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MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Goiânia
2005
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DJALMA RIBEIRO
Goiânia
2005
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DJALMA RIBEIRO
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
... a educação a que nos referimos é o treinamento desde a infância na virtude, o que torna
o indivíduo entusiasticamente desejoso de se converter num cidadão perfeito, o qual possui
a compreensão tanto de governar como a de ser governado com justiça...; enquanto seria
vulgar, servil e inteiramente indigno chamar de educação uma formação que visa somente
à aquisição do dinheiro, do vigor físico ou mesmo de alguma habilidade mental destituída
da sabedoria e justiça... aqueles que são corretamente educados se tornam, via de regra,
bons, e que em caso algum a educação deve ser depreciada pois ela é o primeiro dos
maiores bens que são proporcionados aos melhores homens... (As Leis, Platão)
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SUMÁRIO
Introdução.............................................................................................................. 08
Capítulo I
O LOGOS PLATÔNICO...................................................................................... 12
1. O conhecimento em Platão................................................................................ 21
1.1 O conhecimento e a teoria das idéias.............................................................. 22
1.2 O conhecimento como anamnese ................................................................ 33
1.3 Verdade e erro................................................................................................. 42
Capítulo II
EROS E A VERDADE......................................................................................... 50
Capítulo III
A PAIDÉIA PLATÔNICA................................................................................... 75
1. O processo de formação do filósofo.................................................................. 84
Conclusão.............................................................................................................. 103
Referências Bibliográficas.................................................................................... 106
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INTRODUÇÃO
Como se justifica uma pesquisa que pretende estudar um filósofo que viveu e
escreveu a mais de dois milênios? Poderia a filosofia de Platão contribuir para com o nosso
pensamento atual, sobretudo, no que diz respeito à educação? Penso que é pertinente
estudarmos um pensamento da antiguidade a partir do momento que aceitamos a idéia de
que o pensamento de um filósofo não morre com ele e nem se esgota no contexto imediato
do tempo e do lugar em que este viveu e pensou. Deste modo se torna válido retornarmos a
um pensador clássico como Platão para verificarmos como ele pensou as mesmas questões
que nos inquietam no presente, para que porventura apreendamos o modo de pensar
rigoroso e fértil que não se contenta com superficialidades, nem com o aparente e muito
menos com o fácil.
O retorno aos clássicos da educação grega, sempre foi pertinente, mas muito
mais nesta época em que se discute o papel da educação na formação da cidadania e de
igual forma as crises dos paradigmas, das teorias e dos métodos.
Encontramos atualmente abundantes e diversos modismos pedagógicos os
quais frequentemente propõem inovações ilusórias, infundadas. Daí que a leitura do
clássico, pela própria força do clássico, ser muito pertinente, pois esta tem mais força
renovadora e mesmo transformadora que muitas teorias recentes.
Por que estudar Platão? Porque ele está no início do conhecimento teórico, no
sentido filosófico e científico. O pensamento platônico é inesgotável, no sentido que
sempre podemos fazer dele uma leitura enriquecedora, mesmo que esta não seja de todo
original.
Estudar Platão significa retornar as origens dos problemas lógicos, ontológicos,
gnosiológicos, éticos, políticos e educacionais. Na sua filosofia, adquirem estatuto os
primeiros dualismos da tradição filosófica e cultural do Ocidente: as questões do universal
e do particular, do sensível e do inteligível, do uno e do múltiplo, da alma e do corpo, as
quais ainda se fazem presente nos debates teóricos de nossos dias. A redescoberta do modo
de filosofar de Platão, na crise em que se encontra não só a filosofia contemporânea, como
também o pensamento ético e científico, onde vemos falar constantemente sobre uma crise
de paradigmas, impõem-se como necessário a fim de se repensar as questões que a ciência
não superou e que precisam de uma visão mais larga propiciada pela filosofia. As próprias
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fio condutor deste estudo parte da compreensão de que todo o projeto filosófico-
pedagógico de Platão visa elevar a alma ao conhecimento da verdade. Dedicamos o
terceiro capítulo deste trabalho ao estudo da Paidéia platônica dando exclusividade ao
processo de formação do filosófico.
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CAPÍTULO I
O LOGOS PLATÔNICO
multiplicidade. No entanto, trata-se de uma guerra que é, ao mesmo tempo, paz, num
contraste que é harmonia ao mesmo tempo. Aquilo que é diferente concorda consigo
mesmo, e da luta dos contrários surge a harmonia. O contrário é convergente e dos
divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia . (frag.8)
Para Heráclito, o mundo se explica por causa das mudanças e contradições. O
perene fluir de todas as coisas e o devir universal revelam-se como harmonia de contrários.
Heráclito é o filósofo do devir. Para ele, a realidade como um todo está em perpétuo
movimento, num constante vir-a-ser. O ser é devir, contínua passagem de ser a não ser e
vice-versa. Nós somos e não somos a criança que fomos, e assim para tudo o que existe.
Deste modo, Heráclito admite como válido, tanto o discurso que diz que as coisas são,
quanto o que diz que não são. Nem por isso o mundo deixa de ser uno, o mesmo para todos
os seres.
Contudo, esta perpétua mudança não acontece sem ordem e sem regra. Em toda
alteração Heráclito encontra indícios de uma lei imanente. Este mundo, o mesmo de todos
os seres, nenhum deus, nenhum homem o fez, mas era, é e será um fogo sempre vivo,
acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas. (frag.30)
As transformações que integram o fluxo universal não significam, portanto,
desgoverno e desordem, pelo contrário, o logos-fogo é também razão universal e, por isso
impõe medida ao fluxo. O logos consistiria precisamente na unidade profunda que as
oposições aparentes ocultam e sugerem. O logos seria a unidade nas mudanças e nas
tensões, a reger todos os planos da realidade.
Heráclito cultiva, portanto, a idéia de que a sabedoria e a verdade plenas
pertencem ao logos e que ao homem cabe apenas amá-las e buscá-las. Conhecer, para o
filósofo efesiano, é colocar-se em consonância com o logos.
Como pensamento que se contrapunha ao de Heráclito temos o de Parmênides
(cerca de 530-460 a.C.) que afirmava que só o ser é, o não-ser não é. Não se pode pensar e,
portanto, dizer senão pensado e, portanto, dizendo aquilo que é. Pensar o nada significa
não pensar em absoluto e dizer o nada significa não dizer nada. Por isso, o não-ser é
impensável e indizível. Há em Parmênides uma coincidência entre pensar e ser. Para ele, o
caminho do ser é o caminho da verdade e o caminho do não-ser é imperscrutável, pois não
se pode conhecer aquilo que não é.
E agora vou falar, e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois
vou dizer-te dos únicos caminhos de investigação concebíveis. O primeiro
(diz) que (o ser) é e que o não-ser não é; este é o caminho da convicção
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Górgias (C. 485-380 a.C.), por sua vez, pretendia demonstrar a absurdidade da
tese de Parmênides, dizendo que era fácil provar tanto o não é como o é parmenidico.
Ao dizer que nada é, Górgias negara que houvesse qualquer substância ou substâncias por
detrás do panorama mutante do devir ou das aparências. Ele negava a physis. O mundo
descrito por Górgias é o da heterogeneidade e da descontinuidade das experiências
humanas.
Segundo o pensamento de Górgias, o que conhecemos são apenas sensações. E
se existe alguma coisa que corresponde a essas sensações, nunca podemos saber, e mesmo
que porventura venha apreender alguma coisa que correspondesse às minhas sensações,
seria impossível expressá-la.
Vivemos num mundo onde prevalece a doxa, a opinião, e a verdade é para cada
um de nós aquilo de que somos persuadidos a crer. Não existe, no entendimento de
Górgias, nenhuma verdade permanente e estável para se conhecer. Deste modo, Górgias
exalta sobremaneira a arte da retórica, como a arte de persuasão. A palavra adquire aqui
autonomia própria porque desligada do ser. Assim, ela torna-se disponível para tudo.
Górgias realiza uma ruptura na identidade entre ser-pensar-dizer, contida na palavra logos,
estabelecendo a diferença e separação entre realidade, pensamento e linguagem. Ao
estabelecer essa diferenciação, Górgias quebrou o antigo conceito da verdade como
alétheia forçando com isso a filosofia a redefinir sua idéia de conhecimento. Não mais
prevalece aqui a diferença entre a doxa e a alétheia conforme era presente em Heráclito,
Parmênides, Demócrito, nos poetas e videntes antigos. Deste modo, o verdadeiro não é
senão o que aparece a cada um.
Há em Górgias um poder persuasivo da palavra que supera a força de convicção
que o logos filosófico pode suscitar. Isto se torna possível pela aniquilação da ontologia.
Vemos assim, que os sofistas reduziram o conhecimento à mera opinião, não
sendo admitido a possibilidade de uma verdade absoluta, fundamental, que servisse de
parâmetro de julgamento para todas as coisas.
Platão sustentava que o saber dos sofistas era um saber aparente e não efetivo, e
que o mesmo não visava uma busca desinteressada da verdade. Platão insistia na
periculosidade do pensamento sofista tanto do ponto de vista moral quanto de sua
inconsistência teorética. No diálogo Sofista, Platão denomina os sofistas de caçadores
interesseiros de jovens ricos que recebem dinheiro a pretexto de ensinar (223-b);
comerciantes de discursos e ensinos relativos à virtude (224-d); como pequeno
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ignorância, ajudar o discípulo a lembrar-se do que sabe sem saber que sabe, a recordar-se
do que havia esquecido.
1. O conhecimento em Platão
estruturam em função do melhor. Ao invés disso, ele introduziu a Inteligência mas não lhe
atribuiu o papel de causa melhor. Nas palavras de Platão:
Nunca supus que depois de ele haver dito que o espírito os havia
ordenado, ele pudesse dar-me outra causa além dessa que é a melhor e
que é a que serve a cada uma em particular assim como ao conjunto.
