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2 Universidade Estadual de Campinas – 2 a 8 de agosto de 2004

Artigo
Educação nutricional: por que e para quê?
Cartas
Ilustração: Phélix
MARIA CRISTINA FABER BOOG ética e política.
Nas décadas de 60 e 70, no âmbito

N
os últimos tempos, expres- internacional, a Educação Nutri-
sões como qualidade de vi- cional distanciou-se de suas raízes
da e alimentação saudável sociais e antropológicas. A sociolo-
vêm atraindo a atenção de pesso- gia cedeu lugar à medicina como nCelular – 1
as de diferentes idades, classes so- mentora dos programas de Educa- Gostaria de parabenizar o repórter
ciais e graus de instrução. De igual ção Nutricional e o critério de êxito, Manuel Alves Filho pela matéria so-
modo, desperta interesse a possi- inspirado nas concepções behavio- bre a interferência de celular em equi-
bilidade de se desenvolver estilos ristas de educação passou a ser ex- pamentos de UTI. É muito importante
de vida saudáveis, para o que ocu- clusivamente a mudança de com- a pesquisa de Suzy Cristina Cabral,
pa posto privilegiado a alimenta- portamento observável. No Brasil, que se empenhou em estudar essa
ção e a educação nutricional. Mas nas décadas de 70 e 80, ela passou interferência. Trabalho na UTI –Adul-
afinal, o que é Educação Nutricional? a ser vista como prática domesti- tos do Hospital das Clínicas, que não
A educação é inerente à vida. O cadora, repressora e até aviltante, fez parte do referido trabalho, e tenho
ser humano aprende e se desenvol- reprovada por todos os que pre- a compreensão da problemática que
ve ao longo de sua existência no zassem a liberdade de expressão. envolve o uso de celulares aqui den-
esforço por responder aos desafi- Comer o que se quer, na hora que se tro. Este artigo servirá para discus-
os cotidianos. A educação aconte- quer e como se quer era uma forma são nas reuniões administrativas do
ce nesse cotidiano social e também de exercer o direito à liberdade e cado deles na esfera afetiva, psico- tão da pobreza, da fome e da desnu- grupo multiprofissional, inclusive o de
por intermédio de ações de instru- ensinar o que é melhor para a saú- lógica e nas relações sociais não trição. Doar alimentos quando se humanização, do qual faço parte. Uma
ção e ensino planejadas por pesso- de era entendido como cerceamen- podem jamais ser desconsidera- vai a shows e outros eventos é muito orientação para que se evite o uso de
as capacitadas para tal. Assim, co- to desse direito. Autores que ana- dos pela Educação Nutricional. E- pouco. Discutir essa questão, espe- celular na Unidade seria um elemen-
mo não se faz educação musical, lisaram a questão, referiram-se ao ducar no campo da nutrição impli- cialmente com os jovens de classes to agregador da qualidade para nos-
artística ou moral em cursinhos de fato dizendo que a Educação Nu- ca em criar novos sentidos e signi- mais favorecidas, representa o de- sos pacientes.
cinco dias, não há nenhuma fór- tricional fora para o “exílio”. ficados para o ato de comer. Foi-se safio de romper a disjunção exis-
mula mágica para conseguir que No início da década de 90, fatos o tempo em que se puxava da gave- tente entre aqueles que passam fo- Magdaelei Costa Amorim
as pessoas passem a comer melhor novos fizeram ressurgir o interes- ta dietas prontas de 1200kcal que me daqueles que jamais experi- nCelular – 2
de um dia para outro. Isto não jus- se pelo assunto: a divulgação dos proibiam o consumo de tudo que mentaram a sensação de não saber Soubemos da pesquisa de Suzy
tifica, porém, desconsiderar essa resultados da Pesquisa Nacional não fosse arroz, bife grelhado e sa- se amanhã haverá o que por na me- Cristina Cabral por intermédio da rá-
importante ação em prol da pro- Sobre Saúde e Nutrição realizada lada. Educar, no âmbito da alimen- sa. Diferente de desastres naturais, dio CBN .
