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Matéria orgânica no solo

Carlos Henrique Britto de Assis Prado


Universidade Federal de São Carlos
Departamento de Botânica

A formação do húmus

A matéria orgânica perde completamente a sua estrutura original após ser degradada

pela atividade física, química e pela ação bioquímica de bactérias e fungos no solo. O

material formado é uma massa escura sem nenhum vestígio de organização celular e

quimicamente mais estável denominada de húmus. O termo húmus é genérico e inclui várias

substâncias em três distintas frações, cada uma com diferentes características químicas

possíveis de serem separadas após solubilização em meio alcalino e/ou ácido. As três

frações das substâncias húmicas são a humina, o ácido húmico e o ácido fúlvico (Tabela 1).

A complexa estrutura das substâncias húmicas é mais difícil de ser degradada que o

material orgânico de origem. As substâncias que compõem o húmus persistem, pois são de

difícil degradação enzimática, interagem com argilas minerais dificultando o acesso de

bactérias e fungos e eventualmente são depositadas em regiões no solo com reduzida

pressão parcial de O2. As substâncias húmicas são polímeros resultantes da ação de

organismos e diferem de biopolímeros como açúcares e proteínas pela distinta estrutura

molecular e longa persistência no solo.

Substâncias húmicas são formadas por anéis de benzeno (cadeias de carbono

fechada na forma de anéis aromáticos) ligados diretamente entre si ou por meio de átomos

de N, C ou O. O tamanho das substâncias húmicas (entre 3-10 10-6) mm está em função do

grau de polimerização. Cadeias abertas de açúcares e peptídeos podem estar ligadas ao

polímero de benzeno, por meio de átomos de oxigênio e nitrogênio, respectivamente. As


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substâncias húmicas apresentam estruturas químicas muito diversas, pois não há uma

regularidade (repetição) no arranjo dos anéis de benzeno e nem na posição das cadeias

abertas ligadas a eles.

A formação bioquímica do húmus no solo ainda não é compreendida totalmente, mas

envolve 4 processos básicos:

1) decomposição da biomassa em compostos orgânicos mais simples, incluindo a

decomposição da lignina, um biopolímero componente da parede celular e difícil de ser

degradado.

2) utilização dos compostos simplificados e formação de fenóis.

3) incorporação do C, H, N e do O da matéria orgânica na biomassa de fungos e bactérias

(principais decompositores da matéria orgânica).

4) polimerização mediada por decompositores. Os principais compostos formados são

convertidos a uma classe reativa de compostos contendo anéis de benzeno oxigenados, as

quinonas, que são facilmente polimerizados dando origem ao húmus.


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Tabela 1 – Substâncias húmicas constituintes do húmus e separadas em três grupos

conforme a solubilidade em solução alcalina e/ou ácida. Os valores para humina são médias

e os números entre parênteses para o ácido fúlvico e húmico são valores máximos. A massa

molecular e os conteúdos de carbono e nitrogênio diminuem da humina em direção ao ácido

fúlvico, enquanto que a capacidade de troca de cátions e o conteúdo de oxigênio aumentam.

Modificado de Oades (1989) e Sposito (1989).

Substâncias húmicas separadas por meio de solução básica e


remoção de cátions polivalentes

Características Humina Ácido húmico Ácido fúlvico


químicas (Insolúvel em (solúvel em (solúvel em álcalis
álcalis ou em álcalis, insolúvel e em ácido)
ácido*) em ácido)

Massa molecular 1.000.000** 10.000-100.000 <2000

Capacidade de 100** 300-670 (1120)


troca catiônica
(cmolc kg-1)

Conteúdo de 340 320-385 (440) 390-500 (510)


oxigênio (g kg-1)

Conteúdo de 550 530-570 (620) 407-430 (506)


carbono (g kg-1)

Conteúdo de 46 8-55 9-33


nitrogênio (g kg-1)

