é a sigla para Poder Relativo de Neutralização Total, um indicativo de
qualidade dos corretivos agrícolas, e expressa o potencial de neutralização da
acidez pelo corretivo no período de 3 meses.

PRNT = (PN ⋅ RE)/100


PN = Poder de Neutralização. Avalia o potencial químico do corretivo em neutralizar a
acidez do solo. É expresso em equivalente de Carbonato de Cálcio (que é tomado como
padrão para comparação com outros materiais corretivos). O valor expressa a
quantidade de ácido que será neutralizada pelo produto.

RE = Reatividade. Está ligada ao tamanho das partículas do corretivo. Quanto mais fino
for o calcário melhor será sua reatividade. O valor em si expressa a porcentagem do
calcário que irá reagir no solo em 3 meses.
Você deve estar se perguntando:

mas calcário não é tudo igual?

A resposta é: Não!
Quanto maior o PRNT, maior será a sua capacidade
de neutralizar a acidez dos solos, e, portanto, menor
será a dose aplicada na lavoura.

Além disso é importante observar a


relação Ca:Mg do solo para escolher o
qual calcário é o melhor para a sua
condição. Uma relação comumente
recomendada é de 3:1 a 4:1. A escolha do
corretivo com maior teor de Ca ou Mg
deve ser baseada nas condição do solo
que será corrigido.
Calcário e o frete
Dentre os principais fatores
econômicos que influenciam na
prática da calagem está o custo do
transporte. Em muitas regiões o frete
é mais caro que o próprio calcário.

Um cálculo simples pode ajudar na


escolha do produto:
FC = (PC + PF) / PRNT
Onde:
FC = fórmula para comprar calcário;
PC = preço do calcário;
PF = preço do frete;
PRNT = poder relativo de neutralização total.
O tipo de solo deve ser levado em consideração no momento da
recomendação das doses de aplicação de calcário.

Solos com maior teor de argila, óxidos ou com teores maiores de matéria
orgânica apresentam maior poder tampão que os solos arenosos, por isso
precisam de uma maior dose de corretivos.
Quando Como
aplicar? aplicar?
Os corretivos devem ser
Como a reação do calcário aplicados de modo uniforme
no solo é lenta recomenda- na superfície (em área total) e,
se que sua aplicação seja dependendo do sistema de
realizada no mínimo com 3 cultivo, ser incorporados ao
meses de antecedência do solo, de modo que haja grande
plantio. Lembrando que a contato entre o calcário e as
água é essencial para que partículas do solo, o que
haja a reação do calcário no facilita a ação dele.
solo. Sem água não haverá
a correção da acidez!
Em sistemas de plantio direto ou sistemas de cultivo
de cana crua, por exemplo, não devem ser

aplicadas doses muito altas de calcário, pois não


haverá incorporação dele no solo, que ficará
superficial sobre a palhada ou resíduo cultural.

No caso da cana, o mais adequado é realizar um bom


preparo de solo na reforma do canavial, de modo que
não haja necessidade de aplicação de calcário nas
soqueiras. Contudo, muitas vezes isso não ocorre, ou
os ciclos de soqueiras são tantos, que o solo já não
tem a capacidade de manter o solo tamponado e
torna-se ácido. Assim, a calagem é uma prática que
vem sendo utilizada em soqueiras de cana.
Com que frequência devo
realizar a correção do solo?
A correção do solo deve ser realizada periodicamente, pois como vimos a
acidificação do solo é um processo que ocorre continuamente. O intervalo de
tempo irá depender do tipo de solo. Solos arenosos tendem a necessitar de
calagem em menores intervalo de tempo comparado à solos argilosos, devido à
sua menor CTC.

A amostragem de solo é uma importante ferramenta que auxilia nessa


tomada de decisão e por isso é importante realizar anualmente, ou no menor
período de tempo possível.
PARTE 02

GESSAGEM
O que é gessagem?
A gessagem consiste na aplicação de gesso agrícola ao
solo. O sulfato de cálcio (CaSO4) ou gesso agrícola é um
subproduto da indústria de fertilizantes fosfatados. Outra
fonte pode ser o gesso mineral, obtido a partir da moagem
da gipsita.

