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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

CONHECIMENTO, AMOR E EDUCAÇÃO EM PLATÃO

Orientador: Prof.° Dr. José Ternes


Mestrando: Djalma Ribeiro

Goiânia
2005
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DJALMA RIBEIRO

CONHECIMENTO, AMOR E EDUCAÇÃO EM PLATÃO.

Dissertação apresentada ao programa de Pós-


graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade Católica de Goiás, para obtenção
do título de Mestre em Educação.

Linha de Pesquisa: Teorias da Educação e


Processos Pedagógicos Orientador:
Prof°. Dr. José Ternes.

Goiânia
2005
3

DJALMA RIBEIRO

CONHECIMENTO, AMOR E EDUCAÇÃO EM PLATÃO.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Strictu Sensu em Educação da
Universidade Católica de Goiás, para obtenção
do título de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. José Ternes.

Dissertação defendida e aprovada em ______ de _____________ de 2005, pela


Banca Examinadora constituída pelos professores.

Prof°. Dr. José Ternes


Presidente da Banca

Prof°. Dr. Ged Guimarães (UFG)

Prof.° Dr. J. C. Avelino (UCG)


4

DEDICATÓRIA

À minha esposa, Amábile de Souza M. Ribeiro, por


sua paciência, compreensão e incentivo, sem o que
não teria sido possível elaborar essa dissertação.
5

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus que me concedeu vida, saúde, inteligência


e disposição para os estudos.
Agradeço a minha mãe, que me trouxe ao mundo e me deu carinho e
condições para que chegasse até aqui, e a todos os meus familiares.
Ao professor e orientador, Dr. José Ternes, pela confiança, orientação e
rigor filosófico.
Ao Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Educação, a todos os seus
professores, pelo ambiente de pensamento e aprendizado proporcionado.
Aos amigos e colegas do Mestrado que contribuíram para o meu êxito.
Aos professores do Departamento de Filosofia e Teologia do curso de
Filosofia da Universidade Católica de Goiás, que muito contribuíram para o
meu prosseguimento nos estudos acadêmicos, em especial ao Prof°. Dr. José
Carlos Avelino.
Aos professores da Banca Examinadora, por terem aceitado o convite e por
terem se empenhado na leitura dessa dissertação, e ainda, pelas críticas e
sugestões feitas.
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... a educação a que nos referimos é o treinamento desde a infância na virtude, o que torna
o indivíduo entusiasticamente desejoso de se converter num cidadão perfeito, o qual possui
a compreensão tanto de governar como a de ser governado com justiça...; enquanto seria
vulgar, servil e inteiramente indigno chamar de educação uma formação que visa somente
à aquisição do dinheiro, do vigor físico ou mesmo de alguma habilidade mental destituída
da sabedoria e justiça... aqueles que são corretamente educados se tornam, via de regra,
bons, e que em caso algum a educação deve ser depreciada pois ela é o primeiro dos
maiores bens que são proporcionados aos melhores homens... (As Leis, Platão)
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SUMÁRIO

Introdução.............................................................................................................. 08
Capítulo I
O LOGOS PLATÔNICO...................................................................................... 12
1. O conhecimento em Platão................................................................................ 21
1.1 O conhecimento e a teoria das idéias.............................................................. 22
1.2 O conhecimento como anamnese ................................................................ 33
1.3 Verdade e erro................................................................................................. 42
Capítulo II
EROS E A VERDADE......................................................................................... 50
Capítulo III
A PAIDÉIA PLATÔNICA................................................................................... 75
1. O processo de formação do filósofo.................................................................. 84
Conclusão.............................................................................................................. 103
Referências Bibliográficas.................................................................................... 106
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INTRODUÇÃO

Como se justifica uma pesquisa que pretende estudar um filósofo que viveu e
escreveu a mais de dois milênios? Poderia a filosofia de Platão contribuir para com o nosso
pensamento atual, sobretudo, no que diz respeito à educação? Penso que é pertinente
estudarmos um pensamento da antiguidade a partir do momento que aceitamos a idéia de
que o pensamento de um filósofo não morre com ele e nem se esgota no contexto imediato
do tempo e do lugar em que este viveu e pensou. Deste modo se torna válido retornarmos a
um pensador clássico como Platão para verificarmos como ele pensou as mesmas questões
que nos inquietam no presente, para que porventura apreendamos o modo de pensar
rigoroso e fértil que não se contenta com superficialidades, nem com o aparente e muito
menos com o fácil.
O retorno aos clássicos da educação grega, sempre foi pertinente, mas muito
mais nesta época em que se discute o papel da educação na formação da cidadania e de
igual forma as crises dos paradigmas, das teorias e dos métodos.
Encontramos atualmente abundantes e diversos modismos pedagógicos os
quais frequentemente propõem inovações ilusórias, infundadas. Daí que a leitura do
clássico, pela própria força do clássico, ser muito pertinente, pois esta tem mais força
renovadora e mesmo transformadora que muitas teorias recentes.
Por que estudar Platão? Porque ele está no início do conhecimento teórico, no
sentido filosófico e científico. O pensamento platônico é inesgotável, no sentido que
sempre podemos fazer dele uma leitura enriquecedora, mesmo que esta não seja de todo
original.
Estudar Platão significa retornar as origens dos problemas lógicos, ontológicos,
gnosiológicos, éticos, políticos e educacionais. Na sua filosofia, adquirem estatuto os
primeiros dualismos da tradição filosófica e cultural do Ocidente: as questões do universal
e do particular, do sensível e do inteligível, do uno e do múltiplo, da alma e do corpo, as
quais ainda se fazem presente nos debates teóricos de nossos dias. A redescoberta do modo
de filosofar de Platão, na crise em que se encontra não só a filosofia contemporânea, como
também o pensamento ético e científico, onde vemos falar constantemente sobre uma crise
de paradigmas, impõem-se como necessário a fim de se repensar as questões que a ciência
não superou e que precisam de uma visão mais larga propiciada pela filosofia. As próprias
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exigências acadêmicas e pedagógicas recomendam esse repensar. E uma das estratégias


para isso é delimitarmos uma questão ou problema. A questão que propomos elucidar neste
trabalho é sobre qual a relação entre o logos, o Eros e a paidéia platônicos? Daí o recorte
que fizemos no vasto pensamento platônico: Conhecimento, amor e educação em Platão.
Por que este tema? Poderíamos tratar sobre muitos assuntos em Platão: político,
ético, literário, ontológico, estético, etc. Porém nos circunscrevemos a este tema, não
porque estamos num mestrado de educação, mas sim porque o momento o exige, onde um
relativismo total tem tomado conta de todo o âmbito do saber humano.
A consciência característica de nossa época, a qual alguns insistem em chamar
de pós-moderna, é de que não há verdade absoluta e universal. A verdade está enraizada,
segundo este modo de pensar, na comunidade da qual participamos. Segundo este modo de
compreensão, a verdade consiste nas regras básicas que facilitam o bem-estar pessoal na
comunidade. Nesse sentido, a verdade tem a ver com a comunidade da qual o individuo
participa. Uma vez que são muitas as comunidades humanas, necessariamente serão muitas
também as diferentes verdades. Haveria, assim, uma pluralidade de verdades coexistentes.
Essa forma de consciência implica, portanto, em um tipo radical de relativismo e
pluralismo.
Platão viveu também numa época semelhante a esta, onde o conhecimento e os
valores morais eram completamente relativizados. Platão contestará esta situação, tendo
como ponto central de sua preocupação a recondução do homem para o equilíbrio e a
verdade. Em sua elaboração da noção de conhecimento, Platão faz uma crítica contundente
à forma de relativismo epistemológico propugnada pelos sofistas. Nesse sentido Platão é
um filósofo intimamente ligado aos problemas de seu tempo.
Ao relativismo dos sofistas, Platão opõe não uma afirmação simplória e
dogmática de verdade, mas sim uma busca de uma condição incondicionada para o
conhecimento, onde o encontro com o fundamento absoluto da verdade não é o ponto de
partida, mas a meta a ser alcançada.
Em contraposição ao pensamento sofista, Platão afirma a existência e
possibilidade do conhecimento verdadeiro: nosso conhecimento, para ele, não estaria
sujeito as vicissitudes humanas, mas temos um critério absoluto de julgamento, acerca do
certo e do errado, do falso e do verdadeiro este critério seria as idéias eternas. Platão
concebe a existência do mundo metafísico das idéias.
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O filósofo ateniense ilustra esta divisão metafísica da realidade no famoso Mito


da Caverna no livro VII de A República, o qual serve também como alegoria da paidéia
platônica, mostrando o caminho de ascensão do homem da condição de ignorância à
obtenção do conhecimento verdadeiro.
Para explicar como atingimos o conhecimento verdadeiro, Platão recorre a
doutrina da reminiscência, exposta pela primeira vez no diálogo Menon. Segundo os
estudiosos, Menon seria o primeiro diálogo que traz a primeira resposta sobre o
conhecimento. A questão principal nele é: como podemos conhecer aquilo que ignoramos?
Em outros termos: como explicar que ao encontrar a verdade que procurávamos temos a
certeza de que a encontramos? Segundo Platão, diante de questões como estas, só podemos
aceitar que o conhecimento é recordação daquelas idéias que foram gravadas em nossas
almas quando habitaram o mundo celestial. O conhecimento em Platão é, portanto,
reconhecimento. A teoria da reminiscência vem, assim, sustentar a teoria do mundo das
formas. Mas, por sua vez, implica outra doutrina que a condiciona: a da preexistência da
alma em relação ao corpo, a da incorruptibilidade dessa alma incorpórea e, portanto, a da
sua imortalidade.
Mas se a doutrina da reminiscência liga a alma às idéias e justifica que o
homem as conheça, como explicar o relacionamento entre as formas e os objetos físicos,
entre o incorpóreo e o corpóreo? Para explicar essa relação, Platão irá desenvolver sua
teoria da participação. Todas essas questões são tratadas no primeiro capítulo deste estudo.
Porém, a ascensão ao conhecimento verdadeiro, em Platão, não é algo restrito a
esfera do intelecto, mas se dá na conjugação de intelecto e afetividade, de razão e vontade.
A episteme platônica é fruto de inteligência e amor. Deste modo, dedicamos o capítulo dois
ao estudo do amor platônico em sua relação com a verdade onde verificamos a participação
de Eros como intermediário entre a ignorância e o saber. Eros é a força que impulsiona a
alma na busca pela verdade.
Mas como todas as almas ao se encarnarem sofrem um esquecimento das idéias
apreendidas no mundo inteligível, é necessário um processo que faça essas idéias
acordarem nas almas. As almas precisam passar pelo processo educativo para saírem do
mundo das sombras para o mundo da luminosidade. Platão diz que a nossa alma precisa
sofrer uma conversão para sair da caverna, isto é, para sair do mundo sensível e atingir o
mundo inteligível. Essa conversão ao inteligível será um trabalho ao mesmo tempo,
político, ético e pedagógico. A educação em Platão será pois, uma conversão da alma.O
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fio condutor deste estudo parte da compreensão de que todo o projeto filosófico-
pedagógico de Platão visa elevar a alma ao conhecimento da verdade. Dedicamos o
terceiro capítulo deste trabalho ao estudo da Paidéia platônica dando exclusividade ao
processo de formação do filosófico.
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CAPÍTULO I

O LOGOS PLATÔNICO

Platão tratou extensivamente do problema do conhecimento, porém, não foi o


primeiro a colocar a questão. O problema do conhecimento já fora colocado antes dele
pelos filósofos pré-socráticos, principalmente por Parmênides e Heráclito, e depois destes,
pelos sofistas, dentre os quais se destacaram Protágoras e Górgias. Outro filósofo que
também tratou da questão do conhecimento anteriormente a Platão foi Sócrates, de quem
aquele foi discípulo e amigo por vinte anos.
Os filósofos pré-socráticos surgiram por volta do século VI a.C. nas colônias
gregas da Ásia menor e da Magna Grécia inaugurando uma nova forma de abordagem da
natureza, a racional, a qual dispensava o recurso às forças sobrenaturais para explicar a
realidade. Antes tudo era explicado por forças sobrenaturais: uma montanha, um rio, o
mar, o sol, o vento, a tempestade, não eram eles mesmos, mas sim a forma como os deuses
se apresentavam aos homens. Com a explicação racional inaugurada pelos pré-socráticos,
foi retirado o véu mítico que cobria a natureza possibilitando assim ao homem ver
simplesmente a natureza, livre do sobrenatural.
Os pré-socráticos se ocuparam em geral com a investigação da natureza, no
sentido grego do termo. Daí eles serem chamados de naturalistas ou como dizia
Aristóteles, fisiólogos. Eles pretendiam encontrar o princípio, arché, de todas as coisas.
Physis é o conceito fundamental de todo pensamento pré-socrático, que não se confunde
com aquilo que conhecemos hoje por natureza, apesar de ser comumente traduzido por este
termo. Bornheim destaca três aspectos da palavra physis que considera fundamentais:

A palavra physis indica aquilo que por si próprio, se abre, emerge, o


desabrochar que surge de si próprio e se manifesta neste desdobramento,
pondo-se no manifesto... Neste sentido, a palavra physis encontra em si
mesma a sua gênese; ela é arché, princípio de tudo aquilo que vem a
ser...; em nossos dias, a natureza se contrapõe ao psíquico, ao anímico, ao
espiritual qualquer que seja o sentido que se empreste a essas palavras.
Mas para os gregos, mesmo depois do período pré-socrático, o psíquico
também pertence a physis...; a physis compreende a totalidade de tudo que
é. Ela pode ser apreendida em tudo o que acontece: na aurora, no
crescimento das plantas, no nascimento de animais e homens. (2000: 12-
13)
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Vemos assim, que a concepção pré-socrática de natureza era bem diversa da de


nossa época. Pensando a physis o filósofo pré-socrático pensa o ser e a partir dela chegava
a compreensão da totalidade do real. Eles incluíam aí até mesmo os deuses, pois segundo o
primeiro desses filósofos, Tales, o mundo está cheio de deuses.
Percebemos a partir dessas considerações que ao buscar o princípio gerador de
todas as coisas, identificando-o com a physis, os pré-socráticos operaram uma transposição
do sobrenatural para o natural. Eles realizaram uma mudança ao nível do conhecimento,
onde, passou-se da explicação mítica para a compreensão racional da realidade. Passou-se
do mitos para o logos. Dizemos que houve aqui uma mudança e não um progresso no
pensamento como a maioria dos estudiosos dizem. JAEGER por exemplo diz que devemos
ver a história da filosofia grega como um processo de racionalização progressiva onde se
evoluiu do mito ao logos. BURNET, por sua vez, defende uma descontinuidade entre o
mito e o logos. Burnet afirma o seguinte: 1) que o mito pergunta e narra sobre o que era
antes que tudo existisse, enquanto a filosofia pergunta e explica como as coisas existem e
são agora; 2) o mito não se preocupa com as contradições e irracionalidades de sua
narrativa; a filosofia afasta os mistérios porque afirma que tudo pode ser compreendido
pela razão e esta suprime e explica as contradições.
A filosofia, retomando as questões postas pelo mito, realiza uma explicação
racional da origem e da ordem do mundo. A filosofia nasce como racionalização da
narrativa mítica, superando-a e deixando-a como passado poético e imaginário. A origem e
a ordem do mundo são de agora em diante, naturais. Apesar da questão primordial para os
pré-socráticos não ser propriamente uma questão gnosiológica senão muito mais uma
questão ontológica, isto não significa que o problema do conhecimento não fora ressaltado
por eles. Pelo contrário, ao investigar o ser eles propuseram também a questão sobre o
conhecer, como lembra Marilena CHAUÍ (1997:110):

A opinião de que os primeiros filósofos não se preocupavam com nossa


capacidade e possibilidade de conhecimento não é exata. Para tanto basta
levarmos em conta o fato de afirmarem que a realidade (o ser, a natureza)
é racional e que a podemos conhecer porque também somos racionais;
nossa razão é parte da racionalidade do mundo, dela participando.

Podemos constatar esta preocupação com o conhecimento, naqueles filósofos


pré-socráticos que mais se destacaram e que influenciaram, de um modo ou de outro, o
pensamento platônico.
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Heráclito de Éfeso (cerca de 540 a 470 a.C.) é um dos pré-socráticos no qual


podemos constatar em meio ao conjunto de seu discurso filosófico ontológico-cosmológico
o problema do conhecimento. O problema do conhecimento em Heráclito está associado à
questão ontológica, e esta, por sua vez, a questão cosmológica.

Elas formam entre si um conjunto caracterizador de seu discurso, em que


a questão de fundo é a cosmológica, cuja postulação ontológica sustenta
uma intrincada analogia entre logos da natureza e logos humano, ethos
divino e ethos humano, fala e ação da natureza e fala e ação humanas.
(SPINELLI, 1998:242)

Heráclito em sua tematização ontológica do conhecimento humano, concebe o


ser homem como um prolongamento do ser do mundo. A sua proposição cognoscitiva
tende a envolver o mundo humano no operar do Cosmos (id. pág.243). Ele tende a
compreender o humano através do cosmológico, pelo conceito de relação dos homens entre
si e com o kosmos. Sendo o logos a expressão desse envolvimento do humano no operar do
kosmos. Disto resulta a sua mais importante descoberta gnosiológica: a postulação de um
critério interno de verdade, o logos comum a todos. O logos é o que há de comum em todas
as coisas. Segundo o logos, todas as coisas são um.
Posto assim como um constitutivo comum a todos, o logos heraclítico é a
norma fundante da universalidade dos princípios, noções ou conceitos que garantem a
sociabilidade humana. O logos é, em Heráclito, o critério autentificador da verdade. A
verdade consiste em captar, para além dos sentidos, a inteligência que governa todas as
coisas.
Em alguns de seus fragmentos, Heráclito critica aqueles homens que pretendem
chegar ao verdadeiro conhecimento através dos sentidos. Maus testemunhos para os
homens são os olhos e os ouvidos, se suas almas são bárbaras . (frag.107)
O conhecimento em Heráclito é um movimento da alma que sabe usar os olhos
e os ouvidos quando aprendeu a pensar conforme o logos. Dando ouvidos não a mim mas
ao logos, é avisado concordar em que todas as coisas são uma. (frag.50)
Para Heráclito, no entanto, essa unidade do mundo resulta da oposição entre as
coisas. Oposição que não é um equilíbrio de forças iguais, nem a justa medida imposta
por um ser supremo.
De acordo com o pensamento do filósofo efesiano, enganam-se aqueles que
pensam que a realidade é tranqüila e inerte. Ela é inquieta e móvel, tensa, concordante
porque discordante, e da guerra nascem a ordem ou o kosmo. A unidade do mundo é sua
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multiplicidade. No entanto, trata-se de uma guerra que é, ao mesmo tempo, paz, num
contraste que é harmonia ao mesmo tempo. Aquilo que é diferente concorda consigo
mesmo, e da luta dos contrários surge a harmonia. O contrário é convergente e dos
divergentes nasce a mais bela harmonia, e tudo segundo a discórdia . (frag.8)
Para Heráclito, o mundo se explica por causa das mudanças e contradições. O
perene fluir de todas as coisas e o devir universal revelam-se como harmonia de contrários.
Heráclito é o filósofo do devir. Para ele, a realidade como um todo está em perpétuo
movimento, num constante vir-a-ser. O ser é devir, contínua passagem de ser a não ser e
vice-versa. Nós somos e não somos a criança que fomos, e assim para tudo o que existe.
Deste modo, Heráclito admite como válido, tanto o discurso que diz que as coisas são,
quanto o que diz que não são. Nem por isso o mundo deixa de ser uno, o mesmo para todos
os seres.
Contudo, esta perpétua mudança não acontece sem ordem e sem regra. Em toda
alteração Heráclito encontra indícios de uma lei imanente. Este mundo, o mesmo de todos
os seres, nenhum deus, nenhum homem o fez, mas era, é e será um fogo sempre vivo,
acendendo-se em medidas e apagando-se em medidas. (frag.30)
As transformações que integram o fluxo universal não significam, portanto,
desgoverno e desordem, pelo contrário, o logos-fogo é também razão universal e, por isso
impõe medida ao fluxo. O logos consistiria precisamente na unidade profunda que as
oposições aparentes ocultam e sugerem. O logos seria a unidade nas mudanças e nas
tensões, a reger todos os planos da realidade.
Heráclito cultiva, portanto, a idéia de que a sabedoria e a verdade plenas
pertencem ao logos e que ao homem cabe apenas amá-las e buscá-las. Conhecer, para o
filósofo efesiano, é colocar-se em consonância com o logos.
Como pensamento que se contrapunha ao de Heráclito temos o de Parmênides
(cerca de 530-460 a.C.) que afirmava que só o ser é, o não-ser não é. Não se pode pensar e,
portanto, dizer senão pensado e, portanto, dizendo aquilo que é. Pensar o nada significa
não pensar em absoluto e dizer o nada significa não dizer nada. Por isso, o não-ser é
impensável e indizível. Há em Parmênides uma coincidência entre pensar e ser. Para ele, o
caminho do ser é o caminho da verdade e o caminho do não-ser é imperscrutável, pois não
se pode conhecer aquilo que não é.
E agora vou falar, e tu, escuta as minhas palavras e guarda-as bem, pois
vou dizer-te dos únicos caminhos de investigação concebíveis. O primeiro
(diz) que (o ser) é e que o não-ser não é; este é o caminho da convicção
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pois conduz a verdade. O segundo, que não é, é, e que o não-ser é


necessário; esta via, digo-te, é imperscrutável; pois não pode conhecer
aquilo que não é - isto é impossível, nem expressá-lo em palavras.
(frag.2).

Há muito que os estudiosos viram nesse princípio de Parmênides a primeira


formulação dos princípios lógicos da identidade e da não-contradição, o qual afirma a
impossibilidade de que os contraditórios coexistam ao mesmo tempo. Porém, lembra
CHAUÍ (2002:91), que o mais importante na formulação parmenidiana não é seu aspecto
lógico e sim seu aspecto ontológico . Deste modo, a escola eléatica teria inaugurado
através de Parmênides, a problemática lógica e as especulações ontológicas, a discussão
sobre o conhecer e sobre o ser.
Para Parmênides, há duas vias para o conhecimento: a via da razão que conduz
à verdade, e a via dos sentidos que leva à mera opinião e à ilusão. Só por meio da razão é
possível desvendar a verdade e a certeza. Isso quer dizer que a razão é instrumento
fundamental e único com o qual o homem pode deixar-se conduzir à dupla evidência: o
que é, é e o que é não pode deixar de ser . Parmênides afirma, portanto, a imutabilidade
e a unidade do ser em contraposição a Heráclito que defendia a mutabilidade do ser.
No entanto, os dois grandes filósofos pré-socráticos tiveram algumas idéias em
comum as quais foram legadas à posteridade: a idéia de que a verdade tem um pacto com a
razão (o logos); a idéia de que a experiência sensível e razão são dois conceitos distintos,
exteriores. Eles legaram também à filosofia dois instrumentos fundamentais ao
pensamento: a dialética e a lógica formal, mesmo que em sua forma nascente.
Às teses contrárias de Heráclito e de Parmênides, que tudo flui e que só o ser é,
Platão irá operar uma verdadeira síntese. Segundo Platão, Heráclito estaria certo enquanto
nos referimos apenas ao âmbito do sensível. Platão concorda que a característica principal
do mundo sensível é a instabilidade, a mobilidade, o fluir contínuo. A partir deste mundo
não podemos adquirir nenhum conhecimento verdadeiro, apenas opiniões. Daí a
necessidade de Platão incluir em seu pensamento a tese parmenidiana fazendo-a
corresponder ao mundo estável das idéias, o inteligível, captado apenas pelo pensamento.
Após os pré-socráticos surge na antiga Grécia por volta do V século a.C. um
movimento filosófico, os sofistas, que causaram muita polêmica e severas críticas da parte
de filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, justamente por causa da concepção que
tinham do conhecimento.
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De fato os sofistas reduziram o conhecimento à opinião, e o bem à utilidade


com o conseqüente reconhecimento da relatividade da verdade e dos valores morais, que
mudariam conforme os lugares e os tempos. Para eles, a verdade resultava da persuasão e
do consenso entre os homens, não sendo possível chegar-se a uma verdade absoluta,
fundamental.
Não podemos, no entanto, falar em uma única doutrina sofística, mas apenas
em certos pontos de contato entre várias concepções heterogêneas. Dentre os vários
sofistas destacamos aqui Protágoras e Górgias os quais se notabilizaram pelas respectivas
asserções: O homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são por aquilo que são e
daquelas que não são por aquilo que não são. (frag.1); e, O ser não é; o ser não pode ser
pensado; o ser não pode ser dito .
Segundo Protágoras (séc.V a.C.), portanto, não haveria um critério absoluto que
discrimine ser e não-ser, verdadeiro e falso. O homem seria o único critério, o homem
individual. Para Protágoras não existe um conhecimento verdadeiro absoluto e nem valores
morais absolutos. Existe somente aquilo que é mais útil, mais conveniente e, portanto, mais
oportuno.
Guthrie identifica nesta tese protagoriana um verdadeiro subjetivismo em
conexão com a relatividade de valores.

Podemos concluir que Protágoras adotou extremo subjetivismo segundo o


qual não havia nenhuma realidade atrás e independente das aparências,
nenhuma diferença entre aparecer e ser, e cada um de nós é o juiz de
nossas próprias impressões. O que me parece é para mim, e nenhum
homem está em condições de chamar o outro de errado. (1995:176)

Protágoras destruía, deste modo, a distinção entre o certo e o errado, entre o


falso e o verdadeiro. O que mereceu mais tarde a crítica platônica, pois segundo Platão, se
não houvesse diferença entre erro e verdade, não poderia haver, também, diferença entre
pensamento e discurso. Conforme Guthrie, Protágoras destrói com esta concepção até
mesmo a noção de Physis, pois não há mais um ser idêntico que subjaz às aparências e que
pode ser conhecido por todos através do pensamento. Toda medida ou moderação que
pertencia a Physis é transferida para o homem.
Protágoras realiza a distinção entre nomos e Physis. Para o sofista, a verdade
era questão de nomos no sentido de convenção humana e não da physis.
18

Górgias (C. 485-380 a.C.), por sua vez, pretendia demonstrar a absurdidade da
tese de Parmênides, dizendo que era fácil provar tanto o não é como o é parmenidico.
Ao dizer que nada é, Górgias negara que houvesse qualquer substância ou substâncias por
detrás do panorama mutante do devir ou das aparências. Ele negava a physis. O mundo
descrito por Górgias é o da heterogeneidade e da descontinuidade das experiências
humanas.
Segundo o pensamento de Górgias, o que conhecemos são apenas sensações. E
se existe alguma coisa que corresponde a essas sensações, nunca podemos saber, e mesmo
que porventura venha apreender alguma coisa que correspondesse às minhas sensações,
seria impossível expressá-la.
Vivemos num mundo onde prevalece a doxa, a opinião, e a verdade é para cada
um de nós aquilo de que somos persuadidos a crer. Não existe, no entendimento de
Górgias, nenhuma verdade permanente e estável para se conhecer. Deste modo, Górgias
exalta sobremaneira a arte da retórica, como a arte de persuasão. A palavra adquire aqui
autonomia própria porque desligada do ser. Assim, ela torna-se disponível para tudo.
Górgias realiza uma ruptura na identidade entre ser-pensar-dizer, contida na palavra logos,
estabelecendo a diferença e separação entre realidade, pensamento e linguagem. Ao
estabelecer essa diferenciação, Górgias quebrou o antigo conceito da verdade como
alétheia forçando com isso a filosofia a redefinir sua idéia de conhecimento. Não mais
prevalece aqui a diferença entre a doxa e a alétheia conforme era presente em Heráclito,
Parmênides, Demócrito, nos poetas e videntes antigos. Deste modo, o verdadeiro não é
senão o que aparece a cada um.
Há em Górgias um poder persuasivo da palavra que supera a força de convicção
que o logos filosófico pode suscitar. Isto se torna possível pela aniquilação da ontologia.
Vemos assim, que os sofistas reduziram o conhecimento à mera opinião, não
sendo admitido a possibilidade de uma verdade absoluta, fundamental, que servisse de
parâmetro de julgamento para todas as coisas.
Platão sustentava que o saber dos sofistas era um saber aparente e não efetivo, e
que o mesmo não visava uma busca desinteressada da verdade. Platão insistia na
periculosidade do pensamento sofista tanto do ponto de vista moral quanto de sua
inconsistência teorética. No diálogo Sofista, Platão denomina os sofistas de caçadores
interesseiros de jovens ricos que recebem dinheiro a pretexto de ensinar (223-b);
comerciantes de discursos e ensinos relativos à virtude (224-d); como pequeno
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comerciante de primeira ou de segunda mão (224-e); como erístico mercenário (226-a); e


finalmente como alguém versado na arte da refutação (231-b).
Para Platão, o distintivo maior do filósofo é a busca e o amor pela verdade.
Caberá, portanto a este, empreender um pensamento capaz de retirar o homem deste
relativismo epistemológico em que o colocou a sofistica, e reconduzi-lo à rocha firme do
conhecimento verdadeiro. Mas antes que pudesse concretizar tal tarefa Platão haveria de
aprender alguns conceitos fundamentais de seu mestre Sócrates.
Segundo MARITAIN (1994:47), foi Sócrates quem salvou o pensamento
grego do perigo mortal em que o colocava a sofistica .
Conforme o relato histórico, Sócrates (469-399 a.C.) passou a dedicar-se á
filosofia depois de ter ouvido de seu amigo Querofonte a declaração do oráculo de Delfos
de que ele era o mais sábio dos homens. A partir daí passou a meditar e a buscar o
significado das palavras da pitonisa. Conclui finalmente que sua sabedoria só poderia ser
aquela de saber que nada sabe.
Deste modo, diz MARITAIN (1994:49), comentando sobre Sócrates:

voltando-se para a própria razão, com o fim de estudar as condições e o


valor de sua marcha para atingir o verdadeiro, isto é, para fazer um
verdadeiro trabalho de reflexão lógica e crítica, Sócrates disciplinou a
inteligência filosófica, mostrou-lhe a atitude que deve tomar e os
processos que deve empregar em relação à verdade.