Conteúdo de 55 30-65 38-70


-1
hidrogênio (g kg )
* Solução aquosa de HCl com valor de pH entre 2 e 1
** Valores ainda incertos, pois são compostos menos estudados.
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Troca de cátions e retenção de água pelo húmus

As substâncias húmicas apresentam grande exposição no ambiente molecular que se

encontram, ou seja, alto valor da razão superfície/volume (superfície específica). Portanto,

substâncias húmicas oferecem elevado potencial para efetuar troca de cátions,

principalmente por meio de grupos funcionais ácidos. As pequenas partículas de substâncias

húmicas trabalham como colóides. Colóide é um material inorgânico ou orgânico de reduzido

tamanho (<10-3 mm), e como conseqüência apresenta elevado valor de superfície específica

e dificilmente decanta devido ao choque das moléculas de água que constantemente

movimentam essas partículas na solução aquosa. Nos colóides húmicos os grupos

carboxílico (-COOH) e fenólico ( OH) facilmente perdem o hidrogênio, comportando-se

como ácidos orgânicos relativamente fortes e disponibilizando cargas negativas (-COO- e

O-, respectivamente) capazes de adsorver cátions como Ca2+, K+, Mg2+, ou receber H+

novamente. Os prótons H+ liberados dos grupos carboxílico e fenólico podem deslocar

cátions das superfícies minerais das argilas silicatadas onde estão adsorvidos ou da rede

cristalina do mineral onde cátions são componentes da estrutura molecular. No último caso,

pode ocorrer a substituição do cátion nutriente da rede cristalina pelo H+ liberado:

KAlSi3O8 (feldspato) + HOOC-R (substância húmica) → HAlSi3O8 + KOOC-R

O K+ no caso acima passa pela solução do solo durante a troca com o H+ e poderá ser

absorvido dependendo da habilidade da raiz. Os ácidos fúlvico e húmico apresentam

capacidade de troca de cátions mais elevada (>300 cmolc kg-1) que a das argilas silicatadas

(<200 cmolc kg-1). Sob valores altos de pH os prótons dos grupamentos ácidos da matéria

orgânica são liberados reagindo com as hidroxilas (OH-) da solução do solo (H++OH- → H2O)

disponibilizando as cargas negativas dos grupos funcionais (por exemplo, -COO- ou O-)
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capazes de reter cátions. Nessa condição de reação básica do solo a capacidade de troca de

cátions das substâncias húmicas pode ultrapassar a das argilas silicatadas. A capacidade de

troca de cátions (CTC) das substâncias húmicas é mais dependente dos valores de pH que

das argilas silicatadas, apresentando CTC bem menor sob valor de pH menor que 5. As

substâncias húmicas podem ser responsáveis por até 90% do valor da CTC em solos sob

clima tropical onde as argilas silicatadas sofreram intenso intemperismo. Mesmo nos solos

sob clima temperado há uma nítida relação entre o valor da CTC e a concentração de

carbono orgânico no solo.

A capacidade de retenção de água do húmus é de 4 a 5 vezes maior que das argilas

silicatadas, adsorvendo o equivalente a 80-90% de sua massa em uma atmosfera saturada

de vapor. Os principais grupos funcionais das substâncias húmicas (Tabela 2) certamente

contribuem para aumentar a capacidade de retenção de água do húmus, especialmente nos

grupos oxigenados (carboxila, fenol, álcool, carbonila, éter e quinona). Nesses grupos a

maior eletronegatividade do oxigênio ou a perda do próton H+ criam pólos ou cargas,

respectivamente, atraindo as moléculas bipolares da água. O maior valor de CTC do ácido

fúlvico pode ser evidenciado pela grande concentração do grupo funcional carboxila, duas

vezes maior que no ácido húmico (Tabela 2).


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Tabela 2 – Importantes grupos funcionais das substâncias húmicas. São mostradas


concentrações das funções abundantes carboxila e fenol que após perderem prótons H+
disponibilizam cargas negativas nas superfícies dos ácidos húmico (HU) e fúlvico (FU).
Modificado de Sposito (1989).

