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INTRODUÇÃO
O poeta José Inocêncio dos Santos Ferreira, filho de pai portu-
guês e de uma macaense, nasce em Macau, a 28 de julho de 1919.
É nesta cidade que reside grande parte da sua vida. Aos setenta e
três anos, falece em Hong Kong, deixando mulher e dois filhos,
corria o ano de 1993.
Em adulto, foi funcionário público, desempenhando as fun-
ções de chefe de secretaria do Liceu Nacional Infante D. Henri-
que. Reformou-se em 1964. Após a aposentação, foi indicado como
secretário-geral da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau.
Paralelamente, porque falante de várias línguas como a portuguesa,
a chinesa e a inglesa, conciliou atividades docentes a alunos chine-
ses. É, ainda, de destacar a colaboração jornalística com o China
Mail de Hong Kong, o Diário de Notícias em Portugal, ou O Cla-
rim de Macau.
Para além de jornalista e de funcionário público, existe outro
pilar basilar de atuação de José dos Santos Ferreira e que diz respeito
à esfera pública. Neste âmbito, é relevante referir que o macaense
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Doutor em Estudos da Criança, na Universidade do Minho. Atualmente,
desenvolve, no projeto de pós-doutoramento apresentado à Universidade
Aberta, estudos sobre a literatura em português a Oriente. É também inves-
tigador no Centro de Estudos Globais na Universidade Aberta (CEG-UAb).
Colabora, presentemente, com a Universidade Politécnica de Macau. ORCID:
0000-0001-7264-9106.
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A ambas as músicas se pode aceder por meio da plataforma YouTube. A pri-
meira composição, Macau sâm assi pode ser acedida em: https://www.you-
tube.com/watch?v=JmPYVbKWF70. Por sua vez, Lisboa é assim encontra-se
em: https://www.youtube.com/watch?v=mTz7xu4poUY. Também relevante é
“Casa Macaísta”, uma versão da canção imortalizada por Amália Rodrigues:
https://www.youtube.com/watch?v=hkjnCc2CP6w.
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Veja-se, a este respeito, a obra “Maquista chapado” de A. Baxter e M. de Senna
Fernandes.
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Sobre o período de transição: “The Luso-Chinese Joint Declaration concer-
ning Macao’s future was signed on 13 April 1987. From then onwards, the
Portuguese and Chinese authorities started collaborating closely to organize
a smooth transition. Following Hong Kong by a few years, Macao became a
Special Administrative Region of the People’s of China (PRC) on 20 December
1999. Its relative autonomy has allowed life to continue without great uphea-
vals during the transition and after” (Pina-Cabral, 2002, p. 5).
Passado transcorrido,
esperanças esvaecidas,
glórias esquecidas.
É tempo de lágrimas,
tempo de dor;
dor que martiriza,
sentida em silêncio;
lágrimas que escorrem,
queimando as faces.
Corações acabrunhados,
filhos amorosos
destas últimas gerações...
Em qualquer ponto do Mundo
onde um deles pulsar,
ali há uma lágrima amarga,
há dor,
angústia! (Ferreira, 1992, p. 63)
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Wenceslau de Moraes, da janela do seu convés, atesta a pobreza das tanca-
reiras que abeiravam o seu navio luso: “Pobres tancareiras, agarradas desde a
infância ao remo que as sustenta, regeladas no inverno pela brisa da monção,
tisnando ao sol ardente do Estio, ensopando as cabaias na onda dos chuvas-
cos! Pobres párias do mundo! (Moraes, 2004, p. 57).
2. A DIMENSÃO ETNOGRÁFICA DE
“POEMA NA LÍNGU MAQUISTA”
Resta, neste último segmento, evidenciar uma outra dimen-
são da poesia de Ferreira que não recebe tanta atenção académica.
Fala-se da vertente etnográfica, da representação das gentes e da
sua mundividência em contexto. Sobre o que se afirma, são parti-
cularmente densos os poemas “Casarão antigo”, “Lamentações da
Avozinha” e “Macau modernizada”.
A primeira composição evocada remete, desde logo e pelo título,
para um hiato entre o tempo de edificação e o tempo de enunciação.
Nesse período distante, a habitação compôs-se por janelas verdes,
persianas delgadas, paredes caiadas, telhas vermelhas e varandas
vistosas. Porém, no tempo atual, esses traços distintivos estão em
desuso ou fizeram-se ausentes.
Inevitavelmente, o casarão é a metonímia da presença portu-
guesa. O esvaziamento da casa e da vida que se faz dentro e ao redor
da habitação representa um desmoronamento simbólico. Assim,
e paradoxalmente, apesar de durar na sua forma física, o casarão
resta fantasmagórico e em ruína. É apenas uma longínqua memó-
ria. Sobre o espectro, sobra a gesta inglória do Poeta e a busca pelo
que se extinguiu:
Onde estás?
Macau de quintal com poço,
corda atada ao balde,
balde trazendo água para cima.
Pomar de árvores de fruto,
Plantadas aqui, ali;
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A profissão consiste em fornecer água potável às casas do bairro. A aguadeira
d’A trança feiticeira deslocava-se nas imediações do bairro pitoresco Cheok
Chai Um onde existe o tempo Fok Tak Chi, na rua Tomás da Rosa (d’Alte,
2020). Neste templo, é de destacar a existência de um poço no qual, “noutros
tempos, os residentes do bairro costumavam abastecer-se de água” (Barros,
2003, p. 30).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
José dos Santos Ferreira, Adé, é uma das vozes mais marcantes
da comunidade macaense. Nascido em Macau, com “alma portu-
guesa”, intenta poetizar, de forma harmoniosa, um modo de sen-
tir muito particular destas duas geografias e dos seus sortilégios.
Tentou-o por meio da utilização do crioulo português de Macau e,
também, da língua portuguesa.
Em termos temáticos, as suas molduras poéticas portam afi-
nidades com a pátria lusa, o fervor religioso cristão, a justeza e a
harmonia do vínculo Portugal-Macau. A ameaça à tríade destacada
cria um conflito interno no Poeta e os versos começam a funcionar
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS