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(org.)
María Verónica Secreto
Jonis Freire
E-BOOK GRATUITO - PROIBIDO COMERCIALIZAÇÃO
História,como se faz?
Exercícios de metodologia da história sobre
escravidão e liberdade
(org.)
María Verónica Secreto
Jonis Freire
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© María Verónica Secreto e Jonis Freire.
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e autores e não expressam necessariamente a posição da editora.
Coleção História
Conselho Editorial
Alexandre Mansur Barata | UFJF
Andréa Lisly Gonçalves | UFOP
Gabriela Pellegrino | USP
Iris Kantor | USP
Junia Ferreira Furtado | UFMG
Marcelo Badaró Mattos | UFF
Paulo Miceli | UniCamp
Rosângela Patriota Ramos | UFU
1. https://www.slavevoyages.org/
2. http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
Referências bibliográficas
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MAC CORD, Marcelo, ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira e GOMES, Flávio.
Rascunhos Cativos. Educação, Escolas e Ensino no Brasil Escravista. Rio de
Janeiro: 7 Letras, 2017.
Fabricio Prado
College of William & Mary
RJ D. 9772; AHU RJ D. 9932, AHU RJ D.10052. AGI Buenos Aires Gobierno Leg.: 141.
Declaración de Entrada de Puerto;
7. AHU-RJ 10215, AHU-RJ 10532, AHU-RJ 10607, AHU-RJ 13396, AHU-RJ 13397, AHU-RJ
13398, AHU-RJ 13399, AHU-RJ 13407, AHU-RJ 13412, AHU-RJ 13408.
8. “Com prerrogativas que lhe guardam as leis do Estado.” AN-RJ – Cx 492 Pct. 02. 10 de
Out de 1796.
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CROMWELL, Jesse. The Smugglers’ World: Illicit Trade and Atlantic
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14. A ausência das folhas iniciais do processo nos privou da avaliação dos bens, mas
procuramos reconstituí-los considerando a divisão entre os herdeiros. Coube à viúva 200
alqueires de terras na Cachoeira, e mais as benfeitorias no mesmo lugar; as benfeitorias
da fazenda do Claro, 20 alqueires de terras em matas na Fazenda do Claro; nesta mesma
fazenda, 54 alqueires em capoeiras ordinárias, 98 e ½ em capoeiras, 20 em capoeiras, 88 e
½ em pastos; um sítio de cultura em Vargem Grande com 2 alqueires. Para cada um dos
quatro herdeiros: 10 alqueires de terras boas, 5 alqueires de pastos valados, 14 e ½ alqueires
de terras em capoeiras estragadas; 15 e ½ alqueires de terras na cachoeira; 25 alqueires de
terras boas na Fazenda Monte Verde. Estimo, portanto, que foram deixados os seguintes
legados em terras: 200 + 4X 15 e ½ na cachoeira = 262 alqueires na Cachoeira; 281 alqueires
na Fazenda do Claro; um sítio com dois alqueires na Vargem Grande; e 188 alqueires de
terra na Fazenda do Monte Verde.
15. Relatos da época estimavam a vida produtiva de um cafeeiro entre 25 e 40 anos em solo
bom, mas outros avaliavam que um cafeeiro de 20-25 anos era velho e dava poucos frutos;
havia mesmo os que pregavam que não valia a pena colher os frutos de cafeeiros com mais
de 15 anos (GUIMARÃES, 2009:96).
Internet
http://www.projetocompartilhar.org/Familia/FranciscoRodriguesGuimaraes.
htm Acesso em: 09 jul. 2021.
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GUIMARÃES, Elione Silva; SARAIVA, Luiz Fernando; SARAIVA, Paulo.
Desigual entre os desiguais. Apontamentos para uma história das desigualdades
Introdução
A história da população é considerada a segunda conquista da abordagem
quantitativa, em seguida à história dos preços, e se insere no movimento
historiográfico conhecido como a segunda geração (1946-1969) da Escola
dos Annales (BURKE, 2011:77-82; BARROS, 2012).1
O advento da história demográfica data dos anos 1950 na França. O
desenvolvimento de métodos que possibilitaram o acompanhamento de
mudanças no comportamento reprodutivo da população francesa do Antigo
Regime, com o emprego de fontes até então pouco utilizadas por historiadores
e demógrafos, marca o que veio a ser chamado de “demografia histórica”2
(MOURA, 2020; CUNHA, 2009).
1. Como aponta Peter Burke (2011:74), “da economia espraiou-se para a história social,
especialmente para a história populacional”.
2. “História da População é um conceito abrangente, que integra e se enriquece com a
Demografia Histórica, mas não se pode confundir com ela. Fontes diversas podem
perspectivar o evoluir da população desde os mais remotos períodos da existência do homem.
Só quando essas fontes permitem a análise demográfica terá sentido falar de Demografia
Histórica” (AMORIM, 2000, p.89). Por sua vez, há autores que não diferenciam História
da População e Demografia Histórica (REHER, 1997; 2000).
Fontes
No intuito de realizar um exercício de caráter metodológico, comparamos
os dados populacionais referidos a um momento específico (1872) com as
informações coletadas em inventários post mortem para o período 1851-1871.
Nosso objetivo é o de apontar as semelhanças e diferenças encontradas na
demografia escrava a partir de fontes variadas e distintas. A confrontação
entre uma fonte de caráter transversal (ponto específico no tempo) com os
inventários post mortem (que permitem extrair informações longitudinais)
demonstra que os dados provenientes das fontes citadas apresentam tendências
e perfis semelhantes no tocante à demografia escrava.
A utilização de fontes quantitativas, especialmente o Censo Geral do
Império de 1872, deixa evidente a força da escravidão no Brasil, destacando sua
presença por todo o território nacional e em atividades econômicas variadas:
agroexportadora, voltada ao abastecimento interno, trabalho doméstico,
atividades manuais especializadas etc.
7. As teses de doutorado de Heitor Moura Filho (2020) e de Dario Scott (2020, publicada
em livro em 2021) realizaram criteriosas correções e ajustes das informações do Censo de
1872 para freguesias da província do Rio de Janeiro e da Madre de Deus de Porto Alegre
(RS), respectivamente.
8. Directoria Geral de Estatística – Relatório e Trabalhos Estatísticos apresentados ao Ilmo.
E Exmo. Sr. Conselheiro Dr. José Bento da Cunha e Figueiredo, Ministro e Secretario de
Estado dos Negócios do Império pelo Director Conselheiro Manoel Francisco Correia em
31 de dezembro de 1876. Rio de Janeiro, 1877.
9. A cópia digital do Censo de 1872 se encontra em https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-
catalogo?id=225477&view=detalhes (acesso em 09 dez. 2021); para as localidades que
compunham a província de São Paulo, é possível consultar as tabelas corrigidas na sessão
Estatísticas Históricas do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo/Unicamp):
http://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/censos.php (acesso em 09 dez. 2021). Informações
corrigidas, a nível nacional, foram realizadas por pesquisadores do Cedeplar/ UFMG e
disponibilizadas em http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/pop-72-brasil/31/ (o site encontrava-
se indisponível em dez. de 2021).
10. As idades foram coletadas segundo os grupos: 0-1 ano, por idade simples de 1 a 5 anos,
grupos quinquenais de 6 anos até 30 anos, passando para grupos decenais de 31 a 100 anos
e 100 anos e mais.
11. Os censos em 1910 e 1930 não foram realizados por perturbações de ordem política (Fonte:
https://memoria.ibge.gov.br/historia-do-ibge/historico-dos-censos/censos-demograficos.
html Acesso em 10 dez. 2021).
12. As informações coletadas para nossa pesquisa foram: a localização do inventário (caixa,
número), ano de abertura, o nome do inventariado, inventariante(s) e os cativos arrolados
(nome, idade, estado conjugal, relação de parentesco com outros cativos, condições de
saúde, ocupação, cor, naturalidade e preço).
13. Levantamos todos os inventários post mortem referentes ao Termo de Franca, São Paulo
e que constassem com ao menos um cativo arrolado. “Termo de vila ou cidade – O espaço
a que abrange a jurisdição dos seus juízes” (SILVA; BLUTEAU, 1789, v. 2, L-Z:454).
14. Uma versão anterior intitulada “A escravidão em números: demografia escrava em
Franca-SP, 1811-1888” (Cunha, 2015a) se encontra publicada em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/textos_nepo/textos_nepo_70.pdf (Acesso em:
04 nov. 2021).
Antônio da Alegria com 4.294 habitantes ainda que não tenham contabilizado a população
segundo condição social (livre e escrava).
