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“Eu pequei! Trai a deus, desapontei meus familiares, não cumpri minhas
obrigações de sacerdote.
Ela era perfeita, nunca vi ninguém assim antes. Seus olhos eram extremamente
expressivos, existia chamas em seu olhar. Seus cabelos possuem vida própria, seus lábios
eram vermelhos como o sangue. Sua voz é encantadora, se assemelha ao cantar de anjos,
seu toque era leve e suave como rosas. Não resisti a tanta perfeição, pequei contra meus
princípios. Eu nunca me senti tão livre! Nunca me senti tão... completo e cheio de vida,
meu peito queimava, algo me tocava por dentro, uma sensação indescritível, era tudo tão
perfeito que não parecia real.
Minha vida sempre foi resumida a um mar de cinzas, meu trabalho e dever me
consumia. Servir a deus era meu único propósito, meu único caminho, meu destino.
Obrigado a ser o que sou, minha vida era infeliz e minha existência uma questão. E por
alguns dias eu pude saber o que é viver, o que era ser livre, o que era amar e ser amado,
mas tudo isso se foi [...]”

PADRE ELIÉ ZER, 11 DE ABRIL DE 1851

Em dois de maio de 1818, numa cidade pequena em algum lugar da


Inglaterra, nascia o menino Eliezer, filho de Getú lio e Dó ris Claude, um casal de
família simples porem de extrema religiã o e devoçã o ao catolicismo. Antes
mesmo de nascer, ou ao menos saber o gênero da criança, ela já estava
destinada a servir a deus e a igreja. Caso nascesse menina seria freira e caso
fosse menino seria um padre.

Desde criança Eliezer cujo o nome significa: Auxilio de Deus, foi


ensinado as leis de deus, a nunca cair em tentaçã o aos pecados capitais e a sempre
respeitar e honrar os dez mandamentos, principalmente aos mandamentos
quatro e seis (Honrar pai e mã e e nunca pecar contra a castidade). Eliezer
sempre foi uma criança solitá ria, mal saia de casa e nã o tinha amigos. Sua ú nica
companhia era a bíblia cujo havia ganhado de sua mã e aos seis anos, onde já
sabia ler e escrever

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perfeitamente, devido a obrigaçã o de seus pais, nunca brincava, nã o
frequentava escolas, nã o lia nenhum livro a nã o ser a bíblia, sua rotina era sua
casa e igreja.

Aos dez anos de idade Eliezer fez algo que marcaria sua vida para
sempre, sua primeira e até entã o ú nica vez questionando deus. Durante o
jantar numa noite, educadamente ele perguntou a seu pai “por que devemos
seguir as leis de deus e por que essas sã o as suas leis?’’. Nã o houve resposta
para tal questionamento, apenas que... apó s tal pergunta Getú lio levantou-se da
mesa e estapeou o rosto de Eliezer com toda sua força, o garoto caiu no chã o e
chorou pois nunca havia apanhado de seu pai. Furioso Getú lio fez com que
Eliezer tivesse que ficar de joelhos ao milho enquanto ele rezasse cem pai
nosso e repetisse a frase “nunca questione a deus’’, apó s essa noite Eliezer
nunca mais o questionou.

Mas ainda nessa noite algo aconteceu a Eliezer, algo que o amedrontaria
para sempre. Apó s terminar suas rezas Eliezer foi deitar, e naquela noite ele viu
algo. Ele olhou para a janela do seu quarto e viu um homem. Nã o um homem
comum, um homem grande, ele encarava Eliezer pela janela enquanto sorria, um
sorriso estranho e constante. Eliezer ao ver tal criatura ficou em estado de choque,
nã o conseguia dormir, a criatura nã o o deixava. Ela sussurrava “eu posso te ver”.
O homem ficou lá durante a noite toda. Ao amanhecer ele lentamente se virou e
foi embora, e nã o houveram vestígios, pois ao sair da janela, Eliezer levantou da
cama e foi conferir se o homem ainda estava à espreita lhe observando. Mas ao
colocar seu rosto para fora da janela, foi como se ele nunca estivesse estado lá !

Tal ocorrido marcou negativamente a vida de Eliezer, ele pensava naquele


homem estranho toda noite antes de dormir, tinha pesadelos e desde entã o
sempre mantinha as janelas fechadas e cobertas. Fora aquela noite, tal criatura
nunca mais lê apareceu, mas Eliezer vivia com a sensaçã o de sempre estar
sendo observado por ele. Durante muito tempo achou que talvez fosse algo de
sua cabeça devido ao trauma ao questionar deus, mas algo em sua mente dizia
que aquilo era real, algo em seu coraçã o afirmava isso. Ele nunca comentou sobre
isso com ninguém e manteve em segredo durante toda sua vida até entã o.
Cinco longos anos se passaram, e Eliezer com o tempo foi se tornando uma
pessoa mais vazia e solitá ria, alguém muito fechado, sem amigos, infeliz e
depressivo. Apó s cinco anos do ocorrido, quando já completava quinze anos,
Eliezer foi enviado a escola de padres. No dia em que saiu de casa sua mã e tinha
em seu rosto um grande sorriso e uma energia que transpirava satisfaçã o, era
como se sua jornada na terra tivesse sido cumprida, como se sua missã o e objetivo
estivessem concluídos. Getú lio abraçou seu filho e lê desejou boa sorte e com as
palavras “Seguires ao caminho de deus e nã o haverá s sombras’’ ele se despedia
de seu filho.

A escola era localizada em Londres, havia muitos outros jovens lá para


companhia de Eliezer, nã o que isso fizesse com que ele se enturmasse, mesmo
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estando em um local cheio, numa cidade tão grande e populosa, Eliezer sempre
se sentia sozinho. Ficou lá por quinze anos, nã o que esse fosse o tempo do seu
curso, muito pelo contrá rio, seu curso nã o levaria nem a metade desse tempo,
mas escolheu ficar lá por opçã o pró pria, pois havia se apegado e gostado muito
de seu mentor Gustav.

Gustav já era um senhor de idade quando Eliezer chegaras à escola, e em


pouco tempo eles criaram intimidade e apego. Gustav se enxergava em Eliezer,
ele admirava sua dedicaçã o e esforço. Logo se tornou seu aluno preferido, “Eli”
enxergava em Gustav um pai, já que ele costumava ser paciente, calmo e
calculista, tudo que seu verdadeiro pai nã o foras. Durante quinze anos eles
conviveram em harmonia, mas Gustav como um senhor de idade, uma hora viria
a falecer. E foi essa a motivaçã o que levou a fazer com que Eliezer deixasse seu
colégio e finalmente seguisse sua vida, pois nã o havia mais ninguém a se apoiar.
Seu pai morreu por uma doença pulmonar que o matou quando Eliezer
completou vinte e um, e sua mã e havia morrido recentemente devido a idade e
também por suas condiçõ es de saú de. De todas as mortes, sem sombras de
duvidas a de Gustav foi a que mais lê impactou, pois “Eli” nã o tinha muito apego
e carinho aos seus pais. Ficou desesperado com a morte de Gustav, pois agora ele
nã o tinha mais seu auxilio. Gustav o levava para celebrar missas e oraçõ es, aulas
e reuniõ es, “Eli’’ nunca havia realizado nenhuma dessas açõ es sem o auxilio de
Gustav. Mas ele tinha que seguir com sua vida. E durante três anos ele rodou a
Inglaterra inteira tentando achar algum lugar para se estabelecer, alguma cidade
ou vilarejo.

Vale um adendo de que, Eliezer se tornou com o tempo alguém muito


respeitá vel no ramo, alguém em que outros padres poderiam confiar e acreditar.
Com o tempo ele se formou na escola, conseguiu um emprego, e foi subindo de
cargo, até se tornar um dos padres mais bem nomeados nas redondezas. Era um
grande realizador e ó timo sacerdote. Era extremamente dedicado ao seu trabalho
e propó sito, pois desde criança essa ideia era plantada em sua cabeça por seus
pais e reforçada por Gustav durante esses quinze anos.

Apó s trê s anos rodando pela naçã o em busca de um lar que lê servisse,
Eliezer finalmente achou um lugar que parecia adequado para si. Um vilarejo
localizado no interior, distante de grandes cidades e do urbanismo. Era um
vilarejo de fazendeiros, com grandes produtores de leite, queijo e milho. E era
o que sustentava a cidadezinha economicamente, já que a colheita nã o era tã o
boa. O clima no vilarejo era estranho, parecia sempre outono, os dias eram em
sua grande maioria nublados, poucos eram os raios de sol que iluminavam a
comunidade, era sempre frio, haviam fortes ventos e um cinza depressivo
tomava conta do céu.

A populaçã o era de cento e quarenta e sete pessoas, incluindo homens,


mulheres, crianças e idosos. todos fazendeiros e pessoas simples, pessoas

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humildes e pobres, nã o haviam muitas pessoas bem de vida naquele lugar, em
sua maioria trabalhadores, e nã o haviam pessoas de alta classe, todos
pertencentes a pobreza. O vilarejo era centralizado num grande campo,
cercado ao norte por uma enorme floresta verde e hú mida, e ao sul por um
có rrego cujo havia uma ponte de pedra, ligando a entrada da vila com uma
longa e extensa trilha que leva até a cidade mais pró xima. Em volta, ao
noroeste havia montanhas, três em especificas, era montanhas enormes
cobertas por vegetaçã o. Ao sudeste do campo havia um pequeno lago que era
ligado ao có rrego citado anteriormente, essa á gua tinha ligaçã o com outros rios
em outras cidades, muitos dos fazendeiros e mercadores usavam esse có rrego
como trajeto até outras cidades, ondem vendiam e trocavam por outras
mercadorias. Havia També m ao nordeste um grande milharal, onde era
plantado e colhido todo o milho produzido pelos fazendeiros.

No vilarejo havia uma igreja, essa igreja que servirá s de abrigo a Eliézer,
se localizava ao topo de um morro, o ú nico morro da vila, já que todo o resto do
local era extremamente plano, e a igreja ficava no lugar mais alto da comunidade,
onde todos pudessem ver, e realmente, a igreja cobria a visã o de todos, era uma
igreja nã o muito grande, porém era o lugar mais rico e bem cuidado da vila.
Tinha espaço para todos da vila, era feita com pedras e blocos, com detalhes
internos e externos de madeira, como a grande ponte, e toda estrutura do teto.
Nela possuía também um campaná rio e um enorme sino de ouro, tal sino era tã o
brilhante que era possível enxerga-lo do alto da montanha.

Fora a Igreja havia também um grande galpã o, feito de madeira forte e era
extremamente reforçado e prevenido de roubos. Lá era armazenado toda a
riqueza da cidade como por exemplo, todo leite e milho colhido, ferramentas e
objetos de trabalho e colheita como inchadas, pá s, foices, arados, ferraduras e
carroças. Fora sementes e grã os de outros tipos de plantio. O galpã o servia de
dispensa para a cidade, pois lá também guardavam toda a comida e estoque de
á gua em galõ es da cidade. Pois a igreja tinha uma restriçã o em relaçã o a
populaçã o da vila, uma restriçã o que controlava a quantidade de suprimentos
que cada família podia pegar. Essa restriçã o foi criada para evitar crises e quebras
em relaçã o ao rendimento do vilarejo.
O povo do vilarejo como descrito anteriormente era um povo simples, em
sua maioria fazendeiros e plantadores. Era um povoado unido e extremamente
religioso, nunca haviam de questionar as normas, regras e restriçõ es que a igreja
colocaras sobre eles. Muitas das casas eram simples, muitas eram feitas com
madeira cortada dos bosques e florestas nas redondezas, quem tinha melhor
condiçã o tinha a casa feita de argila, mas nada que se sobressaia, pois todas eram
extremamente humildes.

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16/01/1851

Nessa data em especifica, marcava o dia em que Eliézer chegaras ao


vilarejo. “Eli” chegou de carruagem, era um dia nublado e cinza como de
costume naquelas terras, “Eli” sentia um ar pesado enquanto chegava ao vilarejo.
Ao passar da ponte ao có rrego, era como se seu coraçã o tivesse apertado, como
se ele tivesse atravessado de um lugar comum a algum lugar maldito. Entrando
na cidade, todos estranhavam e encaravam sua chegada, olhavam fixamente para
dentro de sua carruagem. Todos paravam o que estava fazendo para encarar, as
mulheres ao redor olhavam curiosamente para dentro da carruagem, os homens
encaravam com um olhar sinistro, e as crianças corriam atrá s da carruagem, pois
para elas, uma carruagem era algo novo. Para o povo em si, alguém que chegaras
de carruagem, era alguém importante, alguém a se respeitar.

O cocheiro conduziu a carruagem até a igreja, onde lá esperava com um


sorriso grande e estranho um homem... um homem estranho, com expressõ es
faciais de uma pessoa contente e desconfiada. Esse homem era George
Theodopolis, mais conhecido como Monsenhor Theo pela populaçã o da vila.
George Theodopolis, era um homem branco e velho, com aproximadamente
sessenta e seis anos de idade, tinha cabelos curtos e brancos, olhos azuis com
expressõ es desconfiadas. Usava vestimentas padrõ es de padre, a batina era toda
preta, com colarinho branco, e tinha em sua cabeça um chapéu preto e esférico.
Carregava em seu pescoço com um cordão grosso, um crucifixo de ouro, era grande e
chamativo, tã o chamativo quanto o sino da igreja. George tinha unhas grandes,
usavam sapatos extremamente bem cuidados, tinha quase um metro e oitenta de
altura e era adorado pelo povo da vila.

Ao chegar na porta da igreja, Eliézer desceu da carruagem e pagou o cocheiro,


que em seguida dispensou sua bagagem para fora. Descia da carruagem um homem alto,
cabelos pretos, com olhos castanhos, vestimentas pretas de padre, branco com
grandes sobrancelhas, de lá bios pequenos e pálidos, nariz grande e pontudo, corpo
magro e um olhar de estranhamento, um olhar desconfortá vel, esse era Eliézer. “Eli’’
era um homem muito feio, com jeito e costumes estranhos, era muito alto, com quase
um metro e noventa e dois de altura. Não possuía barba, usava sapatos grandes e suas
vestes eram totalmente pretas. Tinhas mã os grandes, dedos longos e magros. Sua
estranheza e feiura eram tão grandes que causavam desconforto ao povo que
acompanhou sua chegada até a igreja. Mas fora esses detalhes, Eliézer tinha uma voz
muito bonita, era suave, alto e clara, era uma voz grossa e encantadora, era como se
sua voz soasse suave e poderosa ao mesmo tempo. E também era muito educado e
gentil, o que tornava dele uma pessoa amigá vel até certo ponto.

- Eliézer? Estava esperando sua chegada, estava contando os minutos. – disse


Theo, que tinha uma voz grossa e roca, e seu falar era calmo e suave. – Venha filho,
meu nome é George Theodopolis, sou o reverendo dessa cidadezinha. Elié zer se
aproximou de Theo e cruzou sua mã o pedindo bençã o. Theo respondeu sua
bençã o e em seguida lhe abraçou e lê deu um beijo na bochecha.

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– Seja bem-vindo filho, tenho certeza que ira se encaixar nessa vila, sua
chegada é um grande acréscimo a nossa comunidade. Venha, vamos entrar, vou
lhe servir uma boa comida e uma cama confortá vel para descansar, deve estar
exausto. – Disse George.
- É um prazer se juntar a vossa comunidade reverendo. Estou ansioso para
iniciar meu trabalho aqui. – Disse Eliézer de uma forma simpá tica e calma,
mesmo ele sabendo que acabou de mentir.
- Ó timo! – Respondeu Theo auto e Claro. – Amanha podemos...

- Seja bem-vindo meu jovem – Interrompeu Mary Curtis. Uma senhora


residente da vila. Que entrou no meio de Eliézer, apertando sua mã o. – Deus lê
abençoe padre, o senhor é um milagre enviado por deus. – Disse a Mary olhando
fixamente para “Eli” enquanto apertava sua mã o. Mary Curtis era uma senhora
de idade, viú va, conhecida por ser uma pessoa muito intrometida e rude, gostava
de tomar conta da vida das pessoas, gostava de bisbilhotar e pregar a palavra de
deus, pagava de religiosa, mas seu grande pecado era a inveja e mal olhado. Mary
tinha cabelos brancos, tinha setenta anos de idade, usava um vestido velho
branco com detalhes pretos e andava com sua cabeça coberta por um tecido preto.
Era meio corcunda, e andava torto. Mary era branca e tinha muitas verrugas na
cara, tinha dentes podres e o dom da persuasã o, com certeza o tipo de pessoa que
ninguém queira por perto, mas ela fazia questã o de cuidar da vida de todos, ela
agia como se fosse a dona do vilarejo.

- Muito obrigado, minha boa senhora, agradeço muito sua hospitalidade.


Deus lê abençoe. – Respondeu Eliézer enquanto abençoava a velha senhora.

- Senhora Curtis! – Disse Theo chamando a atençã o dela. – Reconhece


que seu ato nã o foi cordial? Me interrompia enquanto eu acolhia o jovem
Eliézer.

- Minhas sinceras desculpas, Monsenhor. Mas eu estava muito ansiosa


para conhecer o jovem Elié zer, nã o é todo dia que recebemos uma pessoa santa
em nossa comunidade fora vossa excelência. – Respondeu Mary cinicamente, que
em seguida se retirou, se curvando perante ambos os sacerdotes.

- Venha filho, vamos entrar. – Disse Theo indo em direçã o a igreja.

Theo pediu para que duas crianças que estavam ali fora, ajudassem Eliézer
a levar sua bagagem para dentro de seus aposentos, cujo ficava dentro da
igreja. E assim fizestes, apó s se acomodar em um quarto pequeno que ficava
dentro da igreja, cujo havia apenas uma cama, uma escrivaninha pequena e
baixa, uma janela e uma porta, “Eli” sentou-se a sala de refeiçõ es junto a Theo,
que lê serviu uma boa refeiçã o. Uma boa taça de vinho, Pã es, milho e algumas
frutas como: maçã s e uvas. Enquanto se alimentavam, Theo explicava a Eliézer
suas tarefas, o que ele iria fazer, quando começava, como funcionava, a politica
da cidade, o mercado, quanto ganharia pelos seus serviços, dentre outas coisas.
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Tal conversa durou horas, quatro para ser mais exato. Mas nada parecia
ser grande desafio para Eliézer, pois era acostumado a grandes tarefas e
trabalhos. A ú nica questã o era que... para cumprir todas as suas tarefas, “Eli”
precisaria se dedicar totalmente ao seu trabalho, isso significa que nã o haveria
tempo livre.

Em uma conversa mais intima, naquele mesmo dia, que já havia se tornado
noite, Elié zer começou a notar algumas coisas naquela sala e també m a notar
algumas coisas em George. Por exemplo: uma adaga bonita e chamativa que
estava em cima da mesa. Ela era muito bonita, aparentava ser afiada, tinha o cabo
meio curvado, e tinha estampado nela o desenho de três estrelas, duas
pequenas em cima e em baixo e uma grande ao centro. “Eli” també m notou
uma marca no pescoço de Theo, uma marca de corda.