Ao ensinar seus interlocutores a buscarem somente a verdade, Sócrates


realizava ao mesmo tempo uma severa crítica aos sofistas.
Para atingir este alvo de chegar ao conhecimento da verdade, Sócrates
empregava o método maiêutico , o qual significa a arte de dar a luz às idéias, numa clara
alusão à profissão de parteira exercida por sua mãe Fenareta. Segundo este processo
socrático para se atingir a verdade, o mestre apenas ajuda a inteligência do discípulo
cabendo a este o papel principal de se chegar à verdade. Isto porque o mestre não é aqui o
depositário de um saber que faltaria ao discípulo. O mestre é, no pensamento socrático, tão
vazio quanto o discípulo, estando a diferença entre ambos tão somente no fato de que
enquanto o mestre sabe que não sabe, isto é, tem consciência da própria ignorância, o
discípulo, por sua vez, pensa que sabe sem saber que nada sabe.
O mestre, segundo Sócrates, não ensina coisa alguma, nada tem a ensinar, é tão
ignorante quanto o discípulo, cabendo-lhe, apenas, porque é sabedor de sua própria
20

ignorância, ajudar o discípulo a lembrar-se do que sabe sem saber que sabe, a recordar-se
do que havia esquecido.

A função do mestre consiste em inquietar, despertar, destruir as falsas


certezas, provocar a dúvida, suscitar a curiosidade. (CORBISIER,
1991:114)

Sócrates dá o exemplo que a pedagogia moderna tenta freqüentemente reviver:


fazer com que o mestre seja apenas aquele que orienta, e o discípulo aquele que a partir das
orientações do mestre passe a pensar por conta própria. Critica-se muito aquela espécie de
educação bancária onde o aprendiz é um mero repositório do suposto saber do mestre.
No entanto, precisamos compreender corretamente este não saber socrático.
Não se trata primeiramente de um verdadeiro ceticismo semelhante ao dos sofistas. Pois
Sócrates pensava poder atingir a verdade. Porém, não partindo de meras opiniões advindas
da percepção sensorial ou das tradições, mas partindo da busca pela definição daquilo que
se pretende conhecer. Conforme salienta Aristóteles, é com Sócrates que se inicia a
pergunta: o que é... ?
O só sei que nada sei socrático significa que Sócrates era um mero
pretendente ao saber, e que nada conhecia de fato. Pois, como disse Pitágoras (582-500
a.C.), somente os deuses possuem o saber absoluto, cabendo aos homens serem apenas
filósofos, isto é, amantes do saber. O homem está em busca do saber, ele permanece na
intermediação entre o saber e a ignorância.
Assim, o conhecimento em Sócrates não é um estado, mas um processo, uma
busca da verdade. E nessa busca visa passar da multiplicidade das aparências à unidade da
idéia, que é a definição universal e necessária da coisa procurada.

Ao exigir de si mesmo o conhecimento de si, exigia dos outros que


conhecessem a si mesmos, motivo pelo qual a primeira tarefa do diálogo
socrático é fazer com que cada um descubra sozinho que aquilo que
julgava ser a idéia da coisa era apenas uma imagem dela, que aquilo que
julgava ser a idéia da coisa era apenas uma opinião sobre ela, e que
aquilo que julgava ser a verdade eram somente preconceitos sedimentados
pelo costume. (CHAUÍ, 2002:188)

Em Sócrates é afirmado pela primeira vez na história da filosofia o poder do


pensamento para encontrar, por si mesmo e em si mesmo, a verdade.
Essa concepção de que a idéia está no interior de nossa alma, proposta por
Sócrates, será mais tarde desenvolvida por Platão, constituindo o núcleo de sua concepção
21

do conhecimento. De fato, às vezes é difícil para os estudiosos dos diálogos platônicos


discernirem quando é Sócrates que está falando e quando que é o próprio Platão, tamanha
foi a influência que aquele exerceu sobre este.
Vejamos, então, a seguir, como Platão desenvolve a questão do conhecimento a
partir de toda essa tradição filosófica.

1. O conhecimento em Platão

Platão empreende seu pensamento a partir de uma certa tradição filosófica já


consolidada na Grécia de seu tempo, conforme vimos anteriormente.
O pensamento platônico é muito rico e extenso abrangendo todos os temas
filosóficos da época. Porém, neste trecho do trabalho, nos atemos apenas ao tema do
conhecimento.
Sobre a herança filosófica herdada por Platão é interessante este trecho da
filósofa MARILENA CHAUÍ ( 2002:239 ) :

Platão conhece os impasses criados para a cosmologia pela oposição entre


a perspectiva dos eleatas e a dos heraclitianos ; conhece a solução dada ao
problema pelos jovens pitagóricos e por Anaxágoras e conhece o
ceticismo sofistico. Ao mesmo tempo, conhece o ensinamento de
Sócrates, isto é, a busca da idéia como essência verdadeira da coisa, para
além da multiplicidade das opiniões contrárias e subjetivas.

Apesar de se haver inicialmente com vários problemas deixados pelos filósofos


que o antecederam, é com a questão do conhecimento que Platão dedicara a maior parte
de seu trabalho intelectual. Platão foi quem, pela primeira vez, tratou sobre o problema do
conhecimento de forma clara, aprofundada e sistemática.
A questão sobre o conhecimento está presente em vários diálogos platônicos
tais como: Mênon, Sofista, Teeteto, Protágoras, Parmênides, A República, etc. Porém é no
Teeteto que ele trata especificamente dessa questão.
Ao estudarmos sobre o tema do conhecimento em Platão, verificamos que o
mesmo está fortemente relacionado com diversos assuntos ou doutrinas essenciais do seu
pensamento: como a teoria das idéias, a reminiscência, a metempsicose, a dialética, a
verdade e o erro, o amor e a educação. Nas linhas a seguir abordamos o problema do
conhecimento em Platão relacionado com cada um desses temas.
22

1.1. O conhecimento e a teoria das idéias

No Fédon, diálogo onde trata especificamente sobre a imortalidade da alma,


tendo como cenário os últimos momentos de Sócrates na prisão antes de beber a cicuta,
veneno que o levaria à morte, Platão expõe o motivo que o levou a abandonar a explicação
mecanicista-naturalista dos pré-socráticos da realidade e a formular a teoria das idéias,
como base incondicionada para o conhecimento.
Em vista da questão proposta por Cebes a Sócrates de que não é absolutamente
certo que a alma continue subsistindo após a morte, apesar de já estarem de acordo quanto
à preexistência desta ao corpo, Platão descreve como foi seu itinerário intelectual até
atingir a formulação de sua teoria das idéias.
Sócrates diz que em sua mocidade esteve apaixonado pelos estudos da natureza
ao modo dos filósofos pré-socráticos. Pretendia, como eles, conhecer as causas de todas as
coisas. Saber por que vêm a existência, por que perecem e por que existem. Muitas vezes
se deteve a examinar questões como a que indagava se os seres vivos se originavam de
uma putrefação causada pelo calor e o frio, se a causa do pensamento estaria em elementos
físicos tais como o sangue, o ar ou o fogo. E ainda, se seria o cérebro o responsável pela
origem do conhecimento a partir das sensações produzidas pelos sentidos.
Segundo Platão, esses estudos, ao invés de levá-lo ao conhecimento da verdade,
produziram nele uma tamanha cegueira da alma a ponto de levá-lo a desaprender aquelas
coisas que antes imaginava saber.
Platão chegou, então, a conclusão de que por meio do procedimento
metodológico dos filósofos naturalistas ele não atingiria o conhecimento verdadeiro de
coisa alguma. Resolveu, portanto, mudar de método.
Ele se depara com um livro do filósofo pré-socrático Anaxágoras onde encontra
a afirmação de que seria a Inteligência (nous), a causa ordenadora de todas as coisas.
Pensou ter encontrado aí a explicação de tudo que existe: a causa de tudo seria um
elemento espiritual. No entanto, se decepcionou outra vez à medida que avançara nos
estudos dos escritos de Anaxágoras. Para Platão, Anaxágoras havia somente anunciado a
Inteligência como causa de todas as coisas, pois ao tentar explicar os fenômenos da
natureza, seguia o mesmo método de investigação dos naturalistas. Ao propor a tese da
Inteligência ordenadora, Anaxágoras deveria ter explicado como os vários fenômenos se
23

estruturam em função do melhor. Ao invés disso, ele introduziu a Inteligência mas não lhe
atribuiu o papel de causa melhor. Nas palavras de Platão:

Nunca supus que depois de ele haver dito que o espírito os havia
ordenado, ele pudesse dar-me outra causa além dessa que é a melhor e
que é a que serve a cada uma em particular assim como ao conjunto.
(Fédon, 98 a-b)

Para Platão, Anaxágoras teria cometido, deste modo, o mesmo equívoco


daquele que sustentasse que Sócrates faz tudo o que faz porque age com a Inteligência,
mas logo em seguida ao tentar explicar a causa pela qual ele se acha sentado ali no cárcere
se remeteria aos seus órgãos locomotores, isto é, que seu corpo sendo formado de ossos e
tendões, e os ossos sendo sólidos e separados uns dos outros por articulações, e os tendões
contraindo e distendendo os membros, possibilitaria a Sócrates flexionar os seus membros,
permitindo, assim, que ele se sentasse. Ou consideraria como causa da conversa de
Sócrates ali no cárcere a voz, o ar, o ouvido e muitas outras coisas semelhantes, ao invés de
considerar como verdadeira causa a escolha do justo e do melhor feita com a inteligência.
É evidente, diz Platão, que se Sócrates não tivesse os órgãos físicos, não poderia fazer as
coisas que quis fazer; todavia ele age por meio dos órgãos, e não por causa dos órgãos. A
verdadeira causa é a sua inteligência que opera em função do melhor. Segundo Platão,
pensar daquela forma, importaria, nada mais nada menos, em não distinguir duas coisas
bem distintas, e em não ver que uma coisa é a verdadeira causa e outra aquilo sem o que a
causa nunca seria causa (Fédon, 99 b).
Platão faz aqui uma crítica a toda explicação meramente mecanicista da
realidade. Entende-se por explicação mecanicista aquela que se utiliza exclusivamente do
movimento dos corpos, entendido no sentido restrito de movimento espacial. Como
concepção filosófica do mundo, o mecanicismo se apresentou desde a antiguidade, como
atomismo, cujo representante maior dentre os primeiros filósofos foi Demócrito de Abdera
(C.460 370 a.C). Segundo este filósofo, a realidade era constituída por átomos. Conforme
esta concepção, o mundo seria um sistema de corpos em movimento, isto é, uma grande
máquina.
Diante da impossibilidade de determinar a verdadeira causa das coisas através
do método físico-mecanicista dos primeiros filósofos, Platão empreende aquilo que ele
denominou por segunda navegação , isto é, um novo tipo de método que leva ao
conhecimento da esfera do supra-sensível. Na antiga linguagem dos homens do mar,
24

segunda navegação era aquela que se realizava quando, cessado o vento e não
funcionando mais as velas, se recorria aos remos. A primeira navegação simbolizava, na
imagem platônica, o percurso da filosofia realizado sob o impulso do vento da filosofia
naturalista. A segunda navegação , ao contrário, representa a contribuição própria de
Platão a qual encontra uma nova rota que conduz à descoberta do supra-sensível, ou seja,
do ser inteligível.
De acordo com Platão no Fédon ( 99e ), a tentativa de compreensão da
realidade através dos sentidos tende mais a obscurecer o conhecimento do que esclarecê-lo.
Daí a necessidade de se buscar refúgio na razão e tentar encontrar nela a verdade das coisas
(Fédon, 99 e). Platão afirma que a idéia deve ser o paradigma ou critério absoluto para o
conhecimento de todas as coisas do mundo sensível. Tudo aquilo, portanto, que for
conforme à idéia é verdadeiro, e tudo aquilo que não for consoante a ela deve ser refutado
como erro (Idem, 100 a). Deste modo, tudo aquilo que consideramos belo é belo em
virtude da idéia do belo, isto é, do belo em si (id., 100 d).
Não é a primeira vez que Platão anuncia a teoria das idéias, como ele mesmo
afirma no Fédon (100 a-b), pois esta já fora apresentada no Fedro e no Banquete. No
Fedro Platão expõe a teoria das idéias através de uma imagem mítica, o hiperurânio, ou
seja, o lugar acima do céu, do cosmos físico. Este é o lugar das realidades inteligíveis. É o
céu das idéias eternas. Conforme o Fedro, esta realidade diverge totalmente do mundo
físico, pois é um lugar sem forma, sem cor, impalpável, podendo ser contemplado somente
pelo intelecto, que é o guia da alma. É somente aí que reside a ciência perfeita, aquela que
abrange toda a verdade.
Platão diz neste diálogo, que as almas que chegam a conhecer as essências no
mundo supra-sensível, mergulham na maior felicidade, pois é somente aí que elas podem
saciar sua sede de conhecimento. Mas aquelas almas que não contemplaram a verdade, a
sorte delas é outra, são precipitadas ao mundo inferior e condenadas a mera opinião.
Segundo o filósofo da Academia, a alma que mais contemplou a verdade é capaz de gerar
um filósofo, um esteta ou um amante das Musas. Enquanto que aquela que menos
contemplou a verdade gerará apenas um sofista e em último lugar um tirano. E a alma que
nunca contemplou a verdade não pode tomar a forma humana. A causa disso, diz Platão, é
que a inteligência do homem deve se exercer segundo a Idéia, isto é, elevar-se da
multiplicidade das sensações à unidade racional.
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No Banquete (211c), ele apresenta esta teoria ao descrever o itinerário da alma


ou do pensamento na contemplação do belo, a qual partindo dos belos corpos, passando
pela contemplação das belas almas, das belas leis, das belas ciências, até atingir o Belo em
si e verificar que tudo o mais que é belo o é devido à participação na idéia do Belo.
Também no Parmênides (132d), diálogo da maturidade, Platão se refere às
idéias ou formas como paradigmas das coisas sensíveis e que estas não passam de meras
cópias daquelas.
As idéias são, portanto, na concepção platônica, o modelo ou paradigma
permanente de cada coisa. Deste modo, as coisas belas serão explicadas não com os
elementos físicos - cor, figura mas em função da idéia do belo; as coisas grandes e
pequenas explicar-se-ão não por algumas partes das coisas físicas postas em confronto,
mas em função da idéia de grandeza; e assim com todas as demais coisas.
Platão afirma ainda no Fédon, a natureza supra-sensível ou inteligível das idéias
ao expor a tese da morte como libertação total do pensamento da prisão do corpo.
Conforme o filósofo ateniense, o pensamento só atinge a verdade quando se desprende
totalmente dos sentidos, pois estes só apreendem o múltiplo e o efêmero. As idéias são
apreendidas unicamente pelo pensamento, nunca pelos sentidos.

E quem haveria de obter em sua maior pureza esse resultado, se não


aquele que usasse no mais alto grau, para aproximar-se de cada um desses
seres, unicamente o seu pensamento, sem recorrer no ato de pensar nem à
vista, nem a um outro sentido, sem levar nenhum deles em companhia do
raciocínio; quem, senão aquele que, utilizando-se do pensamento em si
mesmo, por si mesmo e sem mistura, se lançasse à caça das realidades
verdadeiras, também em si mesmas, por si mesmas e sem mistura?
(Fédon, 65 e 66 a).

Platão realiza, assim, uma nítida distinção entre a razão e os sentidos quanto à
possibilidade de conhecer. Para ele a verdade só é atingível na e pela alma, através do
pensamento. O conhecimento e a verdade, em Platão, são do âmbito do inteligível. Aos
sentidos pertenceria a doxa ou mera opinião. Os sentidos constituem verdadeiros
obstáculos ao conhecimento da verdade. Eles retém a alma no estágio das opiniões
precárias e parciais, fazendo com que se tome por verdadeiro o que nada mais é do que a
aparência do real. Conforme Platão, tudo o que a alma pode apreender com os sentidos é
somente o visível e o sensível. Enquanto que em si mesmo e por si mesmo, o pensamento é
capaz de captar o invisível e o inteligível (Fédon, 83 b).
26

Platão busca, portanto, a explicação das coisas sensíveis não nelas mesmas mas
numa instância superior, metafísica, inteligível. Pois o sensível traz, por natureza, a
característica de algo instável, efêmero e contraditório. A verdadeira realidade ou o ser
verdadeiro, para ele, se encontra para além desse mundo sensível, se encontra no mundo
inteligível ou mundo das idéias perfeitas. Idéia é entendida aqui não conforme pensamos
hoje, como simples conceitos ou representações mentais, mas sim como verdadeiras
substâncias. As idéias platônicas possuem um caráter de absolutidade objetiva. Neste
sentido, Platão se opõe francamente às duas formas de relativismo que lhe antecederam: a
de origem heraclitiana e a forma sofístico-protagoriana.
Ao estabelecer as idéias como fundamento originário de todas as coisas, Platão
cinde a realidade em dois planos distintos, porém interligados, o sensível e o inteligível,
formulando assim, uma concepção dualista da realidade. Dizemos que os dois planos da
realidade são interligados, pois em Platão, as idéias têm tanto de imanência quanto de
transcendência com relação ao mundo sensível. Em vários diálogos, Platão expõe a
teoria da participação das idéias, tanto entre elas mesmas quanto entre elas e o sensível.
Assim, quando percebemos algo de belo neste mundo, ele é belo somente porque participa
da idéia de Belo.
Platão apresenta em seus escritos quatro noções fundamentais para explicar essa
relação entre o sensível e o inteligível. Há entre ambos: a) uma relação de mímese ou
imitação; b) de metexe ou participação; c) de koinonia, ou comunhão; d) ou ainda de
parousia, ou seja, presença.
Para Platão, estes termos devem ser entendidos apenas como simples propostas
sobre as quais não pretendia insistir. O que lhe interessava era, simplesmente, estabelecer
que a idéia é a verdadeira causa do sensível, ou seja, o princípio das coisas, a sua ratio
essendi.
Deste modo, o sensível é mímese do inteligível sem jamais conseguir igualá-lo;
o sensível participa do inteligível, na medida em que realiza a própria essência; o sensível
tem comunhão com o inteligível, isto é, uma tangência com o inteligível; já que este é
causa e fundamento daquele; o inteligível é presente no sensível na medida em que a causa
está no causado, o princípio está no principiado.
Reale (1997) lembra que o próprio Platão considerava a participação do
sensível no inteligível algo difícil , problemático e complexo . E nos adverte
claramente de que as coisas sensíveis, como imagens (em sentido ontológico) do
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inteligível, são vestígios das realidades eternas (vestígios do paradigma das idéias), que
acontecem de modo difícil e maravilhoso.
Apesar de toda a dificuldade para explicar a participação das idéias, conforme
verificamos no Parmênides, diálogo onde Platão rebate as críticas eleatas a sua teoria das
idéias, de que estas sendo em si e por si não haveria como terem qualquer tipo de
participação com as coisas sensíveis, ele nunca abandonou esta teoria como alguns
disseram.
O mundo inteligível está estruturado de tal forma, segundo Platão, que em
seu ápice se encontra aquela idéia que não é apenas causa da inteligibilidade de todas as
coisas inteligíveis, mas ainda de seu próprio ser e essência. Esta idéia é a idéia do bem.
Contudo o bem não é essência, mas está acima dela em dignidade e poder (A República,
509 b). O bem une as idéias entre si e é a causa de tudo o que é ordem e beleza no mundo.
A idéia do bem é simultaneamente a fonte de existência das idéias e da sua inteligibilidade
para a alma.

As coisas se me afiguram do seguinte modo: na extremidade do mundo


inteligível encontra-se a idéia do bem, que apenas pode ser contemplado,
mas que não se pode ver sem concluir que constitui a causa de tudo
quanto há de reto e de belo no mundo: no mundo visível esta idéia gera a
luz e sua fonte soberana, no mundo inteligível, ela, soberana, dispensa a
inteligência e a verdade. (A República, 517 c).

Para Platão, o conhecimento do bem é o conhecimento supremo , o qual


compete ao filósofo por excelência. Nos livros VI e VII de A República, ele declara a
importância do bem na formação do filósofo, se este pretende continuar sendo amigo da
sabedoria. Mas para se poder atingir este conhecimento, o filósofo deverá percorrer a via
mais longa e empenhar-se nela com tanta intensidade quanto se dedica aos exercícios de
ginástica. Para se chegar ao conhecimento do bem é necessário passar pelas matemáticas
até alcançar a dialética. Se não se alcança o conhecimento do bem não há nenhuma
vantagem em se ter o conhecimento de todas as outras coisas. O bem, portanto, em Platão,
é o princípio que dá significado e valor a todas as coisas. Pois o bem, segundo Platão, está
acima do conhecimento e da verdade. A idéia do bem dá às coisas conhecidas a verdade, e
a quem as conhece a faculdade de conhecer a verdade.

Fica sabendo que o que transmite a verdade aos objetos cognoscíveis e dá


ao sujeito que conhece esse poder, é a idéia do bem. Entende que é ela a
causa do saber e da verdade, mas, sendo ambos assim belos, o saber e a
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verdade, terás razão em pensar que há algo de mais belo ainda do que
eles. (IDEM, 508 e).

A idéia do bem é, para Platão, o objeto último do conhecimento filosófico. Sem


a visão do bem no ápice da procura da verdade, a filosofia não possuiria essa visão de
conjunto que lhe permite reunir a matemática, a astronomia, a teoria da música, a dialética
e, sobretudo, as idéias que esta última permite compreender.
Com a distinção entre dois planos do ser, Platão superava definitivamente a
antítese entre Heráclito e Parmênides. O fluir perene de todas as coisas é marca específica
do sensível, enquanto que a imutabilidade e tudo quanto ela implica é propriedade do ser
inteligível.
Segundo Reale, Platão assinala a partir desta distinção entre sensível e
inteligível, ao mesmo tempo, a fundação e a etapa mais importante da história da
metafísica. Conforme o autor, essa distinção platônica condicionaria todo o pensamento
ocidental, tanto na medida de sua aceitação quanto de sua rejeição.
Só após a segunda navegação platônica, afirma REALE (1997:113) é que se
pode falar de corpóreo e incorpóreo, sensível e supra-sensível, empírico e meta-empírico,
físico e metafísico. É a partir dessas categorias que os filósofos anteriores a Sócrates, os
chamados fisiológos, adquirem a denominação de materialistas, e a natureza e o cosmo
físico não se mostra mais como a totalidade das coisas que são, mas como a totalidade das
coisas que aparecem. A filosofia alcança a esfera das realidades somente pensáveis.
Para Lima VAZ (1997), Platão foi quem trouxe pela primeira vez plenamente à
luz a estrutura fundamental do modo de pensar filosófico ao descrever a chamada segunda
navegação . Conforme o autor, a descoberta platônica do mundo inteligível como
verdadeiro objeto do conhecimento intelectual, levanta necessariamente a questão do modo
de presença do inteligível no intelecto, ou seja, é posto aqui o problema da representação
do objeto ou da natureza da sua presença no sujeito.
Num ensaio intitulado A Doutrina platônica da verdade, Heidegger interpreta o
Mito da Caverna com o interesse de mostrar que em Platão é estabelecida, pela primeira
vez, a distinção entre aquele que conhece e aquilo que é conhecido. Segundo Heidegger, o
Mito da Caverna é a exposição platônica do conceito de verdade. No seu entendimento,
esse mito estabelece uma relação interna ou intrínseca entre a Paidéia e a aletheia: a
filosofia é educação para a verdade.
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Heidegger identifica no mito platônico uma mudança na essência da verdade. A


verdade em Platão deixa de ser uma unidade conferida pela physis em imbricação com a
aletheia, como velamento e desvelamento do ser, passando a ser uma medida conferida
pela idéia, eidos . Deste modo, o ser passa a ser identificado como presença constante,
permanência ou estabilidade e a verdade passa a ser identificada com correção, exatidão ou
concordância. Para Heidegger, o mito platônico, que pretende dar conta do sentido da
paidéia, só será esclarecido ao se trazer para o primeiro plano a definição de verdade nele
contida. Ele entende que o critério que determina a essência da paidéia depende do modo
como se define a verdade.
O Mito da Caverna relata o percurso feito pelo personagem em quatro etapas e
em uma dupla direção: ascendente e descendente. Essas duas direções caracterizam os dois
momentos da dialética platônica. O ponto de partida da direção ascendente, conforme
Platão descreve no mito, é aquele em que o personagem se encontra acorrentado junto com
seus companheiros no interior da caverna, condenados a tomar como verdade as sombras
projetadas na parede a sua frente. Em seguida, o mito se refere ao primeiro passo de
libertação do personagem, que lhe possibilita ver, ainda no interior da caverna, os objetos
cujas sombras são projetadas e também o fogo que os ilumina. Na etapa seguinte, ainda na
direção ascendente, o personagem atinge o exterior da caverna, onde as coisas aparecem
em sua plena realidade à luz do sol. Após isso, o mito aborda a direção descendente do
percurso, onde o prisioneiro liberto retorna a caverna para convencer seus companheiros a
tomarem o caminho da libertação. Ocorre, nesse momento, uma situação de conflito. Ele é
agredido e, mesmo ameaçado de morte pelos que continuam presos no interior da caverna.
Heidegger irá sublinhar justamente o caráter decisivo desse último passo de retorno do
personagem ao interior da caverna.
No entendimento de Heidegger, se levássemos em consideração apenas a parte
ascendente do mito, veríamos que nela se descreve o movimento pelo qual as coisas, a
cada passo, vão se desvelando em seu aspecto essencial. Até esse momento, estaria em
jogo o conceito grego originário de verdade, que a compreende como desvelamento, modo
pelo qual alguma coisa é arrancada da ocultação e é trazida à luz. O movimento de trazer
algo à luz dá-se a partir do confronto entre luz e sombra.
Nesse sentido, os gregos chamavam a verdade por aletheia, expressão que dá
conta de um confronto que é ao mesmo tempo, co-pertencimento de velar e de desvelar, de
sombra e de luz.
30

O que chama a atenção de Heidegger é o fato da referência a verdade como


desvelamento, desaparecer no último passo do relato do mito da caverna. Aqui, segundo
ele, até mesmo a expressão aletheia desaparece. Em seu lugar aparece a expressão, ortotes,
que quer dizer correção . Este termo relaciona-se a experiência da correção do olhar na
direção da idéia, especialmente da idéia do bem.
Neste momento, Heidegger percebe que houve uma decisão a respeito do
confronto entre luz e sombra, a favor da luz, pois todo o relato passa a ter por centro a
figura do sol. A essência da paidéia se constitui, a partir de então, em se dirigir e fixar o
olhar na direção correta. Fica claro, nesse contexto; que a verdade não diz mais respeito ao
desvelamento das coisas. O desvelamento das coisas passa agora a se subordinar a algo
subjetivo - a correção do olhar do homem na direção da idéia.
Essa mudança no conceito de verdade conduziu a adoção, pela primeira vez, de
um conceito metafísico de verdade. Desta forma, o mito da caverna constituiria o momento
inaugural da história da metafísica.
Em sua origem a palavra aletheia é uma palavra negativa (a letheia), significa
o não-esquecido, não-escondido. Deste modo, a verdade era inesgotável, oferecia-se pouco
a pouco e jamais de uma só vez. Com o mito da caverna, diz Heidegger, Platão coloca a
verdade como visão da idéia, isto é, do que está plenamente visível para a inteligência, a
verdade torna-se evidência, torna-se visibilidade plena e total, abandonando-se, assim, o
sentido negativo da a letheia para ganhar um sentido positivo ou afirmativo. Platão nos
leva a dizer, agora, que a verdade é o plenamente visível para o intelecto.
O que isto significa? Significa que a verdade deixa de ser o próprio ser se
desocultando ou se manifestando aos homens para tornar-se uma operação da razão
humana que, pelo olhar intelectual, apreende a idéia como essência inteiramente vista e
contemplada, sem sombras.
Segundo Heidegger, a verdade se transfere da ação do próprio ser para a ação
da alma. Ela dependerá, de agora em diante, da razão humana.
Ele chama ainda a atenção para o fato de que o relato de Platão se refere à
passagem de um estado de conhecimento a outro como um olhar de forma mais exata:
quando, dentro da caverna o homem é libertado das correntes onde estivera preso desde o
nascimento, e vira-se contra as sombras para considerar as coisas, ele dirige seu olhar para
aquilo que tem mais ser, ele vê, assim, de uma maneira mais exata. Apresenta-se aqui uma
31

outra procedência da verdade, a qual passa a ser um acordo do conhecimento e a coisa ela
mesma.
Deste modo, a pedagogia envolvida no Mito da Caverna, segundo a
interpretação heideggeriana, é a educação do olhar. A verdade, dependerá, doravante, do
olhar correto, que olha para a direção certa, para fora da caverna, isto é, para o mundo
inteligível ao invés de se olhar para o mundo sensível, que é quando se olha para o fundo
da caverna, onde se vê apenas sombras opacas da verdadeira realidade.

Na medida em que é a direção do olhar humano que determina o que é a


verdade, o acesso a ela não depende mais da experiência de abertura face
à gratuidade do aparecer. Ao invés disso, firma-se uma concepção
instrumental da verdade, que concebe a atividade do pensar como busca
de um critério para medir (MORAES, 1996:54).