moção da saúde. pelo Ministério da Saúde, que a- tação, implica em conhecer profun- a fome atinge exclusivamente um
damente o que é alimentação. O filó- segmento social que permanece à Pela internet, lemos a matéria do
A educação nutricional, enquan- pontavam para o expressivo au-
sofo Edgar Morin, discorrendo a- margem da sociedade, justamen- Jornal da Unicamp, que reforça
to especialidade de interesse aca- mento na prevalência de obesida-
cerca do respeito à condição huma- te porque está excluído. Estudar e nosso trabalho sobre a interferência
dêmico, remonta à década de 1940, de, principalmente entre mulhe-
na, no seu livro “A cabeça bem fei- discutir a fome é discutir o proble- de celulares nas linhas de produção
quando, no período pós-guerra, res de baixa renda; a comparação
ta”, lembra que: ma “dos outros”, e o desafio que se robotizadas de nossa empresa de
aventava-se a possibilidade de, dos resultados da Pesquisa de Or-
“O que há de mais biológico – o apresenta é de superar essa dis- autopeças, a Aethra Componentes
perante a súbita escassez de recur- çamento Familiar, realizada pelo
sexo, o nascimento, a morte – é tam- junção nós/outros, desenvolven- Automotivos, com unidades em Belo
sos, melhorar a qualidade da ali- Instituto Brasileiro de Geografia e
bém o que há de mais impregnado do uma educação para a solidari- Horizonte , Contagem e Betim (Minas
mentação de populações paupe- Estatística, com estudos de déca-
de cultura. Nossas atividades bioló- edade que permita perceber esses Gerais).
rizadas, por intermédio de modi- das anteriores, evidenciou incre-
ficações na alimentação que per- mento importante no consumo de gicas mais elementares – comer, be- “outros” como fazendo parte da Maurício Lussy
mitiriam obter a melhor rela- alimentos, especialmente daque- ber, defecar – estão estreitamente sociedade à qual pertencemos. n Bio-inpirada
ção custo/benefício mediante o em- les mais calóricos e menos nutriti- ligadas a normas, proibições, sím- A alimentação de cada cidadão, Tenho 15 anos, e curso o 1° ano
prego de alimentos mais baratos e vos. No mesmo período, observou- bolos, mitos, ritos, ou seja, ao que há de cada ser humano, não pode ser do ensino médio no Instituto Gammon,
nutritivos. Nesta época, a antro- se decréscimo no consumo de fru- de mais especificamente cultural; descolada da sociedade que a de- em Lavras (Minas Gerais). Achei mui-
póloga Margareth Mead foi secre- tas, cereais e leguminosas. O tradi- nossas atividades mais culturais – termina e por isso o ensino da nu- to interessante a reportagem sobre a
tária executiva do “Comitê sobre cional arroz e feijão perdia seu pres- falar, cantar, dançar, amar, meditar trição não pode ser visto apenas do computação bio-inspirada, conside-
Hábitos Alimentares” do Conse- tígio enquanto biscoitos doces, re- – põe em movimento nossos corpos, ponto de vista biológico, separa- rando-se que esse método de “locali-
lho Nacional de Pesquisa dos Esta- frigerantes e embutidos ocupavam nossos órgãos; portanto, o cérebro”. damente desse fenômeno rico e ins- zação”, inspirado na bio-química, po-
dos Unidos, que reunia nutrólogos, terreno nas gôndolas dos super- Educar em nutrição é tarefa com- tigante que é a alimentação huma- derá ser útil a profissionais de diver-
antropólogos, psicólogos e educa- mercados. Por outro lado, a cons- plexa que pode ser pensada pelo pa- na situada no âmbito da ecologia sos ramos, e aplicado em diversos
dores com o objetivo de agregar tatação científica do fato de que a radigma da complexidade. Além da e da cultura. O desafio que se apre- contextos.
conhecimentos, buscando estraté- alimentação de má qualidade é um busca por um certo conhecimento senta hoje à Educação Nutricional
gias mais eficazes para melhorar fator de risco para várias doenças, necessário à tomada de decisões é o de aproximar esses múltiplos Por tomar conhecimento de proje-
a alimentação. fez com que a Educação Nutricio- que afetam saúde, cabe analisar as componentes com a finalidade de tos de tamanha importância, que são
No Brasil, foi criada, no início da nal fosse lembrada como medida atitudes e condutas relativas ao promover a saúde e a qualidade de apresentados pela Unicamp, traço atu-
década de 40, a função da “Visi- a ser considerada para reverter a universo da alimentação. Atitudes vida por intermédio da ampliação almente, como objetivo principal, o
tadora de Alimentação”, uma pro- tendência ao crescente consumo são formadas por conhecimentos, da compreensão sobre a multidi- desejo de em 2006 prestar vestibular
fissional de saúde que deveria de gorduras, açúcar e produtos crenças, valores e predisposições mensionalidade da alimentação nesta instituição para o curso de Ci-
ir à casa das pessoas para fazer e- industrializados que não trariam pessoais e sua modificação deman- humana, cujo estudo encontra es- ências Biológicas. Tendo consciência
ducação alimentar no local onde a benefícios à saúde. Então, ensinar da reflexão, tempo e orientação paço nas ciências biológicas, huma- do grau de concorrência, e do prestí-
alimentação era preparada, ou se- a comer é necessário? competente. nas, econômicas, tecnológicas, nas gio da Unicamp, o que me resta ago-
ja, na cozinha. A iniciativa foi con- Quem se vê às voltas com níveis E, por fim, mas com o devido des- artes e na literatura. E ninguém ra é pesquisar e estudar muito, na
siderada invasiva pela popu- elevados de colesterol, quem está taque, cabe mencionar que a sina- conseguiu expressar isso melhor esperança de me sair bem na prova.