- Senhor? Permita-me fazer uma pergunta mais intima? – Perguntou


Eliézer muito educado e curioso.

- Sim meu jovem. O que deseja saber? – Respondeu Theo.


- Essa marca em seu pescoço, o que aconteceu? Qual a razã o de ela
existir?
– Perguntou Eliézer.

Theo olhou para baixo com uma expressã o meio sem graça e triste. Ao
tocar no assunto, Theo se sentiu emocionado e logo desabafou.

- Essa marca foi a razã o deu estar aqui hoje! Quando eu era criança, eu
ajudava minha mã e a sustentar a nossa casa. Eu venho de uma família simples
e humilde, mas nunca passei fome, porém, desde cedo eu trabalhei. Quando eu
tinha nove anos... eu trabalhava limpando um campaná rio e o sino de uma
igreja, era um campaná rio bem maior do que a dessa daqui. Eu estava
cumprindo meu trabalho como num dia qualquer, eu tinha acabado de enseirar o
chã o e fui limpar o sino. Eu nã o sei o que aconteceu, eu perdi o equilíbrio, e
escorreguei. Cai em cima das cordas do sino, que se enrolaram no meu
pescoço, e eu fiquei pendurado lá. As cordas me sufocavam, me enforcavam. Eu
sei que parece mentira, mas... eu fiquei pendurado lá pelo pescoço por uns dois
minutos, agonizando, perdendo o ar, sem poder sair e sem poder gritar por
ajuda. Era pra eu ter morrido ali, eu tinha que ter morrido. Eram dois minutos,
mas pareciam horas, nã o é possível alguém aguentar tanto tempo sem
respirar. Mas eu aguentei, nã o sei como, mas aguentei. Até que as cordas de
repente se soltaram e eu cai. Nã o quebrei nenhum osso ou membro, nã o
houveram marcas ou cicatrizes fora essa no meu pescoço. O que aconteceu foi um
milagre de deus, e eu reconheci isso. Entã o desde aquele dia eu abri meu olho, fiz
uma promessa a deus. Ele salvou minha vida, fui testemunha de um milagre, e
desde aquele dia eu vim a estudar para servir a deus, como uma forma de
retribuiçã o eu vim a mostrar as pessoas o caminho, o caminho certo, o caminho
de deus. E aqui estou hoje, salvo

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por deus, agradecendo pela minha vida, dia apó s dia, e esse é o maior presente
que já ganhei em toda minha existência.

Eliézer ficou chocado com a histó ria de Theo, por um momento achou
que fosse mentira, mas ele a contava com tanta sinceridade e emoçã o que logo
esse achismo se foi. Apó s isso, ambos ficaram em silencio por alguns minutos,
Theo chorando de emoçã o e Eliézer pensando sobre tal ocorrido.
- O que aconteceu, realmente foi um milagre. Deus lê deu uma nova
chance e o senhor soube aproveitar, eu o respeito muito por isso. – Disse
Eliézer educadamente.
Theo nã o disse absolutamente nada, apenas sorriu e acenou que sim com
a cabeça.

- Notei que está de olho naquela adaga. - Disse Theo tentando mudar de
assunto.

- Sim senhor, achei ela muito bonita. – Respondeu Eliézer sem jeito.

- Fiquei com ela. Encontrei ela hoje de manha no pá tio. – Respondeu


Theo pegando a adaga e entregando a Eliézer. Que em seguida a pegou e
questionou!

- Vai permitir que eu possua isso?

- Claro, nã o vejo porque nã o. Sei que nã o fara nada com ela. – Respondeu
Theo.

- Obrigado. – Respondeu Eliézer guardando a adaga em seu bolso.

Theo e Eliézer continuaram a conversar durante o decorrer da noite, e ao


fim da conversa, Theo deu a “Eli” uma chave có pia do galpã o. Pois agora ambos
tinham o controle dele, apesar de “Eli” nã o concordar com as restriçõ es impostas
por Theo. Apó s a conversa, Eliézer se retirou da mesa e rezou com Theo ao
altar da igreja, agradeceu a comida e a hospitalidade, e em seguida foi ao seu
quarto descansar. Pois no dia seguinte seus serviços iriam começar.

Cerca de dois meses e alguns dias se passaram desde que Eliezer chegou
ao vilarejo. E esse tempo foi de uma certa forma meios que “cinzas”, de uma certa
forma desgostosos, pois “Eli” nã o fez nada além de seu trabalho. Ele rezava
missas e oraçõ es juntamente ao povo da pequena vila, ele cuidava e limpava da
igreja, aprendia com o reverendo a cuidar da economia e produçã o, a manuseá -
la e a manipula-la. Foram dias cinzas e cheios de rotina, Eliézer se sentia numa
bolha, num mar de depressã o, era como se suas obrigaçõ es e deveres o
dominasse. Ele se sentia só , se sentia pra baixo, sentia como se tudo e todos
estivessem contra ele, como se suas obrigaçõ es e deveres com deus fosse mais
importante do que tudo. Do que seu bem estar, do que seu psicoló gico e
sanidade. Sentia-se rejeitado pela vida e pelas pessoas daquele vilarejo. Pois
por incrível que pareça “Eli” nã o saiu da igreja desde o momento em que pisou
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nela.

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Nã o saiu de dentro daquelas paredes a nã o ser para o pá tio que as rodeavam.
Sim, ele ficou focado e dedicado ao seu trabalho durante semanas, dois meses e
alguns dias para ser mais direto.

Tudo era tã o entediante e sombrio, era repetitivo e sufocante. Por, mas que
fosse pouco tempo, “Eli” se sentia sufocado e esgotado, foram dois meses e
alguns dias, mas parecia como uma imensa eternidade. A rotina o cansava e o
estressava, parecia que sua vida estava ligada ao automá tico, parecia que por
mais que ele tentasse fazer de seus dias o melhor possível, o tedio e angustia
saiam ganhando e tornavam seus dias repetitivos e depressivos.

Em uma tarde comum, num dia como qualquer outro, “Eli” estava
realizando confissõ es ao povo do vilarejo, era tarde, pró ximo ao pô r do sol,
quando Eliézer estava realizando o que seria sua ú ltima confissã o, quando
surge alguém. Alguém com uma voz suave e calma, fina e feminina, doce e
encantadora, uma voz estranha para “Eli”, pois já havia confessado com todos
os habitantes dezenas de vezes nesse curto tempo que ficaras no vilarejo, mas
essa voz lê suava estranha, essa voz lê parecia má gica.

- Olá , desculpa chegar numa hora dessas, mas eu preciso confessar. – Disse
a doce voz.

- Desculpa, acabei de realizar a ú ltima confissã o do dia. Pretendo


finalizar o dia com ela, mas pode voltar amanhã de manhã , estou aqui a
disposiçã o todos os dias de manhã e ao final das tardes. – Respondeu Eliezer,
com o seu tom de voz grosso e sensato.
- Peço perdã o padre por incomoda-lo a essa hora, e por nã o ter vindo
aqui antes para lê desejar boas-vindas a nossa cidade, mas esse é o ú nico
horá rio que eu consigo lê visitar, e também o ú nico dia desde entã o que me vi a
disposiçã o. Por favor padre, eu quero confessar. – Implorou a suave voz.
- Tudo bem, podemos confessar. Mas da pró xima vez tente chegar ao
horá rio em que eu posso atender. – Respondeu Elié zer friamente.

- Obrigado padre! – Agradeceu a linda voz. – Bom... eu nã o sei por onde


começar, mas... eu sou uma impura, nã o me orgulho disso, mas isso é o que traz
o meu alimento. É o que me sustenta. Sou mal vista e falada por todas as
pessoas dessa vila, mas eu nã o me importo. Eu sei que vou contra a vontade e
os mandamentos de deus, mas eu sou feliz, e vivo minha vida dessa forma
injusta, mas eu estou feliz, e isso é o que importa pra mim. Eu sou rejeitada
pela minha família, eles me odeiam, meu pai me despreza, minha mã e tem
vergonha de mim, meu irmã o age como se eu fosse um monstro. Eu sei que o
que eu faço, pecar contra a castidade por dinheiro e comida, nã o é o certo. Mas
o meu coraçã o nã o diz o mesmo. Mesmo sendo contra as leis de deus, eu me
sinto bem fazendo o que faço, é errado e pecador, mas eu me sinto bem com
isso. Nã o que isso me faça bem, mas também nã o me incomoda, nã o me
atrapalha. Eu sou livre, eu vivo
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bem com meus espíritos. Eu sinto muito por viver desse jeito, mas se ser livre
tende a ter um custo, e o custo é esse, eu nã o me arrependo, entã o... minha
confissã o nã o é pelo que eu faço, mas sim por ir contra as leis de deus. –
Confessou a garota.
E durante um minuto tudo ficou em silencio quando ela questionou! – O
senhor nã o vai dizer nada padre?

- O que eu posso dizer? Você nã o está pecando por ser feliz. Nã o há


arrependimentos, nã o foi uma confissã o, foi um desabafo. Eu sinceramente nã o
sei o que dizer. – Respondeu Eliezer sem reaçõ es, apenas com seu tom de voz
suave e calmo.

- Eu sempre confesso isso aos padres, e quando digo isso, ou sou julgada
ou expulsa. O que você disse agora, nunca ningué m me disse antes. Obrigada
padre, por ser a primeira pessoa a nã o me julgar por quem eu sou. – Disse a garota
emocionada, chorando e surpresa com a resposta.

- Por favor me chame de Elié zer.

- Tudo bem, se assim deseja. Obrigado Elié zer por ter sido humano
comigo.

Eliézer comovido com a garota, resolveu virar-se para ver o seu rosto. E
quando ele fez isso, ele olhou diretamente nos olhos dela. E aquele momento
foi algo magico, foi algo lindo, estranho e inexplicá vel ao mesmo tempo. Ao
virar-se para olhar para ela, “Eli” ficou sem reaçã o, os olhos daquela garota
haviam muitas expressõ es, mais até do que suas palavras e reaçõ es. Era como
se Eliézer pudesse saber tudo sobre ela, a partir do momento em que viu
aquele olhar. A luz do sol batia nas vidraças da igreja, na qual iluminavam e
destacavam o rosto da linda moça, a luz ia violentamente em seu olhar, dando
mais vida a ele, e os seus cabelos longos e loiros pareciam brilhar, como raios
solares ao nascer de um dia. Aquele olhar foi algo inexplicá vel, Eliézer ao
encarar a bela moça, ficou sem reaçõ es, suas expressõ es faciais mudaram, de
tensa para encantada.

A moça como descrita anteriormente, possuía cabelos longos e loiros,


tinha olhos grandes e azuis, tinha uma pele branca e fria, nã o era muito alta, nã o
possuía calçados, usava em seu corpo um vestido branco, degastado e sujo.
Apesar das má s vestes a moça ainda conseguia ser muito encantadora com seu
rosto perfeito, e ainda por cima tinha uma voz linda e um jeito meigo e gentil. Ela
era o retrato perfeito de um anjo.
- Qual o seu nome? – Perguntou Eliézer.

- Eu me chamo Kira. – Respondeu a garota.

- Foi um prazer te conhecer Kira.

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- O prazer foi meu. Eu sinto muito em ter lê tomado tempo, eu tenho que
ir agora, eu tenho coisas a fazer.

- Você nã o precisa se nã o quiser, eu posso ficar mais. – Disse Eliézer


ainda encantado com a garota.

- Eu gostaria, mas eu tenho que ir. Obrigado de verdade, deus lê abençoe.


– disse Kira indo embora. - Eu te vejo por aí, tenha um boa noite.

- Boa Noite. - Respondeu Eliézer se despedindo da garota.

Apó s a garota sair, Eliézer saiu do confessioná rio e fechou a igreja e em


seguida foi descansar, pois havia sido um dia extremamente cansativo. Mas ao
dormir, Eliézer se sentia impedido, algo o incomodava. Ao fechar os olhos,
fleches vinham em sua cabeça, cenas, memó rias, quando “Eli” fechava seus
olhos, vinha em sua mente aquela cena, daquele olhar, ele via Kira e seu olhar
expressivo. Aquele olhar o atordoava, aquela imagem nã o saia de sua cabeça. E
ao pensar nisso, ao pensar sobre aquele olhar, “Eli” sentia pena da garota, e ao
mesmo tempo ele sentia algo muito mais profundo, algo mais forte, algo
inexplicá vel, era como se seu pensamento estivesse conectado ao seu corpo, pois
ele sentia um calor, um aperto no peito, uma vontade duvidosa. Tal sentimento
o preocupava, o sufocava. Maldito seja esse olhar que me apavora, e ao mesmo
tempo, abençoado seja por ser tã o lindo e puro. Mas de tanto cansaço “Eli”
acabou dormindo, nã o que tenha sido rá pido, levaram-se horas até que ele
conseguisse pegar no sono. E mesmo assim, ao dormir aquele olhar ainda o
dominava, o encantava e o atormentava, em sua cabeça ele tinha que vê-la de
novo, ele precisava conhecer mais dela.

Apó s um grande descanso, no dia seguinte logo cedo ele acordou.


Limpou a igreja, preparou os documentos e papeladas dos comé rcios
exteriores para Theo, pois ele estava fora e ficará s durante dias, pois estava
resolvendo negó cios comercias com as cidades vizinhas. O que significa que o
vilarejo e o poder estavam nas mã os de “Eli’’. Ele decidiu nã o abrir a igreja
naquele dia, como estava no poder, resolveu dar um tempo a si mesmo, já que
havia trabalhado durante meses, dia apó s dia sem parar. O dia foi passando e
ele ainda pensava em Kira, em como ela havia mexido com seu pensamento,
em como um par de olhos poderiam ser tã o encantadores e como eles
poderiam expressar mais sentimentos do que uma fala. Os seus olhos, o seu
cabelo brilhante e seu lá bio extremamente vermelho encantaram Eliézer ao
ponto de nã o sentir mais forças para trabalhar. Era como se ela houvesse
dominado seus pensamentos, e colocado em seu peito um sentimento
estranho, no qual ele nunca sentiu antes. Isso o assustava e ao mesmo tempo o
agradava, pois esse sentimento apesar de estranho era bom, ele gostava, era
algo novo e diferente.

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Durante a tarde, “Eli” decidiu sair da igreja e tomar um ar fresco no
pá tio. O pá tio da igreja era um lugar bonito, mais até do que a pró pria igreja. O
chã o, no centro era um mosaico de pedras, era um grande círculo de pedras. E
o resto do pá tio era um chã o gramado, com uma espécie de grama mais fina e
macia. Localizado ao centro do mosaico, havia uma fonte de á gua, muito linda e
detalhada. Era esférica e ficava a um metro do cã o, era feita de pedra escura, e
tinha no centro dela uma estatua de um anjo, uma enorme estátua feita de
argila, que possuía mais de um metro de altura. Havia também no pá tio, uma
arvore grande e extensa, cujo fazia uma grande sombra e que ocupava grande
espaço do lugar, era uma arvore linda com folhas verdes. O chã o estava coberto
das folhas caídas daquela arvore, e abaixo dela havia um banco de pedra, na
qual Elié zer estava sentado.

Ele ficou sentado lá pensando, e observando o lindo pá tio durante horas.


E eis que quando o final da tarde se aproximava, ele escutou.

- Olá .

Na hora Eliézer reconheceu a voz, a doce e suave voz, era Kira. Entã o
rapidamente ele se levantou e aproximou-se dela.

- Olá , nã o esperava vela hoje. Você está bem? – Perguntou “Eli” com um
tom de voz calmo, e se demonstrando surpreso ao revê-la, pois isso era tudo o
que ele queria.
- Eu estou bem. Eu vi as portas da igreja fechadas, achei que nã o
estivesse aqui, por isso vim aqui, para ter certeza. – Respondeu Kira de uma
forma tímida.

- Tudo bem, eu fico feliz em te ver. Venha aqui, vamos nos sentar. – Disse
Eliézer indo em direçã o ao banco.

E apesar de ele ter ficado feliz com a visita de Kira, ele nã o sabia
exatamente o que dizer ou o que conversar. E o mesmo pode se dizer dela. E
durante mais de um minuto eles ficaram em silencio, olhando um para o outro
disfarçadamente. Até que ela disse.

- Este lugar é lindo.


- É mesmo. É o meu lugar favorito aqui. Deus me perdoe, mas ficar
dentro da igreja já está me causando enjoo. – Respondeu “Eli”.

Kira deu uma pequena risada e em seguida respondeu. – Parece que


você nã o tem saído muito, quando foi a ultima vez em que você saiu?
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- Bom... tirando o pá tio e o grande galpã o, a ultima vez em que eu sai foi
quando cheguei.

- Você tá brincando comigo? – questionou Kira espantada com a resposta.

- Nã o, nã o estou. – Respondeu Elié zer olhando para baixo fazendo uma


cara sem graça.

- Nossa! Talvez seja por isso que eu nunca te vi antes. Que triste. – Disse
Kira apó s notar o quã o sem graça ele ficou. Que em seguida tentou mudar de
assunto. – Nã o abriu a igreja hoje, por que?
- Eu tenho trabalhado muito aqui, ainda mais quando o George está por
fora, eu tenho cuidado da igreja e de tudo mais. Eu estou muito cansado, decidi
tirar um dia pra colocar a cabeça no lugar. – Respondeu “Eli” ainda um pouco
sem graça, só que um tom de voz mais alto e claro.

- O velhote nã o está aqui? – Perguntou Kira sorridente e surpresa.

Eliézer estranhou o modo em que ela se referiu a George, pois ele nã o


estava acostumado com esse tipo de “gíria”, “Eli” era uma pessoa muito correta
e educada, entã o o estranhamento foi perceptível. E Kira notou a cara de surpreso
que Eliézer fez ao ouvir sua pergunta, e logo ela tentou disfarçar. – Perdã o eu nã o
deveria ter falado desse jeito.

- Tudo bem – Respondeu “Eli” dando uma risada de canto de boca. – Ele
nã o está , ele volta daqui alguns dias. Por isso nã o abri, decidi aproveitar que
ele está fora e tirar um tempo pra mim.
- Claro. Mas eu peço perdã o pelo meu vocabulá rio na sua presença quando
me referi a ele. É que... ele me odeia. Ele nã o me deixa entrar na igreja, por isso
eu procurei você , pra ver se você seria diferente.
- Ele nã o te deixa entrar na igreja? – Questionou Eliézer fazendo uma
cara espantada.

- Ele me proibiu na verdade e ainda por cima ele e aquela velha, a


senhora Curtis, espalham coisas horríveis sobre mim, ele diz... Eu nã o quero
falar sobre isso, por favor. – Disse Kira olhando para baixo e com um tom de
voz sem graça.

- Tudo bem, podemos conversar sobre outra coisa. Não tem problema. –
Disse Eliézer tentando mudar o animo dela.

