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Intervenção Clínica No Mutismo Seletivo - Quando o Silêncio Dói
Intervenção Clínica No Mutismo Seletivo - Quando o Silêncio Dói
- Estudo de Caso -
Intervenção Clínica no Mutismo Seletivo- Quando o Silêncio Dói.
Ana Luísa Morgado Vaz Pedro
Ana Paula Morgado Regada Vaz Pedro e José Joaquim Vaz Pedro
Clínica Privada
Modalidade: Estudo de caso
Data: 17 de julho de 2023
Resumo
O Mutismo Seletivo (MS) foi reconhecido, pela primeira vez, pelo médico
alemão Adolph Kussmaul, em 1877, tendo o mesmo definido esta perturbação como
sendo uma patologia de afasia voluntária e descrendo-a como uma condição em que
os indivíduos não falavam de forma voluntária, apesar de terem habilidade
linguística para o fazer. Um quadro de uma criança aparentemente desafiadora que,
em determinadas situações, escolhia não comunicar (Melo, 2016). Kussmaul
assume que a perda da linguagem não se devia a uma patologia orgânica do
cérebro, mas sim a uma inibição voluntária da linguagem verbal por parte do sujeito
(Rocha, 2014).
Truper, vinte anos mais tarde, designou igualmente esta patologia de “inibição
da fala”, reforçando o mesmo quadro sintomatológico que o seu antecessor.
Posteriormente, surgem novos estudos, como o de Moritz Tramer, um psiquiatra
suíço, que designou o termo "elective mutism" (mutismo eletivo - a criança elege
com quem fala), em 1934, para descrever uma circunstância em que as crianças,
persistentemente, não falam em situações sociais específicas.
Em 1934, Tramet introduziu o termo mutismo eletivo para descrever um
quadro de incapacidade de falar em situações em que seria esperado que o fizesse.
A designação eletivo sugeria a existência de uma decisão deliberada por parte do
sujeito em não falar. Nesta senda, a literatura salientava a oposição como uma
variável chave no MS que descrevia as crianças com MS como sendo imaturas,
controladoras adotando comportamentos de oposição (Halpern & Hammond,1971).
O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV-
TR) (APA, 2006) mudou o nome desta condição de “mutismo eletivo” para “mutismo
seletivo”. Santos (2005), por sua vez, valida que esta disfuncionalidade não é um
comportamento voluntário, corroborando com a mudança que ocorreu ao nível da
classificação no DSM-IV, em 1994 que tornou oficial a terminologia agora usada
para descrever o MS com um caráter involuntário. Segundo diversos autores, a
criança entraria num estado de mutismo não por vontade própria, mas porque o
contexto social favorecia a não comunicação, delineando um quadro de ansiedade e
de fobia social (Prado, Revers & Marrocos, 2008).
Atualmente, compreende-se assim como uma perturbação relacionada com a
ansiedade. Muitos autores ainda consideram o MS como uma manifestação precoce
da perturbação de ansiedade social, dada a sua frequente coocorrência (Monteiro,
2014).
O Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-V),
define o MS como uma incapacidade persistente de falar em determinadas
situações, nomeadamente sociais, nas quais existem expectativas sobre a criança,
como o contexto escolar, no entanto esta incapacidade não se manifesta noutros
contextos, como por exemplo no ambiente familiar, em que a criança fala
fluentemente com os pais e pessoas mais próximas (American Psychiatric
Association [APA], 2014). As expetativas criadas em volta da criança fazem com que
esta se iniba de falar, no entanto, ela compreende o idioma, e o que lhe é pedido,
mas é incapaz de comunicar devido à timidez e ansiedade extremas que são
geradas nessas situações. Esta incapacidade interfere na realização educacional ou
ocupacional da criança, assim como na comunicação/interação social.
Estando o MS associado a um estado grave de ansiedade, verifica-se nestas
crianças a existência de uma rigidez na sua forma de pensar, transversal à
generalidade dos contextos. A rigidez pode revelar-se um obstáculo importante à
terapia, uma vez que estas crianças manifestam maior dificuldade em generalizar
estratégias e situações em diferentes contextos (Antunes, 2018).