17. Apesar de a Inglaterra pressionar o Brasil para a extinção do tráfico e ter conseguido
que fosse proibido formalmente em 1831, a importação de africanos manteve-se nas décadas
de 1830 e 1840.
18. A Lei estipulava que os filhos livres de ventre escravo (ingênuos) deveriam permanecer sob
a tutela dos proprietários de suas mães até os oito anos, quando então, o senhor escolheria
por se servir do trabalho dos ingênuos até seus 21 anos ou receber uma indenização do
Estado e renunciar aos serviços. A primeira opção foi majoritariamente escolhida entre os
senhores (TEIXEIRA, 2006:12).
19. O pecúlio só foi formalmente reconhecido nesta lei.
20. As leis procuravam realizar a transição para o trabalho livre de forma lenta e gradual,
delimitando as relações sociais entre (ex)escravos e senhores na sociedade livre (MENDONÇA,
2008).
1851-1871
Em 1836, viviam 10.370 pessoas na Vila Franca, das quais cerca de
1/3 eram escravizadas (3.395); quase quatro décadas após, encontravam-se
40.277 habitantes, dos quais 6.461 (16%) ainda eram cativos. Embora tenha
quase dobrado seu volume em relação a 1836, a participação da população
escravizada no total da população do território francano reduziu-se para
16,0% em 1872 (no município de Franca propriamente dito, para 18,9%).
Tomando apenas o município de Franca, verificamos que em 1872,
estava entre os municípios mais populosos da Província de São Paulo. Dos
89 municípios existentes nessa ocasião, seis tinham uma população superior
a 20.000 habitantes e Franca ocupava a quinta posição nessa classificação
com 21.419 moradores. Sua população livre era inferior apenas à paulistana e
à de Itapetininga e seus escravizados representavam 2,2% (3.398) dos cativos
da Província.
A proporção de cativos no total da população do município de Franca
(18,9%) era superior à observada em Itapetininga (8,5%) e na capital, São
Paulo (12,2%). No entanto, inferior a outras localidades caracterizadas por
uma agricultura agroexportadora: Bananal (53,1%), Campinas (43,6%) e
Piracicaba (28,5%).
No conjunto dos escravizados do município de Franca, a porcentagem
de homens (53,2) predominava sobre a de mulheres (46,8%), em proporções
semelhantes às encontradas para o antigo território. A proporção de crianças
21. A Lei 13 de Maio libertou pouco mais de 700.000 cativos já que, de acordo com a
matrícula de 1887, a população escravizada no Brasil (de 15 a 59 anos) totalizava 723.175
cativos (SLENES, 1976:697-698).
22. Salles (2008) destaca a ocorrência de reprodução natural entre os cativos de Vassouras-
RJ (zona de produção cafeeira) na segunda metade do século XIX, assim como Barroso
(2015) também atenta para a possibilidade de reprodução natural entre os escravos da zona
Guajarina e Baixo Tocantins (Grão-Pará) ao analisar inventários post mortem referentes ao
período 1851-1888. Outros autores, por sua vez, têm enfatizado o papel crucial do tráfico de
escravizados para a manutenção e expansão da população cativa (SLENES, 1976; KLEIN,
1987; FLORENTINO, 1997).
Gráfico 2
23. Esta listagem tinha o objetivo de manter o controle sobre os nascimentos de filhos de
escravas, a fim de terem sua liberdade garantida, além de conformar uma base para o Fundo
de Emancipação de escravos. Por conseguinte, a matrícula seria também o fundamento
legal para a propriedade de escravos, de forma que, a partir de 1872, todos os inventários
post-mortem eram obrigados a apresentar sua transcrição (SILVA, 2012:16).
24. Estamos nos referindo à idade de 16 anos em virtude de a população ser listada no
Recenseamento Geral do Império de 1872 por idades simples até os cinco anos de idade, por
idades quinquenais até os 30 anos (6-10, 11-15, 16-20, etc.) e a partir dessa idade, os grupos
etários passam a ser decenais (31-40, etc.).
Referências bibliográficas
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perspectiva optimista sobre a sua evolução”, Boletín de ADEH, XVIII-II,
2000, p.89-104.
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na capitania de São Paulo em princípios do século XVIII”. In: SCOTT, Ana
Silvia Volpi; FLECK, Eliane Cristina Deckmann (org.). A corte no Brasil:
Jonis Freire
Universidade Federal Fluminense
1. “Os Sacramentos a Santa Madre Igreja, como a Fé Catholica nos ensina, são (1) sete,
convem a saber: Baptismo, Confirmação, Eucharistia, Penitencia, Extremaunção, Ordem e
Matrimonio. Todos sem duvida causão (2) graça nos que os recebem dignamente, e não põem
(3) impedimento a ella; a qual graça por excellencia se chama cousa sagrada, e dom sagrado,
pois nos santifica com Deos.” Título IX. (Vide, 1853, p. 10 – 11 – destaques no original).
2. Segundo as Constituições Primeiras..., cada paróquia deveria ter e guardar livros específicos
para livres e escravos. (VIDE, 1853). Contudo, muitos livros de batismo, casamento e óbito
possuíam registros de homens e mulheres de todas as condições jurídicas. Essa documentação
encontra-se, geralmente, em arquivos eclesiásticos, contando nesse caso com documentos
conservados, catalogados, tratados e disponíveis para consulta, ou ainda dispersos em
diversas paróquias. É possível o acesso em sites na internet onde a essas fontes e/ou bancos
de dados como, por exemplo: o NACAOB https://www.nepo.unicamp.br/nacaob/index.php/
sobre/; Family Search https://www.familysearch.org/pt/; o Slave Societies Digital Archive
https://ncph.org/project/slave-societies-digital-archive/; a Escravidão africana nos arquivos
Eclesiásticos – séculos XVI – XIX https://www.historia.uff.br/curias/modules/tinyd0/index.
php?id=1
O escravo não tem estado civil. Quase que sempre tem um nome, o de
batismo. Não tem apelidos e família. O escravo não tem família. Chama-
se Joaquim, Manoel, João e confunde-se com todos os da mesma cor
e do mesmo nome. Não tem pai conhecido, consta apenas o nome de
batismo da mãe e, às vezes, somente ele o sabe. Não se lhe conhecem
antepassados, nem atos que o caracterizem e chamem sobre ele a atenção.
No assento de batismo, quando o fazem, apenas se lhe menciona um
nome e o do senhor e, quando muito, o da mãe. Nos títulos de venda
apenas se lhe menciona o nome de batismo, o do vendedor e comprador e
10. Trabalhos utilizando essas fontes, para diversos recortes geográficos e cronológicos,
podem ser vistos em: http://historia_demografica.tripod.com/
11. O sacramento do batismo interessava muito aos proprietários de escravos, pois, em
virtude da instituição do padroado, o Estado português delegou à máquina eclesiástica
inúmeras funções, levando as esferas religiosa e civil da vida das populações a estarem pouco
diferenciadas. Dentre estas funções, a que mais interessava aos senhores de escravos dizia
respeito à declaração, feita no registro de batismo dos inocentes e dos adultos, do nome do
seu proprietário, o que lhe garantia a posse efetiva deles. “Quando um escravo era comprado,
havia uma matrícula que servia como ‘comprovante’ da posse. Porém o inocente nascido
de uma escrava não era matriculado, já que não tinha ocorrido uma transação comercial.
Dessa maneira o registro de batismo era a única forma de que dispunha o proprietário para
comprovar que alguns, dos escravos, nascidos em seus plantéis, eram efetivamente seus.”
(Neves, 1990, p. 238, nota 5.)
12. Com a inserção na Igreja por meio do batismo o batizando passava a ter direito aos
demais sacramentos da Igreja Católica. Sem este sacramento era vedado ao indivíduo o
acesso, por exemplo, ao casamento, à extrema-unção ou à crisma: “O batismo é o primeiro
de todos os sacramentos, e a porta por onde se entra na Igreja Católica, e se faz, o que o
recebe, capaz dos mais sacramentos, sem o qual nem um dos mais fará nele o seu efeito”.
(VIDE, 1853, p.12).
13. Como bem afirmou Mariza de Carvalho Soares, “Aos olhos da sociedade contemporânea
os livros de batismo têm um significado quase desprezível, mas, no Antigo Regime eles são
a forma primeira de identificação de qualquer indivíduo, livre ou escravo, pobre ou rico,
nobre ou plebeu” (2000, p. 22).
14. O parentesco espiritual ou ritual é aquele estabelecido, por exemplo, pelos pais, padrinhos
e o batizando por meio do batismo; entre os noivos e as testemunhas de seu casamento e
em outros atos.