Dá-se assim, a separação entre a arte e a técnica. A técnica deixa de ser um modo
poético de lidar com o ente e passa a ser uma forma de controle sobre este. A forma
extrema dessa disposição se dá com o modo característico de nossa época em lidar de
modo calculador com todas as coisas e com os seres humanos
Neste sentido, Manfredo OLIVEIRA (1990:79) tem razão quando diz que o
mundo moderno é essencialmente tecnológico, ou seja, a técnica é a atitude fundamental
do homem com relação ao seu mundo, que caracteriza o mundo moderno.
Dizer que o tecnologismo ou a técnica é a forma de consciência contemporânea,
explica o autor, não significa dizer com isto que o mundo humano tem hoje, como um de
seus componentes fundamentais, instrumentos fruto da técnica, tais como televisores,
computadores, aviões... O que se pretende dizer é que toda a consciência humana está hoje
impregnada pela técnica de tal modo que todo o seu relacionamento com a realidade está
baseado numa perspectiva tecnológica.
Isto muda completamente a própria essência do homem e o seu modo de
conhecer a realidade. Ele que era apenas um ente entre outros, no pensamento clássico,
torna-se o ente que é o fundamento do ser e da verdade de toda as coisas, ele se torna
sujeito e o mundo objeto.

Uma consciência tecnológica é uma consciência que tudo vê a partir do


caráter de sujeito atribuído ao homem. A técnica é a auto- realização do
homem como doador de sentido a tudo o que existe. Para o sujeito tudo o
que não é ele aparece apenas como campo de sua auto- realização; tudo é
considerado na perspectiva dessa auto- realização; consciência técnica é a
consciência da funcionalização universal (OLIVEIRA M. , 1995:77 78)
32

A realidade adquire, assim, seu verdadeiro caráter de realidade tornando-se


objeto, enquanto o homem só atinge sua verdadeira dimensão humana se fazendo sujeito.
Sujeito- objeto, eis a polaridade característica de uma consciência tecnológica.
Deste modo, podemos dizer com OLIVEIRA (ibid. , p. 79) que:

A divulgação universal da técnica significa a subjetivação universal, ou


seja, a difusão em todo o mundo e em todas as dimensões da vida humana
de relacionamento com o mundo, cuja especificidade consiste, em seu
dimensionamento subjetivo, uma razão centrada na subjetividade.

A realidade, portanto, para a consciência tecnológica é objetividade, enquanto


que a verdade é certeza, ou seja, uma relação do saber consigo mesmo. O conhecimento
certo se torna o critério universal de qualquer conhecimento. Saber só é saber se ele tem
posse absoluta de si e do que é sabido (ib., p. 79). Interessa-nos mostrar aqui o modo de
relação do homem moderno com a realidade e a verdade, e as conseqüências disto para o
saber filosófico. Verdade é, neste modo de consciência da realidade, um relacionamento do
saber consigo mesmo, relacionamento que é identidade.
Platão seria, portanto, na compreensão de Heidegger, aquele que teria dado
início a essa tradição de pensamento em que se busca a exatidão ou certeza entre o
entendimento e a coisa.
A tradição iniciada com Platão apresenta a certeza de que o ente se desvela
sempre numa forma que lhe é própria, e que a via de acesso ao que se apresenta é o
pensamento. Nesse ponto duas questões se colocam. A primeira é a de saber qual é a
entidade do ente, e a outra é de saber o que garante a concordância do pensamento com isto
que é a presença. As duas questões se resumem nesta: o que é o ente? tal questão nos
leva a pensar no ser, mais precisamente, no ser do ente. Pretende-se, assim, alcançar o ser
através do ente. A essência do ente é que lhe confere realidade, o que faz com que o ente
seja em sua existência o que é. O ser seria, então, aquilo que torna possível o ente em sua
existência.
Essa bipartição da realidade entre essência e existência foi iniciada por Platão
com a sua teoria dos dois mundos, sensível e supra-sensível expressa no Mito da Caverna,
conforme o pensamento heideggeriano.
33

1.2. O conhecimento como anamnese .

Como explicar o fato de que mesmo vivendo num mundo sensível, alguns
homens sentem atração pelo mundo inteligível, ou ainda, como explicar que ao encontrar a
verdade que procuramos temos a certeza de que a encontramos?
No diálogo Menon, Platão propõe uma questão semelhante a esta.

E de que modo procurarás, Sócrates, aquilo que não sabe absolutamente o


que é? Pois procurarás propondo-te procurar que tipo de coisa entre as
coisas que não conhece? Ou, ainda que, no melhor dos casos, a encontres,
como saberás que isso que encontraste é aquilo que não conhecias?(80 d.)

Menon evoca aqui a aporia sofística sobre a impossibilidade de se adquirir


conhecimento. Sócrates caracteriza esta posição como sendo um argumento erístico pois ao
dizer que ao homem não é possível procurar nem o que conhece nem o que não conhece
porque na verdade ninguém procuraria conhecer aquilo que conhece pois já o conhece, e
nem aquilo que não conhece pois não sabe nem sequer o que deve procurar (Menon, 80 e) .
Tal argumento, diz Sócrates, só presta para nos tornar preguiçosos, servindo
apenas a homens indolentes que não querem buscar o conhecimento da verdade, mas que
se contentam com as meras opiniões advindas da aparente realidade. Ao passo que o
argumento que ele propõe a seguir, nos faz mais diligentes e inquisidores. Ou seja, o
argumento sofístico de Menon matava qualquer tentativa de busca diligente pelo
conhecimento, pois de saída já pressupunha a impossibilidade deste.
É necessário, portanto, encontrar uma saída para a aporia. Ao propor esta saída,
Platão expõe através do personagem principal do diálogo, Sócrates, a doutrina da
imortalidade, da preexistência e transmigração da alma e da anamnese, como explicação
para a possibilidade do conhecimento. Segundo Platão (Menon, 81, c-d), a alma sendo
imortal renasce muitas vezes. E por ter estado muitas vezes aqui na terra quanto no Hades,
teria aprendido muitas coisas. De modo que basta a alma rememorar as coisas que
aprendeu nas vidas passadas, coisas que já antes conhecia.

Pois, sendo a natureza toda congênere e tendo a alma aprendido todas as


coisas, nada impede que, tendo alguém rememorado uma só coisa _ fato
esse precisamente que os homens chamam aprendizado _ , essa pessoa
descubra todas as coisas, se for corajosa e não se cansar de procurar. Pois,
pelo visto o procurar e o aprender são, no seu total, uma rememoração.
34

Aqui está exposta, pela primeira vez, a doutrina platônica da reminiscência ou


conforme o termo grego anamnese. Anamnese é um termo grego que significa literalmente
ação de lembrar-se , que é traduzido comumente por reminiscência ou rememoração.
Com base nessa teoria, Platão assevera que o conhecimento é possível, pois
conhecer é simplesmente recordar, ou seja, reconhecer aquilo que desde sempre esteve
gravado na alma.
Para comprovar essa tese, Platão se vale de duas formas de argumentação, uma
de caráter mítico-religiosa e outra de caráter dialético. A forma de caráter mítico-religiosa
vincula-se as doutrinas órfico-pitagóricas, segundo as quais a alma é imortal e renasce
muitas vezes.
Para explicar maieuticamente a doutrina da reminiscência, Platão propõe um
diálogo entre Sócrates e um dos escravos de Mênon sobre uma questão de geometria. O
escravo, completamente ignorante de geometria, é conduzido por todas as etapas do
método socrático de parturição das idéias , passando pela aporia, momento necessário
para que o discípulo faça emergir as idéias latentes na alma, até atingir a verdade.Visto que
o escravo, ignorante de geometria, consegue encontrar por si mesmo as respostas para o
complexo problema de geometria, Platão conclui que ele só a pôde ter retirado de si
mesmo, de sua própria alma, isto é, recordou-se dela.
Mas quando é que este escravo adquiriu este conhecimento de geometria se
ninguém, na presente vida, nunca lhe ensinou? Platão assevera que só a pode ter adquirido
numa existência pregressa da alma.

Mas se não é por ter adquirido na vida atual que as tem, não é evidente, a
partir daí, que em outro tempo as possuía e as tinha aprendido?... E não é
verdade que esse tempo é quando ele não era um ser humano? (Mênon, 85
e 86 a)

A constatação de que as verdades das coisas estão desde sempre gravadas em


nossa alma, leva Platão a afirmar a imortalidade da alma (ib., 86b)
Para Platão não é suficiente dizer que o homem é a sua psyche, como Sócrates
dizia, é preciso, também, estabelecer se essa psyche é ou não imortal. A resposta a esse
problema passa a ser decisiva. Viver para o corpo significa viver para aquilo que está
destinado a morrer; viver para a alma significa, ao contrário, viver para aquilo que está
destinado a permanecer para sempre. Essa concepção de uma alma imortal, não permanece
mais mera crença conforme a concepção órfico-pitagórica, mas é racionalmente
35

demonstrada em Platão. Platão vai além do socratismo e do orfismo e estabelece uma


mediação sintética entre as instâncias racionalistas do primeiro e as instâncias do segundo.
Conforme Platão, para que a alma possa conhecer as coisas imutáveis e eternas,
ela deve ter, como condição necessária, uma natureza que lhe seja afim; deste modo, a
alma deve ser necessariamente eterna.
Mas o que seria a alma para Platão?
Precisamos atentar, neste momento, para o que diz Abel JEANNIERE
(1995:110) sobre o significado de alma para Platão quanto para os gregos em geral.

Ao contrário do que se pensa habitualmente, não é fácil determinar o que


Platão entende com essa palavra, e não se deve acreditar, a priori, que ele
afirme, sempre e com clareza, a imortalidade da alma. A dificuldade
principal é que a psique, para os gregos e não apenas para Platão, não
corresponde ao que nos entendemos quando pronunciamos a palavra
alma.

Pois o termo alma tem para nós hoje, explica o autor, um sentido mais
simbólico: a alma de uma paisagem ; a alma de um povo , etc. Enquanto falamos do
indivíduo, diz ele, preferimos falar do sujeito, da pessoa ou do espírito.
Ao discorrer sobre a noção de alma na modernidade ABBAGNANO (1982:28)
diz que esta teve seu desenvolvimento decisivo com Descartes, em cuja doutrina a
reafirmação da realidade da alma une-se ao reconhecimento de uma via de acesso
privilegiada a tal realidade. Essa via de acesso é o pensamento, ou melhor, a consciência.
Segundo o autor, Descartes determinou, deste modo, a curva subjetivista da interpretação
da alma como substância.
A partir de Descartes, o conceito de consciência, isto é, de totalidade ou mundo
da experiência interna, começa gradualmente a suplantar o conceito tradicional de alma.
Descartes, na verdade, reduz a alma à noção de consciência como pensamento, como
apercepção.
Mais recentemente, conforme o autor, é que a noção de alma entendida como
realidade em si e como princípio ou fundamento dos eventos mentais, fora abandonada e
reduzida á noção de uma entidade funcional ou de uma espécie de coordenação e de síntese
entre aqueles eventos.
Para os gregos a noção de alma tem toda uma história. Ela começa em Homero
e se estende até Aristóteles.
Conforme REALE (2002:70), a alma é vista em Homero como a sombra do
morto.
36

Homero fala da psyché sobretudo no momento da morte do homem. A


morte coincide, de fato, com a saída da psyche que, voando pela boca (ou
pela ferida), com o último suspiro, vai-se ao Hades.

Adiante diz:

A psyché, portanto, enquanto sombra (eidolon), imagem espectral ,


sem sensibilidade nem conhecimento, não é o eu do homem, mas,
poder-se-ia dizer, o não-ser-mais-do-eu , ou o eu-que-não-é-mais .
(ib.p. 74)

Reale afirma, ainda, que a idéia da imortalidade da alma enquanto vida que se
prolonga mesmo depois da morte, é uma idéia totalmente estranha ao mundo homérico,
pois ai a psyche não é continuação, mas cessação da vida.
Percebemos, deste modo, o quanto a noção de alma em Platão significa um
avanço, pois para ele a alma é muito mais que uma sombra , é imortal.
Será com o orfismo que a psyché adquirirá um sentido completamente novo.
Para o orfismo a alma estaria presente no corpo como numa prisão para pagar uma culpa
originária. Para se libertar desta culpa originária, a alma deverá reencarnar-se várias vezes.
Por isso, um dos elementos fundamentais da religiosidade órfica consistia nas práticas de
purificação ou catarse , consideradas essenciais para libertar a alma.
Foi, porém, com Sócrates que se estabeleceu uma concepção da alma
radicalmente contrária àquela de Homero: passou-se a coincidir com ela a natureza do
homem. Psyché passa a ser, com Sócrates, a expressão da própria essência do homem.
Sócrates entendia, conforme o ponto de vista de vários estudiosos, a psyche como
consciência intelectual e moral do homem, como a sua natureza essencial. O homem seria
a sua alma.
Platão, por sua vez, elabora um discurso múltiplo sobre a alma ao longo dos
diálogos, sem nunca explicar com clareza o que entende por essa palavra.
Sardi afirma que em Platão, a palavra psyché preserva e supera aquelas
concepções anteriores. Num primeiro momento em Platão, diz o autor, a alma significa
vida ou princípio de todo movimento como podemos constatar numa passagem do Timeu
(77b). O outro sentido do termo em Platão pode significar racionalidade . Segundo Sardi
(1995:24), racionalidade significa, primeiramente, que há algo no homem que o aproxima
do divino, enquanto permite o acesso ao eterno, ao imutável, à Idéia.
37

Como resulta de uma ruptura ontológica com o corpo, a psyche adquire em


Platão uma substancialidade.
Todavia, comenta o autor, que a psyche nomeará algo mais que a pura razão;
abrangerá, também, todo o campo do mental. Isto implica que a alma em Platão não é
somente pura racionalidade, mas, também, desejo, paixão e sentimento. Platão, tinha
portanto, uma concepção tripartite da alma.
Em um trecho de A República, Platão traça uma analogia entre a estrutura da
polis ideal e a alma. Assim como a cidade perfeita é constituída de três classes de pessoas:
os guardiões, os guerreiros e os artesãos, a alma humana também está tricotomicamente
constituída.
Platão explica a função de cada uma dessas partes da alma, as quais não são
partes estanques, porém formam uma verdadeira unidade.

Compreendemos, graças a um; irritamo-nos, por outro dos que temos em


nós; desejamos, por um terceiro, o que toca aos prazeres da alimentação,
da geração e quantos há gêmeos deste... (A República, 436 a-b)

Sardi verifica nesta analogia platônica entre a estrutura interna do Estado e da


alma, uma intenção de se estabelecer certa unidade do Estado com a alma, como também
do corpo com a alma e dos homens entre si. E com o cosmo também.
No Fedro, Platão expõe de forma mítica a sua concepção tripartite da alma
através do mito da parelha alada, a qual consiste de uma carruagem puxada por dois
cavalos alados e comandados por um cocheiro. Ao cocheiro Platão faz corresponder o
intelecto; ao cavalo belo e bom corresponde ao sentimento; e ao outro cavalo, a parte
passional da alma.
Sobre esta passagem do Fedro, Sardi (ibid., p. 25-26) elabora o seguinte
raciocínio:

O intelecto deve servir-se do sentimento para dominar os desejos e


conduzir a alma em direção a seu verdadeiro mundo, o das idéias. É a
parte intelectual da alma a que pode ter acesso ao verdadeiro
conhecimento. Em tal movimento, a alma é impulsionada por uma atração
em direção ao bem.

Platão diz no Fedro que a alma verdadeiramente participa do divino.


Certamente que tal participação só pode se dar através da parte racional da alma. Mas além
desta, a alma participa também do sensível, pois está fortemente ligada ao corpo.
38

Pertencendo, assim, a ambos os mundos, ao inteligível e ao sensível, a alma


torna-se intermediária entre a idéia e o devir. A alma, portanto, reproduz em si mesma a
estrutura do mundo das idéias. É esta participação da alma no mundo das idéias que
possibilita ao homem conhecer. Conhecimento para Platão é na verdade reconhecimento.
Platão introduz no Ménon uma estreita conexão entre a alma e o mundo das
idéias; e o conhecimento do real só se torna possível devido à participação da alma neste
mundo supra-sensível. Assim, a autocompreensão da alma conduz a realidade da idéia. Isto
só é possível porque a alma está ordenada em função do ser, em relação de natureza com
ele. Sendo assim, a alma não precisa sair de si mesma para apreender uma realidade
estranha, exterior a ela. É voltando sobre si mesmo, dialogando consigo mesmo, que a
alma levará à luz do saber a verdade que nela dormita e que está, apenas, esquecida.
Qualquer progresso, portanto, no conhecimento é reminiscência.
O que o escravo de Mênon descobre, conforme vimos anteriormente, não lhe
foi, portanto, trazido de fora. O que ele descobriu já estava nele de certa forma. A
maiêutica socrática apenas ajudou a despertar aquelas idéias adormecidas em sua alma.
Porém, Platão não pretende dizer com a teoria da reminiscência simplesmente
que a questão do conhecer e também do aprender, se resolve apenas em se despertar uma
consciência esquecida, mas que se põe em marcha um percurso dialético em direção ao
inteligível. (JEANNIERE, 1995:74)
Há uma diferença entre reminiscência, que é o despertar do conhecimento
intelectivo das idéias, e a memória, que é conservação de sensações. Podemos explicar a
memória como impressão deixada pelas sensações numa espécie de bloco de cera. Essas
impressões podem ser mais ou menos confusas.
A ocasião para que haja recordação ou reminiscência das idéias, é o encontro da
alma com as coisas deste mundo, as quais são cópias das idéias.
Numa passagem do Fédon (76 a), Platão afirma a participação das sensações no
processo da reminiscência:

É possível, com efeito _ e assim pelo menos nos pareceu _ que ao


percebermos uma coisa pela vista, pelo ouvido ou por qualquer outro
sentido, essa coisa nos permita pensarmos num outro ser que tínhamos
esquecido, e do qual se aproximava a primeira, quer ela lhe seja
semelhante ou não. Por conseguinte, torna a repetir de duas uma: ou
nascemos com o conhecimento que pra todos nós duram a vida inteira _
ou então, depois do nascimento, aqueles de quem dizemos que se
instruem nada mais fazem do que se recordar; e neste caso a instrução
seria uma reminiscência.
39

Compreendemos assim, que no pensamento platônico, a doutrina da


reminiscência exerce, além das funções de prova da pré-existência, da espiritualidade e da
imortalidade da alma, de ponte entre a vida antecedente e a vida presente; a função de
valorização do conhecimento sensitivo, reconhecendo-lhe o mérito de despertar a
recordação das idéias.
Porém, o conhecimento sensível é um conhecimento instável e fugidio. O
conhecimento neste âmbito, está restrito a mera opinião, à doxa. Basta um argumento
contrário qualquer, diz Platão, e já nos vemos abalados em nossa certeza quando
permanecemos apenas no nível da opinião. Portanto, precisamos avançar até aquele saber
seguro e verdadeiro, a epísteme.
Platão afirma no Mênon (98 a) que existem opiniões corretas ou verdadeiras
mas que tais opiniões são de pouca duração na alma, de modo que não são de muito valor,
até que alguém as encadeiem por um cálculo de causa. E é do encadeamento desta causa
que se atinge a ciência. E é por isso que a ciência é de mais valor que a opinião correta,
pois é pelo encadeamento que a ciência difere da opinião correta.
A anamnese explica a raiz ou possibilidade do conhecimento. Mas as
etapas e o modo específico de realização desse conhecimento ainda permanecem
indeterminados.
Segundo Platão, do conhecimento sensível até se atingir o conhecimento
inteligível, existem algumas etapas a serem vencidas. Platão explica que tanto a opinião
(doxa) como a ciência (episteme) realizam-se em dois graus diferentes: a opinião se divide
em imaginação (eikasia) e crença (pistis), enquanto que a ciência se desdobra em ciência
intermediária (dianoia) e em intelecção pura (noesis). A cada grau ou forma de
conhecimento corresponde um grau ou forma de realidade e de ser. O primeiro grau é o
simulacro ou simulação, a eikasia, palavra da mesma raiz de eikon (imagem, ícone),
indicando aquelas coisas que são apreendidas numa percepção de segunda mão, isto é, as
cópias ou as imagens de uma coisa sensível; como os reflexos no espelho ou na água. A
poesia, a pintura, a escultura, enfim, todas as artes, pertencem a esse nível mais baixo do
conhecimento no entendimento de Platão.
O segundo grau do conhecimento é a pistis (crença) ou a doxa (opinião), ou
seja, a confiança ou fé que depositamos na sensação e na percepção ou a opinião que
40

formamos a partir das sensações. Este é um conhecimento não baseado em provas e


demonstrações, mas passivamente aceitos por nós pelo hábito do sentido.
O terceiro grau é a dianoia. Este pertence a primeira etapa do conhecimento
inteligível. Conhecimento discursivo e mediatizador, que estabelece relações racionais. A
dianoia, segundo Platão, é o conhecimento típico das matemáticas (aritmética, geometria,
exteriometria, harmonia, astronomia). As matemáticas são um tipo de conhecimento que
nos permite passar da aparência das coisas a um primeiro contato com a essência delas.
Mas ainda não é o modo superior de conhecimento, isto é, a filosofia. No entanto, ela é a
ciência que melhor descreve a existência das realidades verdadeiras e não-sensíveis.
(PIETRE, B., 1996:28)
Para Platão, a matemática constitui o prelúdio da dialética, ciência a que o
filósofo deve ter acesso. Pois ela ensina a exigência intelectual ou lógica da identidade, da
não-contradição e da concordância do pensamento consigo mesmo.
O quarto grau do conhecimento é a episteme ou ciência, saber verdadeiro. Esse
é, segundo Platão, o nível mais alto do saber, é o que conhece a essência, o eidos ou forma
inteligível. Este quarto modo é conhecido também como noesis (ação de conceber algo
pela inteligência). A noesis, diz CHAUÍ (2002:254):

É a intuição ou visão intelectual de uma idéia ou de relações entre idéias;


é o contato direto e imediato da inteligência com o inteligível.

Portanto, a episteme é o modo de conhecimento, onde o pensamento,


contemplando diretamente as formas ou idéias, conhece a causa ou a razão dos próprios
conhecimentos. O método que propicia chegar-se a este grau do conhecer é a dialética.
O Mito da Caverna, descrito por Platão no livro VII de A República, ilustra
muito bem este processo do conhecimento que parte da simples imagem sensível até
atingir a noese ou conhecimento intelectivo. Deste modo, podemos dizer que este mito é
uma alegoria da teoria do conhecimento e da Paidéia platônicas.
Conforme a narrativa platônica, Sócrates pede a seu interlocutor Glauco, para
comparar a nossa natureza conforme tenha ou não recebido educação, com homens que,
desde a infância, se encontram acorrentados de costas para a entrada no fundo de uma
caverna, de modo que por toda vida tenham contemplado somente as sombras dos objetos
que são transportados por homens que passam ao longo da entrada da caverna.
41

Imaginando que um desses prisioneiros seja libertado das correntes, e se levante


e seja forçado a se virar e a subir o caminho íngreme para fora da caverna, certamente, diz
Platão, que este homem sentiria dores intensas e teria seus olhos ofuscados, sendo incapaz
de enxergar os objetos cujas sombras ele via antes. Sendo este homem forçado a sair da
caverna a contemplar o próprio sol, continua Platão, não é certo que uma vez diante da luz
do dia, seus olhos ficariam ofuscados por ela, de modo a não poder discernir nenhum dos
seres considerados agora verdadeiros? (A República, 516 a)
É necessário, portanto, diz Platão, que este homem se habitue com a luz do sol,
primeiramente olhando para as sombras, depois para os reflexos dos homens ou dos
objetos na água e por último, para os próprios objetos. E só depois que seria, então, capaz
de olhar para o sol e poder compreender que é ele o responsável por tudo aquilo que ele e
seus companheiros viam dentro da caverna.
Segundo Platão, a caverna representa o mundo sensível, enquanto que o lado de
fora da caverna representa o mundo inteligível ou mundo das idéias. Os prisioneiros na
caverna representam a nossa condição enquanto prisioneiros de nosso corpo e de nossos
sentidos.

Os impulsos da alma estão como que imobilizados pela certeza de que a


realidade não é outra coisa senão as que nos apresentam os sentidos e pela
ilusão de que a felicidade e o bem se reduzem aos prazeres
experimentados graças a esses mesmos sentidos. (PIETRE, 1996:46)

As sombras simbolizam as aparências sensíveis das coisas; as estatuetas as


próprias coisas. As coisas verdadeiras do outro lado do mundo são representações do ser
verdadeiro e das idéias. O sol simboliza a idéia do bem.
No campo da opinião, a visão das sombras simboliza a imaginação (eikasia). E
a visão das estátuas representa a crença (pistis). No âmbito da ciência (episteme), a
passagem da visão das estatuas para a visão dos objetos verdadeiros representa a ciência
intermediaria (dianoia) e a intelecção (noesis).
Existem, assim, quatro graus no conhecimento, segundo Platão: a apreensão das
imagens (eikasia); a percepção das coisas sensíveis, acompanhada da confiança na
realidade dos objetos apreendidos pelos sentidos (pistis); o conhecimento das entidades
matemáticas mediante um processo raciocinativo (dianoia); o conhecimento direto e
intuitivo da idéia pura (noesis).
42

O Mito da Caverna nos ensina que o processo do conhecimento representa a


passagem das sombras em imagens ao luminoso universo das idéias com etapas
intermediárias. Conhecer é, pois, um ato de libertação e de iluminação. A Paidéia
filosófica é uma conversão da alma voltando-se do sensível para o inteligível.
Essa educação ao invés de nos ensinar coisas ou nos dar a visão, nos ensina a
ver, orienta o olhar, pois, por sua natureza, assegura Platão, a alma já possui em si mesma a
capacidade para ver. O instrumento capaz de realizar esta liberação da alma do mundo das
sombras rumo ao mundo da luz, conforme Platão, é a dialética.
A dialética é a ciência da medida, e como tal, dos princípios. Este aspecto a
distingue da matemática, que fornece apenas medidas relativas e não absolutas como a
dialética. Enquanto a matemática parte de hipótese a dialética parte do principio que funda
todas as conclusões.
Na descrição das ciências necessárias a formação do filósofo no livro VII de A
República, Platão coloca a matemática como prelúdio da dialética, pois ela é a ciência que
melhor descreve a existência das realidades verdadeiras e não-sensíveis. Em virtude do seu
método, é que a matemática nos permite estabelecer relação entre seres perfeitos e nos
introduz a visão de conjunto do mundo inteligível. Dado que o objetivo da matemática é a
ordem e a medida,

Mediante seu processo e sua prática, a matemática nos revela um mundo


ordenado, medido, hierarquizado e harmonioso, que nos impele a
conceber um mundo distinto da realidade sensível, superior em retidão e
beleza (PIETTRE, 1996:29)

A dialética é além disso, a ciência do todo. Por isso, o dialético é aquele que
possui a visão da totalidade. A verdade consiste em captar a idéia nas suas relações com a
totalidade, isto é, com o mundo das idéias e o mundo sensível.

1.3. Verdade e Erro

Vimos anteriormente que Platão faz uma distinção entre o mundo sensível e o
mundo inteligível. O mundo sensível é o mundo das sombras, das aparências, pura cópia
do mundo inteligível. O conhecimento e a verdade, portanto, não se encontram no mundo
sensível e sim no inteligível. A percepção sensível não pode nos garantir a verdade ou o
43

conhecimento verdadeiro (episteme), visto que é incerta, pois sujeito a mutabilidade; e a


característica do conhecimento verdadeiro é a imutabilidade e a eternidade.

No mundo dos sentidos, não pode haver nenhuma verdade e ciência, pois
nada permanece; ao contrário, o conhecimento da verdade exige
continuamente o idêntico a si próprio. (TEIXEIRA, E. 1999:68)

Só podemos atingir a verdade, segundo Platão, através do pensamento, o qual é


um atributo da alma.
Porém, conforme afirma SARDI (1995), só poderemos compreender a verdade
em Platão a partir da compreensão do erro. Trata-se, portanto, de diferenciar erro de
verdade. Pois se não houvesse essa diferenciação, como poderia haver a diferenciação
entre pensamento e discurso?
Em Parmênides não podemos fazer a distinção entre o ser e o discurso, visto
não podermos dizer o que não é. Não podendo dizer o que não é não pode haver,
conseqüentemente, erro. Para Platão, no entanto, o não-ser de certa forma é. O não ser é
um gênero determinado entre os demais (Sofista, 260 b).
Em seus primeiros diálogos (socráticos), Platão busca entender aquilo que é. O
que é a virtude, a justiça, a beleza. No Sofista, a pergunta pelo que é transforma-se na
pergunta sobre o próprio ser. Há, portanto, um deslocamento da constatação da existência
de algo para uma reflexão sobre o que é, sobre o sentido do ser. O personagem principal do
diálogo, o Estrangeiro de Eléia, indaga: o que quereis significar quando pronunciais a
palavra ser? (244 a)
Platão instaura no Sofista a reflexão sobre o que é o ser. Para isso procura
distingui-lo do parecer. O recurso para distinguir o ser do parecer consiste em mostrar as
diferenças entre o filósofo, o sofista e o político. Na tentativa de definir o sofista, Platão
acaba definindo o que é o filósofo e também o político. Um se mostra dialeticamente no
outro.
Apesar de não ter escrito o diálogo O Filósofo para responder a pergunta o que
é o filósofo? , Platão mostra, todavia, no Sofista e no Político, como procede um filósofo.
O próprio personagem central do diálogo, o Estrangeiro de Eléia, é apresentado como um
filósofo, um ser divino, um conhecedor dos mundos das essências, das idéias.
Na tentativa de definir o sofista, Platão é levado a introduzir questões
fundamentais como a do ser e do não-ser e, ainda, o problema do erro.
44

Ele é levado a estas questões ontológicas devido à complexidade do próprio


objeto de investigação, conforme confessa o Estrangeiro de Eléia.

Para o problema que então me deixara perplexo, o de saber em qual destas


artes colocar o sofista, ainda não vejo, claramente, uma solução. Esse
homem é verdadeiramente um assombro e é muito difícil apanha-lo
completamente, pois ainda desta vez, lá está ele, belo e bem refugiado, em
uma forma cujo mistério é indecifrável . (O Sofista, 236 d).