Grupo funcional e fórmula Concentração


estrutural média e valores máximo-mínimo (mol kg-1)

Ácido carboxílico (carboxila) 3,6 6,0-1,5 (HU)


-COOH 8,2 11,2-5,2 (FU)

Fenol 3,1 5,7-2,1 (HU)


OH 3,0 5,7-0,3 (FU)

Álcool
-OH

cetona (carbonila)
-CO-

Imida
NH

Sulfidrila (mercaptana)
-SH

Amina
-NH2

Éter
R-CH2-O-CH2-R

Quinonas
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Compostos orgânicos não-húmicos provenientes da matéria orgânica adicionada ao


solo

São encontrados no solo compostos de origem orgânica com estrutura química mais

simples e de menor massa molecular que substâncias húmicas. Esses compostos orgânicos

não-húmicos são originados no início da degradação da matéria orgânica adicionada ao solo

ou foram liberados diretamente de organismos vivos. Esses compostos apresentam menor

tempo de permanência no solo, pois são mais facilmente degradados por bactérias e fungos.

Açúcares solúveis, amido e proteínas simples são mais fáceis de serem degradados

em comparação com a hemicelulose, a celulose e as proteínas de elevada massa molecular.

Ceras e compostos fenólicos são de difícil degradação e permanecem por muito mais tempo

no solo. A lignina é um composto orgânico não-húmico construída pelas plantas por meio de

anéis aromáticos com a função álcool (álcool coniferílico, sinapílico e cumarílico), mas de

degradação bem mais difícil que outras biomoléculas não-húmicas. Temperatura próxima de

25 °C, umidade do solo entre 15-18 %, concentração de oxigênio acima de 5%, valor de pH

entre 5-7 e conteúdo reduzido de argila são condições ambientais propícias para a

degradação da matéria orgânica pela comunidade de microorganismos e fungos do solo. A

argila dificulta o acesso dos microorganismos à matéria orgânica após a formação de

complexos argila-matéria orgânica.

Cerca de 50% da massa do material vegetal que se desprende da planta e alcança o

solo é formado por celulose e hemicelulose. A celulose e as hemiceluloses são importantes

constituintes das paredes celulares. A celulose é um polissacarídeo insolúvel, linear e

composto por unidades de glicose. A hemicelulose não é precursora da celulose e nem

metade da celulose. As hemiceluloses formam um grupo de polissacarídeos ramificados que

além da unidade estrutural da celulose (a glicose) podem apresentar outras hexoses como a
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D-manose, D-galactose, D-fucose e também pentoses como a D-xylose e L-arabidose.

Somente a celulose pode ser responsável por um sexto (~17 %) de todo o carbono orgânico

do solo.

Os polissacarídeos de origem vegetal, microbiana ou proveniente de fungos formam a

mucilagem do solo, que apresenta a importante função de estabilização de agregados das

partículas de argila. É possível confirmar via microscopia eletrônica a adesão de argila

mediada por mucilagem em raízes, hifas de fungo e em superfícies de bactérias. Além da

solução do solo os polissacarídeos representam mais uma ponte de ligação entre os

organismos e a fração mineral do solo. As diferentes unidades construtoras dos

polissacarídeos (monossacarídeos) podem ser encontradas livres no solo, por exemplo:

glucose, galactose, manose, xilose, ácido glucurônico e glucosamida.