Em seguida “Eli” se levantou e pediu para que Kira o acompanhasse


enquanto ele caminhava pelo pá tio, e ela aceitou, e enquanto eles andavam
pelo pá tio eles conversavam sobre si.
- Por que você veio aqui? Por que está nesse lugar, pelo que dizem você
veio de Londres, nã o é? – Perguntou Kira

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- Eu nã o sei, esse lugar me pareceu o certo. E depois que meu mentor
morreu, eu nã o conseguia mais ficar em Londres. Ele foi um grande pai pra
mim.
– Respondeu “Eli”

- Seus pais estã o vivos? De onde eles sã o?

- Nã o, eles estã o mortos. Minha mã e morreu recentemente e o meu pai


morreu já faz dez anos. Meu irmã o eu nã o o vejo faz anos e eu nã o tenho parentes
pró ximos, entã o eu estou sozinho nessa.
- Eu sinto muito, eu nã o sabia. Meus pê sames. – Lamentou Kira.

- Tudo bem, eu sei que nã o foi sua intençã o. – Respondeu Eliézer. – Mas
e você ? Você veio de onde? E por que está aqui? – Perguntou “Eli”

- Bem... eu nã o sei o por que deu estar aqui, eu acho que foi o melhor que
consegui. Não é o melhor lugar do mundo ou o mais acolhedor, mas aqui é o
lugar onde eu consigo mais trabalho. Se é que me entende?...
- Entendo! – Interrompeu “Eli”.

- Entã o... essa é a razã o deu ainda estar aqui nesse lugar. Acredite, assim
que eu puder eu vou embora daqui. As pessoas aqui sã o boas, porem sã o
ignorantes e falsas. Eu acredito que o mundo tem mais a me oferecer do que
esse lugar. Eu tenho que viver e aproveitar ao má ximo o possível dessa vida...

- Dessa vida? – Questionou “Eli”

- Sim, quer dizer. Apó s essa vida, vira uma outra, nã o é? Você nã o acredita
nisso?
- Encarnaçã o? Eu nã o sei, as vezes eu acho que nã o estou vivendo essa
vida corretamente, as vezes acho que... eu nã o sei. Faz sentido, mas meus
ensinamentos nã o condizem com isso.
- À s vezes a vida, é muito mais do que a gente acha, assim como deus.
Talvez ele nã o nos tenha dado essa informaçã o, porque sabia que íamos usar
de outras vidas para corrigir os erros que cometemos nessa. Entende?
Errarmos nessa sem remorsos para termos uma segunda chance, onde íamos
poder nos redimir. No fundo eu acredito que vamos viver de novo, e sermos
exatamente como somos agora, só que em tempos diferentes.
- Acho muito interessante esse seu ponto de vista. Eu nunca tinha
ouvido algo assim antes. Você é diferente das outras pessoas. – Disse Eliézer
impressionado com tudo que acabaras de ouvir.

- Você també m. Eu nunca vi algué m como você. Ainda mais na sua


posição. Eu nunca achei que ouviria o que ouvi, vindo de alguém como você. –
Disse Kira que parou, e sorriu para “Eli”.

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Ele ficou sem graça com a situaçã o, pois nã o sabia se sorria de volta, ou
se voltava a falar imediatamente. Tal acontecimento foi constrangedor para ele,
mas de uma certa forma, també m foi bom. Pois ele ficou encantado com a
beleza do sorriso de Kira. E o sentimento que o incomodava no peito, atacou
dessa vez de novo só que mais forte. Apó s ficar parado ali na frente dela, sem
ter o que fazer, “Eli” tomou atitude e continuou andando, e Kira o seguiu.
- Você disse que nunca saiu daqui? – Perguntou Kira.

- Nã o. – Respondeu Elié zer de uma de uma forma seca e direta.

- Amanha eu vou te levar pra um lugar legal. O meu lugar favorito desse
vilarejo. Você vira? – Perguntou Kira.

- Eu nã o sei, eu tenho coisas a fazer. – disse “Eli” nervoso com a situaçã o.

Kira entã o o olhou de um jeito em que ele se sentiu culpado por recusar.
Ele no fundo queria ir, mas nã o sabia como aceitar, e també m temia o que a
proximidade com Kira poderia se tornar. Mas mesmo assim, ele cedeu e disse.
– Tudo bem, eu vou. – Kira entã o se empolgou e alegrou-se e lançou um grande
sorriso em seu resto.

- Sério? Nossa! Que legal, entã o amanhã as quatro horas da tarde eu estarei
esperando aqui para te acompanhar. – disse Kira totalmente feliz.

- Combinado. – Respondeu Eliézer.

- Entã o... te vejo amanhã . – Disse Kira se despedindo de Eliézer.

- Te vejo amanhã . – Afirmou “Eli”.


- Você nã o vai se arrepender, você vai adorar lá .
- Eu tenho certeza. – Afirmou Eliézer mais uma vez.

Em seguida Kira sorriu novamente, se aproximou e deu um beijo na


bochecha de “Eli”. Que ficou sem reaçã o apó s o ato, pois em hipó tese alguma
ele esperava isso. Entã o Kira fez o sinal de tchau com a mã o e logo em seguida
foi embora.

A noite não foi diferente da anterior, Kira continuava tomando conta dos
pensamentos de “Eli”, e isso o perturbava, nã o de uma forma totalmente
negativa, pois Elié zer começou a perceber o que estava acontecendo. A fixa
finalmente caiu, ele sabia que estava começando a se apaixonar por Kira, e ao
mesmo tempo que ele adorava isso, ele se preocupava, pois ele é um padre, um
padre muito respeitado, e caso as pessoas começassem a notar, isso estragaria sua
reputaçã o. Ele vivia nesse momento um grande conflito interno, ou ele deixava
Kira de lado e seguia com sua vida, deveres e obrigaçõ es., ou ele abandonava
tudo pelo qual lutou desde criança para viver a vida com uma mulher impura e
má aceita pela sociedade. E esse questionamento estava o deixando louco!

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No dia seguinte ao acordar tudo parecia mais calmo. Era como se a noite
de sono houvesse feito bem a “Eli”. Sua cabeça nã o pirava com seus conflitos
pessoais, ele estava mais neutro, porem ainda confuso em relaçã o a tudo. E sua
decisã o foi de deixarem as coisas acontecerem, para que ele possa o escolher qual
rumo tomar. Ele parecia melhor apó s aquela noite confusa e atormentadora. E ao
acordar e abrir a janela ele notou algo diferente. O dia parecia mais alegre, os
pá ssaros cantavam alto e alegremente, e pela primeira vez desde de que
chegou, ele viu o sol iluminar aquela cidade. Os raios de sol refletiam sobre as
arvores, as gramas do pátio brilhavam de verde, o calor se revelou e tomou
conta do clima daquele vilarejo. E o clima depressivo foi-se embora. Era algo
extremamente surpreendente, pois durante todo esse tempo em que ele ficaras
na vila, o sol nunca veio a se mostrar, tudo o que tinha era um imenso céu
cinza, e nesse dia ele estava completamente azul, estava cheio de vida, como
num dia quente de verã o.

O dia estava indo bem, “Eli” parecia extremamente ansioso para o


encontro, o dia havia amanhecido melhor, parecia que tudo estava ao seu favor.
Mas “Eli” queria impressionar Kira, sentia a necessidade de agrada-la. Entã o se
arrumou, tomou um bom banho, penteou o cabelo, e preparou para Kira uma
linda cesta de frutas, uma grande e linda cesta de frutas. Estava detalhada com
flores em volta, rosas brancas e vermelhas, na qual ele havia colhido durante a
manhã .

Pontualmente estava lá as quatro horas na porta da igreja, Kira. Que


aguardava por Eliézer sorridente e atraente. – Olá – disse ela. – Olá –
Respondeu ele. E apenas com essas saudaçõ es ambos seguiram caminho para o
lago, obviamente fora da cidade, pois nã o podiam ser vistos juntos.

O lugar no qual foram, era realmente lindo, assim como havia dito Kira.
O lago era extenso e longo, a água refletia a luz dos raios de sol, que deixava
uma vista inexplicavelmente linda. A beira do lago haviam pedras, pedras
brancas e lisas, as pedras eram tã o lindas que nã o pareciam reais. E pró ximo ao
lago havia uma grande figueira, uma figueira enorme de folhas miú das, folhas
essas que caiam sobre o chã o, assim como neve no inverno. Era uma parte do
céu na terra. O lugar estava vazio, nã o havia ninguém por perto, era o lugar
exato para ambos ficarem.

Chegando lá , Eliézer estendeu no chão ao pé da figueira um pano grande,


como se ele estivesse preparando um piquenique. Sentou-se ao pé da arvore e
observou Kira, que estava nadando no lago. Ele observava tudo, nã o apenas o
seu corpo, mas como também seus movimentos, o seu cabelo quando molhava,
o sorriso em seu rosto, o quã o bem ela sabia nadar. Observando-a ele sentia mais
atraçã o, nã o apenas atraçã o sexual, mas também desenvolvia um sentimento
mais forte. Sentimentos no qual ele nã o conhecia antes. Ver o vestido branco
colado em seu corpo, por consequê ncia do contato com a á gua, por exemplo, lê

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despertou a curiosidade de saber, como seria se ele a tocasse, como era a
temperatura de seu corpo, se era frio ou se tinha a pele quente. Sentia atraçã o ao
ver seus braços e pernas molhadas. Ele estava totalmente vidrado nela, ele estava
apaixonado, e tudo era muito estranho, pois era a primeira vez que se sentia
apaixonado e tudo foi muito rá pido e de repente.

Quando Kira saiu da á gua, sentou-se ao lado de Elié zer, que em seguida
lê ofereceu a cesta de frutas. Kira ficou feliz com o presente e o aproveitou ao
má ximo, pois estava faminta e já nã o comia faziam dias. Kira entã o pegou uma
ameixa e a comeu, enquanto ela saboreava a fruta, Eliézer pegou da cesta uma
rosa branca, e a colocou sobre a orelha de Kira, e em seguida ele a acariciou no
mesmo lugar, tocando em rosto, passando seus dedos sobre sua cabeça até seu
queixo.

Eliézer estranhou sua pró pria atitude, passou a mã o sobre o rosto dela,
mas nã o era algo que costumava a fazer. “o que estou fazendo?” pensou ele “por
que fiz isso?”. Seu ato foi remoto, como se sua mã o tivesse criado vida pró pria e
voado em direçã o ao rosto dela, acariciando-a sem pensar. Sentiu sua pele fria e
macia e se arrepiou, nunca havia tocado um rosto tã o lindo e suave. Mas seu
estranhamento fez com que retirasse sua mã o rapidamente e se sentisse
constrangido.

Kira retribuiu o carinho com um tímido sorriso de canto de boca, mas


nã o era um sorriso falso, era verdadeiro, ela estava gostando, pois era a
primeira vez em que um homem lê tocava durante anos com carinho, sem má s
intençõ es. E isso fez com que ele parasse de se sentir constrangido e se sentisse
confortá vel em toca-la, a retribuiu com outro sorriso, um grande sorriso, que
expressava mais sentimentos do que qualquer palavra que saísse de sua boca. O
sorriso de “Eli” comoveu Kira, tanto que ela o questionou. – Eu nunca te vi
sorrir antes! – disse Kira com um tom mais alegre e surpresa com tal reaçã o.
“Eli’’ entã o desmanchou o sorriso e continuou olhando para Kira. – Eu quero te
ver sorrindo sempre. – disse Kira passando sua mã o no rosto dele. – Eu quero te
ver sempre! – completou ela, dizendo isso num tom afirmativo.

- E você irá ! Sempre! – Respondeu ele sorrindo novamente.

Kira já havia terminado de se alimentar, agradeceu a ele sorrindo e se


aproximando, ficando ao seu lado, colocando sua cabeça sobre o ombro dele,
pegando em sua mão e a agarrando forte. – Você é o homem mais gentil que
conheci em toda minha vida. Obrigado por tudo. – Agradeceu ela
carinhosamente.

- Algué m especial deve ser tratada como tal. – Respondeu ele


demonstrando grande afeto.

- Me fale mais de você . – Disse ela.

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- O que gostaria de saber?

- Eu nã o sei... o que gosta de fazer quando pode? Eu nã o sei, só me fale


mais.

- Hum... – Murmurou Eliézer pensativo olhando para cima. – Eu gosto de


ir teatro, em Londres tinha um, eu ia toda semana com meu mentor Gustav, ele
adorava musicais. – Respondeu Elié zer sorrindo de suas memó rias.

- Sé rio? – Questionou Kira Surpresa.

- Sim. – Respondeu “Eli” de forma direta.

- Olha só , nã o esperava isso de você. Algumas pessoas sã o menos do que


aparentam ser e outras sã o mais do que realmente sã o. Pensei que fosse alguém
sem cultura. – Disse Kira em tom cô mico.
- Eu tenho cultura. E muita. – respondeu Eliézer rindo.

- Desculpa “senhor”. – Debochou Kira. E ambos riram. – Gustav, seu


mentor. Como ele era? Você s eram bem pró ximos pelo que vejo.
- Ele era um grande Homem, com gosto peculiar a Arte, muito sá bio e
amigá vel. Quando meus pais morreram ele esteve ao meu lado para me
consolar, apesar deu nã o ter sido pró ximo a eles. E quando ele morreu eu
fiquei sem ninguém. – Lamentou “Eli” emocionado.

- Meus sentimentos, nã o sabia disso. – Respondeu Kira.

- Tudo bem, pelo menos tenho ó timas lembranças dele. Do meu irmã o
també m.

- Ele morreu também? – Perguntou Kira assustada.


- Nã o! – Respondeu “Eli” com um sorriso. – Meu irmã o está bem até onde
sei. Ele sempre foi o queridinho da minha mã e, ele é um homem corajoso e
valente, ele sempre foi muito querido por todos, ele é mais novo, bonito e
amigá vel. Ele tinha sérios problemas com meu pai, brigavam muito. Minha mã e
o defendia, e eu ficava entre eles, mais no fundo torcendo por ele. Ele foi embora,
meses antes da mã e morrer, acredito que nunca saberá , ele na verdade fugiu. As
pessoas descobriram coisas sobre ele... bem ele tinha gostos diferentes para
companhia e nã o acreditava em deus.
- Nossa! – Disse Kira espantada.

- Mas apesar de tudo é uma ó tima pessoa, nã o convivi muito com ele,
mas o adoro. Sinto que nunca mais o verei. Tudo que sei é que ele fugiu com um
circo.

- Nunca perca as esperanças. Você vai encontra-lo novamente.

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- Mas e você? O que gosta de fazer? – Perguntou Elié zer fugindo do
assunto.

- Bem... quando eu era criança gostava de ir ao mar durante a noite. Me


deitar na areia, observar as estrelas, as nuvens se movimentarem, fechar os olhos
e ouvir o som da onda do mar. Imaginar os lugares mais lindos. – disse Kira
aparentemente encantada.
- Eu nunca fui ao mar.

- Podemos ir um dia, claro se você quiser. – Disse Kira empolgada com a


ideia, que se virou para colocando sua mã o na perna dele, pró ximo a virilha. O
que causou estranhamento imediato em Eliézer. Kira ao notar, retirou sua mã o e
baixou a cabeça, e ao pensar algo para mudar de assunto, ela perguntou.
- Por que você se tornou um padre? – perguntou Kira curiosa,
levantando uma sobrancelha fazendo uma expressã o de desentendida.

- Eu só ... eu apenas estou cumprindo com o que me foi destinado, pelos


meus pais – Respondeu “Eli” em um tom afirmativo e confuso.

- Como assim? – Questionou Kira.

- Meus pais queriam desde criança que eu fosse um sacerdote. Uma vez
minha mã e disse que se eu nascesse mulher eu seria uma freira, e como eu nasci
homem... vim a me tornar um padre. Eles escolheram isso para mim, eu apenas
cumpri o desejo deles. – Respondeu “Eli” em um tom triste.

- Quer dizer que você nunca quis ser padre? – Perguntou Kira.

- Nã o! – Afirmou ele. – Tudo o que eu nã o queria era me tornar o que sou.


Eu nunca quis isso.

- Meu deus! – Disse Kira espantada, que em seguida segurou na mã o de


Eliézer e olhou em seus olhos dizendo. – Eles nã o estã o mais aqui. Você nã o
está preso nessas correntes, você está livre. Você pode sair, fugir, encontrar um
novo lugar, ir para longe, você pode desaparecer, ningué m vai te impedir
agora, eles estã o mortos agora, e seu mentor também. Você está livre! – Disse
Kira calmamente olhando em seus olhos atingindo o seu olhar mais profundo e
sincero.

Eliézer por um segundo gostou da ideia, por um curto segundo ele


montou em sua cabeça cenas disso, sobre encontrar um lugar novo, fugir e
recomeçar, e isso o empolgou. Mas foi como se no segundo seguinte tudo isso
caísse a realidade, como se a verdade e a realidade tivessem dado tapa em seu
rosto, e no segundo seguinte aquilo lê parecia uma grande loucura. E foi
quando ele se levantou e disse em um tom arrogante e questioná vel. – O que está
tentando fazer? Me afastar de deus? Você nã o me conhece, e eu nã o conheço
você. O que quer de mim?

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O tom arrogante e grosso de Eliézer assustou Kira, tanto que era
possível notar em seu rosto. Ela nã o esperava tal reaçã o, e isso a assustou, ela o
viu sendo agressivo e descontrolado pela primeira vez.

Eliézer viu o quã o exagerado ele foi, ao ver o rosto de assustada de Kira.
Foi entã o que ele percebeu sua arrogâ ncia e isso o deixou sem graça. Ele sentia
que precisava se desculpar, mas nã o sabia como, ele mesmo estranhou sua
reaçã o, já que ele tinha costume de ser uma pessoa calma e razoá vel. Foi como
se por um minuto a raiva tivesse tomado conta do seu coraçã o. Ele olhou
profundamente nos olhos de Kira e viu aquele olhar alegre e puro dela se
converter em um olhar de assustada. Isso fez com que ele se sentisse um monstro.
Sem saber o que fazer, deu as costas a Kira, retirou seus sapatos e meias e
entrou no lago, onde a á gua batia em sua canela.

- Me desculpa... eu perdi a razã o. Eu sei que você só estava tentando


ajudar. Perdã o. – disse Eliézer olhando para baixo, tentando se desculpar por sua
péssima atitude. Ele se sentia tã o envergonhado que nã o conseguia olhar nos
olhos de Kira. E por um instante ele olhou para seu reflexo na á gua, e ele se
enxergava como uma aberraçã o, ele encarrou a si mesmo e nisso ele via um
ninguém, um mostro solitá rio e infeliz. Tal sentimento o reprimiu de uma
forma em que ele se emocionaras negativamente, o que fez com que ele
chorasse.

Kira percebeu o quã o arrependido ele ficou, e o viu chorando. Isso


mexeu com ela. Ela sabia que, o que aquele homem estava passando nã o era
fá cil, ela sabia que toda confusã o que ocorria de dentro da sua cabeça estava lê
dominando.

