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Tese de Doutorado
234 p.
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Data:_________________
Um instante lacaniano
A vida, um sopro!
Apenas foi!
Agradecimentos
OLIVEIRA, Marcos Alcyr Brito de. Sujeito de direito e marxismo: da crítica humanista à
crítica anti-humanista. 2016. 234 p. Doutorado – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2016.
OLIVEIRA, Marcos Alcyr Brito de. Soggetto di diritto e marxismo: dalla critica
umanistica alla critica anti-umanistica. 2016. 234 p. Doutorado – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
OLIVEIRA, Marcos Alcyr Brito de. Sujet de droit et marxisme: de la critique humaniste à
la critique anti-humanist. 2015. 234 p. Doutorado – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2016.
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO
No entanto, ainda hoje tais premissas estão longe de serem realizadas em sua
plenitude: permanece em nossa sociedade a desigualdade entre os homens, onde poucos
exploram o trabalho de muitos, prevalecendo uma lógica instrumental justificadora da
dominação.
O ideal da igualdade a ser alcançado pela razão, proclamado como um farol para
iluminar a humanidade em seu caminho para sua emancipação, na verdade tem-na
conduzido a caminhos opostos, impossibilitando o alcance desta igualdade, conforme
pondera o professor Aloysio Ferraz Pereira:
1
PEREIRA, Aloysio Ferraz. Estado e direito na perspectiva da libertação (Uma crítica segundo Martin
Heidegger). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 119.
11
Quanto à liberdade, Jean-Paul Sartre observa que é o homem que a escolhe: a sua
liberdade é incondicional e ele pode mudar seu projeto original ou inicial a qualquer
momento. O homem e só o homem é o ser para o qual todos os valores existem.
Condenado a ser livre, o homem carrega nos ombros a responsabilidade pelo mundo:
Mas, de qual liberdade se fala? A liberdade realizada hoje se dá no plano das ideias,
nos interesses da dominação capitalista, não no sentido marxista de emancipação em uma
sociedade sem a exploração do trabalho em favor de uma determinada classe.
Dessa forma, a igualdade e a liberdade humanas não passam, até hoje, dos limites
formais delimitados por uma esfera legal abstrata, do conteúdo de uma ideologia jurídica.
A fraternidade, por sua vez, depende da realização efetiva da liberdade e da igualdade, ou
seja, apresenta-se como uma possibilidade ainda não realizada.
Seriam, então, os valores proclamados pela Revolução Francesa nada mais que
idealizações, de forma que para se atingir a emancipação humana se faz necessário superar
tais abstrações? Ou, mesmo sendo idealizações, deve-se seguir adiante de forma a realizá-
los em concreto ou demonstrar a incoerência do enunciado com o sistema econômico
vigente e, saindo da esfera da filosofia realizada ideologicamente, partir-se para a
construção de uma utopia possível?
Partindo-se das premissas postas pelo Iluminismo, o ser humano teria o compromisso
de realizar os valores proclamados pela Revolução Francesa: alcançar a emancipação
humana a partir da razão. Mas, quais seriam as condições objetivas e subjetivas para que
tal emancipação ocorresse? Seria pela atuação do ser humano realmente existente, por
meio de um ato radical que se conseguiria a esperada emancipação?
Ou, por outra ótica, os indivíduos seriam agentes-sujeitos na história, que agiriam
sob a determinação das formas de existência das relações de produção e de reprodução? Ou
seja, para que possamos caminhar na direção da emancipação da humanidade devemos nos
2
SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada, ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 678.
12
centrar em condições objetivas, adotando uma teoria científica para uma maior
compreensão da história?
Para enfrentarmos estas questões, focamos nossa análise do sujeito de direito com
base na dicotomia existente entre um ponto de partida que tem o homem como centro das
análises e outro ponto que parte das estruturas vigentes (modo de produção) que
determinam a ação dos indivíduos.
Mas como se poderia situar estas ações de forma precisa diante do materialismo
histórico/dialético desenvolvido por Karl Marx?
formais para firmar contratos, ou seja, os homens devem, como sujeitos livres, colocar a si
mesmos como mercadorias a serviço do capital.
2ª) Uma análise não subjetivista da história, em que se faz necessária a desconstrução
do sujeito de direito, em que há o deslocamento do foco no desenvolvimento social
para o motor da história, a luta de classes, com enfoque mais anti-humanista, cujo
representante mais destacado é Louis Althusser,
Com base na Razão, pensadores modernos como Emmanuel Kant e Georg Wilhelm
Friedrich Hegel elaboraram a construção da figura do sujeito do direito, com intuito de
representarem o ser humano de forma genérica, a humanidade representada em um
indivíduo que detém a liberdade e condições de igualdade com outros indivíduos.
Para tal investida intelectual, Althusser propõe a utilização do método marxista, mas
sob o crivo de um corte epistemológico que separa o jovem Marx, humanista, do Marx da
maturidade, anti-humanista, que adota uma posição científica, afastando a figura do sujeito
universal abstrato, influenciado por Hegel, para atingir uma análise concreta da sociedade
burguesa em sua obra máxima O Capital, na qual elimina o sujeito da história, colocando a
luta de classes no centro de suas análises.
15
Cotejamos o pensamento dos dois filósofos tratados nos capítulos anteriores com as
contribuições do autor russo, além de confrontarmos seus estudos entre si, em especial no
que se refere à utilização que fazem da psicanálise para tratarem da questão da
subjetividade.
16
Nas sociedades primitivas, o indivíduo era totalmente identificado por sua inserção
na sociedade humana a que pertencia. As coletividades humanas primitivas eram
assentadas sobre a propriedade comum da terra e unidas por laços de sangue, não havia
hierarquia rígida e sim uma divisão do trabalho que ocorria por conta das diferenças entre
os sexos, mas as mulheres não eram submetidas aos homens como propriedades:
3
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez Editora, 2005, p. 17.
17
exemplo, apenas em semear alguns grãos depois de arranhar o solo entre troncos
cortados, o aumento da natalidade era severamente reprimido. A comunidade se
mostrava tão incapaz de assegurar a alimentação de indivíduos além de certo
número que, quando uma tribo vencia outra, ela se apoderava das riquezas desta,
mas também matava todos os seus membros, porque recebê-los no seu seio seria
catastrófico. Mas, tão cedo o bem-estar da tribo aumentou, por causa das novas
técnicas de produção, os prisioneiros de guerra passaram a ser desejados, e o
inimigo vencido passou a ter a sua vida garantida com a condição de
transformar-se em escravo. 4
A estrutura social da antiguidade faz com que o seu direito seja, na verdade, uma
forma de dominação direta. A escravidão é um vínculo de domínio direto do
senhor em relação ao escravo. Se pensarmos no poder do paterfamilias, ele tem a
característica de um poder absoluto. Vale dizer, o paterfamilias não tem regras
estatais que limitam seu poder sobre seus subordinados. Nas mais antigas
sociedades, os vínculos de parentesco ou de comunidade excluem o diverso, o
estranho, o estrangeiro, o mais fraco, subjugando-o, escravizando-os. Essa
relação é de domínio físico, envolve a brutalidade e não regras jurídicas, sendo
determinadas muitas vezes pela posse da terra ou pela capacidade de guerrear. 5
Os gregos principiam sua reflexão filosófica pela cosmologia, isto é, o estudo das
origens das coisas e do próprio mundo, mas sem se limitar as coisas da natureza, atrelando
esta compreensão às questões sociais, a uma compreensão do homem no mundo.
Para os gregos, o homem não é considerado como algo diferente do mundo e muito
menos tomado como uma unidade isolada do todo da polis: o homem somente se
compreende como parte do todo social e político, que por sua vez está mergulhado na
natureza:
Para os gregos, o homem não é considerado como algo diferente do mundo. Ele
está mergulhado indissociavelmente no mundo. Assim, a cosmologia não é uma
reflexão somente da natureza física, mas também uma preocupação sobre os
arranjos e princípios políticos e sociais dos homens. O homem, por sua vez, não
é tomado, como na tradição cristã, como categoria distinta, individualizada. O
homem somente se compreende enquanto parte do todo social e político, que, por
sua vez, está mergulhado e imbricado no todo da natureza. 6
4
PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo: Cortez Editora, 2005, p. 25.
5
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2015, p. 17-18.
6
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 30.
18
Apesar da democracia existente, na Grécia antiga não havia uma real igualdade
entre os homens. Em Atenas, principal centro político da época, somente aqueles
considerados cidadãos é que poderiam participar da vida política na polis, ou seja, apenas
os homens atenienses livres possuíam a cidadania ativa:
Dessa forma, o número de cidadãos gregos era pequeno, uma vez que do conceito
de cidadania estavam excluídos os homens ocupados (comerciante e artesãos), as
mulheres, os escravos, crianças e os estrangeiros – praticamente somente os proprietários
eram livres para ter o direito de decidir sobre o governo da polis e que tinham condições de
se preparar para poderem defender seus direitos em praça pública.
7
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 37-38.
8
ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Ícone Editora, 2007, p. 20.
19
Foi a República Romana quem primeiro uniu a grande propriedade agrícola com
a escravidão em grupos no interior em maior escala. O advento da escravidão
como modo de produção organizado inaugurou – como na Grécia – a fase
clássica que distinguia a civilização romana, o apogeu de seu poder e de sua
cultura. Mas enquanto na Grécia isto havia coincidido com a estabilização da
pequena agricultura e de um compacto corpo de cidadãos, em Roma, foi
sistematizado por uma aristocracia urbana a qual gozava de um domínio social e
econômico sobre a cidade. O resultado foi a nova instituição rural do latifundium
escravo e extensivo.9
Desta forma, pode-se dizer que os gregos especulavam sobre o que seria o justo,
produzindo uma filosofia sobre o tema, já os romanos possuíam um ideário expansionista
prático e não muito filosófico - dividi et impera:
9
ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 58.
10
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2015, p.18.
20
Mas, o que predominou na prática foi uma igualdade universal somente válida no
plano espiritual, pois na Terra a igreja admitiu durante muitos séculos a legitimidade da
escravidão, a inferioridade natural da mulher em relação ao homem, bem como a
inferioridade dos povos americanos, africanos e asiáticos.
É com o cristianismo que surge uma nova concepção, semente primeira do futuro
conceito de sujeito de direito. Para o cristianismo, a sorte do indivíduo não é a
mesma de seu grupo. Pela fé em Deus ou em Jesus, poderia uma pessoa ir aos
céus, embora não seus pais nem seus filhos nem seu povo, caso todos estes não
compartilhassem dessa fé. O cristianismo, em termos teológicos, está isolando
uma parte do todo, e criando, pois, teoricamente, o conceito de pessoa. O uso
desse conceito serviu para garantir um espaço soberano para a fé de cada um,
mas, também, para divorciar as ações de cada um em relação aos demais. O
efeito positivo dessa visão do cristianismo foi o de postular a liberdade do
indivíduo perante a maioria; mas, em sentido contrário, essa teoria é também o
germe do individualismo, da falta de cuidados com o todo, que depois se tornou
a grande característica da modernidade capitalista.12
O modo de produção feudal, que dominou esse período, conjugado com as invasões
bárbaras, provocou a fragmentação de toda a Europa em diversos centros de poder político,
com uma variedade de reinos e feudos.
Vigorava uma rede que identificava o lugar de cada membro de acordo com o seu
“assujeitamento” a um conjunto de deveres. O estatuto jurídico do feudalismo sujeitava
todos os indivíduos a papéis definidos pelo sistema em vigor: servo da terra, súdito do
príncipe e servo de Deus.
11
BADIOU, Alain. São Paulo, a fundação do universalismo. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009, p. 69.
12
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2015, p. 95.
21
O fim da Idade Média foi marcado pelo ressurgimento do comércio, pela migração
do homem para as cidades, pelo impulso das grandes navegações e pela emergência dos
valores individuais. Todos estes novos fatores proporcionaram a derrocada do feudalismo e
o enfraquecimento do poder da Igreja Católica com a consequente formação dos Estados
Nacionais na Europa Ocidental e o surgimento de um novo conceito de igualdade que pôde
romper com as tradições e com os valores feudais não mais condizentes aos anseios do
homem moderno.
13
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2015, p.19.
22
própria natureza do homem. Essas categorias, ignoradas por tanto tempo, agora
se tornam imprescindíveis para a própria identificação da humanidade do
homem. 14
Percebe-se que, pois, que é falso o reputado humanismo do direito, que diz que,
porque o ser humano é importante, ele é resguardado juridicamente. Na história,
foi só por causa das relações capitalistas que surgiu o conceito de sujeito de
direito. Deve-se entender, pois, que nesse tema, a teoria do direito opera de
maneira normativista, reconhecendo como sujeito quem queira, isto se dá não
porque as necessidades intrínsecas e humanitárias dos seres humanos devem ser
atendidas, mas porque interesses jurídicos genericamente universais –
capitalistas – assim se impõem. 15
14
NAVES, Márcio Bilharinho. A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras expressões e Dobra
Universitária, 2014, p. 49-50.
15
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 2015, p. 99.
16
Idem, ibidem, p. 99.
23
Com o Iluminismo, a ordem do real não depende mais dos desígnios de Deus, como
era considerada no feudalismo, passando a ser pensada a partir de uma estrutura imanente
aos indivíduos humanos. O indivíduo é universalizado, todos os indivíduos são
considerados como compostos dos mesmos elementos e de maneira idêntica; todos dotados
da mesma racionalidade, racionalidade esta que passa a ser o princípio da construção da
subjetividade filosófica da modernidade, criando-se uma igualdade imaginária em um
mundo cindido:
As cláusulas desse contrato são de tal modo determinadas pela natureza do ato,
que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito, de modo que,
embora talvez jamais enunciadas de maneira formal, são as mesmas em toda
parte, e tacitamente mantidas e reconhecidas em todos os lugares, até quando,
violando-se o pacto social, cada um volta a seus primeiros direitos e retoma sua
liberdade natural, perdendo a liberdade convencional pela qual renunciou àquela.
Essas cláusulas, quando bem compreendidas, reduzem-se todas a uma só, a
saber: a alienação total de cada associado, com todos os seus bens, à comunidade
toda, porque, em primeiro lugar, cada um se dando-se completamente, a
condição é igual para todos, e, sendo igual a condição para todos, ninguém se
interessa por torná-la onerosa para os demais. Ademais, fazendo-se a alienação
sem reservas, a união é tão perfeita quanto pode ser, e a nenhum associado
17
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do direito e filosofia política. A justiça é possível. São Paulo:
Atlas, 2003, p. 34.
24
restará algo a reclamar; pois, se restassem alguns direitos aos particulares, como
não haveria nesse caso um superior comum que pudesse decidir entre eles e o
público, cada qual, sendo de certo modo seu próprio juiz, logo pretenderia sê-lo
de todos; o estado de natureza subsistiria e a associação se tornaria
18
necessariamente tirânica ou vã.
Rousseau distingue dois tipos de desigualdade; uma que ele chama de natural ou
física, porque estabelecida pela natureza, como as diferenças de idade, saúde etc.; e a outra
desigualdade que ele chama de moral ou política, que depende de uma convenção que é
estabelecida ou pelo menos autorizada pelos homens.
Assim, tão logo as conquistas do Iluminismo são realizadas, são elas liquidadas.
Tudo deve enquadrar-se no modelo definido de forma limitada e ambígua, do
“homem Racional”. Somente são reconhecidos os aspectos da alienação que
podem ser classificados como “alheios à razão”, com toda a arbitrariedade real e
potencial envolvida nesse critério abstrato. A historicidade chega apenas até o
ponto compatível com a posição social que exige esses critérios vagos e abstratos
como sua base de crítica, pois o reconhecimento da igualdade humana é, no todo,
limitado à esfera legal abstrata.19
18
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato Social. In Os Pensadores - Rousseau. São Paulo: Nova Cultural,
1999, p. 70, v. I.
19
MÉSZÁROS, Istvan. A Teoria da Alienação em Marx. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007, p. 49.
25
Ora, a liberdade em Kant, direito inato do sujeito, está vinculada à posse; tomar
posse do mundo exterior é a primeira forma de manifestação dessa liberdade, que é
garantida pela coerção do Estado (coerção justificada para a garantia da propriedade da
liberdade individual).
O cidadão em sua plenitude, o cidadão ativo, seria somente aquele que tem sua
independência, que dependa somente de sua vontade, diferentemente do cidadão passivo,
que é mandado e protegido por outros indivíduos, não gozando de nenhuma independência
civil, situação, no entanto, que não seria oposta à liberdade e igualdade:
20
KASHIURA JR, Celso Naoto. Sujeito de direito e capitalismo. São Paulo: Outras Expressões e Dobra
Universitário, 2014, p. 18.
21
KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. São Paulo: Ícone Editora, 1993, p. 154.
26
Ou seja, o homem burguês para Kant é o único que é pessoa em todos os sentidos,
faltando, desta forma, a universalidade da igualdade, que é resolvida por convenção, por
meio do contrato social, pelo direito formal.
22
DELLA VOLPE, Galvano. Rosseau e Marx, a Liberdade Igualitária. Lisboa: Edições 70, 1964, p. 64-65.
23
KASHIURA JR, Celso Naoto. Sujeito de direito e capitalismo. São Paulo: Outras Expressões e Dobra
Universitário, 2014, p. 85.
27
35 – [...].
Nota - A personalidade só começa quando o sujeito tem consciência de si, não só
como de um eu concreto e de algum modo determinado, como também de um eu
puramente abstrato no qual toda a limitação e valor concretos são negados e
invalidados. Por isso, na personalidade existe o conhecimento de si como objeto
exterior elevado pelo pensamento à infinitude simples e, assim, idêntico a ela. Os
indivíduos e os povos não possuem ainda personalidade enquanto não alcançam
este pensamento e este puro saber de si mesmos. O espírito que é em si e para si
distingue-se do espírito fenomênico na determinação em que este é só
consciência de si segundo a vontade natural e suas posições extrínsecas. O
primeiro tem como objeto e fim a si mesmo, como eu abstrato, isto é, livre,
portanto, uma pessoa.
36 - 1) A personalidade contém, em geral, a capacidade do direito e constitui o
conceito e fundamento (também abstrato) do direito abstrato, e portanto formal.
O imperativo do direito é, portanto: seja uma pessoa e respeite os demais como
tal. 24
Dá um tratamento especial para a razão, o ser foi considerado igual ao pensar, criou
uma lógica especulativa na qual ocorre a plena elevação do ser no pensamento do espírito
como realidade absoluta.
“O que é racional é real e o que é real é racional”, essa afirmação, que está contida
no prefácio da Filosofia do direito de Hegel, demonstra a perspectiva hegeliana de
identificação entre a razão e realidade:
24
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Ícone Editora, 1997, p.
69-70.
28
Ao entrar com sua realidade na existência exterior, o Ser adquire, assim, uma
riqueza infinita de formas, de aparências, de manifestações. A realidade somente torna-se
racional com a atuação do Ser como sujeito do processo histórico, não sob o império de
uma razão pura:
Para Hegel, contudo, a razão não pode governar a realidade, a não ser que a
realidade se tenha tornado racional em si mesma. Esta racionalidade é possível
pela irrupção do sujeito no próprio conteúdo da natureza e da história. É esta
concepção que Hegel resume na mais fundamental de suas sentenças, a saber,
que o Ser é, na sua substância, um “sujeito”.26
“A razão não pode governar a realidade, a não ser que a realidade se tenha tornado
racional em si mesma”, significa que o ser é, na sua substância, um “sujeito”.
25
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Ícone Editora, 1997, p.
35.
26
MARCUSE, Herbert. Razão e Revolução. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 21.
27
Idem, ibidem, p. 21-22.
29
A dialética proposta por Hegel repudia o princípio da contradição da forma que era
concebida por Aristóteles e Platão, em que uma coisa não pode ser e ao mesmo tempo não
ser, nele o pensamento não é considerado somente de forma estática, ele procede por meio
de contradições superadas, da tese à antítese e, daí à síntese.
28
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 240.
29
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Ícone Editora, 1997, p.
77-78.
30
O aparelho religioso não é mais capaz de, por si mesmo, enquadrar o sujeito (o
que nós condensamos com a expressão “determinação religiosa”): o Estado,
diante da situação nova que se oferece a ele, deve tentar, no contexto dos
nacionalistas burgueses, estabelecer formas novas de controle do sujeito.31
No Brasil, o jurista Tércio Sampaio Ferraz Jr, inspirado na teoria de Kelsen, afirma
que o sujeito de direito não é apenas pessoa física ou jurídica, sendo definido por normas e
não ao contrário:
30
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Ícone Editora, 1997, p.
77.
31
HAROCHE, Claudine. Fazer Dizer, Querer Dizer. São Paulo: Hucitec, 1992, p. 182.
32
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, versão condensada pelo próprio autor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003, p. 82-83.