Os ácidos orgânicos são produzidos continuamente por raízes de plantas (ácido

oxálico, tartárico, cítrico, fórmico) e fungos (cítrico) no solo, formando complexos solúveis

com cátions metálicos. A concentração desses ácidos no solo varia muito, 0,01-5,00 mol m-3,

e o tempo de vida pode ser de apenas algumas horas. Além desses ácidos de cadeia aberta

(alifáticos) a solução do solo apresenta uma menor concentração (0,05-1,00 mol m-3) de

ácidos de cadeia fechada (aromáticos) cuja unidade estrutural é formada por um anel de

benzeno. Os aminoácidos, principalmente glicina, alanina, ácido aspártico, ácido glutâmico,

arginina e lisina ocorrem na solução do solo em uma concentração entre 0,05-0,60 mol m-3

(Sposito, 1989). Esses aminoácidos aparecem principalmente na forma de peptídeos

(moléculas de dois ou mais aminoácidos ligados covalentemente) em variadas composições

e estruturas. Até metade do nitrogênio existente no solo pode estar como peptídeos que as

raízes não conseguem absorver e geralmente formam complexos com colóides orgânicos e

inorgânicos.
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Adição, decomposição e ciclagem da matéria orgânica no solo

A produção de matéria orgânica a ser eventualmente decomposta no solo dos

continentes varia em mais de uma ordem de grandeza, de menos de 250 g de matéria seca

m-2 a-1 nos desertos e regiões frias até mais de 2000 g de matéria seca m-2 a-1 nas florestas

tropicais úmidas. O total de carbono assimilado via fotossíntese que pode entrar na cadeia

de detritos sobre os solos dos continentes é enorme (6.1010 ton ano-1). Esse carbono pode

estar no tronco de uma árvore com dezenas de m3 ou em uma bactéria com cerca de 10-18

m3.

A matéria orgânica vegetal chega ao solo em média com 75% de conteúdo de água,

sendo degradada principalmente nos primeiros 50 cm da superfície do terreno. A composição

média da matéria seca vegetal que chega ao solo é de 60% de carboidratos (açucares,

amido, celulose e hemicelulose), 25% de lignina, 5% de ceras, gorduras e taninos e 10% de

proteínas. Nos ecossistemas florestais naturais a entrada de matéria orgânica vegetal ocorre

principalmente pelo desprendimento de porções aéreas das plantas formando a serrapilheira

(Figura 1). Em campos de gramíneas 70% dos fotossintatos entram no solo diretamente pelo

sistema radicular, uma via importante de distribuição de carbono no substrato. O carbono é

adicionado ao solo via sistema radicular por meio de raízes mortas, exudatos solúveis e

mucilagens. Essas porções da raiz representam cerca de 30% de toda a fotossíntese líquida

da copa promovendo uma zona próxima à raiz de intensa atividade microbiana: a rizosfera.

Nas áreas cultivadas a matéria orgânica dificilmente se acumula e muitas vezes tende

a diminuir conforme o uso do solo. É comum a prática de adição de matéria orgânica no

cultivo de plantas anuais ou perenes. Até 1913 mais de 40% do nitrogênio usado nas

misturas de adubos se achavam em forma orgânica. Atualmente o nitrogênio mineral se


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tornou mais competitivo (barato) e de manejo mais fácil. No entanto, ainda hoje a matéria

orgânica é utilizada na agricultura de diferentes formas: 1) esterco,


esterco uma aplicação

considerada leve é de 10 ton ha-1 de esterco curtido, 2) adubos verdes como leguminosas

que são incorporadas ao solo onde crescem, 3) resíduos orgânicos prontamente disponíveis

no local de cultivo, 4) calda obtida como subproduto do álcool o


ou
u da aguardente (vinhaça), 5)

excrementos e cadáveres de pássaros marinhos e restos de peixe que se acumulam durante

séculos em algumas regiões costeiras (guano), 6) farinhas de sangue, carne, chifres e/ou de

cascos, e 7) resíduo obtido após prensagem ou dissolução


dissolução de sementes com alto teor de

óleo (torta de oleaginosas).


). Esses materiais orgânicos serão mais eficientes para o aumento

da fertilidade do solo quanto menor for a proporção carbono/nitrogênio que apresentarem.

Por exemplo, o estrume animal e o ma


material
terial vegetal de leguminosas apresentam relação C/N

entre 20/1 e 30/1, respectivamente, enquanto que nos resíduos de palha essa proporção é

de 100/1 e na serragem 400/1.

