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Cap.

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O Pastor Fausto deveria atuar para outro Pastor que estava morrendo aos poucos
em cima de uma cama. Era a primeira vez que Elias representaria um personagem para
seu pai. O sonho de ter um filho Pastor seria realizado através da atuação do filho que
era um Ator. A vida do pai não seria salva por aquela ilusão, mas pelo menos antes da
morte, a vida de um de seus personagens o faria feliz. Por muitas vezes Elias interpretou
o Pastor Fausto e esta seria a primeira vez que este iria interpretá-lo. O Pastor Fausto
viveria um ‘Golpista-Regenerado’, para que o milagre da morte feliz acontecesse.
Paulete seria uma mulher evangélica no papel da “Irmã Maria Eduarda”. Com um coque
nos cabelos compridos, uma saia longa indo até aos pés, um rosto sem maquiagens e
uma bíblia em baixo do braço: estava pronto o milagre teatral; um travesti era uma
mulher religiosa! A pequena L seria uma cópia de sua mãe: a “Irmãzinha Ana
Gabriela”. Uma menina evangélica para quem o Pastor Elias era o homem mais
importante depois de Jesus Cristo, o personagem principal das escrituras sagradas.
Aquilo afirmava o pensamento imoralista de que poderia haver verdades em muitas
mentiras, pois L não conhecia nada sobre Jesus, mas Elias estava sendo para ela o
homem mais importante de sua vida.

Elias vendeu o carro que tinha comprado na cidade de Quipapá e pagado com
cheque sem fundos. Com o dinheiro, comprou três passagens de avião na capital. Dois
dias depois, o trio partia de Maceió num avião da Varig, rumo a Goiânia. Seria a
primeira vez que L visitaria a terra natal de seu pai, Paulete já tinha ido à capital goiana
umas duas vezes, mas jamais na casa paterna onde seu amado nasceu. Mãe e filha
estavam ansiosas pela chegada e o chefe da família apreensivo pelos reencontros. Do
aeroporto eles foram de táxi ao bairro Novo Horizonte. Elias lembrava-se muito bem de
sua antiga casa, porém pagou o motorista para que descessem duas quadras antes.
Sentia-se frágil pela primeira vez em sua vida, pois até mesmo um detalhe numa calçada
o fazia lembrar-se de sua infância e adolescência. Seu antigo lar havia mudado, mas
sentia que os outros familiares ainda eram os mesmos. O Pastor construiu uma casa
muito maior no terreno, mas preservou alguns detalhes da residência demolida.

Sentiu o suor que apesar do frio molhava o terno que estava vestindo e se
preparou para o novo personagem que iria interpretar. Bateu no portão e ouviu a voz
melodiosa da Mãe. Ao ouvi-la no quintal: lembrou-se dela como se há ouvisse vinte
anos antes, cantando hinos no coral da igreja. O portão se abriu, a mulher que veio
atendê-lo trouxe com ela a lembrança do dia em que ele foi embora. Uma vida cheia de
anos também é feita de dias, mas os segundos que cabem dentro de um minuto, às vezes
trazem recordações que guardamos por anos. Nos vinte segundos depois de ver a figura
de sua Mãe, ele reviu o momento mais triste já vivido: este foi o abraço de uma
despedida que, agora era tão emocionante quanto a sua volta ao lar.

Sua Mãe o abraçou, mas Elias não soube corresponder ao gesto carinhoso: não
foi por desprezo e sim porque seus pensamentos iam muito longe; numa época em que
aquela mulher o abraçava depois de um dia de provas escolares. Sempre foi um dos
melhores alunos, não o mais comportado, pelo contrário, o valor de suas notas era do
tamanho de suas molecagens e travessuras. Se não ia expulso dos colégios era pela
admiração que os professores tinham por sua inteligência e pela capacidade que tinha de
fazer uma coisa errada e disfarçá-la sobe as formas de uma coisa boa.

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Quando estava com apenas oito anos, houve uma vez em sala de aula que
derramou cola na cadeira da professora. Ela revistou as mochilas e encontrou a prova do
crime. Ele foi levado à diretoria e nos dois minutos em que a professora foi no refeitório
da escola buscar a Diretora, Elias aprontou uma das suas: com lápis e cartolina fez um
pequeno coração de papel que usou como um álibi. Quando as duas mulheres vieram
para aplicar-lhe o castigo, ele mostrou o coraçãozinho de papel com o nome da
professora escrito: dizendo que derramou a cola na cadeira quando foi colocar o
presente em sua mesa. Através disso se livrou da punição e ainda ganhou um beijo
(numa forma da educadora desculpar-se pelo mal entendido). Nos dias de prova sua
Mãe não precisava esperar o resultado, pois já sabia de antemão que as notas seriam as
melhores da classe. No mesmo lugar em que estavam Elias recebia um abraço, tão
carinhoso quanto o que estava recebendo naquele momento.

Sua esposa e filha foram apresentadas à Mãe que já sabendo que o filho era
Pastor Evangélico, as cumprimentou com a “Paz do Senhor”. Sua Irmã mais velha
também veio e cumprimentou as Falsas Evangélicas. Foram todos para o quarto do
Pastor. Aquele era o reencontro com uma cópia perfeita do deus de Israel, seu pai era
sempre o dono da verdade, mas agora a verdade é que ele não era dono nem de si
próprio, mesmo assim Elias ainda o amava e temia. Era cético, mas seu pai era para ele
o que Deus é para os crentes: alguém digno de ser amado por sua força e temido por sua
imparcialidade! Sentiu suas pernas tremerem ao cruzar a soleira da porta do quarto, mas
era tarde para recuar e cedo para temer o que viria. Respirou fundo e repreendeu a si
mesmo por estar com medo de um inválido. O Pastor tinha o poder de conhecer e
analisar as pessoas: por isso fez de tudo para manter a calma e dar ao seu pai um filho
com o qual ele sempre sonhou.

O Pastor Elias, saudou seu pai a dois metros de distância com a paz do senhor.
O velho disse “Um Deus te abençoe” enquanto estendia a mão macilenta para que o
filho a pegasse. Devagar as duas mãos se tocaram e se apertaram, como as mãos de dois
homens que medem forças. Elias entendeu que o velho ainda tinha a mesma energia
interior, mesmo sendo apenas um moribundo. Via-se apesar de ser um entrevado que o
Pastor era um homem de estatura elevada, seus traços não se pareciam com o do filho.
Tinha a pele branca, os olhos castanhos e um cabelo ralo pela calvície, outrora deveria
ter sido castanho. Seu rosto bonito e sua voz foram os ingredientes que ajudaram a
formar o grande orador que era. Suas mãos grandes e magras elevavam uma multidão
de crentes ao discursar sobre Salomão e Davi.

Seis pessoas estavam no quarto: a Irmã Maria Eduarda e sua filha Ana
Gabriela, Elias, sua Mãe, a Irmã mais velha e o Pastor. O velho ficou feliz em conhecer
a nora e a neta, abençoou as duas com a paz do senhor!

Elias acariciou a cabeça da Mãe com a mão direita, enquanto reparava as


semelhanças entre eles. A idosa era franzina e morena, seus olhos eram esverdeados
iguais aos do filho. Suas roupas de mulher evangélica estavam gastas e seu rosto
cansado revelava que ela sempre foi uma empregada do lar e do marido.

Entrou uma menina morena mais ou menos da idade de L no recinto,


imediatamente Elias pensou que fosse uma de suas sobrinhas e a tratou assim. A Irmã
mais velha o chamou num canto da casa fora dos olhares do Pastor e segredou-lhe em

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voz baixa: a menina de 11 anos era sua irmã mais nova. Mas como se a Mãe já era
idosa? Ela era filha apenas do Pastor! A Irmã mais velha disse-lhe que a menina era
filha de um dos crentes da igreja. O crente era moreno, quase negro, sua mulher era
negra e todos os traços da filha morena clara eram os do Pastor. O homem por si próprio
e pelos colegas de igreja jamais iria descobrir (era bobo demais para isso: mas seus
amigos que viam sua esposa em companhia do Pastor não eram tão ingênuos).

Os amigos do crente ensinaram-lhe uns truques. Quando o Pastor o mandasse ir


para um retiro afastado, então deveria ficar num lote vago defronte sua casa. Assim ele
fez e foi assim que viu o Pastor entrar em seu lar. Entrou e saiu de lá abotoando as
calças com um sorriso gostoso nos lábios. Quando o Crente descobriu que era um
marido traído, a filha do Pastor já tinha dez anos. O homem chegou ao líder religioso e
disse que este ficasse com sua esposa. Afinal, aquela mulher era tão sua quanto sua
filha: a cópia perfeita do Pastor! A ex-mulher do Crente traído sempre quis doar sua
filha ao pai biológico, mas ele tinha vergonha do que fez. Sem sentir vergonha de fazer
de novo, pois queria a Evangélica por amante, sem querer a filha que era dos dois.
Depois que o chefe do lar adoeceu, a Irmã mais velha convenceu a Mãe a deixar a mais
nova ir morar com eles. No início a Mãe protestou, mas depois acabou aceitando.

A Irmã mais nova parecia ter gostado de L que estava em lugar de ser sua
sobrinha, Elias não tinha nada contra a menina: afinal, o safado daquela história era o
seu pai. Seus cunhados não eram Pastores e mesmo que se formassem em Teologia, não
tinham o talento das palavras, por isso seu pai pediu que a igreja fosse reaberta, para que
seu filho pregasse para ele uma última vez. Um carro de som anunciou pelas ruas do
bairro a presença do Pastor Elias: o filho do Pregador de Deus iria representá-lo.

No primeiro dia de reabertura da igreja, os crentes foram movidos somente pela


curiosidade, mas no outro dia os bancos estavam cheios para verem o Pastor Elias
pregar a palavra de Deus. O Velho Pastor foi colocado numa cadeira de rodas para ver e
ouvir as pregações do filho. Seus olhos traíram a sua firmeza e ele chorou ouvindo a voz
bonita de Elias, enquanto este recitava de cor os provérbios de Salomão. Aquele era o
filho pródigo que no esbanjar do entendimento voltava à casa paterna, para dar uma
morte feliz ao seu pai.

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