(Fédon, 98 a-b)
segunda navegação era aquela que se realizava quando, cessado o vento e não
funcionando mais as velas, se recorria aos remos. A primeira navegação simbolizava, na
imagem platônica, o percurso da filosofia realizado sob o impulso do vento da filosofia
naturalista. A segunda navegação , ao contrário, representa a contribuição própria de
Platão a qual encontra uma nova rota que conduz à descoberta do supra-sensível, ou seja,
do ser inteligível.
De acordo com Platão no Fédon ( 99e ), a tentativa de compreensão da
realidade através dos sentidos tende mais a obscurecer o conhecimento do que esclarecê-lo.
Daí a necessidade de se buscar refúgio na razão e tentar encontrar nela a verdade das coisas
(Fédon, 99 e). Platão afirma que a idéia deve ser o paradigma ou critério absoluto para o
conhecimento de todas as coisas do mundo sensível. Tudo aquilo, portanto, que for
conforme à idéia é verdadeiro, e tudo aquilo que não for consoante a ela deve ser refutado
como erro (Idem, 100 a). Deste modo, tudo aquilo que consideramos belo é belo em
virtude da idéia do belo, isto é, do belo em si (id., 100 d).
Não é a primeira vez que Platão anuncia a teoria das idéias, como ele mesmo
afirma no Fédon (100 a-b), pois esta já fora apresentada no Fedro e no Banquete. No
Fedro Platão expõe a teoria das idéias através de uma imagem mítica, o hiperurânio, ou
seja, o lugar acima do céu, do cosmos físico. Este é o lugar das realidades inteligíveis. É o
céu das idéias eternas. Conforme o Fedro, esta realidade diverge totalmente do mundo
físico, pois é um lugar sem forma, sem cor, impalpável, podendo ser contemplado somente
pelo intelecto, que é o guia da alma. É somente aí que reside a ciência perfeita, aquela que
abrange toda a verdade.
Platão diz neste diálogo, que as almas que chegam a conhecer as essências no
mundo supra-sensível, mergulham na maior felicidade, pois é somente aí que elas podem
saciar sua sede de conhecimento. Mas aquelas almas que não contemplaram a verdade, a
sorte delas é outra, são precipitadas ao mundo inferior e condenadas a mera opinião.
Segundo o filósofo da Academia, a alma que mais contemplou a verdade é capaz de gerar
um filósofo, um esteta ou um amante das Musas. Enquanto que aquela que menos
contemplou a verdade gerará apenas um sofista e em último lugar um tirano. E a alma que
nunca contemplou a verdade não pode tomar a forma humana. A causa disso, diz Platão, é
que a inteligência do homem deve se exercer segundo a Idéia, isto é, elevar-se da
multiplicidade das sensações à unidade racional.
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Platão realiza, assim, uma nítida distinção entre a razão e os sentidos quanto à
possibilidade de conhecer. Para ele a verdade só é atingível na e pela alma, através do
pensamento. O conhecimento e a verdade, em Platão, são do âmbito do inteligível. Aos
sentidos pertenceria a doxa ou mera opinião. Os sentidos constituem verdadeiros
obstáculos ao conhecimento da verdade. Eles retém a alma no estágio das opiniões
precárias e parciais, fazendo com que se tome por verdadeiro o que nada mais é do que a
aparência do real. Conforme Platão, tudo o que a alma pode apreender com os sentidos é
somente o visível e o sensível. Enquanto que em si mesmo e por si mesmo, o pensamento é
capaz de captar o invisível e o inteligível (Fédon, 83 b).
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Platão busca, portanto, a explicação das coisas sensíveis não nelas mesmas mas
numa instância superior, metafísica, inteligível. Pois o sensível traz, por natureza, a
característica de algo instável, efêmero e contraditório. A verdadeira realidade ou o ser
verdadeiro, para ele, se encontra para além desse mundo sensível, se encontra no mundo
inteligível ou mundo das idéias perfeitas. Idéia é entendida aqui não conforme pensamos
hoje, como simples conceitos ou representações mentais, mas sim como verdadeiras
substâncias. As idéias platônicas possuem um caráter de absolutidade objetiva. Neste
sentido, Platão se opõe francamente às duas formas de relativismo que lhe antecederam: a
de origem heraclitiana e a forma sofístico-protagoriana.
Ao estabelecer as idéias como fundamento originário de todas as coisas, Platão
cinde a realidade em dois planos distintos, porém interligados, o sensível e o inteligível,
formulando assim, uma concepção dualista da realidade. Dizemos que os dois planos da
realidade são interligados, pois em Platão, as idéias têm tanto de imanência quanto de
transcendência com relação ao mundo sensível. Em vários diálogos, Platão expõe a
teoria da participação das idéias, tanto entre elas mesmas quanto entre elas e o sensível.
Assim, quando percebemos algo de belo neste mundo, ele é belo somente porque participa
da idéia de Belo.
Platão apresenta em seus escritos quatro noções fundamentais para explicar essa
relação entre o sensível e o inteligível. Há entre ambos: a) uma relação de mímese ou
imitação; b) de metexe ou participação; c) de koinonia, ou comunhão; d) ou ainda de
parousia, ou seja, presença.
Para Platão, estes termos devem ser entendidos apenas como simples propostas
sobre as quais não pretendia insistir. O que lhe interessava era, simplesmente, estabelecer
que a idéia é a verdadeira causa do sensível, ou seja, o princípio das coisas, a sua ratio
essendi.
Deste modo, o sensível é mímese do inteligível sem jamais conseguir igualá-lo;
o sensível participa do inteligível, na medida em que realiza a própria essência; o sensível
tem comunhão com o inteligível, isto é, uma tangência com o inteligível; já que este é
causa e fundamento daquele; o inteligível é presente no sensível na medida em que a causa
está no causado, o princípio está no principiado.
Reale (1997) lembra que o próprio Platão considerava a participação do
sensível no inteligível algo difícil , problemático e complexo . E nos adverte
claramente de que as coisas sensíveis, como imagens (em sentido ontológico) do
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inteligível, são vestígios das realidades eternas (vestígios do paradigma das idéias), que
acontecem de modo difícil e maravilhoso.
Apesar de toda a dificuldade para explicar a participação das idéias, conforme
verificamos no Parmênides, diálogo onde Platão rebate as críticas eleatas a sua teoria das
idéias, de que estas sendo em si e por si não haveria como terem qualquer tipo de
participação com as coisas sensíveis, ele nunca abandonou esta teoria como alguns
disseram.
O mundo inteligível está estruturado de tal forma, segundo Platão, que em
seu ápice se encontra aquela idéia que não é apenas causa da inteligibilidade de todas as
coisas inteligíveis, mas ainda de seu próprio ser e essência. Esta idéia é a idéia do bem.
Contudo o bem não é essência, mas está acima dela em dignidade e poder (A República,
509 b). O bem une as idéias entre si e é a causa de tudo o que é ordem e beleza no mundo.
A idéia do bem é simultaneamente a fonte de existência das idéias e da sua inteligibilidade
para a alma.
verdade, terás razão em pensar que há algo de mais belo ainda do que
eles. (IDEM, 508 e).
outra procedência da verdade, a qual passa a ser um acordo do conhecimento e a coisa ela
mesma.
Deste modo, a pedagogia envolvida no Mito da Caverna, segundo a
interpretação heideggeriana, é a educação do olhar. A verdade, dependerá, doravante, do
olhar correto, que olha para a direção certa, para fora da caverna, isto é, para o mundo
inteligível ao invés de se olhar para o mundo sensível, que é quando se olha para o fundo
da caverna, onde se vê apenas sombras opacas da verdadeira realidade.
Dá-se assim, a separação entre a arte e a técnica. A técnica deixa de ser um modo
poético de lidar com o ente e passa a ser uma forma de controle sobre este. A forma
extrema dessa disposição se dá com o modo característico de nossa época em lidar de
modo calculador com todas as coisas e com os seres humanos
Neste sentido, Manfredo OLIVEIRA (1990:79) tem razão quando diz que o
mundo moderno é essencialmente tecnológico, ou seja, a técnica é a atitude fundamental
do homem com relação ao seu mundo, que caracteriza o mundo moderno.
Dizer que o tecnologismo ou a técnica é a forma de consciência contemporânea,
explica o autor, não significa dizer com isto que o mundo humano tem hoje, como um de
seus componentes fundamentais, instrumentos fruto da técnica, tais como televisores,
computadores, aviões... O que se pretende dizer é que toda a consciência humana está hoje
impregnada pela técnica de tal modo que todo o seu relacionamento com a realidade está
baseado numa perspectiva tecnológica.
Isto muda completamente a própria essência do homem e o seu modo de
conhecer a realidade. Ele que era apenas um ente entre outros, no pensamento clássico,
torna-se o ente que é o fundamento do ser e da verdade de toda as coisas, ele se torna
sujeito e o mundo objeto.
Como explicar o fato de que mesmo vivendo num mundo sensível, alguns
homens sentem atração pelo mundo inteligível, ou ainda, como explicar que ao encontrar a
verdade que procuramos temos a certeza de que a encontramos?
No diálogo Menon, Platão propõe uma questão semelhante a esta.
Mas se não é por ter adquirido na vida atual que as tem, não é evidente, a
partir daí, que em outro tempo as possuía e as tinha aprendido?... E não é
verdade que esse tempo é quando ele não era um ser humano? (Mênon, 85
e 86 a)
Pois o termo alma tem para nós hoje, explica o autor, um sentido mais
simbólico: a alma de uma paisagem ; a alma de um povo , etc. Enquanto falamos do
indivíduo, diz ele, preferimos falar do sujeito, da pessoa ou do espírito.
Ao discorrer sobre a noção de alma na modernidade ABBAGNANO (1982:28)
diz que esta teve seu desenvolvimento decisivo com Descartes, em cuja doutrina a
reafirmação da realidade da alma une-se ao reconhecimento de uma via de acesso
privilegiada a tal realidade. Essa via de acesso é o pensamento, ou melhor, a consciência.
Segundo o autor, Descartes determinou, deste modo, a curva subjetivista da interpretação
da alma como substância.