31
33
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. Técnica, decisão, dominação. São Paulo:
Atlas, 2003, p. 155.
32
Sim, Marx esteve perto de Hegel, embora de início por razões não enunciadas,
razões anteriores à dialética, provenientes da posição crítica de Hegel frente aos
pressupostos teóricos da filosofia burguesa clássica, de Descartes a Kant.
Resumindo, Marx estava próximo de Hegel por sua insistência em recusar toda a
filosofia da Origem e do Sujeito, quer fosse ela racionalista, empirista ou
transcendental: ou sua crítica ao cogito, do sujeito sensualista empirista, e do
sujeito transcendental, logo por sua crítica da ideia de uma teoria de
conhecimento. Marx estava perto de Hegel por sua crítica do sujeito jurídico do
contrato social, por sua crítica do sujeito moral, em suma de toda ideologia
filosófica do Sujeito, que, quaisquer que fossem suas variações, permitia à
filosofia burguesa clássica o meio de garantir seus conhecimentos, suas práticas
e seus fins, não simplesmente ao reproduzi-las, mas ao elaborar filosoficamente
as noções da ideologia jurídica dominante.34
Em seus primeiros escritos, Marx faz uma análise humanista marcada por Hegel e
Feuerbach. Em Manuscritos Econômicos e Filosóficos dá um novo enfoque ao ser humano,
como um ser existente para si mesmo, não restrito à natureza, mas como sendo de sua
natureza a historicidade:
Mas o homem não é apenas ser natural, é ser natural humano, isto é, ser existente
para si mesmo (für sich selbst seiendes Wesen), por isso, ser genérico, que,
enquanto tal, tem de aturar e confirmar-se tanto em seu ser quanto em seu saber.
Consequentemente, nem os objetos humanos são os objetos naturais assim como
estes se oferecem imediatamente, nem o sentido humano, tal como é imediata e
objetivamente, é sensibilidade humana, objetividade humana. A natureza não
está, nem objetiva nem subjetivamente, imediatamente disponível ao ser humano
de modo adequado. E como tudo o que é natural tem de começar, assim também
o homem tem como seu ato de gênese a história, que é, porém, para ele, uma
[história] sabida e, por isso, enquanto ato de gênese com consciência, é ato de
gênese que se supra-sume (sich aufhebender Entstehungasakt). A história é a
verdadeira história do homem. 35
34
ALTHUSSER, Louis. Sustentação de Tese em Amiens. In ______. Posições - I. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 1978, p. 142.
35
MARX, Karl. Manuscritos econômico –filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008, p. 128.
36
MÉSZÁROS, Istvan. A Teoria da Alienação em Marx. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007, p. 156. Esta
posição de Istvan Meszáros corresponde à perspectiva teleológica humanista centrada no trabalho de Lukács,
para quem o trabalho promove uma dupla transformação: o ser humano que trabalha é transformado por seu
trabalho sujeitando as forças da natureza e por outro lado, as forças da natureza são transformadas em meios
33
A liberdade, para Marx, foi considerada em seus primeiros trabalhos como sendo
um direito natural da razão humana, um direito inalienável do homem, de tal forma que o
Estado que não estabelecesse suas leis de acordo com este direito natural não teria
legitimidade – a lei positiva deveria ser o reconhecimento de uma liberdade que preexiste a
ela, ou seja, uma lei somente é verdadeira quando ela é a “essência positiva da liberdade”,
como ensina o professor Marcio Bilharinho Naves:
de trabalho, em matérias primas. Do ponto de vista de Mészáros, a tese da “cesura epistemológica” defendida
por Althusser não procede, uma vez que não vê oposição entre os conceitos “ideológicos” e os conceitos
“científicos” que separaram escritos da juventude daqueles do Marx maduro, adere, portanto, a tese da
totalidade do sistema de Marx.
37
NAVES, Márcio Bilharinho. Marx, ciência e revolução. São Paulo: Moderna, 2003, p. 23.
38
MARX, Karl. Manuscritos econômico –filosóficos. São Paulo: Boitempo Editorial, 2008, p. 106.
34
é necessária a crítica das armas, isto é, a teoria tem de se transformar em uma força
material e isto ocorre quando ela penetra as massas.
O modo de produção, o modo como os homens produzem suas vidas, passa a ser o
elemento decisivo da análise marxista: o materialismo de Marx são os indivíduos reais, as
ações que eles desenvolvem e suas condições de vida.
39
NAVES, Márcio Bilharinho. Marx, ciência e revolução. São Paulo: Moderna, 2003, p. 30-31.
35
um processo que coloca duas classes sociais em confronto, como é o caso da burguesia e a
classe operária na sociedade capitalista.
Na Ideologia Alemã, Marx começa sua mudança de terreno, rompendo com as teses
humanistas contidas nas obras anteriores, mas ainda defende posições que retificaria
posteriormente como o primado das forças produtivas sobre as relações de produção, ou
seja, o desenvolvimento histórico dependeria principalmente das inovações técnicas que
dão origem aos meios de produção mais avançados e não na luta de classes na produção.
Bem ao contrário do que acontece com a filosofia alemã, que desce do céu para a
terra, aqui se sobe da terra para o céu. Que dizer, não se parte daquilo que os
homens dizem, imaginam ou engendram mentalmente, tampouco do homem
dito, pensado ou engendrado mentalmente para daí chegar ao homem em carne e
osso; parte-se dos homens realmente ativos e de seu processo de vida real para
daí chegar ao desenvolvimento dos reflexos ideológicos e aos ecos desse
processo de vida. 40
A partir d’O Capital, Marx modifica sua posição inicial sobre o primado das forças
produtivas, saindo de uma ótica economicista dando enfoque às relações de produção,
considerando as forças produtivas como o conteúdo material das relações de produção, não
havendo qualquer desenvolvimento das forças produtivas que ocorra fora de determinadas
relações de produção.
O homem é deslocado do centro da cena social, passando a ser visto sob uma
determinação ideológica, como suporte de relações sociais.
41
NAVES, Márcio Bilharinho. A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras expressões e Dobra
Universitária, 2014, p. 28-29.
42
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013, p. 159, livro I.
37
Apesar de Marx não ter desenvolvido propriamente uma teoria do Estado, pode-se
identificar o ponto de partida para uma teoria materialista do Estado, conforme apontado
na Ideologia Alemã, nas relações materiais de produção e como estas relações se
comportam entre si no processo de produção.
43
HIRSCH, Joachim. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 20.
38
necessitando que o Estado garanta suas atuações como sujeitos livres e iguais, de modo a
ocultar a real situação de submissão.
Portanto, as relações entre indivíduos são objetivadas, aparecendo a eles como uma
coisa fora de seu alcance, ocultando o processo de valoração do Capital, caracterizando,
segundo Joachim Hirsch, adepto da teoria da regulação, as duas formas fundamentais de
coesão social:
Na verdade, a forma jurídica, o sujeito de direito, não advém do Estado, uma vez
que a dinâmica histórica que propicia o seu surgimento tem vínculo direto com as relações
de produção capitalista:
44
HIRSCH, Joachim. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 30.
45
CALDAS, Camilo Onoda. A teoria da derivação do estado e do direito. São Paulo: Outras Expressões e
Dobra Universitária, 2015, p. 84.
39
46
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e Forma Jurídica. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013, p. 41.
47
KASHIURA JUNIOR, Celso Naoto. Crítica da Igualdade Jurídica. Contribuições ao Pensamento Jurídico
Marxista. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p.114.
48
MASCARO, Alysson Leandro. Op. cit., p. 18.
40
49
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e Forma Jurídica. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013, p. 19
50
Idem, ibidem, p. 23.
41
vez de valerem por si, valem na troca. Trabalho e mercadoria se constituem sob o
dístico de uma forma-valor.51
A coerção das formas sociais se dá por mecanismos fetichizados, que são basilares
e configuram as próprias interações:
Inicialmente influenciado por Heidegger, principalmente por Ser e Tempo, obra que
considerou como sendo porta-voz de uma filosofia verdadeiramente concreta em
contraposição ao neokantismo e ao neo-hegeleanismo, posteriormente reformula suas
posições em busca de uma teoria da revolução, com ajuda de Marx, passando a considerar
Heidegger por demais retórico e a sua filosofia como não concreta.
O Instituto tinha como objetivo precípuo desenvolver uma teoria social crítica, de
análise e interpretação da realidade social existente a partir do de Hegel e de Marx, com
isso rumaram para um humanismo marxiano e libertário.
Entre 1942 e 1951, Marcuse exilou-se nos Estados Unidos da América, em razão da
perseguição nazista aos judeus, prestando serviços ao governo americano, em especial aos
órgãos de informação relacionados à Segunda Guerra Mundial e ao Departamento de
Estado.
43
Pode-se dizer, com base em divisão proposta por Wolfgand Leo Maar, na
Introdução do livro Cultura e Sociedade55, que Marcuse passou pelas seguintes fases:
54
BOCAYUVA, Pedro Cláudio Cunca. Capitalismo tardio e esfera cultural em Marcuse. Physis, revista de
saúde coletiva, Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social do Estado do Rio de Janeiro, v. 8, p. 33, 1998.
55
MAAR, Wolfgang Leo. Introdução, Marcuse: Em busca de uma ética materialista. In MARCUSE,
Herbert. Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 16, v. 1.
56
No segundo volume da coletânea Cultura e sociedade constam seis artigos relativos às três fases de
Marcuse: Sobre os fundamentos filosóficos do conceito de trabalho da ciência econômica (1933) - final da
primeira fase; O existencialismo (1949) – segunda fase e A obsolescência da psicanálise (1963);
Industrialização e capitalismo na obra de Max Weber (1964); Ética e revolução (1964) e Comentários para
uma redefinição de cultura (1965) – terceira fase.
44
Civilização. Fazem parte desse período também Sobre o conceito de Essência (1936), Uma
introdução à filosofia de Hegel (1939) e Algumas implicações sociais da tecnologia
moderna (1941).
Nos seus primeiros artigos Herbert Marcuse procura formar uma síntese de
Heidegger com o marxismo, aplicando a fenomenologia ao marxismo via Heidegger - para
ele o conceito da própria existência histórica foi cunhado por Marx e por Heidegger
novamente interpretado, sendo que a análise fenomenológica comprovara a existência
humana como ente histórico, reconhecendo a práxis como seu comportamento originário.
Nessa obra publicada em 1928, na revista Philosophie Hefte, Marcuse indaga sobre
o que seria propriamente existência, sobre a possibilidade de uma existência em geral e, a
partir da possibilidade do existir autêntico, a manutenção de uma filosofia significando
uma ciência prática autêntica:
45
Já não seria o “sum ergo cogito” de Descartes o primeiro enunciado com o qual o
eu se estabelece, e sim o sum no sentido de eu sou no mundo:
57
MARCUSE, Herbert. Contribuições para a compreensão de uma Fenomenologia do Materialismo
histórico. In ______. Materialismo histórico e existência. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1968,
p. 73.
58
Idem, ibidem, p. 58.
46
59
MARCUSE, Herbert. Contribuições para a compreensão de uma Fenomenologia do Materialismo
histórico. In ______. Materialismo histórico e existência. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1968,
p. 69.
60
Idem, ibidem, p. 71-72.
47
O ser deve ser visto em seu sentido, sua totalidade, como presença em um mundo
em que se ocupa, em que com ele se relaciona, não se pode considerar um sujeito separado
do objeto como um ser desconectado:
A expressão “sou” se conecta a “junto”; “eu sou” diz, por sua vez: eu moro, me
detenho junto... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou daquele modo, me é
familiar. O ser, entendido como infinito de “eu sou”, isto é, como existencial,
significa morar junto a, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e
existencial do ser da presença que possui a constituição essencial de ser-no-
62
mundo.
Já não é mais possível abarcar a totalidade caso tomemos como ponto de partida a
relação sujeito-objeto. Partindo-se somente dessa relação sem levar em conta o mundo
circundante, o ser no mundo e o ser com o outro, seria reduzir a teoria do conhecimento do
ser.
Como este sujeito que conhece sai de sua “esfera” interna e chega a uma “outra”
esfera, a “externa”? Como o conhecimento pode ter um objeto? Como se deve
pensar o objeto em si mesmo de modo que o sujeito chegue por fim a conhecê-lo,
sem precisar arriscar o salto numa outra esfera?63
61
HEIDEGGER, Martin. Introdução à Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 124.
62
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 92, parte 1.
63
Idem, ibidem, p. 99.
48
A presença não apenas é e está no mundo, mas também se relaciona com o mundo
segundo um modo de ser predominante, em sua cotidianidade, de modo que precisamos
investigar também o ser-um-com-o-outro.
O mundo é também presença e os outros que vêm ao encontro não são algo
acrescentado pelo pensamento a uma coisa já antes simplesmente dada – são entes que se
distinguem dos instrumentos e das coisas e que são e estão no mundo de acordo com o
modo de ser de suas presenças, sendo que o encontro com os outros não se dá em uma
apresentação prévia em que um sujeito dado se distingue dos demais sujeitos em uma visão
primeira de si:
Mesmo quando a presença não se volta para os outros, quando acredita não precisar
deles, ela é ainda um modo de ser com. O cuidado, portanto, é um modo de ser essencial
do ser, é a maneira desse ser se estruturar, dar-se a conhecer.
64
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 169-170, parte 1.
49
Nas ocupações com o mundo circundante, os outros nos vêm ao encontro naquilo
que são – eles são o que empreendem – e nessas ocupações do que se faz com, contra ou a
favor dos outros sempre se cuida de uma diferença com os outros, que a presença ou
procura nivelar ou estando aquém se esforça para chegar até eles ou na precedência sobre
os outros procura subjugá-los.
A partir do domínio dos outros, da tutela dos outros, assumidos sem que a presença
se dê conta disso, temos o impessoal que é um existencial e, como fenômeno originário
pertence à constituição positiva da pré-sença. A pré-sença possui em si própria diversas
possibilidades de concretizar-se. As imposições e expressões de seu domínio podem variar
historicamente.
65
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 173-174, parte 1.
66
Idem, ibidem, p. 53, parte 2.
50
Nesse ponto, Marcuse busca o socorro do marxismo para suas análises, uma vez
que Heidegger tornou-se insuficiente, por suas considerações por demais abstratas da
sociedade em Ser e Tempo e por sua concepção de historicidade muito generalizada, o que
não permite adequada compreensão dos fatos históricos verdadeiros que restringem a ação
humana.
Marcuse chega à conclusão que o marxismo vai além de Heidegger quando analisa
a divisão da sociedade em classes, uma vez que abre a análise para a realidade daquele
momento histórico em que apenas uma classe seria capaz de se engajar em uma ação
radical, o proletariado, que pelo seu papel chave no processo de produção seria o
verdadeiro sujeito histórico,
Além do mais, o marxismo refere-se ao total dos conhecimentos que dizem respeito
à historicidade: à estrutura, à mobilidade do acontecer e ao ser. Uma nova postura
revolucionária dá ao conjunto do ser social uma nova perspectiva a partir da historicidade,
como determinação fundamental do ser situado, estudada por Heidegger em seu livro O
Ser e Tempo.
homem, ou seja, a salvação do homem não deve ser buscada fora do homem e sim no
homem e o homem está inserido na história.
Marcuse entende que a questão do ato radical somente tem sentido quando esse ato
promover, frente a uma situação concreta, a realização do ente humano, mesmo que essa
realização apareça como impossibilidade fática.
O ato radical é assim conformemente necessário, tanto para o autor, quanto para
a circunstância, na qual ele age. Através do seu acontecer se dirige a necessidade,
modifica, com alguma simplicidade, o insuportável acontecido e coloca, no seu
lugar, a própria necessidade, que, só ela, pode liberar a insuportabilidade. Cada
ato, que não têm este específico caráter de necessidade, não é radical, poderia
também não acontecer, e, mais tarde por um outro vir a ser efetuado. Isto conduz
ao último significado decisivo da necessidade: o ato radical é a sua própria
necessidade imanente. Que já agora precisa acontecer, já aqui e já a partir dele,
mencionado, que nunca pode ser trazido de fora para o autor, desde que o autor
precisa efetuá-lo no sentido de dever – ser imanente, o que já é outorgado pela
sua própria existência. Somente assim tornar-se-á, com efeito, necessário o ato,
pelo que ele não se deixa outorgar, e sim irrompe de dentro de si mesmo. 69
Por sua vez, o ato radical só tem necessidade imanente se for historicamente
necessário, uma vez que a existência humana se realiza essencialmente na história e através
da história se vê determinada. O homem histórico aparece, desde seu início, não como
indivíduo isolado, e sim como homem entre homens.
68
MARCUSE, Herbert. Contribuições para a compreensão de uma Fenomenologia do Materialismo
histórico. In ______. Materialismo histórico e existência. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1968,
p. 60.
69
Idem, ibidem, p. 62.
53
70
MARCUSE, Herbert. Contribuições para a compreensão de uma Fenomenologia do Materialismo
histórico. In ______. Materialismo histórico e existência. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1968,
p. 65.
71
Idem, ibidem, p. 65.
54
O portador do ato radical é a classe universal, ser concreto histórico, cuja meta está
assinalada por sua própria situação. O ato radical é, portanto, o gesto revolucionário pelo
qual o proletário atinge a essência da natureza humana, que é a sua desalienação, a
conquista do homem autêntico, a conquista da felicidade, já para Heidegger o homem tem
sua essência descoberta pela angústia e essa essência se mostra como o “nada”.
72
MARCUSE, Herbert. Contribuições para a compreensão de uma Fenomenologia do Materialismo
histórico. In ______. Materialismo histórico e existência. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1968,
p. 66.
55
73
MARCUSE, Herbert. Novas fontes para a fundamentação do materialismo histórico. In______.
Materialismo Histórico e Existência. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário, 1968, p 107-108.
74
Idem, ibidem, p.108.
56
Tal trabalho refere-se a uma alienação e desvalorização da vida humana, que leva a
uma “distorção” de fatos da existência humana. Neste contexto, a análise de Marcuse tenta
resgatar a importância de se tomar o homem como tal e não como mero “sujeito
econômico”, o que implicaria em superar a propriedade privada, pois nela o homem é
tomado como objeto.
75
MARCUSE, Herbert. Novas fontes para a fundamentação do materialismo histórico. In______.
Materialismo Histórico e Existência. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário, 1968, p. 108.
76
Idem, ibidem, p. 108.
77
Idem, ibidem, p. 111.
57
Este ensaio de 1932 é um ajuste de contas com Heidegger, apesar de manter ainda
muito das expressões deste, como Dasein, estar com o outro, etc.
78
MARCUSE, Herbert. Introdução. Marcuse: em busca de uma ética materialista. Cultura e sociedade. São
Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 17-18, v. 1.
79
Idem, ibidem, p. 19.
58
Este ajuste, no entanto, não se traduziria ainda em uma teoria social, pois é
colocado no terreno filosófico do conflito de uma ontologia de aspecto histórico-
materialista com a fenomenologia existencial. Além do mais, Marcuse ainda partilha com
Heidegger um olhar a-histórico quando aborda o trabalho como uma realização existencial,
não analisando a forma social do trabalho sob o modo de produção capitalista – o trabalho
como forma de mascarar a exploração capitalista.
80
MARCUSE, Herbert. Sobre os fundamentos filosóficos do conceito de trabalho na ciência econômica. In
______. Cultura e Sociedade, São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 41-42, v. 2.
81
Idem, ibidem, p. 42.
59
O início desta 2ª fase se dá com a publicação de quatro ensaios escritos entre 1934 a
1938, para a Revista de Pesquisa Social de do Instituto de Frankfurt, que foram reunidos
no primeiro volume de Cultura e Sociedade, são eles: O combate ao liberalismo na
concepção totalitária do Estado, Sobre o caráter afirmativo da cultura, Filosofia e teoria
crítica e Para a crítica do hedonismo.
Esses primeiros textos, que têm como proposta metodológica a apreensão dialética
e materialista da história das ideias, são centrados em torno de uma temática comum
ocorrida no plano da formação do sujeito, considerado de uma forma ampla: no plano da
cultura, ética etc.
82
MARCUSE, Herbert. Sobre os fundamentos filosóficos do conceito de trabalho na ciência econômica. In
______. Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 44, v. 2.
60
O sujeito nessa concepção “antropológica existencial” age, mas não sabe para que
age, não decide por si próprio para que ele age, sendo secundário o porquê do agir:
85
MAAR, Wolfgang Leo. Introdução, Marcuse: Em busca de uma ética materialista. In MARCUSE, Herbert.
Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra,1997, p. 23, v. 1. .
86
MARCUSE, Herbert. Sobre o caráter afirmativo da cultura. In ______. Cultura e Sociedade. São Paulo:
Paz e Terra, 1997, p. 94, v. 1,
62
própria, sem mediações, em busca de sua felicidade que passa a ser suprida pela produção
capitalista, sendo desnecessária a igualdade efetiva, bastando a igualdade abstrata.