15. BRUGGER, 2007, p. 318.
Fonte: livro de Batismos da Freguesia do Senhor Bom Jesus do Rio Pardo, 1838 -1888.
(Arquivo Paroquial)
16. Os filhos legítimos eram aqueles cujos pais casaram-se perante a Igreja Católica. Os
naturais, ou ilegítimos, eram os filhos de pais que não sacramentaram sua relação por
meio do matrimônio. No caso desses últimos, os motivos foram diversos, no entanto, não
significa que pelo fato de não terem se casado perante a Igreja não havia relações sólidas e
duradouras e que eles viviam em relações promíscuas. Outros termos, a partir das relações
entre seus pais podiam ser utilizados para definir essas crianças: espúrios (relações sexuais
com meretrizes); adulterinos (um ou ambos os pais eram casados); sacrílegos (um dos pais
pertencia ao ambiente religioso); incestuosos (união carnal entre parentes por sangue ou
afinidade até o quarto grau) (LOPES, 1998).
17. Livros de Batismos da Freguesia de Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé:
Livro 02 – 1838 à 1849, f. 1 (Laboratório de Documentação Histórica – PPGH Universo,
Doravante LADOCH).
18. Livros de Batismos da Freguesia de Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé: Livro
02 – 1838 à 1849, f. 241v (LADOCH).
19. A família extensa é aquela que extrapola os “limites” consanguíneos. Trata-se de uma
família mais ampla a partir do convívio familiar e da(s) comunidade(s) escrava(s). Ou seja,
trata-se da família intergeracional e ampliada, baseada no parentesco consanguíneo e no
ritual. Portanto, a família se estendia muito além dos limites de qualquer unidade domiciliar
ou consanguínea. Podia atravessar os limites legais da condição de escravo, por meio das
relações oriundas entre cativos e pessoas livres e libertas
20. Termo usual na documentação assim como párvulo, párvula. Por inocentes entendiam-
se as crianças – geralmente com menos de sete anos – que ainda não comungavam.
21. Livro de batismo nº 1, Matriz do Senhor Bom Jesus do Rio Pardo, 1838-1864, Argirita, MG.
22. Livros de Batismos da Freguesia de Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé: Livro
02 – 1838 à 1849, f. 35 (LADOCH).
23. Constituições Primeiras (...), Título LXXI, p. 125.
24. Livros de Casamentos da Freguesia de Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé:
Livro 01 – 1848 à 1855, f. 1 (LADOCH).
25. A redação deveria ser a seguinte: “Aos tantos de tal mez, de tal anno pela manhã, ou
de tarde em tal Igreja de tal Cidade, Villa, Lugar, ou Freguezia, feitas as denunciações na
forma do Sagrado Concilio Tridentino nesta Igreja, onde os contraentes são naturaes,
e moradores, ou nesta, e tal, e taes Igrejas, onde N. contrahente é natural, ou foi, ou é
assistente, ou morador, sem se descobrir impedimento, ou tendo sentença de dispensação
no impedimento, que lhe sahio, como consta da certidão, ou certidões dos banhos, que ficão
em meu poder, e sentença que me apresentárão, ou sendo dispensados nas denunciações,
ou diferidas para depois do Matrimonio por licença do Senhor Arcebispo, em presença de
mim N. Vigario, Capellao, ou Coadjutor da dita Igreja, ou em presença de N. de licença
minha, ou do senhor Arcebispo, ou do Provisor N., e sendo presentes por testemunhas N.
e N., pessoas conhedicas, (nomeando duas, ou três das que se acharão presentes) se casarão
em face da Igreja solemnemente por palavras N. filho de N., e de N., natural, e morador
de tal parte, e freguez de tal Igreja, com N. filha de N., ou viúva que ficou de N. natural, e
morador de tal parte, e Freguezia desta, ou de tal Parochia: (e se logo lhe der as bençãos
acrecentará) e logo lhe dei as bençãos conforme os ritos, e ceremonias da Santa Madre
Igreja, do que tudo fiz este assento no mesmo dia, que por verdade assignei.” Constituições
Primeiras (...), Título LXXIII, p. 130
26. Constituições Primeiras (...), Livro I, Título LXIV, p. 109 -110.
27. Constituições Primeiras (...), Título LXXI, p. 125.
Fonte: Livro 1 de matrimônios freguesia Nossa Senhora das Neves e Santa Ritta do Sertão
do Rio Macaé, 1848 – 1855. (LADOCH).
28. REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-
1888. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas, 2007, p. 75. (Tese de Doutorado
em História).
notoriamente pobre, e por tanto se lhe fez o enterro sem se lhe levar esmola”. Constituições
Primeiras (...), Livro Quarto, Título XLIX, p. 292.
37. Livro de Óbitos Freguesia São José do Barreto, Livro 3 – 1868 – 1888, f.3 (LADOCH).
38. Livro de óbitos Freguesia de Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé. Livro 1,
1809 – 1847, f. 12v. (LADOCH).
Considerações finais
Os registros paroquiais de batismo, matrimônio e óbitos, como já
dissemos, são fontes muito ricas e importantes para estudos sobre diversos
aspectos do cotidiano das populações. Trata-se de fontes seriais que, apesar
dos sub-registros, da falta de conservação dos documentos e da atuação
correta ou não dos párocos, propiciam análises quantitativas e qualitativas
para os interessados na demografia, no cotidiano, nas relações familiares e
rituais/espirituais, as mentalidades etc.
A utilização dessas fontes e seu cruzamento com outros documentos
permite alargar o conhecimento dos indivíduos/populações pesquisadas.
Aqui, expusemos algumas poucas possibilidades de utilização de corpus
documental para análises sobre a escravidão. Para tanto, o leitor poderá
utilizar os diversos arquivos eclesiásticos pelo país e em alguns casos
localizar a documentação por vezes escondida nas paróquias. Igualmente,
pode se valer de documentos disponibilizados na internet e, claro, utilizar
os trabalhos desenvolvidos nos diversos Programas de Pós-graduação no
Brasil e no exterior, sobretudo, nas Ciências Humanas. Existe também para
populações livres, escravas e libertas/forras em diversos recortes cronológicos
e geográficos uma farta literatura sobre alguns dos temas aqui expostos e
outros dos quais não foi possível tratar, o que, sem sombra de dúvidas,
possibilita o diálogo e comparações/conexões com outros espaços. Nosso
intuito é o de estimular o leitor para que utilize esse tipo de fonte para suas
pesquisas e/ou ensino. Se alguns se lançarem na empreitada já estaremos
satisfeitos. Ao trabalho!
39. Livro de Óbitos Freguesia de Nossa Senhora das Neves do Sertão de Macaé. Livro 1,
1809 -1847, f.21. (LADOCH).
2. Para destacados estudos sobre escravidão urbana no Brasil, ver: Algranti, 1988; Carvalho,
1998; Karasch, 2000; Silva, 1988; Soares, 2007 e Wissenbach, 1993.
3. Ver uma abordagem sobre anúncios e fugas em Read & Zimmerman, 2014.
Desenhando corpos
Os estudos sobre as imagens dos corpos, tópicas e descrições se destacam,
entre as possibilidades analíticas – temas, objetos e abordagens –, a partir
da utilização de anúncios de fugas. Amantino (2007) fez o levantamento no
Jornal do Commercio do Rio de Janeiro em 1850, identificando a estrutura nos
anúncios, de acordo com a qual aparecem descrições e tópicas da conformação
física, comportamento, costumes, sociabilidades etc. Ao selecionar 409
anúncios num total de 1.047, identificou diversas informações sobre as
condições de saúde e compleição dos corpos dos africanos. A partir das
condições físicas assinaladas, avaliou as principais causas para as fugas,
6. Ver: Abreu, 2014; Amantino, 2006, 2007; Bertin, 2021; Bezerra Neto, 1999, 2001, 2002, 2020;
Brandão, 2004; Carvalho, 1997, 1998; Cavalcante, 2021, Colistete, 2021; Costa & Malaquias,
2016; Ferrari, 2005, 2010, 2015; Ferreira, 2010, 2011, 2020; Florentino, 2003, 2008, Gebara,
1986; Gomes, 1996; Maestri, 2003; Machado, 2004; Maneira, 2014; Mott, 2008; Mattos, 2008;
Nascimento, 2019; Nepomuceno, 2020; Neves & Gomes, 2010; Ouriques, 2010; Pereira, 2013;
Petiz. 2006; Reis, 1995-1996, 1999; Schwarcz, 1987; Silva, 1989; Silva, 2014; Silva & Silva, 2016;
Slenes, 1987; Soares, 2003; Sott, 2018; Staudt, 2003 e Zanetti, 2002.