A partir de Descartes, o conceito de consciência, isto é, de totalidade ou mundo
da experiência interna, começa gradualmente a suplantar o conceito tradicional de alma.
Descartes, na verdade, reduz a alma à noção de consciência como pensamento, como
apercepção.
Mais recentemente, conforme o autor, é que a noção de alma entendida como
realidade em si e como princípio ou fundamento dos eventos mentais, fora abandonada e
reduzida á noção de uma entidade funcional ou de uma espécie de coordenação e de síntese
entre aqueles eventos.
Para os gregos a noção de alma tem toda uma história. Ela começa em Homero
e se estende até Aristóteles.
Conforme REALE (2002:70), a alma é vista em Homero como a sombra do
morto.
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Adiante diz:
Reale afirma, ainda, que a idéia da imortalidade da alma enquanto vida que se
prolonga mesmo depois da morte, é uma idéia totalmente estranha ao mundo homérico,
pois ai a psyche não é continuação, mas cessação da vida.
Percebemos, deste modo, o quanto a noção de alma em Platão significa um
avanço, pois para ele a alma é muito mais que uma sombra , é imortal.
Será com o orfismo que a psyché adquirirá um sentido completamente novo.
Para o orfismo a alma estaria presente no corpo como numa prisão para pagar uma culpa
originária. Para se libertar desta culpa originária, a alma deverá reencarnar-se várias vezes.
Por isso, um dos elementos fundamentais da religiosidade órfica consistia nas práticas de
purificação ou catarse , consideradas essenciais para libertar a alma.
Foi, porém, com Sócrates que se estabeleceu uma concepção da alma
radicalmente contrária àquela de Homero: passou-se a coincidir com ela a natureza do
homem. Psyché passa a ser, com Sócrates, a expressão da própria essência do homem.
Sócrates entendia, conforme o ponto de vista de vários estudiosos, a psyche como
consciência intelectual e moral do homem, como a sua natureza essencial. O homem seria
a sua alma.
Platão, por sua vez, elabora um discurso múltiplo sobre a alma ao longo dos
diálogos, sem nunca explicar com clareza o que entende por essa palavra.
Sardi afirma que em Platão, a palavra psyché preserva e supera aquelas
concepções anteriores. Num primeiro momento em Platão, diz o autor, a alma significa
vida ou princípio de todo movimento como podemos constatar numa passagem do Timeu
(77b). O outro sentido do termo em Platão pode significar racionalidade . Segundo Sardi
(1995:24), racionalidade significa, primeiramente, que há algo no homem que o aproxima
do divino, enquanto permite o acesso ao eterno, ao imutável, à Idéia.
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A dialética é além disso, a ciência do todo. Por isso, o dialético é aquele que
possui a visão da totalidade. A verdade consiste em captar a idéia nas suas relações com a
totalidade, isto é, com o mundo das idéias e o mundo sensível.
Vimos anteriormente que Platão faz uma distinção entre o mundo sensível e o
mundo inteligível. O mundo sensível é o mundo das sombras, das aparências, pura cópia
do mundo inteligível. O conhecimento e a verdade, portanto, não se encontram no mundo
sensível e sim no inteligível. A percepção sensível não pode nos garantir a verdade ou o
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No mundo dos sentidos, não pode haver nenhuma verdade e ciência, pois
nada permanece; ao contrário, o conhecimento da verdade exige
continuamente o idêntico a si próprio. (TEIXEIRA, E. 1999:68)
Eu que, há pouco ainda agora, afirmei como principio que o não-ser não
deve participar nem da unidade nem da pluralidade, já ao afirmá-lo eu o
disse uno; pois disse o não-ser. (Sofista, 238 e)
Platão comete aqui o chamado parricídio contra o pai Parmênides. Matar o pai
Parmênides é admitir a possibilidade do não-ser ser. Esta refutação é necessária visto que a
tese de Parmênides impossibilita, segundo Platão, falar de discursos falsos ou de falsas
opiniões, de imagens, de cópias, de simulacros sem que se caia em contradição. (Sofista,
241e)
Se o abandono das teses de Parmênides aparece como um parricídio é porque,
segundo JEANNIERE (1995), o Sofista inaugura uma nova maneira de ir ao encontro do
ser na linguagem. A passagem da identidade para a diferença constitui uma nova fundação
da filosofia.
A afirmação de Parmênides de que pensar e ser são a mesma coisa, exige uma
total transparência da linguagem ao ser que se revela. Parmênides se encontra em harmonia
com uma outra etimologia da verdade: aletheia, o não-oculto, o desvelado. A verdade é
aqui, logo de saída, uma visão.
A verdade em Platão tomará outro sentido. Ela será também uma theoria, uma
visão, mas essa visão só será possível ao fim de uma ardorosa busca. Trata-se agora mais
de retidão do olhar do que de desvelamento.
Por conseguinte, diz CHAUÍ (2002:286), uma teoria do erro deve explicar, em
primeiro lugar, como é possível o não-ser e, em segundo, como podemos confundi-lo com
o ser .
Como Platão faz isso? Ele o faz partindo não das discussões em torno do não-
ser, mas justamente da discussão em torno ao próprio ser e à sua estrutura e, sobretudo, à
impossibilidade de se sustentar a concepção do ser-uno no sentido monístico-eleático.
Mas isto não significa que a abordagem em torno do ser seja menos complexa
que sobre a do não-ser.
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Estrangeiro - Ora, bem pode acontecer que, com relação ao ser, a nossa
alma se encontre em igual confusão; e que nós que acreditamos tudo
compreender, sem dificuldade, quando dele ouvimos falar, e nada
compreender a propósito do outro termo, na realidade estejamos na
mesma situação no que concerne a um e outro. (Sofista,243 c)
Tal dificuldade de se falar sobre o ser se evidencia diante dos vários modos de
se falar sobre o mesmo: pois ora uns dizem que o ser é múltiplo, ora outros o dizem como
uno, e ainda há aqueles que combinam as duas teses e afirmam o ser como sendo, ao
mesmo tempo, uno e múltiplo, mantendo-se a sua coesão pelo ódio e pela amizade
(Sofista. 242 d). Conforme esta última tese, o seu próprio desacordo é um eterno acordo .
A solução então, é perguntar a cada um deles o que entendem pelo termo ser.
O que entendem pelo termo ser aqueles que o afirmam como, duplo? Ao
dizerem que o todo é o quente e o frio ou qualquer par desta espécie, o que significam pelo
é que os ligam? Deveremos ver nele um terceiro termo somado aos outros dois, diz
Platão, ou deveremos admitir que o todo é três e não mais duplo? Pois se a um dos dois
termos denominamos como ser, já não podemos mais dizer que os dois igualmente são .
Ou deveríamos chamar de ser ao par? Mas, neste caso, se afirmaria que dois é um . Deste
modo se afirmaria a tese unitarista do ser. E é esta que convém no momento analisar.
O que entendem pelo termo ser aqueles que dizem que o Todo é uno ?
Estes ao dizerem que o ser é uno empregam dois nomes para se referir ao
mesmo objeto. Mas admitir dois nomes desde que se admita somente o uno é contraditório.
Por outro lado, será também absurdo admitir que um nome seja porque, se ele é diferente
(enquanto nome) da coisa nomeada, junto com ela constituirá duas coisas. Deste modo,
para ser coerente, o monismo absoluto deverá englobar na unidade também o nome.
Mas e quanto ao todo? Afirmarão eles que é diferente do uno, ou que é idêntico
a ele? Certamente que o afirmarão como idêntico, diz Teeteto.
Ao identificar o todo com uma esfera, Parmênides acaba atribuindo-lhe
necessariamente, um centro e os extremos e, portanto, partes. Ora, o que possui partes pode
participar do uno, mas não pode ser por si o uno, pois o uno, enquanto tal, é indivisível.
Tampouco podemos, com Parmênides, identificar ser, uno e todo, porque cada um deles
tem uma natureza própria e distinta: o ser participa do uno e, contudo, não é o uno; o todo
é algo mais do que o uno, enquanto contem tanto o ser como o uno (REALE, 1997:304).
No entanto, diz Platão, não podemos também supor, que o todo absoluto não
existe, o mesmo acontecerá ao ser que, além de não ser ser jamais poderá vir a sê-lo
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(Sofista, 245 d). Pois, tudo que veio a ser, explica o filósofo da Academia, veio a ser sob a
forma de um todo. Uno e todo devem ser, portanto, considerados no número dos seres.
Estas são algumas das dificuldades que surgirão, afirma Platão, àqueles que
quiserem, definir o ser ou como um par ou como uma unidade (id, 245e).
Platão se refere ainda as concepções materialista e formalista do ser. Para os
primeiros só podemos atribuir ser às coisas que se pode tocar e que oferecem resistência.
Eles reduzem todas as coisas ao corpo. No entanto, pelo menos os que forem mais
razoáveis dentre eles, diz Platão, terão que admitir que há algumas realidades que são
incorpóreas: a justiça, a sabedoria e toda virtude em geral. Tendo alguns dos materialistas
admitido a existência de seres incorpóreos, terão agora de explicar o que há de comum
entre estes e os seres corpóreos que lhes permitem afirmar que existem, isto é, que são. A
única resposta que poderiam dar de imediato, como provisória, pensa Platão, é que o que
caracteriza o ser em geral é a mobilidade, ou seja, o poder de exercer e de sofrer uma ação.
Mas será que podemos atribuir estes poderes ao ser? Poderíamos atribuir movimento ao
ser?
Segundo Platão, se admitirmos que o ato do conhecimento é uma ação, e que,
portanto, o objeto ao ser conhecido sofre a ação do intelecto, o ser do mesmo modo, na
medida em que é conhecido, será movido. Porém, não podemos conceber o ser como algo
absolutamente estático, sem movimento, vida, alma e pensamento. Pois se os seres são
totalmente imóveis não haveria conhecimento em parte alguma. No entanto, não podemos
afirmar o contrário: que o ser está em constante movimento, pois que não se faz ciência
daquilo que muda constantemente.