87
MARCUSE, Herbert. Sobre o caráter afirmativo da cultura. In ______. Cultura e Sociedade. São Paulo:
Paz e Terra, 1997, p. 103, v. 1.
63
Conclui que a eliminação da cultura afirmativa deve aparecer utópica, pois a cultura
se apresentou no pensamento ocidental apenas como cultura afirmativa, sendo que sua
eliminação parecerá como sendo eliminação da cultura como um todo, além do mais, a
superação dessa cultura significará a realização efetiva da individualidade.
As necessidades dos indivíduos e da sociedade não podem mais serem vistas como
separadas, é preciso romper com a reificação com que a cultura afirmativa tem até então
trabalhado, pois a ética da felicidade individual constitui também base para o controle
91
MARCUSE, Herbert. Filosofia e Teoria Crítica. In ______. Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra,
1997, p. 140, v. 1.
92
Idem, ibidem, p. 152.
93
Idem, ibidem, p. 152.
65
social, uma vez que as satisfações das necessidades individuais são determinadas conforme
as relações de produção:
O hedonismo consequente não esconde o inconciliável, não pode ser usado como
justificação da opressão da liberdade e nem como sacrifício do indivíduo, tal como é usado
o conceito de razão universal:
94
MARCUSE, Herbert. Para a crítica do hedonismo. In ______. Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e
Terra, 1997, p. 31-32, v. 1.
95
Idem, ibidem, p. 167.
66
O sujeito já não está isolado no seu interesse contra os outros, sua vida pode ser
feliz para além da contingência do momento, porque suas condições de
existência já não são determinadas por um processo de trabalho que só cria
riqueza mediante a manutenção da miséria e da privação, mas mediante a
autoadministração racional do todo, na qual o sujeito participa ativamente. O
indivíduo pode comportar-se em relação aos outros como se fossem seus iguais e
em relação ao mundo como se fosse seu mundo, pois esse já não lhe será
estranho. A compreensão recíproca já não será dominada pela infelicidade, pois a
intelecção (Einsicht) e a paixão não entrarão mais em conflito com a forma
reificada das relações humanas.97
Fazem parte dessa fase também dois textos do volume 2 de Cultura e Sociedade: o
ensaio Sobre os fundamentos filosóficos do conceito do trabalho da ciência econômica, já
comentado acima, e o texto O existencialismo, Comentários a O Ser e Nada, em que
Marcuse faz uma dura crítica às posições de Sartre, classificando-as como idealista e
burguesa, os demais textos deste volume pertencem a outras fases do autor.
96
MARCUSE, Herbert. Para a crítica do hedonismo. In ______. Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e
Terra, 1997, p. 187, v. 1. .
97
Idem, ibidem, p. 193.
67
Para Sartre – segundo a ótica de Marcuse – a saída era “desenvolver” esta nova
experiência histórica/existencial numa filosofia da existência humana concreta.
Marcuse segue a trilha de sua interpretação e nega a atração que sente pela
originalidade e pela força do pensamento de Sartre. Manteve, porém, uma
posição cautelosa em relação à concepção de “liberdade humana” que Sartre
desenvolvia, sobre a qual se apoia L’Être et le Néant. Sartre afirmava a
liberdade como parte da própria estrutura do ser do homem, nada podendo, desta
forma, destruí-la. 98
Para Marcuse, Sartre entende a liberdade como uma decisão individual, um plano
estritamente individual e um resultado do próprio “fazer” do “para-si”, subsumindo os
diferentes sujeitos históricos, como o empresário, o trabalhador, o intelectual, o servo o
senhor dentro de um mesmo parâmetro, reduzindo esse “para-si” ao denominador abstrato
de uma existência universal, contrariando a tese de que a “existência cria a essência”.
98
SOARES, Jorge Coelho. Marcuse, uma trajetória. Londrina: UEL, 1999, p. 82.
99
MARCUSE, Herbert. O existencialismo, comentários a O Ser e o Nada. In ______. Cultura e Sociedade.
São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 54, v.1.
68
por uma consciência que declara guerra à realidade, atendendo a uma “moral da
libertação”.
Foi dito, numa nota a O Ser e o Nada, que a moral da libertação e da redenção
era possível, mas exigiria uma “conversão radical”. Os escritos e as posições de
Sartre nas duas últimas décadas são uma tal conversão. Ontologia pura e
fenomenologia recuam ante a efetiva invasão da história nos conceitos de Sartre,
da discussão com o marxismo e da aceitação da dialética. A filosofia torna-se
política porque nenhum conceito filosófico pode mais ser pensado fora nem
desenvolvido sem compreender dentro de si mesmo a inumanidade que é
organizada hoje pelos governantes e aceita pelos governados. Nessa filosofia
politizada, a concepção existencialista fundamental é salva pela consciência que
declara guerra a essa realidade (Realität) – no conhecimento de que a realidade
permanece vitoriosa.100
100
MARCUSE, Herbert. O existencialismo, comentários a O Ser e o Nada. In ______. Cultura e Sociedade.
São Paulo: Paz e Terra, 1997, p. 82-83, v. 1.
101
SOARES, Jorge Coelho. Marcuse, uma trajetória. Londrina: UEL, 1999, p. 71.
69
A possibilidade de ser livre deriva da razão, uma força histórica, sendo a existência
do sujeito vinculado à liberdade. O sujeito, conforme exposto no processo dialético de
Hegel, é elaborado com o intuito de resgatar as premissas iluministas de liberdade e
igualdade. Quem opera o processo dialético é o Ser como sujeito que realiza seu próprio
desenvolvimento, racionalizando suas próprias potencialidades até o estado de ser, o
verdadeiro sujeito:
102
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988, p. 21.
103
Idem, ibidem, p. 22.
104
Idem, ibidem, p. 22.
70
As leis só funcionam como leis na medida em que são adotadas pela vontade do
sujeito e influenciam seus atos, uma vez que a lei universal da história não é apenas
progresso em direção à liberdade, mas progresso na autoconsciência da liberdade, cada
obstáculo no caminho da liberdade é superável pelos esforços de uma humanidade
autoconsciente:
105
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988, p. 211.
71
Assim como Hegel, Ludwig Andreas Feuerbach entende que a humanidade atingiu
a maturidade e que a Terra estaria pronta para ser transformada pela prática coletiva e
consciente dos homens, em um domínio de razão e liberdade. Feuerbach propõe uma
filosofia não idealista, que vise à emancipação concreta dos homens; para isso a nova
filosofia deveria negar a filosofia hegeliana para realizá-la.
106
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988, p. 213.
107
Idem, ibidem, p. 240-241.
72
A filosofia deve começar com o ser, não com o ser-como-tal abstrato, de Hegel,
mas com o ser em concreto, isto é, com a natureza. “A essência do Ser qua Ser é
a essência da natureza”. A nova filosofia, entretanto, não deve ser uma filosofia
da natureza no sentido tradicional. A natureza só se torna relevante enquanto
condiciona a existência humana; o homem deve ser o conteúdo e o interesse
propriamente dito. A libertação do homem requer a libertação da natureza, e a
libertação da natureza, a libertação da existência natural do homem.109
A ideia de Hegel era que o trabalho trouxesse a certeza sensível e a natureza para
dentro do processo histórico. Feuerbach desprezava inteiramente esta função
material do trabalho, porque concebia a existência do homem em termos de
sensação. “Não satisfeito com o pensamento abstrato, Feuerbach recorre à
percepção-sensível (Anschauung); mas ele não compreende a sensibilidade como
atividade prática, humano-sensível”.110
108
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988, p. 247-248.
109
Idem, ibidem, p. 249.
110
Idem, ibidem, p. 251.
73
111
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988, p. 265.
112
Idem, ibidem, p. 265.
74
113
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988, p. 269.
114
Idem, ibidem, p. 284.
115
Idem, ibidem, p. 289.
75
A revolução depende da totalidade das condições objetivas; ela exige que tenha
sido alcançado certo nível de cultura intelectual e material numa escala internacional, que
haja aguda luta de classes. Estas condições tornam-se revolucionárias, porém, somente se
apreendidas e dirigidas por uma atividade consciente que vise à meta socialista.
Desta forma, enquanto o homem não for capaz de dominar as relações de produção
vigentes e usá-las para suprir suas necessidades, sua consciência continuará dominada por
estas relações de forma que se torna necessariamente ideológica:
Enquanto o homem for incapaz de dominar estas relações, e de usá-las para a satisfação das
necessidades e desejos do todo, elas tomarão a forma de uma entidade objetiva,
independente. A consciência, presa e dominada por essas relações torna-se,
necessariamente, ideológica.117
Nesta fase, Marcuse elabora estudos que servirão de guia para a sua crítica à
sociedade no livro Eros e a Civilização, uma interpretação filosófica do pensamento de
Freud, baseado nas análises de Freud.
116
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988, p. 290.
117
Idem, ibidem, p. 291.
76
A partir do pós-guerra, Marcuse preocupa-se com uma teoria do sujeito (um novo
sujeito histórico, pois o velho sujeito revolucionário, a classe trabalhadora, estava
integrado à sociedade de consumo), desta forma procura o auxílio da psicanálise, com base
nos estudos de Freud, para compreender o contexto da alienação ocorrida, o motivo desta
“servidão voluntária”, quais são os obstáculos psicológicos às mudanças sociais:
118
JAY, Martin. A imaginação dialética. História da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais,
1923-1950. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008, p. 156.
77
a) Freud
Freud começou suas análises sobre a subjetividade a partir do estudo das neuroses e
dos sintomas – foi em resposta ao sintoma histérico que as suas investigações o levaram a
descobrir o inconsciente, foi ouvindo o discurso do neurótico que Freud pôde descobrir que
o sintoma tem um sentido inconsciente, que diz algo mesmo que o sujeito nada saiba disso:
119
FREUD, Sigmund. Vida e Obra. In Os pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. x.
120
FREUD, Sigmund. Conferência XVIII, Fixação em traumas – o inconsciente. Conferências introdutórias
sobre psicanálise, Volume XVI. Rio de Janeiro: Imago Editora, p. 328-329.
78
A partir dos dados da experiência clínica, Freud concluiu que o trauma é, de forma
geral, suposto ou inferido, abandonando, assim, a teoria do trauma, criando a teoria da
fantasia, em que o trauma é tido como parte da realidade psíquica do sujeito e fundamento
da fantasia.
121
FREUD, Sigmund. Conferência XXIII, Os caminhos das formações dos sintomas. Conferências
introdutórias sobre psicanálise, Volume XVI. Rio de Janeiro: Imago Editora, p. 419-420.
122
Idem, ibidem, p. 435-436.
79
O inanimado existe antes do vivo, sendo que a meta de toda vida é a morte, uma
vez que a vida procura o repouso, fruto de seu estado anterior, a ausência de conflitos –
ocorre uma luta, nasce a primeira pulsão, a de se retornar ao inanimado.
O sintoma seria então uma solução que visa restabelecer uma suposta homeostase
que teria sido quebrada pelo conflito psíquico, e chega a cumprir sua função, no sentido de
resolver o conflito, ao mesmo tempo em que tem como produto uma satisfação que
perturba.
Assim, o sintoma é o trabalho de todo sujeito para dar conta do real, ao mesmo
tempo em que esse sujeito é determinado pela incidência da pulsão, tornando-se, em última
instância, um efeito desse real.
123
FREUD, Sigmund. Além do princípio de prazer. Rio de Janeiro: Imago Editora, 2003, p. 11.
124
CABAS, Antonio Godino. O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan, da questão do sujeito ao sujeito em
questão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009, p. 61.
80
Termo criado por Freud em 1896 numa carta a seu amigo Fliess, a
metapsicologia distingue as concepções teóricas psicanalíticas das perspectivas
da psicologia clássica. Os modelos propostos na metapsicologia estão para além
do observável e referem-se a um conjunto de teorias que define as instâncias do
aparelho psíquico: a teoria das pulsões, o recalcamento e a interpretação dos
sonhos, entre outros processos. Divide-se nas perspectivas “dinâmica”, relativa
ao conflito psíquico e à composição das forças de origem pulsional; “tópica”,
relativa à diferenciação da psique em sistemas ou instâncias com diferentes
funções; “econômica”, relativa à distribuição e circulação da energia psíquica ou
pulsional. Os principais textos em que Freud trabalha numa perspectiva
metapsicológica são: o Projeto de uma Psicologia (1895); A Interpretação dos
Sonhos (1900), em especial o Capítulo VII; Formulações sobre os Dois Tipos do
Acontecer Psíquico (1911); À Guisa de Introdução ao Narcisismo (1914); O
Inconsciente (1915); Para Além do Princípio do Prazer (1920); O Eu e o Isso
126
(1923) e Esboço da Psicanálise (1938), entre outros.
Freud elaborou seis ensaios que abordam temas ligados à constituição da cultura e
da sociedade. São eles: A moral sexual ‘cultural’ e o nervosismo moderno, de 1908, Totem
125
CABAS, Antonio Godino. O sujeito na psicanálise de Freud a Lacan, da questão do sujeito ao sujeito em
questão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009, p. 22.
126
RAFFAELLI, Rafael. (2007). Nota sobre a Metapsicologia Freudiana. Artigo da Revista Internacional
Interdisciplinar. Disponível em <https://periodicos.ufsc.br/index.php/interthesis/article/download/.../10848>
81
e tabu, de 1913, Psicologia das massas e análise do eu, de 1921, O futuro de uma ilusão,
de 1927, O mal-estar na civilização/cultura, de 1930, e Moisés e o monoteísmo, de 1939.
Freud destaca três fontes de sofrimento que ameaçam o ser humano: o poder
devastador e implacável das forças da natureza, a ameaça de deterioração e decadência que
vem de nosso próprio corpo, e o sofrimento advindo das relações entre os humanos
(possivelmente o mais penoso de todos):
Até agora, nossa investigação sobre a felicidade não nos ensinou muita coisa que
já não fosse conhecida. E se lhe dermos prosseguimento, perguntando por que é
tão difícil para os homens serem felizes, a perspectiva de aprender algo novo
também não parece grande. Já demos a resposta, ao indicar as três fontes de onde
vem o nosso sofrer: a prepotência da natureza, a fragilidade de nosso corpo e a
insuficiência das normas que regulam os vínculos humanos na família, no Estado
e na sociedade.127
O ponto de vista estrutural da psicanálise foi exposto por Freud no ensaio O Ego e
o Id (1923), em que se pode afirmar que a subjetividade em Freud é baseada em uma
divisão da estrutura mental em camadas: id, ego e superego. Na formação de sua
subjetividade, o homem busca uma gratificação instintiva prazerosa (id, o inconsciente), no
entanto, tal satisfação não é permitida pela sociedade, pois existe o risco de destruição do
próprio indivíduo:
As principais camadas da estrutura mental são agora designadas como Id, ego e
superego. A camada fundamental, mais antiga e maior, é o id, o domínio do
inconsciente, dos instintos primários. O id está isento das formas e princípios que
constituem o indivíduo consciente e social. Não é afetado pelo tempo nem
perturbado por contradições; ignora “valores, bem e mal, moralidade”. Não visa
127
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1997, p. 37.
82
A luta pela repressão dos instintos estaria relacionada com a luta constante pela
existência, de forma que o indivíduo redireciona sua energia instintiva imediata para a
mediação adiada, direcionando o indivíduo ao trabalho – o “eterno” antagonismo entre o
princípio do prazer e princípio da realidade.
128
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 47.
129
Idem, ibidem, p. 48.
83
b) Eros e civilização
130
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1997, p. 49.
84
A base instintiva dos homens provém do animal que se converte em ser humano
transformando sua natureza, afetando não só os anseios instintivos, mas também os valores
instintivos, isto é, os princípios que governam a consecução dos anseios.
131
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 27.
132
Idem, ibidem, p. 14.
85
Os rebeldes, ao derrubarem o velho poder, identificam-se com ele e por isso tornam
a instituir um novo poder tão ou mais opressivo que o anterior. Ou seja, a dominação é
interiorizada, o que explica as sucessivas derrotas em termos psicológicos – o indivíduo
autorreprimido apoia os senhores e suas instituições.
Assim sendo, sob esta ótica desfaz-se a concepção burguesa de indivíduo isolado,
autônomo:
133
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 39.
86
134
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 67-68.
135
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 522.
87
136
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 91.
137
MACINTYRE, Alasdair. As ideias de Marcuse. São Paulo: Cultrix Ltda, 1970, p. 53-54.
138
Idem, ibidem, p. 53-54.
88
A repressão pode variar de acordo com a relação que cada princípio de realidade
possui com o trabalho - uma sociedade que trabalha para o consumo próprio é diferente
daquela que pretende gerar lucro. Esta e outras diferenças são apontadas por Marcuse
como fundamentais para a caracterização de um princípio de realidade que pode ser
também modificado de acordo com as relações sociais, leis e as instituições.
Assim, seria mais adequado utilizar o termo princípio de desempenho que princípio
da realidade, que é a uma modalidade de repressão sobre as pulsões que ajusta os homens
ao aparato técnico, político e econômico de dominação – por meio da hierarquia do
trabalho na sociedade industrial efetiva-se a imposição de todos os requisitos adicionais de
repressão institucional que são necessários a esse aparato.
Marcuse conclui que, como houve outros princípios de realidade, por ser histórico o
princípio atual de desempenho, este poderá mudar a partir do momento em que a sociedade
139
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 131.
89
mudar o seu “corpo” social, ou seja, quando ela não for mais estratificada de acordo com
os desempenhos econômicos dos seus membros.
140
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 140.
90
Na verdade, ponderou que houve negligência de sua parte ao não considerar que o
fundamento lógico do princípio do desempenho ter sido amplamente reforçado (se não
substituído) por formas ainda mais eficientes de controle social:
141
MARCUSE, Herbert. Eros e Civilização. Uma interpretação filosófica do Pensamento de Freud. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1968, p. 16.
142
Idem, ibidem, p. 23.
91
c) A obsolescência da psicanálise
Porém, o princípio de prazer ou a energia erótica destes “filhos” não admitem, num
primeiro momento, a autoridade e a imposição paterna, e então, ocorre o parricídio (ação
que já busca a liberdade – fruição das pulsões). Mas sem orientação, porque lhes falta
autonomia suficiente (a necessidade do “pai”), os filhos assassinos reestabelecem a moral
paterna.
143
MARCUSE, Herbert. A obsolescência da Psicanálise. In ______. Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e ,
Terra, 1997, p. 91, v. 2.
92
Freud considerava universal a sua teoria, válida para qualquer época, apesar de esta
teoria ter surgindo em determinada época e local, desenvolvida para explicar os processos
psíquicos que caracterizavam os padrões de comportamento do indivíduo inserido em uma
sociedade em que prevaleciam os valores burgueses consolidados.
Ocorre que novas formas de vida surgem nas sociedades industriais avançadas,
provocando a obsolescência dessa teoria: o pai (ou a família dominada por ele) já não é
mais o núcleo transmissor do princípio de realidade que antes submetia, sob coação física,
o sujeito, tornando-o obediente:
Ora, essa situação, em que ego e superego se formavam na luta com o pai como
representante paradigmático do princípio da realidade, é uma situação histórica:
ela deixou de existir com as transformações da sociedade industrial que se
produziram no período do entreguerras.145
144
MARCUSE, Herbert. A obsolescência da Psicanálise. In______. Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e
Terra, 1997, p. 93-94, v. 2.
145
Idem, ibidem, p. 94.
93
Inicia propriamente sua análise crítica da racionalidade tecnológica no fim dos anos
50, tendo por escopo a lógica interna da sociedade soviética em marxismo soviético,
denunciando-a como um projeto totalitário, apropriado pela burocracia, que necessita cada
vez mais do desenvolvimento acelerado de suas forças produtivas para a sobrevivência do
Estado soviético:
146
MARCUSE, Herbert. A obsolescência da Psicanálise. In ______. Cultura e Sociedade. São Paulo: Paz e
Terra, 1997, p. 94-95, v. 2.
147
MARCUSE, Herbert. Marxismo soviético, uma análise crítica. Rio de Janeiro: Saga, 1969, p. 111.
148
Idem, ibidem, p. 229.
94
Nesse texto, Marcuse estabelece uma distinção entre “técnica”, entendida como
conjunto de instrumentos que podem servir tanto ao controle quanto à libertação, e
“tecnologia”, definida como um modo de produção específico que utiliza a técnica como
instrumento de controle.
Foi o que ocorreu com a massa alemã no Terceiro Reich, em que a população
alemã, fragilizada pela 1ª Guerra Mundial, recebeu o nacional-socialismo como uma
salvação. O reino de horror na Alemanha nacional-socialista não se deu apenas pela força
bruta, a racionalização tecnológica utilizada por Hitler para o bem-estar do povo alemão
arrebatou-os de maneira que nenhuma questão era levantada a respeito de seus métodos,
não questionavam o método de horror lá aplicado:
149
MARCUSE, Herbert. Marxismo soviético, uma análise crítica. Rio de Janeiro: Saga, 1969, p. 230.