Por que é tão difícil determinar a natureza do sofista? Tal dificuldade se


apresenta devido o seu aspecto dissimulador. Pois estes se apresentam como mestres sem o
serem, dizem coisas sem dizerem a verdade. Eles fazem com que o falso se apresente como
real. Fazer isto, diz o Estrangeiro, é supor o não ser como ser (Sofista, 237 a). E esta, no
entanto é a condição de possibilidade do falso ou do erro. Para que o erro seja possível é
necessário que o não-ser de certa forma seja. Mas isto não seria negar o princípio
parmenídico: jamais obrigarás os não-seres a ser, antes, afasta teu pensamento desse
caminho de investigação ?
De fato, como dizer aquilo que não é? É certo que não podemos atribuir o não-
ser a qualquer ser que se considere, afirma Platão, através do Estrangeiro de Eléia. Do
mesmo modo, não podemos atribuí-lo ao qualquer , pois que este termo também se aplica
ao ser. Pois, dizer qualquer é dizer inevitavelmente pelo menos qualquer um . (Sofista,
237 d)
Quando dizemos, dizemos sempre alguma coisa de qualquer coisa. Pois, quem
não diz alguma coisa, ao que parece, absolutamente, nada diz (Sofista, 237 e). Sendo
assim, tentar dizer o não-ser é nada dizer. Teeteto, interlocutor do Estrangeiro no diálogo,
conclui ter posto aqui um ponto final a questão. Ao que o Estrangeiro logo rebate
assegurando que a questão ainda subsiste e de forma ainda mais complexa. Segundo ele,
ela reside no próprio princípio. Pois já ao tentar refutá-lo caímos em inevitáveis
contradições, diz o filósofo.

Eu que, há pouco ainda agora, afirmei como principio que o não-ser não
deve participar nem da unidade nem da pluralidade, já ao afirmá-lo eu o
disse uno; pois disse o não-ser. (Sofista, 238 e)

E ao afirmá-lo como impronunciável, inefável e inexprimível, aplicamos-lhe o


é . Porque ao dizê-lo deste modo atribuímos unidade ao não-ser, o que não poder ser pois
é impossível falar dele tanto como uno ou como múltiplo.
45

Vemos assim, que é necessário reconhecer, mesmo que a contragosto, como


diz O Estrangeiro de Eléia, que de alguma forma, o não-ser é (Sofista, 240 c)
Para que se possa sustentar tal afirmação Platão diz que é necessário discutir a
tese de Parmênides.

teremos de necessariamente discutir a tese de nosso pai Parmênides e


demonstrar, pela força de nossos argumentos que, em certo sentido, o
não-ser é; e que, por sua vez, o ser, de certa forma, não é. (Sofista, 241 d)

Platão comete aqui o chamado parricídio contra o pai Parmênides. Matar o pai
Parmênides é admitir a possibilidade do não-ser ser. Esta refutação é necessária visto que a
tese de Parmênides impossibilita, segundo Platão, falar de discursos falsos ou de falsas
opiniões, de imagens, de cópias, de simulacros sem que se caia em contradição. (Sofista,
241e)
Se o abandono das teses de Parmênides aparece como um parricídio é porque,
segundo JEANNIERE (1995), o Sofista inaugura uma nova maneira de ir ao encontro do
ser na linguagem. A passagem da identidade para a diferença constitui uma nova fundação
da filosofia.
A afirmação de Parmênides de que pensar e ser são a mesma coisa, exige uma
total transparência da linguagem ao ser que se revela. Parmênides se encontra em harmonia
com uma outra etimologia da verdade: aletheia, o não-oculto, o desvelado. A verdade é
aqui, logo de saída, uma visão.
A verdade em Platão tomará outro sentido. Ela será também uma theoria, uma
visão, mas essa visão só será possível ao fim de uma ardorosa busca. Trata-se agora mais
de retidão do olhar do que de desvelamento.
Por conseguinte, diz CHAUÍ (2002:286), uma teoria do erro deve explicar, em
primeiro lugar, como é possível o não-ser e, em segundo, como podemos confundi-lo com
o ser .
Como Platão faz isso? Ele o faz partindo não das discussões em torno do não-
ser, mas justamente da discussão em torno ao próprio ser e à sua estrutura e, sobretudo, à
impossibilidade de se sustentar a concepção do ser-uno no sentido monístico-eleático.
Mas isto não significa que a abordagem em torno do ser seja menos complexa
que sobre a do não-ser.
46

Estrangeiro - Ora, bem pode acontecer que, com relação ao ser, a nossa
alma se encontre em igual confusão; e que nós que acreditamos tudo
compreender, sem dificuldade, quando dele ouvimos falar, e nada
compreender a propósito do outro termo, na realidade estejamos na
mesma situação no que concerne a um e outro. (Sofista,243 c)

Tal dificuldade de se falar sobre o ser se evidencia diante dos vários modos de
se falar sobre o mesmo: pois ora uns dizem que o ser é múltiplo, ora outros o dizem como
uno, e ainda há aqueles que combinam as duas teses e afirmam o ser como sendo, ao
mesmo tempo, uno e múltiplo, mantendo-se a sua coesão pelo ódio e pela amizade
(Sofista. 242 d). Conforme esta última tese, o seu próprio desacordo é um eterno acordo .
A solução então, é perguntar a cada um deles o que entendem pelo termo ser.
O que entendem pelo termo ser aqueles que o afirmam como, duplo? Ao
dizerem que o todo é o quente e o frio ou qualquer par desta espécie, o que significam pelo
é que os ligam? Deveremos ver nele um terceiro termo somado aos outros dois, diz
Platão, ou deveremos admitir que o todo é três e não mais duplo? Pois se a um dos dois
termos denominamos como ser, já não podemos mais dizer que os dois igualmente são .
Ou deveríamos chamar de ser ao par? Mas, neste caso, se afirmaria que dois é um . Deste
modo se afirmaria a tese unitarista do ser. E é esta que convém no momento analisar.
O que entendem pelo termo ser aqueles que dizem que o Todo é uno ?
Estes ao dizerem que o ser é uno empregam dois nomes para se referir ao
mesmo objeto. Mas admitir dois nomes desde que se admita somente o uno é contraditório.
Por outro lado, será também absurdo admitir que um nome seja porque, se ele é diferente
(enquanto nome) da coisa nomeada, junto com ela constituirá duas coisas. Deste modo,
para ser coerente, o monismo absoluto deverá englobar na unidade também o nome.
Mas e quanto ao todo? Afirmarão eles que é diferente do uno, ou que é idêntico
a ele? Certamente que o afirmarão como idêntico, diz Teeteto.
Ao identificar o todo com uma esfera, Parmênides acaba atribuindo-lhe
necessariamente, um centro e os extremos e, portanto, partes. Ora, o que possui partes pode
participar do uno, mas não pode ser por si o uno, pois o uno, enquanto tal, é indivisível.
Tampouco podemos, com Parmênides, identificar ser, uno e todo, porque cada um deles
tem uma natureza própria e distinta: o ser participa do uno e, contudo, não é o uno; o todo
é algo mais do que o uno, enquanto contem tanto o ser como o uno (REALE, 1997:304).
No entanto, diz Platão, não podemos também supor, que o todo absoluto não
existe, o mesmo acontecerá ao ser que, além de não ser ser jamais poderá vir a sê-lo
47

(Sofista, 245 d). Pois, tudo que veio a ser, explica o filósofo da Academia, veio a ser sob a
forma de um todo. Uno e todo devem ser, portanto, considerados no número dos seres.
Estas são algumas das dificuldades que surgirão, afirma Platão, àqueles que
quiserem, definir o ser ou como um par ou como uma unidade (id, 245e).
Platão se refere ainda as concepções materialista e formalista do ser. Para os
primeiros só podemos atribuir ser às coisas que se pode tocar e que oferecem resistência.
Eles reduzem todas as coisas ao corpo. No entanto, pelo menos os que forem mais
razoáveis dentre eles, diz Platão, terão que admitir que há algumas realidades que são
incorpóreas: a justiça, a sabedoria e toda virtude em geral. Tendo alguns dos materialistas
admitido a existência de seres incorpóreos, terão agora de explicar o que há de comum
entre estes e os seres corpóreos que lhes permitem afirmar que existem, isto é, que são. A
única resposta que poderiam dar de imediato, como provisória, pensa Platão, é que o que
caracteriza o ser em geral é a mobilidade, ou seja, o poder de exercer e de sofrer uma ação.
Mas será que podemos atribuir estes poderes ao ser? Poderíamos atribuir movimento ao
ser?
Segundo Platão, se admitirmos que o ato do conhecimento é uma ação, e que,
portanto, o objeto ao ser conhecido sofre a ação do intelecto, o ser do mesmo modo, na
medida em que é conhecido, será movido. Porém, não podemos conceber o ser como algo
absolutamente estático, sem movimento, vida, alma e pensamento. Pois se os seres são
totalmente imóveis não haveria conhecimento em parte alguma. No entanto, não podemos
afirmar o contrário: que o ser está em constante movimento, pois que não se faz ciência
daquilo que muda constantemente.
Sendo assim, conclui Platão, que cabe ao filósofo:

recusar a doutrina da imobilidade universal que professam os defensores


ou do uno ou das formas múltiplas, bem como não ouvir aos que fazem o
ser mover-se em todos os sentidos. É preciso que imite as crianças que
querem ambos ao mesmo tempo, admitindo tudo o que é imóvel e tudo o
que se move o ser e o todo, ao mesmo tempo. (Sofista, 249c-d)

Platão declara, deste modo, a irredutibilidade do ser ao movimento e ao


repouso. Pois ao admitirmos que tanto o movimento quanto o repouso são, propomos a
participação de ambos num terceiro elemento, o ser. Logo, o ser não é a reunião de repouso
e movimento, mas é coisa diferente de ambos. Por sua própria natureza, o ser não está
imóvel nem em movimento (id. 250c). Deste modo, Platão rejeita tanto a tese
48

parmenidica quanto a hereclitica do ser. Isto é necessário se quiser salvar a possibilidade


do discurso, e portanto, da própria filosofia. No mundo de Parmênides, não há lugar para
buscas. Nele o discurso filosófico está limitado a dizer é ou não há não-ser . É somente
no mundo heraclitiano, num mundo visto como possibilidades múltiplas de se dizer sim e
não, verdade e falsidade, que se justifica a busca filosófica da verdade. Pois se sempre ao
dizer ou pensar que uma coisa é já dizemos a verdade, não havendo, portanto,
possibilidade para o erro ou a falsidade, não haveria a necessidade de questionarmos a
legitimidade de nenhum discurso.
Mas ao dizer que o ser não é nem repouso nem movimento, não se coloca algo
impossível de se conceber? Pois se uma coisa não se move, como é possível que não esteja
parada? E como deixará de ter movimento aquilo que nunca está quieto?
Desse modo é necessário que se verifique de que maneira estas idéias se
associam uma com a outra. A partir da analise feita entre ser, repouso, movimento,
constatou-se que entre essas duas últimas subsiste uma relação negativa, porque uma não
participa da outra. Ao contrário, o ser tem relações de participação positiva com as duas
outras, na medida em que tanto o repouso quanto o movimento são. Mas as três idéias são
cada uma diversa da outra e, ao mesmo tempo, cada uma idêntica a si mesma. Surge assim
mais duas outras idéias gerais, o idêntico e o diverso . Deste modo, obtivemos cinco
idéias gerais.
Por ser o movimento diverso do repouso e o repouso diverso do movimento
ambos participam da diferença. Mas ambos são e são idênticos a si mesmos e, portanto,
participam de ser e identidade. Por conseguinte podemos dizer que o movimento é mas
também que não é: é movimento e não é repouso. O movimento participa do ser sem ser
idêntico ao ser e, nesse sentido podemos afirmar que ele não é, vale dizer, que é não-ser.
Com o mesmo procedimento se demonstra que é possível afirmar o não-ser de todas as
cinco idéias referidas acima. Cumpre-se assim o parricídio de Parmênides. Porém, Platão
ressalta que o não-ser aqui não significa o contrário do ser, mas apenas o diverso do ser.
Platão concebe o não ser como alteridade.

Assim, ao que parece, quando uma parte da natureza do outro e uma parte
da natureza do ser se opõem mutuamente, esta oposição não é, se assim
podemos dizer, menos ser que o próprio ser; pois não é o contrario do ser
o que ela exprime; e sim, simplesmente, algo dele diferente. (Sofista,
258b)
49

Após descobrir que o não-ser é um gênero determinado entre os demais, resta


ainda verificar se ele se associa à opinião e ao discurso. Pois se ele não se associa, segue-se
necessariamente que tudo é verdadeiro. Para que a opinião falsa e o discurso falso sejam
possíveis, é necessário que o não-ser se associe à opinião e ao discurso. Eis o que constitui
a falsidade para Platão: dizer o ser sem ser. O erro é afirmar de alguma coisa aquilo que ela
não é, significa dizer que alguma coisa encontra-se mesclada ao não-ser. Nisto consiste o
discurso sofístico: em dizer de alguma coisa o seu não-ser, tomá-la pelo que ela não é,
atribuindo-lhe como predicado o seu outro, roubando-lhe seu ser próprio ou sua identidade.
A sofística simula a dialética, apresentando uma aparência da verdade.
50

CAPÍTULO II

EROS E A VERDADE

O amor era um tema corrente na Grécia desde os tempos míticos até o tempo de
Platão. Os gregos viram no amor, sobretudo uma força unificadora e harmonizadora.
Segundo Aristóteles, foram Hesíodo e Parmênides os primeiros a dizerem que o amor é a
força que move as coisas e as conduz e as mantém unificadas. Para o filósofo pré-socrático
Empédocles, o amor seria a força que mantém unidos os quatro elementos: o ar, a água, o
fogo e a terra.
Não podemos esquecer, adverte JAEGER, que o Eros, enquanto amor do
homem pelos jovens, era um elemento histórico essencial na constituição da sociedade
aristocrática primitiva.

Os que estavam unidos ao Eros sentiam-se protegidos contra qualquer


ação baixa, por um profundo sentimento de honra, e um sublime impulso
os incitava à realização das mais nobres ações. Foi com plena consciência
que o Estado espartano considerou o Eros um importante fator da sua
agogé. E a relação do amante com o amado podia ser comparada à
autoridade educadora dos pais em relação aos filhos. (2001: 240-241)

Eros era visto, portanto, também como uma força educadora.


Os tragedianos gregos, como Sófocles, conheciam muito bem o poder
irresistível de Eros, que, no caminho do êxtase, esquecia-se de todo o raciocínio, vontade e
discrição.
Havia, outrossim, um entendimento mais místico de Eros, mediante o qual os
gregos procuravam atingir, e ir além de todas as limitações humanas, a fim de chegarem à
perfeição.
Deste modo, diz FOUCAULT (1984:202) que:

seria imprudente generalizar as características próprias à doutrina


socrático-platônica, supondo que ela resume por si só todas as formas que
a filosofia do Eros tomou na Grécia Clássica.
51

Mesmo assim, podemos verificar, em Platão, uma grande distância em relação


às outras maneiras de discorrer sobre o amor, a qual, já no tempo do filósofo ateniense,
indagava, sobretudo, sobre a boa conduta recíproca do jovem e de seu pretendente, e sobre
a maneira pela qual ela pode se conciliar com a honra.
Platão foi quem primeiro nos deu um tratado filosófico do amor. Desde os
primeiros diálogos, Platão se mostra um filósofo interessado não unicamente no noos e no
logos, mas ao mesmo tempo canaliza o desenvolvimento de sua teoria para a importância
das potências afetivas da alma. Ele dará um papel importante às tendências e a afetividade
humanas nos diálogos da maturidade. Tendências e afetividade constituem na alma do
homem esta fuga impaciente que resiste ao noos (NETO, M. 1999:90).
O Amor assumirá, portanto, papel importante na filosofia platônica, sobretudo
em sua relação com o logos.
Platão escreveu três diálogos onde trata especialmente sobre o amor: Lisis, O
Banquete e Fedro. Em cada um deles, Platão apresenta Eros na sua forma peculiar. No
Lisis, Eros assume a forma de amizade. No Banquete, Eros é enfocado como filósofo,
demônio, intermediário. No Fedro, por sua vez, adquire o sentido de belo.
O Lisis é um diálogo que, depois de algumas páginas de introdução sobre o
paidikós eros (203a - 207b), faz um estudo sobre a phylia tanto em sua dimensão humana
de proximidade quanto em sua dimensão metafísica de um phylen do bem (221e-222a).
Platão trata pela primeira vez do problema da phylia (amizade), no Lisis. Ele
pretende superar, neste diálogo, as duas doutrinas opostas sustentadas pelos seus
predecessores e contemporâneos. Para alguns, Empédocles por exemplo, o fundamento da
amizade era a semelhança, pois o semelhante busca sempre o seu semelhante. Para outros,
Heráclito podemos dizer, a amizade se fundamenta na atração recíproca dos contrários.
Platão irá se elevar acima dessas duas teses contrárias, num audacioso avanço, e
propõe como fundamento da amizade o próton philon, o primeiro amado, o qual é posto
como fonte e origem de toda a amizade entre os homens. O homem ama tudo o que ama
em particular tendo em vista este amado universal.
No Lisis, Platão narra o encontro de Sócrates com Hipótales, quando aquele se
dirigia da Academia para o Liceu. Hipótales tenta arrastar Sócrates para dentro de um
recinto, onde um certo sofista chamado Mico estava palestrando para alguns jovens, dentre
os quais se encontrava o jovem Lisis. Sócrates aceita o convite de Hipótales e após um
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certo tempo entra no recinto e senta-se em conversa com Ctesipo. Logo, Lisis acaba por se
aproximar do grupo, seguido de perto por seu primo e amigo Menexeno. Daí se inicia um
diálogo que irá culminar em complicadas aporias.
Da questão central colocada em (212b): Diz-me: quando alguém ama outrem,
qual é que se torna amigo do outro: o que ama, do que é amado ou o que é amado do que
ama? Ou não há diferença? Resultam algumas hipóteses que são logo refutadas e o
diálogo prossegue até Sócrates confessar a Lisis e Menexeno, no final, a sua incapacidade
de descobrir o que é a amizade (223b).
A primeira resposta de Menexeno à questão socrática é que não há diferença
entre o que ama do que é amado, pois ambos se tornam amigos mesmo se só um amar o
outro. Mas devido à refutação socrática, Menexeno é logo conduzido a uma outra opinião:
a não ser que ambos amem, ninguém será amigo. Isto equivale a dizer que só há verdadeira
amizade quando há correspondência entre ambos.
Mas se é assim, o que dizer dos amigos de cavalos, de codornas, dos cães, do
vinho, da ginástica ou dos amigos da sabedoria, sendo que estas coisas não podem
corresponder com o mesmo amor?
Então é necessário admitir, diz Sócrates:

Que cada um ama aquilo que ama, sem que essas coisas o amem, ou então
mente o poeta que diz : feliz aquele que tem filhos e solípedes cavalos e
cães de caça e hóspedes vindos de outro país. (Lisis, 212e)

Admitindo-se que o poeta esteja com a razão, é necessário concluir que, o


amado ame ou odeie, é que é o amigo do amante. Sendo assim, amigo não é o que ama,
mas sim o que é amado (213a); e inimigo é o que é odiado, não o que odeia (Lisis 213a).
Porém este modo de pensar levará, conforme raciocina Sócrates, a uma coisa
sem lógica ou absolutamente impossível: inimigo do amigo e amigo do inimigo (Lisis
213b).
Deste modo é necessário, então, pensarmos o contrário que, O que ama é que é
amigo daquele que é amado. (Lisis 213b)
Mas mesmo assim caímos em aporia, pois muitas vezes, quando alguém ama
quem não o ama, ou até ama quem o odeia, somos amigos do que não é amigo ou até é
inimigo (Id. 213c). Que caminho tomar, pois se amigo nem são os que amam, nem os que
são amados, e nem os que amam e são amados? É preciso recorrer à hipótese dos poetas
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que afirmam que é a própria divindade que faz os amigos, empurrando-os uns para os
outros: sempre a divindade impele o igual para o igual (Id. 214a). Com o que concordam
alguns dos pré-socráticos que dizem o mesmo: sempre o igual será amigo do seu igual (Id.
214b).
Será que eles têm razão? Depende do que eles tomam, diz Platão, por iguais. Se
por iguais estiverem se referindo aos perversos ou maus, aquela afirmativa não procede,
pois que o perverso de modo algum será amigo do perverso, pois ambos provocam
injustiças. Mas se se referem aos bons, podem ter razão. Mas mesmo os bons não serão
também amigos uns dos outros enquanto iguais que são, pois amamos as pessoas na
proporção da utilidade que esperamos delas. Ora o igual não pode esperar do seu igual
nenhuma vantagem que não possa tirar dele mesmo. O igual então não é amigo do igual.
Talvez o bom enquanto bom e não enquanto igual, possa ser amigo do bom.
Mas, não é verdade que o bom enquanto bom é suficiente a si mesmo? Ora, o suficiente,
devido sua auto-suficiência, de nada tem necessidade (Lisis, 215a).
A auto-suficiência dos bons aqui só pode ser compreendida como a do bom
absoluto. Considerados como auto-suficientes, os bons absolutos são iguais: logo, não
podem ser amigos uns dos outros (ver República, 387 d).
Prosseguindo o raciocínio: o que de nada necessita, a nada, por conseguinte,
terá amor. E se não ama, também não poderá ser amigo (Lisis, 215b).
Para Platão, portanto, o amor nasce da falta, da necessidade. Aquele que pensa
saber e, portanto, não necessita aprender mais nada, este não se empenha na busca pelo
conhecimento, pela sabedoria filosófica. O verdadeiro filósofo é aquele que necessita
conhecer, pois o saber nunca lhe é dado prontamente. E por sentir a falta deste saber ele se
empenha ou se dedica a buscá-lo. E desta dedicação nasce o amor. E por amar o
conhecimento, o filósofo se torna amigo ou amante do saber.
Os bons, por serem bons, de nada necessitam. Por isso, não podem ser amigos,
visto cada qual bastar a si mesmo. Como ser amigo do saber se já sei todas as coisas?
Aquele que já sabe basta a si mesmo visto não ter necessidade de conhecer mais nada.
Portanto, aquele que sabe não pode ser philosopho.
Heidegger em uma conferência de 1955, cujo título é, Que é isto a filosofia? diz
que antes de Sócrates e Platão não existia a filosofia enquanto aspiração ou desejo pelo
saber, mas sim enquanto acordo originário do philein com o sophon. Com Sócrates e
54

Platão, sobretudo, é que o philein to sophon torna-se philosophia. Segundo Heidegger,


este desejo pelo saber é determinado pelo Eros.
Platão diz no Banquete que só se deseja aquilo de que se é carente, de que se
tem falta. Não podemos desejar aquilo que possuímos. Neste mesmo diálogo, Platão fala a
respeito da natureza de Eros através do mito narrado por Diotima de Mantineia a Sócrates,
segundo a qual Eros teria a natureza da falta justamente por ser filho de Recurso e Pobreza.
Adiante falaremos a respeito da natureza de Eros quando estivermos tratando o discurso de
Sócrates-Diotima.
Visto que nem os bons podem ser amigos dos bons por ambos bastarem a si
mesmos, estão com a razão aqueles que dizem, diz Platão, que o igual é o maior inimigo do
igual, e os bons dos bons. E todas as coisas quanto mais semelhantes mais se enchem de
inveja, rivalidade e inimizade entre si, e as desiguais, de amizade (Lisis, 215 d).
Deste modo, o fraco será amigo do forte, o pobre do rico, o doente do médico e
todo aquele que não sabe, há de acolher aquele que sabe (Id. 215d).
É pela falta, pela carência, que o discípulo acolhe o mestre. Sendo assim, o
discípulo é amigo do mestre enquanto contrários, tanto mais amigo quanto mais contrário.
Inverteu-se mais uma vez a hipótese sobre o amigo: o amigo, agora, é amigo do
contrário (Lisis, 215e).
Esta era a teoria defendida por Heráclito, o qual dizia que, com efeito, dos
contrários é que nasce a mais bela harmonia. Essa tese é também defendida por Eriximaco
em O Banquete (185e-188e).
Tal tese porém, leva ao maior absurdo, pois se o contrário é que é amigo do
contrário, então é forçoso admitir que o amigo é amigo do inimigo, o injusto do justo, o
mau do bom. Não sendo isto admissível é necessário mudar de hipótese mais uma vez.
Não sendo amigo o igual do igual, nem o contrário do contrário, é preciso
verificar se aquilo que não é bom nem mau é que por isso mesmo, se torna amigo do bom
(Lisis, 216c).
Esta amizade se dá devido à presença do mal antes de se tornar mau, pois o mau
não desejaria ser amigo do bom como já fora afirmado anteriormente. A presença do mal
enquanto não se torna totalmente mau, suscita o desejo do bem como no exemplo do corpo
doente que deseja a saúde que é um bem. O mal o priva do desejo e, por conseguinte, do
amor ao bem.
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Do mesmo modo aqueles que já são sábios, sejam homens ou deuses, não mais
amam a ciência. Nem tampouco os ignorantes amam a ciência (Id. 218a).
Mas existem aqueles que, mesmo tendo o mal da ignorância, ainda não são
totalmente irrefletidos ou ignorantes, pois ainda pensam que não sabem o que não
conhecem (Id. 218b).
Esses amam a ciência, por não serem nem bons nem maus. Parece que
descobrimos, desta vez, diz Platão, o que é e o que não é amigo: o que não é bom nem mau
torna-se, devido à presença do mal, amigo do bom. De repente surge uma suspeita de que
esta conclusão ainda não é a verdadeira.
Pois aquele que é amigo é amigo de alguém em vista de alguma coisa. E esse
objeto em vista do qual o amigo é amigo do amigo deve necessariamente ser amigo, e por
causa da presença do mal (Lisis, 219b). Mas não admitimos anteriormente que o igual não
pode ser amigo do igual? Somos, então, forçados, conforme Platão, a postular a existência
de um primeiro amigo, em vista do qual todas as coisas são amigas: a idéia de amigo (Id.
219c-d). Talvez o amigo de fato seja aquele outro ao qual tendem todas as coisas que
dissemos amigas (Id. 220b). A aspiração em encontrar o outro fundamenta-se na aspiração
ao próton phylon. Desejar amar o outro com amizade ou amor acontece pelo ímpeto em
amar o Princípio de toda amizade.
Segundo REALE (1997:345):

A busca do bem é o que funda toda amizade; é a verdadeira fonte e o


fundamento do amor. E o desejo da primeira coisa amiga, a qual é,
justamente, o bem supremo, é aquilo em função de que se amam todas as
coisas particulares.

Deste modo é este princípio supremo que dá razão de ser e aponta a meta a toda
a comunidade humana. Conforme JAEGER (2001: 720), o Lísis deixa entrever a
perspectiva para aquilo que Platão haveria de explicitar melhor no Banquete e no Fedro: a
concepção de que o que mantém a comunidade dos homens e não só destes como de todo o
cosmos, é a idéia do bem.
De fato, Platão desde o momento que fala da philia e do Eros, imprime a essa
problemática uma dimensão cósmica radical (REALE, 1997:347). A força de Eros,
portanto, não está restrita a esfera do humano, mas se estende a todas as coisas.
Escreve JAEGER na Paidéia (2001:720):
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já no Lisis vemos como a eficácia do princípio primordial amado por


todos transcende o mundo dos homens: é o bem ansiado e apetecido não
só por nós, mas também por todos os seres, e que aparece em cada um
deles, como a sua perfeição própria.
Vemos assim, que a amizade e também o amor dos homens é o reflexo, no nível
antropológico, da estrutura metafísica de toda a realidade.
Se não é em vista de outro amigo que o amigo é amigo, então o bem é que é
amigo. E o bem é amado por causa do mal. Mas tendo em vista os três gêneros: o bom, o
mau, e o nem bom nem mau, fosse afastado o mau, visto então não ser proveitoso a
ninguém, o bom não se tornaria inútil por isso? Não existindo a doença, não há
necessidade de remédio. Isto quer dizer que se o mal desaparecer, o bem não mais seria
amado? Mas, ainda que o mal se acabe, permanecerão os desejos, aqueles que não são bons
nem maus. E aquele que deseja e ama é forçosamente amigo daquilo que deseja e ama.
(Lisis, 221 b-c). Deste modo mostra-se outra a causa de amar e de ser amado: o desejo. O
que deseja é amigo daquilo que deseja, e isso sempre que deseja. (Id. , 221 d). E o desejo é
desejo daquilo que falta. E o sentimento da falta leva aquele que está privado a ser amigo
daquilo que lhe falta. Segundo MORAES NETO (1999:109), a análise do desejo é
fundamental a todos os níveis do diálogo .
E ainda (1999:110):

O Lisias nos mostra que desejar está no centro de uma reflexão sobre a
amizade. Amizade é tanto desejo de fazer que de possuir. Ser amigo de
um amigo é desejar possuir sua amizade. Ser amigo de uma coisa é
desejar possuir esta coisa.

Na primeira parte do diálogo há um tipo de desejo visado por Sócrates. Trata-se


de desejos sobre objetos de inveja material e temporal. Em (211e) Sócrates diz que desde
sua infância existe uma coisa que sempre desejou possuir, assim como outros desejam
possuir outras coisas. Alguns desejam possuir cavalos, outros gatos, outros cães, outros
ouro, outros honrarias. Sócrates diz ficar indiferente a tudo isso. Só há uma coisa que ele
não abre mão de desejar com grande ardor: a aquisição de amigos.

Preferiria encontrar um bom amigo a possuir a mais bela codorna do


mundo, ou o mais belo galo, ou até, por Zeus, é verdade, um cavalo ou
um cão. Creio, juro-o pelo Cão, que mais facilmente eu aceitaria um
amigo do que o ouro de Dario, mais facilmente até que Dario em pessoa,
tal é a minha ânsia de ter amigos. (Lisis, 211e)
57

Sócrates é homem ávido de amizade (212 a). Ele confessa a sua admiração pela
amizade entre Menexeno e Lisis, e ao mesmo tempo a distância que se encontra de tal
riqueza que é a amizade, pois nem mesmo sabe como é que alguém se torna amigo de
outrem. O desejo desta posse que é o amigo inscreve-se no leque das posses materiais e
egoístas da multidão.
O Lisis possui uma pedagogia dos desejos. Diante da exposição de Lisis de seus
desejos de infância, Sócrates ajuda-o a desenvolver o fundamento do justo comportamento
de seus pais: só os desejos daquele que sabe podem ser aceitos, qualquer outro desejo é
refutável. O homem que sabe tem desejos fundamentados.
O contrário acontece às coisas onde falta o conhecimento, pois ninguém nos
deixará agir segundo aquilo que nos parece bom (210 b). As pessoas só confiam em nós
naquilo de que nos tornamos conhecedores. Nessas coisas, diz Sócrates a Lisis, teremos
toda a liberdade e seremos guias dos outros. (210 b)
O mais simples é ignorar-mos o desejo. O professor ensina, não tem que se
preocupar com aquilo que o aluno deseja. Mas, na verdade, o que Platão nos ensina é que
só atingirá o saber aqueles que o vêem como algo desejável, a ponto de sacrificar por ele
prazeres imediatos. O conceito de relação com o saber implica o de desejo.
Mas só existe amor, amizade e desejo, ao que parece, daquilo que é afim.

Quando alguém deseja outrem, meus filhos, ou o ama, certamente não


sentiria esse desejo, ou amor, ou amizade, se por acaso não fosse em algo
afim do amado, quanto à alma ou a qualquer traço da alma, do caráter ou
da figura. (Lisis, 222 a)

Nós desejamos conhecer justamente porque nossa alma é afim com o saber,
pois outrora contemplara as idéias perfeitas. Conforme o pensamento platônico, nossa alma
tende naturalmente para o saber, pois tanto o saber quanto a alma são do âmbito do
inteligível.
No entanto, é necessário admitir que o afim seja diferente do igual ou então
cair-se-á novamente naquelas mesmas aporias anteriormente superadas. Mas mesmo
aceitando-se que sejam diferentes o afim do igual, não diminui o embaraço.
Admitindo-se o afim diferente do igual, resta determinar quem é afim de quem:
o bem é afim de tudo, ou o mal é afim do mal, o bem do bem, o que não é bom nem mau
do que não é bom nem mau. Aceitando-se que cada qual seja afim do seu igual caímos de
novo nas conclusões antes rejeitadas: que o igual não pode ser amigo do igual.
58

Portanto, confessa Sócrates:

Se nem os que são amados, nem os que amam, nem os iguais, nem os
desiguais, nem os bons, nem os que são afins, nem qualquer dos outros
que analisamos, e já não me lembro bem, devido ao seu número, se nem
um deles é amigo, eu, por mim, nada mais tenho a dizer (Lisis, 222 e).

Assim, Platão conclui o Lisis sem descobrir o que é a amizade. Esta confissão
final de incapacidade de solucionar o problema, dizem os comentadores, justifica a
classificação do diálogo no grupo dos chamados aporéticos. Não que Platão não tenha
condições para isso. É que ele deixará para aprofundar a questão em outros diálogos: O
Banquete e o Fedro.
No Banquete, Platão retoma algumas idéias já esboçadas no Lísis e lhes dão
maior aprofundamento.
O Banquete é mais propriamente uma narração do que um diálogo. É a
narrativa feita por Apolodoro a um ou mais amigos, do que ouviram de Aristodemo acerca
do banquete na casa de Agaton. Estiveram presentes a esse banquete, dentre outras
pessoas, Aristodemo, amigo e discípulo de Sócrates; Fedro, o jovem retórico; Pausânias; o
médico Eriximaco; Aristófanes, o comediante que nas nuvens ridicularizava Sócrates e o
político Alcibíades. Estava também presente o velho Sócrates, o mesmo conviva irônico de
sempre.
O exagero cometido na festa do dia anterior, sobretudo o excesso de bebida,
fatigara os convidados de Agaton. Pausânias propôs então que em lugar de beberem,
ficassem ali a conversar, a discutir ou que cada um fizesse um discurso. Essa proposta de
Pausânias foi aceita por todos. Ao que Eriximaco acrescentou que se fizesse elogios a
Eros. É a transformação do rito dionisíaco em rito apolíneo, em que a força do mito dá
lugar ao poder do logos, dominante mas não exclusivo. O assunto deste diálogo é, pois, o
amor.
Têm-se, assim, filósofos, políticos, historiadores, tragediógrafos, comediógrafos
e oradores, cada qual com seus discursos humanos, pronunciados em etapas progressivas
tendo em vista a verdade, mas sem serem ainda toda a verdade. Contudo, essa perspectiva
da verdade sobre o Eros é logo esquecida, dando lugar ao elogio, os quais concernem
muito mais ao elemento dramático do que ao elemento filosófico. Esses discursos são, na
59

expressão de Donaldo Schuler, as máscaras de Eros , um jogo de máscaras . Ou nas


palavras de Victor Goldschmidt, opiniões-imagens .

Esses discursos, ao mesmo tempo que desvelam e fixam algumas


possíveis compreensões de Eros existentes e disseminadas historicamente
na Grécia antiga, escondem aquilo que se revelará sua verdadeira
natureza, pois que se servem de imagens e exemplos. Esses discursos são
véus e máscaras que ocultam e revelam a natureza de Eros, em um jogo
discursivo a oscilar entre o elogio e a verdade, entre mostrar e esconder a
verdade do amor. (MACEDO, 2001:18)

Segue-se, então, o discurso de cada um dos presentes: primeiramente o


discurso de Fedro, o qual apresenta Eros como o mais velho dos deuses, o que mais ama os
homens e por eles é amado. É ele que inspira o bem e impede o mal. O devotamento de
Alceste é um exemplo do que pode o amor. Fedro, a maneira dos sofistas, cita
abundantemente as máximas dos poetas antigos. A idéia fundamental em que se apóia é a
interpretação política de Eros instigador da ânsia de honra e engendrador da arete , sem a
qual não poderia subsistir nem a amizade, nem a comunidade, nem o Estado(Banquete,
178a 180b).
Segundo José Cavalcante, na introdução que faz ao Banquete de Platão, o que
caracteriza o discurso de Fedro é a sua mediocridade (p.27). Pois seu autor é antes de tudo
um livresco, que não se atreve a sair fora das citações com que procura suprir sua própria
deficiência. Não por acaso, Fedro começa seu discurso citando o poeta Hesiodo em sua
Teogonia, na qual coloca Eros como o mais antigo dos deuses, ao lado de Caos, de Geia e
do Tártaro. Caos e Eros em Hesíodo, são princípios dinâmicos substanciais; Eros na
condição de uma das divindades primordiais, implica todos os deuses e todos os homens,
porquanto é uma potência que preside à procriação por união amorosa e é força
instauradora da atração e coesão cósmicas.
Fedro erra justamente por não propor uma interpretação conseqüente e
aprofundada da narrativa hesíodica. Antes, descansa em pressupostos já consagrados e
provenientes da autoridade do poeta. Não basta a prerrogativa do poeta de guardião do ser,
para a constituição do discurso filosófico. Para Platão, é preciso argumentar, dar razão. A
força da tradição não pode suplantar o poder do logos filosófico.
No entanto, essa sua característica de mediocridade constitue uma condição
ideal para o ínicio de uma cadeia dialética de orações. Vejamos a colocação de José
CAVALCANTE (2003:27):
60

É bastante significativo que seja esse primeiro discurso, e não os


seguintes, que traça uma noção capital do elogio filosófico, isto é, do
verdadeiro elogio ao Amor, a noção de que é o Amor o responsável pelos
maiores bens dos homens, o deus (Sócrates dirá o gênio) mais importante
para a aquisição da felicidade.

Vemos assim, que o discurso de Fedro, apesar de sua nítida fraqueza


argumentativa, já vislumbra algumas idéias que serão mais a frente articuladas por
Sócrates em função da imagem que ajudam a compor do Amor. Mas até lá, sofrerá
interferências dos outros discursos, que primeiramente lhe decomporão seu esquema frágil
e a seguir lhe farão sucessivas combinações, sempre suscetíveis de novas correções, até
que se torne possível uma visão dialética do Amor.
O segundo discurso apresentado é o de Pausânias, que censura a falta de
determinação de qual Eros se deve elogiar, visto que há mais de um Eros. Pausânias, sem
abandonar o tom mitologizante do discurso de Fedro, e firmando-se na dupla natureza de
Afrodite a serviço da qual se encontra Eros, distingue o Eros Pandêmico e Eros Urânico.
Ele realiza a distinção entre um Eros vulgar e um Eros divino. Ao primeiro Eros só os
homens grosseiros prestam culto. O segundo é próprio das almas nobres. Este Eros
pretende ser uma força educadora, não só no sentido negativo de desviar os amantes das
ações vis, mas também em toda a sua essência, como força que serve o amigo e o ajuda a
expandir a sua personalidade (O Banquete178 d; 184 d-e).
Podemos perceber já desde o início, no discurso de Pausânias, uma reação
realista ao acanhado idealismo do elogio de Fedro. Fedro havia se referido de forma
discreta ao amor homossexual em seu discurso, focalizando-o sobretudo em seus efeitos
morais, e desse modo confundindo-o facilmente num conceito mais genérico. Pausânias, ao
contrário, o distingue como o tipo por excelência do amor, superior ao do homem pela
mulher. Acontece assim, um esfacelamento da unidade do Amor, o que concorre para a sua
despersonificação, que se completará no próximo discurso.
A distinção formulada por Pausânias entre as duas espécies de amor é bastante
abrangente, atribuindo ao Eros divino ou celestial a participação exclusiva no princípio
masculino e, por isso, a força, a inteligência, a antiguidade, a virtude e o amor duradouros,
resumindo, o amor pelos jovens, que não visa a procriação. É a esse amante que é belo e
honroso aquiescer. Os inspirados pelo Eros celestial buscam aquilo que tem natureza mais
forte e é mais inteligente. Ao Eros vulgar ou humano, restam a presença do feminino e,
consequentemente, a fraqueza, a falta de inteligência, a novidade e a violência de um amor
61

arranjado e propenso ao vício e à procriação. Sobressai aqui a péssima visão da mulher na


cultura grega antiga.
Pausânias ainda faz uma terceira distinção: a manifestação do Eros popular
mesmo no amor pelos rapazes. Este acontece quando o amante deseja apenas o corpo do
rapaz e não esteja preocupado com sua educação. Este está pronto a ludibriar o amado,
após obter seus favores e de outros corpos. Para Pausânias, somente o amor que conduz à
virtude é belo. Tal condição fornece um critério para julgar do mérito de três atitudes em
face de um amor assim suscetível de ser bom ou mau. O bom amor tem a pretensão
generosa de criar uma amizade duradoura e educativa.

Se a exclusiva satisfação do desejo condena o amor masculino, sua grande


justificativa é a educação, isto é, o cultivo da virtude e o melhoramento do
homem. (SOUZA, 2003:30)

Todavia, Pausânias não adianta nenhuma palavra sobre essa virtude e esse
melhoramento do homem, evidentemente por entendê-las na acepção tradicional.
Confrontando novamente o discurso de Pausânias com o de Fedro, verificamos
que enquanto esse compartilhava da visão hesíodica da natureza primária de Eros, aquele
lhe confere um lugar mais democrático, na medida em que recorre ao acervo cultural de
seu tempo para distinguir entre o Eros divino e o Eros humano. Nesse sentido, o discurso
de Pausânias é tributário da concepção grega segundo a qual a região supralunar ou
celestial é, por excelência, o lugar da perfeição, enquanto que a região sublunar ou humana
é o domínio da imperfeição, porque é o âmbito do movimento, da corrupção, do vir-a-ser.
Sendo assim podemos aceitar a colocação de MACEDO (2001:26):

A dualidade mítica entre Eros celestial e o Eros humano, em Pausânias


pode ser desdobrada na relação filosófica sensível-inteligível no diálogo
entre Sócrates e Diotima, fazendo com que o Banquete se constitua
remissivamente, quer dizer, fazendo com que não haja cortes na economia
do diálogo, o que assegura, sem dúvida, uma coerência argumentativa
notável entre seus conceitos e imagens. É o diálogo inteiro que é investido
de unidade conceitual e imagética.

A posição de Pausânias representa, portanto, uma outra importante etapa na


cadeia dialética de discursos do Banquete.
Eriximaco foi o terceiro a discursar. Ele inicia sua fala fazendo uma observação
ao discurso de Pausânias, de que este apesar de se ter lançado bem ao seu discurso não o
62

teria arrematado convenientemente. Eriximaco propõe-se a dar-lhe um remate. A seguir,


elogia a distinção que Pausânias fizera do Amor, apesar deste ter limitado o seu discurso
apenas ao âmbito humano. Para ele o Amor perfaz uma universal e eficaz potência. Como
médico que era, parte da observação da natureza, não se limitando seu horizonte visual ao
homem como fizeram os que o precederam. Isto não o impede porém, de se ater à
formulação retórica da questão e louvar Eros como um deus poderoso. Segundo ele, o
amor não exerce influência apenas nas almas, mas dá, ainda, harmonia ao corpo. O bom
médico, diz ele, deve procurar sempre essa harmonia, extirpando o vício e introduzindo o
amor. Excelente médico é aquele que consegue conciliar os contrários, o que introduz
harmonia no corpo. Eis a finalidade da Medicina. Esta, como as demais artes, inspira-se
também no amor. É na harmonia, portanto, que Eriximaco defende aquela mesma tese
refutada por Platão no Lisis: a de que o contrário deseja o seu contrário.
O que Eriximaco faz é desdobrar a tese inicial da potência universal de Eros,
presente nas almas dos homens para com os belos jovens, em muitos objetos e nos corpos
de todos os animais, e aplicá-la às demais artes. Ao estender a noção de atração amorosa,
do homem para a natureza, Eriximaco age como um típico homem de ciência, impregnado
de teorias de escolas. Desse modo, o seu discurso, apesar de ter conduzido a noção do
amor à universalidade, fá-lo à custa de alguma redução da sua natureza.
Tal atitude pode ser verificada no longo comentário que ele consagra ao
aforismo de Heráclito, discordando de si mesmo, consigo mesmo concorda . A princípio
essa máxima não prejudica sua tese da atração amorosa dos opostos, desde que esta se
refira tão somente aos fenômenos físicos e não aos fenômenos morais, pois já vimos no
Lisis, que Sócrates considera absurdo um amor entre o justo e o injusto, entre o bem e o
mal (216a-b). Desse modo o discurso de Eriximaco, apesar de ter conduzido a noção do
amor a universalidade, fá-lo à custa de alguma redução da sua natureza. Ele atribui ao
amor uma universalidade de um naturalista que não vê nele mais que os movimentos
necessários de uma lei física.
Porém, como observa MACEDO (2001:32), ao conceber o amor como potência
universal, estabelecedor de laços entre as diferentes artes, entre os homens e entre estes e
os deuses, Eriximaco prepara o caminho para o longo diálogo entre Sócrates e Diotima de
Mantinéia. No diálogo entre Sócrates e Diotima, essa potência universal revelar-se-á
como dimensão cósmica a unir homens e deuses, mortais e imortais .
63

O próximo a discursar foi Aristófanes, o comediante piedoso e conformista. O


qual começa seu discurso advertindo que sua maneira de falar será diferente. Faz de
imediato uma denúncia a insensibilidade dos homens para com o poder miraculoso de
Eros, e sua conseqüente impiedade para com um deus tão amigo. Para conhecer esse poder
ele diz que é preciso antes conhecer a história da natureza humana e, dito isto, passa a
narrar o mito da nossa unidade primitiva e posterior mutilação, mito que ocupa quase todo
o discurso. Segundo Aristófanes, havia inicialmente três gêneros de seres humanos; os
quais eram duplos em si mesmos: havia o gênero masculino masculino, o feminino
feminino e o masculino feminino, o qual era chamado de andrógeno.
Nas palavras do poeta:

É então de há tanto tempo que o amor de um pelo outro está implantado


nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa de
fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada um de nós
portanto uma téssera complementar de um homem, porque cortado como
os linguados, de um só em dois; e procura cada um o seu próprio
complemento. (O Banquete, 191d )

Assim, aqueles que foram um corte do andrógeno, tanto o homem quanto a


mulher, procuram o seu contrário. Isto explica o amor heterossexual. E aquelas que foram
o corte da mulher, o mesmo ocorrendo com aqueles que são o corte do masculino,
procurarão se unir ao seu igual. Há aqui uma explicação para o amor homossexual
feminino e masculino.
Quando estas metades se encontram, sentem a mais extraordinária emoção de
amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem mais se separarem um do outro, mas
ao contrário, se fundirem novamente num só. Esse é o nosso desejo, quando encontramos a
nossa cara metade, diz Aristófanes, unir-se e confundir-se com o amado e de dois ficarem
um só (O Banquete, 192e). O motivo disso é que em nossa natureza primitiva éramos um
todo e não partes dilaceradas. O amor para Aristófanes é portanto o desejo e a procura do
todo perdido por causa da nossa injustiça contra os deuses.
Aparece, portanto, em Aristófanes a idéia de reconciliação, sendo o amor a
procura humana da metade perdida. Nesse sentido, são apropriadas as palavras de
MACEDO (2001:34):

A natureza humana, ontologicamente dividida, seria constituída pela


busca de seu igual, que pudesse conduzi-la à completude. O amor humano
é o reflexo antropológico de uma realidade cósmica, é a reparação
64

possível daquela divisão que foi imposta como castigo ao gênero humano.
Longe de ser meramente reiterativo, o amor em Aristófanes é a
manifestação sensível e articulada da unidade que preside o cosmos e que
se manifestara no início primordial, inclusive na natureza humana.

Os temas do anelo pelo todo, pela completude e a cura da natureza humana,


pelo poder restaurador do amor, se articulam de tal modo que parecem indicar também um
desejo metafísico pelo outro.
Segundo esta interpretação o Eros nasce do anseio metafísico do homem por
uma totalidade do ser, inacessível para sempre à natureza do indivíduo. Conforme
JAEGER (2001:733):

Se pusermos este mito diante do espelho do discurso de Diotima, veremos


bem que já se entrevê de maneira vaga, através dele, a norma do bem, na
qual encontram realização plena todo verdadeiro amor humano e toda
amizade autêntica.

Alguns estudiosos vêm nesta concepção aristofanesca do amor como procura,


uma certa similitude com a concepção platônico-socrática, segundo a qual, o amor é
também uma procura. Porém a diferença entre ambas está na definição do termo dessa
procura.
Foucault vê no discurso de Aristófanes, do amor enquanto busca dos
enamorados pela metade perdida, uma semelhança com a concepção platônica da nostalgia
e da lembrança das almas pela sua pátria celeste.
Para Foucault, Aristófanes abala, através de sua narrativa mítica, o princípio
geralmente aceito na Grécia de então, de uma dissimetria de idade, de sentimento, de
comportamento entre o amante e o amado. Pois ao fazê-los surgir de um único ser,
estabelece entre eles simetria e igualdade. Será o mesmo prazer e o mesmo desejo a levar o
erasta e o erômeno um para o outro. Deste modo, Foucault diz que também o discurso de
Aristófanes não foge á questão do consentimento, apesar de parecer ir além desta questão.
Só que, segundo FOUCAULT (1984:204):

Á questão tradicional do consentimento Aristófanes dá, pois, uma


resposta direta, simples, inteiramente positiva, e que abala ao mesmo
tempo o jogo das dissimetrias que organizava as relações complexas entre
o homem e o rapaz: toda a questão do amor e da conduta a ser mantida
nada mais é então do que reencontrar a sua metade perdida.
65

Há no discurso de Aristófanes um nexo com a exposição de Sócrates-Diotima,


no sentido de que o exercício erótico-filosófico definido por estes é uma recuperação dessa
maneira de formular a idéia, segundo a qual, o amor é restauração de uma falta,
preenchimento de uma carência.
O último a elogiar o amor foi Agaton, o anfitrião do banquete. Ao contrário dos
que o precederam, Agaton não se propõe enaltecer os benefícios que o Eros faz ao homem,
mas sim principalmente pintar o próprio deus e a sua essência, passando em seguida a
descrever-lhe os dotes. O poeta procura fixar um preceito metodológico a fim de não
incorrer nos mesmos erros dos que lhe antecederam no discurso. No que Sócrates irá
concordar com ele mais a frente. O problema é que Agaton não se contenta com este
preceito e logo desliza dele para o elogio do deus, e ao invés de defini-lo por sua natureza,
o faz pelas suas qualidades. Conforme descreve Agaton, Eros é o mais feliz, o mais
formoso e o melhor de todos os deuses (Banquete 195 a). É jovem, fino e delicado. O seu
reino é o da vontade pura e livre. Possui todas as virtudes: a justiça, a prudência, a bravura
e a sabedoria. É um grande poeta e ensina os outros a sê-lo. Foi ele quem ensinou, diz
Agaton, à maioria dos mortais as suas artes. Agaton finda o discurso com um hino em
prosa aos dotes de Eros.
Após toda essa longa lista de adjetivação atribuídas a Eros, nota-se o quanto o
poeta se distancia de sua proposta inicial e de seu preceito metodológico.

O elogio de Agatão não corresponde ao que se esperava dele, mas forma o


legado com o qual Sócrates há de operar para dar continuidade ao seu
louvor ao deus, louvor que assumirá toda uma outra dimensão, pois tem
em vista a verdade. (MACEDO, 2001:44)

José Cavalcante de Souza diz que a visão desprestígiosa da critica moderna


quanto ao discurso de Agaton não condiz com a posição que o mesmo ocupa no Banquete.
Por que esse discurso precederia imediatamente o de Sócrates? Para o autor o motivo não
estaria simplesmente em uma conveniência dramática, que recomendaria louvar o anfitrião,
nem em oferecer um melhor contraste entre o discurso de Agaton e o de Sócrates.
A importância do discurso de Agaton é indicada pela sua posição. Para Souza
sua importância decorre do princípio no qual seu autor o quis fundamentar: que os
benefícios do amor derivam necessariamente do seu próprio ser, ou melhor, em termos
mais incisivos, o amor dá o que é (2003:38).
66

Por mais enganosa que seja a imagem que Agaton apresenta do amor, todavia
ela oferece mais um degrau de acesso a sua verdadeira face. Novamente citamos
MACEDO (2001:47):

Por um lado, o discurso de Agatão é o negativo do discurso de Sócrates,


mas, por outro, ele é a matéria que possibilita ao filósofo elaborar seu
ajuste de contas e, por fim, acertar o passo no elogio de Eros, alcançando
e dizendo a verdade. Essa descrição negativa é a outra face do elogio de
Eros, a partir da qual Sócrates fará derivar sua própria argumentação.

Segundo Goldschmidt ( 2002:209 ), a falha comum entre os cinco discursos


primeiros estaria no fato deles dissertarem sobre as qualidades de um objeto cuja essência
ignoram. Partidários que são dos pseudo-valores, isto é, das aparências, eles embelezam e
enaltecem o objeto, sem conhecer sua verdadeira natureza. Eles enfatizam aquilo que no
amor é secundário e acessório, deixando de apreender, talvez por lhes faltarem as
condições para tanto, a sua verdadeira essência. Eles agarram-se a máscara e ao disfarce,
não porque não queiram aceder a verdade, mas porque, para eles, o verdadeiro valor
repousa nas qualidades, nas ações e nos adjetivos.

Para Platão, eles se limitam ao elogio, mas não porque estejam fechados
totalmente no erro, na falsidade e na ignorância, e também não porque
suas opiniões e juízos sejam destituídos de qualquer importância, mas
porque suas definições vão rapidamente as qualidades e as conseqüências
benéficas da atuação de Eros na vida humana, sem deter-se e meditar no
que ele realmente é. E, porque encerrados nas qualidades e nas
conseqüências, esses longos e brilhantes discursos permanecem parciais e
incompletos, não dizendo a verdadeira essência de Eros. (MACEDO,
2001:48)

Finalmente chega a vez de Sócrates discursar. Ele dá um enfoque diverso do


modo daqueles que o antecederam nos discursos.
Embora aprove o método de Agaton, ao querer determinar a natureza do amor
antes de expor as suas obras, Sócrates rompe radicalmente com toda a maneira anterior de
tratar o tema. Ele não pretende como os demais, uma exaltação e embelezamento ainda
maior de Eros, mas antes, conhecer a verdade.

Pois eu achava, por ingenuidade, que se devia dizer a verdade sobre tudo
que está sendo elogiado, e que isso era fundamental, da própria verdade se
escolhendo as mais belas manifestações para dispô-las o mais
decentemente possível; e muito me orgulhava então, como se eu fosse
falar bem, como se soubesse a verdade em qualquer elogio. (O Banquete,
198d )
67

Essa confissão constitui mais um caso típico da ironia socrática. Com isto,
Sócrates declina da sua responsabilidade de concorrente, dando de antemão a vitória aos
seus parceiros, mas ao mesmo tempo explora essa condição deles, solicitando de sua
reconhecida competência a permissão para que ele conduzisse o debate no sentido da sua
ignorância . Assim Sócrates se isenta da maneira de elogiar dos seus convivas. Ao
mesmo tempo, ele denuncia nos primeiros discursos a despreocupação com a verdade.
Agaton faz menção em seu discurso à bondade, à beleza, à coragem, à virtude,
à sabedoria e a outros atributos do amor. Sócrates, por sua vez, desfaz tal interpretação
começando pela seguinte pergunta a Agaton: o amor é amor de nada ou de algo?
(ibidem, 199e). Ao que Agaton responde que é de algo.
Sendo o Amor, amor de algo, continua Sócrates, esse algo é por ele certamente
desejado. Mas este objeto do amor só pode ser desejado quando lhe falta e não quando
possui, pois ninguém deseja aquilo de que não precisa. O que deseja, deseja aquilo de que
é carente, sem o que não deseja, se não for carente (O Banquete, 200 a b ). Como poderia
Eros ser bom, belo, corajoso e sábio e ainda assim ser desejante se aqueles atributos
pertencessem à sua natureza e não àquilo pelo qual anseia e procura?
Portanto, o que se ama é somente aquilo que não se tem. E se alguém ama a si
mesmo, ama o que não é. O objeto do amor sempre está ausente, mas sempre é solicitado.
A verdade é algo que está sempre mais além, sempre que pensamos tê-la atingido, ela se
nos escapa entre os dedos. Essa inquietação na origem de uma procura, visando uma
paixão ou um saber, faz do amor um filósofo. Sendo o Amor, amor daquilo que falta,
forçosamente não é belo nem bom, visto que necessariamente o Amor é amor do belo e do
bom. Mas por não ser nem belo nem bom o amor, não quer isso dizer que seja feio ou mau,
conforme diz Diotima: assim também o amor, porque tu mesmo admite que não é bom
nem belo, nem por isso vás imaginar que ele deve ser feio e mau, mas sim algo que está,
dizia ela, entre esses dois extremos (O Banquete, 202b).
Eros, portanto , não é um deus, conforme os elogios dos outros convivas do
banquete fazia transparecer. Eros é um intermediário entre o divino e o humano. Sendo
assim, ele tem a função de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos
homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e
as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos, ele os completa, de modo
que o todo fica ligado todo ele a si mesmo.
68

Do mesmo modo, com relação ao conhecimento. O Amor está entre a sabedoria


e a ignorância. Deste modo, é forçoso que o Amor seja filósofo. E a causa dessa sua
condição é, como diz Diotima, a sua origem: pois é filho de um pai sábio e rico e de uma
mãe que não é sabia e pobre.
Quando nasceu Afrodite, todos os deuses foram convidados para o festim,
dentre os quais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Escondida do lado de
fora, estava Pobreza, que não fora convidada para a festa. Esta, depois que acabaram de
jantar, veio para esmolar do festim, e ficou pela porta. Vendo, deitado e adormecido no
meio do jardim de Zeus, Recurso, desejou um filho dele. Deitou-se ao seu lado e concebeu
Eros. Eis porque Eros se torna companheiro e servo de Afrodite, a deusa do amor. Eis a
condição, portanto, de Eros:

Ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria
imagina, mas é duro,seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem
forro, deitando-se ao desabrigo, as portas e nos caminhos, porque tem a
natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai,
porém, ele é insidioso com o que é belo e bom e corajoso, decidido e
enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de
sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago,
feiticeiro, sofista; e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo
dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo
ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa,
de modo que nem empobrece o amor nem enriquece, assim como também
está no meio da sabedoria e da ignorância. (O Banquete, 203 b-e)

Eros, portanto, não é um deus - não é belo nem bom; nem é um mortal - não é
feio nem mau. Nem imortal nem mortal, Eros é um daímon, isto é, intermediário entre
deuses e homens, criador de laços entre eles. Eros está entre a sabedoria e a ignorância(O
Banquete, 203e). Eros é, portanto, aquele que é capaz de conduzir o homem do mundo das
sombras ao mundo da luz, conforme o mito da caverna. Ou seja, ele é que impulsiona o
homem do mundo sensível ao mundo inteligível. Ninguém que já sabe filosofa, assim
como nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio, pois já é. Nem tampouco os ignorantes
filosofam ou desejam a sabedoria, pois não deseja nada quem não imagina ser deficiente
naquilo que não pensa lhe ser necessário (O Banquete 204a).
Se não são os sábios, nem os ignorantes os aptos a filosofar, quem são? O que
está entre os dois extremos _ O Amor. É da natureza, portanto, do amor ser filósofo, isto é,
estar entre a sabedoria e a ignorância, diz Platão (O Banquete, 204b).
69

Eros impulsiona a filosofar, é o impulso vital que sustenta a busca de


auto-superação, que é simultaneamente dialética, e se opera na e entre as
psychai. Isto equivale a uma aproximação do humano em relação ao
divino. (SARDI, 1995:30)

É Eros que possibilita o diálogo entre o humano e o divino, o que equivale a


dizer que possibilita a relação entre o devir e a idéia. É Eros que faz o divino habitar entre
nós.
O discurso de Sócrates-Diotima, ao mesmo tempo que aponta o caminho
correto do amor, liberta os seus interlocutores do banquete das opiniões parciais e
equivocadas de Eros. Os interlocutores de Sócrates se limitavam a oferecer imagens-
opiniões de Eros, identificando assim seu impulso e sua ação ao corpo e ao sensível. Estão
em jogo aqui, não apenas duas concepções de amor, mas também duas concepções de
saber e de conhecimento. Trata-se ainda de uma competição entre filosofia e poesia. De um
lado, a filosofia com seus recursos argumentativos e discursos abstratos; de outro, a poesia,
com suas imagens concretas. Duas formas de conhecimento que aparentemente se opõem,
mas que Platão tenta, de alguma maneira, conciliar no Banquete. Não é por acaso que os
discursos de Aristófanes e de Agaton servem como transição e preparação ao diálogo
Sócrates-Diotima.

O que Platão oferece é uma teoria do amor que se expressa em discurso


autofundante da experiência amorosa, discurso e experiência que têm em
vista alcançar a verdade e o belo. Através do entendimento de Eros como
um intermediário, Platão vincula a natureza indigente do ser humano ao
mundo dos deuses, em uma operação simultaneamente dialética e mística.
(MACEDO, 2001: 61)

Eis aí o mistério da filosofia: ela é inteligência e amor, exercício e inclinação


ao saber. Eros como intermediário entre os homens e os deuses, impulsiona a alma para a
região celeste, região das realidades absolutas e imutáveis, na reconquista da plenitude do
ser e da verdade. Assim, a filosofia, esse amor à sabedoria, ao mesmo tempo insaciável
amor ao belo, é acompanhada de esforço erótico. Há no Banquete um entrelaçamento entre
Eros e logos, que se encontram estreitamente ligados por um mesmo movimento de busca.
A relação entre Eros e logos é uma relação constitutiva e interna: Eros e logos
não são exteriores um ao outro. Eros e logos formam, segundo o pensamento exposto
70

exemplarmente no Banquete, um par indissoluvelmente ligado: um é a condição de


existência do outro.
Platão deixa entrever também no Banquete, que é em termos relacionais que
Eros deve ser pensado, não em termos absolutos. Não se deve compreender o amor como
absoluto, mas como relativo, pois é amor de alguma coisa.
O amor estabelece relação entre quem ama e aquele que é amado, assim como
a opinião certa medeia à sabedoria e a ignorância. Conforme expressa MACEDO (2001:
80):

Trata-se de um jogo cruzado em que tanto se dissolve a assimetria entre


homem e rapaz quanto se estabelece uma homologia entre opinar certo e o
amor, ambos intermediários, ambos no justo meio entre o excesso e a
falta.

Eros é princípio fundamental para compreensão do pensamento platônico, não


somente no Banquete, como o seu pensamento em geral, pois o desejo e a inteligência não
são dois termos exteriores um ao outro. O amor constitui o próprio movimento da
inteligência, ou seja, Eros é inerente à inteligência humana. Longe, portanto, de encerrar-se
num intelectualismo estéril e abstrato, o amor em Platão é o que confere sentido à
existência humana, esta muita das vezes fragmentada, múltipla e desagregada. Eros junta o
que estava disperso e desordenado.
Vemos assim que ao tratar do amor, Platão dá um enfoque totalmente diverso
do que a tradição havia dado: ele conduz a questão de Eros do elogio a verdade.
Foucault em uma análise que faz do amor platônico, diz que Platão coloca a
questão sobre o amor totalmente em outro termo. Diz o autor:

não se tratará mais, para saber o que é o verdadeiro amor, de responder à


questão: quem convém amar e em que condições o amor pode ser honroso
tanto para o amado como para o amante? Ou, pelo menos, todas essas
questões se encontrarão subordinadas a uma outra, primeira e
fundamental: o que é o amor em seu ser mesmo?(1984: 204)

Trata-se, portanto, agora, não mais de dedicar discursos de louvor ou crítica


para demarcação do bom ou mau amor; ou delimitação do que convém ou não fazer. Mas
sim de saber o que é amar. Onde estaria principalmente a diferença entre o discurso de
Sócrates e Diotima para com os elogios ou crítica ao amor que lhe precederam? Segundo
Foucault, a diferença não estaria onde pensamos estar: em que os discursos de Sócrates e
Diotima seriam mais rigorosos ou mais austeros. A diferença estaria no fato deles não
71

colocarem o problema como os outros; eles operam certo número de transformações e


deslocamentos essenciais em relação ao jogo de questões tradicionais nos debates sobre o
amor (id. p. 206). Os outros, em seus discursos, já partem do pressuposto do amor.
Sócrates, por sua vez, diz Foucault, interroga o próprio ser, a natureza e a
origem desse amor. Interrogação ontológica e não mais questão de deontologia.
Não se trata mais, a partir de Platão, de saber do valor do amor, mas sim o que
ele é em si. Segundo Foucault, colocar assim a questão implica em deslocar o próprio
objeto do discurso. É preciso, portanto, voltar do elemento amado àquele que ama (to eron)
e interrogá-lo nele mesmo (id. p. 207). Esse deslocamento comporta um risco, escreve
Foucault (1984: 207-208):
O discurso sobre o amor deverá enfrentar o risco de não mais ser um
elogio (na forma mesclada e confusa do louvor dirigido simultaneamente
ao amor e ao amado); ele terá que dizer - como no Banquete a natureza
intermediaria do amor, a falha que o marca (posto que ele não esta na
posse das belas coisas que deseja), a parentela de miséria e de manha, de
ignorância e de saber no qual ele se origina;

Porém, não é apenas esse o risco que comporta (Id. p. 208):

Ele terá também que dizer como no Fedro de que maneira se misturam
nele mesmo o esquecimento e a lembrança do espetáculo supra celeste, e
o que é o longo caminho de sofrimento que o levará finalmente até seu
objeto.

Enquanto no debate tradicional o questionamento partia do lado do próprio


objeto do amor, Foucault nos faz ver que no questionamento platônico a determinação do
objeto se dá pela consideração sobre o que é o próprio amor.
E Sócrates faz isto através de uma personagem desconhecida: Diotima de
Mantinéia, segundo a qual, como já referimos anteriormente, apresenta Eros como um
daimon, isto é, intermediário entre o belo e o feio, o mortal e o imortal, a ignorância e a
sabedoria. É apoiado nesta posição intermediária que Sócrates lança a ponte entre o Eros e
a filosofia. Só o filósofo deseja conhecer, pois sabe que não conhece e sente necessidade
de conhecer. O filósofo ocupa um lugar intermediário entre a sabedoria e a ignorância, mas
sempre buscando adquirir sabedoria e maior riqueza de saber. Na República (475 c) Platão
diz que o filósofo é aquele que deseja sempre aprender e nunca se cansa, e que é desde a
juventude amante da verdade (Id. 485 d). É justamente este amor pelo verdadeiro, que Eros
busca gerar no pensamento, conforme Diotima mostra a Sócrates. Eros é, portanto, relação
72

com a verdade. Mas se Eros é relação com a verdade, pensa Foucault (1984: 210), os dois
amantes só poderiam se unir com a condição de que também o amado fosse levado ao
verdadeiro pela força do mesmo Eros.
Pois, na erótica platônica, o amado deve ser também sujeito e não apenas objeto
nessa relação de amor. A verdade introduz a simetria. A relação com a verdade é relação
que converge para o mesmo (WOLF, 1992:154). Transpondo isto para a relação mestre-
discípulo, o discípulo não é visto aqui como mero receptáculo do saber do mestre, porém,
como sujeito ativo na busca pelo objeto comum dos seus desejos, que é a verdade.
A partir do momento que Eros se dirige para a verdade, quem poderá guiar o
outro e ajudá-lo a não se degradar em todos os prazeres baixos, é aquele que está mais
adiantado no caminho do amor, aquele que está mais enamorado da verdade. O mestre de
verdade, portanto, será aquele que é o mais sábio em amor. O mestre ocupa agora, nesta
relação de amor com a verdade, o lugar do enamorado, modificando assim, o sentido do
jogo: o mestre passa a ser para todos os jovens ávidos de verdade, objeto de amor.
Podemos verificar tal inversão de papéis nas últimas páginas do Banquete onde
Platão descreve as relações que Sócrates mantêm não só com Alcibíades como também
com Carmide, com Eutidemo, e ainda com muitos outros. Aqui são os jovens rapazes que
se encontram enamorados de Sócrates: eles seguem suas pegadas, procuram seduzi-lo,
querem que ele conceda seus favores, isto é, que lhes comunique o tesouro de sua
sabedoria. Daí para frente é a sabedoria do mestre, e não mais a honra do rapaz, que marca,
ao mesmo tempo, o objeto do verdadeiro amor, e o princípio que impede de ceder.
Sócrates introduz aqui um novo tipo de dominação no jogo amoroso onde se
enfrentavam diversas dominações, a do amante buscando apoderar-se do amado, a do
amado procurando escapar. Esta é exercida agora pelo mestre de verdade. Deste modo,
Platão inverte o papel do jovem amado, fazendo dele um enamorado do mestre de verdade.
Aquelas dissimetrias, defasagens, resistências e fugas que organizavam as relações sempre
difíceis entre o amante e o amado, não têm mais aqui razão de ser. Elas se desenvolvem
agora de acordo com um movimento totalmente outro, tomando outra forma, e impondo
um jogo diferente: o de uma rota onde o mestre de verdade ensina ao rapaz o que é a
sabedoria (FOUCAULT, 1984: 212).
Verifica-se deste modo, que Platão introduz como questão fundamental na
relação de amor a questão da verdade. E sob uma forma inteiramente outra do que aquela
do logos, na qual era preciso submeter os próprios apetites no uso dos prazeres. A reflexão
73

platônica gravitará, assim, em torno do sujeito e da verdade de que é capaz e não mais em
torno do objeto do amor e do estatuto a lhe ser dado.
Deste modo, acrescenta FOUCAULT (1984:210) :
a dialética do amor exige aqui nos dois amantes dois movimentos
exatamente semelhantes; o amor é o mesmo, posto que é tanto para um
como para o outro, o movimento que os arrebata para a verdade.

Platão inaugurou um novo dispositivo de racionalidade. Quando se ama, agora,


não se trata mais de exercer o poder, de demonstrar a força, trata-se de saber. Trata-se da
verdade. Esta irrupção da vontade de verdade , comenta WOLF (1992), abalou o antigo
sistema ético, e a nova ética, a do Eros e também a do logos, se reorganiza em torno desta
questão da verdade. O amor, tanto quanto o discurso, serão submetidos, doravante, a um
novo estilo de coação e ascese, o da verdade. Não se trata mais de arte, mas de episteme, de
conhecimento. Platão inaugurou aqui, diz WOLF (1992:198),
não só um novo sistema de pensamento, mas, uma racionalidade de longa
duração, aquela na qual já podemos reconhecer nossa moderna ciência do
amor, nossa própria ordem do discurso, atravessada pela nossa própria
vontade de verdade.

A coação à verdade se exerce pela e numa relação com outrem. O acesso à


verdade só é possível por meio de uma dialética e na prática dual do discurso, herança da
agonística. A dialética platônica se dá como técnica ascética de acesso à verdade.
Enquanto que antes a arte do dizer partia do que é o destinatário para dele
deduzir o discurso que a ele deva dirigir-se, a dialética platônica parte do que é
substantivamente o logos. Deste modo o verdadeiro discurso não é senão o discurso do que
é enquanto é, independente de quem fala e a quem se fala. O verdadeiro discurso é,
portanto, o discurso da verdade.
Desde que a dialética é relação com a verdade, pensa WOLF (id. p. 154), os
dois interlocutores do diálogo são levados por um movimento convergente e em direção ao
verdadeiro. Platão substitui assim à antiga prática do diálogo agonístico, no qual os
adversários impeliam ao máximo a contradição por sustentarem teses opostas, a
convergência à verdade. Ainda que os dois dialogantes tenham papéis distintos, o amante e
o amado, o que se busca é a convergência com o outro.
A um Eros que se realiza pelo corpo enquanto sexualidade Platão substitui-
o por um que se realiza pelo discurso: a filosofia, a busca conjunta da verdade. A filosofia
é a realização de Eros, através do discurso. Eros reside no diálogo. Buber concorda com
Platão quando diz que o amor se realiza na relação Eu Tu . E relação para Buber é
74

reciprocidade: O Eu atua sobre o Tu assim como o Tu atua sobre o Eu. Nossos alunos nos
formam, nossas obras nos edificam (1974:18).
Platão introduz pela primeira vez a questão da verdade como uma dimensão
essencial da relação amorosa. O verdadeiro amor, segundo ele, é o amor do verdadeiro. Por
Eros habitar no diálogo, que é o discurso alimentador da alma, há um vínculo muito forte
entre amor e comunicação em Platão. Trata-se aqui de uma certa comunicação, onde o
outro é uma ponte para nossa interioridade e vice-versa. É a alteridade do outro o que me
impele não só ao discurso, mas também a dizer algo novo, diferente, numa busca de
aproximação da verdade (SARDI, 1995: 30).
Essa busca associada da verdade é, simultaneamente, um mostrar-se ao outro,
de tal modo que a presença do outro, tornada viva na interação dialógica, que é ao
mesmo tempo dialética, é repotencializaçao recíproca de Eros.
Deste modo, não é a outra metade de si mesmo que o indivíduo busca no outro,
conforme pensava Aristófanes; o que buscam é o verdadeiro com o qual sua alma é
aparentada. Essa relação da alma com a verdade, diz FOUCAULT (1984:82), é ao mesmo
tempo o que fundamenta Eros em seu movimento, força e intensidade e o que, ajudando-o
a desenredar-se de qualquer gozo físico, permite-lhe tornar-se o verdadeiro amor.
Platão diz no Fedro (1996:153), que a razão que atrai as almas para o céu da
verdade é porque somente aí poderiam elas encontrar o alimento capaz de nutri-las e de
desenvolver-lhes as asas, aquele que conduz a alma para longe das baixas paixões.
Por ter contemplado anteriormente a verdade, a alma ao perceber o seu reflexo
nos objetos deste mundo, é tomada pelo delírio de amor, e colocada fora de si e não se
possui mais. Eros é, pois, o impulso que conduz a alma à posse da verdade. Porém este
delírio deverá ser purificado, no sentido de desligar-se de uma busca do puro prazer
sensual para que possa, a partir da contemplação da beleza dos corpos, passando pela
beleza das almas, atingir a beleza em si, ou seja, o inteligível. Deste modo, são apropriadas
as palavras de MAIRE (1986:38), quando diz que o amor em Platão, revela-se como um
autêntico método de conhecimento, que não se sobrepõe ao método puramente racional ou
intelectual, mas que o inspira e sustem no seu impulso e nos seus esforços.
A construção do conhecimento constitui, assim, no platonismo, uma conjugação
de intelecto e emoção, de razão e vontade. A episteme é fruto de inteligência e de amor.
O amor será, portanto, um elemento fundamental na paidéia platônica. Jaeger
diz que a idéia central do Banquete é justamente a união do Eros e da paidéia .
75

CAPÍTULO III

A PAIDÉIA PLATÔNICA

Segundo os historiadores, a Grécia teria passado por importantes


transformações a partir do século XII a.C. Do século XII aos princípios do século VIII a.C
acontece uma mudança na mentalidade e nas estruturas políticas, onde verificamos a
transferência do centro da cidade da Acrópole para a Agorá, que primeiramente foi uma
praça pública e só mais tarde passou a ser um mercado. É por volta desse período histórico
que surge a Polis grega. A palavra polis pode ser traduzida tanto por Estado como por
cidade. Do conceito de polis derivam as palavras política e político , que ainda se
mantêm presentes entre nós e lembram-nos que foi com a polis grega que apareceu pela
primeira vez, o que nós denominamos Estado.
O político e o geográfico se associavam de tal modo que, na linguagem grega,
polis designava ao mesmo tempo, tanto o lugar da cidade quanto a população submetida à
mesma soberania. Assim, um grego antigo pensava a si mesmo antes de tudo como um
cidadão.
Conforme Jaeger, a polis é o centro principal a partir da qual se organiza
historicamente o período mais importante da evolução grega. Só nela se pode encontrar
aquilo que abrange todas as esferas da vida espiritual e humana e determina de modo
decisivo a sua estrutura. Por isso, descrever a polis, a partir do conceito de cidade grega, é
descrever a totalidade da vida dos gregos. Ela é o marco social da história da formação
grega. Nas palavras do autor: é na estrutura social da vida da polis que a cultura grega
atinge pela primeira vez a forma clássica (2001:106). A polis representa para os gregos, um
princípio novo, uma forma mais firme e mais acabada da vida social.
Para VERNANT (2004:53), o nascimento da polis foi um acontecimento
decisivo que marcou um começo na civilização grega. Ela provocou grandes alterações na
vida social e nas relações entre os homens.
A polis é uma criação da cultura grega que não encontra similar em nenhuma
outra cultura na Antiguidade. Em sua originalidade se encontram os elementos
constitutivos de uma nova mentalidade, de uma nova maneira de o homem organizar a vida
76

social. Organizada de modo autônomo uma em relação à outra, a polis era uma cidade-
estado com constituição e regime de governos próprios.
Os habitantes da polis passam a se encontrar na Agora a fim de discutirem
vários problemas, sobretudo os de caráter político. A praça (agora) torna-se assim, o
espaço público da disputa política entre iguais. Isto significa que ao ideal de valor de
sangue, restrito a grupos privilegiados em função do nascimento ou fortuna, se sobrepõe a
justa distribuição dos direitos dos cidadãos enquanto representantes dos interesses da
cidade. A cidade está agora centralizada na Agora, espaço comum, aberto, contrário a
qualquer círculo fechado de decisão de poder.
A palavra adquire na polis grega um papel preeminente, de acordo com
Vernant. A palavra perde ali seu caráter místico-religioso, cuja força era atestada na
relação com o sobrenatural, e se torna um elemento político nas relações de poder. A
palavra é persuasiva, tendo o seu poder de convencimento ligado a oratória, à ordem do
discurso como linguagem que se organiza à luz da razão demonstrativa. A palavra ganha
importância tal, na polis grega, a ponto de tornar-se, segundo VERNANT (2004:53), a
chave de toda autoridade no Estado .
A polis se faz, assim, pela autonomia da palavra humana do conflito, da
discussão, da argumentação, e não mais pela palavra mágica dos mitos, palavra dada pelos
deuses. O saber deixa de ser sagrado e passa a ser objeto de discussão. A expressão da
individualidade por meio do debate faz nascer a política, libertando o homem dos
exclusivos desígnios divinos, e permitindo a ele tecer seu destino na Agora. Sendo assim, o
cidadão da polis participa dos destinos da cidade por meio do uso da palavra em praça
pública.
Esse contexto propicia o nascimento da filosofia, na expressão de CHAUÍ
(2002:44):

A filosofia nasce, portanto, no contexto da polis e da existência de um


discurso (logos) público, dialogal, compartilhado, decisional, feito na
troca de opiniões e na capacidade para encontrar e desenvolver
argumentos que persuadam os outros e os façam aceitar como válida e
correta a opinião emitida, ou rejeitá-la se houver fraqueza dos
argumentos.

Outra característica da polis é o caráter público da vida social. Ao longo de sua


história, os gregos conseguiram estabelecer uma nítida distinção entre o público e o
privado, dando maior importância ao caráter público da vida em sociedade. O público diz
77

respeito a tudo aquilo que se refere à vida do cidadão na sua realização, e o privado se
refere às questões do homem empírico individual no trato com questões privadas, como
negócios e administração do seu lar.

O surgimento da cidade-estado significa que o homem recebera, além de


sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o seu biospolitikos. Agora
cada cidadão pertence a duas ordens de existência; e há uma grande
diferença em sua vida entre aquilo que lhe é próprio (idion) e o que é
comum (Koinon). (ARENDT, Hannah, 2003:33)

Essa distinção entre as esferas pública e privada corresponde à existência das


esferas da família e da política como entidades diferentes e separadas. Para Hannah
Arendt, é historicamente provável que o surgimento da polis e da esfera pública tenha
acontecido às custas da esfera privada da família e do lar. Contudo, ressalta, que a antiga
santidade do lar jamais foi totalmente esquecida. O que impediu que a polis violasse as
vidas privadas dos seus cidadãos. Isto não significa que a polis tivesse respeito pela
propriedade privada tal como a concebemos hoje, mas sim pelo fato de que, nas palavras
da autora, sem ser dono de sua casa, o homem não podia participar dos negócios do
mundo porque não tinha nele lugar algum que lhe pertencesse (2003:39).
Ainda a partir de ARENDT (2003), o que distinguia a esfera familiar da esfera
pública era o caráter de necessidade reinante sobre todas as atividades do lar. Nele os
homens viviam juntos por serem a isso compelidos por suas necessidades e carências.
Enquanto que a esfera da polis era a esfera da liberdade. A diferença entre a polis e a
família está no fato daquela conhecer somente iguais , enquanto esta era o centro da mais
severa desigualdade.
No âmbito familiar não existia liberdade, porque, no dizer da autora:

O chefe da família, seu dominante, só era considerado livre na medida em


que tinha a faculdade de deixar o lar e ingressar na esfera política, onde
todos eram iguais. (2003:42)

Não se trata aqui da igualdade tal como a entendemos atualmente. Antes


significa viver entre pares e lidar somente com eles, onde era pressuposto a existência de
desigualdades . Na modernidade, a igualdade está relacionada com a justiça, enquanto
que na polis grega antiga, era a própria essência da liberdade. Igualdade e liberdade eram
os pressupostos básicos dessa estrutura social grega.
78

Mais importante, no entanto, é o lar comum, o lar de todos os cidadãos, a polis.


É aí que o caráter público da comunidade espiritual prevalece como em nenhum outro
momento da história. O político, o homem da polis, é o homem público por excelência, que
se interessa pelo destino da cidade e de seus habitantes.
A philia era outra característica fundamental da polis grega. Philia é traduzido
por amizade, sentimento de reciprocidade entre os iguais. O verbo correspondente é phileo,
que significa: sentir amizade por alguém, tratar como amigo, relacionar-se de igual para
igual. A unidade da polis só é possível porque há entre seus membros um senso de
igualdade, por mais que haja diferenças entre eles. A relação entre os cidadãos da polis é
de reciprocidade e reversibilidade. Podemos assim dizer que as cidades-estados gregas
contribuíram para a formação de uma sociedade de amigos ou de iguais. Mas também
promoveram entre elas e em cada uma, relações de rivalidade: a rivalidade dos homens
livres, o agon. É próprio da amizade conciliar a integridade da essência e a rivalidade dos
pretendentes . (DELEUZE e GUATTARI, 1992:12)
Sobre a importância dada à philia na polis grega basta ver a extensão da
reflexão aristotélica em torno dela em sua Ética a Nicômaco. Aristóteles trata da amizade
nesta obra em dois capítulos: o livro VIII e o livro IX. O mais eminente discípulo de Platão
começa dizendo que a amizade é uma virtude, arete, e que ela é sumamente necessária à
vida: Porque sem amigos ninguém escolheria viver, ainda que possuísse todos os bens
(1987:139).
Se referindo a relação da philia com a polis, Aristóteles se expressa deste modo:

A amizade também parece manter unidos os Estados, e dir-se-ia que os


legisladores têm mais amor à amizade do que à justiça, pois aquilo a que
visam acima de tudo é à unanimidade, que tem pontos de semelhança com
a amizade; e repelem o faccionismo como se fosse o seu maior inimigo.
(1987:139)

Os amigos não necessitam de justiça, ao passo que os justos necessitam da


amizade. A amizade seria assim a garantia de unidade da polis.
Vemos assim, que a polis era o horizonte de realização do homem grego. Mais
que produto de uma cultura ela é fonte de uma nova maneira de ser do homem. Tratou-se
de uma mudança radical dos fundamentos da maneira do homem entender a si e ao mundo.
É na polis e por ela que a paidéia é pensada. Tratava-se de substituir a educação
79

tradicional, religiosa, aristocrática e conservadora, pela nova educação, pela nova paidéia,
racionalista e democrática, acessível a todos os homens livres.
A partir de então, a arete, a virtude política, não dependeria mais da tradição, da
família, do sangue, mas de uma nova pedagogia, cujo pressuposto é a igualdade de todos
os cidadãos da polis. Mas não só a igualdade, como também a liberdade, pois, na polis
democrática, reina a mais completa liberdade e todos os cidadãos têm os mesmos direitos
de exprimir publicamente seu pensamento, criticar as autoridades e participar dos debates
de que dependiam as decisões políticas. Compreende-se assim, que, na polis democrática, a
liberdade de palavra, o direito de falar torne a oratória, a eloqüência, a retórica,
indispensáveis. Cedo se faz sentir a necessidade de uma nova educação capaz de
satisfazer os ideais do homem da polis . (JAEGER, 2001:336)
Essa nova paidéia tinha como finalidade, diz o autor, a superação dos
privilégios da educação antiga, para a qual, só os que tinham sangue divino é que poderiam
alcançar a Arete. Este objetivo só poderia ser alcançado através da formação consciente do
espírito.

Foi das necessidades mais profundas da vida do Estado que nasceu a idéia
da educação, a qual reconheceu no saber a nova e poderosa força
espiritual daquele tempo para a formação de homens, e a pôs a serviço
dessa tarefa. (JAEGER, 2001:337)

É em meio a este contexto histórico-político-cultural que surgem os sofistas, os


quais proporam resolver o problema da formação do homem político. Esse era um
problema que em seu tempo exigia solução urgente. Eles concentraram seus esforços
justamente na reflexão sobre o homem, especialmente sobre o homem enquanto um ser que
age e participa da vida da polis. Os sofistas representavam uma reação diante da educação
tradicional baseada na música, na rítmica e na ginástica.
A paidéia era a educação como formação cultural completa cuja finalidade era
a realização, em cada um, da arete, a excelência das qualidades físicas e psíquicas. A
Grécia aristocrática, dos aristoi, instituíra uma paidéia conforme os valores da nobreza.
Ser um ariston era possuir um corpo perfeito e ter a coragem como virtude suprema. A
paidéia aristocrática visava à formação do Kalós Kagathós, isto é, o guerreiro belo e bom.
Esse ideal educativo pressupunha a existência de escravos os quais deviam se encarregar
dos trabalhos manuais, considerados inferiores e deformadores do corpo, portanto,
impróprios para aqueles que almejavam a perfeição do corpo e da alma. O guerreiro belo e
80

bom devia ser ocioso sem preocupações com a subsistência. Belo de corpo e alma e bom
de corpo e alma, o jovem guerreiro merecia pertencer à nobre estirpe dos aristoi,
descendentes dos deuses (CHAUÍ, 2002:157).
Ora, para o cidadão da polis democrática a arete aristocrática já não fazia
sentido, era inaceitável. Era necessário uma nova paidéia com uma nova arete: a formação
do cidadão para a direção da polis. A excelência almejada não é mais a coragem do jovem
guerreiro em busca da bela morte , mas é a virtude cívica a qual propicia a participação
do cidadão nas atividades políticas.
Nas palavras de MARROU (1990:83):

Os sofistas põem seu ensino a serviço deste novo ideal da arete política:
equipar o espírito do cidadão para a carreira de homem de Estado, formar
a personalidade do futuro dirigente da cidade tal é o programa que eles
concebem.

Os sofistas aparecem, assim, atendendo às necessidades de uma nova educação,


destinada, não mais à formação de soldados e guerreiros, mas à formação do cidadão , do
homem da polis. Não se trata, portanto, de formar o profissional, o técnico, o especialista,
mas o cidadão, o homem no que tem de propriamente humano, o zoon politikon.
A formação do zoon politikon, requer a educação da loquência, da razão,
enquanto pensamento e palavra, pois o homem é o animal que fala. Dominar a palavra é
poder dominar os outros por meio da palavra.
Assim, a arte da fala sagaz, era tudo o que um jovem ambicioso precisava
aprender. Era a arte do senhor, pois o homem com a capacidade da persuasão tinha sob seu
poder todos os outros peritos.
A retórica ou a arte do logos, era o assunto que os sofistas praticavam e
ensinavam em comum. A retórica não desempenhava ali, lembra Guthrie, o mesmo papel
que desempenha em nossas vidas. Hoje em dia a expressão homem de sucesso está mais
ligada ao mundo dos negócios do que ao da política. Na Grécia, o sucesso que contava era
primeiramente o político e em seguida o forense, cuja arma era a retórica, a arte da
persuasão. Deste modo, podemos dizer que a retórica ocupava ali o mesmo lugar agora
ocupado pela propaganda. Assim como temos nossas escolas de negócios e escolas de
propaganda, assim também os gregos tinham seus mestres de política e retórica: os
sofistas (GUTHRIE, 1995:51).
81

Os sofistas ensinavam a retórica como arte de persuasão oferecendo os


logoi, ou seja, as razões ou os argumentos e definições de uma coisa, tomando como base
não o que a coisa é em si mesma, mas tal como ela nos parece e aparece. Sendo assim, a
retórica parte de nossas opiniões sobre as coisas e nos ensina a persuadir os outros de que
nossa opinião é a melhor. A arte da retórica era também conhecida como a arte dos
logoi .
O que importa para a retórica não é o fato em si, mas tal como ele aparece e
parece aos homens, aquilo de que podem ser persuadidos. Deste modo, ela não é só
discurso e argumentação, mas também crença e aparência enquanto opostas a fato. Assim ,
a retórica é a arte por excelência da polis democrática em contraposição a força que é
própria da tirania. Persuasão é melhor que força.