Figura 1 – Produção anual de serrapilheira em florestas em função da latitude. Redesenhado

por Jenkinson (1981)


981) a partir de dados de Bray & Gorham (1964).
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O efeito benéfico da matéria orgânica no solo é conhecido desde a prática agrícola de

antigas civilizações como a chinesa, grega e romana, que utilizavam esterco animal para o

aumento da produção vegetal. Esse efeito benéfico se deve não só pela elevada capacidade

de troca de cátions da matéria orgânica na forma de húmus. A matéria orgânica é também

fornecedora de nutrientes minerais, principalmente em sua fase final de decomposição

denominada de “mineralização da matéria orgânica”. Nessa fase final vários nutrientes em

suas formas absorvíveis pelas raízes (K+, Ca2+, Mg2+, NO3-, NH4+, H2PO4-, HPO42-, SO42-)

podem ser liberados da estrutura das biomoléculas no solo por meio do intemperismo

químico e principalmente pela ação enzimática de bactérias e fungos. Devido à superfície

carregada e elevado valor de CTC a matéria orgânica adsorve os metais micronutrientes

evitando sua lixiviação para regiões fora do alcance das raízes. O material orgânico aumenta

significativamente a capacidade de tamponamento (manutenção dos valores de pH) e a

retenção de água do solo e ainda torna o solo menos compacto promovendo a formação de

grumos. Um solo grumoso tem uma estrutura mais friável, facilita a penetração do ar, da

água, das raízes e a movimentação dos pequenos animais que aí vivem como artrópodes e

minhocas. A coloração marrom ou negra que assume as substâncias húmicas pode

aumentar a absorção de calor na superfície do solo, que geralmente é benéfico para a

comunidade do solo sob um clima frio como o clima temperado.

A matéria orgânica no solo é fonte de energia para bactérias e fungos e fungos. Com

exceção de partes da planta com elevado teor de gordura, a energia disponível no material

que se desprende das plantas e chega ao solo é cerca de 20 kJ g-1. A quantidade de energia

no material de origem animal (insetos, outros invertebrado e vertebrados mortos) está entre

23-26 kJ g-1, e a energia contida nos lipídios de origem vegetal é de aproximadamente 39 kJ

g-1. A lignina é de difícil degradação, mas fornece elevada quantidade de energia, 26 kJ g-1.
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A população de microorganismos no solo é surpreendente. Em 1 kg de solo podem

estar presentes até 500 bilhões de bactérias, 10 bilhões de actinomicetos, 1 bilhão de

fungos, 1 bilhão de algas (principalmente cianofíceas e diatomáceas) e 100 milhões de

protozoários ciliados e flagelados. Actinomicetos são bactérias que formam filamentos

ramificados construindo assim um micélio. Nessa ordem de bactérias a maioria é gram-

positiva, aeróbia, saprofítica e poucas são patogênicas para plantas ou animais.

A essas populações de microorganismos devem ser adicionados os artrópodes e as

minhocas, que podem apresentar 5.106 e 2.109 indivíduos por hectare, respectivamente. Os

maiores artrópodes e as minhocas contribuem para a fertilidade do solo melhorando a

aeração e a drenagem por meio dos túneis que constroem, excretando e/ou retalhando o

material orgânico e transportando esse material por todo o volume do solo. Os tecidos

orgânicos retalhados por artrópodes ficam mais expostos e mais suscetíveis ao ataque de

microorganismos.