Traduzindo experiências
Ainda pouco utilizados pela historiografia da escravidão, os anúncios de
fugidos revelam-se fontes únicas para adentrarmos os universos da escravidão
urbana e a sua dimensão africana. Para o Rio de Janeiro da primeira metade
do século XIX, eles podem oferecer indícios das primeiras traduções – e de
seus tradutores –a respeito dos africanos em originais paisagens urbanas. As
montagens-narrativas e as estruturas tópicas sobre corpo, perfil, estratégias,
formas de falar e vestir, marcas e cotidiano das relações senhor-escravo
oferecem possibilidades analíticas de recompor as primeiras visões sobre
e dos africanos.
Apresentamos uma abordagem descritiva com uma amostra de 780
anúncios de fuga (somente consideramos os africanos) publicados no Diário
do Rio de Janeiro nos anos de 1822, 1823, 1840, 1841, 1842 e 1843.10 Escolhemos
as conjunturas da década de 1820 e depois do tráfico ilegal na década de
1840, quando o Rio de Janeiro tinha tanto uma população escrava africana
consolidada – reiteradas gerações trazidas desde o alvorecer de 1800 até
1830, quando o impacto do tráfico alternou entrada anual de oito a 35 mil
africanos –, como contingentes clandestinos que chegavam aos portos e
abasteciam as demandas de mão de obra urbana, para além do reenvio para
o interior do sudeste escravista.
11. Ver uma abordagem instigante sobre marcas dos africanos nos anúncios de jornais em
Jeha, 2019.
12. Sobre fala dos escravizados nos anúncios ver Alkmin, 2006 e Lima, 2012.
13. Esta indicação apareceu nas pesquisas de Carlos Eugênio Líbano Soares (ARAÚJO,
SOARES, FARIAS e GOMES, 2006). Ver também Soares, 1998.
14. Ver um debateteórico metodológico em: Ghobrial, 2019.
1. Uma perspectiva sobre a utilização da imprensa brasileira como fonte pode ser encontrada
em Luca (2008).
2. Sobre a Gazeta do Rio de Janeiro e a relação entre imprensa e poder, ver: Meirelles (2008).
3. http://bndigital.bn.br/hemeroteca-digital/
4. Um dos trabalhos seminais sobre imprensa no Brasil é o Nelson Werneck Sodré (1999),
que traz muitas informações sobre os periódicos do século XIX – fundação, periodicidade,
proprietário etc. Já um estudo mais recente e importante sobre a imprensa no Oitocentos
é o de Marialva Barbosa (2010), no qual é apresentado um panorama sobres os diversos
aspectos dos jornais no período. Além desses, há a produção historiográfica que já utilizou
uma determinada publicação como fonte ou objeto de estudo e que traz análises sobre um
jornal específico e/ou sobre a imprensa de forma mais ampla.
Anúncios
A proficuidade do uso de anúncios de jornal para o estudo de escravidão
há muito foi destacada por Gilberto Freyre (1979). Compra, venda, aluguel e
fuga de escravos recheavam as seções de anúncios das publicações periódicas5.
Nos principais centros urbanos brasileiros do século XIX, a circulação de
jornais era grande, não só daqueles publicados na localidade, mas também de
outras cidades e províncias. Em grandes localidades, os anúncios aumentavam
a possibilidade de ter uma transação mercantil efetivada mais rapidamente.
Já no caso das fugas, funcionava como um mecanismo a mais para que o
senhor tentasse recuperar a sua propriedade.
Por se tratar de fonte seriada, a utilização de anúncios favorece tanto
estudo qualitativo como quantitativo. Em termos quantitativos, é possível
verificar o número de anúncios publicados no período, quantos homens e
mulheres escravizados estavam envolvidos na transação comercial (compra,
venda ou aluguel) ou na fuga, a partir daí averiguar se havia diferença com
relação ao gênero. Apurar se se tratava de um escravizado nascido no
Brasil (crioulo) ou um africano e, neste caso, de qual nação6. Quais eram
os ofícios mais desempenhados pelos cativos anunciados. Essas são apenas
algumas possíveis variáveis que podem ser utilizadas para um estudo de teor
quantitativo. Outras informações, de caráter qualitativo, também podem
ser apreendidas por meio dos anúncios de jornais envolvendo pessoas
7. Uma análise sobre quitandeiras africanas da Costa Mina, na cidade do Rio Janeiro, que
emprega anúncios de jornais em diálogo com os registros da Casa da Detenção, pode ser
encontrado em Soares, Gomes e Farias (2005: cap. 5).
8. Utilizar outro nome após fugir, ou mesmo antes, foi estratégia amplamente utilizada
pelos escravizados como forma de resistência: “Ao dizer por aí que era liberto, o rebelde
afirmava sua condição humana [...] Ao negar o nome imposto pelo senhor, o cativo criva
identidade, através da qual fruía mais amplamente vários aspectos da liberdade possível”
(CARVALHO, 2010: 266)
9. Consoante Carvalho, “essas fontes dizem o que a classe senhorial acreditava que os
escravos eram capazes de fazer” (2010: 261).
10. Existente desde o período colonial, o aluguel de cativos se intensificou no século XIX. O
locatário pagava ao proprietário o valor referente à locação do serviço prestado pelo cativo,
sendo responsável por ele durante o tempo em que ele estava contrato, sua alimentação,
vestimenta e cuidados. Para o Rio de Janeiro, conferir: Soares (2007) e Karasch (2000).
12. Consoante Marco Morel, no Brasil, foi em 1821 que a imprensa passou a ser um espaço
público no qual os debates se consolidavam e “onde ganhavam importância as leituras
privadas e individuais, permitindo a formação de opinião de caráter mais abstrato, fundada
sobre o julgamento crítico de cada cidadão-leitor e representando uma espécie de somatório
das opiniões” (2005: 204).
13. A Lei de 7 de novembro de 1831 extinguia o comércio negreiro para o Brasil; sobre a
manutenção do tráfico após a Lei, conferir: Mamigonian (2014).
14. O cruzamento dessa fonte com outras para a compreensão do tráfico e o mercado
de cativos no Rio de Janeiro, ver: Florentino (2014: 114-143). Para o Recife, um estudo do
comércio de escravos realizado por meio de jornais em diálogos com outras fontes pode
ser encontrado em Carvalho (2010: parte II).
15. Análises sobre a relação entre o Estado e as classes proprietárias, no período, para a
manutenção da escravidão podem ser encontradas em Parron (2011) e Chalhoub (2012).
16. Algumas embarcações ainda foram apreendidas após a Lei n. 581, de 4 de setembro
de 1850, que reafirmava a Lei de 1831 estabelecendo medidas para repressão ao tráfico de
africanos. Uma discussão sobre o tráfico de africanos entre 1800 e 1850 e os motivos que
levaram ao comércio transatlântico de escravos ter encerrado após a Lei Eusébio de Queirós
está presente em Rodrigues (2000).
17. A Lei n. 2040, de 28 de setembro de 1871, estabelecia que os filhos de escravizadas nascidos
a partir dessa data seriam livres. Até os oito anos, a criança ficaria com sua mãe e após o
proprietário daquela poderia utilizar os serviços até os 21 anos ou entregar ao governo,
recebendo uma indenização. A Lei Rio Branco, como igualmente é conhecida, ademais
regulamentava o direito consuetudinário de o escravo possuir pecúlio e de comprar a sua
alforria. Sobre a Lei do Ventre, conferir Pena (2001), Chalhoub (2003: cap. 4) e Machado
et al. (2021).
18. Também denominada como Saraiva-Cotegipe, a Lei n. 3.270, de 28 de setembro de 1885,
determinava a alforria de escravos sexagenários, que, contudo, deveriam prestar serviços
pelo espaço de três anos ou até os 65 anos. Uma discussão sobre a lei, fundamentada,
principalmente, nos Anais da Câmara dos Deputados, pode ser encontrada em Mendonça
(1999).
19. Dois anos antes, o Decreto n. 1.695, de 15 de setembro de 1869, proibiu a separação por
venda de mãe e filhos/as, menores que 15 anos, escravos, indicando uma nova perspectiva
acerca da maternidade das escravizadas.
