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LAUDO PSICOLÓGICO 1

1 IDENTIFICAÇÃO

Autora: Psicóloga, CRP 38/0000.


Interessado: Dr. Rodrigo Gurgel, médico nefrologista da equipe de transplante da unidade de
Nefrologia do Hospital Geral de Fortaleza.
Finalidade: Avaliação Psicológica para fins de realização de cirurgia de transplante renal.
Avaliados:
 Nome: Maria Souza
Idade: 24 anos
Sexo: Feminino
Estado civil: Solteira
Escolaridade: Ensino Médio Completo
 Nome: José Souza
Idade: 22 anos
Sexo: Masculino
Estado civil: Solteiro
Escolaridade: Ensino Médio Completo
 Nome: Clara Souza
Idade: 46 anos
Sexo: Feminino
Estado civil: Divorciada
Escolaridade: Ensino Médio Incompleto
 Nome: Júlia Souza
Idade: 21 anos
Sexo: Feminino
Estado civil: Solteira
Escolaridade: Ensino Médio Completo

2 DESCRIÇÃO DA DEMANDA

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Trabalho acadêmico produzido por discente do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Acre na
disciplina Seminário Temático em Avaliação em Psicologia I – semestre 01/2018

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A avaliação psicodiagnóstica foi solicitada pela equipe responsável pelo transplante da
unidade de Nefrologia do Hospital Geral de Fortaleza, no intuito de apoiar um prognóstico
favorável, considerando a possibilidade de abandono do tratamento posterior a cirurgia de
transplante e a interferência de fatores emocionais associados a aceitação ou rejeição do
órgão. Diante desta demanda considera-se importante investigar aspectos relacionados a
história de vida, qualidade dos vínculos familiares, saúde mental, formas de enfrentamento
em situações de crise e mudanças significativas, além das expectativas acerca do transplante.

3 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E VALIDADE DO DOCUMENTO

A Avaliação Psicológica é um “processo técnico-científico de coleta de dados, estudos


e interpretação de informações a respeito de fenômenos psicológicos, que são resultantes da
relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas –
métodos, técnicas e instrumentos” (Conselho Federal de Psicologia, 2003). Assim sendo,
considera os aspectos históricos e socais do sujeito e os efeitos dos mesmos no psiquismo,
destacando a natureza dinâmica e não definitiva do objeto de estudo, considerando que a
avaliação psicológica é de caráter situacional e momentâneo.

4 PROCEDIMENTOS

4.1 Leitura do prontuário

A leitura do prontuário é realizada como atividade balizadora para a compreensão do


caso, seleção de técnicas e testes a serem utilizados posteriormente, bem como, permite o
adequado direcionamento da atividade avaliativa. Para a leitura do prontuário utilizou-se
aproximadamente 2 (duas) horas.

4.2 Entrevistas semiestruturadas

Com os envolvidos na avaliação psicodiagnóstica, realizou-se entrevistas


semiestruturadas, que consiste em um roteiro com perguntas estipuladas previamente, porém
não se restringindo apenas a estas. Este é um tipo ideal de entrevista quando objetiva-se
conhecer mais detalhadamente a respeito de um fenômeno ou tema específico, tendo em vista

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que permite expressões espontâneas que escapariam a um questionário mais sistemático
(Rovinski, 2007).
Ao todo foram realizadas duas entrevistas com Maria, uma entrevista com José e uma
entrevista familiar com Clara e Júlia, totalizando quatro entrevistas. Cada entrevista teve
duração aproximada de uma hora.

4.3 Testes e técnicas projetivas

A aplicação de testes psicológicos é restrita ao psicólogo (Brasil, 1962) e esta


atividade “visa medir, de forma objetiva e padronizada, um determinado construto, utilizando
para tanto uma amostra representativa dos itens que compõem o domínio de tal construto”
(Anastasi & Urbina, 2000, apud Thadeu, Ferreira & Faiad, 2012, p. 232).
Para aplicação das técnicas e testes psicológicos foram contabilizadas 5 sessões com
duração média de uma hora cada, sendo uma utilizada para aplicação do Desenho Cinético da
Família, duas para execução do Teste de Apercepção Temática (TAT) e duas para realização
do Rorschach.

