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MULHERES

MIGRANTES
TRABALHADORAS
DOMÉSTICAS
NA TRÍPLICE
FRONTEIRA
CDHIC- Centro de Direitos e Cidadania do Imigrante
Razão Social: Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC).
Endereço: Rua Luís Ferreira, n° 142 - Tatuapé - São Paulo - SP
Telefone: (11) 2257-3467
Email: contato@cdhic.org
Site: www.cdhic.org.br
Elaboração: Priscila Dutra, Catarina Simões e Florencia Salmuni
Edição e revisão do texto: Beatriz Jucá, Lorena Alves
Projeto gráfico e diagramação: Scopo Branding e Design
Direção de Arte: Deborah Orfali

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INSTITUIÇÕES ORGANIZADORAS

O Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), fundado em 2009, é uma


organização da sociedade civil que tem como objetivo promover, organizar, realizar e articular
ações que visem à construção de uma política migratória que respeite os direitos humanos,
econômicos, sociais e culturais de imigrantes, pessoas em situação de refúgio e suas famílias no
Brasil, tornando-as protagonistas de suas ações e criando mecanismos opostos às visões que
favorecem a dependência e o assistencialismo.

O Solidarity Center é uma organização sem fins lucrativos que trabalha com os Sindicatos e
Organizações Não-Governamentais (ONG’s) com o propósito de promover os direitos trabalhistas
e estabelecer uma alternativa de desenvolvimento econômico, mais equitativa e sustentável.

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1. APRESENTAÇÃO o conhecimento de direitos trabalhistas e de
serviços públicos no Brasil.
País de maior extensão territorial da América Antes de expor os dados, este relatório
do Sul, o Brasil convive, hoje, com intenso contextualiza a dinâmica das migrações no
fluxo de migrações internacionais, seja como território de fronteira por meio de dados
destino final ou como país de trânsito. O perfil demográficos e históricos das diferentes
dos migrantes que chegam ao País também comunidades, detalhando a intensificação
é dinâmico, sendo alterado de acordo com do fluxo migratório em Foz do Iguaçu. O
as dinâmicas mundiais, principalmente de texto ainda aborda a evolução do marco
ordem político-econômica ou climática. jurídico das relações trabalhistas no Brasil e
Aspectos como gênero, nacionalidade e seu impacto no avanço nas negociações e
idade têm se modificado ao longo das experiências de políticas públicas voltados
décadas, sendo importante destacar o a trabalhadores. Após a análise, o relatório
aumento da participação das mulheres neste aponta considerações finais sobre o trabalho
processo. Hoje elas representam quase 40% de campo.
do total de imigrantes no País. Este relatório Um dos desafios do projeto foi adentrar
foi construído a partir dos resultados da o universo das trabalhadoras migrantes,
pesquisa “Mulheres migrantes trabalhadoras que demonstraram particular desconforto
domésticas na tríplice fronteira: diagnóstico, e timidez ao serem questionadas sobre as
formação e atenção integral”, realizada pelo condições de trabalho.
Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Atuando na articulação de políticas
Imigrante (CDHIC) com apoio do Solidarity migratórias que respeitem os direitos
Center. humanos, o Centro de Direitos Humanos
No texto a seguir são esmiuçadas as relações e Cidadania do Imigrante e o Solidarity
de trabalho de imigrantes paraguaias e Center, em parceria com o Sindicato de
venezuelanas na tríplice fronteira (Argentina, Trabalhadoras Domésticas do Município
Brasil e Paraguai) em Foz do Iguaçu, tendo de São Paulo (STDMSP), promoveram um
como foco o serviço doméstico. A pesquisa levantamento anterior com foco na cidade
de campo foi realizada de julho a dezembro de São Paulo. O trabalho foi desenvolvido
de 2019, com entrevistas de 18 mulheres de setembro de 2017 a janeiro de 2018 e
que migraram para o Brasil e trabalham teve como resultado um grande impacto
como domésticas. na promoção e conscientização dos direitos
As entrevistas foram realizadas a partir trabalhistas das pessoas migrantes, com a
da aplicação de um questionário para escolha da primeira trabalhadora migrante
identificar as características econômicas na diretoria de um sindicato de domésticas
e familiares, país de origem, motivos da no País.
migração, experiências e condições de A operacionalização do projeto e divulgação
trabalho, violações, além de indagar sobre deste relatório têm a intenção de visibilizar

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a situação de migrantes trabalhadoras e conscientização na defesa e promoção de


domésticas, bem como debater os principais direitos.
desafios para uma inclusão social que garanta Consideramos como fundamental o
os direitos trabalhistas para imigrantes e conhecimento acerca do contexto no qual
pessoas em situação de refúgio, em especial estão inseridas as trabalhadoras da tríplice
no setor do trabalho doméstico. fronteira para que ações sejam desenhadas
Ressalvando as limitações do registro oficial na inserção social dessa população,
de informação sobre as condições de além da promoção de políticas públicas
trabalho doméstico no Brasil, os dados dão específicas e articulação de iniciativas da
luz às trajetórias dessas mulheres, muitas própria sociedade civil organizada buscando
vezes invisibilizadas no contexto das políticas melhorar as condições de trabalho e de vida
públicas. A execução do projeto tem como dessas mulheres.
objetivo aproximar os setores interessados
em construir um processo de sensibilização