150
MARCUSE, Herbert. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In ______. Tecnologia,
Guerra e Fascismo. São Paulo: Unesp, p. 74.
95
A ação e os pensamentos dos homens não são mais guiados pelo controle da
natureza, pela superação da necessidade para se atingir um patamar de emancipação do
potencial humano. Passam a prevalecer os fatos do processo da máquina, que por si só
aparecem como a personificação da racionalidade e da eficiência:
151
MARCUSE, Herbert. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In ______. Tecnologia,
Guerra e Fascismo. São Paulo: Unesp, p. 76.
96
As organizações econômicas e sociais não medem o poder pela força e sim por
meio da identificação das crenças e lealdade do povo. O comportamento humano passa a
ter como parâmetro a racionalidade do processo da máquina, sendo que este desempenho
determinados pelas máquinas passa a governar também o comportamento na ordem social,
nas escolas, escritórios, na esfera do descanso etc.
Por conta dessa racionalidade das máquinas, os indivíduos são despidos de sua
individualidade. O indivíduo tem de se ajustar a um aparato que detém o monopólio da
racionalidade, de tal forma que quaisquer tentativas de protesto e libertação individual
parecem, além de inúteis, absolutamente irracionais:
154
MARCUSE, Herbert. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In ______. Tecnologia,
Guerra e Fascismo. São Paulo: Unesp, p. 91.
98
Tendo em vista o modo como a sociedade industrial moderna organizou sua base
tecnológica, ela tende a tornar-se totalitária, uma vez que opera por meio da manipulação
das necessidades humanas, dominando o indivíduo de forma a impedir uma oposição
eficaz ao todo.
Marcuse aponta que a mais eficaz e resistente forma de guerra contra a libertação é
a implantação das necessidades materiais e intelectuais que perpetuam formas obsoletas da
luta pela existência.
155
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 24.
156
SOARES, Jorge Coelho. Marcuse, uma trajetória. Londrina: UEL, 1999, p. 129.
99
Como poderiam pessoas que tenham sido objeto de dominação eficaz e produtiva
criarem, elas próprias, as condições de liberdade? Seria necessária a percepção e
consciência do indivíduo de qual seriam suas reais necessidades, não aceitando a
imposição de falsas necessidades, conforme pondera Marcuse:
O homem é alienado por um sistema que proclama a liberdade que é utilizada como
dominação. A eleição livre dos senhores não abole os senhores nem os escravos, assim
como a livre escolha entre a ampla variedade de mercadorias e serviços não significa
liberdade se estes serviços e mercadorias sustêm os controles sociais sobre uma vida de
labuta e temor.
O indivíduo perde sua autonomia, vive uma vida pré-determinada, uniforme, o que
faz com que a produção em massa preencha estas vidas e alimente a dominação em um
mundo globalizado. A racionalidade tecnológica causa uma "mecânica do conformismo",
que nega qualquer tipo de manifestação individual revolucionária dentro de uma sociedade
totalmente planejada.
É certo, para Marcuse, que a sociedade deve, em primeiro lugar, criar as riquezas
que possibilitariam a liberdade humana, de forma que essa dependeria da superação das
necessidades que dependeria da industrialização, que dependeria das técnicas aplicadas, no
entanto, o desenvolvimento técnico e o progresso científico são transformados pela razão
instrumental em instrumentos de dominação, não são isentos:
159
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 35.
160
Idem, ibidem, p. 37.
101
Sob este argumento, chega-se à conclusão de que a libertação dos escravos viria de
fora e de cima; eles teriam de ser “forçados a ser livres”:
A libertação dos escravos parece vir de fora e de cima, no mesmo grau em que
eles foram pré-condicionados para viver como escravos e sentir-se contentes
nessa condição. Eles têm de ser “forçados a ser livres”, a “ver os objetos como
estes são e algumas vezes como deviam parecer”, devendo ser-lhes mostrado o
“bom caminho” que buscam. 161
Desta forma, mesmo os indivíduos que não têm a consciência da servidão deveriam
ser obrigados a serem livres? O socialismo deveria ser o primeiro ato da revolução, uma
vez que a consciência da servidão existente na sociedade capitalista já estaria na
consciência dos que a realizaram - pela lógica dialética, os escravos devem estar “livres”
para sua libertação, antes de poderem tornar-se livres e o fim deve estar operante nos meios
para atingi-lo.
161
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 55.
102
162
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 58.
103
(“paz é guerra”, “guerra é paz” etc.), que não é, de modo algum, somente do
totalitarismo terrorista. Tampouco é menos orwelliana se a contradição se a
contradição não está explícita na sentença, mas contida no substantivo. O ser um
partido político que trabalha na defesa e o crescimento do capitalismo chamado
“socialista”, um Governo déspota chamado “democrata” e uma eleição
manobrada fraudulentamente chamada “livre” são características linguísticas - e
políticas – familiares que em muito se antecederam a Orwell. 163
Marcuse indaga sobre quem seria, na concepção clássica, o sujeito que compreende
a condição ontológica de verdade e inverdade. Chega à conclusão que a verdade é fechada
a todo aquele que tem de passar a vida buscando necessidades da vida, e que essa verdade
seria universal em sentido estrito e real caso não houvesse mais o domínio da necessidade
para o homem.
163
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 96.
164
Idem, ibidem, p. 142.
104
A não liberdade do homem é garantida pela racionalidade técnica, uma vez que esta
demonstra a impossibilidade técnica de o indivíduo ser autônomo e determinar sua própria
vida. Os meios tecnológicos são maciçamente utilizados para produzirem necessidades
repressivas sobre as quais se fundamenta a dominação:
165
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 154.
166
Idem, ibidem, p. 226.
167
Idem, ibidem, p. 231.
105
Contudo, por baixo da base conservadora popular está o substrato dos párias e
estranhos, dos explorados e perseguidos de outras raças, outras cores, os
desempregados e os não-empregáveis. Eles existem fora do processo
democrático, sua existência é a mais imediata e a mais real necessidade de por
fim as condições e instituições intoleráveis. Assim, sua oposição é revolucionária
ainda que sua consciência não seja. Sua oposição atinge o sistema de fora para
dentro, não sendo, portanto, desviada pelo sistema, é uma força elementar que
viola as regras do jogo e, ao fazê-lo, revela-o como um jogo trapaceado. Quando
eles se reúnem e saem às ruas, sem armas, sem proteção, para reivindicar os mais
primitivos direitos civis, sabem que enfrentam cães, pedras e bombas, cadeia,
campos de concentração e até morte. Sua força está por trás de toda manifestação
política para as vítimas da lei e da ordem. O fato de eles começarem a recusar a
jogar o jogo pode ser o fato que marca o começo do fim de um período. 170
168
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 231.
169
Idem, ibidem, p. 234.
170
Idem, ibidem, p. 235.
106
Marcuse se voltou cada vez mais para análise dos fatores subjetivos envolvidos na
transformação do capitalismo, fator decisivo para seu interesse na obra inicial de Marx, de
caráter humanista.
107
Seu interesse pela filosofia foi motivado pelo materialismo e sua função crítica: “o
conhecimento científico contra todas as mistificações do ‘conhecimento’ ideológico”, o
que o levou a criticar o humanismo e o economicismo, interpretações que, segundo ele,
“contaminavam” as leituras de Marx.
171
ALTHUSSER, Louis. Elementos de autocrítica. In ______. Posições – 1. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1978, p.101.
108
Realizou uma leitura não humanista da obra de Marx, desenvolvendo suas análises
em dois grandes momentos: o primeiro momento sob a acusação de teoricismo (ou
formalista), anos 1960, e posteriormente sob uma fase de autocrítica.
O primeiro momento refere-se às suas obras de 1965, Pour Marx e Lire le Capital,
em que a filosofia é compreendida como uma teoria científica da “prática teórica”,
apresentando como proposta uma ruptura com a ideologia:
On sait que le travail d’Althusser a été scandé, à grands traits, au moins par
deux grands moments discontinus, du théoricisme des années 1960 au tournant
“politiste”, chacun engageant une conception diferente de la philosophie e du
rapport à Marx e à la politique. Le premier, correspondant aux deux ouvrages
de 1965, compreende la philosophie comme théorie (scientifique) de “pratique
théorique”, supposant um raport de ruptura avec l’idéologie. Ils s’appuie sur um
exercice de “lecture” de la pensée de Marx, théorise dans Pour Marx et Lire le
Capital principalement.172
A ideologia foi tratada por Althusser, por um lado como pré-história da ciência, por
outro como prática, sendo necessária em toda e qualquer sociedade para manter a coesão
social, e não somente como erro ou engano que o Iluminismo eliminaria.
172
BOURDIN, Jean-Claude (coord). Présentation, in Althusser: une lecture de Marx. Paris: Presses
Universitaires de France, 2008, p. 17. Sabe-se que o trabalho de Althusser foi dividido, em linhas gerais, em
pelo menos dois grandes momentos descontínuos: do teorismo dos anos 1960 a uma virada “politicista”, cada
um marcado por uma concepção diferente da filosofia e da relação com Marx e com a política. O primeiro,
correspondente às duas obras de 1965, compreende a filosofia como teoria (científica) da "prática teórica",
assumindo uma relação de ruptura com a ideologia. Eles se apoiam sobre um exercício de “leitura” do
pensamento de Marx, teorizado em Por Marx e Ler o Capital, principalmente (tradução livre).
109
Segundo Luiz Eduardo Motta, há ainda mais duas fases pela quais passou
Althusser. Uma terceira fase que teria sido uma extensão da segunda, com traços leninistas
mais acentuados, com a incorporação mais abertamente do maoísmo no aspecto político,
representado pelas obras: O 22º Congresso, de 1976, Enfim, a crise do marxismo, de 1977,
Marxismo como teoria finita, O marxismo hoje, de 1978, e O que não pode haver no
Partido Comunista, de 1978, além de Marx dentro dos seus limites, também de 1978.
A terceira fase de Althusser foi uma extensão da segunda, na qual acentuou mais
ainda os traços leninistas da segunda e incorporou mais abertamente o maoísmo
no aspecto político, além de demarcar uma posição completamente crítica às
173
BOURDIN, Jean-Claude (coord). Présentation, in Althusser: une lecture de Marx. Paris: Presses
Universitaires de France, 2008, p. 18-19. O segundo momento, movido por uma "autocrítica", denuncia um
desvio "teoricista", com a defesa de que a filosofia é “luta de classes na teoria." Pode-se falar de uma virada
“politicista” no pensamento de Althusser. Em uma palestra ilustre na Sociedade Francesa de Filosofia, em
1968, ele expõe uma abordagem de Lênin, de onde a ideia de que o marxismo não é "uma (nova) filosofia da
práxis, mas uma prática (nova) da filosofia", com proposições específicas, que visam não à verdade, mas à
“justeza”, chamadas “teses (ou posições: uma posição que é tomada, assumida enquanto posição, ocupando-
se uma posição sobre e contra outras posições)”. A leitura de Marx deixa de ser essencial: Althusser trabalha
a questão da reprodução das relações de produção, de onde se destacam os avanços sobre os aparelhos
ideológicos de Estado e a então inusitada tese da interpelação ideológica dos indivíduos como sujeitos, que
apareceu pela primeira vez diante da questão da subjetividade (tradução livre).
110
posições do PCF. [...]. É também nessa fase que Althusser começa a destacar a
questão da aleatoriedade que será central na fase seguinte. 174
Uma quarta fase seria o período em que ocorreu sua tragédia pessoal, quando
escreveu no manicômio sua autobiografia O futuro dura muito tempo, começando a
desenvolver o que ele denominou de materialismo aleatório ou do encontro, tendo
continuidade nos textos As correntes subterrâneas do materialismo do encontro, de 1982 e
no livro Filosofia e marxismo, de 1988:
Para Althusser, trata-se de uma filosofia do vazio, pois é uma filosofia que, em
vez de partir dos famosos “problemas filosóficos”, começa por eliminá-los e por
recusar a dar-se sobre si mesma um “objeto” (a filosofia não tem um objeto) para
partir do nada. Dá-se, pois, o primado da ausência (não há origem) sobre a
presença (cf. Althusser; Navarro, 1988:33). Há de fato uma aproximação com as
posições pós-estruturalistas de Deleuze e Derrida, mas não considero que tenha
havido uma “ruptura epistemológica” em sua obra como defende Armando Boito
Jr. (2007: 42). Ruptura haveria sim se Althusser desconsiderasse as suas posições
contra a filosofia do sujeito e renegasse os seus conceitos como aparelhos
ideológicos de Estado. Diferentemente disso, Althusser se manteve fiel a essas
posições iniciais, embora tenha se afastado de muitas de suas questões centrais
dos anos 1960 e que se mantiveram nos anos 1970.175
174
MOTTA, Luiz Eduardo. A favor de Althusser: revolução e ruptura na Teoria Marxista. Rio de Janeiro:
FAPERJ e Gramma Livraria e Editora, 2014, p. 15.
175
Idem, ibidem, p. 16.
111
Frente às estas tendências, Althusser traça uma linha de demarcação, que ele
chamou de corte epistemológico (expressão que tomou emprestada de Gaston Bachelard),
entre o que ele considera como “verdadeiros fundamentos teóricos da ciência marxista da
História e da Filosofia marxista”, de uma parte, e das “noções idealistas pré-marxistas”,
sobre a quais repousam as interpretações do marxismo como filosofia do homem ou como
humanismo, de outra.
Foi o estudo das obras de juventude de Marx que me levou inicialmente à leitura
de Feuerbach e à publicação dos seus textos teóricos mais importantes do
período 39-45 (cf. meus considerandos, pp. 33-38). Foi essa mesma razão que
devia naturalmente conduzir-me a estudar, no detalhe de seus respectivos
conceitos, a natureza das relações da filosofia de Hegel com a filosofia de Marx.
A questão da diferença específica da filosofia marxista tomou assim a forma da
questão de saber se existia ou não, no desenvolvimento intelectual de Marx, um
corte epistemológico marcando o surgimento de uma nova concepção da
filosofia – e a questão correlativa do lugar preciso desse corte. Foi no campo
dessa questão que o estudo das obras de Juventude de Marx toma uma
importância teórica (existência do corte?) e histórica (lugar do corte?)
decisiva.177
Expõe uma oposição entre o jovem Marx idealista marcado por noções humanistas
provenientes de uma filosofia idealista e o Marx maduro materialista que criou a ciência da
História.
176
ALTHUSSER, Louis. Aos leitores. In______. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 210.
177
ALTHUSSER, Louis. Prefácio: Hoje. In ______. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 21-22.
112
Estas duas frentes seriam dois aspectos do problema filosófico básico a que
Althusser se submeteu: a oposição entre ciência e ideologia.
Do ponto de vista epistemológico – o qual vai dominar boa parte de Pour Marx,
e constituir o núcleo de Lire Le capital -, Althusser caracteriza a ideologia como
pré-história da ciência. A ideologia, no plano teórico – não nos esqueçamos –
cobre o espaço vazio que a ciência preencherá, pensando o seu objeto, ainda que
em termos imaginários, sem produzir o efeito de conhecimento, trabalho de que
se encarregará a ciência. Assim, a ideologia deve ser pensada: “[...] como a pré-
história real cujo confronte real com outras práticas técnicas, e outras aquisições
ideológicas ou científicas, pôde produzir, numa conjuntura técnica específica, o
advento de uma ciência não como seu fim, mas como sua surpresa”. 179
Mesmo contendo algumas verdades afirmadas nas teses do Jovem Marx, não se
pode ficar prisioneiro do que se decidiu na esfera das ideias, nem do que se efetuou em
virtude de uma reflexão sobre as ideias propostas por Hegel, Feurbach e outros.
178
ALTHUSSER, Louis. Prefácio: Hoje. In______. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 24.
179
SAMPEDRO, Francisco. A teoria da ideologia em Althusser. In ______; NAVES, Marcio Bilharinho
(org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 32-33.
113
Desta forma, a ruptura do Marx maduro com seus escritos da Juventude se deve por
estarem estes escritos baseados em uma concepção positivista - historicista - que retira a
noção da determinação econômica.
Por outro lado, Althusser faz referência – no texto citado – à companhia surda da
ideologia junto à ciência. Como podemos compreender isso? Antes de mais
nada, e reiterando ainda uma vez, que nos encontramos no interior de um espaço
epistemológico, tendo presente que a ciência se articula em parceria, embora
contraditória e processual, com a ideologia. De modo que a contradição entre
ciência e ideologia (no estrito sentido teórico) resultaria insuperável porque na
prática não há conhecimentos “puros”, já que imediatamente qualquer
conhecimento científico carrega uma ideologia ao mesmo tempo em que a
desestabiliza. 181
Toda ciência nasce, tem uma pré-história da qual ela se liberta, podendo se libertar
em dois sentidos, em um sentido comum e em outro que a distingui antes de tudo da
filosofia que a acompanha na teoria.
Ela se liberta no sentido comum: entendamos que ela não nasce do nada, mas de
todo um trabalho de gestação, complexo, múltiplo, atingido às vezes por clarões,
mas ainda assim obscuro e cego, pois “ele” não sabe onde tende, nem se jamais
180
ALTHUSSER, Louis; RANCIÉRI, Jacques; MACHEREY, Pierre. De “O capital” à filosofia de Marx. In
ALTHUSSER, Louis. Ler o capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 47-48. v. I.
181
SAMPEDRO, Francisco. A teoria da ideologia em Althusser. In ______; NAVES, Marcio Bilharinho
(org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 34.
114
No entanto, uma ciência pode também se libertar de sua pré-história por si mesma,
rejeitando toda ou parte de sua pré-história qualificando-a como erro, criando-se uma nova
perspectiva, uma nova ciência, como o nascimento de uma criança sem pai.
Mas uma ciência se liberta também de sua pré-história por si mesma: de uma
forma totalmente diversa daquela que, pelo menos na teoria, lhe pertence
propriamente, pois ela a distingue, entre outras, de maneira como a Filosofia “se
liberta” de sua história. Neste sentido, pode-se quase dizer que uma ciência se
liberta de sua pré-história, como Marx, que saiu do quarto do comunista
Weitling, batendo a porta, com a célebre apóstrofe: “A ignorância jamais será um
argumento!” Rejeitando toda ou parte de sua pré-história, qualificando-a de
erro. 183
Portanto, uma ciência nasce quando rompe com sua pré-história, elaborando o
“conceito do seu objeto”, isto é, o conjunto de conceitos mais ajeitados para o
conhecimento do objeto que se propõe a estudar.
182
ALTHUSSER, Louis. Elementos de autocrítica. In ______. Posições – 1. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1978, p. 85-86.
183
Idem, ibidem, p. 86.
115
Além dos continentes acima citados, teríamos também um novo continente relativo
aos fenômenos psíquicos - a psicanálise de Freud - que inicialmente teve de pensar sua
descoberta e prática por meio de conceitos importados de outras ciências, como a biologia,
economia política etc. Freud criou seus conceitos, como o inconsciente (objeto de uma
nova ciência), a partir de conceitos emprestados das ciências existentes, conceitos estes
banhados em um mundo ideológico.
184
ALTHUSSER, Louis. Aos leitores. In______. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 213.
185
THÉVENIN, Nicole-Édith. O itinerário de Althusser. In SAMPEDRO, Francisco; NAVES, Marcio
Bilharinho (org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 11.
186
THÉVENIN, Nicole-Édith. O itinerário de Althusser. In SAMPEDRO, Francisco; NAVES, Marcio
Bilharinho (org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 11-12.
116
187
ALTHUSSER, Louis. Elementos de autocrítica. In ______. Posições – 1. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1978, p. 124.
188
Idem, ibidem, p. 124-123.
117
Em suas primeiras obras, Marx comenta suas “fontes”, desenvolvendo a teoria dos
seus predecessores, atenuando suas falhas, cobrindo as suas insuficiências etc., mas faz
tudo isto sem sair da terminologia que usavam ditas fontes, ainda não há originalidade no
pensamento de Marx, ele ainda não é marxista, segundo Althusser.
A partir de 1845, com o surgimento de duas obras (que foram publicadas muito
despois de suas criações) “A ideologia alemã” e as “Teses sobre Feuerbach”, Marx já não
se reduz aos comentários das suas fontes (sobretudo a filosofia de Feuerbach), mas começa
a utilizar sua própria terminologia, utilizando conceitos não encontrados em Hegel, nem
em Feuerbach, nem em Ricardo, como: modo de produção, forças produtivas, relações de
produção, formação social, infraestrutura, superestrutura, ideologias, classes e lutas de
classes etc.:
189
ALTHUSSER, Louis. Elementos de autocrítica. In ______. Posições – 1. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1978, p. 127.
