Você está na página 1de 4

TEXTO COMPLEMENTAR: Para desengessar o cérebro

FILOSOFIA

Professor: Dr. José Francisco dos Santos


Para desengessar o cérebro

Acredito que a tarefa mais importante da filosofia no ensino, sobretudo


universitário, é ajudar a mudar a postura intelectual dos estudantes. Já critiquei
em outras oportunidades essa postura, filha do positivismo que dominou o país
após a proclamação da República. Apesar de os esforços pedagógicos recentes,
muitos ainda sem uma direção muito clara, o estudante brasileiro se relaciona
com os conteúdos do conhecimento de modo mecânico, como quem tenta
absorver informações e retê-las pelo maior tempo que for necessário – leia-se:
até a prova; isso quando não a reproduz descaradamente de fontes não citadas.
Fico estupefato com o absoluto desconhecimento de muitos universitários
acerca de conteúdos fundamentais pelos quais já passaram, ou ao menos
deveriam ter passado. No fim, tem-se a impressão de que os anos de formação
se escoam, acrescentando pouco de realmente significativo na vida das
pessoas. Na universidade, o passar dos anos nos diversos cursos parece trazer
uma sensação de peso a ser arrastado, tanto por acadêmicos quanto por
professores, e o entusiasmo, em geral já meio parco dos semestres iniciais, vai
se esgotando nitidamente.
Precisamos focar nossos esforços na mudança dessa postura, tentando
fazer ver que, para além das informações - que hoje estão disponíveis com muita
facilidade - o conhecimento exige um processo individual de desenvolvimento da
inteligência. Tal processo não pode ser feito no que eu chamo de “espírito do
positivismo”, ou seja, nesse modo grosseiro de “engolir” informações. Se
conseguirmos inspirar no estudante um modo mais dinâmico, que o leve a lidar
com o conhecimento de modo mais inteligente e responsável, a colocar mais
“alma” na sua vida estudantil, certamente teremos uma safra bem mais
promissora de profissionais e de seres humanos para tocarem esta nação e este
planeta, já tão combalidos pela incompetência e pela ganância.
Eu, que sempre estive mais propenso ao pessimismo nesta área, venho
me tornando bem mais otimista. Primeiro porque tenho podido trabalhar com
pessoas, incluindo algumas bem jovens, que passaram pelos mesmos
problemas escolares, mas que demonstram enorme apetite pelo conhecimento
e pelas virtudes ligadas a ele, quando percebem que isso não só é possível, mas
sumamente necessário. Por causa delas vale todo o nosso empenho, inclusive
na busca do nosso próprio aprimoramento. De igual modo, apesar de o clamor
dominante em relação aos graves problemas na formação moral de crianças e
adolescentes (com a minha voz no meio dele), também vejo mães e pais que
conseguem inspirar nos filhos uma atitude extremamente positiva diante da vida.
Diante disso, penso que não tenho direito ao pessimismo, pois os bons não
podem ser abandonados em nome de uma decadência aparentemente
dominante.
Há alguns meses, após uma palestra sobre Ética para alunos de ensino
médio, ao comentar a observação de uma professora acerca do efeito prático
dessas falas, respondi que não podemos deixar de falar e testemunhar, sob pena
de perdermos os bons. Em se tratando de postura intelectual ou moral, não
acredito que os nossos discursos tenham o poder de mudar aqueles que já
optaram pela porta larga, mas se conseguirmos ser inspiração para que o que é
bom possa encontrar espaço e se desenvolver, estaremos contribuindo
decisivamente com o futuro. A qualidade da formação passa necessariamente
por esse desengessamento que, além do cérebro, deve atingir também o
coração e a alma.
(SANTOS, José Francisco dos. Para refletir: artigos para reflexão e discussão
em filosofia, ética e temas transversais. Jundiaí/SP: Paco Editorial, 2013, p. 51).

Você também pode gostar