21. Ana Flávia Magalhães Pinto (2010) analisou os seguintes órgãos da imprensa negra: na
cidade do Rio de Janeiro, em 1833, O Homem de Côr ou O Mulato, Brasileiro Pardo, O Cabrito
e O Lafuente; em Recife, no ano de 1876, O Homem: Realidade Constitucional ou Dissolução
Social; já no pós-abolição, em São Paulo, em 1889 e reaparecendo em 1899, A Pátria – Orgam
dos Homens de Côr; e em Porto Alegre, no ano de 1892, O Exemplo. Também no Rio Grande
do Sul, na cidade de Pelotas, em 1886, circulou o Ethióphico (DOMINGUES, 2018: 254).
22. Lançada pelo escritor romântico Manuel de Araújo Porto-Alegre, o título da publicação
“evocava a experiência parisiense dos espetáculos ambulantes das lanternas mágicas,
aparelhos que projetavam por meio de lentes e espelhos imagens pintadas em lâminas de
vidro” (LUCA, 2008: 135).
23. Sobre as primeiras revistas no século XIX, Ana Luiza Martins salienta a dificuldade
em definir tal gênero de impresso, dada sua profunda semelhança com o jornal, “periódico
que lhe deu origem e do qual, no passado, se aproximava tanto na forma – folhas soltas e in
folio – como, por vezes, na disposição do conteúdo, isto é, seções semelhantes” (MARTINS,
2008: 43).
***
Referências bibliográficas
ABREU, Martha Campos. Slave mothers and freed childrens: emancipation
and female space in debates on the free womb law, 1871. Journal of Latin
American Studies, Cambridge, v. 28, p. 567-580, 1996.
ALONSO, Angela. Flores, votos e balas: o movimento abolicionista brasileiro
(1868-88). São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
2. BRASIL. Código do processo criminal de primeira instância para o Império do Brasil, com
notas, nas quaes se mostrão os artigos que forão revogados, ampliados, ou alterados, seguido
da disposição provisória acerca da administração da justiça civil e da Lei de 3 de dezembro de
1841 que reforma o mesmo código. Rio de Janeiro, Typographia de Manoel José Cardoso, 1842.
3. Em1872, foi nomeado para o Tribunal da Relação no Rio de Janeiro pouco antes de falecer.
NETTO, Damuel Pfromm. Dicionário de Piracicabanos. São Paulo: IHGP, 2013; AZEVEDO,
Elciene. Orfeu De Carapinha: A Trajetória De Luiz Gama na Imperial Cidade De São Paulo.
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1999, p. 111.
4. PINSKY, Carla Bassanezi e LUCA, Tânia Regina de (org.). O historiador e suas fontes.
São Paulo: Contexto, 2009.
5. Para alguns exemplos, ver, dentre outros: CHALHOUB, Sidney. A Força da Escravidão:
Ilegalidade e Costume no Brasil Oitocentista. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2012;
LARA, Sílvia H. e MENDONÇA, Joseli, eds. Direitos e Justiças: Capítulos de História Social
do Direito no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2006; SLENES, Robert W. Na senzala,
uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século
XIX. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999.
6. SCOTT, Julius. The Common Wind: Currents of Afro-American Currents in the Age of
the Haitian Revolution London: Verso, 2018; SEIGEL, Micol. “Beyond Compare: Historical
Method after the Transnational Turn.” Radical History Review 91, Winter 2005, pp. 62-90.
7. CHRISTIE, William D. Notes on Brazilian Questions. London, Cambridge: Macmillan
and co. 1865.
8. GRAHAM, Richard. “Os Fundamentos da Ruptura de Relações Diplomáticas entre o
Brasil e a Grã-Bretanha em 1863. A ‘Questão Christie.” Revista de História 24: 49 (Jan–March
1962), 117–37 and 379–400.
12. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro (ANRJ), Seção Justiça (SJ), IJ1-518, 23 de fevereiro
de 1863. Cópia do ofício de Vicente Ferreira da Silva Bueno para o presidente da província
de São Paulo, Vicente Pires da Matta.
13. Diversas milícias criadas em 1863 acabaram ativas somente quando declarada a Guerra
do Paraguai dois anos mais tarde. Para exemplos nas províncias do Rio de Janeiro e São
Paulo, ver: Correio Paulistano, 18 Jan. 1863, 3; Diário do Rio de Janeiro, 6 Jan. 1863, 1.
Este castigo parece que foi pouco, em vez de corrigir exasperou ao tal
escravo, vindo o Snr Ferraz Junior e sua Senhora para a Cidade para
assistir o Carnaval deixou a fazenda entregue a um feitor que também
é escravo da mesma.
Este deu providências precisas, tem mandado vir diversos escravos, e das
fazendas indigitadas e indigitados uns por outros, tem os interrogado,
e um então revelou que o plano concertado era pela Semana Santa
levantarem-se, baterem nas fazendas, saquearem o dinheiro e virem
incorporados bater na Cidade, visto que contavam certos, nesse tempo
com os Ingleses...”14
15. Ibid.
16. Durante o império, uma legislação específica regulava a aplicação de castigos físicos
aos escravizados. O Código Criminal de 1830 determinava que açoites e ferros eram penas
exclusivas para eles, além das penas de gales e morte. GRINBERG, Keila. “Castigos físicos
e legislação.” In: SCHWARCZ, Lilia M.; GOMES, Flávio (Org.). Dicionário da escravidão
e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, pp. 144-148.
18. BETHELL, Leslie. “O Brasil no século XIX: parte do ‘império informal britânico’ In:
CARVALHO, José Murilo de e CAMPOS, Adriana Pereira, eds. Perspectivas da cidadania
no Brasil Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, 15-36; “O Brasil no mundo.”
In: BOSI, Alfredo et al, ed. A construção nacional: 1830-1889 – HISTÓRIA DO BRASIL
NAÇÃO – VOL. 2. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, pp. 131-77; MULHERN, Joseph M. “After
1833: British Entanglement with Brazilian Slavery.” PhD Diss., Durham University, 2018;
EVANS, Chris. “Brazilian Gold, Cuban Copper and the Final Frontier of British Anti-Slavery.”
Slavery & Abolition 34.1 (2013), pp. 118-134; GUENTHER, L. “Merchants, Abolitionists and
Slave Traders: Brazilian Perceptions of the British in Bahia, 1808-1850.” In: KRAAY, Hendrik,
ed. Negotiating Identities in Modern Latin America. Calgary: University of Calgary Press,
2007, pp. 93-114; MAMIGONIAN, Beatriz. “In the Name of Freedom: Slave Trade Abolition,
the Law and the Brazilian Branch of the African Emigration Scheme (Brazil–British West
Indies, 1830s–1850s). Slavery and Abolition 30:1 (March 2009), pp. 41–66.
19. APESP, Secretaria de Polícia da Província, cx.2.500. Luis José de Sampaio to Vicente
Pires da Matta, 17 de março de 1863.
Considerações finais
A documentação histórica é sempre um registro de várias vozes. Apesar
do tom dominante dos autores e do poder de fala que lhes é concedido por
instituições e arquivos, estes são interlocutores numa área de disputa narrativa
e política. Para estudar a história do ativismo negro no Brasil, é preciso ter
clareza sobre as questões que, como historiadores, levamos ao encontro de
agentes históricos e fontes: quais trajetórias queremos ressaltar? Quem fala
e quem silencia? Como lidar com o não-dito? Só então uma faceta ainda
pouco explorada do abolicionismo brasileiro começa a emergir, qual seja,
aquela protagonizada por afrodescendentes que cruzaram sua luta contra a
violência do cativeiro com a política internacional do século XIX.
Na burocracia da repressão estatal ao ativismo escravo, negros são
representados como seres desprovidos de consciência política e sujeitos à
“incitação” por agentes externos. A linguagem das fontes é, sobretudo, aquela
da pacificação em nome da ordem própria de uma sociedade escravista.
Dependendo dos fluxos e refluxos da história do Atlântico, as autoridades
brasileiras acusaram haitianos, franceses, alemães, norte-americanos, mas,
acima de tudo, os britânicos de levarem os escravizados à insurreição. Do
ponto de vista do Estado, o abolicionismo era fenômeno estrangeiro e
20. COSTA, Emilia Viotti da. Crowns of Glory, Tears of Blood: The Dememara Slave Rebellion
of 1823. Oxford: Oxford University Press, 1994; FINCH, Aisha K. Rethinking Slave Rebellion
in Cuba: La Escalera and the Insurgencies of 1841-1844. (Chapel Hill: University of North
Carolina Press, 2015, p. 137; PENNINGTON, J. W. C., ed. A Narrative of Events of the Life of
J. H. Banks, an Escaped Slave, from the Cotton State, Alabama, in America. Liverpool: M.
Rourke Printer, 1861. For the British colonies, see also: MATTHEWS, Gelien. Caribbean
Slave Revolts and the British Abolitionist Movement. Baton Rouge: Louisiana University
Press, 2006; BECKLES, Hilary. “The Wilberforce Song: How Enslaved Caribbean Blacks
Heard British Abolitionists,” Parliamentary History xxvi, Supplement (2007), pp. 113-126.
