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UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP

TRABALHO – A LÍNGUA DE EULÁLIA

BRUNO SAMPAIO GARRIDO


LINGÜÍSTICA GERAL
PROF.ª ANA PAULA DIAS

BAURU
2005
1. Que língua é essa?

O português falado no Brasil não é um bloco hermético, mas um conjunto de variantes repletas de
semelhanças e diferenças. As principais são:

Fonéticas – relativas ao modo de pronunciar as palavras.

Português brasileiro Português lusitano


Eu sei (/sey/) Eu sei (/sây/)

Sintáticas – relativas ao modo de organizar as frases e as partes que as compõem.

Português brasileiro Português lusitano


Estou falando com Estou a falar consigo
você

Lexicais – palavras que existem em determinadas variantes e não em outras.

Português brasileiro Português lusitano


Caipira, capiau, saloio
matuto

Semânticas – relativas a diferenças de significado

Português brasileiro Português lusitano


calcinha cueca

Diferenças relativas ao modo de uso da língua

Português brasileiro Português lusitano


Sílvia, você quer A Sílvia janta conosco
jantar com a gente?

Português não-padrão (PNP): engloba todas as variantes do português de acordo com as áreas
geográficas, classes sociais, faixas etárias e níveis de escolarização em que se encontram os falantes.

PP PNP
Velho Véio
Trabalho Trabaio
Colher Cuié
Globo Grobo
Bloco Broco

2. Um problema sem a menor graça

Rotacismo: tendência natural da língua portuguesa em transformar o l em r dos encontros


consonantais.

PP PNP
Flauta Frauta
Pluma Pruma
Publica Pubrica
Flecha Frecha
Planta Pranta
Floco Froco
Inglês Ingrês ou
Ingreis
Globo Grobo
Bloco Broco
Chiclete Chicrete

3. Uma língua enxuta

Marcas redundantes de plural: No português padrão, para indicar que estamos nos referindo a mais de
uma coisa, várias classes de palavras são modificadas para reforçar este sentido. Isto não acontece na
variedade não-padrão, na qual, para indicar a mesma idéia de plural, apenas um substantivo ou adjetivo
são modificados.

Português Padrão Português Não-Padrão


Onde as ondas se espalham Onde as onda se espaia
As garças dão meia-volta As garça dá meia-volta
Sentam na beira da praia Senta na bera da praia
Dei em terras paraguaias Dei em terras paraguaia
Enfrentei fortes batalhas Enfrentei fortes bataia
E os olhos se enchem d’água E os óio se enche d’água

4. Liberdade, fraternidade, igualdade

Assimilação do lh: o som deste dígrafo // é produzido na mesma região que a semivogal /y/. Por ser
mais fácil pronunciar esta última, é comum encontrarmos na variedade não-padrão palavras que
tiveram o // trocado por /y/.

PP PNP
Abelha Abêia
Alho Ai
Batalha Bataia
Colher (subst.) Cuié
Falha Falha
Filha Fia
Palha Paia
Trabalhar Trabaiá

5. Verbo, pra que te quero

Conjugação de verbos: No português não-padrão, as conjugações são simplificadas, sem grandes


variações nos verbos, como acontece na norma culta.

Português Padrão Português Não-Padrão Padrão Coloquial


Eu amo Eu amo Eu amo
Tu amas Tu/Você ama Você ama
Ele ama Ele ama Ele ama
Nós amamos Nós ama A gente ama
Vós amais Vocês ama Vocês amam
Eles amam Eles ama Eles amam

Casos curiosos da conjugação verbal:


O uso do presente do indicativo pode indicar uma ação futura, como na frase: Depois de amanhã eu
passo na sua casa.
O verbo andar, no futuro, pode indicar uma dúvida relativa ao presente. Ex: Onde andará agora aquele
nosso amigo?
O pretérito imperfeito pode indicar uma possibilidade de ação no futuro. Ex: Bem que você podia passar
lá em casa amanhã.

6. E agora, com vocês, a assimilação

Assimilação: força que tenta fazer com que dois sons diferentes, mas com algum parentesco, tornem-se
iguais ou semelhantes. Ex: falando-falano, cantando-cantano, comendo-comeno, quando-quano,
também-tamém, bocado-mucado, pouco-poco, louro-loro, roupa-ropa.