- Tudo bem! Eu entendo você! – Disse Kira em um tom calmo e amigá vel.
– Na verdade... nã o entendo. Pelo pouco que sei sobre você, pelo pouco que me
disse, sei que sua vida nã o foi nada fá cil, que sua vida nã o é aquilo que você
queria que fosse. Você nã o está sozinho, passei por maus bocados também, e
reconheço quem sofre também.
- Desculpa, sou um fracasso. Nã o deveria estar mostrando tanta
fraqueza pra você. Eu sinto muito, estraguei tudo. – Disse Eliézer ainda
chorando, olhando para a á gua de cabeça baixa.

- Sinceramente! Eu nã o acho que seja fraco, ou um fracasso. Você é forte,


é corajoso, eu admiro você. Eu gosto de você, nã o diga algo assim, suportou
tudo por mais tempo que qualquer um conseguiria. E foi o primeiro homem a
me tratar com carinho, tocando em rosto e nã o em meu corpo. – Respondeu
ela.
“Eli” percebeu a clara intençã o de Kira, e notou que ela o queria bem. Ele
se virou e sorriu pra ela, agora sem lagrimas e com um olhar demonstrando
gratidã o. – Obrigado. – disse ele com um leve sorriso.

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Kira caminhou em sua direçã o, até onde a á gua batia em suas pernas e o
abraçou. Seu abraço foi como uma libertaçã o para Eliézer, o abraço transmitia tal
energia na qual nunca sentiu antes. Era como se sua alma houvesse sido abraçada
por um anjo. – Eu que agradeço. – Respondeu Kira. Que desfez o abraço e colocou
suas mã os sobre o rosto de “Eli”, e com um sorriso ela o beijou.

“Eli” nunca havia beijado antes, ele sempre criava fantasias em sua
cabeça de como seria se ele beijasse alguém, qual seria o sentimento? Como
seu corpo reagiria? Ele faria de novo? Todas as suas teorias e fantasias foram
quebradas, foi extremamente diferente a sua primeira experiencia. Indescritível
em sua cabeça, apenas prazeroso e emocionante.

O resto da tarde foi tranquila, româ ntica e especial. Eles se sentaram


debaixo da figueira, comeram algumas frutas, se abraçavam e se beijavam, se
acariciavam e conversavam. Nadaram juntos no lago. E no fim da tarde ambos
se despediram e se beijaram novamente prometendo mais um ao outro. “Eli”
voltou para a igreja feliz, cheio de vida e apaixonado. Kira nã o saia de seus
pensamentos, ela o dominava agora. E pensava seriamente em abandonar seu
cargo e viver uma vida com ela, porem certos pensamentos obscuros caiam sobre
seus planos “será que ela está me usando? O que um anjo iria querer comigo?
Vai dar certo?”, tais pensamentos o desaminava, mas por um curto tempo, sua
paixã o naquele momento estava tã o grande e poderosa que qualquer
pensamento obscuro seria passageiro! Aquele dia tinha sido magico e ele
queria mais!

LIVRO DE ANOTAÇÕES
“Ontem vivi o melhor dia de minha vida, o que tive com Kira foi especial,
eu me sinto diferente, me sinto bem e feliz. Faz anos que nã o tenho essa sensaçã o.
Nesta manhã fiz algo que nã o me atrevi a fazer desde pequeno. Acordei e nã o
realizei nenhuma oração. Fiquei sorridente durante a manhã , ninguém
apareceu na igreja, tomei meu banho e café da manha pensando em Kira. Será
que ela gostou de ontem? Está pensando em mim agora? É ela a mulher ideal
pra mim? Eu nã o sei, só consigo me lembrar do seu doce beijo e de seu suave
toque sobre meu rosto, das suas mã os frias e deu sua pele clara molhada, seu
vestido molhado apertando seu corpo. Estou enlouquecendo, preciso vê -la
novamente, mas nã o posso ser pego ou deixar meus sentimentos por ela
explícitos, os fié is irã o perceber. De qualquer modo, todo esse sufoco irá
terminar. Decidi durante a noite que vou largar a igreja, vou me casar com
aquela mulher, farei de tudo por ela, darei o meu melhor para deixa-la feliz. Sei
que a conheço fazem poucos dias, mas já a amo mais do que amei meus
pró prios pais. Meu coraçã o está ardente, minha mente dominada, ela é tudo o
que quero.

23
Nesta manha tive uma certa divergê ncia. George voltou de repente, sua
volta foi inesperada, fico grato de nã o estar com Kira nesse momento, tudo
poderia ir a ladeira abaixo caso ela estivesse presente. George nã o aparentava
estar contente, tinha em seu rosto um olhar sério e testa franzida, me encarava
friamente, parado sobre o altar da igreja. – Bom dia Monsenhor. Nã o esperava
seu retorno, seja bem-vindo.
- Ainda bem que voltei, sempre serei bem vindo em meu pró prio lar,
com ou sem sua boas-vindas. – Disse ele em tom rude.

- Monsenhor... nã o vejo motivos para tais arrogâ ncias. – Respondi em


tom alto e claro.
- Talvez seja por que o senhor esteja perdido em seus pensamentos padre!
– Disse ele como se estivesse me rebaixando.

Logo me desesperei. Pronto, ele descobriu, está tudo acabado agora, eu


falhei. Estava desesperado, nã o sabia o que fazer, pensei seriamente em sair
correndo da igreja e encontrar Kira para fugirmos. Mas antes que eu pudesse
tomar essa atitude, as pró ximas palavras de George me acalmaram.

- Soube que o senhor nã o tem mantido a igreja aberta. Qual a razã o? – disse
ele ainda em tom rude.

Sendo assim me acalmei, tive esperanças de que nã o havia sido


descoberto. Meu segredo nã o foi revelado, Kira e eu estamos a salvo. Apó s a
calmaria, logo pensei em algo para justificar-me a George, tinha de inventar
algo justificá vel e aceitá vel, mas eu ainda estava meio nervoso.
- Bom... eu... – murmurei sem saber o que dizer.

- Vamos, diga! – Gritou George. Me senti impressionado e fiquei


desesperado, mas nã o sabia o que dizer, tomei folego e de minha boca saiu.

- Ratos!

- Ratos? – Questionou o monsenhor.

- Sim, ratos! Houveram ratos. Uma pequena infestaçã o. Mantive a igreja


fechada para conter a infestaçã o. Matei um pouco mais de vinte deles. – Respondi
sem saber se fui convincente o suficiente, George parecia desconfiado, ainda
me encarava. Mas acho que ele engoliu.

- Verdade? – perguntou em um tom de dú vida e muito desconfiado.

- Sim senhor, fiquei com medo dos ratos espalharem doenças para os
fiéis, sabemos que essas criaturas sã o portadoras de doenças. Só quis conter e
evitar uma serie de doenças.
- E onde estã o os ratos que você matou?

24
Nesse momento me senti rendido, mas respirei fundo e respondi. – Eu os
queimei, longe da cidade, levei os corpos em uma caixa para a floresta e me desfiz
deles lá .

- Está nervoso jovem? Parece nervoso. – Questionou ele olhando fixamente


em meus olhos, me intimidando cada vez mais.

- Nã o senhor. Estou apenas exausto de ter que caçar ratos e de ter que
limpar o chã o sagrado da igreja de seu sangue sujo. – Respondi sem olhar em
seus olhos, fingindo exaustã o.

- Muito bem! – disse ele apó s uma longa e profunda respiraçã o. Fazendo
sim com a cabeça ele continuou. – Obrigado por me poupar trabalho,
certifique- se de que nã o tenham mais ratos aqui. E por favor mantenha isso
em total sigilo, nã o quero que as pessoas saiam comentando da minha má
manutençã o á casa de deus, ou da sua. Mesmo sendo estranho, nunca em
décadas encontrei se quer um rato aqui. Limpe a igreja, em trê s horas teremos
uma missa, e todos virã o. – disse ele se retirando do salã o.

- Sim senhor. – Respondi de cabeça baixa.

Naquele momento me senti pra baixo de novo, como se toda alegria


tivesse ido embora, me sentia enfraquecido, mas també m aliviado, pelo menos
nã o fui descoberto.
Passei as pró ximas duas horas e meia limpando o salã o, centímetro por
centímetro, cadeira por cadeira. E passei a outra meia hora antecedente a
missa preparando o vinho e a hó stia para realizar o santíssimo. Apó s fingir a
exaustã o para George, finalmente fiquei exausto. Mas mesmo assim realizei a
missa com o Monsenhor. E como ele havia dito toda a cidade estaria lá , todos
os rostos presentes sobre o salã o, todos exceto uma. Kira nã o estava lá .
Durante toda a missa eu a procurei, olhei pessoa por pessoa, rosto a rosto
tentando encontrá -la, mas ela nã o estava lá .

Apó s a missa, realizei dezenas de confissõ es e rezas em grupo, nã o me


sentia muito à -vontade de estar fazendo aquilo, me sentia obrigado, nã o me
sentia bem. Mas ao final da tarde tudo havia acabado, felizmente. Aproveitei e
me aproximei de George para conversar.

- O senhor disse que todos estariam presentes.

- Eu tenho certeza absoluta de que estavam todos presentes, conheço meus


fiéis a décadas, e sei que estavam todos presentes. Estavam? – Perguntou George.

- Me dei falta e um. – Respondi afirmativo.

- Quem?

25
- Uma jovem moça loira, uma jovem bonita o senhor deve conhecer, a
que usa vestes brancas. – Respondi calmamente.

- O senhor a conhece? – perguntou ele gritando.

- Sim senhor. Ela veio se confessar comigo. – Respondi calmamente.

- NUNCA a deixe entrar aqui! Eu nã o quero aquela vadia impura na casa


do senhor! – Disse ele ainda gritando em um tom rude.

Nã o suportei ouvi-lo falar assim de Kira, me senti profundamente


irritado com isso, a raiva havia tomado conta de mim, eu apertei meu pulso
com muita força para me controlar. Mas minha real vontade era de esmurrar o
rosto daquele arrogante. Mas mantive a paciência e respondi. – Monsenhor,
devo lê lembrar que está é a casa do senhor, e que todos os seus filhos sã o bem
vindos, independente de seus pecados, deus ama a todos.

- Devo lembra-lo que está sobre meus comandos e que essa igreja ainda
é minha, e eu nã o permitirei que uma impura entre nesse solo sagrado
novamente. O senhor parece menos introvertido, notei uma grave mudança em
seu comportamento, devo lembrar-te qual é o seu lugar? – Disse ele olhando
fixamente em meus olhos me intimidando novamente.

- Nã o senhor. Eu sei meu lugar aqui. – Respondi de cabeça baixa.

- Partirei está noite, os negó cios ainda nã o estã o acabados. Voltei a


pedido de alguns fieis, que me enviaram cartas, me alertando sobre o
fechamento da paroquia. Quando eu for, nã o espero me deparar com mais
imprevistos senhor Eliézer. Deve mantar a casa de deus aberta. E deve recorrer
aos seus trabalhos. Nã o deixe ratos te atrapalharem dessa vez. Não permita
que ratos entrem aqui, nenhum tipo deles. Certo? – Disse ele em tom sá dico.

- Sim senhor, vá em pá s e com deus. Eu nã o cometerei deslizes novamente.


Deus lê abençoe em sua viagem.

- Deus lê abençoe padre. – Respondeu ele em total sadismo.

Apó s essa divergê ncia no final da tarde eu nã o o vi mais, assim que


terminamos de discutir fui para meu quarto, fechei a porta, deitei em minha cama
e apaguei em um sono profundo, toda aquela limpeza e reza foram-me
cansativos.

Desmaiei em um sono profundo, a noite já chegaras e nã o senti o tempo


passar. Em meu repouso, fui acordado com barulhos, barulhos recorrentes,
alguém estava jogando pedras em minha janela. Acordei num pulo e ascendi uma
vela, estava escuro, a noite tomou conta do mundo, eu havia dormido de mais.
Assim que ascendi a vela, abri a janela, nã o consegui ver quem estava jogando as
pedras. Ate que uma voz familiar me chamou. – Eliézer, sou eu, vem cá . Anda
antes que alguém me veja aqui. – Disse a voz, e logo reconheci, era Kira. Me senti

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feliz e aliviado por vê -la. Logo me arrumei e sai pela janela sem fechá-la,
deixando uma frecha aberta para quando eu voltasse.

Kira me recebeu com um abraço e um beijo, nã o esperava beija-la


novamente naquele momento, mas aquele beijo foi a minha maior satisfaçã o
naquele amargo dia. – Desculpa vir a essa hora da noite, mas o Monsenhor estava
aqui, e eu tenho medo dele. Desculpa. – disse ela, parecia desesperada tentando
se explicar.

- Tudo bem. O importante é que está aqui. Obrigado por vir. – Respondi
abraçando-a mais uma vez.

Conversamos e ficamos juntos durante horas, e entã o resolvi leva-la ao


galpã o. Entrei na igreja, peguei uma luminá ria e as chaves do galpã o e desci
com ela até lá . Entramos em silencio sem ninguém perceber. Quis leva-la ao
galpã o, pois queria mostrar a ela as vá rias coisas interessantes que tinham lá .
Ao entrarmos ela ficou surpresa como de esperado, ela parecia nunca de ter
visto tanta coisa. Ouro, comida, armas e diversos objetos. Conversei com ela e
expliquei de onde vinha cada coisa e pra onde iriam. Mostrava e apontava para
as coisas enquanto falava sobre elas, e quando olhei para trá s vi que tinha em
suas mã os um pedaço de pã o, e que estava degustando dele. Quando a vi, ela
parecia envergonhada, pediu desculpas e disse que estava com fome, pois nã o
comia desde ontem a tarde, quando eu havia lê dado as frutas.

Fiquei comovido ao ouvir aquilo, mas nã o me importei dela ter pego o


pã o. Porem ela nã o conseguiu esconder em seu rosto uma cara envergonhada e
um olhar severo. Sem pensar duas vezes, servi-lhe um copo de leite do
reservató rio que tinha ali, e mais dois pedaços de pã o e disse para comer à
vontade. Ela mesmo envergonhada não conseguiu resistir e comeu, sua fome
falava mais alto e estava nítido em seu olhar. Enquanto ela comia, eu a observava
e confesso que fiquei comovido ao ver a maneira que ela comia. Ela devorou
aquele pã o com muita rapidez e tomou aquele leite como se estivesse se saciando
de á gua em um deserto. Perguntei a ela sobre suas condiçõ es. E muito
envergonhada ela me respondeu. Diz passar fome, as vezes dias sem comer,
que as vezes sente seu corpo enfraquecer e uma dor tomar conta de sua
barriga, pois nã o tem o que comer. E me disse também que muitas vezes tinha
relaçõ es sexuais com os homens da vila em troca de comida.

Quando ouvi isso me senti péssimo, nã o só pelo fato de sua necessidade


e seu problema com a fome, mas também por vá rios homens porcos daquela
vila terem se satisfeito com o corpo dela em troca de alimento. Me sentia péssimo
toda vez que imagina um outro homem tocando-a que fosse eu. Escorreu uma
lagrima de meu resto, e dei um abraço nela, por um instante senti o sofrimento
dela, e entendi o que ela queria dizer pra mim, sobre conhecer o sofrimento,
ontem no lago. Prometi a ela que nã o a deixaria passar fome de novo. Que
levaria comida todos os dias, sem exceçõ es, e fiz ela me prometer que jamais
faria sexo com um
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homem em troca de algo. Ela me prometeu e me abraçou de novo, e chorou em
meus braços. Passei minha mã o sobre seu rosto e acariciei seus cabelos. Foquei
o olhar dela nos meus olhos e disse olhando nos olhos dela, -Eu te amo Kira. Eu
te prometo que você nã o irá mais sofrer.
- Você é a melhor pessoa que conheci em toda minha vida. Obrigado por
tudo. Eu te amo. – disse ela olhando em meus olhos ainda chorando. E eu sem
ter o que dizer a abracei. E permaneci abraçado com ela durante um bom
tempo.
Apó s esse triste momento ao lado dela, preparei um saco de
mantimentos para ela quando fosse embora, alimentos para alguns dias,
garrafas de leite, queijos, pã o, frutas e alguns doces e ela doce como sempre me
agradeceu gentilmente. Sentei-me ao lado dela e conversamos mais um pouco.
E ela me contou um pouco mais de sua histó ria.

- Quando meus pais descobriram o que eu fazia, eles me expulsaram de


casa. Eles me jogaram pra fora como se eu fosse um nada, como se eu nã o
tivesse valor. Aquilo me machucou, eu amava de mais minha mã e, ela era tudo
pra mim. Minha vida parecia ter acabado naquele momento. Eu corri, fui para o
mais longe que pude. Foram dias sem comer, apenas chorando e correndo. Eu
nã o tive coragem ou forças para voltar para aquele lugar, para vê -los. Eles me
abandonaram. Eu via minha mã e como uma protetora, como... eu nã o sei. Ela
disse na minha cara que tem nojo de mim, que tinha vergonha de ter dado luz a
uma vagabunda. Meu pai tentou me matar! ele pegou seu machado e veio pra
cima de mim, e o que mais doeu foi ver minha mã e sem fazer nada para
impedi- lo. Meu irmã o foi pra cima do meu pai, e impediu ele de me matar, ele
segurou o machado e gritou pra eu ir embora. E eu fui, eu corri o mais rá pido
que pude, e depois de dias correndo, eu encontrei algué m. Alguém que me
acolheu e que pude chamar de amigo. Ele me acolheu quando todos me deram
as costas. Ele me alimentou, me abraçou, me fez sorrir, me ensinou coisas
novas sobre a vida. Ele me mostrou coisas na qual eu nunca achei que veria,
coisas que eu nã o imaginava que existissem. Ele era diferente, nã o era alguém
comum, ele parecia ser estranho e assustador, mas foi a melhor pessoa que
encontrei. Ele me apresentou aos meus amigos, que se tornaram as pessoas
mais importantes pra mim, eu os devo muito. – Disse Kira emocionada com sua
trajetó ria.

- Eu quero conhecer ele. – Respondi em um tom curioso.

- Você irá ! Em Breve! – Respondeu Kira em tom jocoso.