190
ALTHUSSER, Louis. Prefácio: Hoje. In Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 23-24.
118
Marx rompe com a terminologia das suas fontes porque que tal terminologia torna-
se insuficiente para dar conta do que descobre em 1845: a exploração capitalista, e por
extensão, o da “exploração do homem pelo homem”, ou melhor, o descobrimento da luta
de classes como motor da história que tem uma base material que se desenvolve
independentemente da consciência que dela se tenha, uma base material que faz com que
os conflitos da classe sejam objetivamente irreconciliáveis, dado que estão baseados na
exploração econômica, Marx descobre a primazia da luta de classes em relação às classes
sociais.
Desta forma, Althusser revisita sua própria obra para retificá-la, eliminar os
“desvios teoricistas” que, para ele, seriam a prioridade da teoria sobre a prática, a
insistência unilateral sobre a teoria, ou seja, a utilização de um racionalismo especulativo:
Nunca reneguei meus ensaios: não tive motivos para fazê-lo. Mas em 1967,
portanto dois anos depois de seu aparecimento em uma edição italiana de Lire le
Capital (assim como em ouras edições estrangeiras), reconheci que eles estavam
afetados por uma tendência errônea. Indiquei a existência desse erro e lhe dei um
nome: teoricismo. Hoje, creio poder ir além: precisar o “objeto” de eleição desse
erro, suas formas essenciais e seus efeitos de ressonância. E acrescento: mais que
de erro, é preciso falar de desvio. Desvio teoricista. Veremos ainda por que me
191
ALTHUSSER, Louis. Prefácio: Hoje. In Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 24.
119
Althusser aponta como seu desvio teoricista uma interpretação racionalista do corte,
com a oposição entre erro e verdade, colocando a ideologia como erro e Ciência como a
verdade (redução que consta também na Ideologia Alemã, da qual, no entanto, Marx se
libertou), reduzindo o corte a um fato teórico limitado:
Mas, em lugar de dar a esse fato histórico toda a sua dimensão social, política,
ideológica e teórica, eu o reduzi à medida de um fato teórico limitado: o “corte”
epistemológico, observável nas obras de Marx a partir de 1845. Assim, fui
conduzido a uma interpretação racionalista do “corte” opondo a verdade ao erro
sob as formas da oposição especulativa “da” ciência e “da” ideologia em geral,
cujo antagonismo do marxismo e da ideologia burguesa tornava-se então um
caso particular. Redução + interpretação: dessa cena racionalista-especulativa, a
luta de classes estava praticamente ausente.193
Assim, para Althusser, a ruptura com a ideologia burguesa foi reduzida ao “corte” e
o antagonismo do marxismo à ideologia burguesa ao antagonismo da ciência e da
ideologia. Na verdade, a ruptura promovida por Marx em relação à ideologia burguesa não
foi somente teórica, mas também política e ideológica, levando em consideração o ponto
de vista de classe, da classe operária:
Essa ruptura era a ruptura de Marx não com a ideologia em geral e não somente
com as concepções ideológicas da história existentes, mas com a ideologia
burguesa, com as concepções do mundo burguês, dominante no poder, e que
reinava sobre as práticas sociais, mas também nas ideologias práticas e teóricas,
na Filosofia e até nas obras da Economia Política e do socialismo utópico. É
também um fato decisivo para compreender a posição de Marx que esse reino
não fosse sem divisão, mas o resultado de uma luta contra as sobrevivências da
concepção do mundo feudal e contra as premissas frágeis de uma nova
concepção proletária do mundo. Porque ele só podia romper com a ideologia
burguesa no seu conjunto, com a condição de se inspirar em premissas da
ideologia proletária, e nas primeiras lutas de classes do proletariado, onde essa
ideologia tomava corpo e consistência. 194
192
ALTHUSSER, Louis. Elementos de autocrítica. In ______. Posições – 1. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1978, p. 79.
193
Idem, ibidem, p. 80.
194
Idem, ibidem, p. 92-93.
120
que talvez não tivesse ficado claro quando tratou do “corte”, fazendo, com isso, um retorno
ao que escreveu para “corrigir-se”, sendo fiel a seu método utilizado em sua “releitura” de
Marx.
A primeira intervenção tem por objetivo “traçar uma linha de demarcação” entre
a teoria marxista e as formas de subjetivismo filosófico (e político) que se
comprometem ou a ameaçam: antes de tudo, o empirismo e suas variantes,
clássicas ou modernas – pragmatismo, voluntarismo, historicismo etc. Os
momentos essenciais dessa primeira intervenção são: reconhecimento da
importância da teoria marxista para a luta de classe revolucionária, distinção das
diferenças práticas, destaque da especificidade da “prática teórica”, pesquisa
inicial sobre a especificidade da teoria marxista (distinção nítida entre a dialética
idealista e a dialética materialista) etc. Esta primeira intervenção situa-se
essencialmente no terreno da confrontação entre Marx e Hegel. 195
A segunda intervenção tem por objeto “traçar uma linha de demarcação” entre os
fundamentos teóricos verdadeiros da ciência marxista da história e da filosofia
marxista, por um lado, e as noções idealistas pré-marxistas nas quais repousam
as interpretações atuais do marxismo como “filosofia do homem” ou como
“humanismo”, por outro.196
Leitura, é preciso que se diga, que provou a sua produtividade, mas que
escamoteia ao mesmo tempo o papel da luta de classes, o modo de intervenção
da ideologia na teoria, o ponto de vista de classe no próprio Marx em sua
teorização do processo do capital. Tratava-se ainda de reduzir o marxismo a um
“retorno à história real, econômica/histórica, sem dar o sentido
ideológico/político da tese do corte. Era, como ele próprio disse, fazer da
ciênciac marxista uma “ciência como as outras” sem ver claramente (embora
tenha pressentido) que ela era uma ciência revolucionária, que, ao contrário das
outras ciências, não provocava apenas consequências científicas, mas
195
ALTHUSSER, Louis. Aos leitores. In______. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 212.
196
Idem, ibidem, p. 212-213.
121
consequências diretamente políticas. Que ela servia não apenas à ciência, mas à
prática revolucionária das massas, que, como ele escreveu, “reconheceram a
teoria científica de Marx ‘sua’ própria verdade”, porque ela repousa sobre
“posições teóricas proletárias”. 197
Em Por Marx Althusser pensa Marx a partir do materialismo histórico, mas nos
termos da juventude de Marx e em Ler o capital Althusser se instala no terreno “científico”
da obra O Capital, quando procura diferenciar a realidade histórica analisada por Marx da
história ideológica analisada pelos filósofos anteriores:
197
THÉVENIN, Nicole-Édith. O itinerário de Althusser. In SAMPEDRO, Francisco; NAVES, Marcio
Bilharinho (org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 19-20.
122
da história descoberta por Marx não tinha nada a ver com a realidade da história
vista pelos filósofos.198
Althusser busca identificar o processo de mudança que ocorre em Marx, que partiu
de um humanismo antropológico, centrado em um sujeito de direito, chegando a uma
posição materialista anti-humanista, em que não há um sujeito e sim um enfoque dado ao
modo de produção e à luta de classes.
Faz esse retorno de forma rigorosamente científica, com intuito de reverter uma
tendência que passou a influenciar vários pensadores, depois da abertura do regime
soviético, de uma busca pela “liberdade individual” e reabilitação da obra de juventude de
Marx:
Althusser inicia seu retorno a Marx em Por Marx, no qual faz um confronto com a
pré-história desse autor para uma melhor compreensão do corte epistemológico, do
mecanismo da ruptura ocorrido com a ideologia burguesa e o caminho em direção à ciência
marxista – o Continente-História:
198
THÉVENIN, Nicole-Édith. O itinerário de Althusser. In SAMPEDRO, Francisco; NAVES, Marcio
Bilharinho (org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 18.
199
BATISTA, Flávio Roberto. Crítica da Tecnologia dos direitos sociais. São Paulo: Outras Expressões e
Dobra Universitária, 2014, p. 92-93.
123
A questão do ponto de vista político sobre o jovem Marx seria pesquisar sobre ele
ser por completo, ou não, marxista:
Eis, portanto, o lugar do debate: o Jovem Marx. O que está em jogo no debate: o
marxismo. Os termos do debate: se o Jovem Marx é já Marx e todo o Marx.
Assim começado o debate, parece que, na ordem ideal da combinatória tática, os
marxistas tenham escolha entre duas defesas.201
Outra questão seria do ponto de vista teórico, como ler os textos do jovem Marx
sem cair na tentação de considerar as influências por ele recebidas como partes integrantes
de suas categorias desenvolvidas em sua maturidade. Tal tentação ocorre por conta da
aplicação do método eclético:
200
THÉVENIN, Nicole-Édith. O itinerário de Althusser. In SAMPEDRO, Francisco; NAVES, Marcio
Bilharinho (org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 14-15.
201
ALTHUSSER, Louis. “Sobre o jovem Marx” (questões de teoria). In______. Por Marx. Campinas:
Unicamp, 2015, p. 40.
202
Idem, ibidem, p. 43.
124
As fórmulas utilizadas para solucionar este problema estão presas na ilusão de que
a evolução do jovem Marx ocorreu no campo das ideias, sendo reflexo das ideias propostas
por Hegel, Feuerbach, etc.:
O que Marx detinha era uma crítica radical da filosofia do homem, que lhe serviu
de fundamento teórico durante os anos de juventude. A centralização no “homem” como
sujeito da história, que busca sua liberdade apoiado na razão, é característica do período da
juventude de Marx, que Althusser divide em duas etapas, que são analisadas no texto
Marxismo e humanismo do livro Por Marx.
203
ALTHUSSER, Louis. “Sobre o jovem Marx” (questões de teoria). In______. Por Marx. Campinas:
Unicamp, 2015, p. 53.
204
Idem, ibidem, p. 56.
125
Predomina em Marx, neste período, a crítica teórica pública, isto é, a crítica pública
por meio da imprensa, que tem como condição absoluta a imprensa livre. Marx, nesse
período, distancia-se cada vez maior de Hegel, tendo um último retorno a este autor nos
Manuscritos econômicos filosóficos, de 1844, no qual faz uma síntese de Feuerbach e de
Hegel.
A segunda etapa seria o humanismo comunitário (1842 – 1845), que ocorre a partir
do momento em que Marx percebe que o Estado prussiano não se reformou, ocorrendo
uma desilusão em relação ao humanismo racional. Há a percepção de que existe uma
contradição real entre a essência do Estado (razão) e sua existência (desrazão), apontada
por Feuerbach como causa da alienação do homem de sua essência, em sua antropologia
filosófica humanista que muda a definição do homem pela razão e liberdade, de forma que
este se torna, no seu próprio princípio comunitário, a intersubjetividade concreta, amor,
fraternidade, “ser genérico”.
205
ALTHUSSER, Louis. Marxismo e Humanismo. In ______. Por Marx. Unicamp: Unicamp, 2015, p. 185-
186.
126
Baseado nesta concepção, Marx afirma que ser radical é tomar as coisas pela raiz e
para a o homem, a raiz é o próprio homem - a essência do homem funda a história e a
política, de forma que o homem só é liberdade-razão porque de início é ser comunitário,
um ser que só se realiza teoricamente (ciência) e praticamente (política) nas relações
humanas universais.
a) Hegel
206
ALTHUSSER, Louis. Marxismo e Humanismo. In ______. Por Marx. Unicamp: Unicamp, 2015, p.187.
207
MOTTA, Luiz Eduardo. A favor de Althusser: revolução e ruptura na Teoria Marxista. Rio de Janeiro:
FAPERJ e Gramma Livraria e Editora, 2014, p. 22.
127
O Marx da Juventude volta a Hegel e às suas fontes, às suas últimas leituras, não
para confirmá-lo, mas para descobrir a realidade dos objetos apossados por Hegel, para lhe
impor o sentido de sua própria ideologia. Por este método, de retorno para aquém Hegel,
Marx supera Hegel não como um Aufhebung, o sentido da verdade contido em Hegel, não
como uma superação do erro para a verdade, mas como uma superação da ilusão para a
realidade, uma dissipação da ilusão.
Por conta de ser uma questão de mudança de terreno e não uma simples retomada
às ideias de Hegel, depurando-as do que está errado e preservando o certo, que não se pode
falar no conceito de inversão, como colocou Feuerbach, de colocar a filosofia especulativa
sobre os seus próprios pés, de por direito o que estava do avesso, pois o homem de cabeça
para baixo, quando anda sobre os próprios pés, é o mesmo homem.
Para Hegel a vida material dos homens, a história concreta dos povos, é explicada
pela dialética da consciência (sua consciência, pela sua ideologia), já para Marx é ao
contrário, é a vida material dos homens que define sua consciência, sua ideologia. Mas há
de se ter cuidado com essa aparente mera inversão, uma vez que em Hegel a dialética da
consciência implica na divisão entre sociedade civil e sociedade política (Estado) e se caso
em Marx houvesse simplesmente uma inversão dessa relação, teríamos, em vez do político
ideológico ser a essência do econômico, o econômico é que seria toda essência do político
208
ALTHUSSER, Louis. “Sobre o jovem Marx” (questões de teoria). In______. Por Marx. Campinas:
Unicamp, 2015, p. 62.
128
ideológico – o que faz com que apareçam na história do marxismo o economismo e mesmo
o tecnologismo.
Desse modo, em Hegel o Estado é a “verdade da” sociedade civil, a qual não é,
graças ao jogo da Astúcia da Razão, mais do que o seu próprio fenômeno,
realizado nele. Ora, em um Marx, que se rebaixaria assim ao estatuto de um
Hobbes ou de um Locke, a sociedade civil poderia ser também apenas a “verdade
do” Estado, seu fenômeno, uma Astúcia que a Razão Econômica poria então a
serviço de uma classe: a classe dominante. Infelizmente para esse esquema
demasiado, isso não ocorre. Em Marx a identidade tática (fenômeno-essência-
verdade-de...) do econômico e do político desaparece em benefício de uma
concepção nova da relação das instâncias determinantes no complexo estrutura-
superestrutura que constitui a essência de toda a formação social. Não há dúvida
de que essas relações específicas entre a estrutura e superestrutura merecem
ainda uma elaboração e pesquisas teóricas. No entanto, Marx nos dá muito bem
as “duas pontas da cadeia”, e nos diz que entre elas é que é preciso procurar: de
um lado a determinação em última instância pelo modo de produção
(econômica); por outro, a autonomia relativa das superestruturas e sua eficácia
específica. Por aí ele rompe claramente com o princípio hegeliano da explicação
pela consciência de si (a ideologia), mas também com o tema hegeliano
fenômeno-essência-verdade-de... Realmente estamos em contato com uma nova
relação entre termos novos.209
Marx reconhecia uma dívida importante com ele: a de ter concedido pela
primeira vez a história como um “processo sem sujeito”. É levando em conta
essa tendência que podemos apreciar como vestígios prestes a desaparecer os
traços de influência hegeliana que subsistem no Livro I. Já identifiquei tais
vestígios no problema tipicamente hegeliano do “difícil começo” de toda ciência,
do qual a seção I do Livro I é a manifestação clara. Mais precisamente, essa
influência hegeliana pode ser localizada no vocabulário que Marx emprega nessa
seção I: no fato de que ele fala de duas coisas completamente diferentes, a
utilidade social dos produtos e o valor de troca desses mesmos produtos, em
termos que só têm uma palavra em comum, a palavra valor: de um lado, valor de
uso, de outro valor de troca. [...] O fato é que Marx não tomou cuidado de
eliminar a palavra valor da expressão “valor de uso” e falar simplesmente, como
deveria, de utilidade social dos produtos.210
209
ALTHUSSER, Louis. Contradição e Sobredeterminação (Notas para uma pesquisa). In ______. Por
Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 87.
210
ALTHUSSER, Louis. Advertência aos leitores do Livro I d’O capital. In ______. O capital. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2013, p. 54, livro I.
129
b) Feuerbach
Como Marx teve grande influência de Feuerbach, Althusser elabora uma análise
dos “manifestos” deste autor, os mais importantes publicados entre 1839 e 1845, em texto
denominado Os manifestos filosóficos de Feuerbach, em Por Marx.
Para esses jovens filósofos, Feuerbach representou uma nova filosofia que
repensava Hegel por inteiro e sua filosofia especulativa – que repunha sobre os pés o
mundo que a filosofia fazia marchar sobre a cabeça, denunciando todas as alienações e
desrazões, de forma a evidenciar a necessidade da libertação de um mundo em contradição.
No entanto, Feuerbach não sai da problemática colocada por Hegel, o que ele
questiona está dentro de um campo idealista, dentro do próprio seio da filosofia hegeliana,
uma vez que inverteu o corpo do edifício hegeliano, mas conservou suas estruturas e
preposições teóricas:
211
ALTHUSSER, Louis. Os “manifestos filosóficos” de Feuerbach. In ______. Por Marx. Campinas:
Unicamp, 2014, p. 33-34.
212
Idem, ibidem, p. 38.
130
Althusser considera que mesmo adotando uma crítica política e não religiosa como
Feuerbach, conforme Marx expõe em Crítica da filosofia de Hegel 214, o essencial continua
a ser uma problemática antropológica:
213
ALTHUSSER, Louis. Os “manifestos filosóficos” de Feuerbach. In ______. Por Marx. Campinas:
Unicamp, 2014, p. 35.
214
“A crítica arrancou as flores imaginárias dos grilhões, não para que o homem suporte grilhões desprovidos
de fantasias ou consolo, mas para que se desvencilhe deles e a flor viva desabroche. A crítica da religião
desengana o homem a fim de que ele pense, aja, configure a sua realidade como um homem desenganado,
que chegou à razão, a fim de que ele gire em torno de si mesmo, em torno de seu verdadeiro sol. A religião é
apenas o sol ilusório que gira em volta do homem enquanto ele não gira em torno de si mesmo. Portanto, a
tarefa da história, depois de desaparecido o além da verdade, é estabelecer a verdade do aquém. A tarefa
imediata da filosofia, que está a serviço da história, é, depois de desmascarada a forma sagrada da
autoalienação [Selbstentfremdung] humana, desmascarar a autoalienação nas suas formas não sagradas. A
crítica do céu transforma-se, assim, na crítica da terra, a crítica da religião, na crítica do direito, a crítica da
teologia, na crítica da política.” (Boitempo Editorial, reimpressão 2011, p. 146).
215
ALTHUSSER, Louis. “Sobre o jovem Marx” (questões de teoria). In______. Por Marx. Campinas:
Unicamp, 2015, p. 52.
131
mantendo as categorias filosóficas utilizadas por Feuerbach (que ainda considera como um
grande filósofo que permitiu uma crítica da economia política) como essência humana,
liberdade e alienação, etc.
Há uma leitura política e uma leitura teórica dos textos da juventude de Marx:
216
ALTHUSSER, Louis. Os “Manuscritos de 1844” (economia política e filosófica). In ______. Por Marx.
Rio de Janeiro: Unicamp Editores, 2015, p. 52.
132
A fórmula Marxista, tão cara para Marcuse e Sartre, que “prevê” que o reino da
liberdade sucederá o reino da necessidade, para Althusser não passa de uma fórmula
idealista:
217
ALTHUSSER, Louis. Os “Manuscritos de 1844” (economia política e filosófica). In ______. Por Marx.
Rio de Janeiro: Unicamp Editores, 2015, p. 131-132.
218
ALTHUSSER, Louis. O Marxismo como teoria finita. Revista de Outubro, Campinas, n. 2, p. 63-73,
1998.
133
Portanto, uma volta à Marx proposta por Althusser é realizada descartando-se o que
é ideológico no início do “caminhar” de Marx e dando-se ênfase ao seu aspecto científico
na maturidade. Esta volta a Marx não se resume em seguir ao pé-da-letra os seus textos e o
desenvolvimento de seu pensamento, mas sim de se buscar os princípios teóricos que
permitirão dominar os problemas reais que a história apresenta ao movimento comunista
internacional, uma forma de se compreender o presente para a construção do futuro:
Não se pode dominar tais problemas práticos a menos que se compreenda os seus
mecanismos: só se pode compreender esses mecanismos produzindo o seu
conhecimento científico. A crítica à "abstração doutrinária", à exaltação do
"concreto", à denúncia do "neo-dogmatismo" não são apenas os argumentos de
uma vulgar demagogia, ideológica e política. Eles são também, quando não
simples acidentes estilísticos individuais, os sempiternos sintomas do
revisionismo teórico no próprio marxismo." Se voltamos a Marx e colocamos
conscientemente, na conjuntura atual, a ênfase sobre os problemas teóricos, e,
antes de tudo, sobre o "elo decisivo" da teoria marxista, a saber a "filosofia", é
para defender a teoria marxista das tendências do revisionismo teórico que a
ameaçam; é para desprender e precisar o domínio onde a teoria marxista deve a
qualquer preço se desenvolver para produzir os conhecimentos de que os
partidos revolucionários precisam urgentemente para confrontar os problemas
políticos cruciais do nosso presente e do nosso futuro. Não pode haver nesse
ponto nenhum equívoco. O passado de Marx, que será abordado, é, quer se
queira ou não, uma via direta ao nosso presente: é o nosso próprio presente, e
também o nosso futuro.219
219
ALTHUSSER, Louis. A querela do humanismo. In ______. Crítica Marxista, nº 9. São Paulo: Xamã,
1999, p. 14-15.