7. Beijo rima com desejo

Monotongação: ocorre quando dois sons fundem-se em um só. No caso do ditongo ei, o fenômeno
acontece quando ele está atrás das consoantes j, x e r.

Língua Escrita Língua Falada


Beiço Beiço
Beijo Bêjo
Brasileiro Brasilêro
Cheiro Chêro
Deixa Dêxa
Jeito Jeito
Peito Peito
Peixe Pêxe
Primeiro Primêro
Queijo Quêjo
Queixo Quêxo
Seiva Seiva

8. Música, maestro

Vogais pretônicas: aparecem antes da sílaba tônica. Se estas vogais forem e e o e a sílaba tônica
contiver um i ou u, elas serão pronunciadas como i e u, respectivamente.

 Letra e com som de i: alegria-aligria, avenida-avinida, bebida, bibida, Benedito-Binidito, feliz-filiz,


ferido-firido, freguesia-friguisia, medida-midida, mentira-mintira, metido-mitido, pedido-pidido,
pepino-pipino, fedido-fidido, periquito-piriquito, preguiça-priguiça, seguido-siguido, Severino-Sivirino,
cabeludo-cabiludo, pendura-pindura, segundo-sigundo, seguro-siguro, veludo-viludo.
 Letra o com som de u: assobio-assubio, chovia-chuvia, comida-cumida, cominho-cuminho, cozinha-
cuzinha, corria-curria, domingo-dumingo, dormir-durmir, folia-fulia, formiga-furmiga, gorila-gurila,
harmonia-harmunia, notícia-nutícia, podia-pudia, possível-pussível, Sofia-Sufia, coruja-curuja,
costume-custume, costura-custura, fortuna-furtuna, gordura-gurdura.

Postônicas: quando e e o são postônicas, ou seja, vem após a sílaba tônica, acontece o mesmo
fenômeno – chamado de redução. Ex: bebe-bébi, ovo-ôvu.
9. Que coisa mais esdrúxula

No português não-padrão, praticamente não existem palavras proparoxítonas. Elas sofreram


adaptações para tornar o ritmo da fala mais ágil. Nessa variedade de língua, as palavras paroxítonas
são maioria.
Por convenção, todas as proparoxítonas são acentuadas.

PP PNP
Árvore Arvre
Córrego Corgo
Cubículo Cuvico
Fósforo Fósfro
Glândula Landra
Música Musga
Pássaro Passo
Sábado Sabo
Tábua Tauba
Víbora Briba

10. Quem era o home que eu vi onte na grarage?

Há na língua portuguesa a tendência de desnasalização das vogais postônicas, ou seja, eliminar o


som nasal que vem depois da sílaba tônica.
Ex: abdômen-abdome, certâmen-certame, cerúmen-cerume, gérmen-germe, regímen-regime, velâmen-
velame, garagem-garage, viagem-viage, bobagem-bobage, órgão-orgo, órfã-orfo, Cristóvão-Cristovo,
Estêvao-Estevo, cantaram-cantaro, beberam-bebero, fizeram-fizero, Aírton-Airto, Nélson-Nelso, Wílson-
Wilso, Mílton-Milto, álbum-albo, ontem-onte, homem-home.

11. Quem não se alembra de Camões?

Arcaísmos: palavras ou variações de palavras que a norma padrão considera antigas, ultrapassadas.
Em várias regiões do Brasil, principalmente no interior, é muito comum a presença de formas arcaicas
no português não-padrão falado por lá. Os exemplos mais dignos de nota são os verbos começados
com a-. Ex: abastar, alimpar, aquentar, arrodear, ajuntar, alumiar, arrecear, assentar, alembrar,
amostrar, arrenegar, assoprar, alevantar, aqueixar, arreparar, avoar.
Outros arcaísmos: entonce, despois, escuitar, uso da preposição em para reger verbos em movimento
(Vou em casa), da preposição de para reger o verbo chamar (Ele me chamou de ignorante) e o uso do
gerúndio (Estou falando com você).