Além de fornecer cálcio (mínimo de 16%) e enxofre


(mínimo de 13%) ao solo, possui a capacidade de corrigir os
teores de alumínio, principalmente em subsuperfície,
devido a elevada mobilidade do íon sulfato no solo. Sua
solubilidade é cerca de 150 vezes superior à do calcário, o
que permite que ele seja aplicado superficialmente ao solo.
O principal benefício do gesso é o favorecimento do crescimento
do sistema radicular, aumentando a eficiência de uso de
águas e nutrientes pelas plantas.

Média aproximada de distribuição dos sistemas radiculares das plantas com e sem aplicação do gesso agrícola.
Desenvolvimento de raízes de algodão no perfil do solo na ausência e na presença de gesso.

Fonte: Embrapa Cerrados


A resposta das culturas à aplicação de
gesso é diferente para gramíneas e
leguminosas e é dependente de
O gesso é condições ambientais e químicas do
solo.
efetivo para
todas as O milho e cereais de inverno como trigo,
cevada e aveia preta apresentam
culturas e aumento de produtividade quando
recebem aplicação de gesso para corrigir
condições? a alta acidez subsuperficial do solo,
independente das condições hídricas. Por
outro lado, a soja é menos responsiva a
gessagem e a prática só é benéfica na
ocorrência simultânea de elevada acidez
subsuperficial do solo e de deficiência
hídrica.
Figura 1. Resposta à gessagem, traduzida em aumento de produtividade, encontrada em 73
experimentos realizados sob plantio direto na região Sul do Brasil. Alta acidez subsuperficial significa
saturação de Al >10%e/ou teor de Ca trocável <3,0 cmolc.dm-3 (adaptado de TIECHER et al.,2017).
Você sabia que a gessagem
pode ser prejudicial?
O uso indiscriminado e sem critério de gesso pode acarretar problema
ao agricultor. Gesso aplicado em solos com condições de baixa acidez
subsuperficial (saturação de Al <10 %) e adequado teor de Ca trocável
(>3,0 cmolc.dm-3) podem diminuir o rendimento das culturas quando
aplicados em taxas muito altas (6-15 ton ha-1), provavelmente por
induzir a deficiência de K e Mg.
Como definir a dose de
gesso a ser aplicada?
A dose de gesso a ser aplicada ou necessidade de gesso (NG)
depende do teor de argila do solo e na cultura.

Para culturas anuais: NG (kg ha−1) = 50 x % argila

Para culturas perenes: NG (kg ha−1) = 75 x % argila


Recomendação de gesso agrícola para
o cerrado brasileiro de acordo com a
classe textural do solo e a cultura.

Fonte: Embrapa (Boletim Técnico 32).


Dose de gesso agrícola
Textura do solo Culturas anuais Culturas perenes
kg ha -1
Arenosa (≤ 15% de argila) 700 1.000
Média (16 a 34% de argila) 1.200 1.800
Argilosa (35 a 60% de argila) 2.200 3.300
Muito argilosa (> 60% de argila) 3.200 4.800
Diferenças entre
calagem e gessagem
Ambos os manejos neutralizam o alumínio tóxico presente no solo. Apesar disso, a calagem e a
gessagem apresentam diferenças importantes que direcionam sua utilização.

Calagem Gessagem
Diminui a acidez do solo (aumenta o pH) Não corrige o pH do solo

Fornece Ca e Mg Fornece Ca e S

Age na camada superficial do solo (0-20 cm) Age em subsuperfície (>20 cm)

Elimina acidez, aumenta retenção de cátions


Melhora o crescimento radicular
de interesse na CTC do solo e melhora a
em profundidade
disponibilidade de nutrientes às plantas
Considerações finais
As práticas de calagem e gessagem são essenciais para que o
sistema produtivo expresse seu máximo potencial. Afinal, de nada
adianta utilizar as melhores sementes, os fertilizantes com as melhores
tecnologias do mercado sem fazer o "arroz com feijão" bem-feito.

A correção do solo é o primeiro passo que deve ser dado visando


produtividade, lucro e sustentabilidade ambiental.
PARTE 03

FOSFATAGEM
O que é
fosfatagem?
A fosfatagem é uma prática que busca
elevar os níveis de fósforo (P) no solo,
principalmente com o uso de fertilizantes
de baixa solubilidade, e aumentar a
eficiência da adubação fosfatada, realizada
com fertilizantes solúveis, por meio da
saturação dos sítios de adsorção de fósforo.
Reações do fósforo (P) no solo
Mesmo sendo o macronutriente geralmente requerido em menores
quantidades pelas plantas, a complementação de P via adubação é
indispensável para a obtenção de boas produtividades. Isso porque os teores
de P nos solos brasileiros são naturalmente baixos devido aos processos de
intemperização, que são intensificados pelo clima tropical do país.