134
É então na luta contra a “filosofia alemã” que nasce esse primeiro esforço de
compreensão materialista da sociedade. Para os filósofos “críticos” alemães,
somente a supressão das representações imaginárias que oprimem os homens,
desses “produtos de sua cabeça”, levaria à supressão da realidade nelas
sustentadas. Nisso consistiria toda a proclamada natureza revolucionária dessa
“crítica filosófica” a que Marx vai opor “as sombras da realidade”. 220
A doutrina cientifica marxista, este novo campo conceitual, é constituída por duas
disciplinas científicas: o materialismo histórico e o materialismo dialético.
220
NAVES, Márcio Bilharinho. Marx, ciência e revolução. São Paulo: Moderna, 2003, p. 29.
221
MARX, Karl. Grundisse. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011, p. 190.
222
MOTTA, Luiz Eduardo. A favor de Althusser: revolução e ruptura na Teoria Marxista. Rio de Janeiro:
FAPERJ e Gramma Livraria e Editora, 2014, p. 24.
135
conhecimento, diferenciando-se das filosofias que a precedem, pois é baseada nas práticas
científicas e não ideológicas.
Marx nos fornece, pela primeira vez, os conceitos científicos capazes de nos dar a
compreensão do que são as sociedades humanas e sua história, a compreensão de sua
estrutura, de sua subsistência, de seu desenvolvimento, etc.
Digamos simplesmente, para sermos compreendidos por todos e por cada um,
que uma formação social designa toda “sociedade concreta” historicamente
existente, e que é individualizada, portanto, distinta de suas contemporâneas e de
seu próprio passado, pelo modo de produção que domina aí. É assim que se pode
falar das transformações sociais ditas “primitivas”, da formação social romana
escravista, da formação social francesa de servidão (“feudal”), da formação
social francesa capitalista, de tal formação social “socialista” (em vias de
transição para o socialismo), etc.223
O que constitui um modo de produção? É a unidade entre o que Marx chama, por
um lado, de Forças Produtivas e, por outro, de Relações de Produção. Cada
modo de produção, seja dominante ou dominado, possui, portanto, em sua
unidade, suas Forças Produtivas e suas Relações de Produção. Como pensar essa
unidade? Marx falou de “correspondência” entre forças Produtivas e as Relações
de Produção. Trata-se de um termo que permanece descritivo. Ainda não foi
elaborada a teoria da “natureza” muito particular da unidade entre as Forças
Produtivas e as Relações de produção de determinado modo de produção.224
223
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 42.
224
Idem, ibidem, p. 43.
136
Assim sendo, não se pode cair nas confusões ideológicas de que as relações de
produção são relações meramente técnicas, uma vez que são relações da exploração
capitalista inscritas como tais na vida concreta da produção, nem que são relações
meramente jurídicas, mas luta de classes no próprio seio da produção.
225
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 57-58.
137
trabalho não exige apenas a reprodução de sua qualificação, mas também a reprodução de
sua submissão às normas da ordem vigente:
Com efeito, não basta garantir à força de trabalho as condições materiais de sua
reprodução para que ela seja reproduzida como força de trabalho. Dissemos que
a força de trabalho disponível deveria ser “competente”, isto é, apta a ser
utilizada no sistema complexo do processo de produção: nos postos de trabalho e
nas formas de cooperação definidas. O desenvolvimento das forças produtivas e
o tipo de unidade historicamente constitutivo das forças produtivas em
determinado momento produzem o seguinte resultado: a força de trabalho deve
ser (diversamente) qualificada. Diversamente: segundo as exigências da divisão
social-técnica do trabalho, em seus diferentes “postos” e “empregos”. 226
A reprodução da força de trabalho faz, assim, aparecer como sua condição sine
qua non, não só a reprodução de sua “qualificação”, mas também a reprodução
de sua sujeição à ideologia dominante, ou da “prática” dessa ideologia.
Indiquemos com toda a clareza que é necessário dizer: “não só, mas também”
porque a reprodução da qualificação da força de trabalho é garantida na
formas e sob as formas do submetimento ideológico. Desse modo, descobrimos
uma nova realidade: a ideologia.227
a) O capital
É com a obra O capital que Marx sedimenta a sua nova descoberta, seu novo
enfoque científico. Nesta obra, Marx elaborou uma análise de uma sociedade e não
meramente de um sistema econômico, não foi uma refundação da ciência em bases
históricas e sim a fundação de uma teoria científica da sociedade.
Althusser propõe uma releitura filosófica d’O capital de forma que se identifique o
seu objeto diferenciado não somente do objeto da economia clássica, mas também do
objeto das obras de juventude em especial o objeto dos Manuscritos de 44.
226
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 74.
227
Idem, ibidem, p. 76.
138
Alega que uma releitura filosófica traz à tona questões como: O Capital distingue-
se da economia clássica não pelo objeto e sim pelo método? Ou então, pelo contrário, O
Capital seria uma verdadeira mutação epistemológica em seu objeto, em sua teoria e em
seu método?
No entanto, Althusser não faz simplesmente uma releitura de Marx ou uma leitura
literal e sim uma leitura sintomal, como a leitura que Althusser atribui ao próprio Marx em
sua abordagem dos economistas clássicos.
Este tipo de leitura sintomal proposta por Althusser foi inspirada em Lacan, que
anunciou Marx como inventor do sintoma, inicialmente em seu texto Do sujeito enfim em
questão, in Escritos:
É difícil não ver introduzida, desde antes da psicanálise, uma dimensão que
poderíamos dizer do sintoma, que se articula por representar o retorno da
verdade como tal na falha de uma saber. Não se trata do problema clássico do
erro, mas de uma manifestação concreta a ser “clinicamente” apreciada, onde se
revela, não uma falha de representação, mas uma verdade de uma referência
diferente daquilo, representação ou não, pelo qual ela vem perturbar a boa
ordem... Nesse sentido, podemos dizer que essa dimensão, mesmo não
229
explicitada, é altamente diferenciada na crítica de Marx.
Tal leitura é notada quando Marx coloca a questão não enunciada no enunciado ―
tal como Freud pretende preencher as lacunas da memória no tratamento da histérica
lendo o texto dos sonhos ― restabelecendo no enunciado o conceito de força de trabalho:
“o valor da força de trabalho é igual ao valor dos meios de subsistência necessários à
manutenção e à reprodução da força de trabalho”.
228
ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 13, v. 1.
229
LACAN, Jacques. Do sujeito enfim em questão, in Escritos. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 234-
235.
230
LACAN, Jacques. Aula de 11 de fevereiro de 1975, in R.S.I.. Seminário 22. p. 120. Chercher l'origine de
la notion de symptôme… qui n'est pas du tout à chercher dans HIPPOCRATE …qui est a chercher dans
MARX, qui le premier dans la liaison qu'il fait entre le capitalisme et - quoi ? – le bon vieux temps, ce qu'on
appelle quand on veut tâcher de l'appeler autrement, le temps féodal.
139
É preciso uma leitura “sintomal” para tornar essas lacunas perceptíveis, e para
identificar, sob as palavras enunciadas, o discurso do silêncio que, emergindo do
discurso verbal, provoca nele esses brancos, que são as folhas do rigor, ou os
limites extremos de seu esforço: sua ausência, uma vez atingidos esse limites,
nos espaços que, não obstante, ele abre.231
Como exemplo, temos o enunciado: “o valor do trabalho é igual ao valor dos meios
de subsistência necessários à manutenção e à reprodução de trabalho”, tomado de Adam
Smith e lido por Marx, que nos permite ver “o que o próprio texto clássico diz não dizendo
e o que não diz ao dizer”, na medida em que nos faz ver, nos interstícios do texto, que “seu
silêncio são suas próprias palavras”.
Marx demonstra vazios existentes na frase de Adam Smith, “o valor de (...) trabalho
é igual ao valor dos meios de subsistência necessários à manutenção e à reprodução de (...)
trabalho”, modificando o enunciado, substituindo a referência ao trabalho, na segunda
parte da frase, por trabalhador, ressaltando o equívoco e o desacordo: “o valor do trabalho
é igual ao valor dos meios de subsistência necessários à manutenção e à reprodução do
trabalhador”.
231
ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 23, v. 2.
140
Portanto, para o empirismo, o conhecimento tem por função extrair do objeto real
uma parte que é essencial separando-a da parte que não é essencial, pouco importando o
processo utilizado para extração desse essencial:
Pouco importa o processo que permite essa extração (seja, por exemplo, a
comparação entre objetos, sua fricção uns contra os outros para desbastar a
ganga etc.); pouco importa a figura do real, seja ele composto por indivíduos
contínuos que contém cada qual, sob sua diversidade, uma mesma essência – ou
de um indivíduo único. Em todos os casos, essa separação, no próprio real, da
essência real da canga que encerra a essência, impõe-nos, como a própria
condição dessa operação, uma representação muito particular tanto do real como
do seu conhecimento.234
Marx sai dessa confusão idealista de identificação do objeto real com o objeto do
conhecimento defendendo a distinção entre o objeto real e o objeto do conhecimento,
produto do pensamento que o produz em si mesmo como concreto-de-pensamento, como
objeto de pensamento totalmente distinto do objeto real. Marx vai mais adiante afirmando
que a distinção não se refere apenas a estes dois objetos (objeto real e objeto do
conhecimento), mas atinge também os seus próprios processos de produção:
232
ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 28-29. v. 1.
233
Idem, ibidem, p. 36.
234
Idem, ibidem, p. 36.
141
235
ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 42, v. 1.
236
Idem, ibidem, p. 43.
142
Para sairmos da ideologia inserida nesse circulo vicioso que é a relação sujeito
objeto, precisamos substituir a questão ideológica das garantias da possibilidade do
conhecimento pela questão do mecanismo da apropriação cognitiva do objeto real por meio
do objeto do conhecimento.
237
ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 46, v. 1.
238
Idem, ibidem, p. 59.
239
Idem, ibidem, p. 60, v. 1.
143
O que Marx estuda em O Capital é o mecanismo que faz existir como sociedade o
resultado da produção da história, estuda a propriedade de produzir o efeito de sociedade, o
que faz existir esse resultado como sociedade e não como outra coisa qualquer – Marx
procura explicar o mecanismo que produz o efeito de sociedade próprio do modo de
produção capitalista:
Marx inicia suas análises partindo dos estudos dos economistas clássicos, mas não
há uma continuidade de objeto e sim uma ruptura, a criação de um novo objeto que
somente é possível identificar por meio de uma leitura “sintomal” que permite a
visualização do que não foi dito, como, por exemplo, o capítulo III da Introdução de 1857
que pode ser tomado como o Discurso sobre o Método da nova filosofia fundada por Marx,
em que é possível distinguir corretamente a filosofia marxista de toda a filosofia
especulativa ou empirista.
240
ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 70, v. 1.
144
[...]. É o trabalho que Ricardo não fez. Ele se contentou com o retorno à
unidade. A dissolução (Auflösung) da formas determinadas da riqueza é para ele
a solução (Lösung) do problema do valor. O procedimento de Marx, ao contrário,
como indica Engels no prefácio do livro II, consiste em ver nessa solução um
problema. Marx coloca a questão que podemos chamar de questão crítica:
porque o conteúdo do valor assume a forma do valor?241
241
ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 104, v. 1.
242
Idem, ibidem, p. 104, v. 1.
145
Não mais podemos ter, portanto, um par sujeito-objeto semelhante àquele dos
Manuscritos. Neste texto, o termo Gegenstand era tomado num sentido
sensualista. Aqui não passa de um fantasma, a manifestação de uma
característica da estrutura. O que assume a forma de uma coisa não é o trabalho
como atividade de um sujeito, mas o caráter social do trabalho. E o trabalho
humano de que se trata aqui não é trabalho de nenhuma subjetividade
constitutiva. Ele traz a marca de uma estrutura social determinada:
[...].
A constituição dos objetos não mais pertence a uma subjetividade, o que pertence a
esta é a percepção, sendo que a diferença entra a constituição dos objetos e as condições de
percepção deles é que determina a aparência:
O que caracteriza a aparência é que essa coisa nela aparece como coisa
simplesmente sensível, e que suas propriedades aparecem como propriedades
naturais. Assim, a constituição dos objetos não pertence a uma subjetividade. O
que pertence à subjetividade é a percepção. A diferença entre a constituição dos
objetos e as condições da percepção deles é que determina a aparência. 244
3.2 – Ideologia
Marx somente atingiu seu objeto de estudo da maturidade após longa luta contra as
posições ideológicas burguesas:
243
ALTHUSSER, Louis. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 108, v. 1.
244
Idem, ibidem, p. 113, v. 1.
146
Política, etc.) tinham como missão dissimular, a fim de perpetuar a exploração e o domínio
da classe burguesa. 245
Pode-se dizer que toda a problemática tratada por Althusser em sua obra, como sua
concepção da filosofia, a crítica ao humanismo e ruptura epistemológica, está baseada em
sua teoria da ideologia, motivo do destaque dado a este tema por Francisco Sampedro:
245
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan. In ______. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 2000, p. 79.
246
SAMPEDRO, Francisco. A teoria da ideologia em Althusser. In ______; NAVES, Marcio Bilharinho
(org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 31.
147
ideologia, neste sentido "a ideologia não tem história", pois se trata da ideologia em geral e
não da característica de uma ideologia em particular:
247
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado (Notas para uma pesquisa). In ______.
Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 275.
148
248
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 56-57.
249
Idem, ibidem, p. 59.
149
O indivíduo dentro desta estrutura posta é constituído em sujeito. Para elaborar esse
processo, Althusser se utiliza dos conceitos de inconsciente (Freud) e dos ensinamentos de
Lacan, em especial o estádio do espelho, descrevendo as estruturas e sistemas que
possibilitam identificar o “assujeitamento” do indivíduo.
250
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 69.
251
Idem, ibidem, p. 81-82.
150
Essa tese tem por finalidade simplesmente explicitar nossa última proposição:
toda ideologia existe pelo sujeito e para os sujeitos. Entendamo-nos: a ideologia
só existe para sujeitos concretos (como você e eu) e esse destino da ideologia não
é possível a não ser pelo sujeito: entendamo-nos, pela categoria de sujeito e seu
funcionamento. Pretendemos dizer com isso que a categoria de sujeito (que pode
funcionar sob outras denominações: por exemplo, em Platão, a alma, Deus, etc.)
- embora não apareça sob essa denominação (o sujeito) antes do advento da
ideologia burguesa, sobretudo do advento da ideologia jurídica - é a categoria
constitutiva de toda ideologia, seja qual for a determinação (relativa a um
domínio específico ou de classe) e seja qual for o momento histórico, uma vez
que a ideologia não tem história. 252
O Estado na teoria marxista tem sido definido como uma força, um aparelho
repressor a serviço das classes dominantes, que nas mãos da burguesia é utilizado para
manter a dominação sobre o proletariado:
252
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. In ______. Sobre a Reprodução.
Petrópolis: Vozes, 2008, p. 283-284.
253
Idem, ibidem, p. 283-284.
254
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 97.
151
Althusser entende que esta definição é ainda descritiva, ou seja, precisa ser
desenvolvida para tornar-se realmente uma teoria propriamente dita:
O que é necessário acrescentar ou, pelo menos, indicar com toda a precisão, é,
em primeiro lugar, que o Estado (e sua existência no respectivo aparelho) não
tem sentido a não ser em função do Poder de Estado. Toda a luta política de
classes gira em torno do Estado: entendamo-nos, em torno da posse, isto é, da
tomada ou conservação do poder de Estado, por determinada classe, ou um
“grupo no poder”, isto é, uma aliança de classes ou de frações de classes. Esse
primeiro esclarecimento obriga-nos, portanto, a estabelecer a distinção entre o
Poder do Estado (conservação ou tomada do poder de Estado), objetivo da luta
de classes política, e o Aparelho de Estado.256
255
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 98.
256
Idem, ibidem, p. 100.
152
257
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 102.
153
sindical; AIE cultural (letras, belas artes, esportes, etc.) e AIE de informação (a imprensa,
o rádio, a televisão, etc.). 258
258
Esta classificação foi elaborada na Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, ensaio extraído do
manuscrito Sobre a Reprodução dos aparelhos de produção, que não previa o AIE jurídico e separava do
AIE da Informação o AIE da Edição-Difusão.
259
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p.104.
260
Idem, ibidem, p. 105-106.
154
Desta forma, mesmo com o domínio do poder do Estado pelos proletários, caso a
antiga ideologia não seja extirpada, será com base nela que serão reproduzidas as relações
de produção, apesar das aparências de “Estado proletário”, pois a duração de uma
formação social dominada por determinado modo de produção depende da duração da
superestrutura que garante as condições dessa reprodução e da própria reprodução, isto é,
da duração do Estado de classe.
As práticas dos indivíduos, suas ideias e opiniões, incluindo aquelas que lhes são
atribuídas pela divisão do trabalho, compõem conjuntamente com a ideologia o objeto e
objetivos dos AIE, que reproduzem as relações de produção, de forma a serem aceitas
pelos indivíduos na sua consciência mais íntima e conduta mais privada ou pública.
Althusser, em sua análise dos aparelhos ideológicos de Estado, afirma que estes são
formados por sistema complexo que compreende e combina várias instituições e
organizações e respectivas práticas, sendo que até este sistema não deveria nada ao direito,
mas a uma realidade diferente que ele denomina Ideologia de Estado:
261
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 176.
155
3.2.2. Direito
O direito assume um sistema que tende a não ter contradição interna, de forma que
abarque todos os casos possíveis apresentados pela realidade. É formal, pois incide sobre a
forma dos contratos de troca, por pessoas formalmente livres e iguais perante o direito,
sendo deste modo, universal:
262
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 108.
263
Idem, ibidem, p. 83.
264
Idem, ibidem, p. 84-85.
156
O conteúdo do direito está ausente de suas formas, mas ocorre que o formalismo do
direito somente tem sentido enquanto se aplica a conteúdos definidos: as relações de
produção e seus efeitos.
Ou seja, o direito não existe a não ser em função de um conteúdo do qual faz em si
mesmo total abstração (as relações de produção), um conteúdo que ele escamoteia. Não faz
sentido, portanto, falar-se em direito socialista, uma vez que não existe direito além das
relações mercantis, sendo, por conta disso, um direito burguês:
A fase de transição para o socialismo é uma fase em que o direito dito socialista
permanece ainda pela sua forma um direito desigualitário, portanto burguês. Marx na fase
de transição pensava no enfraquecimento do direito concomitantemente com o
enfrequecimento do Estado, o que significa o enfraquecimento das trocas do tipo mercantil,
das trocas de bens como mercadorias.
Althusser entende que tal opção, o primado das forças produtivas, foi equivocada,
oposta, inclusive, à afirmação de Lenin: “O socialismo é os sovietes + a eletrificação”, que
seria o primado dos sovietes sobre a eletrificação, ou seja, o primado político do problema
das relações de produção sobre as forças produtivas:
Para tocar o fundo dessa questão e, para além de todas as discussões teórico-
técnicas sobre os meios capazes de garantir a Planificação, é necessário, segundo
me parece, fazer a seguinte observação. Pensa-se no fundo, ou antes espera-se,
que a Planificação tenha por objeto essencial efetuar, constituir, em suma, criar
as relações de produção socialistas, as famosas relações de apropriação real. De
265
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 87.
157
266
ALTHUSSER, Louis. Nota 48. In ______. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 89.
267
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 94.
158
Após uma análise definida por Althusser como sendo uma “teoria descritiva” do
direito, este autor passa para uma análise do limiar de uma teoria do direito no sentido
estrito do termo, nas formações sociais capitalistas, apresentando as seguintes “razões
reais” dos caracteres do direito - o direito é abstrato (formal), universal e vinculado a um
aparelho repressor e a uma ideologia jurídico-moral burguesa.
É formal e abstrato por definir a forma das relações de produção capitalista, criando
uma ilusão de que o direito é igual para todos os sujeitos declarados iguais e livres:
O direito é universal, no sentido de que por meio dele se realiza a igualdade por
meio da constituição dos indivíduos em sujeitos de direito e tudo em mercadoria:
268
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 189-190.
159
269
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 190.
270
Idem, ibidem, p. 190-191.