lação, que reprovava a intromis- com a pressão alta e tem excesso de lização da segurança alimentar do que Neruda: Gostaria de agradecer o conjunto
são de profissionais de saúde no peso, quem experimenta uma cri- como meta de governo trouxe a de pesquisadores da Unicamp, que
âmbito doméstico. Nas décadas de se de gota, busca uma orientação esta temática novos desafios. À Pan tanto se empenham em buscar para a
50 e 60, vemos a Educação Nutri- sobre como mudar a alimentação. Educação Nutricional compete de- sociedade melhores condições de
cional ligada sobretudo às campa- Escolas começam a contratar nu- senvolver estratégias sistematiza- !Cuán simple y sublime eres!, vida, em todos os setores, e para-
nhas que visavam a introdução da tricionistas para oferecer meren- das para impulsionar a cultura e a Hecho de granos y de fuego; benizá-los por tamanha competência.
soja na alimentação. Por ser a soja das de melhor qualidade e serviços valorização da alimentação, con- Milagro repetido, Espero um dia integrar essa equipe.
produto exportável, privilegiava- de alimentação de empresas a pre- cebidas no reconhecimento da ne- Acción del hombre, Érica Souza
se o interesse econômico, em detri- ocupar-se em atender às expecta- cessidade de respeitar, mas tam- Voluntad de vida...
bém modificar crenças, valores, nParto de cócoras
mento da preferência nacional pe- tivas dos usuários no sentido de
lo feijão. Neste período a educação oferecer alternativas alimentares atitudes, representações, práticas Todo nasció para ser É fantástico que o professor Hugo
voltava-se também para a utiliza- mais saudáveis. Há uma notória e relações sociais que se estabelecem Entregado, compartido, Sabatino tenha conseguido compro-
ção dos produtos obtidos através demanda por orientação profissi- em torno da alimentação. Visa-se Multiplicado. var a eficácia do parto de cócoras e
do convênio MEC-USAID, por meio onal na área de alimentação. Ser- o acesso econômico e social a uma Todos los seres todas as vantagens da posição verti-
do qual eram doados a países po- viços de saúde que contam com nu- alimentação quantitativa e quali- tendran derecho a la vida... cal para o nascimento, e agora ser
bres do terceiro mundo os exce- tricionistas são muito procurados tativamente adequada, que aten- Así será el pan de mañana, convidado para divulgar esse traba-
dentes agrícolas dos Estados Uni- atualmente porque há uma per- da aos objetivos de saúde, prazer, Para todas las bocas, lho, desenvolvido na Unicamp por ele
dos com o objetivo primeiro de ga- cepção de que é preciso re-educar- convívio social. Iniciativas relati- sagrado y consagrado, e sua equipe, na Espanha. Muitas
rantir estabilidade dos preços no se para tornar a alimentação mais vas ao incremento da qualidade da Porque será el producto vezes, adotamos este procedimento,
mercado internacional e fomentar saudável e isso não é mais visto alimentação e à Educação Nutri- De la mas larga mas não conseguimos comprovar, ci-
o desenvolvimento de mercados como imposição, mas como uma cional podem estar contempladas Y de la mas dura entificamente, as vantagens do méto-
externos, compostos por potenci- chance de ganhar mais vida com dentro de projetos de promoção à Lucha humana. do. Sugiro que todo esse trabalho seja
ais compradores que se habituari- qualidade, pondo em prática al- saúde tais como criação de ambi- melhor divulgado em nosso meio para
am a certos produtos recebidos i- guns conhecimentos gerados pela entes favoráveis à saúde, ações co- Pablo Neruda que mais profissionais da área obsté-
nicialmente por intermédio destas ciência da nutrição, devidamente munitárias e reorientação dos ser- trica possam atuar de forma huma-
doações. Evidentemente não falta- trabalhados por quem sabe que o viços de saúde que ponham em re- nizada e natural.
ram críticas a tais iniciativas, o que fenômeno da alimentação não é a- levo ações destinadas a fomentar Maria Cristina Faber Boog, Deise Serafim.
levou ao descrédito a Educação penas biológico. Não comemos nu- saúde. Também é fundamental que nutricionista, é professora da Faculdade
Nutricional, por razões de ordem trientes, mas alimentos e o signifi- os cidadãos problematizem a ques- de Ciências Médicas da Unicamp (FCM)

UNICAMP Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


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