A histó ria de Kira me impressionou, nã o imaginei que ela tinha um


passado tão obscuro assim. Depois dessa conversa, eu a fiz mais uma
promessa, prometi que eu nã o vou abandona-la, e que estaria sempre ao lado
dela, na vida ou na morte. E ela se sentia mais confortá vel com minhas
promessas. E eu mais seguro de que a teria pra mim. Embora nos
28
conhecê ssemos em muito pouco tempo, eu a amava e aparentemente ela
també m. Mesmo em pouco tempo, e

29
parecendo uma loucura em primeiras impressõ es. Eu a pedi em casamento ali
naquele momento, me declarei para ela de joelhos. Fiquei nervoso, tinha medo
de ser rejeitado, ou dela me achar louco. Mas ela me surpreendeu mais uma
vez. Ela aceitou. Sorriu para mim, me beijou e disse que sim a minha proposta.
Em breve eu largaria a igreja, em alguns dias eu pegaria todo meu dinheiro e
fugiria com ela para sempre, para bem longe, para um lugar tranquilo. Nos
casamos ali mesmo, dentro daquele galpã o, eu realizei nossa cerimonia. Dei até
uma aliança a ela, peguei um par que estava jogão no meio do ouro coletado da
cidade. Nos beijamos e nos abraçamos. Fizemos juras de amor e prometemos
fieldade um ao outro. Depois disso, saímos do galpã o e fomos para meu quarto
na igreja, dormimos juntos, e tivemos nossa primeira noite de amor.
Finalmente perdi a virgindade, e foi espetacular, mais uma vez indescritível.
Dormimos juntos naquela noite, dividindo a mesma coberta, a mesma cama,
ela deitada sobre meu peito enquanto minha mã o passeava sobre seu corpo.
Nos amamos até o sol nascer. A igreja estava fechada e a janela do meu quarto
estava tampada com uma cortina. Estamos em paz, e está vamos juntos. Isso é
mais do que eu mereço. Foi muito mais do que um desgraçado como meu
poderia ter um dia. Eu estava feliz e nunca senti tal felicidade, eu parecia ser
outro homem. Está vamos em paz e isso era tudo.”

MANHA SEGUINTE...

- Acorde! ACORDEM! – Gritou uma voz grossa e feroz

Eliézer e Kira acordaram num salto da cama. Era George, ele estava no
quarto e tinha pego os dois no Flagra.
- Ratos, hein? Achou que eu ia cair nessa. Eu nã o sou idiota. – Disse
George com um sorriso sá dico em seu rosto.

- Nã o! – Suspirou Kira desesperada.

Eliézer em um ato desesperado abraçou Kira e gritou. – Saia daqui!

- Eu nã o vou a lugar nenhum, e vocês també m. Você traiu a deus e vai


pagar por isso! – Disse George.

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Enquanto “Eli” e Kira tinham uma noite româ ntica, eles deixaram
escapar algo, cometeram um erro. Enquanto transitavam entre a igreja e o galpã o
ao breu da noite, eles nã o notaram uma grava falha em sua ideia em serem
discretos. Mary Curtis, a senhora que havia abordado Elié zer em sua chegada,
infelizmente acabou os vendo juntos, entrando e saindo do galpã o. Ela
estranhou ter visto o padre com aquela garota, garota na qual ela odiava e até a
acusava de bruxaria. De todas as pessoas da vila, Marry era quem mais odiava
Kira, e ela nã o fazia questã o de esconder isso. E ela os seguiu, e observou tudo
através de uma frecha na porta do galpã o. Os beijos, os abraços, a troca de
carinho e até o casó rio. Isso a deixou boquiaberta. E no silencio ela voltou para
sua casa e correu para sua escrivaninha, com a intençã o de escrever uma carta
para George, contando-lhe tudo que havia visto.
“Caro Monsenhor, aqui quem vos fala é sua velha amiga Marry. Escrevo essa carta
a você assustada e desesperada. Pois acabo de ver algo horrível, algo que nosso bom deus
jamais aprovaria, uma catástrofe, um absurdo. Pois bem... ultimamente venho notando
uma certa diferença no comportamento do nosso recém chegado padre Eliézer. Ele não
tem sido o mesmo nos últimos dias, ele não tem aberto a igreja, como já lê relatei na
minha carta anterior. Estou lê dizendo isso pela nossa amizade, e por nossa confiança
um no outro, e pelo bem maior da nossa comunidade.

Agora a noite, a poucos minutos eu presenciei uma cena inesperada. Vi o


nosso padre em trocas de amores com a mais impura entre nós, Kira. Os dois estavam se
amando como marido e mulher, trocando juras de amor. Temo por ele, aquela bruxa
deve ter enfeitiçado o pobre coitado, ele deve estar sobre sua magia, que deus o proteja.
Peço para que retorne imediatamente para solucionar esse ultraje. “

Apó s escrever a carta, ela pagou para um barqueiro envia-la o mais rá pido
possível ate o Monsenhor. E antes do amanhecer ele já havia recebido, um
pouco espantado pelo horá rio da entrega, mas tudo se justificou quando ele leu
a carta, e dentro de sua cabeça tudo começou a fazer sentido, ele juntou as
peças do quebra cabeça e deduziu que Marry realmente nã o mentiu. Furioso
ele pegou parte de suas coisas e voltou com o mesmo barqueiro para seu
vilarejo. Quando chegou já era dia, ainda manhã . E antes de ir para igreja tirar
suas conclusõ es com “Eli”, ele convocou uma reuniã o com Marry, Augustos (um
fazendeiro local, lenhador e pescador, pai de família e um servo leal a George) e
també m alguns fazendeiros. Discutiram sobre dezenas de maneiras de punir
Kira e Eliézer pelo ocorrido. É bom lembrar que nesse horá rio, “Eli” e Kira ainda
estavam dormindo.

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Apó s muita discussã o George chegou a uma conclusã o. Ele havia tomado
uma decisã o, e estava na hora de colocar seu plano em pratica.

NA MESMA MANHA... (de volta ao quarto)


- Já chega! Nã o lê devo nada, acabou. Eu vou embora e Kira vai comigo!
Saia da minha frente. – Gritou Eliézer.

- Você nã o vai a lugar nenhum, muito menos ela, fizemos muito em


suporta-la aqui por muito tempo. Isso acaba hoje! E você vai voltar pra
Londres, você nã o é bem vindo aqui. – Disse George furioso, que em seguida
puxou Kira pelo braço. – Venha! Vou te mostrar o que acontece com pessoas
como você .
Eliézer enfureceu e pegou na gaveta do balcã o ao seu lado uma faca, a
mesma faca na qual George tinha lê dado no dia em que chegaras.

George riu de sua cara, era totalmente descrente de que ele cometeria
tal agressã o. – Guarde isso antes que se machuque, você nã o tem peito pra isso
Menino! – Afirmou George. E num salto de coragem e raiva, “Eli” levantou-se da
cama num pulo e enfiou a faca no ombro de George. Por um instante ele ficou
desacreditado no que acabou de fazer, nã o sabia que poderia chegar a tal
ponto. Uma sensaçã o de alivio e novidade tomou conta dele. E enquanto
George caia do chã o gritando de dor, ele correu para se vestir, e pegou um
pequeno baú de dinheiro no mesmo balcã o na qual tirou a faca e enfiou em um
saco, colocou a faca em seu bolso. Agarrou o braço de Kira e correu! - Vamos
embora daqui agora, o mais longe que pudermos. – disse ele enquanto saia da
igreja correndo juntamente de Kira.

Quando saiu da porta, um grande vulto voo em sua direçã o, um apagã o


ocorreu e uma dor insuportá vel atingiu seu rosto. Ele havia levado uma
pancada no rosto. Augustos estava atras da porta de igreja, preparado caso ele
tentasse fugir, e assim que ele correu para fora, Augustos o atingiu um grande
pedaço de taboa no rosto. E ele caiu duro no chão como pedra, a dor era
insuportá vel e sua visã o ia se apagando, as ultimas coisas que viu foram os
fazendeiros agarrando e levando Kira, enquanto ela gritava desesperada,
implorando para solta-la.

Dor, tontura, visã o falha, desespero. Foram esses os sentimentos de “Eli”


quando acordou. Viu que estava jogado no chã o da igreja sobre a porta, entre a
entrada e a saída. Já era final de tarde, o sol estava prestes a se por. Lentamente
ele se levantou, colocando sua mã o sobre o rosto, e sentindo o sangue já seco,
causado pelo ferimento ao ser atingido pela taboa. Sua visã o girava, parecia estar
bêbado. Com muita dificuldade ele se levantou e andou em direçã o a cidade.
Ele caminhou por toda cidade, olhando canto por canto, casa por casa,
nã o havia ninguém nas ruas, a cidade estava deserta, parecia abandonada.
32
Ventava forte e o vento era gelado, o cená rio era assustador, ninguém na rua,
nenhum

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pá ssaro ou cã o de rua. Ele caminhou por todas as ruas, procurando por algué m,
gritando e chamando por Kira. Estava desesperado, temia o que poderia ter
acontecido a ela. Chorava e tremia de medo e desespero. Olhou nas
proximidades do lago e do galpã o, e nenhum sinal de Kira ou de qualquer
morador. Entã o foi quando ele decidiu explorar ao norte, pró ximo a floresta,
entre a fronteira e o milharal.
O vento ficava mais agressivo conforme o tempo passava, e uma
sensaçã o ruim crescia, ele se desesperava cada vez mais. Mas foi pró ximo ao
milharal, onde ele encontrou... encontrou uma grande arvore, cheia de galhos,
uma arvore seca. Ele nã o enxergava direito entã o se aproximou da arvore, ele via
uma sombra nela, como se estivesse balançando sobre os galhos.

Ele andava e se aproximava, e essa sombra se transformava em uma


forma, e essa forma se transformava em uma pessoa, ele viu alguém.
Balançando conforme o vento, ele se aproximou o suficiente e pode ver. Pode
olhar... e o que ele viu, era terrível, seu medo, seu rancor, estava estampado
naquela imagem.
O que ele viu... era Kira! Ela estava pendurada na arvore, morta com uma
corda em seu pescoço e uma flecha em seu coraçã o.

- NÃ O! Nã o, nã o, nã o! – Gritou Eliézer. Com um grito de dor e sofrimento.


Pois a mulher que ele amava estava morta em sua frente, havia sido morta de
uma forma cruel, e seu corpo estava pá lido e frio, e ele nã o pode fazer nada
para impedir. Ele chorou e chorou, gritava e berrava de dor, a dor interna, a
dor da perda, ele a amava e agora tudo que ela era é um corpo frio e pá lido.
Seus lá bios que antes eram vermelhos vivos, agora eram brancos e sem vida,
seus olhos brilhantes estavam destruídos, como se pupila estivesse estourado,
e em seu peito, bem ao centro havia uma flecha, por onde suas ú ltimas gotas de
sangue escorriam.

Eliézer caiu no chã o, pois nã o sentia forças para se manter de pé. Seu
mundo havia acabado, uma parte dele havia morrido ali també m. Ele chorava
de soluçar, com o rosto no chão suspirando, se sentindo destruído e culpado.
Nã o conseguindo aceitar que nã o ouvira mais a doce voz de Kira, nem olhar em
seus olhos vivos, e ver seu belo sorriso novamente. Ele gritava e chorava, a dor
era o seu maior sentimento, ele estava destruído. Era como se sua vida
houvesse acabado també m.

A noite havia chegado e estava frio, e ele ainda permanecia caído sobre o
chão. Depois de muito tempo jogado ali, tentando aceitar o que havia
acontecido. Ele finalmente com muito esforço enxugou suas lagrimas e se
levantou. Caminhou em direçã o ao corpo exposto de sua amada, e abraçou as
pernas do cadá ver, pedindo desculpas, pois se sentia extremamente culpado por
sua morte. Depois de se lamentar ele subiu na arvore e cortou a corda que
segurava o cadá ver, ela estava a aproximadamente um metro e meio do chã o. E
34
quando seu

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corpo caiu sobre o solo, ele desceu em um pulo e arrancou a flecha de seu peito
e abraçou seu corpo, que estava cada vez mais pá lido e sem cor. Ele ergueu o
corpo e o carregou em seus braços, chorando e soluçando, ele caminhou
lentamente com o corpo, de volta ao vilarejo, de volta a igreja.
Kira foi enforcada a mando de George que ficou bem apó s a facada. Esse
era seu plano, matá -la. Ela foi levada por Augustos e os outros fazendeiros
presentes na reuniã o. Sua intençã o inicial era queima-la, mas decidiu nã o o
fazer para que Elié zer pudesse ver. Kira implorou por misericó rdia antes de
morrer, pediu ajuda para o povo e ningué m lê deu ouvidos. Ela chorava de
desespero e gritava por misericó rdia. Seus gritos eram frequentes, ela quase ficou
sem voz de tanto implorar. George se irritou com os gritos de Kira e entã o
pediu para que Augustos atirasse uma flecha em seu peito, e ele o fez. Com uma
mira certeira e nem um pingo de misericó rdia, ele laçou uma flecha sobre seu
peito, com seu arpã o. Apó s a flecha atingir seu peito, George ordenou a
realizaçã o da forca, e enquanto o buraco da flecha a fazia sangrar, a corda a
sufocava. E o povo da vila, gritava e aplaudia tal desastre, a maioria creditava
que ela era uma bruxa, e nã o era de hoje que queriam a sua morte.

Enquanto Eliézer caminhava pela cidade, cada passo era como se ele
estivesse afundando, ele atravessou a cidade até a igreja chorando porem de
cabeça erguida, tudo que ele sentia por aquele povo era desprezo. Agora as
pessoas já estavam presente nas ruas. Antes todos estavam escondidos em suas
casas, esperando Eliézer encontrar o cadá ver, para se divertirem da cena que
seria quando ele a encontrasse. Passo a passo era uma crescente dor em seu peito,
sua mente estava pesada, ele nã o pensava em nada, apenas chorava e caminhava.
Subiu a escadaria da igreja e chegou na porta dela, ainda com o cadá ver de Kira
em seus braços. Ele entrou, colocou seu corpo sobre o altar e fechou a porta. Ele
estava sozinho, George nã o estava presente. Sabendo disso ele se sentia mais à
vontade. Caiu de joelhos sobre o corpo de Kira e uma grande cruz que havia no
altar.

- Deus! – Aclamou ele. – Eu sei que pequei, sei que cometi erros. Cometi
pecados imperdoá veis. Eu sei, eu sei. Mas eu imploro ao senhor, nã o faça ela
pegar pelos meus erros, pelos meus pecados. Ela era tã o linda, tã o jovem, tã o
contente e cheia de vida, ela era uma pessoa maravilhosa. Ela nã o merece isso.
Eu passei minha vida toda servindo ao senhor, e posso passar o resto dela lê
servindo, sem hesitar, sem reclamar. Eu posso! Mas por favor, nã o a deixe
assim, ela não merece... ela... nã o ela, puna a mim, me leve, me castigue pelos
meus erros, nã o a deixe pegar pelos meus pecados. – Disse ele chorando,
rezando e olhando profundamente para a imagem de cristo sobre a cruz.

- Me leve! Traga-a de volta, por favor, eu imploro. Tenha misericó rdia da


pobre alma dela. Me leve no lugar dela, ela nã o merece a morte, nã o ela. Me
leve, eu serei seu servo por toda a eternidade. Traga-a de volta, eu estou
implorando!
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– Implorou Elié zer sobre o pé da cruz, ainda chorando e encarando o rosto de
cristo, com um olhar esperançoso.

Eliézer permaneceu ali parado apenas olhando para cristo, esperando


alguma resposta. Ele tinha esperanças de que algo iria acontecer, ele tinha fé. Mas
nã o aconteceu, e depois de implorar e esperar por muito tempo, ele perdeu a
paciência e as esperanças. E com um grito de raiva ele se levantou e derrubou a
cruz no chã o, gritou tã o alto e com tanta força que as veias em seu pescoço
pareciam saltar.

- Por que? – Gritou ele. – Tudo que eu fiz foi servir ao senhor. Minha vida
toda. Larguei tudo para servi-lo, te amei, te venerei, VOCÊ ME TRAIU! – Gritou
ele apontando sobre a cruz caída no chã o. – Ela nã o merecia isso, ela era inocente,
nã o era uma bruxa, ela já passou por tanto, depois de tudo, VOCÊ A DEIXOU
MORRER! Eu renuncio meus votos, eu te renuncio.

Apó s gritar essas palavras perante a cruz, ainda enfurecido, Eliézer


pegou o corpo de Kira e saiu correndo daquela igreja. Desceu as escadarias
correndo e correu sobre as ruas da cidade, enquanto todos observavam.
Eliézer com ó dio e rancor saiu correndo da vila em direçã o a floresta. Estava
escura, ele nã o tinha nenhum objeto luminoso, carregava com ele apenas a faca
que estava em seu bolso, ainda com o sangue de George já seco nela, e algumas
moedas.
Entrou na floresta sem nem perceber, a noite estava escura, e a floresta
tornava tudo mais sombrio. Passo a passo ele sentia a escuridã o crescente, e o frio
da noite se concentrava dentre as arvores. Ele nunca havia entrado naquela
floresta antes, mas qualquer coisa nã o sendo aquela cidade e aquelas pessoas
para ele já servia. Apó s andar por horas sem rumo, “Eli” se cansou e parou para
descansar. E havia algo o perturbando, algo o incomodando, um incô modo
perceptível desde sua entrada na floresta, ele sentia que estava sendo observado.
Ele sentia que alguém ou alguma coisa o encarava, algo que estivesse atras
dele, o observando entre as arvores, estreitamente atrá s das folhas. Se
movimentando lentamente, se aproximando cada vez mais. Sussurrando,
respirando, olhando. Eliézer sentiu um grande arrepio com um sopro forte do
vento, um supro incomum e gelado. “Morte, dor, culpa, sofrimento, destruiçã o”,
Eliézer escutou sussurros dessas palavras ecoarem pela floresta. Um sussurro
com uma voz roca e assustadora.

- Quem está aí? – Gritou Eliézer começando a se amedrontar.

“Seu destino... morte... sangue” sussurrou novamente a voz. Nã o havia


nenhum som de grilos ou sapos ou cigarras, apenas o som do sussurro e do vento
corrente. Ele nã o enxergava, estava perdido, precisava enterrar o corpo de Kira
urgentemente, o cheiro de sangue e cadá ver em decomposiçã o estavam
começando a se manifestar. Ele nã o tinha coragem de enterra-la naquele lugar,
nã o ali, nã o depois desses sussurros. E de repente ouviu-se uma gargalhada,
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parecia uma velha, os risos vinham de todas as direçõ es. “Eli” olhava para todos
os lados, mas ninguém ou nada se manifestava.

Assustado, Eliézer pensou em pegar o corpo de Kira e sair correndo o mais


rá pido o possível, e ele estava prestes a fazer isso, mas quando ele olhou para
frente, teve talvez o maior susto de toda sua vida. Ele se deparou com um homem
lê encarando, olhando fixamente em seus olhos, sorrindo. Eliézer nã o conseguia
enxergar direito, mas conseguia ver a forma do homem, enxergava perfeitamente
os olhos dele, olhos grandes, profundos e vermelho.

Na hora “Eli” reconheceu o homem, ele já tinha visto esses olhos antes. Ele
se assustou, ficou surpreso e em choque. E de repente uma arvore que estava um
pouco a frente de Eliézer, ao lado entre os dois começou a pegar fogo. E o fogo
iluminou o rosto do homem. Era ele, o mesmo homem que havia aparecido para
“Eli” quando criança, o mesmo homem assustador que o aterrorizou lê
encarando pela janela de seu quarto quando criança. Esse homem apareceu na
noite em que “Eli” questionou deus e agora ele reaparece na noite em que ele
nega deus. Isso ficou na mente de Eliézer, por um segundo bateu arrependimento
por sua atitude mais cedo em relaçã o a cristo.