12. Aceita-se roupas novas!

A partícula se ocupa o lugar do sujeito na ordem canônica da língua (sujeito-verbo-objeto) e


exerce plenamente essa função em frases como Nessa padaria se come uns docinhos ótimos.
No entanto, a norma culta também diz que a partícula se tem função apassivadora e o verbo deve
concordar em número com o sujeito. Ou seja, dizer avistam-se telhados ou ensinam-se línguas é o
mesmo que telhados são avistados ou línguas são ensinadas. O livro contesta essa afirmação, dizendo
que, ao dizer ensinam-se línguas, enfatiza-se a ação, enquanto línguas são ensinadas transmite a idéia
de passividade.
Outra aplicação da partícula se é em frases cujo sujeito é indeterminado.
Ex: Chora-se, grita-se, esperneia-se, mas não se resolve nada!
No Brasil, trabalha-se muito e ganha-se pouco.
Vive-se feliz quando ama.

13. A bruxa está solta

Analogia: tentativa da língua portuguesa em enquadrar o maior número possível de fenômenos


segundo regras que mostraram-se eficientes antes. No caso mostrado pelo livro, a regra é: se uma
mesma palavra é empregada como substantivo, tem som fechado. Se for usada como verbo, o som é
aberto.

Substantivo Verbo
Almôço Almóço
Apêgo Apégo
Carrêgo Carrégo
Chôro Chóro
Dôbro Dóbro
Esmêro Esméro
Fôrro Fórro
Gêlo Gélo
Gôsto Gósto
Jôgo Jógo
Namôro Namóro
Pêso Péso
Rôlo Rólo
Sêlo Sélo
Sôco Sóco
Sossêgo Sosségo
Trôco Tróco
Zêlo Zélo
Espêlho Espélho
Estôro Estóro
Fêcho Fécho
Pôso Póso
Rôbo Róbo

Hipercorreção: aplicação do particípio irregular em verbos que só apresentam o particípio regular. Ex:
Quando eu saí, você ainda não tinha chego; Ele já havia trago o livro que pedi.

No caso do português não-padrão, este fenômeno ocorre de forma oposta:

Infinitivo PP PNP
Abrir Aberto Abrido
Cobrir Coberto Cobrido
Dizer Dito Dizido
Escrever Escrito Escrivido
Fazer Feito Fazido

14. Índio sim, com muito orgulho

O português não-padrão consagrou o pronome oblíquo mim como sujeito do infinitivo, embora a
norma padrão afirme que, neste caso, deva-se usar o pronome pessoal eu. Ex: Para mim fazer o que
você pediu, vou precisar de sua ajuda (PNP). Para eu fazer o que você pediu, vou precisar de sua
ajuda (PP).
Hipótese do cruzamento sintático: na tentativa de reunir duas informações em uma frase só, há um
cruzamento que gera uma terceira frase que contemple essa expectativa:

João trouxe um monte de livros para mim João trouxe um monte de


João trouxe um monte de livros para eu escolher livros para mim escolher.

Hipótese do “ganha quem chega primeiro”: quando, em uma situação, há duas regras para serem
obedecidas, vale aquela que foi acionada em primeiro lugar. No exemplo abaixo, as regras são: a)
depois de preposição, pronome oblíquo; b) na função de sujeito de um verbo, o pronome deve figurar
no caso reto.
Na “disputa” entre regras, a primeira a ser
acionada tornou-se válida.
João trouxe um monte de livros para mim escolher

Hipótese dos deslocamentos possíveis: o deslocamento do trecho para mim ao longo do enunciado
demonstra que ele pode coexistir em uma frase com um verbo no infinitivo, sem haver prejuízo no
sentido. Segundo o livro, não há como separar o para mim de um verbo no infinitivo.

Para mim é muito difícil fazer isso sozinho.


É para mim muito difícil fazer isso sozinho.
É muito difícil fazer isso sozinho para mim.

15. Pondo a mão na massa

O português herdou do latim os prefixos pre-, per- e pro-. Muitas palavras escritas com base neles
apresentam duas ou mais versões, todas aceitas pela norma padrão. Isto acontece porque essas
partículas não possuem um significado definido, como ocorria no idioma de origem.
Ex: perguntar-preguntar, perfumada-prefumada, procurar-precurar-procurar, professora-prefessora-
perfessora, prejudicar-projudicar, perseguir-prissiguir.

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