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2. CONTEXTO Brasil registrou, de 2010 a 2018, 774,2 mil
imigrantes, incluindo nessa lista solicitantes
Ao longo dos séculos, a América Latina de refúgio e refugiados1.
apresenta histórico de intensas dinâmicas Entre 2011 e 2018, foram identificados 492,7
migratórias de pessoas na procura de mil imigrantes de longo termo, dos quais
melhores condições socioeconômicas. quase 40% são mulheres, explica o relatório
Crises econômicas e políticas, somadas OBMigra 2019. São Paulo foi o estado
aos desastres naturais e guerras, e novas que mais recebeu mão de obra imigrante
oportunidades lideram os motivos pelos em 2018, mas houve aquecimento da
quais trabalhadores optam por mudar movimentação de trabalhadores imigrantes
de destino. De acordo com dados no nos estados da Região Sul no período.
Ministério da Justiça e Segurança Pública, Se comparado à população brasileira, que
no Relatório Anual do Observatório das ultrapassa os 200 milhões de pessoas,
Migrações Internacionais (OBMigra 2019), o o número de imigrantes torna-se menos

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expressivo (cerca de 0,4% do total) em ressaltou-se que entre 2017 e 2018 176.259
comparação a países com marcante história venezuelanos entraram pela fronteira de
de imigração, como os Estados Unidos Pacaraima (RR), mas que 51,6% desses
(aproximadamente 15%). O território migrantes utilizaram o país não como destino
brasileiro apresentou alteração na sua curva final. 64% desses venezuelanos utilizaram a
de imigração. O Brasil já foi, no passado, um própria fronteira de Pacaraima para sair do
país com parcela importante de imigrantes país. Enquanto isso, outros 17% deixaram o
na sua população a partir das políticas de país pela ponte Tancredo Neves, em Foz do
abertura dos fluxos migratórios aplicadas Iguaçu, o que poderia explicar o expressivo
em diferentes momentos da história. aumento de trabalhadores venezuelanos na
Atualmente, ao chegarem no Brasil, os região2.
imigrantes deparam-se com situações De acordo com informações do Ministério
adversas, como dificuldades para regularizar da Justiça e Segurança Pública, em 2018,
a sua documentação, dificuldade no acesso os venezuelanos representaram 39% dos
aos serviços públicos, ausência de uma imigrantes e refugiados que entraram no
assistência jurídica especializada e falta País3. Dentro da denominada Operação
de um conjunto de políticas de inserção Acolhida, que está sendo desenvolvida pelo
produtiva e social da pessoa migrante. Governo Federal, com o apoio de agências
Nos últimos anos, a crise político-econômica das Nações Unidas, de governos estaduais e
que atinge a Venezuela foi responsável municipais e de parceiros da sociedade civil,
pela migração em massa de venezuelanos em Foz de Iguaçu registram-se 191 pessoas
para outros países, inclusive o Brasil. A interiorizadas no marco deste programa,
Organização das Nações Unidas (ONU) mas se evidencia um grande fluxo de
estima que quatro milhões de venezuelanos migrantes venezuelanos que se instalaram
já deixaram a Venezuela. Segundo dados da na região por meios próprios ou com ajuda
Casa Civil, em reunião do Comitê Federal de e apoio da rede de familiares e de amigos
Assistência Emergencial, realizado em 2018, da comunidade.

1.Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais.


Disponível em https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/publicacoes-obmigra/publicacoes-do-obmigra
2.Migrações e Trabalho. Breve Análise do caso dos trabalhadores fronteiriços em Foz do Iguaçu, Catarina Simões, 2019.
3.Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Polícia Federal. Disponível em http://www.pf.gov.br/servicos-pf/imigracao

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2.1. INSERÇÃO DOS MIGRANTES venezuelanas que trabalham como
NO MERCADO DE TRABALHO/ domésticas em Foz do Iguaçu; muitas delas
têm alta escolaridade, com nível superior
MERCADO DE TRABALHO
e diplomas de pós-graduação. Além das
DOMÉSTICO
complicações para revalidar os diplomas
universitários, enfrentam preconceitos
A maioria dos migrantes que chegam ao País quando chegam ao Brasil por serem
se encontra no auge da idade produtiva. migrantes. O não reconhecimento dos
Dessa maneira, é inegável o impacto currículos venezuelanos acaba levando essas
desses trabalhadores na movimentação das trabalhadoras a se inserir no setor de serviços.
economias locais. Na tríplice fronteira, por Cabe destacar que o trabalho doméstico é a
sua vez, é comum o trânsito de trabalhadores fonte de emprego mais importante para as
paraguaios para o Brasil. Muitos deles cruzam mulheres da América Latina, já que é exercido
a fronteira cotidianamente para trabalhar e por mais de 15% das trabalhadoras, conforme
voltam para o país de origem ao fim do dia dados da Organização Internacional do
pela proximidade geográfica. Um fenômeno Trabalho (OIT)5. No decorrer dos anos, a
interessante, nessa área de fronteira, é o distribuição sexual do trabalho atribuiu
deslocamento de mulheres, em especial às mulheres a responsabilidade pela vida
paraguaias, em busca de trabalho como reprodutiva, assumindo tarefas relacionadas
empregadas domésticas. São em regra à manutenção do lar, bem como os cuidados
trabalhadoras fronteiriças, ou seja, residem de crianças e pessoas idosas. A invisibilidade
em seu país de nascimento se deslocando e a falta de reconhecimento do trabalho
transnacionalmente apenas para trabalhar4. doméstico remunerado na sociedade
Já a comunidade venezuelana, diante dos muitas vezes limitam o desenvolvimento
impasses burocráticos e financeiros, acabam das pessoas como sujeitos de direitos e
trabalhando em áreas completamente restringem o pleno exercício de cidadania
diferentes da formação original. É nesse das mulheres6.
contexto que estão inseridas as mulheres