Sendo assim, conclui Platão, que cabe ao filósofo:
Assim, ao que parece, quando uma parte da natureza do outro e uma parte
da natureza do ser se opõem mutuamente, esta oposição não é, se assim
podemos dizer, menos ser que o próprio ser; pois não é o contrario do ser
o que ela exprime; e sim, simplesmente, algo dele diferente. (Sofista,
258b)
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CAPÍTULO II
EROS E A VERDADE
O amor era um tema corrente na Grécia desde os tempos míticos até o tempo de
Platão. Os gregos viram no amor, sobretudo uma força unificadora e harmonizadora.
Segundo Aristóteles, foram Hesíodo e Parmênides os primeiros a dizerem que o amor é a
força que move as coisas e as conduz e as mantém unificadas. Para o filósofo pré-socrático
Empédocles, o amor seria a força que mantém unidos os quatro elementos: o ar, a água, o
fogo e a terra.
Não podemos esquecer, adverte JAEGER, que o Eros, enquanto amor do
homem pelos jovens, era um elemento histórico essencial na constituição da sociedade
aristocrática primitiva.
certo tempo entra no recinto e senta-se em conversa com Ctesipo. Logo, Lisis acaba por se
aproximar do grupo, seguido de perto por seu primo e amigo Menexeno. Daí se inicia um
diálogo que irá culminar em complicadas aporias.
Da questão central colocada em (212b): Diz-me: quando alguém ama outrem,
qual é que se torna amigo do outro: o que ama, do que é amado ou o que é amado do que
ama? Ou não há diferença? Resultam algumas hipóteses que são logo refutadas e o
diálogo prossegue até Sócrates confessar a Lisis e Menexeno, no final, a sua incapacidade
de descobrir o que é a amizade (223b).
A primeira resposta de Menexeno à questão socrática é que não há diferença
entre o que ama do que é amado, pois ambos se tornam amigos mesmo se só um amar o
outro. Mas devido à refutação socrática, Menexeno é logo conduzido a uma outra opinião:
a não ser que ambos amem, ninguém será amigo. Isto equivale a dizer que só há verdadeira
amizade quando há correspondência entre ambos.
Mas se é assim, o que dizer dos amigos de cavalos, de codornas, dos cães, do
vinho, da ginástica ou dos amigos da sabedoria, sendo que estas coisas não podem
corresponder com o mesmo amor?
Então é necessário admitir, diz Sócrates:
Que cada um ama aquilo que ama, sem que essas coisas o amem, ou então
mente o poeta que diz : feliz aquele que tem filhos e solípedes cavalos e
cães de caça e hóspedes vindos de outro país. (Lisis, 212e)
que afirmam que é a própria divindade que faz os amigos, empurrando-os uns para os
outros: sempre a divindade impele o igual para o igual (Id. 214a). Com o que concordam
alguns dos pré-socráticos que dizem o mesmo: sempre o igual será amigo do seu igual (Id.
214b).
Será que eles têm razão? Depende do que eles tomam, diz Platão, por iguais. Se
por iguais estiverem se referindo aos perversos ou maus, aquela afirmativa não procede,
pois que o perverso de modo algum será amigo do perverso, pois ambos provocam
injustiças. Mas se se referem aos bons, podem ter razão. Mas mesmo os bons não serão
também amigos uns dos outros enquanto iguais que são, pois amamos as pessoas na
proporção da utilidade que esperamos delas. Ora o igual não pode esperar do seu igual
nenhuma vantagem que não possa tirar dele mesmo. O igual então não é amigo do igual.
Talvez o bom enquanto bom e não enquanto igual, possa ser amigo do bom.
Mas, não é verdade que o bom enquanto bom é suficiente a si mesmo? Ora, o suficiente,
devido sua auto-suficiência, de nada tem necessidade (Lisis, 215a).
A auto-suficiência dos bons aqui só pode ser compreendida como a do bom
absoluto. Considerados como auto-suficientes, os bons absolutos são iguais: logo, não
podem ser amigos uns dos outros (ver República, 387 d).
Prosseguindo o raciocínio: o que de nada necessita, a nada, por conseguinte,
terá amor. E se não ama, também não poderá ser amigo (Lisis, 215b).
Para Platão, portanto, o amor nasce da falta, da necessidade. Aquele que pensa
saber e, portanto, não necessita aprender mais nada, este não se empenha na busca pelo
conhecimento, pela sabedoria filosófica. O verdadeiro filósofo é aquele que necessita
conhecer, pois o saber nunca lhe é dado prontamente. E por sentir a falta deste saber ele se
empenha ou se dedica a buscá-lo. E desta dedicação nasce o amor. E por amar o
conhecimento, o filósofo se torna amigo ou amante do saber.
Os bons, por serem bons, de nada necessitam. Por isso, não podem ser amigos,
visto cada qual bastar a si mesmo. Como ser amigo do saber se já sei todas as coisas?
Aquele que já sabe basta a si mesmo visto não ter necessidade de conhecer mais nada.
Portanto, aquele que sabe não pode ser philosopho.
Heidegger em uma conferência de 1955, cujo título é, Que é isto a filosofia? diz
que antes de Sócrates e Platão não existia a filosofia enquanto aspiração ou desejo pelo
saber, mas sim enquanto acordo originário do philein com o sophon. Com Sócrates e
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Do mesmo modo aqueles que já são sábios, sejam homens ou deuses, não mais
amam a ciência. Nem tampouco os ignorantes amam a ciência (Id. 218a).
Mas existem aqueles que, mesmo tendo o mal da ignorância, ainda não são
totalmente irrefletidos ou ignorantes, pois ainda pensam que não sabem o que não
conhecem (Id. 218b).
Esses amam a ciência, por não serem nem bons nem maus. Parece que
descobrimos, desta vez, diz Platão, o que é e o que não é amigo: o que não é bom nem mau
torna-se, devido à presença do mal, amigo do bom. De repente surge uma suspeita de que
esta conclusão ainda não é a verdadeira.
Pois aquele que é amigo é amigo de alguém em vista de alguma coisa. E esse
objeto em vista do qual o amigo é amigo do amigo deve necessariamente ser amigo, e por
causa da presença do mal (Lisis, 219b). Mas não admitimos anteriormente que o igual não
pode ser amigo do igual? Somos, então, forçados, conforme Platão, a postular a existência
de um primeiro amigo, em vista do qual todas as coisas são amigas: a idéia de amigo (Id.
219c-d). Talvez o amigo de fato seja aquele outro ao qual tendem todas as coisas que
dissemos amigas (Id. 220b). A aspiração em encontrar o outro fundamenta-se na aspiração
ao próton phylon. Desejar amar o outro com amizade ou amor acontece pelo ímpeto em
amar o Princípio de toda amizade.
Segundo REALE (1997:345):
Deste modo é este princípio supremo que dá razão de ser e aponta a meta a toda
a comunidade humana. Conforme JAEGER (2001: 720), o Lísis deixa entrever a
perspectiva para aquilo que Platão haveria de explicitar melhor no Banquete e no Fedro: a
concepção de que o que mantém a comunidade dos homens e não só destes como de todo o
cosmos, é a idéia do bem.
De fato, Platão desde o momento que fala da philia e do Eros, imprime a essa
problemática uma dimensão cósmica radical (REALE, 1997:347). A força de Eros,
portanto, não está restrita a esfera do humano, mas se estende a todas as coisas.
Escreve JAEGER na Paidéia (2001:720):
56
O Lisias nos mostra que desejar está no centro de uma reflexão sobre a
amizade. Amizade é tanto desejo de fazer que de possuir. Ser amigo de
um amigo é desejar possuir sua amizade. Ser amigo de uma coisa é
desejar possuir esta coisa.
Sócrates é homem ávido de amizade (212 a). Ele confessa a sua admiração pela
amizade entre Menexeno e Lisis, e ao mesmo tempo a distância que se encontra de tal
riqueza que é a amizade, pois nem mesmo sabe como é que alguém se torna amigo de
outrem. O desejo desta posse que é o amigo inscreve-se no leque das posses materiais e
egoístas da multidão.
O Lisis possui uma pedagogia dos desejos. Diante da exposição de Lisis de seus
desejos de infância, Sócrates ajuda-o a desenvolver o fundamento do justo comportamento
de seus pais: só os desejos daquele que sabe podem ser aceitos, qualquer outro desejo é
refutável. O homem que sabe tem desejos fundamentados.
O contrário acontece às coisas onde falta o conhecimento, pois ninguém nos
deixará agir segundo aquilo que nos parece bom (210 b). As pessoas só confiam em nós
naquilo de que nos tornamos conhecedores. Nessas coisas, diz Sócrates a Lisis, teremos
toda a liberdade e seremos guias dos outros. (210 b)
O mais simples é ignorar-mos o desejo. O professor ensina, não tem que se
preocupar com aquilo que o aluno deseja. Mas, na verdade, o que Platão nos ensina é que
só atingirá o saber aqueles que o vêem como algo desejável, a ponto de sacrificar por ele
prazeres imediatos. O conceito de relação com o saber implica o de desejo.
Mas só existe amor, amizade e desejo, ao que parece, daquilo que é afim.
Nós desejamos conhecer justamente porque nossa alma é afim com o saber,
pois outrora contemplara as idéias perfeitas. Conforme o pensamento platônico, nossa alma
tende naturalmente para o saber, pois tanto o saber quanto a alma são do âmbito do
inteligível.
No entanto, é necessário admitir que o afim seja diferente do igual ou então
cair-se-á novamente naquelas mesmas aporias anteriormente superadas. Mas mesmo
aceitando-se que sejam diferentes o afim do igual, não diminui o embaraço.
Admitindo-se o afim diferente do igual, resta determinar quem é afim de quem:
o bem é afim de tudo, ou o mal é afim do mal, o bem do bem, o que não é bom nem mau
do que não é bom nem mau. Aceitando-se que cada qual seja afim do seu igual caímos de
novo nas conclusões antes rejeitadas: que o igual não pode ser amigo do igual.
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Se nem os que são amados, nem os que amam, nem os iguais, nem os
desiguais, nem os bons, nem os que são afins, nem qualquer dos outros
que analisamos, e já não me lembro bem, devido ao seu número, se nem
um deles é amigo, eu, por mim, nada mais tenho a dizer (Lisis, 222 e).
Assim, Platão conclui o Lisis sem descobrir o que é a amizade. Esta confissão
final de incapacidade de solucionar o problema, dizem os comentadores, justifica a
classificação do diálogo no grupo dos chamados aporéticos. Não que Platão não tenha
condições para isso. É que ele deixará para aprofundar a questão em outros diálogos: O
Banquete e o Fedro.
No Banquete, Platão retoma algumas idéias já esboçadas no Lísis e lhes dão
maior aprofundamento.
O Banquete é mais propriamente uma narração do que um diálogo. É a
narrativa feita por Apolodoro a um ou mais amigos, do que ouviram de Aristodemo acerca
do banquete na casa de Agaton. Estiveram presentes a esse banquete, dentre outras
pessoas, Aristodemo, amigo e discípulo de Sócrates; Fedro, o jovem retórico; Pausânias; o
médico Eriximaco; Aristófanes, o comediante que nas nuvens ridicularizava Sócrates e o
político Alcibíades. Estava também presente o velho Sócrates, o mesmo conviva irônico de
sempre.
O exagero cometido na festa do dia anterior, sobretudo o excesso de bebida,
fatigara os convidados de Agaton. Pausânias propôs então que em lugar de beberem,
ficassem ali a conversar, a discutir ou que cada um fizesse um discurso. Essa proposta de
Pausânias foi aceita por todos. Ao que Eriximaco acrescentou que se fizesse elogios a
Eros. É a transformação do rito dionisíaco em rito apolíneo, em que a força do mito dá
lugar ao poder do logos, dominante mas não exclusivo. O assunto deste diálogo é, pois, o
amor.
Têm-se, assim, filósofos, políticos, historiadores, tragediógrafos, comediógrafos
e oradores, cada qual com seus discursos humanos, pronunciados em etapas progressivas
tendo em vista a verdade, mas sem serem ainda toda a verdade. Contudo, essa perspectiva
da verdade sobre o Eros é logo esquecida, dando lugar ao elogio, os quais concernem
muito mais ao elemento dramático do que ao elemento filosófico. Esses discursos são, na
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Todavia, Pausânias não adianta nenhuma palavra sobre essa virtude e esse
melhoramento do homem, evidentemente por entendê-las na acepção tradicional.
Confrontando novamente o discurso de Pausânias com o de Fedro, verificamos
que enquanto esse compartilhava da visão hesíodica da natureza primária de Eros, aquele
lhe confere um lugar mais democrático, na medida em que recorre ao acervo cultural de
seu tempo para distinguir entre o Eros divino e o Eros humano. Nesse sentido, o discurso
de Pausânias é tributário da concepção grega segundo a qual a região supralunar ou
celestial é, por excelência, o lugar da perfeição, enquanto que a região sublunar ou humana
é o domínio da imperfeição, porque é o âmbito do movimento, da corrupção, do vir-a-ser.
Sendo assim podemos aceitar a colocação de MACEDO (2001:26):
possível daquela divisão que foi imposta como castigo ao gênero humano.
Longe de ser meramente reiterativo, o amor em Aristófanes é a
manifestação sensível e articulada da unidade que preside o cosmos e que
se manifestara no início primordial, inclusive na natureza humana.
Por mais enganosa que seja a imagem que Agaton apresenta do amor, todavia
ela oferece mais um degrau de acesso a sua verdadeira face. Novamente citamos
MACEDO (2001:47):
Para Platão, eles se limitam ao elogio, mas não porque estejam fechados
totalmente no erro, na falsidade e na ignorância, e também não porque
suas opiniões e juízos sejam destituídos de qualquer importância, mas
porque suas definições vão rapidamente as qualidades e as conseqüências
benéficas da atuação de Eros na vida humana, sem deter-se e meditar no
que ele realmente é. E, porque encerrados nas qualidades e nas
conseqüências, esses longos e brilhantes discursos permanecem parciais e
incompletos, não dizendo a verdadeira essência de Eros. (MACEDO,
2001:48)
Pois eu achava, por ingenuidade, que se devia dizer a verdade sobre tudo
que está sendo elogiado, e que isso era fundamental, da própria verdade se
escolhendo as mais belas manifestações para dispô-las o mais
decentemente possível; e muito me orgulhava então, como se eu fosse
falar bem, como se soubesse a verdade em qualquer elogio. (O Banquete,
198d )
67
Essa confissão constitui mais um caso típico da ironia socrática. Com isto,
Sócrates declina da sua responsabilidade de concorrente, dando de antemão a vitória aos
seus parceiros, mas ao mesmo tempo explora essa condição deles, solicitando de sua
reconhecida competência a permissão para que ele conduzisse o debate no sentido da sua
ignorância . Assim Sócrates se isenta da maneira de elogiar dos seus convivas. Ao
mesmo tempo, ele denuncia nos primeiros discursos a despreocupação com a verdade.
Agaton faz menção em seu discurso à bondade, à beleza, à coragem, à virtude,
à sabedoria e a outros atributos do amor. Sócrates, por sua vez, desfaz tal interpretação
começando pela seguinte pergunta a Agaton: o amor é amor de nada ou de algo?
(ibidem, 199e). Ao que Agaton responde que é de algo.
Sendo o Amor, amor de algo, continua Sócrates, esse algo é por ele certamente
desejado. Mas este objeto do amor só pode ser desejado quando lhe falta e não quando
possui, pois ninguém deseja aquilo de que não precisa. O que deseja, deseja aquilo de que
é carente, sem o que não deseja, se não for carente (O Banquete, 200 a b ). Como poderia
Eros ser bom, belo, corajoso e sábio e ainda assim ser desejante se aqueles atributos
pertencessem à sua natureza e não àquilo pelo qual anseia e procura?
Portanto, o que se ama é somente aquilo que não se tem. E se alguém ama a si
mesmo, ama o que não é. O objeto do amor sempre está ausente, mas sempre é solicitado.
A verdade é algo que está sempre mais além, sempre que pensamos tê-la atingido, ela se
nos escapa entre os dedos. Essa inquietação na origem de uma procura, visando uma
paixão ou um saber, faz do amor um filósofo. Sendo o Amor, amor daquilo que falta,
forçosamente não é belo nem bom, visto que necessariamente o Amor é amor do belo e do
bom. Mas por não ser nem belo nem bom o amor, não quer isso dizer que seja feio ou mau,
conforme diz Diotima: assim também o amor, porque tu mesmo admite que não é bom
nem belo, nem por isso vás imaginar que ele deve ser feio e mau, mas sim algo que está,
dizia ela, entre esses dois extremos (O Banquete, 202b).
Eros, portanto , não é um deus, conforme os elogios dos outros convivas do
banquete fazia transparecer. Eros é um intermediário entre o divino e o humano. Sendo
assim, ele tem a função de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos
homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e
as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos, ele os completa, de modo
que o todo fica ligado todo ele a si mesmo.
68
Ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria
imagina, mas é duro,seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem
forro, deitando-se ao desabrigo, as portas e nos caminhos, porque tem a
natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai,
porém, ele é insidioso com o que é belo e bom e corajoso, decidido e
enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de
sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago,
feiticeiro, sofista; e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo
dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo
ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa,
de modo que nem empobrece o amor nem enriquece, assim como também
está no meio da sabedoria e da ignorância. (O Banquete, 203 b-e)
Eros, portanto, não é um deus - não é belo nem bom; nem é um mortal - não é
feio nem mau. Nem imortal nem mortal, Eros é um daímon, isto é, intermediário entre
deuses e homens, criador de laços entre eles. Eros está entre a sabedoria e a ignorância(O
Banquete, 203e). Eros é, portanto, aquele que é capaz de conduzir o homem do mundo das
sombras ao mundo da luz, conforme o mito da caverna. Ou seja, ele é que impulsiona o
homem do mundo sensível ao mundo inteligível. Ninguém que já sabe filosofa, assim
como nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio, pois já é. Nem tampouco os ignorantes
filosofam ou desejam a sabedoria, pois não deseja nada quem não imagina ser deficiente
naquilo que não pensa lhe ser necessário (O Banquete 204a).
Se não são os sábios, nem os ignorantes os aptos a filosofar, quem são? O que
está entre os dois extremos _ O Amor. É da natureza, portanto, do amor ser filósofo, isto é,
estar entre a sabedoria e a ignorância, diz Platão (O Banquete, 204b).
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Ele terá também que dizer como no Fedro de que maneira se misturam
nele mesmo o esquecimento e a lembrança do espetáculo supra celeste, e
o que é o longo caminho de sofrimento que o levará finalmente até seu
objeto.
com a verdade. Mas se Eros é relação com a verdade, pensa Foucault (1984: 210), os dois
amantes só poderiam se unir com a condição de que também o amado fosse levado ao
verdadeiro pela força do mesmo Eros.
Pois, na erótica platônica, o amado deve ser também sujeito e não apenas objeto
nessa relação de amor. A verdade introduz a simetria. A relação com a verdade é relação
que converge para o mesmo (WOLF, 1992:154). Transpondo isto para a relação mestre-
discípulo, o discípulo não é visto aqui como mero receptáculo do saber do mestre, porém,
como sujeito ativo na busca pelo objeto comum dos seus desejos, que é a verdade.
A partir do momento que Eros se dirige para a verdade, quem poderá guiar o
outro e ajudá-lo a não se degradar em todos os prazeres baixos, é aquele que está mais
adiantado no caminho do amor, aquele que está mais enamorado da verdade. O mestre de
verdade, portanto, será aquele que é o mais sábio em amor. O mestre ocupa agora, nesta
relação de amor com a verdade, o lugar do enamorado, modificando assim, o sentido do
jogo: o mestre passa a ser para todos os jovens ávidos de verdade, objeto de amor.