21. Correio Paulistano, 20 de novembro de 1869. Apud, Azevedo, Orfeu de Carapinha, p. 111.
Referências bibliográficas
ALBUQUERQUE, Wlamyra Ribeiro de. O Jogo da Dissimulação: Abolição
e cidadania negra no Brasil, Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2009.
ALONSO, Angela. Flores, Votos e Balas: O Movimento Abolicionista Brasileiro
(1868-88). São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
AZEVEDO, Célia Marinho de. Onda negra, medo branco: O Negro no
Imaginário das Elites, Século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
1. Até aqui, para saber mais, consultar, entre outros: AGULHON, Maurice. 1848: o aprendizado
da República. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. SAVAGE, Mike. “Classe e história do trabalho”,
In: BATALHA, Claudio H. M. et al. (orgs.). Culturas de classe. Campinas: Editora da Unicamp,
2004, p. 25-48. VAN DER LINDEN, Marcel (ed.). Social security mutualism: the comparative
history of mutual benefit societies. Bern: Lang, 1996. HOPKINS, Eric. Working-class selfhelp
in nineteenth-century England. Londres: UCL Press, 1995. DESROCHE, Henri. Solidarités
ouvrières: sociétaires et compagnons dans les associations coopératives (1831-1900). T. 1. Paris:
Les Editions Ouvrières, 1981. GUESLIN, André. L’invention de l’économie sociale: idées,
pratiques et imaginaires coopératifs et mutualistes dans la France du XIXe siécle. 2ª ed. rev.
e ampl. Paris: Economica, 1998.
2. MAC CORD, Marcelo. Artífices da cidadania: mutualismo, educação e trabalho no Recife
oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp-FAPESP, 2012. LEITE, Douglas G. “Mutualistas
Graças a Deus”: identidade de cor, tradições e transformações do mutualismo popular na
Bahia do século XIX (1831-1869). Tese de Doutorado em História. São Paulo: USP, 2017.
CAMPOS, Lucas R. Sociedade Protetora dos Desvalidos: mutualismo, política e identidade
racial em Salvador (1861-1894). Dissertação de Mestrado em História. Salvador: UFBA, 2018.
3. LACERDA, David P. Solidariedades entre ofícios: a experiência mutualista no Rio de
Janeiro imperial (1860-1882). Dissertação de Mestrado em História. Campinas: Unicamp, 2011.
4. A bibliografia sobre o tema é expressiva, mas há sínteses importantes em coletâneas e dossiês
temáticos: Cadernos AEL: sociedades operárias e mutualismo. Campinas: Unicamp/IFCH, v. 6,
n. 10/11, 1999. MAC CORD, Marcelo; MACIEL, Osvaldo (org.). Revista Mundos do Trabalho:
dossiê “os trabalhadores e o mutualismo”, v. 2, n. 4, 2010. MAC CORD, Marcelo; BATALHA,
Claudio H. M. (org.). Organizar e proteger: trabalhadores, associações e mutualismo no Brasil
(séculos XIX e XX). Campinas: Editora da Unicamp-FAPESP, 2014.
5. Para saber mais, consultar, entre outros: VISCARDI, Cláudia M. R.; JESUS, Ronaldo P.
“A experiência mutualista e a formação da classe trabalhadora no Brasil”, In: FERREIRA,
Jorge; REIS, Daniel Aarão (org.). A Formação das tradições (1889-1945). Coleção “As Esquerdas
no Brasil”, v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 21-51. FONSECA, Vitor M.
M. No gozo dos direitos civis: associativismo no Rio de Janeiro, 1903-1916. Rio de Janeiro:
Arquivo Nacional; Niterói: Muiraquitã, 2008.
6. Para saber mais sobre as legislações que regulamentaram as sociedades mutualistas no
Império do Brasil e na Primeira República, consultar LACERDA, David P. op. cit. FONSECA,
Vitor M. M. op. cit.
7. Nas últimas duas décadas, há pesquisas que foram feitas e que seguem sendo feitas
em todo o país. Não é possível, nesse texto, fazer um balanço dos arquivos e dos acervos
disponíveis para consulta. Para saber mais sobre alguns deles, por amostragem, consultar
LEITE, Douglas G. op. cit. CAMPOS, Lucas R. op. cit. Cadernos AEL. op. cit. MAC CORD,
Marcelo; MACIEL, Osvaldo (org.). op. cit. MAC CORD, Marcelo; BATALHA, Claudio H.
M. (org.). op. cit. LACERDA, David P. op. cit. FONSECA, Vitor M. M. op. cit.
8. Para saber mais, consultar MAC CORD, Marcelo. Artífices da cidadania. LUZ, Itacir
M. Compassos letrados: profissionais negros entre instrução e ofício no Recife (1840-1860).
Dissertação de Mestrado em Educação. João Pessoa: UFPB, 2008. COSTA, Wendell R.
Instruir, disciplinar e trabalhar: a Sociedade dos Artistas Mecânicos e Liberais e o Liceu de
Artes e Ofícios (1880-1908). Dissertação de Mestrado em História. Recife: UFRPE, 2013.
9. Para saber mais, entre outros, consultar MAC CORD, Marcelo; ARAÚJO, Carlos Eduardo
M.; GOMES, Flávio dos S. (org.). Rascunhos cativos: educação, escolas e ensino no Brasil
escravista. Rio de Janeiro: 7Letras-FAPERJ, 2017. FONSECA, Marcus Vinícius. A educação
dos negros: uma nova fase do processo de abolição da escravidão no Brasil. São Paulo: Edusf,
2002. MARTINEZ, Alessandra F. Educar e instruir: a instrução popular na Corte Imperial:
1870 a 1889. Dissertação de Mestrado em História. Niterói: UFF, 1997. FONSECA, Marcus
Vinícius; BARROS, Surya A. P. (org.). A história da educação dos negros no Brasil. Niterói:
EdUFF, 2016. SILVA, Adriana M. P. Aprender com perfeição e sem coação: uma escola para
meninos pretos e pardos na corte. Brasília: Editora Plano, 2000.
15. DUBY, Georges. A história continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores/Editora da
UFRJ, 1993, p. 21-42.
16. MAC CORD, Marcelo. Andaimes, casacas, tijolos e livros: uma associação de artífices
no Recife: 1836-1880. Tese de Doutorado em História. Campinas: Unicamp, 2009. Esta tese
é a base do livro Artífices da cidadania, citado oportunamente.
Considerações finais
Os mestres de ofício pretos e pardos, membros da Sociedade dos Artistas
Mecânicos e Liberais, entre os anos de 1840 e 1880, foram trabalhadores
experientes e reconhecidos pelos recifenses. Herdeiros das antigas tradições
corporativas, porém adaptadas aos novos tempos, eles idealizavam os seus
próprios produtos, projetavam-nos no papel, preparavam as oficinas para
confeccioná-los, selecionavam as ferramentas adequadas para a empreitada,
buscavam as matérias-primas precisas e executavam os serviços com todo o
17. Sobre as especificidades que envolvem o ponto de vista particular do historiador, entre
outros, consultar BURKE, Peter. “A história dos acontecimentos e o renascimento da
narrativa”, In BURKE, Peter (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo:
Editora Unesp, 1992, p. 337.
Fontes
Coleção Liceu – Universidade Católica de Pernambuco – Unicap, Recife/PE:
documentos físicos, microfilmados e digitalizados.
Referências Bibliográficas
AGULHON, Maurice. 1848: o aprendizado da República. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1991.
BURKE, Peter. “A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa”,
In: BURKE, Peter (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo:
Editora Unesp, 1992, p. 327-348.
CADERNOS AEL: sociedades operárias e mutualismo. Campinas: Unicamp/
IFCH, v. 6, n. 10/11, 1999.
CAMPOS, Lucas R. Sociedade Protetora dos Desvalidos: mutualismo, política
e identidade racial em Salvador (1861-1894). Dissertação de Mestrado em
História. Salvador: UFBA, 2018.
COSTA, Wendell R. Instruir, disciplinar e trabalhar: a Sociedade dos Artistas
Mecânicos e Liberais e o Liceu de Artes e Ofícios (1880-1908). Dissertação
de Mestrado em História. Recife: UFRPE, 2013.