O homem era muito alto, tinha entorno de dois metros e trinta de altura,
usava um roupã o cinca, tinha olhos vermelhos como o fogo, nã o tinha cabelos e
era extremamente alto. Sua pele era acinzentada e pá lida, nã o possuía nenhum
tipo de pelo, tinha uma olheira escura e profunda, sua mã o era estranha, seus
dedos eram o dobro do tamanho de um dedo normal, e nã o tinha unhas, sua
mandíbula era enorme e chegava a alcançar o peito, tinha em sua boca um sorriso
assustador e constante e sua língua era presta, e seu rosto era extremamente fino
e esticado.

- Eu conheço você, eu vejo você, desde de pequeno, eu vejo você ,


correndo das sombras... indo para a luz. E agora... depois de anos, finalmente
nos encontramos. – disse a voz do homem lentamente, sem muito movimento
de boca.

- O que é você? – Perguntou Eliézer assustado.

- Você sabe quem sou! – firmou o homem. – Sou apenas um!

- Eu vejo você nas sombras... em meus sonhos. O que quer de mim? –


Perguntou Elié zer.

- Nã o! O que você quer? – Perguntou o homem curvando sua cabeça.

- Em minha vida inteira, fui um servo de Deus. Eu confiei nele. Eu nunca


tive nada, eu nã o sabia o que era amor. Quando eu a conheci... – disse Eliézer
pegando o corpo de Kira e o colocando em seus braços. – Quando a conheci...
minha vida mudou, e tudo em torno dela. Eu a amo, e eles a tiraram de mim. Eu
pedi a deus que a trouxesse de volta, eu implorei a ele, chorei perante sua cruz,

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eu ofereci minha vida em troca disso, eu ofereci servidã o eterna. Ele nã o me
ouviu, ele nã o me ajudou. Eu nunca pedi nada a ele, e ele me ignorou. – Disse
Eliézer chorando sobre o corpo de Kira.

- Você espera que eu a traga de volta a vida? – Perguntou o homem.

- Você pode? – Perguntou “Eli” esperançoso. – Eu faria qualquer coisa,


qualquer coisa!

- Eu posso liberta-la. Porem... terá um grande custo.

- Eu farei qualquer coisa. – Interrompeu Eliézer. – Apenas me diga o que


fazer.

- Nã o será fá cil... eu posso liberta-la. Mas em troca você vai me dar seu
ó rgã o mais precioso, me dera seu coraçã o. E assim... tendo seu coraçã o, terei
sua vida e morte, esses sã o meus termos. – disse o homem ainda mais
sorridente. Eliézer respirou fundo e olhou para Kira. – Ela vale a pena? Estaria
disposto? – perguntou o homem.

- Estou pronto. Eu farei! – Afirmou Eliézer, tomando coragem. O homem


entã o tomou o corpo de Kira, e a segurou em seus braços, estendendo uma de
suas mã os em direçã o a “Eli”. – O coraçã o pela garota. – Disse o homem. E sem
pensar duas vezes, Eliézer tirou de seu bolso a faca na qual havia usado mais
cedo. Apontou para seu peito e respirou fundo. – Nã o tenha medo. Você nã o vai
morrer, nem viver. – disse o homem. Tais palavras fizeram Eliézer sentir-se
mais confortá vel. E ele ergueu sua faca para o auto e a cravou em seu peito,
abrindo um buraco nele. Ele serrou seu peito com a faca, e fez um buraco
grande o suficiente para enfiar sua mã o. E assim ele arrancou seu coraçã o
ainda pulsante. Nã o houveram gritos ou berros, apenas gemidos, dor e tristeza.

Apó s retirar o coraçã o de seu peito, ele esticou seu braço e o ofereceu para
o homem, nã o conseguia olhar para o homem ou para seu coraçã o, por dentro ele
estava tã o morto quanto ela. O homem pegou o coraçã o da mã o de Eliézer e
soltou o corpo de Kira no chã o, que se desfez em chamas. O homem olhou
atentamente para o coraçã o e o guardou dentro de sua veste. – O que
aconteceu com ela? Cadê ela? – Perguntou Eliézer. – Eu a libertei. Ela está livre
do inferno agora, pelo menos paz a alma dela terá . – respondeu o homem
sadicamente. – Nã o! você prometeu a trazer de volta. – respondeu “Eli”
revoltado. – Nã o... o acordo era liberta-la, ela está livre do inferno, por enquanto...
Vai ser interessante!
– disse o homem. E subsequentemente a arvore que estava em chamas de repente
apagou-se, e o homem desapareceu como um flash de luz. E a floresta voltou a
ser um breu. Eliézer sem saber o que fazer, caiu no chã o e começou a gargalhar,
ele havia perdido Kira e agora perdeu a si mesmo. Deus nã o pode trazer os
mortos de volta a vida, mas o demô nio é um ser traiçoeiro, ele engana e retira
tudo o que você tem, e você assina por isso.

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RELATOS, MONSENHOR GEORGE THEODOPOLIS

“Ontem a noite apó s a libertaçã o, pedi para que os fieis fossem para suas
casas e rezassem, e agradecessem, está vamos livres de uma bruxa. O mau que
antes seduzia a mente dos homens e os atraia com seu corpo amaldiçoado,
agora já nã o vive entre nó s. Foi a decisã o certa a se tomar, nã o me arrependo.
já recebi vá rios dos meus fiéis para confissã o relatando terem relaçõ es com
aquela bruxa, o quã o fracos eles foram por nã o resistirem ao seu corpo, de como
ela sorria para eles e dizia coisas obscenas em seus ouvidos, como ela os
enfeitiçava, e os levavam a cometer adultério. Nossas pobres fieis choravam,
pois, seus homens as deixavam durante a noite e iam de encontro a bruxa. Mas
agora estamos livres, e Eliézer estará também. Logo ele verá que estava sobre
feitiços e tentaçõ es satâ nicas, enviadas pelo pró prio demô nio para testar sua
fé. Ele vencera a tentaçã o, voltara para mim e agradecera, ele irá pedir perdã o de
joelhos aos meus pés, eu tenho certeza. Vivemos sobre cegueira, e de nossa
cegueira o demô nio se ponderou, e tirou a paz de meu bom povo. Sinto muito
por Eliézer ter sido a vitima desse demô nio, uma pessoa aparentemente tão
sabia, um rapaz interessante e obediente, eu o admirava muito, ele tinha algo
especial, atraentemente inteligente, mas infelizmente ele foi o escolhido e logo
ele será curado.

Hoje de manhã acordei sobre desespero e medo. Estava em meu quarto


em meu repouso, dormindo levemente como uma criança, quando eu escuto
gritos de desespero. Meus fies, meu povo estava gritando, a cidade toda estava
em pâ nico, choros e gritos, era o caos plantado. Levantei-me rapidamente e
troquei minhas vestes, quando sai do meu quarto e fui para o salã o, encontrei a
cruz de cristo jogada sobre o chã o, como se um vâ ndalo tivesse a jogado, corri e
a levantei. Ela estava quebrada, fiquei revoltado, aquela abençoada cruz foi um
presente de um amigo já falecido, meu mentor. Quem seria capaz de cometer
tal atrocidade a nosso senhor? Eu nã o sei, mas seja lá quem for pagará pelo seu
vandalismo.

O caos continuava, o som torturante de gritos crescia e eu estava ficando


louco. Corri para porta da igreja para ver o que estava acontecendo com meu
povo, e quando abri a porta da igreja, ainda estava noite, o céu estava escuro,
como se ainda fosse madrugada. Pensei que havia dormido bastante, mas vi que
nã o. Desci as escadarias do pá tio e fui em direçã o as ruas da cidade, e tudo estava
sobre tensã o. Olhei para todos os cantos e vi fieis chorando, outros gritando por

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misericó rdia e perdã o, outros gritavam de desespero e tinha até um grande grupo
de mulheres rezando. Estranhei muito aquela situaçã o toda. Levei um grande
susto, uma jovem agarrou minha mã o e se ajoelhou em minha frente e pediu
perdã o aos seus pecados e que queria se confessar antes que fosse tarde.
- É o fim dos tempos padre. Me salva, eu nã o quero ir para o inferno, eu
nã o quero ir para o inferno. – Implorou a jovem assustada.

Eu nã o tive reaçã o, comecei a me desesperar, a final o que estava


acontecendo? Por que as pessoas estavam desesperadas assim? Será que a bruxa
está viva? Foi um erro nã o a queimar?
- Algué m pode me explicar que diabos está acontecendo aqui? – Gritei o
mais alto que pude. E um fiel veio correndo em direçã o e começou a falar.

- Meu senhor. Olhe em volta, como o cé u está escuro, ainda é noite. –


Disse
o fiel assustado com seus olhos cheios d’á gua.

- Sim é noite, e o que tem? – Perguntei estranhando a causa desse enorme


caos.

- Senhor... sã o dez horas da manhã ! O sol nã o apareceu! – completou o fiel


assustado.

Na hora, por alguns segundos fiquei sem chã o. Aquilo nã o pode ser
verdade, o reló gio dele deve estar atrasado, eles estã o malucos. Sem pensar
muito, corri para dentro da igreja, lá haviam dois reló gios, o do grande salã o e
o meu reló gio de bolso no qual havia deixado em minha cama. Subi as
escadarias correndo, numa velocidade na qual nã o sabia como consegui
atingir. Abri as portas da igreja rapidamente e entrei, corri em direçã o ao
reló gio do salã o e me assustei quando lá marcava dez horas e seis minutos da
manhã . Fiquei desesperado, corri para meu quarto olhar o meu outro reló gio,
ainda na esperança daquilo nã o passar de um grande engano. E cai em
lagrimas de desespero e medo quando vi que em meu reló gio també m marcava
dez e seis. Quando a noite caiu sobre nó s, ela permaneceu, eram dez da manhã
e o sol nã o havia saído. Entramos ao cair da noite, estamos amaldiçoados!

Fiquei jogado aos pés de minha cama por minutos, chorei desesperado,
confesso ter morrido de medo e o desespero tomou conta de minha mente, sem
ter o que fazer recorri a deus, peguei meu terço e rezei de cabeça baixa e olhos
fechados. Estava quase terminando quando fui interrompido, o jovem Ben
havia entrado em meu quarto. – Padre as pessoas precisam de você, você é a
esperança delas. – disse o jovem Ben desesperado, falando com voz de cansaço
como se estivesse acabado de correr. Ben era um menino especial, o conheço
desde o dia em que nasceu, realizei seu batismo e o vi crescer, confesso ter um
carinho especial por esse garoto, ele é um bom rapaz que acabas de se tornar
um guarda, um dos mais eficientes policiais do nosso vilarejo. Quando

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pequeno foi meu

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ajudante na igreja, passava horas comigo, ele fazia o que Elié zer fazia no início,
me ajudava, eu sempre o presenteava por seus serviços, ele fazia favores especiais
a mim, favores que ninguém mais fazia, obviamente a bené fico de nosso
senhor. Eu já nã o o via a dias, ele recentemente havia se casado com Annie da
família dos Mories, uma menina inadequada para ele em minha opiniã o, mas
ele a escolheu e realizei o casó rio. Quando fui interrompido fiquei zangado,
porem me acalmei quando vi que se tratava de Ben. – Meu filho que bom te ver,
fico confortado em te ver nesse cená rio horrível que nos encontramos. – disse
a ele. – Padre, vamos! Temos que acalmar as pessoas, tem fieis cogitando
suicídio, o senhor nã o pode permitir isso! – Disse Ben em voz de choro. – Claro
meu filho, vamos. Vamos colocar as pessoas em conforto. – Respondi já me
levantando e me preparando.

Corremos para as ruas da cidade, algumas pessoas já estavam mais


calmas, nã o haviam mais gritos e o caos estava contido, mas ainda havia choro
e medo, senti isso no ar e pude notar nos olhos das pessoas. Elas precisavam
ser guiadas, elas precisavam de Deus, e eu soube naquele momento, naquele
exato momento, eu senti que era o mais forte entre eles, eu já nã o estava mais
assustado, eu soube que eu era o escolhido, Deus havia me escolhido para guia-
los, eu era o salvador que precisam, eu sou o escolhido de Deus para guia-los
de volta a fé apó s esse tormento. Apó s a ficha cair, enchi o peito de ar, respirei
fundo e gritei.
– Nã o tenham medo. A noite nos alcançou, mas Deus nã o nos abandonou, o
demô nio está nos testando. Ele está testando nossa fé, nossos limites, ele nos quer
apavorado, ele quer tirar nossa fé , nossa paz, nossa uniã o, ele quer nos
destruir, e ele irá ! A menos que permaneceis com fé, fé verdadeira, uniã o e
encarem essa maldiçã o de cabeça erguida, sem medo ou receio. Se fizermos
isso... se continuarmos a acreditar em deus, se acreditarem em mim, eu garanto
a você s que o sol voltará a brilhar para nó s. – Assim discursei para todos da cidade,
todos fizeram um circulo em torno de mim e me ouviram atentamente. Todos
me aplaudiram e me abraçaram, e eu pude ver no olhar deles, eles tinham
esperança, eles tinham fé . E assim pude ter certeza absoluta de eu era o
escolhido de Deus. Todos estavam lá exceto uma, Marry Curtis nã o estava lá ,
abracei e cumprimentei todos, mas em momento algum vi ela lá , e me perguntei,
onde será que ela está ?”

Algumas horas antes do caos, Mary ainda estava acordada, a morte de


Kira mexeu com ela, apesar de ter ó dio mortal da pobre garota, sua morte foi
um grande choque para ela, nã o conseguia dormir e descansar, sua cabeça
estava doendo e sua consciência estava pesada. Marry morava sozinha em uma
casa nã o muito longe do galpã o. Mas naquela madrugada ela se sentia sufocada,
algo a incomodava, ela saia e entrava em casa repetidas vezes, mas nada a
satisfazia. Algumas horas antes do que seria o amanhecer, Marry sentou-se de
frente para a porta de sua casa e ascendeu uma vela para iluminar e a colocou
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em cima da mesa, e lá ela permaneceu entediada e exausta. Marry decidiu
recorrer a Deus,

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pegou sua bíblia e seu terço e começou a rezar ali mesmo, pedindo para Deus
remover aquela má sensaçã o que lê incomodava.

Enquanto suas preces eram feitas, a vela sobre a mesa se apagou de


repente. As janelas da casa se abriram fazendo um barulho ensurdecedor, o
barulho foi o suficiente para assustar a velha Marry. O vento soprava
agressivamente contra a janela fazendo-a bater constantemente contra parede. O
vento soprava frio e o ar ficou congelado, parecia inverno, e tudo ficou tenso.
Foi quando a porta se fechou agressivamente, parecia que algué m houvesse a
batido com força. Tudo aconteceu de uma forma muito precoce e assustadora,
o suficiente para deixar Marry apavorada, ela suspeitava a presença de algo
nã o natural, como se algo estivesse dentro da casa causando tudo isso. Alguém
a observava, ela sentia isso, o desconforto de nã o estar seguro, o medo
crescente, e ar frio.

Todas as suas especulaçõ es sobre nã o estar sozinha ali se concretizaram


apó s ela começar a ouvir uma respiraçã o forte e pesada crescendo no ambiente.
Estava tudo escuro, Marry pensava em gritar por ajuda, mas o medo era tã o
grande que sua voz nã o saia, ela nã o conseguia falar, apenas chorar e gemer de
medo. Sem ter o que fazer, se jogou no chã o e colocou suas mã os sobre seu rosto,
tampando sua visã o. Seja lá o que estava lá , ela nã o queria ver, tinha medo e
estava desesperada, soava frio e estava paralisada em estado de choque, jogada
em posiçã o fetal no chã o.
Como se as respiraçõ es já nã o a assustasse o suficiente, ela começou a ouvir
passos. Passos altos e acelerados como se alguém estivesse andando sobre a casa.
E esses passos aparentavam acelerar conforme o som ia crescendo, como se
estivesse se aproximando cada vez mais dela. A respiraçã o ficava mais alta e
forte, porem os passos haviam parado, e ela sabia, que seja lá o que for que
estivesse dentro da casa, agora ele estava parado e atras dela. Ela sentiu sua
presença, e pode ouvir e sentir sua respiraçã o profunda, soprando em suas
costas.

Marry chorava e gemia, nã o tinha forças para gritar por ajuda, ou para sair
correndo de casa, ela estava em choque, e aquela coisa estava lê observando.
Ela se tremia de medo, e foi quando ela ouviu sussurros da “coisa” que estava
lá . “Qual seu pecado?” – perguntou a coisa, sussurrando em seu ouvido. Ela nã o
conseguiu ver o que era, nã o tirou a mã o de seu rosto, nã o conseguia, nã o tinha
coragem de encarar o que estava lá . – Meu deus! – foi a ú nica coisa que Marry
conseguiu falar naquele estado de choque. Seu coração batia tã o rá pido e seu
desespero era tã o grande que sentia dificuldades em respirar, e tudo isso se
multiplicou quando ela sentiu que aquela coisa havia colocado sua mã o em
seus ombros. E puxou sua mã o se seu rosto, a obrigando ver seu resto. Marry
suspirava de medo ao encarar tal coisa, ela tremia e suava frio, e lamentou por

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aquele rosto ter sido a ultima coisa que viu, seguido de uma sombra crescente
atrá s da mesma criatura.

RELATOS DE GEORGE THEODOPOLIS

“Estranhei a ausência de Marry naquela reuniã o, ela sempre estava


presente em tudo que é tipo de coisa. Apó s acalmar meus fieis, os mandei para
casa e para seus deveres, eles tinham de trabalhar, mesmo com a escuridã o,
pedi para que descem um jeito e que nã o deixasse a escuridã o atrapalhar o
desempenho da vila. Mesmo assim, ainda preocupado com Marry pedi para
que dois guardas me acompanhassem até a casa dela, ver se ela estava tudo
bem, e assim o fizemos. Estava frio aquele horá rio, todos estavam bem
vestidos, era estranho, nã o era inverno mais parecia ser, mas depois de tudo
isso, as pessoas de uma certa forma meio que nã o se importaram com isso. E
conforme íamos nos aproximando da casa de Marry, o frio crescia sobre nó s, era
como se ele estivesse saindo de lá.

Cheguei à casa dela e vi que a porta estava fechada e as janelas abertas,


chamei por ela repetidas vezes e ela não respondeu, entã o abri a porta e entrei
juntamente dos dois guardas, e o que vimos foi assustador. Aterrorizante,
fiquei em choque quando entrei e levantei meu lustre para iluminar a casa.
Acontece que na parede lateral a porta, ao lado da janela se encontrava Marry.
Meu Deus o que aconteceu com ela? Essa nã o é a Marry que conheço. Ela estava
morta, crucificada sobre a parede, assim como cristo havia sido. Com os braços
esticados e os pés pregados juntos, só que ao invés de pregos eram facas que a
segurava. Havia sangue escorrendo por todo chã o, eu nunca vi algo tã o
assustador assim em toda minha vida. Não havia sinais de facadas sobre o
peito ou barriga ou nos pulsos, as facas nas mã os e nos pés nã o poderiam ter a
matado. Mas ela estava de cabeça abaixada, entã o me aproximei para ver ser
tinha quebrado o pescoço ou se tinham cortes nele. E quando eu levantei a
cabeça dela, vi a imagem mais assustadora de toda minha vida. Ela estava
horrivelmente destruída, sua mandíbula havia sido quebrada, e estava esticada
e solta, sua boca estava preta assim como sua língua. E seus olhos estavam
brancos, e em volta deles preto, como se uma grande olheira houvesse crescido
ali, a pele estava dura como pedra, foi a coisa mais assustadora que vi.