O ser político, o viver numa polis, significava que tudo era decidido
mediante palavras e persuasão, e não através de força e violência. Para os
gregos, forçar alguém mediante violência, ordenar ao invés de persuadir
eram modos pré-políticos de lidar com as pessoas, típicos de vida fora da
polis, característicos do lar e da vida em família; na qual o chefe de casa
imperava com poderes incontestes e despóticos, ou da vida nos impérios
bárbaros da Ásia, cujo despotismo era frequentemente comparado à
organização doméstica. (ARENDT, 2003:35-36)

Aristóteles dirá mais tarde com acerto, que o nascimento da retórica em


Siracusa, coincidiu com a expulsão dos tiranos e o estabelecimento da democracia. A
retórica não poderia, portanto, ter florescido sob a tirania.
Os tiranos representavam uma fase de transição entre o domínio da nobreza e o
Estado democrático. O tirano procurava reunir em suas mãos, tanto quanto possível, todos
os poderes. Para isso, apoiava-se numa força militar eficiente, apesar de não ser muito
numerosa. A tirania é a imposição da opinião de um só. A retórica pressupõe o direito de
todos à opinião.
A democracia é o regime em que todos os cidadãos têm a possibilidade de
participar do poder por meio da Eklesia (assembléia popular). Assim, uma das primeiras
medidas dos tiranos é suprimir a assembléia. A tirania sujeita cada um a ser apenas si
mesmo e, portanto, a se acantonar no que se fez dele. A vida política democrática oferece,
pelo contrário, a possibilidade de maturação das opiniões.
No entanto, se se pode reconhecer que a prática da discussão coletiva é
necessária à vida política, não podemos pretender que ela seja, por si mesma, garantia
suficiente contra toda forma de despotismo e de corrupção. Isto porque a ecklesia não é
82

somente o lugar onde cada um escuta e fala por sua vez; é lugar onde falam os oradores
profissionais, mas também os demagogos. A possível tirania dos demagogos testemunha
que uma democracia que só repousa sobre o poder da palavra pode cessar de ser
constitucional (VERGNIERES, S. 1998:262).
A retórica pode ser um bem para a pólis, mas se esse bem for utilizado por um
orador inescrupuloso, ela se torna um instrumento de corrupção.
Para Platão, crítico contumaz dos mestres de retórica, os sofistas, a retórica não
passa de pura adulação e adulteração do verdadeiro. A retórica, segundo o filósofo,
pretende persuadir e convencer a todos sobre tudo sem dispor do verdadeiro conhecimento.
E, assim como a arte cria apenas fantasmas, a retórica cria persuasões infundadas e crenças
ilusórias. O retórico é aquele que sabe jogar com os sentimentos e as paixões dos homens.
Para Platão, portanto, o retórico situa-se longe do verdadeiro tanto quanto o artista.
Se referindo à retórica no Fedro, Platão diz o seguinte:

Quem quer ser bom orador não tem necessidade de conhecer a verdade a
respeito do que é bom e justo das ações que os homens praticam, quer por
natureza quer por educação. Nos tribunais, portanto, ninguém se preocupa
com o conhecimento da verdade, mas só se cuida de saber o que é
verossímil. (1996:176).

O Fedro é composto de duas partes as quais, segundo JAEGER (2001),


dedicam-se em igual medida ao problema da retórica, no qual reside de fato a unidade do
diálogo. A primeira parte chamada de erótica, começa com a leitura e a crítica de um
discurso de Lisias, o dirigente da mais influente escola de retórica de Atenas. Platão
confronta este discurso com dois discursos de Sócrates sobre o mesmo tema, o valor do
Eros, para provar se se pode tratar melhor do que Lisias o tema do Eros, partindo de suas
falsas premissas, ou como deve-se expor esta questão quando se sabe o que ela é. A
finalidade, portanto, do Fedro não estaria em tratar do problema do Eros e sim do
problema retórico.
Lima Vaz vai além e diz que o Fedro tem por intenção, uma serena exortação
à filosofia em contraposição às formas dominantes da cultura literária vigente na Grécia,
sobretudo à retórica sofística. O filósofo apresenta-se neste diálogo como aquele que é
capaz de escrever discursos de acordo com a verdade. Pois, segundo Platão (1996:166):
quem não conhece a verdade, mas só alimenta opiniões, transformará naturalmente a arte
retórica numa coisa ridícula que não merece o nome de arte .
83

A preocupação principal de Platão neste contexto é saber se para exprimir em


palavras um pensamento é necessário o conhecimento da verdade. É a partir desta questão
que se separam de uma vez por todas os caminhos da educação filosófica da educação
sofistica.
Segundo a concepção platônica, a filosofia surge não somente como uma
necessidade histórica na confluência das causas, sobretudo de ordem política, que
determinaram a crise de Atenas nos fins do século V, mas também como uma necessidade
cultural em face a compreensão sofistica dessa crise e da solução por eles proposta, isto é,
a de uma nova paidéia fundada na retórica e na opinião.
A filosofia surge na Grécia Antiga, como autêntico exercício espiritual,
desenvolvendo nos jovens da polis a capacidade de atenção e o autocontrole, forma sua
alma, ensinando-os a criar e a trabalhar com conceitos, a pensar e a viver conforme a
razão, a buscar na polis e na vida privada a virtude e a arete:

A filosofia e a paidéia, o ideal de formação humana, de formação de um


novo homem e de uma nova polis nasceram juntos; o pensamento que
pensa o mundo e sobretudo o homem, a existência humana em sua
dimensão individual e política (polis), desde seus primeiros passos não se
separa do pensamento da educação como caminho para a perfeição, ideal
de excelência, de areté, enfim , da preocupação em tornar as almas o
mais-perfeitas que fosse possível . (COELHO, 2001:44)

A filosofia é filha da polis, sendo assim, a Filosofia é Política, de modo que é


impossível a separação dessas duas instâncias. Mas não basta somente o envolvimento nas
e com as questões características da vida na polis, antes, é necessário submeter-se a um
gradativo e sistemático processo de aprofundamento, o qual não é outro senão o da
Educação.
Diante disso, Platão apresenta sua paidéia, seu programa de regeneração e de
formação da polis Atenas, de conversão da alma humana. A filosofia se faz paidéia,
responsável pela conversão da alma à idéia, pela excelência do homem e da polis.
O verdadeiro homem de Estado, o dirigente da polis, conforme a paidéia
platônica, distinguir-se-á de todas as suas contrafações por possuir a ciência, episteme,
fundada em razões por oposição à doxa, a opinião. Portanto, o tipo de educação que Platão
concebe é um tipo de educação dotado de valor e alcance universais. A educação platônica
é uma educação comprometida com o ensino da verdade.
Todo o sistema educacional de Platão está edificado sobre a noção fundamental
84

da verdade, sobre a conquista da verdade pela ciência racional. É a posse da verdade que
definirá, segundo Platão, o verdadeiro orador, o verdadeiro médico, o verdadeiro político,
bem como o verdadeiro filósofo. Conforme assinalou MARROU (1990:111):

Qualquer que seja o campo da atividade humana para qual alguém se


oriente, não há mais que uma alta cultura válida: a que aspira à verdade, à
possessão da verdadeira ciência.

Deste modo, a norma não é mais o sucesso pelo sucesso, como no ideal
sofistico, mas a verdade. Conforme vimos, a filosofia platônica é, segundo Heidegger, uma
pedagogia para a verdade. Esta intenção é possível, visto que a alma do homem é
ontologicamente afim da verdade, pois desde a eternidade habitara o mundo das idéias. O
trabalho pedagógico, portanto, em Platão, será retirar a alma da condição de obscuridade
em que se encontra enquanto encarnada neste corpo mortal e elevá-la a contemplação da
verdade.
A educação em Platão tem como objetivo, conforme está escrito em A
República (518 d), converter a alma da ignorância ao conhecimento verdadeiro. De acordo
com o mito da caverna, retirar a alma do mundo das sombras para o mundo da plena
luminosidade, isto é, retirá-lo do mundo sensível para o inteligível.
Para Platão, essa conversão da alma do sensível ao inteligível será um
trabalho, ao mesmo tempo, político, ético e pedagógico. Neste trabalho, não trataremos da
questão política em Platão, mas daremos atenção somente aos dois outros aspectos
platônicos no que diz respeito à formação do filósofo, expondo ao mesmo tempo, a
participação das idéias de verdade e amor neste processo.

1. O Processo de Formação do Filósofo

Platão é considerado pelos estudiosos como o fundador da paidéia filosófica. A


paidéia platônica é o primeiro modelo de uma educação fundamentada na razão e numa
idéia racional de homem. A filosofia se lança, pela primeira vez, com Platão, no desafio de
pensar a verdadeira educação, pois os primeiros filósofos são ainda sábios e não
educadores.
Ao se opor ao pragmatismo dos sofistas, Platão desenvolve uma educação
alicerçada sobre a noção de verdade a qual é uma conquista da ciência racional e não um
85

jogo retórico. Não pretendemos com isto negar que havia nos sofistas, uma noção própria
de verdade. Segundo eles, não há uma verdade objetiva, visto que não podemos conhecer
nada com certeza. Os sofistas empreenderam um verdadeiro relativismo epistemológico, o
que mereceu severas críticas de Platão. O confronto entre a paidéia sofística e a paidéia
platônica, é na verdade, o confronto entre dois modos de compreensão da verdade, do que
é conhecer verdadeiramente.
O educador sofista é visto por Platão como mercador ambulante de um pretenso
saber. O sofista, para ele, não é amante da verdade. Ele vive no mundo da mera opinião
(doxa), somente o filósofo é capaz de atingir o conhecimento verdadeiro. Na República
Platão faz um minucioso relato do amante da sabedoria (philósophos) em oposição ao
amante da opinião (philodoxos), distinguindo entre episteme, única capaz de atingir o ser, e
a doxa, intermediário entre o ser e o não-ser.
Quase no final do livro V da República, Platão ao descrever a natureza do
verdadeiro filósofo, diz que estes, amam contemplar a verdade . E como já vimos
anteriormente, o verdadeiro amor em Platão é o amor da verdade. E aquele que se
identifica com o amor da verdade é filósofo.
Ocorre que ninguém nasce filósofo, embora, segundo Platão, haja naturezas
filosóficas , mais bem dotadas do que outras para a filosofia. É portanto, indispensável
formar estes seres quase divinos, educando-os moral e intelectualmente.
Visto que a educação não se limita à formação intelectual, porque inclui
também, a formação moral, a educação da vontade, é preciso antes de tudo, distinguir, a
propósito da virtude, a virtude tradicional e a filosófica. Enquanto a virtude tradicional está
baseada nas máximas vigentes na sociedade, consistindo num acordo compulsório, exterior
e convencional a essas máximas, a virtude filosófica, ao contrário, está fundamentada
numa prévia tomada de consciência através da crítica à virtude tradicional.
Virtude é o termo português que melhor traduz o termo grego arete. Este termo
grego é, segundo os estudiosos, um dos termos mais difíceis de ser entendido pelo homem
de hoje.
Arete é, conforme JAEGER (2001), o atributo próprio da nobreza grega. Havia
uma unidade entre o senhorio e a arete. O homem comum não possui arete, nem tampouco
o escravo.

Os gregos sempre consideraram a destreza e a força incomuns como base


indiscutível de qualquer posição dominante. Senhorio e arete estavam
86

inseparavelmente unidos. A raiz da palavra é a mesma: aristos,


superlativo de distinto e escolhido, que no plural era constantemente
empregado para designar a nobreza. (JAEGER, W. 2001: 26)

Segundo o autor, somente uma vez é que Homero entende por arete as
qualidades morais ou espirituais.
O significado de arete como expressão da força e da coragem heróicas,
permaneceu por muito tempo na linguagem tradicional da poesia heróica.
É desse sentido originário do conceito de arete que devemos partir para
compreendermos melhor a revolução realizada por Platão.
Segundo Platão, não somente o homem, mas todas as coisas são boas pela
arete, isto é, por uma ordem intrínseca, por uma harmônica disposição e função da
natureza que lhes é própria. Ordem (taxis) é a idéia diretriz do pensamento ético de Platão.
Na expressão de VAZ (1999:98):

a idéia da ordem exprime essencialmente uma proporção (analogia) que


une elementos e seres diversos no mais belo dos laços e será portanto,
uma relação analógica que Platão irá estabelecer entre as partes da alma e
suas virtudes, entre a alma e a cidade e entre a alma e o mundo.

A ordem assegura, deste modo, a unidade das partes na constituição do todo,


consistindo, pois, a ordem, em cumprir cada uma das partes o que lhe é próprio.
Mas se, para Platão, cada coisa tem uma arete que lhe é própria, qual é, então, a
arete própria do homem?
A virtude humana apresenta-se sob muitas formas, ou seja, como sabedoria ,
coragem , temperança , justiça etc. O problema que se põe, portanto, para Platão, é
saber se todas essas formas de virtude são partes diferentes da virtude, ou só de nomes
diferentes de uma só e mesma coisa?
Platão enfrentou este problema no Protágoras, no qual mostra-se que a virtude
é uma unidade que se manifesta de diferentes modos, mas sempre idêntica também nas
suas variadas e diferentes manifestações. Trata-se, portanto, de uma unidade que se
diversifica.
Mas este não fora o problema inicial deste diálogo. O ponto de partida do
diálogo versava sobre o problema da possibilidade ou impossibilidade de educar o homem
e iniciá-lo na virtude. É quando Protágoras faz menção da virtude em geral e das virtudes
particulares da justiça, da prudência e da piedade que Sócrates toma a ocasião como
87

pretexto para se concentrar no seu problema peculiar: o problema da essência destas


diversas virtudes e da sua relação com a virtude pura e simples. E coloca este problema
para Protágoras: a virtude é só uma, e a justiça, a prudência e a piedade partes dela, ou são
estas virtudes apenas nomes diferentes para exprimir a mesma coisa? (Protágoras, 329c).
Pois, com efeito, o problema referente à essência da virtude é o pressuposto necessário
para se poder resolver aquele que incide sobre a possibilidade ou impossibilidade de
ensiná-la.
E o resultado a que Sócrates chega é este, nas palavras de JAEGER (2001: 643-
644):

não é só em sentido lógico formal que o fato de a virtude ser um saber, e


até a valentia entrar nesta definição, é premissa para o problema da
possibilidade de ensinar a virtude; pela primeira vez este problema parece
situar-se no campo do possível, com o que, no fim, os pontos de vista de
ambas as partes parecem sofrer uma inversão total: Sócrates, que não
achava a virtude suscetível de ser ensinada, agora busca provar por todos
os meios que a virtude é sob todas as formas, um saber; e Protágoras, que
a considerava matéria apta para ensino, faz, ao contrario, grandes esforços
para demonstrar que ela é tudo menos um saber, com o que se torna
materialmente discutível a possibilidade de ensina-la.

Ao transpor o problema moral para um problema de saber, Platão estabelece,


pela primeira vez no Protágoras, a premissa que faltava à pedagogia sofística. O postulado
da primazia da formação do espírito, proclamado pelos sofistas, não pode ser justificado
pelo mero fato de se triunfar na vida. É necessário a esta época vacilante nos seus
fundamentos, que se encontre uma norma suprema que a todos obrigue e vincule, e na qual
a educação possa se apoiar para realizar sua tarefa suprema: a formação do homem na sua
autêntica arete.
No Protágoras, Platão se limita a provar que a virtude tem necessariamente de
ser suscetível de ensino. Este saber é definido como uma arte da medida , sem que nos
seja dito em que esta arte consiste e qual o seu padrão. O exame deste problema é deixado
para outra ocasião sem referência a um diálogo específico. Pois Platão interessará mais
pelo problema do saber, problema que ele não abandona jamais.
Ao problema colocado no Protágoras sobre que espécie de saber é aquele que
Sócrates considera fundamental para a arete, Platão irá dar sua resposta mais imediata no
Mênon.
88

No começo do diálogo, Platão formula e estuda as diferentes respostas que se


podem dar à questão de como surge a arete: se é através do ensino, ou se adquire pela
prática? Ou será que nenhuma destas coisas acontece, mas a virtude advém pela natureza
ou de qualquer outro modo?
Esta era a forma usual de se colocar o problema tanto pelos poetas antigos
quanto pelos sofistas. Mas, para Platão, antes de se indagar sobre como se adquire a
virtude, é necessário que se comece por inquirir sobre o que é a arete em si, sobre a sua
essência. Platão põe a claro aqui a diferença que existe entre a virtude em si e as diversas
formas concretas da virtude. Mênon fazia distinção entre a virtude do homem e a da
mulher, a do adulto e a da criança, a do homem livre e do escravo. Sócrates, porém, ignora
esta multiplicidade de virtudes que Mênon lhe apresenta. O que ele pretende saber é sobre
aquela virtude que faz com que todas estas diferentes virtudes sejam virtudes. Este algo, a
partir do qual as virtudes não aparecem múltiplas e distintas, mas, ao contrário, são todas
uma e a mesma virtude, é o que Platão denomina eidos. É aquilo em virtude de que todas
elas são virtudes. A pergunta: o que é arete? Visa diretamente a sua ousia, a sua essência e
verdadeiro ser, e é isto precisamente a idéia.
Platão tenta esclarecer a essência da virtude no Mênon, por meio do paradigma
da figura. Pois assim como nenhuma figura o é em maior ou menor grau que outra
qualquer, do mesmo modo a essência não admite um mais e um menos. A partir desse
esclarecimento Mênon tenta dar uma definição da virtude: virtude é desejar as coisas
belas e ser capaz de consegui-las . O que outra vez merece a crítica socrática. A primeira
observação que Sócrates faz a esta definição de Mênon é saber se ele identifica o belo com
o bom. Sendo assim, o que diz então com sua definição de virtude é que existem alguns
que desejam coisas boas e outros que desejam coisas más. Mas não é certo que todos
desejam as coisas boas? Pergunta Sócrates. Mênon pensa que há aqueles que desejam
coisas más mesmo sabendo que são más. Ao que Sócrates logo refuta dizendo que: é
evidente que não desejam as coisas más esses que a ignoram, mas desejam sim aquelas que
acreditavam serem boas, mas que são más. De modo que os que as ignoram e que
acreditam que são boas, é evidente que desejam as coisas boas, não é? (Mênon, 77 d-e)
Segundo Sócrates, ninguém deseja o mal conscientemente, somente por
ignorância. O conhecimento, portanto, do bem, levaria necessariamente o homem a
praticar o bem. Conforme a tese socrática, é o conhecimento do verdadeiro valor que
determina a opção da nossa vontade. Para Sócrates, conhecimento é sinônimo de virtude. O
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homem virtuoso é aquele que sabe. Virtude e conhecimento são, em Platão, os verdadeiros
e autênticos valores da alma. Os valores do corpo e os valores externos ficam num segundo
plano e perdem a importância que a tradição lhes atribuíra. Não que não haja lugar algum
para o corpo no pensamento platônico, apesar de afirmar categoricamente no Fédon, que o
corpo é como que uma prisão para a alma. A alma está nesta vida sepultada no túmulo do
corpo. Para dele se desprender a alma precisa se dedicar à filosofia e por fim atingir a
suprema libertação através da morte, que é entendida como separação da alma do corpo.
Esta concepção platônica é de inspiração órfica.
Numa importante passagem do Fédon Platão afirma que o corpo é um obstáculo
para se atingir a verdade e que, portanto, todo aquele que pretende se valer do pensamento
puro para captar a verdadeira realidade deve se desembaraçar de todo o seu corpo.
Vejamos esta passagem:

... durante todo tempo em que tivermos o corpo, e nossa alma estiver
misturada com essa coisa má, jamais possuiremos completamente o
objeto de nossos desejos! Ora, este objeto é, como dizemos, a verdade.
Não somente mil e uma confusões nos são efetivamente suscitadas pelo
corpo quando clamam as necessidades da vida, mas ainda somos
acometidos pelas doenças e eis-nos às voltas com novos entraves em
nossa caça ao verdadeiro real! ... Mas o cúmulo dos cúmulos está em que,
quando conseguimos de seu lado obter alguma tranqüilidade, para voltar-
nos então ao estudo de um objeto qualquer de reflexão, súbito nossos
pensamentos são de novo agitados em todos os sentidos por esse intrujão
que nos ensurdece, tonteia e desorganiza, ao ponto de tornar-nos
incapazes de conhecer a verdade. Inversamente, obtivemos a prova de
que, se alguma vez quisermos conhecer puramente os seres em si, ser-
nos-á necessário separar-nos dele e encarar por intermédio da alma em si
mesmo os entes em si mesmos. (Fédon, 66b-e)

Diante de passagens como esta, poderia parecer que o corpo para Platão é algo
que deve ser totalmente desprezado, não tendo lugar algum em seu projeto pedagógico.
Porém, isto não é verdade, visto que em outros diálogos, como na República, nas Leis e
sobretudo no Timeu, ele dá o devido valor ao corpo humano. No Timeu, por exemplo,
Platão faz elogios notáveis aos sentidos do corpo, especialmente ao da visão.

a vista, segundo meu entender, tornou-se para nós causa da maior


utilidade, pois de todos os raciocínios que agora são feitos a respeito do
universo, nenhum poderia ser feito se não tivéssemos visto nem os astros,
nem o sol, nem o céu. Agora, ao contrário, o dia e a noite, à medida que
são vistos, e os meses e os ciclos dos anos e os equinócios e solstícios
realizaram o número e forneceram a noção do tempo e a pesquisa acerca
da natureza do universo. A partir dessas coisas forneceram-nos o gênero
da filosofia, de modo que nenhum bem maior foi concedido, nem nunca
90

será ao gênero humano, posto que é um dom dos deuses. Por isso digo
que os olhos são o maior bem. (Timeu, 47 a-b)

Platão descreve minuciosamente neste diálogo a estrutura do corpo, as relações


do corpo e da alma e as doenças. No Timeu, o homem é considerado do ponto de vista da
conjunção da alma e do corpo. No entanto, Platão sempre sustentará a superioridade da
alma em relação ao corpo. Este é visto por ele como veículo daquela. Cabe à experiência
sensível o papel de despertar na alma a recordação da essência das coisas, contempladas
desde sempre no mundo das idéias.
Para Platão, o homem alcança o seu fim último no cuidado da alma mais do que
do seu corpo. E cuidar da alma é cuidar em ser um homem virtuoso. E ninguém que tenha
cuidado pela alma desejará as coisas más como pensara Mênon. Pois, como conclui
Sócrates em seu raciocínio refutativo, o desejar as coisas más acarreta necessariamente
danos à pessoa que deseja, e quem sofre danos é miserável e todo miserável é infeliz.
Haveria, porventura, alguém que desejasse ser miserável e infeliz? Se houver tal pessoa
não podemos dizer que seja virtuosa, pois é natural da alma desejar a felicidade
(eudaimonia). Platão diz em As Leis, que todos os homens aspiram à felicidade. E em
Platão a única forma de se viver bem e ser feliz é cultivando uma vida virtuosa.
Platão rejeita uma vida entregue ao puro prazer. Ele não aceita o hedonismo
como ideal de vida. Ao contrário, ele propõe um ideal de vida inspirado no cultivo da
virtude e da sabedoria.
O filósofo ateniense descreve em A República (586-c) o modo trágico de
existência daqueles que pautam sua vida segundo o imperativo do prazer: vivem errantes,
são incapazes de ultrapassar o limite do prazer e elevar-se até o verdadeiro ser, nem podem
provar o que seja um prazer sólido e puro. Vivem sempre olhando para baixo, semelhante
aos animais; inclinados para o chão e para a mesa, engordam e acasalam-se, também a
maneira dos animais; vivem pela cupidez dos sentidos. Passam a vida em prazeres
misturados com sofrimentos, os quais são meros fantasmas do prazer verdadeiro. Esses são
todos aqueles que não têm experiência da sabedoria e da virtude .
Não significa dizer com isso que Platão desvalorize a importância do prazer na
vida humana. Afinal, a vida é também gozo, fruição. O que Platão condena é o prazer
como sentido último da existência.
Para Platão, os prazeres verdadeiros, próprios da alma, são aqueles advindos da
parte filosófica da alma, isto é, da parte racional. Segundo ele, quanto mais a pessoa se
91

afasta da filosofia e da razão, tanto mais produzirá aqueles efeitos danosos anteriormente
descritos (A República. 587 a).
E por que a pessoa que seguir os ditames da razão alcançará os verdadeiros
prazeres? Porque quem lhe guia é a verdade, diz Platão. A vida feliz e virtuosa é a do
homem que tende para o inteligível e não cede a fascinação do sensível. A felicidade é da
ordem do conhecimento. A felicidade está na procura do Bem e do Belo, está na marcha
para a fonte do ser e do conhecimento. Depois de se aproximar e de se unir ao verdadeiro
ser, e de ter dado à luz a Razão e a Verdade, poderá alcançar o saber e viver e alimentar-se
de verdade, e assim cessar o seu sofrimento (Id. 490 b).
Conforme Abel JEANNIÈRE (1995:131), o Bem é o fim supremo de tudo o
que vive e ele basta-se a si mesmo . No entanto, o autor ressalta na mesma página, que
não podemos pensar que a sabedoria ou o prazer sejam cada qual individualmente, o
próprio Bem. Pois ninguém aceita uma vida de prazer sem que seja iluminada pela
inteligência; nem uma vida de pura sabedoria que não fosse despertada por nenhuma
emoção de prazer ou dor. A vida feliz é uma mistura de sabedoria e prazer, sem afastar a
dor.
Abel JEANNIERE escreve que Platão reconhece no Filebo, um dos seus
últimos textos,

que a alegria que se segue à descoberta apenas da verdade não é suficiente


para satisfazer a expectativa do individuo, que a procurou durante tanto
tempo. Só se vai até a verdade com uma tensão de todo o seu ser; poder-
se-ia dizer que o thymos deve participar da alegria do intelecto. Nesse
novo ensaio, o prazer se torna algo como uma matéria que deve ser
informada pela idéia. Ao mesmo tempo, o homem retoma o equilíbrio dos
elementos materiais que o compõe; a harmonia é reencontrada entre todas
as formas inferiores que entram na composição do homem sob a direção
da razão. (Op. Cit , p.133)

No Filebo, Platão tenta revalorizar o sensível na composição de uma vida feliz,


sem, no entanto, recuar diante da idéia, de que a felicidade está sempre na ascensão
dialética para o Bem e o Belo. Platão pretende estabelecer um equilíbrio entre prazer
sensível corporal e a alma inteligível racional. Educar o homem de modo que o torne feliz,
educar para aprender a desejar, isso significa educar o homem virtuoso.
A virtude assume no Fédon, um sentido catártico e ascético. A prática da
virtude tem como finalidade ajudar o homem a educar suas paixões inferiores, por meio da
purificação. Através da purificação, o homem vai libertando sua alma da prisão do corpo,
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que se concentra sobre si mesma, preparando-a para o estado feliz em que, por meio da
contemplação das realidades eternas, retorna ao mundo ideal.
Nas palavras de REALE (1994:214):

Essa purificação se realiza quando a alma, transcendendo os sentidos,


toma posse do mundo inteligível puro e do espiritual, unindo-se a ele
como ao que lhe é congênito e conatural. A purificação aqui,
diversamente das cerimônias iniciativas dos órficos, coincide com o
processo de elevação ao conhecimento supremo do inteligível .

A novidade do misticismo platônico está justamente em reconhecer o valor


catártico da ciência e do conhecimento. Ele não é uma contemplação alógica e extática,
mas um esforço catártico de pesquisa e de subida progressiva ao conhecimento.
O processo do conhecimento racional significa, para Platão, ao mesmo tempo,
processo de conversão moral. Na medida em que o processo do conhecimento conduz-nos
do sensível ao supra-sensível, converte-nos de um mundo a outro e nos leva da falsa à
verdadeira dimensão do ser. Conhecendo, a alma se cura, purifica-se, converte-se e eleva.
Nisso consiste a sua virtude.

Numa significativa passagem do Fédon, Platão identifica virtude com saber e


purificação.