DE CERTEAU, Michel. “A operação histórica”, In NORA, Pierre; LE GOFF,
Jacques (orgs.). História: novos problemas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria
Francisco Alves Editora, 1988, p. 17-48.
DESROCHE, Henri. Solidarités ouvrières: sociétaires et compagnons dans les
associations coopératives (1831-1900). T. 1. Paris: Les Editions Ouvrières, 1981.
DUBY, Georges. A história continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores/
Editora da UFRJ, 1993.
FONSECA, Marcus Vinícius. A educação dos negros: uma nova fase do
processo de abolição da escravidão no Brasil. São Paulo: Edusf, 2002.
FONSECA, Marcus Vinícius; BARROS, Surya A. P. (org.). A história da
educação dos negros no Brasil. Niterói: EdUFF, 2016.
3. ALFONSO X, EL SABIO. Partida Cuarta, título 6, artigo XXI. Las siete partidas. Santiago:
Andrés Bello, 1982.
Alguns casos
Os processos administrativos ou judiciais se iniciam com uma
apresentação do demandante falando em primeira pessoa. Da mesma forma
que o fazem em outra tipologia de documentos chamada “solicitudes de
esclavos” (solicitações dos escravos) que também utilizaremos nesse trabalho.
Diz Natalie Zemon Davis que as cartas de remissão, cartas nas quais um
condenado à morte pedia clemência ante o rei, era um gênero misto. Uma
Sr. Governador
Por lo que pido y suplico que usando de su caridad para con los pobres
y recta justicia se sirva determinar lo que convenga, y fuese razón.
O caso de María Antonia não podia ser resolvido por essa via extrajudicial,
não havia testamento ou qualquer outro documento provatório. A palavra de
Dom Juan Pulido provavelmente teria grande valor, já que era uma pessoa
respeitável entre os vizinhos de Buenos Aires, mas essa só poderia aparecer
em um processo. A demanda de María Antonia era “verossímil”, por isso
o despacho na margem diz: “Acuda aos alcaides para a administração de
justiça.” O relato de María Antonia cumpre com os requisitos das cartas de
perdão mencionados acima: petição judicial destinada a persuadir, relato
histórico dos atos de um indivíduo no passado e uma história. Mas outros
casos podiam ser resolvidos por essa via administrativa.
Em 1766 Luiza, morena, escrava de Dona María Luiza de Larria escreve
ao Governador dizendo que sua senhora, defunta, tinha deixado em cláusula
testamentária uma disposição para todos seus escravos: que se eles pagassem
200 pesos (taxação baixa, se comparada com os preços de mercado do
período), se lhes desse a liberdade. Ocorreu que ela deu esse dinheiro para
Filhos naturais
O defensor de pobres Antonio Romero iniciou, em 1799, uma demanda
contra Nicolás Higareda (ou Igareda). Narrava o defensor que Dom Nicolás,
do comércio da cidade de Buenos Aires, tinha Julian entre outros vários
escravos e que, apesar que esse lhe dava em conceito de “ganho” 7 pesos por
mês, o senhor não atendia sua vestimenta e alimentação. Na casa de Higareda
se utilizava meio real diário de carne para alimentar três criadas, outros três
agregados e ao mencionado Julian. O que evidentemente era uma dieta de
fome. O moço, que trabalhava de sapateiro, tinha uma irmã, Maria Clara,
Quiero decir señor Exmo. que para la tasación que hoy se haga en mi
sea justa, es necesario también que se me haga otra de la que yo valía
al tiempo que me compró mi amo, con reflexión a la edad, robustez,
salud y ofício que entonces tenía, para que contemplando la gracia que
entonces me hizo el amo que me vendió y deduciéndola del valor que
hoy tenga mi persona se conozca cuanto justamente puede mi amo
sacar de mi venta.
No caso de Cecílio podemos dizer que ele e sua defesa perceberam que
o tribunal era favorável à demanda, daí que “subissem a aposta”, se no início
eles pedem que seja avaliado como no momento da compra (350 pesos e
295 (1804) Sala IX 23-6-2 e Expediente promovido por Pascual Fernández sobre que su amo
Joaquín Manuel Fer-nández le otorgue la libertad recibiendo al efecto los 300 pesos en
que lo compró, 1805, Adminis-trativos. Legajo 15 Expediente 440 (1804-05) Sala IX 23-6-3.
9. Cosme Argerich tinha estudado medicina em Espanha. Em 1794 foi nomeado examinador
do Protomedicato do Rio da Prata. Desde 1802 ministrava aulas no Protomedicato.
10. Expediente promovido por Pascual Fernández sobre que su amo Joaquín Manuel
Fernández le otorgue la libertad recibiendo al efecto los 300 pesos en que lo compró, 1805,
Administrativos. Legajo 15 Expediente 440 (1804-05) Sala IX 23-6-3.
11. Conceitos reiterados na Real Cédula de Carlos II a las Audiencias y gobernadores de las
Indias. Buen Retiro, 12 octubre 1683.
12. Destacado militar que havia participado da defesa de Buenos Aires quando das invasões
inglesas (1806-1807). Em 1810, na guerra de independência, também comandou um batalhão
de cavalaria e foi nessa arma que constituiu parte do exército do Norte, no Alto Peru.
13. AGN. Administrativos, Leg. 32, Exp. 1097, Sala IX 23-8-6.
14. Esses atestados médicos existentes no interior dos processos também são fonte valiosa
para a história da saúde e da medicina (PORTO, 2006).
Referências bibliográficas
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ARGENTINA, Fondos documentales del departamento de documentos escritos.
Período Colonial/ Coord. Juan Pablo Zabala, Buenos Aires: AGN, 2011.
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século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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Santigao de Chile: Instituto de História del Derecho Juan de Solarzano
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GINZBURG, Carlo. El juez y el historiador. Consideraciones al margen del
proceso Sofri. Madrid: Anaya & Mario Muchnik, 1993.
GIOLITTO, Loredana. Esclavitud y libertad en Cartagena de Indias.
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colonial. Quito XVII-XVIII, Mar Oceana: Revista del Humanismo Español
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HERZOG, Tamar. Sobre la cultura jurídica en la América Colonial. Anuario
de Historia del Derecho Español, 1995b, [903-912].
HESPANHA, Antonio Manuel. Imbecillitas: as bem-aventuranças da
inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010.
MARGUET, Christine. Justicia y poética en la novela barroca: escena del
proceso, ficcionalización de la pleitomanía, y unas líneas sobre la justicia
1. Esta disciplina foi ministrada de forma remota no primeiro semestre de 2020 para
alunos ingressantes.
2. A disciplina é oferecida regularmente no primeiro semestre de cada ano. Atualmente,
além de mim, desde 2018, a professora Camila Dias é também concursada para esta cadeira,
a qual assumimos de forma intercalada. No meu caso, fiquei responsável pelo curso nos
anos de 2016, quando me tornei professor do departamento; 2017; 2019 e 2021. As reflexões
desenvolvidas neste capítulo, portanto, baseiam-se no trabalho que desenvolvi com os
alunos nos anos mencionados.
4. Foge ao escopo deste capítulo uma análise historiográfica aprofundada sobre essas
questões. Excelentes balanços sobre as inflexões mencionadas podem ser encontrados,
por exemplo, em: REGINALDO, 2020, 157-212; LARA, 2005, 21-38, LARA, 2021, 465-486.
Introdução
No estudo do passado, segundo Marc Bloch, a “diversidade dos
testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz ou
escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele”
(BLOCH, 2001, 79). Portanto, a definição de fonte histórica englobaria uma
multiplicidade de vestígios da ação humana no passado, indo desde tipologias
mais convencionais, como informações textuais inscritas em papéis, até
evidências arqueológicas. Essa definição de fonte histórica prende-se ao
conceito de documento histórico na ciência arquivística: “documento é o
registro de uma informação, independente da natureza do suporte que a
contém” (PAES, 2004, 26).
Normalmente, o trabalho de pesquisa em História apoia-se em fontes
secundárias, aquilo que seria o conjunto da bibliografia tangente ao tema
a ser estudado, e fontes primárias, que podem ser vestígios do passado
preservados em arquivos, museus e bibliotecas, ou testemunhos acessíveis por
meio da oralidade ou registros audiovisuais. Essas categorias (fonte primária
e fonte secundária) não são fixas. O parâmetro para a definição de cada uma
delas depende da questão central que norteia uma pesquisa. A depender
da escolha do tema e sua abordagem, o que convencionalmente definimos
como fonte secundária pode se tornar fonte primária, por exemplo, a obra
de um autor ou um texto específico.