4.Empregadas Domésticas Paraguaias Inseridas em Foz do Iguaçu (BR) Uma análise sobre a trajetória de vida e condições laborais.
Eduardo Alves Gomes, 2019.
5.Organização Internacional do Trabalho (OIT) Mais informações https://www.ilo.org/brasilia/temas/trabalho-domestico/lang--pt/index.htm
6.El trabajo del hogar remunerado: Brechas y vulnerabilidades. GMIES Grupo de Monitoreo Independiente de El Salvador.

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2.2. MIGRAÇÃO E TRABALHO direitos trabalhistas das pessoas migrantes
e suas famílias. Tal convenção, por sua vez,
Existem diferentes instrumentos jurídicos que é reconhecida pela Organização das Nações
visam regulamentar as atividades inerentes Unidas (ONU) como um dos instrumentos
ao trabalho doméstico, tanto sob o plano fundamentais para a defesa e manutenção
nacional quanto internacional. Entre esses dos direitos humanos8.
figuram a Declaração Universal dos Direitos A Constituição Federal não faz diferença
Humanos, o Pacto Internacional de Direitos entre os trabalhadores, mas, muitas vezes,
Civis e Políticos e o Pacto Internacional de imigrantes acabam aceitando vagas de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. trabalho em condições precárias devido
O Convênio C189 - proposto pela a situações de discriminação, falta de
Organização Internacional do Trabalho (OIT) informação e desconhecimento dos direitos
e ratificado pelos países contornados pela trabalhistas. No Brasil têm direito ao visto de
tríplice fronteira - reconhece as condições trabalhador fronteiriço migrantes que moram
particulares a partir das quais se estabelece o em cidade limítrofe ao local de trabalho
trabalho doméstico, além de assegurar que e realizam complexo trâmite legal junto
os Estados signatários se comprometam a aos órgãos federais competentes (Polícia
promover leis e/ou normas que consolidam Federal, Receita Federal, INSS) para acessar
os princípios e direitos fundamentais o emprego. Essa prática é especialmente
relacionados ao trabalho, tais quais: comum entre paraguaios que trabalham no
• Liberdade de associação, liberdade Brasil, mas o visto de trabalho é restrito à
sindical e o reconhecimento do direito de cidade que foi declarada na solicitação.
negociação efetiva; A regulamentação do trabalho doméstico
• A erradicação de todas as formas de quanto à jurisdição nacional vigente, no
trabalho forçado e compulsório; dia 1º de julho de 2015, foi promulgada
• A erradicação do trabalho infantil; pela Lei Complementar nº 105/2015, que
• A eliminação da discriminação em matéria revogou a lei anterior, conhecida como a
de emprego e ocupação7. “Lei dos Domésticos”, de nº 5.859/72. A
O País ainda não aderiu à Convenção nova legislação passou a definir empregado
Internacional relacionada à proteção dos doméstico, em seu art. 1o, como:

7.Art.3 do Convênio C189 sobre o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos. Organização Internacional do Trabalho (OIT)
8.Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias. Adotada pela Resolução
45/158 da Assembléia Geral da ONU em 18 de dezembro de 1990.