No entanto, a adubação fosfatada é u m caso interessante,


porque vai muito além do simples fornecimento do P 2 O 5
que é extraído e/ou exportado pelas culturas, e m
consequência das reações do fósforo do solo.

Conteúdo Agroadvance
Frações de P no solo
Embora o teor total de P nos solos seja entre 200 e 3.000 mg kg-1, menos de 0,1%
deste total costuma-se encontrar disponível para a absorção pelas plantas.

Em solos agrícolas, os teores de P disponível na solução do solo,


com frequência, encontram-se entre 0,002 e 2 m g L-1.

Essa discrepância entre o teor de P total e o disponível ocorre devido às interações


deste elemento com o solo, que faz com que o P seja encontrado de diferentes
maneiras, conhecidas como P-não lábil, P-lábil e P-solução.
Figura 1. Formas de fósforo no sistema solo-planta; interdependências e equilíbrios.
Fonte: Adaptado de Novaes et al. (2007).
P-solução
É o P presente na solução do solo que está prontamente disponível para absorção pelas
raízes. Na figura 1, o P-solução encontra-se dentro de uma caixa menor, representando a
menor fração do P total contida no solo.

P-lábil
Consiste em uma fração de P que não está prontamente disponível para
absorção, mas que mantém uma relação de equilíbrio com a solução,
disponibilizando P à medida em que ele é absorvido.

P-não lábil
Consiste na fração de P que está irreversivelmente fixada às partículas do solo. Na figura 1, o P-não
lábil encontra-se em uma caixa maior, pois representa a maior parte do P total contida no solo.
No sistema de vasos comunicantes,
observamos que a relação de equilíbrio
O estoque de P-lábil abastece a solução
entre o P -lábil e o P -solução é governada
do solo à medida em que o P é retirado do
pelo fator capacidade,o qual consiste na
meio, seja por perdas (fixação) ou pela
resistência do solo a mudanças na
absorção radicular. A relação entre a
concentração de P na solução.
quantidade de P-lábil e P-solução costuma
ser bem grande, em latossolos, por
exemplo, a fração de P-lábil é 20 mil vezes
maior que a concentração do P-solução,
no entanto, esta relação tende a diminuir à
medida que se diminui a fração argila do
solo (solos mais arenosos).

Figura 2.Representação esquemática da relação de equilíbrio entre o P-lábil e


o P -solução. Fonte:Adaptado de Novaes et al.(2007).
Nesse contexto, pode-se dizer que:

Quanto maior o teor de argila de um


solo, maior será a sua retenção de fósforo na fração
lábil, e menor será sua concentração relativa em
solução.

Este comportamento caracteriza uma espécie de poder


tampão à adubação fosfatada,mas enquanto este fósforo
permanecer na fração lábil, ele será gradualmente
disponibilizado na solução e utilizado pelas plantas.

O grande problema está na formação do P-não lábil.


Como o P se torna não lábil?
Precipitação
O P em solução pode precipitar junto com outros íons. Em solos ácidos, a
precipitação ocorre com as formas iônicas de Fe e Al, enquanto em solos neutros
ou calcários,a precipitação ocorre por meio de ligações com o Ca2+:
Fixação
O P torna-se não lábil a partir da sua fixação nos coloides de argila compostos por
oxidróxidos de ferro e alumínio. São vários os tipos de argila, mas os oxidróxidos de
ferro e alumínio são predominantes nos solos brasileiros, pois tratam-se dos tipos
de argila do mais alto grau de intemperização, e o clima tropical do nosso país
contribui para a sua formação.

Figura 3.Esquema representativo da adsorção do P por meio de ligações mono e bidentadas


(binucleadas), proporcionando a formação de fósforo não lábil no solo. Fonte: Novais et al. (2007).
A fixação que transforma o P em não lábil é a
grande razão pela baixa eficiência da adubação
fosfatada. É este fenômeno que faz com que as
quantidades de P aplicadas sejam muito maiores
do que a real necessidade da planta.

POR ISSO A IMPORTÂNCIA


DA FOSFATAGEM!
"Pagar pedágio para o solo”.
Qual a diferença
em relação à adubação
fosfatada?
A adubação fosfatada visa fornecer
fósforo para as plantas, a fosfatagem
fornece fósforo para o solo, por isso, é
um tipo de prática corretiva.