- Santo Deus! Quem faria isso a pobre Marry? – Questionou um dos


guardas que estava mais assustado do que eu. E logo pensei, Marry causou a
morte daquela bruxa, ela quem me contou sobre ela e o padre, ela a odiava
mais do que qualquer um, talvez quem tenha feito isso seja o espirito da bruxa
que ficou e nos amaldiçoou, mas essa ideia logo me saiu da cabeça, mortos
vivos nã o é cresça para Deus. Elié zer está vivo e veio se vingar de nó s, ele está
louco, e fez isso com Marry. Entã o respondi ao guarda. – Elié zer... ele fez isso.
Ele ficou louco, quer se vingar da morte daquela bruxa. Ele fez isso!

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- O senhor acredita que ele fez isso? Olhe para ela. Ele nã o tem força
para fazer isso, meu filho de quinze anos tem mais força do que ele. –
Questionou o mesmo guarda.

- Quem mais teria feito, tá na cara que foi ele. – Respondi.

- Ele está certo. Ele está com raiva, e quer acabar com a gente. Marry estava
sozinha e ele aproveitou dela que já é velha e fraca. Ele é um covarde. –
Afirmou o outro guarda presente.
- Exatamente! – Afirmei.

- Vamos contar para as pessoas o que aconteceu aqui, eles devem ficar
atentas com ele, ele é perigoso! – Disse o mesmo guarda.

- Concordo. Porem... ninguém deve saber sobre o estado de Marry. Não


quero que as pessoas saibam como ela está agora. Ninguém deve saber! O que
vimos aqui fica entre nó s em segredo! Certo? – Perguntei aos guardas olhando
em seus olhos, com receio disso se espalhar e o caos voltar.

- Sim senhor! – Responderam ambos.

E assim foi feito, a morte de Marry virou noticia em poucas horas, houve
um enterro digno, porem seu caixã o foi fechado, nã o queria que ningué m visse
o que vimos. E as noticias de que Eliézer foi quem a matou também se
espalharam, e as pessoas direcionaram seu ó dio para ele. E isso meio que
tomou conta da cabeça das pessoas, elas estavam ocupadas odiando Elié zer,
que nem se perguntavam mais qual a origem da escuridã o que caiu sobre nó s.
E desde entã o varias medidas foram tomadas para manter a cidade ativa;
tochas eram ascendidas e fincadas ao chã o para iluminar a cidade, tinha uma
tocha a cada dois metros de distâ ncia em ambos os lados das ruas, era proibido
andar sozinho, e ir para longe de locais movimentados. A igreja servia de abrigo
para as crianças enquanto seus pais trabalhavam. Uma grande fogueira foi feita
para iluminar em torno da igreja, agora o local mais seguro da cidade. A
fogueira ficava abaixo da escadaria um pouco ao lado esquerdo, ela era tão
grande que poderia ser vista acima das montanhas. Os guardas rondavam o
vilarejo inú meras vezes, revistando e procurando Eliézer. Respeitá vamos os
horá rios como era feito antes da escuridã o. Dezenas de fazendeiros e guardas
saiam em grupos para caçar Elié zer por toda a redondeza em suas horas vagas.
As coisas estavam diferentes, mas nã o paramos com nossas vidas, e eu me
pergunto toda hora, se Eliézer for pego, para onde irei direcionar a atençã o do
povo para que ignorem a escuridã o que tomou nossa cidade? E até quando
essa escuridã o permanecerá ?

No dia seguinte a populaçã o já estava mais calma, porem preocupados


pela luz do sol ainda nã o ter voltado. O medo ainda era presente, as pessoas
ficavam mais pró ximas o possível, quem morava sozinho cogitou por medo
dormir na casa do vizinho, nã o se via menos que um quarteto de pessoas
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andando juntas, as vezes oito a dez pessoas juntas. Cansados de procurar na
vila, alguns dos fazendeiros decidiram sair em grupo para vasculhar nas á reas
em torno da vila. Vasculharam nos campos, nas fazendas mais distantes da vila
que agora estã o abandonadas, olharam pró ximo a ponte e ao lago e dentro das
trilhas do milharal e nã o encontraram nada, nenhum sinal de Eliézer ou de
algum desconhecido ou algo assim. Todos os lugares foram vasculhados exceto
na floresta.

Sete fazendeiros corajosos e com sede de justiça para com Eliézer se


voluntariaram para procurar por ele na floresta. Eu tentei os impedir, disse que
era perigoso, ainda mais sem a luz do sol. Porem insistiram e foram contra meu
desejo, e entraram na floresta. Estavam armados com facõ es, lanças e
machados entraram na floresta na companhia de cã es e iluminados por tochas.
Procuraram em todos os cantos da floresta e nã o acharam nenhuma evidencia
de que Eliézer estivesse lá , nem mesmo acharam o corpo da bruxa ou um
tumulo, já que segundo alguns fieis, Elié zer entrou na floresta com o corpo
dela. Nada foi encontrado e desistiram, porem enquanto voltavam, uma nuvem
de fumaça subiu pela floresta, como uma neblina, e cobriu todo o local,
segundo o que me disseram. Sorte a deles estarem juntos e pró ximos um do
outro, quer dizer... alguns deles. Alguns quiseram mostrar coragem e confiança
e se separam dos outros. Sete entraram na floresta e apenas cinco voltaram. E
já fazem mais de 16 horas desde o seu sumiço. Esse acontecimento abalou o
povo, e alguns entraram em desespero, tive sorte por conseguir acalma-los antes
do caos começar de novo. E afirmei as regras novamente. Ninguém deve andar
sozinho, e desde de entã o está proibido um grupo de menos de quatro pessoas
e ninguém pode entrar na floresta.

Como se o desparecimento de dois fazendeiros já nã o fosse o suficiente,


que em minha opiniã o já estavam mortos, no dia seguinte aconteceu algo que
abalou a todos e fez o caos crescer novamente. Todos os cã es da vila, que sã o cã es
doceis e inteligentes começaram a agir de modo estranho. Alguns choravam,
outros latiam agressivamente para o nada, como se estivessem vendo coisas que
ninguém estivesse vendo. Mas teve uma hora em que todos os cã es, todos! Saíram
correndo juntos na mesma direçã o, abandonaram seus donos e postos e saíram
correndo como se algo os atraísse.

Fazendeiros nã o vivem sem seus cã es, eles sã o seus melhores amigos e


as crianças os adoram, e numa tentativa desesperada de achar seus animais, os
fazendeiros se reuniram em um grande grupo para tentar encontra-los, descobrir
aonde tinham ido, e foi aí que o caos começou novamente. Acontece que as
fazendas produtoras de gado ficavam longe da vila, e foram na direçã o
daquelas fazendas em que os cã es correram. Os fazendeiros seguiram naquela
direçã o e ao chegarem lá , notaram que nã o havia mais nenhum animal sequer
dentro de seus mangueiros, todos os animais haviam desaparecidos. E na
estrada que interliga todas essas fazendas havia uma trilha, e nessa trilha
haviam rastros... rastros de
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sangue! Eles seguiram esse rastro... e encontraram todos os animais mortos!
Todos eles caídos no chã o fazendo uma poça de sangue em torno dos cadá veres,
segundo os fazendeiros era horrível e aterrorizante. Todo o gado, todos os cã es e
todos os cavalos estavam mortos e espalhados naquele campo, todos! Alguns
cortados ao meio, alguns sem cabeça e outros com a garganta cortada. Era um
mar de sangue e uma tristeza indescritível para os fazendeiros.
Nã o apenas os animais foram a perda do dia, houveram mais perdas! Todo
o plantio, toda safra, nossa comida, nosso milho, nossas hortas, tudo estava morto
e podre, como se uma praga tivesse infestado tudo. Agora era uma questão de
tempo para ficarmos sem comida. Escrevi uma carta para a igreja da cidade
vizinha pedindo ajuda e explicando nossa situaçã o, mas ninguém quis se
arriscar a ir até a cidade vizinha entregar, entã o de uma certa forma a carta foi
inú til. O medo crescia de novo, e as pessoas entraram em pâ nico, ninguém
acreditava mais que Eliézer era o responsá vel por isso, alguns acreditavam que ele
já estava morto, e eu confesso que també m acredito nisso agora, mas minto
para meu povo, tentado convence-los do contrá rio. sei que temos comida para
uma semana, apó s isso eu nã o sei o que fazer”

Na mesma noite do massacre aos animais Augustos estava em sua casa


com sua família. Ele era destemido, poucas coisas o assustavam, e uma coisa é
certa, ele nã o teme a Eliézer e nã o crê em feitiçaria, ele era um homem difícil, nem
um pouco mente aberta, agressivo e arrogante. Ele era forte e grande, um dos
mais fortes da vila, todos nessa época se sentiam mais seguros ao seu lado, era
inegá vel que ele era uma ó tima proteçã o. Ele era religioso e isso era um fanatismo
de sua parte, nã o seguia realmente as leis de deus, na verdade ele seguia o que
George falava, ele era um grande devoto e amigo de George. Era um homem
barbudo, moreno, musculoso e alto, tinha cabelos curtos, era pescador e
lenhador, o melhor lenhador da vila, o responsá vel pela fogueira da igreja, que
queimava sem parar, varias vezes ao dia ele levava troncos e pedaços de
madeira para manter a fogueira acesa.

Naquela noite ele se encontrava sozinho em sua casa com sua família,
sua esposa Lola e seu casal de filhos: Gina de dez anos e Thimote de nove. Sua
esposa lê preparava o jantar, e ele aguardava sentado na cadeira sobre a mesa,
com seu machado mã os, e seu arpã o sobre a mesa, mesmo arpã o que usou para
matar Kira. Ele nã o andava sem seu machado, estava crente de que ia pegar
Eliézer e mata-lo com ele, queria arrancar sua cabeça e entregar a George. Seus
filhos estavam sentados ao seu lado na mesa, um em cada cadeira, as crianças
estavam assustadas com toda situaçã o, assim como sua esposa Lola.

- Lola! Tenho fome, preciso comer logo, tem como andar mais de pressa?
– Perguntou Augustos com tom opressor e agressivo.

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- Logo estará pronto querido, em menos de dez minutos. – disse Lola
enquanto cozinhava a carne para Augustos. Lola entã o se afastou de seu fogã o
à lenha e sentou-se ao lado de Augustos. Lola temia muito seu marido, tinha
medo da agressividade e de sua brutalidade, ela fazia de tudo para ser gentil
com ele, e evitar ao má ximo irrita-lo, e com muito esforço ela falou. – Querido?

- Hum? – Murmurou Augustos.

- Sou eternamente grata por ter você ao meu lado, sinto-me segura com
você, mas será que nã o podemos ir para a igreja onde há mais pessoas, ou para
casa de alguns vizinhos que moram mais pró ximo dela? Moramos tã o longe da
igreja, e as casas do lado estã o vazias, todos foram para mais pró ximo da igreja e
do galpã o. Podemos ir? – Disse Lola tremendo de medo da reaçã o de seu marido.

- Nã o precisamos! – Disse ele em tom agressivo. – Eu amo aquela igreja, e


as pessoas dessa cidade. Eles estã o a salvo, assim como você está agora, como tu
mesmo dizeis “se sente segura ao meu lado”.

- Claro. Mas... você nã o tem medo do que está acontecendo? Esse lugar
está amaldiçoado, a escuridã o tomou conta desse lugar, as pessoas estã o
morrendo. Acabaram de achar todos os animais mortos, Duke está lá também,
nosso cachorro está lá , o seu cachorro! Aquele pobre padre nã o fez isso, ele nã o
fez, nã o tem como ser ele. A pobre Marry... meu deus, ela está morta. Ela os
entregou para morte e agora ela morreu, eu tenho medo do que possa acontecer
com você! Você matou aquela menina, você atirou uma flecha sobre seu peito, eu
olhei nos olhos dela e a vi morrer, sofrer! Se ela for uma bruxa... ela causou tudo
isso, ela nos amaldiçoou com a noite, ele matou a Marry e nossos animais, e o
espirito dela vai voltar e matar você pelo que fez a el... – disse Lola com voz de
choro assustada, ate ser interrompida por Augustos que se zangou com que
ouviu e lê esmurrou o rosto, que fez com que a pobre mulher ciasse no chã o. E
com isso as crianças começaram a chorar.

- Olha o que você fez! Você está assustando meus filhos com essa
histó ria de espíritos. Isso nã o existe! Eu matei aquela vadia com uma flecha em
seu peito, ela nã o voltou dos mortos. Foi aquele maldito padre! Aquele
miserá vel covarde. Eu vou mata-lo e colocar sua cabeça em uma estaca para
que todos possam ver! Eu vou vingar a pobre Marry, vou vingar meus dois
amigos desaparecidos na floresta e vou vingar Duke! Ele vai implorar quando
eu o encontrar. – Gritou Augustos raivoso serrando os dentes e apontando
para Lola.

Apó s disser isso, de repente a casa começou a se mexer, a tremer, como


se estivesse acontecendo um terremoto. Rapidamente as crianças saltaram da
cadeira e correram para abraçar a mã e, e recuaram para perto do fogã o. Augustos
se levantou da cadeira e agarrou seu machado com força e gritou. – Vamos!

Em seguida a casa parou de tremer, mas uma sombra enorme entrou


pela porta da frente e crescia em direçã o a Augustos. Essa sombra era como
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um vulto,

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como uma sombra de calor, em forma humanoide, só que a sombra estava
sobre a casa também. “Qual o seu pecado?” sussurrou a sombra. – Vá para o
inferno! – Gritou Augustos em resposta que tentou golpear a sombra com seu
machado, falhando miseravelmente ao ver o machado atravessar a forma como
ela nem estivesse lá . Assim a sombra se desfez da forma humanoide e se
espalhou atrá s de Augustos, o jogando violentamente sobre a parede.
Assustadoramente Augustos começou a levitar sobre a parede na qual foi
arremessado, e chegou ao teto, nã o havia ninguém o levantando, apenas a
sombra atrá s dele na parede. E seus ossos começaram a se quebrar, como se
alguém os estivesse torcendo, dedo a dedo, braço a braço, perna a perna,
Augustos urrava de dor, gritava, quando se deu conta todos os ossos estavam
revirados, seus pé s estavam para trá s, sua perna de lado, seu braço retorcido. A
dor era insuportá vel, e tudo isso aconteceu em segundos, e sua família assistia
a tudo, as crianças gritavam e choravam e Lola estava em choque, só conseguia
gemer e chorar.

Augustos depois de tanta dor começou a sufocar, como se alguém


estivesse apertando seu pescoço. Ele sentia os dedos apertando seu pescoço, mas
nã o via nada. Sem saber o que fazer, encheu seu pulmã o de ar e gritou. –
Corram!
– Lola entã o tomou coragem, agarrou os braços de Thimote e Gina e saiu
correndo com as duas crianças o mais rá pido que pode, a porta estava aberta e
ligeiramente saíram correndo em direçã o a igreja, gritando por ajuda.

Agora Augustos estava sozinho com seja lá o que for, ele se sentia mais
sufocado a cada segundo que passava. Ela sabia que ia morrer, mas pelo menos
seus filhos estavam a salvo, e isso o tranquilizou. E quando ele já estava ficando
sem ar, de repente o arpã o que estava jogado na mesa, mirado na direçã o da
porta, virou-se em sua direçã o e disparou uma fecha em seu pescoço, que o
matou logo em seguida.

Em poucos minutos Lola e seus filhos chegaram à igreja, chorando,


gritando, desesperados. Haviam algumas pessoas lá , umas quinze ao menos,
alguns fazendeiros que resolveram rezar, pedindo para que todo esse inferno
acabasse, pois estavam assustados com a perda dos animais. George os viu
chegando daquele jeito e logo os socorreu. – O que foi? O que houve? – disse
George tentando acalmar Lola. Lola estava desesperada e sem folego, chorava e
tremia, as crianças estavam paralisadas, algumas mulheres que estavam na igreja
tentaram acalmar as crianças. Lola tentava se acalmar, respirou fundo e
engoliu o choro para se justificar a George. – Augustos foi atacado, eu acho que
ele morreu! – Gritou Lola, e todos na igreja ouviram.

- Elié zer está lá ? Ele fez isso? – Perguntou George desesperado.

- Nã o! – Gritou Lola ainda chorando. – Não foi ele! Não é ele! É um


espirito, um fantasma, uma sombra negra! Nã o foi um ser vivo.

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Nesse momento todos que já estavam assustados, agora estã o
desesperados. George ficou sem reaçõ es, ele estava morrendo de medo e já nã o
conseguia mais esconder isso. – É ela! você a matou! Despertou sua ira sobre nó s,
agora ela quer vingança! Você nos condenou, olha o que você fez! Deveria ter
deixado ela ir embora com ele. – gritou uma fiel aleató ria apontando para George.
George ficou sem reaçã o, nã o sabia o que dizer, no fundo ele sabia que isso era
verdade. Ficou em silencio e olhou ao redor da igreja. E ele viu a falta de
esperança nas pessoas, a falta de fé , ninguém acreditara mais nele, todos o
odeiam agora.

- Reú nam todos. Vamos até a casa de Augustos, ele pode estar vivo e
precisando de ajuda. – Disse George em voz alta, sem ter o que fazer.

E assim foi feito, mesmo sem vontade e sem fé em George, todos se


reuniram, a cidade inteira, com tochas para iluminar o caminho, fizeram juntos
uma caminhada silenciosa ate a casa de Augustos. chegando lá , apenas George,
Lola e mais umas cinco pessoas entraram, o resto aguardou lá fora. E eles
encontraram Augustos, nã o mais preso contra parede, mais agora caído no chã o,
com a flecha ainda em sua garganta, com sangue todo espalhado pelo chã o. E
seus olhos estavam na mesma situaçã o da de Marry, com olheiras pretas gigantes
e brancos por dentro, como se nunca houvessem tido vida. Lola chorava, mas nã o
se sentia em luto, seus choros eram de medo, mas agora ela estava livre do
homem que a reprimia. Mas o mais assustador nã o era o cadá ver ou o sangue no
chã o. E sim a mensagem escrita a sangue na parede, uma mensagem escrita com
o sangue de Augustos, dizendo “Vocês irã o Pagar!”.