Crianças que manifestam este quadro sintomatológico, não respondem nem
iniciam conversas, mesmo que os estímulos advenham de pessoas que fazem parte
do núcleo restrito e familiar. Num estudo de Hayden (1980) foram identificados
quatro subtipos de mutismo seletivo: a) mutismo simbiótico, caracterizado por uma
relação simbiótica com aquele(a) que cuida dele(a) e por uma relação negativista e
manipuladora controlando os adultos em volta dele(a); b) mutismo com fobia para
falar, caracterizado por um medo de escutar sua própria voz, acompanhado de
comportamento obsessivo-compulsivo; c) mutismo reativo, caracterizado por timidez,
retraimento e depressão, que aparentemente parece ser resultado de algum evento
traumático na vida da criança; d) mutismo passivo-agressivo, caracterizado por um
uso hostil do silêncio como se fosse uma arma (Peixoto, 2006).
A comunicação emocional, quer a verbal quer a não verbal, é difícil para estas
crianças. A dificuldade de leitura emocional, associada à inibição, leva a que sejam
crianças mais introvertidas, não falem sobre os seus pensamentos e sentimentos,
perdendo a oportunidade de os organizar de forma salutar e sem enviesamentos,
dificultando as competências sociais e consequentemente as relações interpessoais
(Antunes, 2018).
Dada a escassez da literatura face ao tema e tendo sido esta perturbação um
grande desafio a nível pessoal e profissional, a elaboração deste estudo de caso foi
sinonimo de uma grande construção e crescimento individual bem como para todos
os intervenientes neste processo. O objetivo principal passou por avaliar e
acompanhar o caso de uma menina de 10 anos com MS, que surgiu em contexto da
prática de clínica privada, recorrendo a instrumentos de avaliação e verificação do
diagnóstico bem como de técnicas cognitivo-comportamentais e respetivas
estratégias de intervenção, consideradas mais pertinentes e adequadas ao respetivo
caso. A escolha desta temática deve-se ao facto de o MS ser uma problemática
pouco conhecida por parte de pais e professores, que afeta crianças e adolescentes
em idade escolar e sobretudo devido às consequências nefastas que desta advêm,
para o seu crescimento biopsicossocial.
Etiologia
Intervenção
Apresentação do caso
Identificação
Motivo da Consulta
Avaliação Psicológica
Tabela 1
Análise comportamental.
Contexto familiar Contexto escolar Contexto desconhecido
Fala amplamente com pais, Deixou de comunicar Não fala nem cumprimenta
irmão e família mais próxima verbalmente no decorrer do desconhecidos e em novos
(primos); período de infantário até à ambientes.
atualidade.
Na presença de Não interage com outras
desconhecidos, evita falar com No decorrer do primeiro ciclo crianças nem brinca em
os pais ou fala muito baixinho e poucas vezes falou parques de diversões,
esconde-se atrás deles; diretamente com a professora; permanece sentada a
observar.
Mantem o olhar para o chão na Interage com alguns colegas
presença de outros elementos da sala mas muito pouco; Não efetua pedidos ou realiza
da família. recados em ambientes
Utiliza os colegas para que desconhecidos (ex.:
Restrição na comunicação com comuniquem por ela. supermercado).
avós mesmo que com contacto Apresenta bom rendimento
habitual. escolar.
Processo Terapêutico
Sessões e Resultados
Tabela 2.
Tarefas de exposição.
Tarefas de exposição
Ir à sala de espera sozinha chamar os pais
Fazer registo áudio do que mais gostou da última sessão e mostrar na sessão seguinte
Dizer à técnica durante a sessão o que mais gostou na sessão anterior
Contar um episódio divertido da escola aos avós
Ir ao café e pedir o gelado que deseja
Falar com os tios ao telemóvel
Em contexto de sala de aula:
Na sala de aula antes de a aula iniciar cumprimentar uma colega
Na sala de aula, uns minutos antes de iniciarem as atividades, dizer alguma coisa à professora
Participar uma vez na aula
Dizer bom dia quando entra na aula
Discussão
Observações
Obrigada a ti, C.
Referências
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