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Aquele que presta serviços de forma VII - direito de associação, inclusive sindical,
contínua, subordinada, onerosa e pessoal para fins lícitos11.
e de finalidade não lucrativa à pessoa ou Também aprovada pelo Congresso Nacional
à família, no âmbito residencial destas, por em 2017, a Reforma Trabalhista trouxe
mais de 2 (dois) dias por semana9. mudanças aos trabalhadores domésticos no
Nos seus demais artigos, a PLC nº 105/2015 Brasil, abrindo margem para o aumento da
também passou a regulamentar e categorizar carga de trabalho, o que impacta a parcela
as jornadas de trabalho e férias, assim dos imigrantes que trabalham nessa área.
como a contabilizar os períodos inerentes Uma das alterações refere-se à jornada de
às horas extras, garantir o direito ao seguro trabalho, que não ultrapassava as 44 horas
desemprego e acesso ao Fundo de Garantia semanais (dividida em oito horas por dia), e
do Tempo de Serviço (FGTS), entre outros. poderá ser ampliada em até quatro horas se
Em 2017, a Lei de Migração foi sancionada houver acordo escrito entre empregador e
no Brasil e entrou em vigor após edição de funcionário, com descanso obrigatório de 36
decreto presidencial em novembro daquele horas ininterruptas.
ano, substituindo o antigo Estatuto do Houve mudanças, ainda, relativas às férias,
Estrangeiro, de 1980, criado na ditadura que continuam sendo de 30 dias, mas agora
militar e que trata a entrada de estrangeiros podem ser fracionadas em até três períodos,
no País com a abordagem de segurança cada um deles com duração mínima de
nacional. Naquele contexto, a chegada de cinco dias consecutivos. O descanso mínimo
imigrantes era entendida como “ameaça” intrajornada foi ampliado para 30 minutos. O
à nação, caracterizando o migrante como empregado/a doméstico/a que atue como
um problema de segurança, impedindo, diarista só terá seu vínculo reconhecido se
assim, a participação de imigrantes em trabalhar mais de duas vezes por semana
manifestações políticas e sindicais10. A nova na mesma residência, e as rescisões dos
legislação de migração amplia os direitos, empregados com mais de 12 meses de
assegurando regularização migratória, visto carteira assinada não mais necessitam ser
humanitário, acesso a políticas públicas e homologadas no sindicato da categoria.
participação em organização sindical. A Com a Reforma Trabalhista, a situação de
Lei 13.445, que estabelece o direito de vulnerabilidade do trabalhador aumentou,
associação e participação para fins lícitos, principalmente quando modificou quais
diz expressamente que: verbas integram o salário (Art. 457 e
Ao migrante é garantida no território parágrafos) e as formas de negociações
nacional, em condição de igualdade com os entre patrão e empregado, como sobre o
nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, horário de almoço.
à liberdade, à igualdade, à segurança e à Também verifica-se, em muitos de seus
propriedade, bem como são assegurados: artigos, a prevalência da convenção/acordo
[...] VI - direito de reunião para fins pacíficos; coletivo em detrimento do estipulado pela

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Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o acesso a um espaço próprio dentro dos
mesmo que signifique um benefício menor sindicatos. Isso faz com que demandas e
ao trabalhador. Assim, a importância da experiências dessas trabalhadoras sejam
participação dos sindicatos laborais na luta ouvidas, podendo refletir no alcance
por benefícios aos empregados domésticos e consolidação de seus direitos, por
é essencial para, dentro desse contexto, exemplo, por meio de convenção coletiva.
manter e aumentar direitos por meio de A conscientização sindical é fundamental
acordos e convenções coletivas. nesse aspecto. Uma boa prática destacada
Na pesquisa “Mulheres, migrantes e no projeto desenvolvido em São Paulo
refugiadas, trabalhadoras domésticas na foram as propostas encaminhadas à
cidade de São Paulo e região metropolitana”, convenção coletiva de trabalho do Sindicato
desenvolvida de setembro de 2017 a janeiro dos Trabalhadores Domésticos do Município
de 2018, por CDHIC e Solidarity Center, o de São Paulo, onde se destaca a não-
relatório conclui que a sindicalização de discriminação entre trabalhadores nacionais
mulheres migrantes empregadas domésticas, e migrantes, garantia de igualdade salarial e
a partir da Nova Lei de Migração, permite direito à informação.
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9.BRASIL. Lei Complementar nº. 150, de 1º de junho de 2015.


10.Bela Feldman - Bianco. La Cuestión Migratoria en Brasil: Paradojas y Avances.Megafon Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales N* 14/4 | Agosto 2017
11.BRASIL. Lei 13.445/2017 Seção II Dos Princípios e das Garantias. Art. 4º