 Desenho Cinético da Família

O desenho cinético da família é uma técnica gráfica que focaliza a dinâmica das
relações familiares, identificando a presença e a natureza das interações. Através desta técnica
é possível perceber estereotipias refletindo os papéis do cotidiano da família e, assim,
compreender os vínculos estabelecidos entre eles (Cunha, 2007).
Essa técnica foi aplicada com Maria, José, Clara e Júlia, em um único momento, com
duração média de 90 (noventa) minutos.

 Teste de Apercepção Temática (TAT)

O Teste de Apercepção Temática (TAT) é composto por pranchas que permitem


conhecer quais situações e relações sugerem ao indivíduo temor, desejos, dificuldades,
necessidades e pressões fundamentais para a compreensão da dinâmica da personalidade.
Tem como objetivo investigar a dinâmica da personalidade, principalmente analisar a
natureza dos vínculos afetivos, regulação de afetos, identificação de conflitos e mecanismos
de defesa; avaliar condições para indicação psicoterápica; coletar informações sobre a função

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cognitiva de planejamento, através da análise do manejo que o examinando faz das ideias
verbalizadas sequencialmente e analisar a capacidade de organização e manutenção de ideias
(Cunha, 2007).
O TAT foi aplicado somente com Maria e com José, em momentos distintos, com
duração aproximada de uma hora cada. Para atender a finalidade da avaliação
psicodiagnóstica foram selecionadas pranchas específicas para cada um deles, uma quantidade
reduzida de 6 pranchas, não sendo aplicado o teste completo. As pranchas 1, 5, 8 RH, 11 e 16
foram aplicadas para ambos os sujeitos, a prancha 7 MF foi utilizada somente com Maria e a
prancha 8 RH somente para José. A seleção das pranchas ocorreu a partir de uma análise
sobre os conteúdos suscitados por cada lâmina e da demanda a ser investigada. Destaca-se a
utilização da prancha 8 RH para Maria, apesar de ser uma prancha aplicada para homens, foi
escolhida tendo em vista que a prancha correspondente feminina não levanta os mesmos
aspectos relacionados à cirurgia.

 Rorschach

O teste Rorschach permite obter uma amostra do comportamento, numa situação-


estímulo relativamente padronizada, mas ambígua, não-estruturada e nova para o sujeito.
Através dele se obtém um quadro amplo da dinâmica psicológica dos indivíduos (Cunha,
2007).
A partir do uso do sistema compreensivo do Rorschach é possível levantar questões
relacionadas a capacidade de controle e tolerância ao estresse, ao pensamento, trazendo
elementos que indicam se a paciente é capaz de pensar de maneira lógica, coerente, flexível e
construtiva, reunir dados sobre a capacidade organizativa e evolutiva ao modo como a
paciente apreende e incorpora as informações da realidade, indicando também o nível de
desenvolvimento intelectual. Além disso, possibilita agrupar os elementos relativos às
emoções da paciente, como ela lida com as situações emocionais e como expressa seus
sentimentos e, por fim, reunir elementos que revelam o modo como a paciente se descreve e
os conceitos e atitudes que constrói acerca de si mesma, dando informações sobre
autoimagem e seu valor, bem como autoestima (Cunha, 2007).
O Rorschach foi aplicado somente com Maria e com José, em momentos distintos,
com duração aproximada de uma hora cada. Para atender a finalidade da avaliação
psicodiagnóstica foram utilizadas todas as lâminas, sendo aplicado o teste completo com cada
indivíduo.