Na verdade, excelente Símias, talvez não seja em face da virtude um


procedimento correto trocar assim prazeres por prazeres, sofrimentos por
sofrimentos, um receio por um receio, o maior pelo menor, tal como se
tratasse duma simples troca de moedas. Talvez, ao contrário, exista aqui
apenas uma moeda de real valor e em troca da qual tudo o mais deva ser
oferecido: a sabedoria! Sim, talvez seja esse o preço que valem e com que
se compram e se vendem legitimamente todas essas coisas coragem,
temperança, justiça a verdadeira virtude, em suma, acompanhada de
sabedoria. É indiferente que a elas se acrescentem ou se tirem prazeres,
temores e tudo o mais que há de semelhante! Que tudo isso seja, doutra
parte, isolada da sabedoria e convertido em objeto de trocas recíprocas,
talvez não passe de alucinação uma tal virtude: virtude realmente servil,
onde não há nada de são nem de verdadeiro! Talvez, muito ao contrário, a
verdade nada mais seja do que uma certa purificação de todas essas
paixões e seja a temperança, a justiça, a coragem; e o próprio pensamento
outra coisa não seja do que um meio de purificação. (Fédon, 69 a.d)

Platão irá insistir sempre neste ponto: a filosofia é conversão ao ser, é iniciação
ao Bem supremo.
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Deste modo, a natureza da educação que se deve dar a um filósofo não é


conforme aquela que certas pessoas acreditam, diz Platão, em A República (518 b-c), se
referindo aos sofistas, os quais pensavam poder infundi-la na alma que não a possui como
quem dá visão aos cegos. A educação não consiste em inculcar todo um saber superficial e
exterior na alma. A educação deve fazer, ao contrário, com que a alma se converta do
sensível ao inteligível, isto é, para as essências, para o ser, em suma, para a ciência que a
alma possui no interior de si mesma. Não se trata de implantar o saber na alma, assevera
Platão na República (518 c), mas de fazer com que esta se volte do aparente, das sombras,
para a luz. Conhecer é lembrar-se da ciência que está em nós.
Trata-se daquele conhecimento interior da alma que Platão procura captar e
descrever pela primeira vez no Mênon: a intuição das idéias. Neste diálogo, Platão não faz
mais do que indicar a teoria de que o saber socrático é reminiscência. O essencial para ele
aqui é a consciência de que a verdade do existente reside na alma. E que esta consciência
põe em marcha o processo da procura e do auto-conhecimento metódico. A aspiração à
verdade não é outra coisa senão a expansão da alma e do conteúdo que por natureza ela
contém (JAEGER, op.cit. p.712).
Por várias vezes no Mênon, Platão recusa o termo ensinar para exprimir este
processo porque ele parece refletir a idéia de um entulhamento na alma, de conhecimentos
advindos do exterior. Esta concepção platônica se opõe à concepção mecanicista dos
sofistas sobre o aprender. O verdadeiro aprendizado, conforme o pensamento platônico,
não consiste numa assimilação passiva, mas antes numa procura esforçada, que só é
possível pela participação espontânea de quem quer aprender.
No final do Mênon, Platão retoma aquela questão inicial, de se a virtude é
passível de ser ensinada ou não. Mas só a partir de hipóteses é que Sócrates resolve
responder a questão de Mênon. Deste modo, se a virtude é uma ciência diz Platão, é coisa
que se ensina. Se não for ciência não se ensina.
Como primeiro argumento para confirmar que a virtude é ciência tomemos o
seguinte raciocínio: sendo a virtude um bem, deve ser ciência, uma vez que a ciência é a
única coisa que é sempre um bem. E como segundo argumento o raciocínio de que se os
bons fossem bons, por natureza a cidade teria cuidados especiais com eles; ora, isso não
acontece.
Mas há também argumentos contra a hipótese de ser a virtude ciência. Pois,
toda ciência, sendo coisa que se ensina, tem mestres e alunos; mas quem são eles, no caso
94

da virtude? Sócrates afirma que tendo procurado freqüentemente mestres de virtude, nunca
os conseguiu encontrar. Nem entre os homens de reputação na cidade. E se não há mestres
de virtude, também não há alunos.
Havendo argumentos tanto a favor como contra de que a virtude seja ciência,
não seria então o caso, pensa Sócrates, de que ela seja apenas uma opinião correta? Visto
que a opinião correta em nada é inferior a ciência no que diz respeito as nossas ações. Ou
será, ainda, a virtude simplesmente uma opinião feliz? Mas sendo a virtude algo que não
advém nem por natureza nem por ensino, não seria ela uma concessão divina? Platão diz
no final do diálogo que a resposta certa para isto só se dará quando for respondida aquela
questão mais fundamental: o que é a virtude em si? Parece que retornamos ao mesmo lugar
que nos encontrávamos no Protágoras. No entanto, só aparentemente nos encontramos no
mesmo lugar.

Pois na realidade o novo conceito do saber que com o auxilio dos


exemplos matemáticos adquirimos na parte central do Mênon abre-nos as
perspectivas para um tipo de conhecimento que não é suscetível de ser
ensinado do exterior, mas nasce na própria alma de quem o inquire com
base numa orientação correta do seu pensamento. ( JAEGER,2001:715)

A nova paidéia não é suscetível de ensino tal como os sofistas a concebiam,


como simples instrução. O ensino sofístico não conduz à arete pois o conhecimento que
eles oferecem é simples aparência do saber, não a própria realidade.
Há uma grande diferença entre instrução e formação, assim como entre
professor e educador. A instrução tem mais a ver com a erudição, enquanto que a formação
diz respeito à sabedoria. Podemos ser eruditos, sem ser sábios. Platão está interessado
numa educação não como transmissão de conhecimentos, mas, sobretudo, como condução
e possibilidade privilegiada de formação do homem integral. O que o diferencia em muito
da educação sofistica que não passa de uma téchne desvinculada da vida. Os sofistas
ensinam uma técnica retórica aos jovens, mas não ensina aquilo que possa contribuir para
tornarem-se melhores. Sua prática educativa é baseada em meras opiniões e não no
verdadeiro conhecimento. Pretendem tratar dos assuntos da alma, sem conhecê-la.
Platão ressalta na República a importância de uma educação que possibilite ao
homem, não apenas a aquisição de conhecimento, mas, sobretudo, escolher uma vida mais
elevada, excelente.
95

Como nos ensina na alegoria da caverna, a verdadeira educação consiste em


despertar os dotes que dormitam na alma. Põe em funcionamento o órgão por meio do qual
se aprende e se compreende; consiste, enfim, em orientar acertadamente a alma para a
fonte da luz, do conhecimento, da verdade, ou seja, para o Bem.

Assim como os nossos olhos não poderiam voltar-se para a luz a não ser
dirigindo o corpo inteiro para ela, também nos devemos desviar com toda
a alma do corpo do devir, até que ela esteja em condições de suportar a
contemplação das camadas mais luminosas do ser. (JAEGER W, op. cit.,
p.888)

Portanto, é numa conversão , no sentido original desta palavra que consiste a


essência da educação filosófica, conforme Platão. É um volver ou fazer girar toda a
alma para a luz da idéia do Bem, que é a origem de tudo . ( JAEGER, Id. p. 888-889)
Platão tem bem claro em sua mente que a realização do seu ideal pedagógico
necessariamente vai exigir uma transformação radical do homem.
Resta averiguar qual o saber que é capaz de levar a termo a conversão da alma.
Platão diz no livro VII de A República que, para que a alma saia de um dia
escuro para um dia verdadeiro, ou seja, para que ela ascenda, até o ser, é preciso buscar
entre as ciências aquelas que são as mais indicadas para a formação do filósofo. Estas
ciências não podem ser a ginástica e nem a música. A educação ginástico-musical,
constituem tão somente um momento propedêutico. Esse tipo de educação apenas é capaz
de tornar o homem harmônico, e a sua vida bem ordenada, sem que o leve ao
conhecimento das causas das quais dependem aquela ordem e aquela harmonia. A paidéia
ginástico-musical produz os efeitos do Bem, mas não o conhecimento do Bem. E nem
tampouco as artes técnicas, isto é, as ocupações manuais são agora aptas na formação do
filósofo. Esta ciência deverá ser aquela capaz de ser aplicada a todas as ocupações, a todos
os exercícios intelectuais, enfim, a todas as ciências. Esta ciência é a Aritmética.
A Aritmética é a ciência do número e do cálculo. Ciência vital ao guerreiro e a
todas as artes e ciências. Mas também útil na formação do filósofo, pois o ensinará a se
afastar do mundo da geração e da transformação, isto é, do vir-a-ser. A Aritmética é
indispensável porque leva a alma a servir-se da pura inteligência para alcançar a verdade.
A Aritmética permite enumerar os seres unos, distintos uns dos outros, onde o
testemunho confuso e contraditório dos sentidos revela seres ao mesmo tempo unos e
múltiplos. Ora, toda idéia, toda realidade inteligível é una e idêntica. Platão vê nos
96

números um saber capaz de orientar o nosso pensamento para o ser. Platão põe em relevo
que, até então, esta ciência nunca havia sido utilizada com tal finalidade. Os sofistas
tinham um grande apreço pelas ciências matemáticas, porém seu verdadeiro valor estaria
em sua aplicação prática. Para Platão, ela não é útil apenas para fins de compras e
transações comerciais, mas sim para facilitar à alma sua conversão ao ser . As
matemáticas ajudam a despertar o espírito, adquirir memória, desembaraço e vivacidade.

As matemáticas despertam e exercitam aquilo que é comum a todos os


homens: a faculdade da razão. Sua função é despertar o pensamento,
purificar e estimular a alma na busca do conhecimento. O homem deve,
através do pensamento, elevar-se moralmente, daí a importância das
matemáticas na educação como purificação e conversão ao ser.
(TEIXEIRA, E., 1999:43)

Segundo Platão, os sentidos, apesar de serem suficientes pra discernir a unidade


em si mesma, não são, porém, capazes de nos conduzir a essência. Às vezes se detecta uma
contradição na unidade a ponto desta aparecer mais como uma multiplicidade do que como
unidade, o que exige a intervenção da alma. Ela é levada à perplexidade, a reflexão e a
investigação do que é a unidade em si. A investigação do problema do conhecimento da
unidade, afirma Platão, é uma das coisas capazes de fazerem com que a inteligência volte-
se para a contemplação do ser (República 525 a).
Para que a ciência dos números possa conduzir a alma à essência e a verdade,
Platão diz que ela deve ser estudada tendo em vista o conhecimento e não o comércio. É
somente sobre os números, abstração feita do que eles contam, que o aprendiz de filósofo
deve praticar a aritmética. O próprio esforço imposto pelo aprendizado da matemática é
formador em si mesmo. A preguiça e a languidez são inimigos de um guerreiro corajoso e
de um filósofo em sua árdua busca da verdade.
Platão escreve em As Leis, que aquele homem que fosse incapaz de aprender a
natureza dos números e que desconhecesse tudo a respeito do contar, tal homem estaria
longe de se tornar divino. Platão considera o filósofo como um ser divino.
Porém, Platão recomenda que o estudo da Aritmética tenha o caráter de um
jogo, sem imposição, a fim de tornar o estudo mais eficaz. Nenhuma ciência, aliás, deve
ser aprendida como uma escravatura.
A segunda ciência recomendada por Platão na República na formação do
filósofo, é a Geometria. Esta vem em segundo lugar, pois requeria um grau de abstração
ainda maior do que da Aritmética.
97

Ora, numa educação adequada, em que é necessário forjar a habilidade de


se tratar com o abstrato, deve-se seguir um caminho gradativamente
ascendente, sem se saltar instâncias consideradas relevantes. Logo, a
Aritmética se apresentava como propedêutica ao estudo da Geometria.
(SOARES, 2002:51)

Para o filósofo que pretende elevar o pensamento às alturas, ou seja, atingir o


ser, é preciso que se leve mais a sério o estudo da Geometria. Não em sua utilidade prática,
mas tendo em vista o conhecimento. Trata-se, no entanto, do conhecimento do que é
eterno, e não do que perece. O estudo das figuras geométricas sugere mais a idéia de
existência de seres eternos e realidades perfeitas. Neste sentido, ela é capaz, de atrair alma
no sentido da verdade e de conduzir o pensamento do filósofo no sentido da ascensão (A
República, 527 b).
A próxima ciência que Platão faz referência é a Astronomia. Pois a
Estereometria é uma ciência ainda muito rudimentar. Do mesmo modo que a Aritmética e
a Geometria, a Astronomia é vista pelo filósofo não do ponto de vista utilitário, mas do
ponto de vista teórico. É inegável sua utilidade na agricultura, na navegação e na arte da
guerra. Porém, seu estudo por parte daquele que está se formando como filósofo, deve
visar sua capacidade de elevar os olhos da alma, e não os olhos físicos, a contemplarem o
ser e o invisível, isto é, as idéias perfeitas. De acordo com Platão, ninguém se instrui
simplesmente observando a realidade sensível, pois nada que pertence ao mundo sensível
constitui objeto de ciência (Id. 529b).
Assim, a Astronomia, no entendimento de Platão, é a ciência que força a alma a
olhar para cima não simplesmente com os olhos, mas com o pensamento, já que o que é
visível no céu não é o que há de mais belo, verdadeiro e perfeito, mas sim, aquilo que só é
acessível a inteligência. Esses astros celestes só podem servir como exemplos que levam
ao conhecimento das coisas superiores. Portanto o método de estudo a ser empregado na
Astronomia, segundo Platão, deve ser o de problematização matemática. Para ele, a
Astronomia não deve ser uma ciência da observação, porém, os fenômenos observados
devem fornecer oportunidade de se colocarem problemas. Foi deste modo que se pôde, por
exemplo, dar conta da irregularidade do curso dos planetas em torno da Terra.
Outra ciência adequada à formação do filósofo, segundo Platão, é a ciência da
Harmonia. Harmonia entendida aqui não como ciência dos acordes, do acompanhamento e
da polifonia em geral, conforme a entendemos atualmente, mas como disposição dos sons
98

por uma função da tensão da corda. Platão tem em mira a teoria musical conforme
praticada pelos pitagóricos e não simplesmente as questões levantadas pelos músicos.
Porém, Platão pretende ir mais além que os pitagóricos, os quais apegavam-se,
demasiadamente, em considerações puramente acústicas, ao invés de se elevarem à
consideração puramente intelectual das relações entre proporções, dados numéricos,
sugeridos pelo estudo dos sons.

Pois estes fazem exatamente o mesmo que os astrônomos: buscam


números nos acordes percebidos pelo ouvido, mas não chegam a levantar
problemas como, por exemplo, o de investigar que Números apresentam
harmonias, que Números apresentam dissonâncias e qual a razão de suas
diferenças. (A República, p. 531b)

Só assim, a Harmonia poderia ser uma ciência útil na investigação do belo e do


bom.
Vemos, deste modo, que para Platão todas estas ciências têm o caráter de
suscitar ou despertar o pensamento do homem. Este é um ponto de vista completamente
novo a partir do qual Platão enfoca o valor cultural da Aritmética e de todas as demais
matemáticas. Platão polemiza contra os matemáticos que desenvolvem ridiculamente as
suas demonstrações, como se suas operações matemáticas implicassem simplesmente um
fazer (práxis) e não um conhecer (gnosis). Platão caracteriza constantemente este conhecer
como algo que guia ou arrasta para o pensamento, que purifica e estimula a alma.
Aprendidas de maneira diferente, essas ciências elevam a alma do sensível ao
inteligível, desperta o pensamento rumo à perfeição, a arete e, portanto à felicidade. A
verdadeira importância e valor dessas ciências não estão ligados ao cálculo, à medida, nem
de sua aplicação imediata, mas sobretudo da contribuição que trazem para a formação
humana. Seu autêntico valor educativo está na condução do homem à perfeição, no
despertar do verdadeiro homem que há em nós. A formação proporcionada por essa
educação deve levar-nos a ver o que é o ser, a essência do existente. Porém, não podemos
esquecer que estas ciências são apenas propedêuticas para a dialética. O sentido do estudo
dessas ciências está em ajudar a levar o melhor da alma a contemplar o melhor de todo o
existente.
As matemáticas só nos dão uma idéia do mundo inteligível, graças a um apoio
sensível: o apoio das coisas enumeradas na aritmética; o apoio das figuras sensíveis na
geometria; o apoio do céu visível para a astronomia; o apoio dos sons e de seu intervalo
99

para a harmonia. A verdadeira ciência das realidades inteligíveis, para Platão, é a dialética.
Pois, na dialética, a alma se eleva a uma visão de conjunto das ciências por ir além dos
princípios ou das hipóteses que cada uma delas leva em conta.

O método dialético é o único que, refutando hipóteses aceitas, encaminha-


se até o princípio para encontrar um fundamento firme. (A República, 533
c-d)

Do mesmo modo que os matemáticos de sua época, Platão emprega o termo


hipótese em dois sentidos: (1) como algo suscetível de prova, mas assumido sem prova,
como quando professor e aluno tomam como ponto de partida algo de onde se iniciará uma
demonstração. (2) como axioma, isto é, verdade indemonstrável que faz parte do sistema
utilizado e serve de ponto de partida numa demonstração. Ao método dialético pertenceria
o primeiro sentido, uma vez que, do ponto de partida, da hipótese assumida
momentaneamente, deve-se primeiro, subir, por um encadeamento de raciocínios, ao
princípio primeiro, garantia da demonstração, para depois dali descer até atingir a
conclusão.

Aprende então o que quero dizer com o outro segmento do inteligível,


daquele que o raciocínio atinge pelo poder da dialética, fazendo das
hipóteses não princípio, mas hipóteses de fato, uma espécie de degraus e
de pontos de apoio, para ir àquilo que não admite hipóteses, que é o
princípio de tudo, atingido o qual desce, fixando-se em todas as
conseqüências que daí decorrem, até chegar a conclusão, sem se servir em
nada de qualquer dado sensível, mas passando das idéias umas às outras, e
terminando em idéias. (A República, 511 b-c)

O saber conferido pela dialética é tão superior ao saber matemático, como as


coisas reais do mundo visível o são em relação às suas sombras ou imagens refletidas. O
filósofo é aquele que possui a arte da discussão, isto é, a dialética, podendo, deste modo,
chegar ao conhecimento total do que é. Visando a verdade em sua totalidade, o filósofo
deve elevar-se acima das hipóteses particulares para alcançar o princípio não hipotético de
tudo o que é: o Bem. E nessa busca da verdade e do absoluto, não há descanso para o
filósofo. O fim da viagem é quase inacessível. Pois a riqueza da Idéia do Bem é tal que se
constitui em algo inesgotável e que ofusca a alma que chega a percebê-la, a ponto de torná-
la incapaz de discerni-la perfeitamente.
O objetivo último da dialética é elevar-se até a noesis. As matemáticas
possibilitam chegar apenas até a diánoia. Somente o filósofo, por meio da dialética,
100

alcança a noesis. O homem comum não pensa dialeticamente, portanto, não vai além do
mundo sensível. Ele se detém nos dois primeiros graus da primeira forma do
conhecimento, a doxa; os matemáticos atingem a diánoia; somente o filósofo atinge a
noesis a ciência suprema. A dialética platônica é o caminho que conduz à verdade. É a
realização mais alta da filosofia que permite captar o bem, alcançar o uno ou a idéia
suprema.
Como vimos, o pensar dialético pressupõe um longo e árduo aprendizado, um
desenvolvimento e um amadurecimento intelectual e emocional do filósofo. No Teeteto
(186c) Platão afirma que o conhecimento filosófico é fruto de uma longa e fatigosa
paidéia. Esta exigência de longa duração na formação filosófica, que na sua totalidade
abrange quinze anos, ressalta o conceito platônico do saber e a essência da sua obra de
escritor. Platão sempre declarou que de um estudo da Filosofia limitado há alguns anos,
como era habitual na sua época e ainda hoje continua a ser, nada poderia ser esperado. Pois
o processo do qual nasce a idéia do Bem, é um processo interior que se opera à força de
muitos anos de comunidade de vida e de investigação.
Este modo de compreensão do saber e da educação está em franca oposição ao
modo contemporâneo de entendê-los. Fazendo um rápido paralelo entre a compreensão
platônica de educação com a da atualidade, veremos que a educação perdeu
completamente o sentido grego originário de paidéia, ou seja, como formação do homem
integral, e adquiriu um sentido tecnicista e pragmático. A sociedade atual privilegia a
dimensão instrumental e imediatista da cultura. O saber e a educação têm sido reduzidos
hoje a meros instrumentos para a formação do homem produtivo, útil a sociedade
tecnocrata. A educação atual perdeu o humano como finalidade, estando mais preocupada
em instrumentalizar o homem para o mercado competitivo e injusto, do que formar o
homem verdadeiramente racional, autônomo e virtuoso. Trata-se de discursos constituídos
que, como a sofística, querem nos convencer sem a devida interrogação crítica sobre o
verdadeiro sentido da formação humana. Tudo parece convergir para a necessidade de
acelerar, formar mão-de-obra flexível, educar para o tempo presente, se esquecendo de que
educar é um projeto coletivo, que, requer tempo e pensamento. O trabalho do pensamento
para adquirir o verdadeiro saber é algo que demanda um certo tempo. Vemos a tendência
de hoje em se confundir o saber com informação e informação é visto como capital. O
saber e a educação se apresentam atualmente como mercadoria, e como tal, têm de se
apresentarem bem, como qualquer outra mercadoria ( GUIMARÃES, 2001:92 ). Daí a
101

dificuldade em se falar hoje em uma educação filosófica numa sociedade pragmatista. O


caráter da educação em Platão, por sua vez, não é técnico nem pragmático. Seu principal
objetivo é predispor a alma, intelectual e moralmente, para a percepção de idéias e
princípios dos quais, dependerá tanto seu bem estar individual quanto de toda a sociedade.

Ao reduzir o conhecimento a um instrumento eficaz e útil para o domínio


e a transformação da realidade, a sociedade atual afasta a dúvida, o
pensamento. Simplifica e empobrece sua compreensão do mundo, da
existência social e da razão, além de considerar perda de tempo qualquer
discurso ou fazer que não se enquadre nos padrões da eficiência, do
rendimento, da utilidade, do lucro, do mercado. À medida que não
apresenta um saber positivo, prático, operacional, a filosofia fica sob
suspeita, marginalizada. (COÊLHO, I. 2001: 33-34)

A filosofia, na qualidade de exercício vivo do pensamento, não se preocupa


com a eficácia, a eficiência, a produtividade, o imediatismo, mas está interessada na busca
do sentido e da gênese do existente, afirmando-se como trabalho mesmo de pensar o real.
Para Platão, a verdadeira educação não é a que visa a aquisição de dinheiro, do
vigor físico ou de alguma habilidade mental destituída de sabedoria e justiça. Este tipo de
educação, ele diz que é vulgar, servil e indigno de ser denominada de educação. A
educação, para Platão, visa a prática do bem. E o bem está associado à sabedoria enquanto
busca da verdade. O amor pela sabedoria e pela verdade possibilitará que o bem seja
praticado. A educação platônica visa, portanto, formar o homem virtuoso.
Eros tem neste processo um papel importante a desempenhar assim como as
matemáticas. Pois Eros é que impulsiona o filosofar. Eros, como vimos, é intermediário
entre saber e ignorância. Eros e Filosofia coincidem, pois no fundo a Filosofia não passa
de uma pulsão racionalizada entre ignorância e sabedoria. O amor é filósofo. Conforme
REALE (1990:157), a filosofia, ao contrário da sabedoria e da ignorância,

É apanágio daquele que não é nem ignorante nem sábio, daquele que não
possui o saber, mas a ele aspira, daquele que sempre busca alcança-lo,
tendo-o alcançado, percebe que ele lhe foge novamente para que, como
amante, continue a procurá-lo.

O Eros platônico é uma força mediadora entre o sensível e o inteligível, uma


força que dá asas e eleva a alma, através dos diversos graus da beleza, à Beleza em si. E
sendo que o belo para Platão coincide com o Bem, assim, Eros é uma força que eleva ao
bem visado pela educação. O que os homens chamam de amor não é senão uma pequena
102

parte do verdadeiro amor. Amor é desejo do belo, do bem, do saber, do verdadeiro, da


felicidade, do ser.
A educação platônica, a partir do Eros, possui algo de erótica como tentativa
de aproximar o real concreto daquilo que se é, com um dever-ser ideal a que todo homem
aspira. Toda educação a partir de Eros, é uma aspiração de ser sempre mais e melhor. É
educar o homem para que este assuma sua condição de ambigüidade entre o ideal e o real,
ou seja, entre a aspiração de ser uma espécie de deus e o confronto com a realidade da sua
contingência. Podemos assim, entender a educação como um processo permanente entre a
posse da verdade e o caminho para se chegar a ela. A posse da verdade será sempre um
horizonte. Nesse sentido, o mais importante não é chegar à verdade, mas estar a caminho
dela. Isso implica resistir à tentação de descansar na ilusão da posse da verdade atingida.
A aspiração à verdade não é outra coisa senão a expansão da alma e do
conteúdo que por natureza contém. A verdade corresponde a um anelo e desejo da alma. A
busca da verdade aparece, não somente como a verdadeira essência da filosofia socrático-
platônica, e ideal a ser buscado pela educação, mas também como a essência da natureza
humana. Só a Filosofia preenche esse anelo e desejo, pois somente ela é capaz de saciar a
sede e matar a fome que o homem possui pela verdade e pela sabedoria. O filósofo é um
insaciável da verdade e esse amor à verdade deve ser vivido de forma ordenada. O amor
desordenado é visto por Platão como um desvio. Por isso, Platão nos alerta no Banquete da
importância da ordenação do amor. A ordenação do amor supõe a ordenação do desejo,
que significa a submissão da vontade ao logos. Uma educação preocupada, com uma
formação integral do homem, não pode isentar-se da responsabilidade de educá-lo para
aprender a desejar . (TEIXEIRA, E. 1999:101)
Uma educação erótica implicará portanto, um processo constante de educação
do desejo. Aprender a desejar, aprendendo a amar. Isto implica em ensinar o educando a
não se deixar guiar apenas pelos instintos naturais, ou pela parte irascível de sua alma. Os
apetites do corpo devem ser trabalhados pela educação para que não tornem a alma
desprovida de seu direito de participar da existência do que é divino, puro e único em sua
forma.
103

CONCLUSÃO

Pensamos ter alcançado ao final deste estudo nosso objetivo inicial e geral que
era o de verificar a relação entre conhecimento, amor e educação em Platão. Esta é uma
relação fundamental para o entendimento do projeto filosófico-pedagógico de Platão.
Platão reúne em um mesmo movimento discursivo o amor, o logos e a paidéia; ao mesmo
tempo que reflete a estrutura da educação grega, ele confere um lugar especial à aquisição
da virtude e dos valores, à educação, no interior de sua descrição do exercício amoroso.
Eros constitui uma experiência humana fundamental e corresponde a um dos elementos
básicos das concepções grega e platônica do homem.
Procurei esclarecer neste estudo que o amor em Platão não é nunca aquele
desejo irrealizável, como bem que nunca se alcança. Ao contrário, através do Amor, o Bem
torna-se apreensível pelo homem. O Banquete esclarece que por intermédio do amor e por
meio da correta relação com os jovens, produzir-se-ão não sombras, mas a própria
realidade: por intermédio do amor é no próprio real que se toca, ainda que por pouco
tempo e provisoriamente. A alma pode tocar no real através do amor. É o amor que torna
possível à alma contemplar a verdade. No Banquete, Eros é, enquanto intermediário, a
imagem da alma que liga o mundo sensível ao mundo inteligível, o impulso ao
conhecimento e à contemplação.
No Lísis verificamos a identificação do Primeiro Amigo ao Bem absoluto. A
verdadeira amizade é vista como procura, desejo e meio para se chegar ao Bem. Do mesmo
modo, Eros é procura, desejo e meio para se atingir o belo, que não é senão o próprio Bem
em uma de suas manifestações. Há um parentesco interior entre Eros e Phylia. No Fedro,
Eros é compreendido como uma loucura, uma possessão, uma paixão que só poderia ser
causada por um deus. Parece haver assim uma contradição entre a concepção de Eros no
Banquete e no Fedro. Porém, não me parece contraditório pensá-lo ao mesmo tempo
como um deus e como intermediário, daimon. Pois o trabalho de Eros no Fedro é análogo
ao do Banquete, que é o de tomar a alma e fazê-la desviar-se do sensível encaminhado-a ao
plano do inteligível.
O conhecimento do verdadeiro Ser, das suas idéias e da idéia do Bem só se
pode atingir através da inteligência que, em Platão, não é apenas mero intelecto dissociado
da paixão e do amor, mas razão e pensamento movidos pelo desejo. A alma sente anseio
104

por tudo que com ela se aparenta, aspira a conhecê-lo e desfrutá-lo numa união completa.
De fato, através da dialética o amante parte da beleza corpórea não só para a beleza ideal,
mas ainda para a Verdade, a Sabedoria, para toda a hierarquia das idéias, transformando-se
no filósofo.
O noos, segundo Platão, é um noos que não saberia ativar-se sem a
impetuosidade da psyché. O desejo está na base da análise platônica da noção de homem e
de sabedoria. O anthropos platônico é determinado pela psyché em sua atividade de
eidenai e phronesis. Isto equivale a dizer que a natureza humana e seu ato de
conhecimento são muito mais oriundos do desejo, antes de serem uma concepção
intelectualista da vida.
Desse modo, só podemos compreender a paidéia platônica a partir da
compreensão de sua teoria do conhecimento, e de sua teoria do Eros. Não podemos
compreendê-los separadamente.
Platão enfatiza uma educação integral, que forme o indivíduo em todas as suas
potencialidades e capacidades: Capacidades físicas, intelectuais, morais e sociais.
Platão pretende educar o homem para o amor. O amor como a melhor forma de
sairmos de nós mesmo e fazermos a experiência do outro como alteridade.
Enfim, uma educação que pretenda formar o homem em todas as suas
dimensões, deve formar o homem contemplativo. Pois para Platão, parece haver no homem
uma semente do divino que o impele para o transcendente.
Platão não pretendia instruir o cidadão da polis, antes pretendia formar o
verdadeiro homem. A preocupação de Platão é com uma educação harmônica que garanta
a felicidade tanto à polis quanto ao indivíduo. Tal educação está idealizada em grau
máximo na figura do filósofo. O filósofo é o amigo da sabedoria, é desejoso do saber. É
aquele que vive feliz porque é virtuoso. O filósofo idealizado por Platão é o único apto a
dirigir a cidade com justiça, pois é o que mais recebeu educação. Uma educação que não
consiste numa formação técnica, mas integral, de modo que tal indivíduo possa
desenvolver todas as suas capacidades. O modelo do filósofo é, portanto, a medida
suprema da verdadeira educação.
Esse sentido da paidéia platônica parece estar perdido hoje em dia. Tudo,
atualmente, parece convergir para a necessidade de acelerar, formar mão-de-obra flexível
educar para o momento. Numa sociedade pragmática e preocupada com resultados
eficientes e imediatos, a paidéia platônica parece ser algo anacrônico, inútil, sem sentido.
105

Perdido o sentido amplo e profundo da educação, só resta à escola buscar a


eficácia e a eficiência, executar com competência a tarefa que lhe resta: lançar no mercado
uma mão-de-obra especializada. A medida que o homem se especializa para atender as
necessidades de uma sociedade tecnocrata, objetivando garantir seu meio de vida perde
gradativamente a dimensão humana do conviver.
Precisamos, portanto, resgatar o sentido platônico da paidéia, ou seja, uma
educação preocupada com a formação integral do homem. Com ela aprendemos que o
centro da educação não é o educador, nem o educando, mas o saber racional e a formação
do homem e da cidade justa.
106

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