Isso foi o fim da picada para George, as pessoas viram aquilo, e


acreditaram em Lola, se ele a contrariasse, ele é quem seria julgado. Depois disso,
todos entraram na casa, curiosos para verem a tal mensagem, e isso os apavorou.
Os guardas que juraram segredo sobre a morte de Marry, nã o tiveram pulso
dessa vez, e contaram a verdade a todos, como Marry havia sido encontrada e
como seu corpo estava e as semelhanças nos olhos dela e de Augustos, e que
George os fez esconder isso. Era o fim da linha para George, ninguém acreditava
em sua palavra, ele estava sozinho e sabia que era o pró ximo!

ULTIMOS RELATOS... PADRE GEORGE

“Ontem foi um dia difícil, nã o consigo dormir direito. As perdas me


abalaram. Marry, a safra, os animais e agora Augustos. percebi que minha vida
está nesse lugar. Eu estou com medo, sei que vou morrer, ela vira até mim. Daqui
algumas horas, hoje ou amanhã , nã o sei! Passei minha vida servindo a deus e
pela primeira vez desde o acidente no sino estou sentindo medo, pois estou
pró ximo da morte. É assustador! Eu condenei a todos ao matá -la, reconheço isso.

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E me arrependo profundamente. Meus olhos doem, mas nã o consigo fecha-los
de medo.

Hoje de manhã realizei o enterro de Augustos, nã o conseguia olhar para


seu corpo, ou até mesmo olhar para meus fieis, todos me olhavam com raiva,
senti isso. Mas tudo que fiz foi tentar protege-los, espero que reconheçam isso
um dia. Todos estavam presentes no enterro, exceto pelos guardas que faziam
rondas pelas ruas. Andamos apenas todos juntos agora, como uma alcateia de
lobos.

Assim que terminei o enterro voltei para cá , andei de vagar e de cabeça


baixa, e todos me seguiam em grupo. A noite ainda estava entre nó s, nossa pele
está branca, nosso corpo está começando a sentir falta do sol, é questã o de tempo
até ficarmos doentes e a menos tempo ainda para a comida acabar, anteriormente
tinha calculado uma semana de mantimentos, agora sei que nã o irá durar três
dias.

Voltei para igreja de cabeça baixa, mas no caminho algo aconteceu, o céu
começou a relampejar, raios surgiam entre as nuvens e parecia armar chuva. Mas
nã o foi só isso, pró ximo a escadaria da igreja, um corvo desceu e pousou na
minha frente, aquele bicho me encarou nos olhos e gritou para mim. E quando
um corvo grita pra você, te encarrando nos olhos, é sinal de morte. Apó s me
encarar e gritar ele pulou e voo em direçã o da igreja, levantei a cabeça para ver
onde ele ia, quando me deparei com uma visã o assustadora. Uma trilha que
levava até as escadarias da minha igreja. Todos os soldados que haviam ficado,
estavam empalados em fileira, todos eles estavam mortos. As pessoas que
vinham logo atrá s entraram em desespero e começaram a gritar e chorar, era só
o que faziam nos ú ltimos dias. Eu nã o fiquei muito surpreso, tudo o que viesse
dali pra frente talvez já nã o me impressionasse mais. Segui a fileira e o ultimo
empalado parava de frente ao primeiro degrau da escadaria. Todos os guardas
mortos, pais de família, filhos amados, nã o derramei se quer uma lagrima por
eles, até que vi o ultimo deles. Era Ben, meu querido Ben. Todos os guardas
estavam com as mandíbulas quebradas assim como Marry, e com as estacas
atravessadas entre o anus e a boca. Mas Ben... ele estava com a mandíbula
perfeita, mas sem os olhos. Sem aqueles lindos olhos daquele doce garoto. Nã o
encarei muito, derramei lagrimas e subi as escadarias até a igreja, e nã o me virei,
só escutei Annie chorando sobre o corpo de Ben.

Entrei fechei as portas e chorei e rezei aos pés da cruz, implorei por perdã o
e misericó rdia, confessei meus pecados, quase todos eles. Fiquei de joelhos a
cristo e lê pedi perdã o, espero que ele me perdoe por todo que fiz. Espero que me
perdoe por matá -la, por roubar do povo e de te feito coisas ruins em nome
dele. Confessei tudo em voz alta, as pessoas ouviram e eu nã o me importei, eu
ia morrer e tudo que eu queria é perdã o.

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Quando terminei minha confissã o, me levantei, enxuguei as lagrimas e
olhei para trá s e vi que todos estavam me olhando, todo mundo havia entrado
em silencio, estavam me observando e ouvindo meus pecados. Tomei coragem e
olhei nos olhos deles e vi, expressõ es de nojo, ó dio, raiva, desespero. Nã o sabia o
que fazer. Respirei fundo e disse. - Eu sinto muito. – E isso foi o má ximo que
minha boca conseguiu soltar. Fiquei parado vendo todos me olharem. Foram
segundos de silencio constrangedores para mim. Mas um deles, a fazendeira
Helen veio até o altar e começou a falar.

- Nã o importa. Você errou padre e irá acertar com Deus um dia. Mas
agora... agora temos que ir embora. Já perdemos muita gente, e seja lá quem for
ou o que está nos matando, nã o vai parar. Então temos que ir embora daqui.
Temos que tirar nossos guardas de lá , enterrá -los e nos preparar. Vamos para o
galpã o hoje, ficaremos lá , todos juntos, tem comida para alguns dias, tem moedas
lá e lugar para fazermos fogo para nos aquecermos, vamos sobreviver, mas temos
que ficar juntos, todos juntos. E amanha depois que estivermos preparados,
vamos caminhar até a pró xima cidade, vamos pela ponte... eu sei que a cidade
mais pró xima por esse caminho é dois dias de viagem. Mas qualquer lugar é
melhor que aqui, e eu prefiro arriscar lá fora do que passar mais um dia aqui.
Eu nã o sei vocês, mas eu vou, quem quiser ir é muito bem-vindo. Mas quem
quiser esperar aqui para morrer, apenas lamento. – Assim discursou Helen. E
notei que ela encorajou a populaçã o, a ultima esperança veio dela. E foi aí que
percebi, eu nã o sou escolhido de Deus, isso era uma obsessã o em minha
cabeça.

Todos seguiam Helen agora, e eles fizeram o que ela propô s, eles saíram
da igreja e foram enterrar os guardas. Os acompanhei até a porta e fechei, e a
tranquei. Nã o posso ir com eles, meu lugar é aqui! Estou aqui escrevendo isso
há duas horas e nã o vi mais ninguém. Ninguém bateu naquela porta, estã o
todos no galpã o julgo eu. Estou sozinho, e escrevo isso pois nã o sei o meu destino.
Deixarei essas anotaçõ es em cima da mesa no altar, junto de outras folhas em
branco, caso eu sobreviva. Espero que algué m encontre isso um dia. Adeus!”

George fez o que falou em seus relatos, deixou os papeis em cima da mesa
no altar, e depois disso ajoelhou-se novamente sobre a cruz e deu inicio as suas
oraçõ es. Duas horas depois, ele ainda se encontrava rezando, mas um vento forte
soprou sobre as janelas, na qual as abriu, o vento era muito gelado, e ele sabia
que sua hora estava chegando. O vento soprou e soprou friamente, mas ele parou
de repente e as janelas se fecharam. O ar já nã o estava tã o frio, e George escutou
o som de dois passos.

- Eu sei que está ai! – Disse George. – Me arrependo do que fiz, nã o quis
provocar sua fú ria, só queria que você morresse e deixasse o pobre padre em paz,
me desculpa Kira. – Lamentou George, ainda sem olhar para trá s para encara-
la.
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- Eu nã o sou Kira! – Respondeu a coisa.

George entã o olhou para trá s rapidamente e caiu no chão quando se


assustou com o que viu. Realmente nã o era Kira. Era Eliézer, era ele
fisicamente quem estava lá . Mas nã o do jeito que ele conheceu, ele estava
diferente, sua voz nã o tinha vida, sua aparência era monstruosa. Sua boca era
negra, seus dentes estavam afiados, tortos e maiores, sua pele pá lida como
cadá ver. Suas mã os estavam sem pele, era visível a carne nela, seus dedos
estavam mais largos e suas unhas enormes. Seus olhos eram negros, como se sua
pupila houvesse estourado e contaminado todo seu olho. E em seu peito havia
um grande buraco, mesmo buraco que fez para arrancar seu coraçã o.

Ele estava parado na frente da porta da igreja, olhando para George que
estava caído no chã o, em choque e desesperado, tremendo e gemendo.

- Olha o que você fez comigo! – Disse Eliézer apontando para si.

- Eu nã o fiz. – Disse Theo enquanto chorava.

- Você fez! Eu nunca fui feliz, eu nunca tive nada, ela era tudo pra mim,
ela era perfeita, ela era boa, ela me amou. Ninguém amou! Eu a amei, você a
tirou de mim – gritou Eliézer em voz de choro, derrubando lagrimas negras.
- Me perdoe por favor! Eu me arrependo do que fiz. – Implorou George.

- Se arrepende? Íamos ser felizes, ela só queria viver, ela amava a vida e
você a tirou dela, você a matou da maneira em que mais teme morrer, sem
misericó rdia. Íamos embora daqui juntos, viver juntos, ter filhos. Você tirou
tudo de nó s. – Gritou Eliézer ainda derramando lagrimas negras ainda mais
intensas.
- Me desculpa, me desculpa! – Implorava George soluçando de chorar.

- Ele disse que a libertaria, eu nã o sabia o que isso significava, minha


alma deixou meu corpo, eu aceitei em desespero, eu achei que ele a traria de
volta, eu dei meu coraçã o e alma a ele. Agora tenho que matar e dar as almas para
ele, para poupa-la do inferno. Eu tenho que matar para dar a ela morta, a paz
que sonhou em vida! Você me fez fazer isso. – Continuou Eliézer, que andou em
direçã o à George. – Você fez isso! você só tinha que nos deixar ir, nã o era seu
direito fazer o que fez, você nã o é deus!

- Por favor, vá embora! – Implorou George ainda chorando.

- Diga-me... qual o seu pecado? – Perguntou Eliézer, cada vez mais


pró ximo, agora com passos lentos.

- Eu... Ben... meu maior pecado foi Ben! – Respondeu George com muita
dificuldade. Esse pecado ele jamais confessou a ninguém, nem mesmo para deus.
E depois de ter visto Ben morto, ele sentiu a culpa e resolveu se confessar.

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Eliézer estava finalmente cara a cara com George, ele o agarrou pelos
braços e o aproximou de seu rosto. – Olha nos meus olhos, veja como é o
inferno.
– Gritou Elié zer. Mas George nã o conseguia olhar, ele virava o rosto e nã o
encarava. Ele sabia que era o culpado por tudo isso.
Enquanto Elié zer o segurava pelos braços, duas correntes quebraram o
vidro da janela, e entraram para dentro, elas corriam como se tivessem vida
pró pria, rastejando pelo chão, até chegarem neles. As correntes se agarraram
no pescoço de George e se apertaram, George começou a sufocar, e as
correntes subiam com ele, Eliézer largou de seus braços e elas voaram ate o
teto da igreja, se prendendo lá , e George subiu junto, ele estava a três metros
do chã o, e se contorcia conforme ia perdendo ar, ele resistiu bastante como da
primeira vez. Porém nã o aguentou, e morreu enforcado por correntes em uma
igreja, morreu da maneira que mais temia. E ficou balançando no ar por
minutos.

Eliézer apesar de poder se transformar em sombras e vultos, ainda


podia se materializar como humano e tocar em pessoas e objetos. Ele olhou em
torno da igreja, enquanto George morria e viu em cima da mesa os relatos de
Theo, seus ú ltimos relatos, e viu ao lado papéis em branco e um lá pis, e assim uma
ideia surgiu e ele a executou.

Ainda naquela mesma noite, todos os habitantes da vila se encontravam


dentro do galpã o. Estavam se refugiando lá temporariamente, o plano era
passarem a noite lá e no dia seguinte partirem para a cidade mais pró xima. Todos
estavam lá , sem faltar nenhum cidadã o. Todos os homens, mulheres, crianças e
idosos. Assustados obviamente e com medo, pensando se iriam sobreviver
mais uma noite. Todos já havia comido, alguns dormiam, outros descansavam
e vigiavam. Entre os vigias estava Helen, que se sentia responsá vel por eles
apó s encoraja-los, e visto que ningué m foi contra sua ideia de imigraçã o, seu
senso de responsabilidade só crescia.

Já era madrugada, faltando poucas horas para o que seria o amanhecer.


Helen conversava com Lola enquanto as crianças dormiam. Mas algo estranho
aconteceu, ela ouviu um barulho estranho, e sentiu um cheiro estranho e familiar.
Era cheiro de fumaça, e estava se espalhando por todo galpã o. O cheiro estava
tã o forte que alguns acordaram. O galpã o do nada ficou em chamas, começou
por uma parede e foi crescendo. As pessoas acordaram desesperadas, se
levantaram e correram para porta, mas a porta nã o abria, ela estava enterrada.
Tentaram arrombar a porta e tentaram quebra-la, mas foi inú til, era como se algo
a segurasse do lado de fora. O fogo ia se espalhando e crescendo, atingiu a
porta e o teto, a cena era horrível, um conjunto de gritos e desespero, quem
estava lá queria sair e a multidã o estava sobre pressã o, quem caia no chã o nã o
resistia a tantos golpes, quem ficava perto de mais das paredes era empurrado
pela multidã o desesperada. Alguns morriam sufocados pela fumaça.

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Mas tudo piorou quando o fogo cobriu o teto do galpã o que era madeira.
As pessoas estavam tã o desesperadas em sair, que esqueceram das latas de ó leo
que tinham ali. O teto estava sobre chamas, e logo começou a chover pedaços de
madeira em chamas, as vezes pedaços pequenos, as vezes grandes toras. Quem
nã o morria pela força do impacto, morria pelo fogo que se espalhava. E um
pedaço de madeira do teto, logo caiu sobre esse barril de ó leo, o derramando no
chã o e o espalhando, e consequentemente aumentando o fogo. O fogo estava no
lado de fora e agora dentro, em poucos minutos o teto inteiro desabou sobre os
que restavam. E os destroços, a fumaça e o fogo mataram todos ali, sem deixar
um sobrevivente se quer. Toda criança, idoso, homem ou mulher que habitava
aquela vila, havia morrido, e ninguém sobreviveu para contar a histó ria. quando
todos já estavam mortos e boa parte do lugar havia se desfeito, o fim da
madrugada chegou trazendo a manhã . A escuridã o deixou aquele lugar e um
lindo nascer do sol surgiu.

Dias se passaram, todos haviam morrido, e as cidades vizinhas


começaram a sentir falta das pessoas do vilarejo, o queijo, o milho e os peixes nã o
chegaram para venda e troca, ninguém visitou cidade nenhuma, sentiram falta
deles. E depois de nove dias do ú ltimo ocorrido, um grupo de onze pessoas
lideradas por Joshua da cidade vizinha, resolveu ir até o vilarejo ver se tudo
estava bem, afinal, nenhuma mercadoria havia chegado e nenhuma carta
subsequente. Navegaram através do rio e pararam ao lago. Estranharam a
ausência de pescadores e das crianças perto do lago. Saíram do barco e
resolveram ir procurar pelos habitantes da cidade. Eles se espalharam, cada
um foi para um canto. Joshua o líder resolveu ir até a igreja, e estranhou a
cidade estar deserta, ele passou despercebido pelo galpã o. Subiu as escadarias
e abriu a porta de igreja. E pulou para trá s com o susto que levou quando viu o
corpo de George ainda pendurado pelas correntes. O corpo fedia muito, estava
roxo e soltava uma espécie de saliva pela boca, o cheiro é insuportá vel.

Joshua assustado entrou para ver se tinha mais mortos ou algo assim, e
felizmente nã o achou nenhum. Apenas papeis em cima da mesa no altar. Uma
pilha assinada por George Theodopolis e uma carta fincada na mesa por uma
faca. Joshua pegou a pilha de George e as guardou em seu bolso. Já a carta, ele
removeu a faca, e a leu. E nela dizia:

“Eu pequei! Trai a deus, desapontei meus familiares, não cumpri minhas
obrigações de sacerdote.
Ela era perfeita, nunca vi ninguém assim antes. Seus olhos eram extremamente
expressivos, existe chamas em seu olhar. Seus cabelos possuem vida própria, seus lábios
são vermelhos como o sangue. Sua voz é encantadora, se assemelha ao cantar de anjos,
seu toque era leve e suave como rosas. Não resisti a tanta perfeição, pequei contra meus
princípios. Eu nunca me senti tão livre! Nunca me senti tão... completo e cheio de vida,

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meu peito queimava, algo me tocava por dentro, uma sensação indescritível, era tudo tão
perfeito que não parecia real.
Minha vida sempre foi resumida a um mar de cinzas, meu trabalho e dever me
consumia, servir a deus era meu único propósito, meu único caminho, meu destino.
Obrigado a ser o que sou, minha vida era infeliz e minha existência uma questão. E por
alguns dias eu pude saber o que é viver, o que era ser livre, o que era amar e ser amado,
mas tudo isso se foi quando eu vi o demônio! Eu a perdi, ela foi tirada de mim, ela foi
julgada por coisas que não fez. Eles a tiraram de mim e eu me vinguei. Eles a mataram,
a fizeram sofrer, ela era o amor da minha vida e agora ela se foi. O demônio veio até mim
e me prometeu liberta-la, em troca ele queria minha alma e meu coração e eu o dei, sem
pensar duas vezes, pensei que ele a traria de volta. Mas fui enganado, me tornei um de
seus discípulos, estou condenado a imortalidade, e tenho que matar por ele, para poupa-
la. Eu matei todos desse lugar maldito. Esse lugar me pertence agora!
Não estou preso a esse lugar, posso caminhar pelo mundo inteiro, tudo que
preciso é dar a ele uma nova alma todo dia. Todos os dias devo matar alguém, todos os
dias ando por aí, escolho alguém por seus pecados e dou a ele sua alma. Não adianta se
esconder ou correr, se eu te escolher você vai morrer!”

PADRE ELIÉ ZER, 11 DE ABRIL DE 1851

Joshua se espantou quando terminou de ler a carta, saiu correndo da igreja


e se deparou com seus companheiros, todos assustados, pois haviam descoberto
o galpã o e a carcaça dos animais mortos. Eles correram para o barco, e quando
chegaram lá sentiram falta de um deles. Onze saíram do barco, porem apenas dez
voltaram. Eles esperaram até o fim da tarde e esse integrante nã o retornou.
Joshua mostrou a carta para seus companheiros e leram os relatos de George. De
início nã o acreditaram, mas ambos relatos batiam muito bem, e os
acontecimentos se casavam com o que haviam visto. Eles decidiram ir embora e
abandonar o decimo primeiro tripulante, pois todos ali sabiam que ele já estava
morto!

- As noticias se espalharam, a vila ficou abandonada e se tornou um cemitério.


- Eliézer se tornou uma lenda e um medo comum entre os cristãos, ficou conhecido por
vários nomes: O Homem da Noite, O Assassino das Sombras e O Caçador de Almas.
- Afinal... Kira era uma Bruxa?
- Talvez nunca saberemos...

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