Podemos verificar tal inversão de papéis nas últimas páginas do Banquete onde
Platão descreve as relações que Sócrates mantêm não só com Alcibíades como também
com Carmide, com Eutidemo, e ainda com muitos outros. Aqui são os jovens rapazes que
se encontram enamorados de Sócrates: eles seguem suas pegadas, procuram seduzi-lo,
querem que ele conceda seus favores, isto é, que lhes comunique o tesouro de sua
sabedoria. Daí para frente é a sabedoria do mestre, e não mais a honra do rapaz, que marca,
ao mesmo tempo, o objeto do verdadeiro amor, e o princípio que impede de ceder.
Sócrates introduz aqui um novo tipo de dominação no jogo amoroso onde se
enfrentavam diversas dominações, a do amante buscando apoderar-se do amado, a do
amado procurando escapar. Esta é exercida agora pelo mestre de verdade. Deste modo,
Platão inverte o papel do jovem amado, fazendo dele um enamorado do mestre de verdade.
Aquelas dissimetrias, defasagens, resistências e fugas que organizavam as relações sempre
difíceis entre o amante e o amado, não têm mais aqui razão de ser. Elas se desenvolvem
agora de acordo com um movimento totalmente outro, tomando outra forma, e impondo
um jogo diferente: o de uma rota onde o mestre de verdade ensina ao rapaz o que é a
sabedoria (FOUCAULT, 1984: 212).
Verifica-se deste modo, que Platão introduz como questão fundamental na
relação de amor a questão da verdade. E sob uma forma inteiramente outra do que aquela
do logos, na qual era preciso submeter os próprios apetites no uso dos prazeres. A reflexão
73
platônica gravitará, assim, em torno do sujeito e da verdade de que é capaz e não mais em
torno do objeto do amor e do estatuto a lhe ser dado.
Deste modo, acrescenta FOUCAULT (1984:210) :
a dialética do amor exige aqui nos dois amantes dois movimentos
exatamente semelhantes; o amor é o mesmo, posto que é tanto para um
como para o outro, o movimento que os arrebata para a verdade.
reciprocidade: O Eu atua sobre o Tu assim como o Tu atua sobre o Eu. Nossos alunos nos
formam, nossas obras nos edificam (1974:18).
Platão introduz pela primeira vez a questão da verdade como uma dimensão
essencial da relação amorosa. O verdadeiro amor, segundo ele, é o amor do verdadeiro. Por
Eros habitar no diálogo, que é o discurso alimentador da alma, há um vínculo muito forte
entre amor e comunicação em Platão. Trata-se aqui de uma certa comunicação, onde o
outro é uma ponte para nossa interioridade e vice-versa. É a alteridade do outro o que me
impele não só ao discurso, mas também a dizer algo novo, diferente, numa busca de
aproximação da verdade (SARDI, 1995: 30).
Essa busca associada da verdade é, simultaneamente, um mostrar-se ao outro,
de tal modo que a presença do outro, tornada viva na interação dialógica, que é ao
mesmo tempo dialética, é repotencializaçao recíproca de Eros.
Deste modo, não é a outra metade de si mesmo que o indivíduo busca no outro,
conforme pensava Aristófanes; o que buscam é o verdadeiro com o qual sua alma é
aparentada. Essa relação da alma com a verdade, diz FOUCAULT (1984:82), é ao mesmo
tempo o que fundamenta Eros em seu movimento, força e intensidade e o que, ajudando-o
a desenredar-se de qualquer gozo físico, permite-lhe tornar-se o verdadeiro amor.
Platão diz no Fedro (1996:153), que a razão que atrai as almas para o céu da
verdade é porque somente aí poderiam elas encontrar o alimento capaz de nutri-las e de
desenvolver-lhes as asas, aquele que conduz a alma para longe das baixas paixões.
Por ter contemplado anteriormente a verdade, a alma ao perceber o seu reflexo
nos objetos deste mundo, é tomada pelo delírio de amor, e colocada fora de si e não se
possui mais. Eros é, pois, o impulso que conduz a alma à posse da verdade. Porém este
delírio deverá ser purificado, no sentido de desligar-se de uma busca do puro prazer
sensual para que possa, a partir da contemplação da beleza dos corpos, passando pela
beleza das almas, atingir a beleza em si, ou seja, o inteligível. Deste modo, são apropriadas
as palavras de MAIRE (1986:38), quando diz que o amor em Platão, revela-se como um
autêntico método de conhecimento, que não se sobrepõe ao método puramente racional ou
intelectual, mas que o inspira e sustem no seu impulso e nos seus esforços.
A construção do conhecimento constitui, assim, no platonismo, uma conjugação
de intelecto e emoção, de razão e vontade. A episteme é fruto de inteligência e de amor.
O amor será, portanto, um elemento fundamental na paidéia platônica. Jaeger
diz que a idéia central do Banquete é justamente a união do Eros e da paidéia .
75
CAPÍTULO III
A PAIDÉIA PLATÔNICA
social. Organizada de modo autônomo uma em relação à outra, a polis era uma cidade-
estado com constituição e regime de governos próprios.
Os habitantes da polis passam a se encontrar na Agora a fim de discutirem
vários problemas, sobretudo os de caráter político. A praça (agora) torna-se assim, o
espaço público da disputa política entre iguais. Isto significa que ao ideal de valor de
sangue, restrito a grupos privilegiados em função do nascimento ou fortuna, se sobrepõe a
justa distribuição dos direitos dos cidadãos enquanto representantes dos interesses da
cidade. A cidade está agora centralizada na Agora, espaço comum, aberto, contrário a
qualquer círculo fechado de decisão de poder.
A palavra adquire na polis grega um papel preeminente, de acordo com
Vernant. A palavra perde ali seu caráter místico-religioso, cuja força era atestada na
relação com o sobrenatural, e se torna um elemento político nas relações de poder. A
palavra é persuasiva, tendo o seu poder de convencimento ligado a oratória, à ordem do
discurso como linguagem que se organiza à luz da razão demonstrativa. A palavra ganha
importância tal, na polis grega, a ponto de tornar-se, segundo VERNANT (2004:53), a
chave de toda autoridade no Estado .
A polis se faz, assim, pela autonomia da palavra humana do conflito, da
discussão, da argumentação, e não mais pela palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos
deuses. O saber deixa de ser sagrado e passa a ser objeto de discussão. A expressão da
individualidade por meio do debate faz nascer a política, libertando o homem dos
exclusivos desígnios divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na Agora. Sendo assim, o
cidadão da polis participa dos destinos da cidade por meio do uso da palavra em praça
pública.
Esse contexto propicia o nascimento da filosofia, na expressão de CHAUÍ
(2002:44):
respeito a tudo aquilo que se refere à vida do cidadão na sua realização, e o privado se
refere às questões do homem empírico individual no trato com questões privadas, como
negócios e administração do seu lar.
tradicional, religiosa, aristocrática e conservadora, pela nova educação, pela nova paidéia,
racionalista e democrática, acessível a todos os homens livres.
A partir de então, a arete, a virtude política, não dependeria mais da tradição, da
família, do sangue, mas de uma nova pedagogia, cujo pressuposto é a igualdade de todos
os cidadãos da polis. Mas não só a igualdade, como também a liberdade, pois, na polis
democrática, reina a mais completa liberdade e todos os cidadãos têm os mesmos direitos
de exprimir publicamente seu pensamento, criticar as autoridades e participar dos debates
de que dependiam as decisões políticas. Compreende-se assim, que, na polis democrática, a
liberdade de palavra, o direito de falar torne a oratória, a eloqüência, a retórica,
indispensáveis. Cedo se faz sentir a necessidade de uma nova educação capaz de
satisfazer os ideais do homem da polis . (JAEGER, 2001:336)
Essa nova paidéia tinha como finalidade, diz o autor, a superação dos
privilégios da educação antiga, para a qual, só os que tinham sangue divino é que poderiam
alcançar a Arete. Este objetivo só poderia ser alcançado através da formação consciente do
espírito.
Foi das necessidades mais profundas da vida do Estado que nasceu a idéia
da educação, a qual reconheceu no saber a nova e poderosa força
espiritual daquele tempo para a formação de homens, e a pôs a serviço
dessa tarefa. (JAEGER, 2001:337)
bom devia ser ocioso sem preocupações com a subsistência. Belo de corpo e alma e bom
de corpo e alma, o jovem guerreiro merecia pertencer à nobre estirpe dos aristoi,
descendentes dos deuses (CHAUÍ, 2002:157).
Ora, para o cidadão da polis democrática a arete aristocrática já não fazia
sentido, era inaceitável. Era necessário uma nova paidéia com uma nova arete: a formação
do cidadão para a direção da polis. A excelência almejada não é mais a coragem do jovem
guerreiro em busca da bela morte , mas é a virtude cívica a qual propicia a participação
do cidadão nas atividades políticas.
Nas palavras de MARROU (1990:83):
Os sofistas põem seu ensino a serviço deste novo ideal da arete política:
equipar o espírito do cidadão para a carreira de homem de Estado, formar
a personalidade do futuro dirigente da cidade tal é o programa que eles
concebem.
O ser político, o viver numa polis, significava que tudo era decidido
mediante palavras e persuasão, e não através de força e violência. Para os
gregos, forçar alguém mediante violência, ordenar ao invés de persuadir
eram modos pré-políticos de lidar com as pessoas, típicos de vida fora da
polis, característicos do lar e da vida em família; na qual o chefe de casa
imperava com poderes incontestes e despóticos, ou da vida nos impérios
bárbaros da Ásia, cujo despotismo era frequentemente comparado à
organização doméstica. (ARENDT, 2003:35-36)
somente o lugar onde cada um escuta e fala por sua vez; é lugar onde falam os oradores
profissionais, mas também os demagogos. A possível tirania dos demagogos testemunha
que uma democracia que só repousa sobre o poder da palavra pode cessar de ser
constitucional (VERGNIERES, S. 1998:262).
A retórica pode ser um bem para a pólis, mas se esse bem for utilizado por um
orador inescrupuloso, ela se torna um instrumento de corrupção.
Para Platão, crítico contumaz dos mestres de retórica, os sofistas, a retórica não
passa de pura adulação e adulteração do verdadeiro. A retórica, segundo o filósofo,
pretende persuadir e convencer a todos sobre tudo sem dispor do verdadeiro conhecimento.
E, assim como a arte cria apenas fantasmas, a retórica cria persuasões infundadas e crenças
ilusórias. O retórico é aquele que sabe jogar com os sentimentos e as paixões dos homens.
Para Platão, portanto, o retórico situa-se longe do verdadeiro tanto quanto o artista.
Se referindo à retórica no Fedro, Platão diz o seguinte:
Quem quer ser bom orador não tem necessidade de conhecer a verdade a
respeito do que é bom e justo das ações que os homens praticam, quer por
natureza quer por educação. Nos tribunais, portanto, ninguém se preocupa
com o conhecimento da verdade, mas só se cuida de saber o que é
verossímil. (1996:176).
da verdade, sobre a conquista da verdade pela ciência racional. É a posse da verdade que
definirá, segundo Platão, o verdadeiro orador, o verdadeiro médico, o verdadeiro político,
bem como o verdadeiro filósofo. Conforme assinalou MARROU (1990:111):
Deste modo, a norma não é mais o sucesso pelo sucesso, como no ideal
sofistico, mas a verdade. Conforme vimos, a filosofia platônica é, segundo Heidegger, uma
pedagogia para a verdade. Esta intenção é possível, visto que a alma do homem é
ontologicamente afim da verdade, pois desde a eternidade habitara o mundo das idéias. O
trabalho pedagógico, portanto, em Platão, será retirar a alma da condição de obscuridade
em que se encontra enquanto encarnada neste corpo mortal e elevá-la a contemplação da
verdade.
A educação em Platão tem como objetivo, conforme está escrito em A
República (518 d), converter a alma da ignorância ao conhecimento verdadeiro. De acordo
com o mito da caverna, retirar a alma do mundo das sombras para o mundo da plena
luminosidade, isto é, retirá-lo do mundo sensível para o inteligível.
Para Platão, essa conversão da alma do sensível ao inteligível será um
trabalho, ao mesmo tempo, político, ético e pedagógico. Neste trabalho, não trataremos da
questão política em Platão, mas daremos atenção somente aos dois outros aspectos
platônicos no que diz respeito à formação do filósofo, expondo ao mesmo tempo, a
participação das idéias de verdade e amor neste processo.
jogo retórico. Não pretendemos com isto negar que havia nos sofistas, uma noção própria
de verdade. Segundo eles, não há uma verdade objetiva, visto que não podemos conhecer
nada com certeza. Os sofistas empreenderam um verdadeiro relativismo epistemológico, o
que mereceu severas críticas de Platão. O confronto entre a paidéia sofística e a paidéia
platônica, é na verdade, o confronto entre dois modos de compreensão da verdade, do que
é conhecer verdadeiramente.
O educador sofista é visto por Platão como mercador ambulante de um pretenso
saber. O sofista, para ele, não é amante da verdade. Ele vive no mundo da mera opinião
(doxa), somente o filósofo é capaz de atingir o conhecimento verdadeiro. Na República
Platão faz um minucioso relato do amante da sabedoria (philósophos) em oposição ao
amante da opinião (philodoxos), distinguindo entre episteme, única capaz de atingir o ser, e
a doxa, intermediário entre o ser e o não-ser.
Quase no final do livro V da República, Platão ao descrever a natureza do
verdadeiro filósofo, diz que estes, amam contemplar a verdade . E como já vimos
anteriormente, o verdadeiro amor em Platão é o amor da verdade. E aquele que se
identifica com o amor da verdade é filósofo.
Ocorre que ninguém nasce filósofo, embora, segundo Platão, haja naturezas
filosóficas , mais bem dotadas do que outras para a filosofia. É portanto, indispensável
formar estes seres quase divinos, educando-os moral e intelectualmente.
Visto que a educação não se limita à formação intelectual, porque inclui
também, a formação moral, a educação da vontade, é preciso antes de tudo, distinguir, a
propósito da virtude, a virtude tradicional e a filosófica. Enquanto a virtude tradicional está
baseada nas máximas vigentes na sociedade, consistindo num acordo compulsório, exterior
e convencional a essas máximas, a virtude filosófica, ao contrário, está fundamentada
numa prévia tomada de consciência através da crítica à virtude tradicional.
Virtude é o termo português que melhor traduz o termo grego arete. Este termo
grego é, segundo os estudiosos, um dos termos mais difíceis de ser entendido pelo homem
de hoje.
Arete é, conforme JAEGER (2001), o atributo próprio da nobreza grega. Havia
uma unidade entre o senhorio e a arete. O homem comum não possui arete, nem tampouco
o escravo.
Segundo o autor, somente uma vez é que Homero entende por arete as
qualidades morais ou espirituais.
O significado de arete como expressão da força e da coragem heróicas,
permaneceu por muito tempo na linguagem tradicional da poesia heróica.
É desse sentido originário do conceito de arete que devemos partir para
compreendermos melhor a revolução realizada por Platão.
Segundo Platão, não somente o homem, mas todas as coisas são boas pela
arete, isto é, por uma ordem intrínseca, por uma harmônica disposição e função da
natureza que lhes é própria. Ordem (taxis) é a idéia diretriz do pensamento ético de Platão.
Na expressão de VAZ (1999:98):
homem virtuoso é aquele que sabe. Virtude e conhecimento são, em Platão, os verdadeiros
e autênticos valores da alma. Os valores do corpo e os valores externos ficam num segundo
plano e perdem a importância que a tradição lhes atribuíra. Não que não haja lugar algum
para o corpo no pensamento platônico, apesar de afirmar categoricamente no Fédon, que o
corpo é como que uma prisão para a alma. A alma está nesta vida sepultada no túmulo do
corpo. Para dele se desprender a alma precisa se dedicar à filosofia e por fim atingir a
suprema libertação através da morte, que é entendida como separação da alma do corpo.
Esta concepção platônica é de inspiração órfica.
Numa importante passagem do Fédon Platão afirma que o corpo é um obstáculo
para se atingir a verdade e que, portanto, todo aquele que pretende se valer do pensamento
puro para captar a verdadeira realidade deve se desembaraçar de todo o seu corpo.
Vejamos esta passagem:
... durante todo tempo em que tivermos o corpo, e nossa alma estiver
misturada com essa coisa má, jamais possuiremos completamente o
objeto de nossos desejos! Ora, este objeto é, como dizemos, a verdade.
Não somente mil e uma confusões nos são efetivamente suscitadas pelo
corpo quando clamam as necessidades da vida, mas ainda somos
acometidos pelas doenças e eis-nos às voltas com novos entraves em
nossa caça ao verdadeiro real! ... Mas o cúmulo dos cúmulos está em que,
quando conseguimos de seu lado obter alguma tranqüilidade, para voltar-
nos então ao estudo de um objeto qualquer de reflexão, súbito nossos
pensamentos são de novo agitados em todos os sentidos por esse intrujão
que nos ensurdece, tonteia e desorganiza, ao ponto de tornar-nos
incapazes de conhecer a verdade. Inversamente, obtivemos a prova de
que, se alguma vez quisermos conhecer puramente os seres em si, ser-
nos-á necessário separar-nos dele e encarar por intermédio da alma em si
mesmo os entes em si mesmos. (Fédon, 66b-e)
Diante de passagens como esta, poderia parecer que o corpo para Platão é algo
que deve ser totalmente desprezado, não tendo lugar algum em seu projeto pedagógico.
Porém, isto não é verdade, visto que em outros diálogos, como na República, nas Leis e
sobretudo no Timeu, ele dá o devido valor ao corpo humano. No Timeu, por exemplo,
Platão faz elogios notáveis aos sentidos do corpo, especialmente ao da visão.
será ao gênero humano, posto que é um dom dos deuses. Por isso digo
que os olhos são o maior bem. (Timeu, 47 a-b)
afasta da filosofia e da razão, tanto mais produzirá aqueles efeitos danosos anteriormente
descritos (A República. 587 a).
E por que a pessoa que seguir os ditames da razão alcançará os verdadeiros
prazeres? Porque quem lhe guia é a verdade, diz Platão. A vida feliz e virtuosa é a do
homem que tende para o inteligível e não cede a fascinação do sensível. A felicidade é da
ordem do conhecimento. A felicidade está na procura do Bem e do Belo, está na marcha
para a fonte do ser e do conhecimento. Depois de se aproximar e de se unir ao verdadeiro
ser, e de ter dado à luz a Razão e a Verdade, poderá alcançar o saber e viver e alimentar-se
de verdade, e assim cessar o seu sofrimento (Id. 490 b).
Conforme Abel JEANNIÈRE (1995:131), o Bem é o fim supremo de tudo o
que vive e ele basta-se a si mesmo . No entanto, o autor ressalta na mesma página, que
não podemos pensar que a sabedoria ou o prazer sejam cada qual individualmente, o
próprio Bem. Pois ninguém aceita uma vida de prazer sem que seja iluminada pela
inteligência; nem uma vida de pura sabedoria que não fosse despertada por nenhuma
emoção de prazer ou dor. A vida feliz é uma mistura de sabedoria e prazer, sem afastar a
dor.
Abel JEANNIERE escreve que Platão reconhece no Filebo, um dos seus
últimos textos,
que se concentra sobre si mesma, preparando-a para o estado feliz em que, por meio da
contemplação das realidades eternas, retorna ao mundo ideal.
Nas palavras de REALE (1994:214):
Platão irá insistir sempre neste ponto: a filosofia é conversão ao ser, é iniciação
ao Bem supremo.
93
da virtude? Sócrates afirma que tendo procurado freqüentemente mestres de virtude, nunca
os conseguiu encontrar. Nem entre os homens de reputação na cidade. E se não há mestres
de virtude, também não há alunos.