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2.3. POLÍTICAS DESENVOLVIDAS Clínica de Direitos Fundamentais Sociais
EM FOZ DO IGUAÇU, A REDE e Migração. Entende-de que a fluência na
língua local amplia as oportunidade de se
PÚBLICA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS
conseguir uma ocupação qualificada, já
E ACADÊMICA NO ATENDIMENTO
que o trabalhador estará apto a preencher
AO MIGRANTE currículos mais completos e terá um melhor
desempenho em entrevistas de emprego.
A cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, é Em 2008, o Executivo municipal fundou a
conhecida como tríplice fronteira por ser Casa do Migrante, uma cooperação entre o
o ponto onde três países se encontram no Município e o Governo Federal, por meio do
Rio Iguaçu: Brasil, Argentina e Paraguai. Ministério do Trabalho. A instituição presta
Esse marco acabou tornando o município atendimento a trabalhadores brasileiros que
movimentado do ponto de vista geopolítico. vivem nos países de fronteira e a imigrantes
Com a chegada massiva de venezuelanos, a dos países vizinhos que residem ou trabalham
cidade ganhou demandas extras, uma vez em Foz do Iguaçu e região12. O Município
que aqueles migrantes não se encaixam nas também conta com a Casa do Empreendedor,
garantias do visto de trabalho fronteiriço, a que dá suporte aos pequenos comerciantes
exemplo dos paraguaios. e presta esclarecimentos aos trabalhadores
Por sua vez, esse aumento no fluxo migratório sobre negócios de pequeno porte.
despertou iniciativas do poder público e de As Secretarias de Assistência Social e
organizações da sociedade civil para acolher Extraordinária de Direitos Humanos e
e integrar essas pessoas. A Prefeitura de Relações com a Comunidade promoveram
Foz do Iguaçu incluiu os imigrantes no o lançamento do Protocolo de Assistência
público prioritário de cursos de capacitação ao Migrante em Situação de Vulnerabilidade
profissional de curta duração para que esses em 201913, com a finalidade de informar
trabalhadores consigam iniciar uma nova sobre a rede de assistência ao migrante
vida a partir da estaca inicial. além de ser utilizada para a capacitação
Outra iniciativa é o curso de português de servidores públicos. A cidade também
direcionado a imigrantes e elaborado pela criou por decreto municipal, em 2019, o
Universidade Estadual do Oeste do Paraná Comitê Municipal de Atenção ao Migrante,
(Unioeste), por meio do projeto de extensão Refugiado e Apátridas14.

12.A nova realidade trabalhista dos Venezuelanos na fronteira de Foz do Iguaçu. Cibelly Rubio e Priscila Dutra, 2019.
13.Protocolo de Assistência a Migrantes em Situação de Vulnerabilidade (2018). Organizado pela Organização Internacional para Migrações (OIM).
Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil. Recuperado de: https://www.unodc.org/documents/human-trafficking/GLO-ACT/OIM_Protocolo_1.pdf
14.Decreto nº. 27.094, de 27 de março de 2019. Institui o Comitê Municipal de Atenção aos Migrantes, Refugiados e Apátridas no Município de Foz do Iguaçu.

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3. RESULTADOS ativa do Brasil, com 16% da população total
formada por pessoas nascidas em outro
país. São imigrantes de 90 nacionalidades
3.1. METODOLOGIA
diferentes que vivem ali, a maior parte
Os dados coletados no projeto foram
paraguaios, libaneses, chineses, argentinos
resultado de reuniões junto a organizações
e, mais recentemente, vem crescendo o fluxo
sociais, poder público e entrevistas
migratório de venezuelanos, colombianos e
presenciais com trabalhadoras domésticas
haitianos.
migrantes entrevistadas em Foz do Iguaçu
No universo desta pesquisa, observa-
e na tríplice fronteira (Brasil, Argentina e
se a presença de mulheres colombianas,
Paraguai). Participaram 18 mulheres de
paraguaias e venezuelanas. Embora se
diferentes nacionalidades para as entrevistas,
saiba que há uma grande concentração de
com a aplicação de um questionário
migrantes originárias do Paraguai na região,
semiestruturado. Elas foram selecionadas sob
foi constatada a dificuldade específica
os seguintes critérios: ser mulher imigrante,
de participação delas nas entrevistas,
trabalhar na região mencionada e atuar ou
principalmente devido ao receio de
já ter atuado como trabalhadora doméstica.
qualquer exposição em um contexto que
As entrevistas foram realizadas entre os dias
inclui a ausência de uma rede no território
26 de agosto e 29 de novembro de 2019, e
para o acolhimento e atendimento das
os detalhes do questionário aplicado podem
comunidades migrantes. A falta da presença
ser conferidos ao final deste relatório.
sindical nesta região provoca escassez de
Os dados coletados - que incluem
espaços de informação e promoção sobre
informações como o tempo de permanência
os direitos trabalhistas desta categoria. Esse
no Brasil, a situação migratória, o grau
“medo” - provavelmente consequência
de escolaridade, os detalhes da situação da ausência de espaços que promovem
trabalhista e o conhecimento da entrevistada direitos trabalhistas dessas comunidades e
sobre os seus direitos - permitem traçar um as apoiam a perceber-se como sujeitos de
perfil socioeconômico da mulher migrante direito - também está presente em menor
trabalhadora doméstica na região de Foz grau em migrantes de outras nacionalidades,
do Iguaçu, considerada a fronteira mais que mostraram receio em gravar entrevistas.