A maior parte do material orgânico adicionado ao solo é submetida à oxidação

enzimática (respiração) por bactérias, actinomicetos e fungos, com a conseqüente formação

de CO2 e H2O (Figura 2). O CO2 geralmente escapa para a atmosfera e pode ser assimilado

novamente por autótrofos fechando o ciclo do carbono (Figura 3). Uma pequena parte do

CO2 reage com a água no solo formando o ácido carbônico (H2CO3). Se o valor de pH for

neutro ou básico o ácido carbônico é desprotonado (formando HCO3- ou CO32-) podendo

reagir com os cátions nutrientes (K+, Ca2+, Mg2+, Fe2+, Mn2+, e Zn2+) da solução do solo. A

velocidade desse processo depende do material orgânico que está sendo degradado e das

condições ambientais.
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Figura 2 – Quantidade relativa de novos organismos, principalmente bactérias e fungos,


fungos de

substâncias não-húmicas e húmus sintetizados pela renovada comunidade da cadeia de

detritos após a adição de matéria orgânica no solo. Também são mostrados (topo da figura)

os produtos mais simples originados da decomposição final (mineralização) da matéria

orgânica no solo.. Modificado de Brady (1989).


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iclo do carbono através da atmosfera, litosfera, hidrosfera e biosfera. Os valores


Figura 3 – Ciclo
nas pontas das flechas na porção superior da figura representam os fluxos anuais e os
valores dentro dos quadros o acumulado em diferentes compartimentos terrestres. Os
menores compartimentos de carbono são a atmosfera e a biota terrestre e o maior é o dos
minerais carbonatos em rochas sedimentares. Todos os valores em 1010 toneladas, com
exceção das rochas sedimentares (em 1014 toneladas). Os fluxos da respiração da biota
terrestre e dos organismos do solo são equivalentes e somados resulta em um valor similar
ao montante de carbono (11. 10 ton ano-1). A queima de
no fixado pela fotossíntese (11.10
combustíveis fósseis (lado esquerdo inferior da figura) e de florestas tropicais (não
representada na figura) tem aumentado a concentração de CO2 na atmosfera em um ritmo
exponencial após a revolução industrial em 1750. Os valores da concentração de CO2 em
1750 e o atual (2000) são mostrados no compartimento da atmosfera. Dados de diversos
autores, principalmente
e de Bolin (1983), Oades (1989) e de Salisbury & Ross (1992).
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Síntese

O total de carbono assimilado via fotossíntese que pode entrar na cadeia de detritos

sobre os solos dos continentes é enorme (6.1010 ton ano-1). A matéria orgânica vegetal chega

ao solo em média com 75% de conteúdo de água, sendo degradada principalmente nos

primeiros 50 cm da superfície do terreno. A composição média da matéria seca vegetal que

chega ao solo é de 60% de carboidratos, 25% de lignina, 5% de ceras, gorduras e taninos e

10% de proteínas. A matéria orgânica após ser trabalhada pelo intemperismo químico e pela

ação das bactérias e fungos pode perder completamente sua estrutura original. O húmus é o

resultado final da intensa ação de fatores abióticos e bióticos sobre o material orgânico

original. Humina, ácido fúlvico e ácido húmico são as frações do húmus com diferentes

características químicas. A complexidade dos polímeros orgânicos que formam o húmus

reside na elevada massa molecular sem um padrão de repetições de cadeias abertas ou

fechadas de carbono. A resistência à ação enzimática, a interação com argilas dificultando o

acesso das bactérias e fungos e a deposição em regiões com reduzida pressão parcial de

oxigênio pode conferir ao material húmico estabilidade química e persistência no solo. As

partículas de polímeros de material húmico são pequenas como os colóides e polarizadas ou

carregadas como as partículas minerais do solo. Dessa forma, o húmus funciona como

excelente trocador de cátions aumentando a capacidade de troca catiônica, de retenção de

água e ainda melhora a estrutura do solo formando grumos. Por outro lado, a matéria

orgânica que dá origem ao húmus libera nutrientes minerais durante o processo de

humificação e intensifica significativamente a atividade biológica do solo. Portanto, a adição e

incorporação de material orgânico ao solo resultam em vários benefícios simultâneos e é

utilizada há milênios na agricultura para o aumento da produtividade.


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Referências bibliográficas

Bolin B (1983) The carbon cycle. In: The Major Biogeochemical Cycles and Their
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Sposito G (1989) The chemistry of soils. Oxford University Press, New York, 277 p.

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