Havendo argumentos tanto a favor como contra de que a virtude seja ciência,
não seria então o caso, pensa Sócrates, de que ela seja apenas uma opinião correta? Visto
que a opinião correta em nada é inferior a ciência no que diz respeito as nossas ações. Ou
será, ainda, a virtude simplesmente uma opinião feliz? Mas sendo a virtude algo que não
advém nem por natureza nem por ensino, não seria ela uma concessão divina? Platão diz
no final do diálogo que a resposta certa para isto só se dará quando for respondida aquela
questão mais fundamental: o que é a virtude em si? Parece que retornamos ao mesmo lugar
que nos encontrávamos no Protágoras. No entanto, só aparentemente nos encontramos no
mesmo lugar.
Assim como os nossos olhos não poderiam voltar-se para a luz a não ser
dirigindo o corpo inteiro para ela, também nos devemos desviar com toda
a alma do corpo do devir, até que ela esteja em condições de suportar a
contemplação das camadas mais luminosas do ser. (JAEGER W, op. cit.,
p.888)
números um saber capaz de orientar o nosso pensamento para o ser. Platão põe em relevo
que, até então, esta ciência nunca havia sido utilizada com tal finalidade. Os sofistas
tinham um grande apreço pelas ciências matemáticas, porém seu verdadeiro valor estaria
em sua aplicação prática. Para Platão, ela não é útil apenas para fins de compras e
transações comerciais, mas sim para facilitar à alma sua conversão ao ser . As
matemáticas ajudam a despertar o espírito, adquirir memória, desembaraço e vivacidade.
por uma função da tensão da corda. Platão tem em mira a teoria musical conforme
praticada pelos pitagóricos e não simplesmente as questões levantadas pelos músicos.
Porém, Platão pretende ir mais além que os pitagóricos, os quais apegavam-se,
demasiadamente, em considerações puramente acústicas, ao invés de se elevarem à
consideração puramente intelectual das relações entre proporções, dados numéricos,
sugeridos pelo estudo dos sons.
para a harmonia. A verdadeira ciência das realidades inteligíveis, para Platão, é a dialética.
Pois, na dialética, a alma se eleva a uma visão de conjunto das ciências por ir além dos
princípios ou das hipóteses que cada uma delas leva em conta.
alcança a noesis. O homem comum não pensa dialeticamente, portanto, não vai além do
mundo sensível. Ele se detém nos dois primeiros graus da primeira forma do
conhecimento, a doxa; os matemáticos atingem a diánoia; somente o filósofo atinge a
noesis a ciência suprema. A dialética platônica é o caminho que conduz à verdade. É a
realização mais alta da filosofia que permite captar o bem, alcançar o uno ou a idéia
suprema.
Como vimos, o pensar dialético pressupõe um longo e árduo aprendizado, um
desenvolvimento e um amadurecimento intelectual e emocional do filósofo. No Teeteto
(186c) Platão afirma que o conhecimento filosófico é fruto de uma longa e fatigosa
paidéia. Esta exigência de longa duração na formação filosófica, que na sua totalidade
abrange quinze anos, ressalta o conceito platônico do saber e a essência da sua obra de
escritor. Platão sempre declarou que de um estudo da Filosofia limitado há alguns anos,
como era habitual na sua época e ainda hoje continua a ser, nada poderia ser esperado. Pois
o processo do qual nasce a idéia do Bem, é um processo interior que se opera à força de
muitos anos de comunidade de vida e de investigação.
Este modo de compreensão do saber e da educação está em franca oposição ao
modo contemporâneo de entendê-los. Fazendo um rápido paralelo entre a compreensão
platônica de educação com a da atualidade, veremos que a educação perdeu
completamente o sentido grego originário de paidéia, ou seja, como formação do homem
integral, e adquiriu um sentido tecnicista e pragmático. A sociedade atual privilegia a
dimensão instrumental e imediatista da cultura. O saber e a educação têm sido reduzidos
hoje a meros instrumentos para a formação do homem produtivo, útil a sociedade
tecnocrata. A educação atual perdeu o humano como finalidade, estando mais preocupada
em instrumentalizar o homem para o mercado competitivo e injusto, do que formar o
homem verdadeiramente racional, autônomo e virtuoso. Trata-se de discursos constituídos
que, como a sofística, querem nos convencer sem a devida interrogação crítica sobre o
verdadeiro sentido da formação humana. Tudo parece convergir para a necessidade de
acelerar, formar mão-de-obra flexível, educar para o tempo presente, se esquecendo de que
educar é um projeto coletivo, que, requer tempo e pensamento. O trabalho do pensamento
para adquirir o verdadeiro saber é algo que demanda um certo tempo. Vemos a tendência
de hoje em se confundir o saber com informação e informação é visto como capital. O
saber e a educação se apresentam atualmente como mercadoria, e como tal, têm de se
apresentarem bem, como qualquer outra mercadoria ( GUIMARÃES, 2001:92 ). Daí a
101
É apanágio daquele que não é nem ignorante nem sábio, daquele que não
possui o saber, mas a ele aspira, daquele que sempre busca alcança-lo,
tendo-o alcançado, percebe que ele lhe foge novamente para que, como
amante, continue a procurá-lo.
CONCLUSÃO
Pensamos ter alcançado ao final deste estudo nosso objetivo inicial e geral que
era o de verificar a relação entre conhecimento, amor e educação em Platão. Esta é uma
relação fundamental para o entendimento do projeto filosófico-pedagógico de Platão.
Platão reúne em um mesmo movimento discursivo o amor, o logos e a paidéia; ao mesmo
tempo que reflete a estrutura da educação grega, ele confere um lugar especial à aquisição
da virtude e dos valores, à educação, no interior de sua descrição do exercício amoroso.
Eros constitui uma experiência humana fundamental e corresponde a um dos elementos
básicos das concepções grega e platônica do homem.
Procurei esclarecer neste estudo que o amor em Platão não é nunca aquele
desejo irrealizável, como bem que nunca se alcança. Ao contrário, através do Amor, o Bem
torna-se apreensível pelo homem. O Banquete esclarece que por intermédio do amor e por
meio da correta relação com os jovens, produzir-se-ão não sombras, mas a própria
realidade: por intermédio do amor é no próprio real que se toca, ainda que por pouco
tempo e provisoriamente. A alma pode tocar no real através do amor. É o amor que torna
possível à alma contemplar a verdade. No Banquete, Eros é, enquanto intermediário, a
imagem da alma que liga o mundo sensível ao mundo inteligível, o impulso ao
conhecimento e à contemplação.
No Lísis verificamos a identificação do Primeiro Amigo ao Bem absoluto. A
verdadeira amizade é vista como procura, desejo e meio para se chegar ao Bem. Do mesmo
modo, Eros é procura, desejo e meio para se atingir o belo, que não é senão o próprio Bem
em uma de suas manifestações. Há um parentesco interior entre Eros e Phylia. No Fedro,
Eros é compreendido como uma loucura, uma possessão, uma paixão que só poderia ser
causada por um deus. Parece haver assim uma contradição entre a concepção de Eros no
Banquete e no Fedro. Porém, não me parece contraditório pensá-lo ao mesmo tempo
como um deus e como intermediário, daimon. Pois o trabalho de Eros no Fedro é análogo
ao do Banquete, que é o de tomar a alma e fazê-la desviar-se do sensível encaminhado-a ao
plano do inteligível.
O conhecimento do verdadeiro Ser, das suas idéias e da idéia do Bem só se
pode atingir através da inteligência que, em Platão, não é apenas mero intelecto dissociado
da paixão e do amor, mas razão e pensamento movidos pelo desejo. A alma sente anseio
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por tudo que com ela se aparenta, aspira a conhecê-lo e desfrutá-lo numa união completa.
De fato, através da dialética o amante parte da beleza corpórea não só para a beleza ideal,
mas ainda para a Verdade, a Sabedoria, para toda a hierarquia das idéias, transformando-se
no filósofo.
O noos, segundo Platão, é um noos que não saberia ativar-se sem a
impetuosidade da psyché. O desejo está na base da análise platônica da noção de homem e
de sabedoria. O anthropos platônico é determinado pela psyché em sua atividade de
eidenai e phronesis. Isto equivale a dizer que a natureza humana e seu ato de
conhecimento são muito mais oriundos do desejo, antes de serem uma concepção
intelectualista da vida.
Desse modo, só podemos compreender a paidéia platônica a partir da
compreensão de sua teoria do conhecimento, e de sua teoria do Eros. Não podemos
compreendê-los separadamente.
Platão enfatiza uma educação integral, que forme o indivíduo em todas as suas
potencialidades e capacidades: Capacidades físicas, intelectuais, morais e sociais.
Platão pretende educar o homem para o amor. O amor como a melhor forma de
sairmos de nós mesmo e fazermos a experiência do outro como alteridade.
Enfim, uma educação que pretenda formar o homem em todas as suas
dimensões, deve formar o homem contemplativo. Pois para Platão, parece haver no homem
uma semente do divino que o impele para o transcendente.
Platão não pretendia instruir o cidadão da polis, antes pretendia formar o
verdadeiro homem. A preocupação de Platão é com uma educação harmônica que garanta
a felicidade tanto à polis quanto ao indivíduo. Tal educação está idealizada em grau
máximo na figura do filósofo. O filósofo é o amigo da sabedoria, é desejoso do saber. É
aquele que vive feliz porque é virtuoso. O filósofo idealizado por Platão é o único apto a
dirigir a cidade com justiça, pois é o que mais recebeu educação. Uma educação que não
consiste numa formação técnica, mas integral, de modo que tal indivíduo possa
desenvolver todas as suas capacidades. O modelo do filósofo é, portanto, a medida
suprema da verdadeira educação.
Esse sentido da paidéia platônica parece estar perdido hoje em dia. Tudo,
atualmente, parece convergir para a necessidade de acelerar, formar mão-de-obra flexível
educar para o momento. Numa sociedade pragmática e preocupada com resultados
eficientes e imediatos, a paidéia platônica parece ser algo anacrônico, inútil, sem sentido.
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