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Venezuela Paraguaia Colombiana

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3.2. DESCRIÇÃO DAS MULHERES com o Paraguai e o desenvolvimento
MIGRANTES TRABALHADORAS local impulsionado pela Itaipu Binacional
influenciam um fluxo diário de mulheres
DOMÉSTICAS ENTREVISTADAS EM
paraguaias, que cruzam a fronteira todos os
FOZ DO IGUAÇU
dias para trabalhar no Brasil. Embora 78%
A maioria das mulheres que integra o
das migrantes domésticas entrevistadas
universo pesquisado está no Brasil há um
tenham filhos, é alto o percentual daquelas
período inferior a dois anos, fala português,
cujos descendentes permanecem vivendo
tem filhos e utiliza os equipamentos públicos
no seu país de origem. Apenas 61% das
brasileiros. São, em geral, mulheres adultas
entrevistadas declararam que seus filhos
com idade entre 30 e 60 anos. Apenas duas
moram no Brasil.
entrevistadas têm menos de 30 anos e uma
A situação migratória das entrevistadas
já ultrapassou os 60. Embora metade das
também está predominantemente em
migrantes sejam solteiras, a maioria delas
conformidade com as leis brasileiras. Uma
migrou para o Brasil com algum conhecido
pequena parcela de 5% das migrantes
ou familiar. O trabalho doméstico muitas
que participaram desta pesquisa admitiu
vezes se converte em uma oportunidade,
estar no país sem documentos. As demais
especialmente para este público, uma
dispõem de visto permanente, visto
vez que é uma área cuja mão de obra é
temporário ou estão com seus trâmites de
predominantemente feminina, e o estado
regularização em curso. Isso significa que
civil costuma ter influência significativa
quase dois terços das entrevistadas dispõem
durante a contratação. Somente 5% das
da documentação necessária para morar e
migrantes afirmam ter vindo a Foz do Iguaçu
trabalhar formalmente no país. Quando
completamente sozinhas.
a pergunta é sobre o conhecimento do
Os dados desta pesquisa mostram que
procedimento para regularização como
a região da tríplice fronteira segue o
migrante, 11 entrevistadas disseram
padrão dos fluxos migratórios no Brasil,
conhecer o processo, enquanto uma afirmou
com a presença cada vez mais intensa
saber pouco e quatro admitiram não saber
de migrantes que estão fugindo da crise
como regularizar sua situação migratória.
humanitária da Venezuela. Embora a maior
Apesar da ausência de uma rede de apoio
parte dessa comunidade entre no País pela
capaz de assessorar sobre os passos para
Região Norte, na fronteira com o estado de
obter a documentação, a situação migratória
Roraima, o programa de interiorização do
predominantemente regular pode ser
Governo e a possibilidade de ir para outros
explicada pelo alto grau de escolaridade das
países a partir dessa região contribuem
entrevistadas, especialmente das migrantes
para a chegada constante de venezuelanos.
venezuelanas. Muitas delas têm títulos de
No entanto, esse território é marcado
graduação, mestrado ou doutorado, mas
por uma particularidade: a proximidade

14 MULHERES MIGRANTES TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NA TRÍPLICE FRONTEIRA


como não conseguem validar seus diplomas Contagem de “Você recebe horas extras?”

no Brasil, veem no trabalho doméstico SIM

uma oportunidade de conseguir alguma 2

renda. Das 18 mulheres que responderam


ao questionário aplicado, somente uma
já atuava como doméstica no seu país de
origem.
NÃO

3.3. AS CONDIÇÕES DE TRABALHO


16

NA TRÍPLICE FRONTEIRA
A relação entre o tipo de contratação A informalidade, característica do trabalho
informal das mulheres migrantes no serviço doméstico no Brasil, tem múltiplas
doméstico não pode ser atrelada a problemas consequências sobre as condições de vida
burocráticos como a falta de documentação. das mulheres, além das já enfrentadas pela
Conforme as estatísticas levantadas por esta razão de serem migrantes, sendo, muitas
pesquisa, apenas três das mulheres migrantes vezes, vítimas de discursos de discriminação
têm um contrato formal de trabalho, e xenofobia.
enquanto 15 atuam sob acordos formais com
seus empregadores. A principal forma pela
Como encontrou o emprego?
qual elas conseguem esse trabalho é pela
AMIGO DO EMPREGADOR
indicação de amigos, seguida pela busca
1
individual e pela indicação de familiares e
SOZINHA
parentes de empregadores. 2

FAMÍLIA
Contagem da contratação: através de um contrato formal de
trabalho escrito com empregador ou acordado verbalmente. 1

15

AMIGOS
15

10

As condições de trabalho relatadas pelas


5 entrevistadas indicam precariedade e falta
de estabilidade, características comuns
desta profissão no Brasil. Ao todo, 72,2%
0
verbalmente contrato
delas atuam como diaristas, enquanto 27,8%
têm acordo de trabalho mensal.
Contagem de como foi a sua contratacão através de um contrato
formal de trabalho escrito com...

CDHIC - CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DO IMIGRANTE 15


Além disso, a maioria dessas mulheres No entanto, quando a pergunta é sobre
migrantes não tem carteira assinada nem os benefícios comuns aos trabalhadores
dias de folga na semana. Se por um lado 76% oficialmente registrados, constatamos que
delas afirmam que suas rotinas de trabalho é baixa a parcela dos que têm acesso a
respeitam a média de oito horas diárias de vale transporte, vale refeição ou férias. Isso
trabalho, 5% relatam que se submetem a porque 55,6% das entrevistadas afirmaram
exaustivas jornadas que superam 15 horas não gozar de nenhum desses direitos
por dia, enquanto 5% explicam que sua carga trabalhistas. E mais de 80% não recebem
horária depende do dia, já que atuam para pelas horas extras trabalhadas.
diferentes empregadores na informalidade.
Direitos a benefícios no trabalho

