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HISTÓRIA
DO TARÔ
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21-86797 CDD-133.32424
HISTÓRIA
DO TARÔ
Um Estudo Completo sobre suas
Origens, Iconografia e Simbolismo
Introdução ..................................................................................................................................... 9
Capítulo IV: A história do tarô também se inscreve na história da adivinhação ....... 129
1. Adivinhação e ocultismo no século XV .......................................................................... 131
As práticas divinatórias no final da Idade Média ......................................................... 131
Astrologia e tarô ............................................................................................................... 134
Alquimia, hermetismo e tarô .......................................................................................... 140
O autor Gérard Van Rijnberk relata que essa história sobre a origem do tarô lhe foi
narrada por um certo M. V. Tomber, vice-cônsul da Estônia em Amsterdã, que, por sua vez,
a teria ouvido em “uma poderosa sociedade ocultista da época anterior à Revolução
Bolchevique”.1 Papus, o célebre ocultista sobre o qual ainda discorreremos, anuncia em sua
obra Tarot des Bohémiens [O Tarô dos Boêmios] que a encontrou em “um velho manuscrito
todo empoeirado, esquecido no canto de uma biblioteca”.2
O mais misterioso nessa história, cujas fontes são mais que incertas, é o fato de ela ter
se tornado um dos mitos fundadores do tarô. A ideia de que um baralho seja o receptáculo
de sabedorias ocultas cativou um bom número de autores desde o século XVIII. Antoine
Court de Gébelin foi o primeiro a desenvolver uma teoria sobre as origens egípcias do jogo
no tomo VIII de seu Monde primitif [Mundo Primitivo], publicado em 1781:3 “Se ouvíssemos
alguém dizer que ainda hoje existe uma obra dos antigos egípcios, um de seus livros que
teria escapado das chamas que devoraram suas magníficas bibliotecas e que contém sua
doutrina mais pura sobre temas interessantes, certamente ficaríamos impacientes para
conhecer um livro tão precioso e extraordinário. Se acrescentássemos que esse livro é muito
1 Gérard Van Rijnberk, Le Tarot, histoire, iconographie, ésotérisme, Paul Derain, Lyon, 1947, p. 14.
2 Papus, Le Tarot des Bohémiens, G. Carré, Paris, 1889, p. 348. [O Tarô dos Boêmios. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2003.]
3 Antoine Court de Gébelin, Monde primitif, analysé et comparé avec le monde moderne, Paris, 1781, t. VIII, pp. 365-66.
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4 Escrito por Éliphas Lévi em Dogme et rituel da la haute magie, G. Baillière, Paris, 1856. [Dogma e Ritual da Alta Magia. São Paulo,
Pensamento, 21ª ed., 2017. (N. da T.)]
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◆◆◆ Entre mitos, jogos e símbolos gratuitos, banais, fortuitos, realizados apenas para o
entretenimento. Os deuses jogavam, nem mais nem
Era uma vez um rei e uma rainha irmãos, que reina- menos, por desafios como a concepção do mundo ou
vam no início dos tempos. Ele se chamava Geb e domi- de outros deuses. A mitologia grega também apre-
nava a terra; ela se chamava Nut e governava o céu. senta relatos de partidas célebres, como a ocorrida
Ambos tiveram um amor incestuoso. Rá, o deus Sol, entre os pretendentes que disputaram a mão de
criador soberano, descobriu o relacionamento de Penélope no jogo de habilidade concebido pelo astuto
ambos e, indignado, proibiu Nut de dar à luz em qual- Ulisses, ou Eros jogando ossinhos com Ganimedes, o
quer mês do ano. Contudo, a rainha tinha outro mais belo dos mortais. Os textos cristãos evocam os
amante, Thot, o escriba divino, erudito das letras e das romanos apostando a túnica de Cristo no jogo de
artes e mestre dos jogos. Para tentar impedir a maldi- dados, ou ainda Percival jogando contra um tabuleiro
ção do Sol, Thot apresentou-se à Lua e lhe propôs uma mágico. Os jogos são ações realizadas fora do tempo
partida de “jogo de tabuleiro”. Ele venceu a partida, e comum, com regras que são aceitas mesmo quando
a Lua foi obrigada a lhe dar uma das 72 noites em que seu sentido nem sempre é entendido e por apostas
brilhava por ano. Com a soma de todas essas frações que às vezes também ultrapassam a compreensão. Se
de luz reunidas, Thot formou cinco dias, que acrescen- considerarmos as cartas, como interpretar o ato de
tou aos outros 360. Como esses dias não faziam parte dispô-las diante de si, sobre uma mesa, e manipulá-las
de nenhum mês do ano, Nut pôde dar à luz cinco para conhecer o sentido oculto da própria existência,
filhos: Osíris, Hórus, Set, Ísis e Néftis.5 ou então o de arriscar arruinar a própria vida com as
Essa lenda revela várias coisas. Em primeiro apostas caras e viciantes dos jogos a dinheiro?
lugar, que os jogos têm suas raízes nas mitologias No plano simbólico, a lenda do “jogo de tabuleiro”
mais antigas e, sobretudo, que não são meros atos revela o nome de Thot, posteriormente citado por
muitos ocultistas com o nome de Hermes Trismegisto,
5 História narrada por Jean-Marie Lhôte in Histoire des jeux de société,
de resto sem que ainda se saiba exatamente a quem
Flammarion, Paris, 1993, p. 12.
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Nefertari jogando senet (cópia de um túmulo), Jogo de mehen egípcio, primeira dinastia (3000-2950 a.C.),
Metropolitan Museum. Metropolitan Museum.
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