271
THÉVENIN, Nicole-Édith. O itinerário de Althusser. In SAMPEDRO, Francisco; NAVES, Marcio
Bilharinho (org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 22-23.
160
272
THÉVENIN, Nicole-Édith. O itinerário de Althusser. In SAMPEDRO, Francisco; NAVES, Marcio
Bilharinho (org.). Presença de Althusser. Campinas: Unicamp/IFCH, 2010, p. 26.
273
Idem, ibidem, p. 27.
274
MASCARO, Alysson Leandro. Direito, capitalismo e Estado: da leitura marxista do direito. In ______.
Para a crítica do direito. São Paulo: Outras Expressões e Dobra Universitária, 2015, p. 50.
161
275
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 56.
276
Idem, ibidem, p. 63.
162
No debates nos círculos psicanalíticos dos anos 1950, havia uma tendência de se
considerar arcaicos os ensinamentos de Freud, em especial no que se refere aos
pressupostos da subjetivação, pois havia o entendimento da necessidade de se partir para
uma objetivação deste saber. Desta forma,
277
ALTHUSSER, Louis. Introdução, Althusser e a psicanálise. In ______. Freud e Lacan, Marx e Freud.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 34-35.
163
Por isso que Penso, logo existo contradiz toda a teoria psicanalítica, pois implica
que o Sujeito é o que ele constrói de si, baseado nas racionalizações de sua trama familiar,
quando a sua existência ocorre no lugar onde não há racionalização de seus pensamentos:
Este jogo significante da metonímia e da metáfora, incluindo sua ponta ativa que
fixa meu desejo numa recusa do significante ou numa falta do ser e ata a minha
sorte à questão de meu destino, esse jogo é jogado, até que a partida seja
suspensa, em seu inexorável requinte, ali onde não estou, porque não me posso
situar. Isto é, poucas foram as palavras com que, por um momento, desconcertei
meus ouvintes: penso onde não sou, logo sou onde não penso. Palavras que, para
qualquer ouvido atento, deixam claro com que ambiguidade de jogo-do-anel
escapa de nossas garras o anel no sentido do fio verbal. O que cumpre dizer é: eu
não sou joguete de meu pensamento: penso naquilo que sou lá onde não penso
pensar.278
Nas relações de poder, o sujeito não é mais que um efeito, é sempre deduzido de
uma premissa que reside no Outro – nesse sentido o sujeito é o produto de uma
sobredeterminação, uma cristalização. Na psicanálise, o conceito de sujeito vai além, não
trata apenas de deduzir sua posição no simbólico, mas também há de se considerar sua
estrutura fundada no inconsciente.
278
LACAN, Jacques. A instância da letra no inconsciente. In ______. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998,
p. 521.
279
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 64.
164
280
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 64-65.
281
Idem, ibidem, p. 65
282
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em
Lacan. Petrópolis: Vozes, p. 110.
165
A criança é interditada de ser o objeto de desejo da mãe através da lei simbólica que
a metáfora paterna substancia - esta lei é ativada pela substituição do primeiro significante,
o significante do desejo da mãe (falo), pela metáfora paterna.
283
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 98.
284
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em
Lacan. Petrópolis: Vozes, p. 98.
166
oculta. A fala do sujeito deixa entrever, além do vazio do dizer, o apelo do sujeito à
verdade que está inscrita em algum lugar do inconsciente.
Lacan descobre que quando o sujeito fala ao Outro, geralmente ele fala como se o
outro fosse ele (o outro da semelhança) e não o Outro da diferença. Esse processo Freud
denominava narcisismo – estar apaixonado pela própria imagem.
A partir dos estudos sobre a relação da criança diante do espelho iniciada por Henri
Paul Hyacinthe Wallon, filósofo, médico, psicólogo, político francês, e marxista convicto,
Lacan explica a formação do eu e a disposição imaginária de certos fenômenos que lhe são
associados: agressividade, fascínio, transitivismo, negativismo.
285
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em
Lacan. Petrópolis: Vozes, p. 131-132.
167
redistribui as relações entre o interior e exterior: o sujeito é anterior a este mundo das
formas, ele se constitui em primeiro lugar por elas e nelas.
Para Freud, os sintomas têm um sentido, que pode ser decifrado como as demais
formações do inconsciente Já para Lacan, utilizando-se da linguística estrutural, conclui
que se o sintoma é uma mensagem que pode ser decifrada é porque mantém a latência
significante que sustenta seu sentido e sua significação.
286
LACAN, Jacques. O seminário, os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar,
2008, p. 32, livro 11.
168
Avança na dimensão real do sintoma introduzindo a teoria dos discursos 288, como
tentativa de formalização do laço social, do ponto de vista da psicanálise. O discurso seria
uma organização coletiva de gestão do gozo para nele instaurar um limite, para canalizá-lo.
Lacan considera Marx como inventor da noção de sintoma antes de Freud 289, uma
vez que a crítica de Marx ao ardil da razão é, pois, a marca de um retorno da verdade -
Marx critica os clássicos que pensam a história como realização da razão, defendendo sim
a crítica à ideologia.
A relação com o gozo se acentua subitamente por essa função ainda virtual que
se chama função do desejo. É também por esta razão que articulo mais-de-gozar
o que aqui aparece, e não articulo como um forçamento ou uma transgressão. [...]
287
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em
Lacan. Petrópolis: Vozes, p. 113-114.
288
Lacan propõe uma relação entre a ciência e quatro discursos: do Mestre, da Histérica, do Analista e do
Universitário, em estudo desenvolvido no O Seminário, livro 17, o avesso da psicanálise.
289
Vide nota 218.
169
A relação do gozo se relaciona com a função do desejo (a) que se articula com o
conceito de mais valia:
Pois bem, mesmo isto, talvez seja isto que se tenha que pagar. Foi por esta razão
que lhes disse o ano passado que, em Marx, o a que ali está é reconhecido como
funcionando em um nível que se articula – a partir do discurso analítico, não de
outro – como mais-de-gozar. Eis o que Marx descobre como o que
verdadeiramente se passa no nível da mais-valia. Não foi Marx, obviamente,
quem inventou a mais-valia. Só que antes dele ninguém sabia o seu lugar. Era o
mesmo lugar ambíguo que o que acabo de dizer, do trabalho a mais, do mais-
trabalho. O que quero é que isso paga, pergunta ele – senão justa, ente o gozo, o
qual é preciso que vá para algum lugar. O que há de perturbador é que, se
pagamos, o temos, e depois, a partir do momento em que temos, é urgente gastá-
lo. Se não se o gasta, isso traz todo o tipo de consequências. 291
A mais valia realizada é a renúncia ao gozo frente ao mercado. Ocorre uma seleção
de opções para o indivíduo dentro de uma estrutura produzida pelo modo de produção
capitalista, pelo mercado, que se dá face ao Outro dentro de um discurso articulado (a
organização do capitalismo visa uma produção constante de objetos que são o objeto do
desejo do sujeito do mundo moderno):
O Sintoma seria o discurso da histeria que traz esse o sujeito (S) para a posição de
protagonista, instigado pelo objeto do desejo (a). O que significa que o sintoma neurótico
aparece como um protesto, uma recusa diante do que as forças sociais exigem como
renúncia ao gozo.
290
LACAN, Jacques. O seminário: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992, p. 17,
livro 17.
291
Idem, ibidem, p. 17.
292
LACAN, Jacques. O seminário: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008, p. 17-
18, livro 16.
170
Portanto, a categoria de sujeito proposta por Lacan se baseia em uma teoria sobre a
estrutura da subjetividade humana, o falta-a-ser. Quando nasce uma criança, ocorre a
inscrição do simbólico no seu corpo (campo do Outro como lugar dos significantes),
produzindo o surgimento de um sujeito e de sua dependência (alienação) à ordem do
significante, inaugurando o desejo do homem como desejo do desejo do Outro:
São efeitos do inconsciente estruturado como linguagem o que se diz sem querer
dizer, a produção de um saber que não se sabe:
O sujeito constituído pelo inconsciente como ordem do não sabido apresenta como
singularidade a impossibilidade de ter acesso ao significante que lhe deu origem - há um
corte no discurso, que serve de barra entre o significante e o significado. Este hiato entre o
significante primordial, que é do sujeito, e os outros significantes, que irão representá-lo
para outros significantes produz os lapsos e os atos falhos no discurso.
293
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em
Lacan. Petrópolis: Vozes, p. 98.
294
LACAN, Jacques. Subversão do sujeito e dialética do desejo. In______. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar,
1998, p. 815.
171
Freud nos revela, por sua vez, que o sujeito real, o indivíduo em sua essência
singular, não tem a figura de um ego, centrado no “eu” (“moi”), na “consciência”
ou na “existência” – quer esta seja a existência do para si, do corpo-próprio, ou
do “comportamento”. Que o sujeito humano é descentrado, constituído por uma
estrutura que também tem um “centro” apenas no desconhecimento imaginário
do “eu”, ou seja, nas formações ideológicas em que ele se “reconhece”. 295
295
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 71.
296
ALTHUSSER, Louis. “Sobre o jovem Marx” (questões de teoria). In______. Por Marx. Campinas:
Unicamp, 2015, p. 54-55.
172
sociedade feudal, os indivíduos diferem entre si, dependendo da classe social a qual
pertencem, a região em que habita etc.
A passagem do estado biológico para o cultural é um processo pela qual passa o ser
humano, que é constituído como sujeito humano pela ação da cultura, que se reflete em
uma ideologia, em uma ordem do simbólico:
A psicanálise se ocupa, apenas nos seus sobreviventes, com uma outra luta, a
única guerra sem memórias nem memoriais que a humanidade finge nunca haver
travado, aquela que ela pensa ter sempre ganho de antemão, pura e simplesmente
porque ela só existe pelo fato de lhe haver sobrevivido, de viver e de gerar-se
como cultura humana: guerra que se trava, a cada instante, em cada um de seus
rebentos que devem percorrer, cada um por si, projetados, expulsos, rejeitados,
na solidão e contra a morte, a longa marcha forçada que, de larvas mamíferas,
298
faz crianças humanas, sujeitos.
que o sujeito real, o indivíduo em sua essência singular não tem a figura de um ego,
centrado na existência do para-si, sendo o sujeito humano descentralizado, constituído por
uma estrutura que também tem um centro apenas no desconhecimento imaginário do “eu”,
ou seja, nas formações ideológicas em que ele se reconhece.
O Freud que Althusser busca é aquele revisitado por Lacan, sem as imaturidades de
sua juventude. Tal qual o corte epistemológico efetuado em Marx por Althusser, em que há
o Marx da juventude e o Marx maduro, Lacan trata a psicanálise sem o que seria
considerado o infantilismo teórico desta, separando a juventude de Freud, a ainda não
ciência, de sua maturidade:
Que uma teoria jovem, portanto madura, possa recair na infância, ou seja, nos
preconceitos de seus antepassados e de sua descendência: toda a história da
psicanálise o prova. É aí que reside o sentido profundo do retorno a Freud,
proclamado por Lacan. Temos de retornar a Freud para retornar a maturidade da
teoria freudiana, não à sua infância, mas à sua idade madura, que é sua
verdadeira juventude – nós temos de retornar a Freud para além do infantilismo
teórico, da recaída na infância, na qual boa parte da Psicanálise contemporânea,
sobretudo americana, saboreia as vantagens de suas concessões. 300
299
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 562.
300
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985, p. 56.
174
O sujeito referido por Althusser tem uma forte influência da psicanálise lacaniana,
principalmente em relação à tese do O estádio do espelho como formador da função do eu.
O estádio de espelho indicaria, para Lacan, o momento do advento histórico em cujo curso
se organizaria a estrutura do sujeito. É neste processo inconsciente que se constitui a
especificidade da relação do sujeito com o mundo:
301
THÉVENIN, Nicol–Edith. Ideologia Jurídica e Ideologia Burguesa (Ideologia e Práticas Artísticas). In
SAMPEDRO, Francisco; NAVES, Marcio Bilharinho (org.). Presença de Althusser. Campinas:
Unicamp/IFCH, 2010, p. 58.
175
A ideologia interpela os indivíduos como sujeitos, significa que, para Althusser não
há indivíduo, noção ideológica constituída pela modernidade capitalista, mas sim sujeitos:
o indivíduo é sempre um sujeito desde o seu nascimento quando lhe é conferido um
significado (um nome), e não é dotado de uma consciência autônoma já que é sempre
sujeitado a algo (um Sujeito) que o interpela cotidianamente, sem que perceba a existência
desse mecanismo de sujeição que, em última instância, reproduz as relações de poder.
302
BASTOS, Alice Beatriz B. Izique. A construção da pessoa em Wallon e a constituição do sujeito em
Lacan. Petrópolis: Vozes, p. 103-104.
303
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. In______. Posições. Lisboa: Livros
Horizonte, 1975, p. 115.
304
HAROCHE, Claudine. Fazer Dizer, Querer Dizer. São Paulo: Hucitec, 1992, p. 178.
176
305
HAROCHE, Claudine. Fazer Dizer, Querer Dizer. São Paulo: Hucitec, 1992, p. 183-184.
306
FISCHBACH, Franck. Les Sujets marchent tout seuls…”, Althusser e l’interpellation. In______.;
BOURDIN, Jean-Claude (coord). Althusser: une lecture de Marx. Paris: Presses Universitaires de France,
2008, p. 116. A cena da interpelação é uma construção própria de Althusser, não tem antecedentes no próprio
Marx. No entanto, esta figura da interpelação me parece profundamente marxiana. Em primeiro lugar,
fundamentalmente, no que ela supõe que o sujeito não é nem fundamento, nem ponto de partida, mas um
resultado, o produto de um processo de constituição, e um ponto de chegada. Por conseguinte, o processo de
constituição do sujeito é um processo que parte de algo "concreto" (o indivíduo) para chegar em algo
“concreto” (o sujeito), mas por meio de de uma categoria abstrata (a categoria do sujeito): o sujeito é, assim,
o próprio resultado concreto de um processo que passa por um momento de abstração (tradução livre).
177
307
ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. In ______. Sobre a Reprodução.
Petrópolis: Vozes, 2008, p. 291.
308
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso. Uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas: UNICAMP,
2010, p. 134-135.
178
indivíduo passa a ser obrigado a ser livre e igual para que possa desempenhar o seu papel,
sendo inicialmente, na chamada acumulação primitiva, instituídas leis rígidas para que os
camponeses se inserissem no mercado de trabalho, mas, após este período inicial, este
sujeito constituído pelo Capital tem sua subordinação garantida pelo direito, assim como
suas possibilidades de revolta pré-fixadas por este direito:
Desta forma, a liberdade e a igualdade não são mais esferas exteriores ao homem,
algo que deva ser introjetado nele, e sim a própria condição natural de sua vida. Assim, a
ideologia jurídica apropria-se do discurso da apropriação privada:
A forma sujeito de direito, para Bernard Edelman, filósofo e jurista francês, oculta
o funcionamento da ideologia jurídica que tem por finalidade escamotear as relações de
produção:
As relações de produção são tornadas eficazes por meio do direito com a utilização
do constrangimento e pela categoria sujeito de direito, que revela as relações imaginárias
dos indivíduos com estas relações de produção:
A relação do que é dito e do que está oculto é a própria prática que a designa.
Foi o que já antecipei. O direito ocupa este lugar donde pode sancionar pelo
310
NAVES, Márcio Bilharinho. A questão do direito em Marx. São Paulo: Outras expressões e Dobra
Universitária, 2014, p. 48.
311
EDELMAN, Bernard. O direito captado pela fotografia (elementos para uma teoria marxista do direito).
Coimbra: Centelha, 1976, p. 25, nota 1 do capítulo 2.
312
Idem, ibidem, p. 35-36, nota 1 do capítulo 2.
180
313
EDELMAN, Bernard. O direito captado pela fotografia (elementos para uma teoria marxista do direito).
Coimbra: Centelha, 1976, p. 36, nota 1 do capítulo 2.
314
TISESCU, Alessandra Devulsky. Edelman, althusserianismo, direito e política. São Paulo: Alfa-Omega,
2011, p. 123.
315
EDELMAN, Bernard. Op. cit., p. 34-35, nota 1 do capítulo 2.
181
“O homem que faz a história” - esta afirmativa para Althusser somente tem sentido
para a ideologia burguesa. Quando a burguesia lutava contra o feudalismo que a dominava,
a alusão ao indivíduo, ao “homem” abstrato, fazia sentido, uma vez que se contrapunha à
seguinte afirmação: é Deus que faz a história.
316
EDELMAN, Bernard. O direito captado pela fotografia (elementos para uma teoria marxista do direito).
Coimbra: Centelha, 1976, p.150, nota 1 do capítulo 2.
317
ALTHUSSER, Louis. Resposta a John Lewis. In ______. Posições - 1. Rio de Janeiro: Graal, 1968, p. 67.
182
Apenas conhecer o que é nada altera o fundo das coisas, pode-se conhecer na
condição de transformação, mas esta transformação está inserida na luta de classes, não em
algum sujeito.
O idealismo que aponta a essência do homem como origem, causa e fim da história
é encontrado na antropologia comunitária de Feuerbach, antropologia esta que foi
respeitada por Marx nos Manuscritos de 1844.
Propondo a categoria de “processo sem Sujeito nem fim(s)”, Althusser traça uma
linha de demarcação entre as posições materialistas-dialéticas e as posições burguesas e
pequeno-burguesas. Não existe para Althusser, portanto, um sujeito da história, sendo a
luta de classes o motor das transformações históricas:
318
ALTHUSSER, Louis. Resposta a John Lewis. In ______. Posições - 1. Rio de Janeiro: Graal, 1968, p. 68.
319
Idem, ibidem, p. 70-71.
183
Portanto, para Althusser os indivíduos são constituídos desde sempre pela ideologia
em sujeitos, sujeitos de direito, de forma que a reprodução do modo de produção capitalista
seja garantida, sendo a história um processo sem Sujeito e nem fim.
320
ALTHUSSER, Louis. Elementos de autocrítica. In ______. Posições – 1. Rio de Janeiro: Edições Graal,
1978, p. 106.
184
Retornamos a Pachukanis, pelo fato de ser este o primeiro autor a tratar da forma
sujeito de direito sob uma ótica marxista bastante original, após as análises da sociedade e
das possibilidades de emancipação humana sob a ótica humanista de Marcuse e sob a ótica
anti-humanista de Althusser, com intuito de verificarmos o grau de afirmação ou o nível de
completude destas análises em relação à figura do sujeito de direito identificada na
sociedade capitalista por este autor.
Sua obra principal foi Teoria Geral do Direito e Marxismo, publicada em 1924, na
qual propõe a caracterização de um ensaio metodológico pelo qual enfoca o Estado e o
direito sob o ângulo da dialética e do materialismo histórico. Demonstra, nesta obra, que a
economia capitalista conduz o Estado e o direito a assumirem uma forma própria, estando
associados à forma mercantil:
forma jurídica e não outra. Deste modo, a crítica direciona-se às formas de dominação de
classe que se realizam pelo direito:
As abstrações que o capitalismo produz e opera são abstrações reais, não estão na
cabeça das pessoas, mas na materialidade do tecido social, nas relações entre os sujeitos,
atuando em determinada época como produtoras do espaço e do tempo. No entanto, por
serem históricas não são perenes, podem ser mudadas.
322
NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito, um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2000, p. 20.
323
Idem, ibidem, p. 40-41.
186
324
NAVES, Márcio Bilharinho. Marxismo e direito, um estudo sobre Pachukanis. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2000, p. 57.
187
Para ela, o sujeito não é nada mais que “um meio de qualificação jurídica dos
fenômenos, do ponto de vista de sua capacidade ou incapacidade em particular
das relações jurídicas”. A dogmática jurídica, por conseguinte, não coloca de
forma alguma a questão de porque o homem se transformou de indivíduo
zoológico em sujeito de direito. Ela parte da relação jurídica como uma forma
acabada, dada a priori.326
Direito e moral são, deste modo, ideologias, construções que encerram um juízo de
valor que reproduzem e são reproduzidos pela infraestrutura econômica e que se
intercomunicam pelos seus aspectos de: conceito de direito, conceito de moral e conceito
de homem (sob a forma de sujeito de direito).
325
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 82-83.
326
Idem, ibidem, p. 83.
327
Idem, ibidem, p. 84.
188
328
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 128-129.
329
BESSA, Paulo. Apresentação. In ______. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p.
XIV.
189
330
BESSA, Paulo. Apresentação. In ______. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p.
XVI.
331
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 94.
190
Não se pode objetar à teoria geral do direito, como a concebemos, que esta
disciplina trate unicamente de definições formais, convencionais e de
construções artificiais. Ninguém duvida de que a economia política estuda uma
realidade efetivamente concreta, ainda que Marx tenha chamado a atenção a que
fatos como o Valor, o Capital, o Lucro, a Renda, etc. não podem ser descobertos
“com a ajuda de microscópios e de análise química”. A teoria do direito opera
com abstrações que não são menos “artificiais”: a “relação jurídica” ou o “sujeito
de direito” não podem ser igualmente descobertos pelos métodos de investigação
das ciências naturais, embora por detrás dessas abstrações escondam-se forças
332
sociais extremamente reais.