Carteira de trabalho assinada VT / FÉRIAS

15
1

VT / VR
4
10
NÃO
9
VT

5 3

VT / FÉRIAS / SEG...
1
0
não sim
Outro dado identificado preocupante é o
fato de 83,3% das mulheres migrantes não
terem conhecimento sobre seus direitos
Dias de folga
12
trabalhistas, que incluem os benefícios
10 citados acima. A legislação que regula
8 o trabalho doméstico no Brasil avançou
6 consideravelmente nos últimos cinco anos.
4
A Lei Complementar 150, sancionada em
2

0
junho de 2015, assegura novos direitos
domingo não tem sábado/domingo aos trabalhadores de uma categoria que
historicamente sofre com a precarização
Com relação à remuneração, identifica- na atividade profissional. A legislação
se que metade das migrantes cobra um brasileira passou a determinar direitos como
valor igual ou superior a um salário mínimo FGTS, pagamento de adicional noturno e
com o trabalho doméstico. Esse dado leva seguro desemprego. Alguns pontos não
em consideração o valor do ano de 2019, especificados nesta lei acabaram pendentes
quando o salário mínimo era de 998 reais. das determinações da reforma trabalhista

16 MULHERES MIGRANTES TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NA TRÍPLICE FRONTEIRA


que o Congresso Nacional aprovou em de violência no local de trabalho, já que
2017 para alterar mais de cem artigos da são comuns relatos de discriminação pela
Consolidação das Leis do Trabalho, como a nacionalidade, idade ou língua. A falta
definição dos benefícios ao empregado, que de informação sobre o acesso a direitos
incluiria, por exemplo, Vale Refeição e Vale no país de destino, bem como o medo
Transporte. O desconhecimento sobre as de serem denunciadas pelo empregador,
regras brasileiras para o trabalho doméstico além de possíveis ameaças referentes
formal é quase unânime no universo à documentação, são algumas das
pesquisado: apenas uma migrante disse situações que costumam ser enfrentadas
ter ouvido falar da legislação trabalhista pelas mulheres migrantes. Esse receio foi
brasileira enquanto as outras 17 admitiram identificado durante o trabalho de campo, em
não conhecê-la. especial com a dificuldade para entrevistar
O diagnóstico revela ainda que a maioria as migrantes de origem paraguaia.
das mulheres migrantes ingressam no
serviço doméstico por ver neste trabalho
uma oportunidade de sustento e acesso
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
ao mercado de trabalho. Quase 90% das
entrevistadas neste estudo têm amigas Fazer um breve diagnóstico da realidade
ou familiares que também atuam como migratória e trabalhista de mulheres
trabalhadoras domésticas. Todas elas dedicadas ao serviço doméstico em Foz do
buscam melhorar suas condições de vida, Iguaçu foi o desafio assumido pelo Centro de
mas, sem carteira assinada ou conhecimento Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante
suficiente para exigir as garantias e (CDHIC) e Solidarity Center na execução
proteções das leis brasileiras, muitas acabam do projeto “Promoção e fortalecimento
imersas em situações de vulnerabilidade. das trabalhadoras domésticas imigrantes
Quanto à busca para aperfeiçoar o trabalho e refugiadas através de diagnóstico,
doméstico ao ingressar na profissão, formação e atenção integral”. Apesar das
identifica-se que algumas trabalhadoras dificuldades encontradas durante o trabalho
fizeram alguma atividade de formação e de campo para adentrar o universo dessas
capacitação diretamente relacionada a esse mulheres - em especial pelo desconforto das
serviço, oficina de costura ou outros cursos entrevistadas em expor suas realidades em
oferecidos pela Universidade Estadual do razão do receio de perder suas atividades
Oeste do Paraná (Unioeste). laborais ou mesmo sofrer algum tipo de
retaliação por parte dos empregadores -,
3.4. VIOLÊNCIAS NO TRABALHO foi uma experiência que viabilizou uma série
Na etapa de entrevistas, também de reflexões finais e a produção de dados
questionamos sobre possíveis situações que nos ajudam a pensar os potenciais

CDHIC - CENTRO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DO IMIGRANTE 17