"Pagar pedágio para o solo"

Nesta prática, o P é distribuído em área


total e incorporado superficialmente
(10 a 20 cm), geralmente com grade
niveladora. A fosfatagem deve ser feita
após a calagem, pois o P é menos
fixado em condições de acidez Figura 4. Picos e vales da fixação de P em função do pH do solo.
Fonte:Adaptado de Price (2006).
corrigida.
Quais são as fontes
mais adequadas?
Para reconhecer a fonte adequada, primeiro é necessário
saber que há diferentes extratores que determinam a
concentração de P2O5 em um fertilizante.

Geralmente, os fertilizantes fosfatados utilizados para adubação das plantas contêm a maior
parte do seu fósforo solúvel em (1) água, como é o caso, por exemplo, do fosfato monoamônio
(MAP), fosfato diamônio (DAP), superfosfato simples e superfosfato triplo.
Nessas fontes, o P é facilmente solubilizado e prontamente disponibilizado
para absorção pelas plantas. Outros tipos de extratores são:

• Citrato neutro de amônio + água (CNA + H2O);


• Ácido cítrico (HCl);
• Ácido fórmico.

Esses extratores tentam representar condições análogas à rizosfera,


onde há exsudação de compostos e ácidos orgânicos que modificam as
características do meio em torno das raízes.
Tipos de fosfatos naturais:
São conhecidos por fosfatos naturais as rochas fosfáticas. Os fosfatos de origem ígnea e metamórfica
são muito pouco reativos, pois possuem estrutura cristalina compacta, e pequena área de superfície
específica. Já os fosfatos de origem sedimentar apresentam estrutura microcristalina pobremente
consolidada, com grande superfície específica, características que fazem eles serem mais reativos.

Os tipos de fosfatos naturais encontrados no mercado são definidos, segundo a legislação, como:

Fosfatos naturais (FN): Fosfato naturais reativos (FNR): Obtidos por meio da
Obtidos por meio de moagem e extração e moagem de fosforitas e, opcionalmente,
peneiramento de apatitas. beneficiamento por meio do processo de
Garantias: 5% P2O5 total, sendo homogeneização hidropneumática ou flotação.
15% do teor total solúvel em Garantias: 12% P2O5 total, sendo 30% do teor total

ácido cítrico a 2%. solúvel em ácido cítrico a 2%.


Fontes recomendadas
Para a adequada utilização dos fosfatos naturais, é necessário saber sua
origem e solubilidade. Os fosfatosnaturais reativos (fosforitas) podem ser
utilizados in natura para a prática da fosfatagem. Já os fosfatos de origem
ígnea (apatitas) ou metamórfica não são indicados em sua forma natural
devido à sua baixa reatividade, mas eles podem passar por tratamentos
químicos ou térmicos que os tornam fontes adequadas para esta prática.
Há no mercado dois tipos de fontes derivadas do tratamento de fosfatos naturais que são indicadas
para a fosfatagem. São eles o termofosfato magnesiano e o fosfato precipitado, os quais são
definidos, segundo a legislação, como:

Termofosfato magnesiano (TFM): Obtido por meio do tratamento térmico da rocha


fosfática, concentrado apatítico ou outras fontes de fósforo com adição de compostos calcíticos,
magnesianos e silícicos.
Garantias: 17% P2O5, sendo 11% solúvel em ácido cítrico a 2%.

Fosfato precipitado (FP): Obtido por meio de secagem, moagem e peneiramento do


material resultante do tratamento de efluentes da solubilização de rochas fosfáticas por via
x
ácida, pela adição de óxido de cálcio e carbonato de cálcio e magnésio.
Garantias: 7% P2O5, com teor de P2O5 mínimo de 3% solúvel em CNA + H2O.
Fontes de P2O5 recomendadas para fosfatagem

Fonte: Vitti e Sgarbiero (2021)


Recomendações da Fosfatagem
Alguns técnicos não defendem a prática de fosfatagem em solos argilosos devido ao seu elevado poder
de fixação, característica que faz com que as doses necessárias de P2O5 sejam muito altas.
Recomendação de adubação fosfatada corretiva segundo Sousa et al. (2006), que leva em consideração
a capacidade tampão de fósforo em solos com até 70% de argila, sendo:

Dose de P2O5 (kg ha-1) = (Nível crítico de P no solo – teor atual de P no solo) x CT

CT é a capacidade tampão de fósforo (= dose de P2O5 a ser aplicada ao solo para elevar em 1
mg dm-3 o teor de P no solo determinado pelos extratores Mehlich 1 e resina, com base na
análise da camada de 0 a 20 cm). Como a própria equação sugere, solos com teor de P acima
do nível crítico não necessitam de fosfatagem.
Exemplo prático:
Solo com 35% de argila e teor de P (resina) de 8 mg dm-3:

Dose de P2O5 (kg ha-1) = (15 – 8) x 10


Dose de P2O5 (kg ha-1) = 70 kg ha-1 de P2O5.
Deve-se considerar o teor de P2O5 total para calcular a
quantidade a ser aplicada da fonte escolhida.
Assimilação do
fósforo pelas plantas
O fosfato (HPO42-) na solução do solo é absorvido pelas raízes
das plantas mediante um transportador simporte (H+-HPO42-) e
incorporado em uma variedade de compostos orgânicos
como nucleotídeos, fosfolipídios e açúcares-fosfatos.

Figura 5.Esquema de um nucleotídeo.


Figura 6.Fosfolipídio de membrana.
Retirado de: https://pt.khanacademy.org/science/9-
Retirado de: https://pt.khanacademy.org/science/ap-biology/cell-structure-
ano/vida-e-evolucao-genetica/os-acidos-
and-function/plasma-membranes/a/structure-of-the-plasma-membrane.
nucleicos/a/nucleic-acids.
Acessado em 07/06/2022.
Acessado em 07/06/2022.
A primeira etapa de assimilação
do fosfato ocorre durante a
formação do ATP, a principal
molécula energética da célula.

Durante esse processo,


o fosfato inorgânico, é
adicionado ao segundo grupo
fosfato da adenosina
bifosfato.

Figura 7. O ciclo de síntese e degradação de ATP: 1 e 2


representam a saída e a entrada de energia, respectivamente.

Fonte: Wikipedia

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Na mitocôndria, a energia para síntese de ATP é proveniente
da fosforilação oxidativa, quando ocorre a oxidação do NADH.
Já no cloroplasto, a produção de ATP se dá na fase
fotoquímica da fotossíntese.

Além dessas reações em organelas, a glicólise, que ocorre no


citosol, também assimila fosfato. A glicólise incorpora o
fosfato inorgânico no ácido 1,3-difosfoglicérico. Em uma
fosforilação em nível de substrato, o fosfato é doado ao ADP
para formar ATP. Uma vez incorporado ao ATP, o grupo
fosfato pode ser transferido para diversas moléculas.

https://pt.khanacademy.org/science/ap-biology/cell-structure-and-function/cell-compartmentalization-and-its-origins/a/chloroplasts-and-mitochondria
Sintomas de
deficiência de fósforo
Um fornecimento de fósforo abaixo do necessário
para as plantas pode resultar em sintomas como
crescimento reduzido em plantas jovens, e uma
coloração verde- escura das folhas, que podem
estar mal formadas e conter partes com tecido
morto.

Algumas espécies podem ter as folhas assumindo


uma coloração arroxeada, devido a produção de
antocianinas em excesso.

Outros sintomas da deficiência de fósforo são a


morte de folhas mais velhas, retardo na
maturação da planta e produção de caules
delgados.

Figura 8. Sintomas de deficiência de fósforo em tomate (Epstein e Bloom, 2004).


Retirado de http://6e.plantphys.net/topic05.01.html, acessado em 07/06/2022.
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Figura 9.Planta de milho com deficiência de fósforo. Imagem: AgroPós
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Considerações finais
O fósforo é um dos elementos que mais limitam a produtividade agrícola devido à sua baixa
disponibilidade na solução dos solos brasileiros, e a fosfatagem é uma prática que pode auxiliar a
superar este problema.

Sabemos que o P2O5 é um recurso natural e finito, sendo que há alguns prognósticos de que as
jazidas em exploração podem se esgotar em algumas centenas de anos, por isso, este nutriente
deve ser utilizado com muita sabedoria.

Nesse sentido, pesquisas e técnicas que busquem aumentar a eficiência dos fertilizantes
fosfatados são cada vez mais necessárias! A demanda é por uma agricultura mais eficiente, por
meio de aplicação de mais conhecimento por hectare!

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