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5 ANÁLISE

Maria Souza, 24 (vinte e quatro) anos e José Souza, 22 (vinte e dois) anos, são irmãos
e residem com a mãe, Clara Souza, 46 (quarenta e seis) anos, além de outros 6 (seis) irmãos.
Não foi possível entrar em contato com o pai, porém, segundo informações levantadas no
processo avaliativo, desde a separação dos pais ocorrida há cerca de 4 (quatro) anos, o mesmo
não se coloca como uma figura presente e participante das questões que envolvem a família,
como por exemplo, a doença de Maria.
Maria possui Doença Renal Crônica (DRC), diagnosticada há 2 (dois) anos e, desde
então, realiza tratamento hemodialítico no Hospital Geral de Fortaleza. Após uma piora em
seu quadro de saúde, foi indicado pela equipe de transplante o procedimento cirúrgico
intervivo, ou seja, que o transplante fosse realizado com um doador vivo. Sendo assim, os
familiares próximos se submeteram a exames para identificação de compatibilidade. José, o
irmão, foi o único familiar que obteve resultado positivo. Solicitado pela mãe, Clara Souza, a
realizar a doação interviva, José iniciou os procedimentos necessários à doação, incluindo o
processo de avaliação psicodiagnóstica solicitada pela equipe de transplante dos envolvidos.
A relação conflituosa vivenciada entre os irmãos José e Maria se apresentou como
ponto de interesse para a equipe de transplante, tendo em vista que, conforme apontado por
diversos autores, vínculos hostis ou conflituosos entre os doadores podem se apresentar como
prognóstico desfavorável para a realização do transplante, possibilitando complicações pós-
cirúrgicas e, até mesmo, a recusa por parte do organismo ao novo órgão (Lennerling et al.,
2003; Jowsey & Schneekloth, 2008; Mazaris, Warrens & Papalois, 2009). A equipe de
transplante solicitou uma avaliação com o objetivo de apoiar um prognóstico favorável,
considerando a possibilidade de abandono do tratamento posterior a cirurgia de transplante e a
interferência de fatores emocionais associado a aceitação ou rejeição do órgão.
A partir das entrevistas semiestruturadas foram obtidas informações principalmente
com relação às expectativas acerca do transplante e suas consequências. Para Maria a cirurgia
está diretamente relacionada a uma melhoria da qualidade de vida, não apresentando
expectativas fantasiosas, como uma completa cura. A paciente é cônscia da necessidade de
continuação do tratamento após o procedimento cirúrgico e apresenta histórico de aderência
satisfatória ao tratamento, conforme consta em seu prontuário, o que pode ser indício da
continuidade da hemodiálise após o transplante.

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Em suas entrevistas Maria apresentou pensamento e discurso lógicos, coerentes,
flexivos e construtivos. Destacou seu desejo quanto a cirurgia, de ter uma melhor condição de
saúde e bem-estar, além de seus temores acerca de complicações pós-cirúrgicas e morte.
Levantou aspectos quanto a seus vínculos familiares conflituosos, apontando a separação dos
pais como desencadeadora das dificuldades vivenciadas pela família. De acordo com ela a
ausência do pai colocou novas responsabilidades sobre os demais membros da família, o que
gerou adversidades entre eles. Foi possível perceber que os conflitos existentes são
consequência do novo arranjo familiar, não sendo uma situação de longo prazo.
A entrevista semiestruturada desenvolvida com José levantou questões quanto as
motivações para doação do órgão, sua história de vida e relações familiares. Para José o fato
de ter sido o único familiar compatível com a irmã para a doação do rim foi uma situação
ansiogênica que acarretou temores quanto a sua recuperação pós-cirúrgica. Apesar de
descrever seu vínculo com Maria como conturbado, José reconheceu que esta era uma
situação recente, tendo em vista que sempre teve afeição e empatia por sua irmã. Ainda que
Clara, sua mãe, o tenha solicitado enfaticamente a realizar a doação, José, desde a descoberta
da compatibilidade, se apresentou prestativo e solícito para fazer a doação. Segundo Sterner,
Zelikovsky, Green e Kaplan (2006), expectativas claras e definidas, a disponibilidade para
realização do transplante e um histórico de relacionamento funcional são fatores que
viabilizariam um prognóstico favorável no pós-cirúrgico.
Clara e Júlia, mãe e irmã, apresentaram expectativas utópicas quanto ao sucesso do
transplante renal. Para elas, após o procedimento Maria estaria dispensada de qualquer
tratamento e desconheciam as consequências que poderiam afetar José. Ambas se mostraram
confiantes quanto ao êxito do procedimento e acreditam que a família estará mais unida e
fortalecida com a melhora da saúde de Maria. Para Lennerling et al. (2003) a visão que os
familiares têm sobre a doação e o processo de recuperação é um fator que pode ser benéfico
ou prejudicial para os envolvidos. Benéfico quando as expectativas são reais e possíveis, e
prejudicial quando não correspondem ao que é viável e provável de acontecer.
No desenho cinético da família evidenciaram-se os papéis desempenhados por cada
membro, apontando a mãe como responsável e sustentadora do núcleo familiar, se
apresentando em todos os desenhos como uma figura central. A partir dessa técnica é possível
afirmar que apesar de se apresentarem relações familiares conflituosas, os envolvidos
demonstram disponibilidade para superar os conflitos e melhorar os vínculos.
A aplicação de testes como TAT e Rorschach permitiu observar como se dão as
relações com figura de autoridade, as quais se manifestam de maneira funcional, além de