de organização e conscientização dessas relatos obtidos pelas organizações sociais
mulheres nas ações de garantia de direitos. que atuam com a comunidade migrante,
A região analisada tem a característica consultadas durante a pesquisa.
particular de ser uma zona de intenso fluxo A proximidade com o país de origem faz com
migratório, inclusive com trabalhadores que muitas dessas trabalhadoras domésticas
que voltam aos seus países de origem utilizem o sistema de serviços públicos de seu
diariamente após as jornadas de trabalho país, onde geralmente seus filhos moram e
no território brasileiro. Foz do Iguaçu está estudam. A jornada de trabalho e os horários
localizada na tríplice fronteira entre Brasil, são bastante difusos para esse grupo, com
Argentina e Paraguai. Trata-se de uma região variação expressiva para as que moram na
que, historicamente, lida com a presença casa da família para quem trabalham.
de trabalhadores fronteiriços oriundos do Às questões históricas observadas
Paraguai. Embora haja previsão de proteção em Foz do Iguaçu com a presença da
jurídica específica para esse tipo de comunidade paraguaia, soma-se agora a
trabalhador no Brasil, a ausência de acordos uma nova realidade decorrente da migração
bilaterais sobre o tema com as autoridades venezuelana. A região da tríplice fronteira
paraguaias abre lacunas jurídicas e políticas tem seguido o padrão brasileiro, com o
cujo maior efeito é deixar os trabalhadores aumento do fluxo de migrantes oriundos
à mercê de graves inseguranças nas da Venezuela, o que vem modificando a
relações trabalhistas15. Em um grupo já em dinâmica municipal com respeito às políticas
situação de vulnerabilidade, como é o das públicas nesta área. Se antes a preocupação
migrantes domésticas, por ser um trabalho era exclusivamente direcionada à população
historicamente marginalizado e privado de paraguaia, agora o município também
direitos, isso se reflete em condições de precisa articular políticas para proteger um
trabalho precarizadas. novo grupo de migrantes, que não se encaixa
A maioria das migrantes paraguaias que na definição de trabalhadores fronteiriços e
atuam no serviço doméstico manifestam medo que apresenta um perfil particular.
ao dar seu depoimento e muitas trabalham Observamos durante a execução da pesquisa
também para casa de famílias de outras que as mulheres migrantes venezuelanas
comunidades migrantes na cidade de Foz do em geral apresentam nível de escolaridade
Iguaçu. Além disso, é expressiva a parcela elevado e, muitas vezes, precisam ocultar
das migrantes paraguaias com situação suas qualificações ou mesmo as experiências
migratória irregular e que desconhecem laborais que tiveram em seu país de origem
os direitos trabalhistas assegurados pelas nos currículos para conseguir colocação
leis do país de destino. Frequentemente no serviço doméstico. A atividade, que se
ameaçadas por seus patrões, elas enfrentam configurou como uma importante porta de
situações de privação de direitos, conforme entrada para essa comunidade no Brasil,

18 MULHERES MIGRANTES TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NA TRÍPLICE FRONTEIRA


agora começa a ser substituída pelo serviço de de Direitos Humanos da OAB/Foz e pelos
hotéis. A maioria dessas mulheres migrantes núcleos de pesquisa em migrações da
dispõe de documentação e chega ao Brasil UNIOESTE e UNILA.
acompanhada por seus filhos ou familiares, Apesar desse avanço, a cidade ainda
em alguns casos por conta do programa de necessita de uma rede sólida voltada para
acolhida humanitária, que visa desconcentrar essa comunidade. No caso específico das
a presença de imigrantes venezuelanos no mulheres migrantes que atuam no serviço
norte do País. O processo de interiorização doméstico na região, a falta de conhecimento
de imigrantes venezuelanos de Roraima e informação sobre os direitos trabalhistas
para outras regiões do Brasil completa dois mostra que há pouca relação com a questão
anos em abril de 2020. Atualmente mais sindical. É um desafio aproximar os setores
de 15 mil pessoas foram interiorizadas, interessados em construir um processo de
segundo dados das Nações Unidas16. No sensibilização e conscientização na defesa e
entanto, a região conta também com uma promoção de direitos. A partir da Nova Lei
porcentagem da comunidade venezuelana de Migração, é permitido aos imigrantes se
que chegou por conta própria, com apoio e sindicalizarem, melhorarem suas condições
ajuda de familiares e amigos. trabalhistas, sociais e econômicas frente
Nos últimos anos, Foz do Iguaçu vem aos seus empregadores, como também se
avançando nas políticas de acolhimento e informar sobre os seus direitos, a fim de evitar
inserção aos migrantes - como foi o caso situações de trabalho análogo à escravidão.
da criação do Comitê Municipal de Atenção No entanto, faltam organizações sindicais da
ao Migrante, Refugiado e Apátridas do categoria de trabalho doméstico na região
Município de Foz do Iguaçu e o lançamento da tríplice fronteira que possam auxiliar
do Protocolo de Assistência ao Migrante em as migrantes a adquirir o conhecimento
situação de vulnerabilidade, que serve de necessário para defender os seus direitos.
guia na capacitação de servidores públicos
sobre o tratamento digno que a comunidade
migrante deve receber nas áreas da saúde,
educação e segurança. Faz parte desse
avanço também as ações desenvolvidas
pela Secretaria extraordinária de Direitos
Humanos de Foz do Iguaçu, pela Comissão

15.FARINA, Bernardo Cunha. Trabalhadores fronteiriços na tríplice fronteira: confronto entre a igualdade jurídica e a realidade.
Foz do Iguaçu, PR. Dissertação (Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras). UNIOESTE, 2015.
16.ACNUR. Disponível em:
https://www.acnur.org/portugues/2019/06/07/numero-de-refugiados-e-migrantes-da-venezuela-ultrapassa-4-milhoes-segundo-o-acnur-e-a-oim/

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