A proposta de roteiro aqui apresentada parte da compreensão de que
o exercício da análise de fontes é um passo fundamental na formação de
qualquer professor ou pesquisador da área de História. Os estudantes devem
saber pensar criticamente o processo histórico com base em evidências. Isso
não significa dizer que os documentos fornecem a “verdade” ou um “retrato”
neutro sobre o que aconteceu em diferentes contextos. Seu uso passa pelo
crivo de uma rigorosa crítica documental que revele as mediações subjacentes
à produção e aos usos do documento.
Metodologia
Cada tipo de vestígio da ação humana vai demandar um aparato
metodológico específico conforme a sua configuração, tais como a
materialidade em que está inscrito e as formas de disposição das informações
que carrega. Nesta proposta de roteiro, estamos privilegiando informações
textuais por serem aquelas convencionalmente mais acessíveis a alunos
de graduação e aquelas mais trabalhadas pelos professores de história do
Brasil colonial. O estudo de uma fonte originalmente inscrita em suportes
de papel (digitalizadas ou não) pode ser dividido em seis passos principais.
a. Dimensão descritiva
O primeiro passo da análise de fonte consiste em uma breve apresentação do
documento, explorando suas características principais e o contexto em que foi
produzido. Para tanto, são relevantes os seguintes procedimentos:
Apresente brevemente o documento e justifique a sua escolha, destacando a relevância
da fonte em um parágrafo curto.
Em seguida, destaque o que pretende desenvolver, seus objetivos e o que será
enfatizado. Depois isso tudo será retomado e aprofundado na seção analítica.
Avalie se, pelo tamanho e características, valeria a pena anexar uma cópia do documento
ao trabalho, sua transcrição integral ou um excerto.
Em seguida, passe para a descrição detalhada, considerando os seguintes elementos:
Referência e localização do documento no arquivo.
Tipologia (manuscrito, impresso, fotografia, objeto tridimensional, pintura, conteúdo
audiovisual etc.)
Materialidade: suporte; formato; dimensões e características físicas.
Data(s);
Localidade(s);
O documento é único ou integra algum fundo/série do arquivo?
Quem produziu? Se não for possível estabelecer autoria, levante hipóteses com base
na bibliografia e em pistas da própria fonte.
Em caso de fontes textuais, em quantas partes principais o documento pode ser
dividido conforme a disposição de suas informações? No caso de imagens, qual é a
disposição/configuração do que você observa?
Observação
Esse caminho (ou roteiro) é uma proposta que contempla elementos
básicos. Alguns tipos de fontes exigem metodologias muito específicas,
por exemplo, na área de história da arte (plásticas, escultura, audiovisual
Ilustríssimos Senhores
[fl.3v]
da justiça, que vista a denúncia e conta do [sic] inclusas com a
circunspeção que o caso pede, se prova do remédio que parecer mais apto
e pronto para que exemplarmente se atalhe e corte pela raiz tão horrorosa
maldade.
o Promotor [Moller]
[Re]presentado em Mesa o requerimento supra do promotor para os
senhores inquisidores lhe haverem de deferir, de seu mandado lho fiz com
clareza Gregório Xavier Godinho o escrevi.
[Clos]
[fl.4r]
Denúncia ao Santo Ofício
Se deve primeiro saber que neste Pernambuco tem introduzido os
negros gentios batizados umas danças das suas terras, com que lá adoram e
festejam aos seus falsos deuses, acompanhadas de instrumentos gentílicos,
atabaques, que são como espécie de tambor, marimbas e outros de ferro,
todos estrondosos, horríveis, tristes e desentoados, próprios do inferno, e
certas cantilenas na sua língua gentílica, as quais em todos os domingos e
dias santos do ano fazem, e se coloram com título de tirarem esmola para
Análise
Descrição da fonte
O sumário é composto por 5 fólios (frente e verso), reunindo documentos
produzidos por quatro clérigos que atuavam em Lisboa e em Pernambuco. Por
ordem cronológica, a primeira peça é a denúncia detalhada que foi redigida
pelo padre Domingos de Oliveira Marques no dia 10 de fevereiro de 1779.
A segunda é uma carta escrita por Manoel Félix da Cruz, comissário
do Santo Ofício de Pernambuco, em 08 de abril de 1779. Além de endossar o
teor da denúncia, ofereceu uma contextualização mais ampla da persistência
das práticas rituais da comunidade angolana em sua jurisdição. Por ser
comissário do Santo Ofício em um território que não sediava um tribunal
6. Além do Brasil, o tribunal de Lisboa exercia jurisdição sobre todo o Atlântico luso,
incluindo aí as ilhas dos Açores, Madeira, as colônias e feitorias africanas. O único tribunal
do Santo Ofício instalado no ultramar português foi o de Goa, na Índia. Para se fazer
presente na Colônia brasileira, a Inquisição lançou mão de várias estratégias, predominando
no século XVIII a ação por meio da rede de agentes eclesiásticos (Comissários e notários) e
civis, que eram os chamados familiares do Santo Ofício. As estruturas das dioceses também
tiveram papel importante para viabilizar a presença inquisitorial nestas terras, não apenas
na transmissão de denúncias e processos para Portugal, mas também porque boa parte dos
comissários eram membros dos cabidos e da justiça eclesiástica.
Malungos e parentes
Um aspecto do Sumário que chama bastante atenção é o fato da denúncia
ser contra os africanos de Angola em sua coletividade: “contra os pretos de
Angola do continente de Pernambuco”. Acreditamos que essa tendência a
homogeneizar os cativos daquela origem expressava a face externa de uma
comunidade formada em Pernambuco por pessoas que compartilhavam,
além do trauma da escravização e travessia atlântica, elementos de um mesmo
7. Em sua análise sobre a constituição de Palmares no século XVII, Sílvia Lara destacou
a importância de considerarmos as culturas políticas centro-africanas subjacentes à
constituição da rede dos mocambos e da comunidade ali formada. O fato de os escravos
de Pernambuco seiscentista serem majoritariamente oriundos da macrorregião Congo/
Angola forneceu-lhes, em suas palavras, uma gramática política comum.
8. Diferentemente do uso feito pelos luso-brasileiros, os europeus do Norte empregavam
o termo Angola para designar a origem dos cativos vindos de todo o território ao sul do
Cabo Lopes.
11. Segundo Raphael Bluteau, baeta significa “pano de lã”. Vol. 2. http://dicionarios.bbm.
usp.br/pt-br/dicionario/1/baeta
12. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitações do Santo Ofício, maço 176, documento
1868. 1760.
14. A transcrição do trecho do processo aqui reproduzida foi realizada pela autora a partir
do processo presente Arquivo Público do Estado da Bahia, Maço 408, Capitães Mores –
Santo Amaro, junho/1807.
Referencias bibliográficas
ALMEIDA, Suely. Catolicismo, Gentilismo e Mestiçagem na África Ocidental
e Centro Ocidental no século XVIII. Revista de Estudos de Teologia e Ciências
da Religião, v. 14, 2016, pp. 240-261.
ALMEIDA, Suely; SOUSA, Jéssica. O Comércio das Almas: as rotas entre
Pernambuco e Costa da África – 1774-1787. Revista Ultramares, v. 1, 2013,
[34-53].
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Tradução
de André Telles. Rio de Janeiro, RJ: Zahar, 2001.
DIAS, Érica. Martinho de Melo e Castro e a extinção da companhia pombalina
em Pernambuco. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH,
São Paulo, julho 2011, [1-12].
Aldair Rodrigues
Possui graduação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP), mestrado e doutorado em História Social pela Universidade de São
Paulo (USP). É professor efetivo do Departamento de História da UNICAMP,
dedicando-se atualmente ao estudo da diáspora africana no Brasil colonial, é
diretor do Arquivo Edgard Leuenroth. Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq - Nível 2.
Elione da Silva Guimarães
Doutora em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e
mestre pela mesma instituição, fez graduação na Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF).
Elione atualmente é pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz de Fora
(AHJF). Desde 1985 trabalha com organização de fontes documentais e, nos
últimos anos, com digitalização de imagens documentais.
Fabrício Prado
Doutor em História da América Latina pela Emory University (Atlanta,
EUA), licenciado e Mestre em História pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS).
Fabrício é professor associado de história no College of William and Mary,
onde ministra aulas sobre a América Latina Colonial e o Mundo Atlântico.
Seus interesses de pesquisa se concentram em dinâmicas transfronteiriças,
redes sociais, comércio, comércio de contrabando, corrupção, história social
e econômica do Cone Sul da América Latina.
Flavio dos Santos Gomes
Doutor e mestre em história social pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP). Fez graduação em História pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).