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apontar aspectos quanto a presença de reações adaptáveis frente ao inesperado e vínculo de
proteção e vigilância com a figura materna. Não foi identificada a presença significativa de
agressividade, auto ou hétero, assim como não se destacaram fantasias associadas a cirurgia,
conflitos relacionados a dependência, abandono ou culpa e problemáticas vinculadas a
maternidade ou figura materna.
A partir da avaliação é possível afirmar que José e Maria apresentam capacidade de
controle e tolerância ao estresse, são hábeis em expressar sentimentos e lidar com situações
que envolvem emoções intensas, o que de acordo com Ferreira et al. (2009) são características
favoráveis ao sucesso do transplante renal.

6 CONCLUSÃO

Após a realização da avaliação psicodiagnóstica e análise dos resultados encontrados


conclui-se que Maria e José apresentam expectativas reais quanto ao transplante, possuem
capacidade de controle e tolerância ao estresse e reações adaptáveis frente a situações
adversas. A avaliação indica a presença de recursos emocionais, estratégias de enfrentamento
em situações de crise e mudanças significativas, assim como suporte familiar e rede de apoio
para lidar com as consequências do transplante.
Não se identificou a presença de transtornos mentais em nenhum dos avaliados, a
presença significativa de agressividade, auto ou hétero, assim como não se manifestaram
conflitos relacionados à dependência, abandono ou culpa. Não há indícios de ganhos
secundários com a existência da doença, nem histórico de abuso de álcool ou outras drogas.
Os resultados da avaliação sugerem um prognóstico favorável, porém sugere-se
acompanhamento psicológico na perspectiva da Psicoterapia Breve, com foco nas questões
relacionadas a nova configuração familiar e aos conflitos decorrentes do divórcio dos pais.

Rio Branco, Acre – 21 de maio de 2018.

____________________________________________
Psicóloga
CRP 38/0000

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

7
Brasil. Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a
profissão de psicólogo. Brasília, DF: 1962. Acesso em set. 2016, disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4119.htm

Conselho Federal de Psicologia. Resolução CFP nº 007/2003. Institui o Manual de Elaboração de Documentos
Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica e revoga a Resolução CFP nº
17/2002. Brasília, DF: 2003. Acesso sem set. 2016, disponível em: http://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2003/06/resolucao2003_7.pdf

Cunha, J. A. (2007). Psicodiagnsótico-V. Porto Alegre: Artmed.

Ferreira, V. M. A. P., Almeida, I. G., Saber, L. T. S., Caseiro, J., & Gorayeb, R. (2009). Aspectos psicológicos
de doadores de transplante renal. Aletheia, (30), 183-196.

Jowsey, S. G., & Schneekloth, T. D. (2008). Psychosocial factors in living organ donation: clinical end ethical
challenges. Transplantation Reviews, 22(3), 192-195.

Lennerling, A., Forsberg, A., & Nyberg, G. (2003). Becoming a living kidney donor. Transplantation, 76(8),
1243-1247.

Mazaris, E. M., Warrens, A. N., & Papalois, V. E. (2009). Ethical issues in live donor kidney transplant: views
of medical and nursing staff. Experimental and Clinical Transplantation, 7(1), 1-7.

Rovinski, S. L. R. (2007). Fundamentos da perícia psicológica forense. São Paulo: Vetor.

Sterner, K., Zelikovsky, N., Green, C., & Kaplan, B. S. (2006). Psychosocial evaluation of candidates for living
related kidney donation. Pediatric Nephrology, 21(10), 1357-1363.

Thadeu, S. H., Ferreira, M. C., & Faiad, C. (2012). A avaliação psicológica em processos seletivos no contexto
da segurança pública. Avaliação Psicológica, 11(2), p. 229-238.

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