Deve-se criticar a ciência do direito burguês, do ponto de vista socialista, tal qual
Marx criticou a ciência da economia política burguesa, ou seja, não se deve descartar as
generalizações e abstrações que foram elaboradas pelos juristas burgueses:
Com efeito, o núcleo mais sólido de universo jurídico (se assim posso exprimir-
me) situa-se, precisamente, no domínio das relações de direito privado. É lá,
precisamente, que o sujeito de direto, “a pessoa”, encontra uma encarnação
totalmente adequada na personalidade concreta do sujeito econômico egoísta, do
proprietário, do titular de interesses privados. É precisamente no direito privado
que o pensamento jurídico move-se com mais segurança e liberdade, e que suas
construções assumem formas mais acabadas e mais harmoniosas. 334
Marcuse, diferentemente de Pachukanis, que tem como guia para suas análises O
Capital, baseia sua análise da sociedade no Marx da juventude, em especial nos
332
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 23-24.
333
Idem, ibidem, p. 29.
334
Idem, ibidem, p. 49.
191
identifica-se com o social, submetendo-se integralmente ao status quo – o que ele consome
indica o seu “modo de vida”, seu comportamento.
Há uma identificação imediata do indivíduo com a sua sociedade e, por meio dela,
com a sociedade como um todo, de modo que se tem a impressão que a “falsa consciência”
de sua racionalidade se torna a verdadeira consciência:
No entanto, esta mesma base tecnológica que serve para modelar os homens como
competidores entre si, pode servir como guia para que a produção e distribuição dos
recursos sejam disponíveis para todos - seria a racionalidade tecnológica despida de suas
particularidades exploradoras.
A sociedade seria de fato racional e livre desde que fosse organizada, mantida e
reproduzida por um sujeito histórico essencialmente novo. No entanto, para Pachukanis, há
335
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 31-32.
193
Por detrás de todas estas controvérsias se esconde uma questão fundamental: por
que a dominação de classe não se apresenta tal qual ela é, a saber, a sujeição de
uma parte da população à outra? Por que assume a forma de uma dominação
estatal oficial, o que vem a ser o mesmo, por que o aparelho de coação estatal
não se constitui como aparelho privado das classes dominantes, por que ele se
destaca destas últimas e assume a forma de um aparelho de poder público
impessoal, distante da sociedade?337
336
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 79-78.
337
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 115.
195
338
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 57.
196
4.4.1. Marcuse
339
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 29.
197
4.4.2. Althusser
Não foi em vão que Freud, por vezes, comparou a repercussão crítica de sua
descoberta com a subversão da revolução coperniciana. Desde Copérnico,
sabemos que a Terra não é o “centro” do Universo. Desde Marx, sabemos que o
sujeito humano, o ego econômico, político ou filosófico, não é o “centro” da
História – sabemos até mesmo, contra o que pensavam os filósofos iluministas e
contra Hegel, que a História não tem “centro”, mas possui uma estrutura que tem
um “centro” necessário apenas no desconhecimento ideológico. Freud nos
revela, por sua vez, que o sujeito real, o indivíduo em sua essência singular, não
tem a figura de um ego, centrado no “eu” (“moi”), na “consciência” ou na
“existência” – que esta seja a existência do para-se, do corpo-próprio, ou do
“comportamento” -, que o sujeito humano é descentrado, constituído por uma
estrutura que também tem um “centro” apenas no desconhecimento imaginário
do “eu”, ou seja, nas formações ideológicas em que ele se “reconhece”. Deste
modo, ter-se-á notado para nós, sem dúvida, uma das vias pelas quais
chegaremos, talvez, a uma melhor compreensão da estrutura do
desconhecimento, que interessa, em primeiro lugar, a qualquer pesquisa sobre
ideologia. 340
340
ALTHUSSER, Louis. Freud e Lacan. In ______. Freud e Lacan, Marx e Freud. Rio de Janeiro: Edições
Graal, 2000, p. 70-71.
198
Althusser afirma que o objeto da ideologia não é o mundo, mas a relação do sujeito
com o mundo, mais precisamente, com as condições reais de existência, fazendo parte
orgânica de uma totalidade social. Para tanto, seguem as análises de Lacan, que situa a
percepção de mundo dos sujeitos no inconsciente e não no consciente:
Tal qual o Estado, o direito igualmente não existe apenas como formulação teórica
dos juristas, ele decorre de uma história real:
341
ALTHUSSER, Louis. Por Marx. Campinas: Unicamp, 2015, p. 193.
342
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 44.
199
pensamento, mas como um sistema particular que os homens realizam não como
uma escolha consciente, mas sob a pressão das relações de produção. O homem
torna-se sujeito de direito com a mesma necessidade que transforma o produto
natural em uma mercadoria dotada das propriedades enigmáticas do valor.343
Há, portanto, uma dupla relação especular entre os sujeitos promovido pela
ideologia, que garante simultaneamente: 1) a interpelação dos indivíduos como sujeitos; 2)
o reconhecimento mútuo entre os sujeitos e o Sujeito, e entre os próprios sujeitos, e o
343
PASUKANIS, E.B. Teoria geral do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1989, p. 35.
344
ALTHUSSER, Louis. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 218.
200
reconhecimento do sujeito por si mesmo; 3) a garantia absoluta de que tudo está bem
assim, e sob a condição de que tudo está bem assim (Deus é realmente Deus, Althusser é
realmente Althusser) e, se a submissão dos sujeitos ao Sujeito for realmente respeitada,
tudo decorrerá da melhor forma para eles: serão recompensados.
Desta forma, os homens só aparecem na teoria marxista sob a forma de suporte das
relações implicadas na estrutura, e as formas de sua individualidade como efeitos
determinados da estrutura.
Tanto Marcuse quanto Althusser desenvolveram seus estudos tendo por base Marx
e Freud, no entanto, a forma da leitura destes autores e suas respectivas fontes foram
radicalmente diferentes.
A leitura elaborada por Marcuse destes autores e das fontes por estes utilizadas
(como Hegel e Feuerbach) foi no sentido de resgatar subsídios para se trabalhar com o
“homem concreto”, elaborar uma “filosofia concreta”, tendo como fonte principal para tal
empreitada o jovem Marx:
Althusser efetuou uma leitura que ele denominou de sintomal, ou seja, uma leitura
em que se caminha com os autores desde o começo de suas pesquisas, retomando suas
fontes, como o próprio Marx fez, tornando as lacunas dos enunciados destes autores
perceptíveis, procurando “o discurso do silêncio”, daquilo que não foi dito, mas está
contido no discurso. Nestas leituras de retorno não se pretende apenas uma leitura literal,
mas extrair o que há de verdadeiro e extirpar o que é ilusório:
345
SOARES, Jorge Coelho. Marcuse, uma trajetória. Londrina: UEL, 1999, p. 29.
201
346
ALTHUSSER, Louis. De O Capital à Filosofia de Marx, in ______. Ler o Capital. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1979, p. 32, v. 1.
347
CHACON, Vamireh. A fenomenologia do materialismo histórico. In______. Materialismo histórico e
existência. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1968, p. 22.
348
Idem, ibidem, p. 22.
202
[...], Marx iniciou uma nova linguagem conceitual em sua obra a partir de 1845
que inexistia na sua fase filosófica. Nesse aspecto, os conceitos de modo de
produção e de lutas de classes tornaram-se centrais para a análise do capitalismo
e no estabelecimento de uma nova prática constituída a partir de uma estratégia
revolucionária. Em relação ao materialismo dialético, Althusser aponta que o seu
desenvolvimento é posterior ao da ciência da história, mas, mesmo assim, Marx
desenvolveu categorias filosóficas que esboçam o seu projeto filosófico. Isso fica
perceptível em relação ao materialismo, ou primado da matéria sobre o
pensamento, do objeto real sobre o seu conhecimento, efeito de conhecimento
dialético, distinção da ciência da filosofia. Como destaca Althusser na sua carta
ao Comitê Central do PCF em 1966, o conceito humanista de trabalho alienado
é substituído pelo conceito científico de trabalho assalariado.349
O conceito de humanismo não deve ser tomado como meta, nem como projeto,
mas como objeto de crítica e como sintoma da exploração burguesa que ocorre na
sociedade capitalista.
A absurdidade histórica, que reside no fato de o mundo não ter sucumbido após a
derrota do fascismo, mas sim retornado a suas forças anteriores, de não ter
empreendido o salto para o reino da liberdade, mas sim restaurado com honras a
disposição anterior – essa absurdidade vive na concepção existencialista. Mas
vive nela como um fato metafísico, não como um fato histórico.350
349
MOTTA, Luiz Eduardo. A favor de Althusser: revolução e ruptura na Teoria Marxista. Rio de Janeiro:
FAPERJ e Gramma Livraria e Editora, 2014, p. 23.
350
MARCUSE, Herbert. O existencialismo. In______. Cultura e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, p. 53, v.
2, 1998.
203
da ideologia que ataca - critica em especial a obra de Sartre, que coloca a liberdade
essencial do homem existente em quaisquer situações, mesmo em uma masmorra nazista.
Adota também a noção de projeto como fim a ser seguido pelo homem para sua
libertação, mas centrando este projeto em um ato radical a ser defendido por uma classe
universal - o ser concreto, cuja meta estaria assinalada por sua própria situação: o
proletário como o sujeito histórico que adquire a consciência de si e com essa consciência
e por meio da razão conquista sua emancipação.
Althusser dirige sua crítica à Sartre em Resposta a John Lewis, como sendo o
filósofo da “liberdade-humana” que trabalhou a transcendência com o homem-que-se-
projeta-para-o-futuro, que supera sua situação pelo projeto do futuro. Aponta que a tese de
Sartre que afirma que é o homem que faz a história nada contribuiu para ciência, ao
contrário, “entravam” o conhecimento:
Considera que Sartre, embora possa ser pessoalmente um espírito honesto, não
importa suas intenções, o fato é que este filósofo é um ideólogo pré-marxista e pré-
freudiano:
351
MARCUSE, Herbert. O existencialismo. In______. Cultura e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, p. 83, v.
2, 1998.
352
ALTHUSSER, Louis. Resposta a John Lewis. In ______. Posições - 1. Rio de Janeiro: Graal, 1968, p. 36.
204
Quanto à releitura de Hegel, a de Marcuse foi no sentido de resgatar este autor para
que não fosse utilizado como fundamento de ideologias fascista. Destaca a força da razão,
examinada por Hegel, como uma força histórica, vinculada com a liberdade - o homem tem
o poder de autorrealização, pois realiza dialeticamente o seu próprio desenvolvimento, suas
potencialidades – há uma ênfase para o sujeito histórico que promoverá a emancipação
humana.
Era intolerável para Marcuse, constatar que o pensamento de Hegel tinha sido
apropriado como “um dos seus”, por aqueles que representando o obscurantismo
e a desrazão alegavam vem em Hegel um percursor dos ideais fascistas. Era
preciso, urgentemente, esclarecer o equívoco, eliminar as falsas interpretações e
iluminar a obra de Hegel. A isto se dedicou Marcuse em Razão e Revolução.355
353
ALTHUSSER, Louis. Resposta a John Lewis. In ______. Posições - 1. Rio de Janeiro: Graal, 1968, p. 36-
37.
354
ALTHUSSER, Louis; RANCIÉRI, Jacques; MACHEREY, Pierre. De “O capital” à filosofia de Marx. In
ALTHUSSER, Louis. Ler o capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979, p. 46, v. I.
355
SOARES, Jorge Coelho. Marcuse, uma trajetória. Londrina: UEL, 1999, p. 70-71.
205
Marx atravessou uma longa trajetória para superar os termos hegelianos, o conteúdo
do evolucionismo contido neste autor, o que teria provocado grandes estragos na história
do movimento operário marxista, no entanto, Althusser entende que Marx teria uma dívida
para com Hegel: a concepção da história como um processo sem sujeito357.
A ideia de Hegel era que o trabalho trouxesse a certeza sensível e a natureza para
dentro do processo histórico. Feuerbach recorre à percepção-sensível
(Anschauung); mas ele não compreende a sensibilidade como atividade prática
humano-sensível. O trabalho transforma em condições sociais as condições da
existência humana. Ao omitir da sua filosofia da liberdade o processo do
trabalho, Feuerbach omite o fator decisivo pelo qual a natureza podia vir a ser o
instrumento da liberdade. Sua interpretação do desenvolvimento livre do homem
como um desenvolvimento “natural”, deixava de lado as condições históricas da
libertação, e fazia da liberdade um acontecimento interior ao arcabouço da ordem
estabelecida. Seu “materialismo perceptivo” só percebe “indivíduos isolados na
sociedade burguesa”. 358
Para Althusser, Feuerbach não sai da problemática colocada por Hegel, uma vez
que apesar de ter invertido o edifício hegeliano mantém sua estrutura, ainda se mantém no
campo idealista da filosofia hegeliana. Mantém uma problemática antropológica como
essência humana, liberdade e alienação, que é utilizado por Marx nos manuscritos de 1844.
Quanto à análise das estruturas sociais, tanto Marcuse quanto Althusser possuem
posições aparentemente semelhantes, uma vez que ambos destacam a importância do papel
da superestrutura na manutenção e reprodução do sistema, mesmo que, em última
instância, a determinação venha da infraestrutura, da base econômica.
358
MARCUSE, Herbert. Razão e revolução. Hegel e o advento da teoria social. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1978, p. 251.
359
ALTHUSSER, Louis. Os “manifestos filosóficos” de Feuerbach. In ______. Por Marx. Campinas:
Unicamp, 2015, p. 37-38.
207
Para Althusser, no entanto, a dominação ocorre não somente pelo domínio técnico,
nem por relações meramente jurídicas, o que poderia ser alterado por uma eventual
mudança subjetiva da propriedade, ou mesmo pela realização de uma melhor organização
técnica do processo de trabalho, mas pela ocultação da exploração do trabalho (extorsão da
mais-valia mediante o salário, divisão do trabalho, tec.), por meio da ideologia jurídica e
pelos aparelhos ideológicos do Estado.
360
MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967, p. 231.
208
Por outro lado, Marcuse aborda a questão da cooptação da classe trabalhadora pela
sociedade de consumo, de forma que o operário perdeu sua motivação revolucionária,
passando a ser mesmo um defensor do sistema.
Entende que o homem somente no trabalho e nos objetos de seu trabalho pode
atingir o conhecimento real de si mesmo, dos outros e do mundo objetivo e somente uma
teoria prática, baseada na práxis, propiciaria sua libertação:
À teoria prática, a qual cumpre esta missão, chama Marx de ‘humanismo real’,
na medida em que ela coloca o homem no centro da concreção da sua essência
histórica-social, e identifica-o com ‘naturalismo’ na medida em que apreenda a
unidade de homem e natureza na sua realização: a ‘naturalidade do homem’ e a
‘humanidade da natureza’. Quando esta unidade não corresponde ao real
humanismo aqui esboçado, enquanto fundamento da sua teoria, no que se
209
Os homens representam não suas condições de existência reais, seu mundo real,
mas sua relação com essas condições de existência reais:
361
MARCUSE, Herbert. Novas fontes para a fundamentação do materialismo histórico. In______.
Materialismo Histórico e Existência. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário, 1968, p. 143.
362
ALTHUSSER, Louis. A propósito da ideologia. In ______. Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes,
2008, p. 205.
210
essência, que é a liberdade e igualdade, sendo que a consciência de sua situação propiciaria
a emancipação da classe operária, que tem como projeto a ruptura da exploração do
homem pelo homem.
CONCLUSÃO
O Direito sob a ótica dos modernos, ótica que ainda hoje vigora, é tido com um
conjunto de regras que rege os homens em sociedade. O embasamento dessa noção é o
comando de uma razão racionalizante, de tal forma que as leis retratem o ideal, o dever ser,
o considerado possível para que uma sociedade possa viver em harmonia.
Para justificar as leis sob o domínio da razão foram criadas ficções como o contrato
social de Rousseau, o sujeito de direito, desenvolvido inicialmente por Kant, e o Estado
como a síntese da família e sociedade na dialética de Hegel.
A sociedade capitalista sofreu uma forte crítica de Marx, que colocou à amostra a
verdadeira natureza do sujeito de direito: constituído de modo a ter a capacidade de se
relacionar com os outros por meio do mercado, no qual prevalece a liberdade e igualdade
formais para firmar contratos, ou seja, os homens devem, como sujeitos livres, colocar a si
mesmo como mercadorias a serviço do capital.
Marx e Engels saem da visão idealista dos modernos e focam suas análises no
modo de produção vigente, denunciando a universalidade formal do direito e de seu
garantidor, o Estado. Liberdade, igualdade e fraternidade não são efetivamente realizadas,
apenas formal e abstratamente tais direitos são enunciados como forma de assegurar o
funcionamento do mercado: liberdade para vender sua mercadoria, inclusive sua própria
força de trabalho e igualdade formal entre os proprietários destas mercadorias.
Com esta obra, inicia-se uma nova proposta filosófica de renovação da sociedade
pela identidade entre sujeito e objeto, em que a motivação para uma possível emancipação
da humanidade estaria na possibilidade da consciência dos homens em relação à sua
atividade produtiva. Esta obra influenciou vários autores, que a consideraram como uma
espécie de elo perdido para uma compreensão menos dogmática do marxismo, como foi o
caso de Herbert Marcuse, sendo, no entanto, repudiada por outros, como Louis Althusser,
por ser ainda uma análise idealista, presa ao humanismo ideológico de Hegel e ao
humanismo antropológico de Feuerbach.
A partir de seus escritos de maturidade, Marx passa a focar seus estudos no modo
de produção capitalista, inicialmente ainda no terreno humanista, quando a produção seria
213
o resultado da atividade dos homens e uma criação do sujeito, mudando esta ótica em O
Capital, sua obra máxima, quando indica a produção como um resultado objetivo da luta
de classes.
Heidegger fala do ser autêntico, como ser não alienado, no entanto este ser teria sua
essência descoberta pela angústia. Neste ponto, Marcuse diverge de Heidegger, uma vez
que interpreta no ser concreto a possibilidade de um gesto revolucionário, este gesto que
permitiria ao homem alcançar o seu ser autêntico, seria denominado por ele de “ato
radical”.
Marcuse passa a focar seus estudos na busca dos motivos de o movimento operário
se integrar ao status quo em vez de se emancipar, por que o suporte do sujeito
revolucionário pelo proletariado estaria comprometido, escrevendo vários artigos nesse
sentido, analisando vários aspectos, como a função ideológica da cultura, entre outros.
que geram sua dependência em relação ao consumo e com isso a dominação de uma classe
sobre a outra é facilitada.
A ideologia para Althusser, além de representar uma pré-ciência, tem uma função
prática de Assujeitamento, cumprindo um papel do vivido, como imaginário necessário
para submissão e percepção da realidade.
Para ele, o sujeito de direito é o elemento mais simples da relação jurídica, que não
pode ser mais decomposto. Assim como um produto natural se transforma em uma
mercadoria dotada de valor, o homem transforma-se em sujeito de direito.
No mercado ocorrem antagonismos subjetivos que são regulados pelo direito, que
surge para dar legitimidade a estas relações antagônicas, que coloca os agentes como
igualmente proprietários e com sua vontade livre para transacionar, legitimando o domínio
de uma classe sobre a outra, do capital sobre o trabalho. No entanto, a dominação de uma
classe pela outra não é direta e sim feita por um organismo aparentemente equidistante,
que representa a “vontade geral” da qual emanam os determinações normativas: o Estado.
Neste ponto, podemos dizer que Pachukanis e Althusser consideram a forma sujeito
de direito reflexo direto da forma mercadoria, com base nos estudos de Marx de O Capital,
nos quais o conteúdo da relação jurídica é dado pela própria relação econômica, pois “as
mercadorias não podem por si próprias irem ao mercado e trocar-se umas pelas outras”, ou
seja, “as máscara econômicas das pessoas não passam de personificação das relações
econômicas”.
Os indivíduos humanos não são nem livres, nem constituintes, mas indivíduos
humanos sociais que só atuam em e sob relações sociais determinadas numa sociedade de
219
classes agindo não como agentes da emancipação humana, mas como agentes que
perpetuam, atualizam e modificam as estruturas de dominação existentes nessa sociedade.
Portando, para Althusser a história é sem sujeito, sendo que a ideologia interpela os
indivíduos como sujeitos, uma vez que os agentes sujeitos só são ativos na história sob a
determinação das relações de produção e de reprodução, e em suas formas, estando o foco
das transformações sociais em um motor que é a luta de classes.
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