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INICIAÇÃO À DOCÊNCIA: PORQUE TORNAR A ESCOLA UM ESPAÇO DE


FORMAÇÃO?

Prof. Dr. Lucrécio Araújo de Sá Júnior


Departamento de Práticas Educacionais e Currículo
Centro de Educação
Programa de Pós-graduação em Educação
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Natal, Rio Grande do Norte, Brasil
Email: lucrecio.sa@gmail.com

Resumo
No Brasil atualmente a busca por uma educação de qualidade tem como mola propulsora
políticas públicas para valorização das relações entre escolas e universidades. Assim, se têm
buscado superar a desvalorização da carreira docente investindo em projetos e programas de
formação de professores na dimensão inicial e continuada, como o Programa de Consolidação
das Licenciaturas (PRODOCENCIA), o Programa de Formação Continuada (CONTINUUM), a
criação dos Laboratórios Interdisciplinares nas IES (LIFE), e, especialmente, o Programa
Institucional de Iniciação à Docência (PIBID). Num contexto histórico de defasagem da
educação, a região Nordeste e, mais especificamente, o Rio Grande do Norte (RN) têm
empreendido grandes esforços para reverter os índices referentes à educação, os quais
demonstram um baixo desempenho em relação ao país, se for considerado como parâmetro o
índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Assim, além da defasagem de
aprendizagem verificada no contexto escolar, insere-se na problemática da qualidade da
Educação Superior, de modo geral, e, em particular, a desvalorização da carreira docente tanto
no que diz respeito ao status financeiro quanto ao status social. Assim, as licenciaturas abrigam,
em sua maioria, discentes de classes menos favorecidas, que necessitam de incentivos, inclusive
financeiros para permanecer nesses cursos. Ademais, os cursos são eminentemente teóricos,
tornando lacunar a consolidação dos conhecimentos didático-pedagógicos. Neste incentivo para
uso da escola como espaço formativo muitas das ações realizadas nas perspectivas curriculares
das licenciaturas se limitam a intervenções em sala de aula nos espaços escolares. Nesse sentido,
apesar do planejamento ter como sustentação basilar os estudos etnográficos constantes e os
referenciais legais, gerais e específicos de cada área (LDB, PCN, DCN, PCNEM, OCN), é
possível dizer que essas ações não conseguem se firmar no sentido de dar conta de uma
formação mais ampla, humanística e interdisciplinar tanto para professores quanto para
estudantes. Nesse sentido, as experiências vivenciadas aliadas aos estudos teóricos não
conseguem contribuir efetivamente para dirimir a histórica dicotomia entre teoria e prática.
Busco neste trabalho questionar as estratégias de ensino e aprendizagem na Universidade e na
Escola como espaço para formação de professores. Uma pergunta basilar é, como as ações no
âmbito da formação de professores podem ser elaboradas de acordo com os pressupostos da
aprendizagem significativa e visando a auxiliar à produção de conhecimento? Penso que a
inserção de licenciandos em formação inicial no espaço escolar deve, ainda, contemplar
atividades de participação na dinâmica da vida escolar, da sala de aula à gestão, das reuniões
pedagógicas aos conselhos de classe, com intuito de envolver os licenciandos nas diversas
dimensões que permeiam a docência, inclusive contribuindo para a criação, reformulação,
discussão dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) com os sujeitos do espaço em que estão
inseridos.

Palavras-chave: Educação Superior; Educação Básica; Docência; Formação Inicial; Formação


Continuada.
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1. Formação de Professores... Início da problemática

No Brasil o debate sobre formação de professores ganhou relevância particular a


partir do início dos anos 80 do século XX, mobilizando pesquisadores e propiciando
discussões interdisciplinares. No final dos anos 1990, muitas das instituições de ensino
superior no Brasil problematizaram os cursos de formação, questionando
principalmente os componentes curriculares em cada área de formação, haja vista que as
licenciaturas se faziam dentro de uma estrutura curricular bacharelesca. E, não podemos
ignorar que foi somente após grandes debates, que a escola, a partir dos anos 2000, se
tornou espaço para a prática docente, na formação inicial de professores. A escola, neste
início do Século XXI, no bojo deste movimento nacional pela consolidação das
licenciaturas, surge como perspectiva para tal reformulação curricular, como uma
reformatação produtiva dos modelos ancorados no passado. Assim, a escola se torna
para as IES um complexo fenômeno, uma vez que torná-la também espaço para
formação de novos profissionais da educação, não é tão simples quanto parece: uma vez
que não se trata apenas de discutir se o espaço escolar, presta-se ou não à formação de
professores; mas, sobretudo poder integrá-lo, de maneira natural e significativa, ao
modus vivendis, da cultura universitária, e formativa de sujeitos sociais, políticos e
conscientes de seu papel social.
Muitas das práticas atuais de uso da escola como espaço de formação, tem
percebido o espaço escolar, apenas como espaço de experimentação, treinamento de
práticas e problematização de metodologias de ensino. A didática tem sido, nessa
perspectiva o grande baluarte para os cursos de formação. De modo que, nos estágios
supervisionados há um destaque para os projetos que são elaborados com o objetivo de
propor estratégias de ensino-aprendizagem. Esse mesmo objetivo tem sido
frequentemente utilizado por outros projetos de formação que são ancorados no seio da
universidade e se fazem como ações no chão da escola, a exemplo do PIBID. Todos
esses esforços são significativos e devem ser considerados, mas é preciso considerar que
o campo de formação de professores também deve ter outros horizontes, mais amplos. É
sobre isso que versa este trabalho. As considerações que teço, ao longo desse texto, se
fazem como um esforço de se poder pensar outras estratégias de formação, outros
objetivos, para além dos processos de ensino-aprendizagem nas salas de aulas das
escolas. Ensejo várias reflexões que fui cravando a partir de minhas experiências como
professor formador nos Estágios Supervisionados de Formação de Professores na
UFRN.
Pensando na formação de professores que se integre a uma cultura escolar, é
necessário desenvolver algumas reflexões, que de certa forma, exteriorize o ideal de
professor que se deseja alcançar,

Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da


liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade,
da democracia contra a ditadura de direita ou esquerda. Sou professor a
favor da luta constante contra toda forma de discriminação, contra
dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou
professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta
aberração: a miséria da fartura. Sou professor a favor da esperança que
anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me
consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha
própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo
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ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições
materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco
de se amorfinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador
pertinaz, que cansa, mas não desiste. Boniteza que se esvai da minha
prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos,
não canso de me admirar (FREIRE, 1997, p. 115-167).

Como podemos observar nas palavras de Paulo Freire, a atuação do professor é,


sobretudo, uma atuação que se deve fazer politizada. O professor além de ensinar,
precisa ter consciência da sua função enquanto agente de transformação social, por que
ninguém educa para nada. Nesse sentido é preciso que tenhamos em mente os
postulados políticos, os pressupostos ideológicos, a conjuntura sócio-histórica em que
estamos inseridos. È preciso que tenhamos em mente que a educação vai muito além da
escola e das IES formadoras de profissionais; a educação é um processo sistemático e
contínuo que deve ser tomado como referente para a vida. È preciso conceber
estratégias formativas que possibilitem a superação da tão falada distância existente
entre os saberes teóricos-epistemológicos e a vida prática que se faz no cotidiano.
A definição dos termos capazes de viabilizar uma formação significativa na
escola de massa exige que se revejam as inerências da atividade do pensar. O que a
escola faz? reproduz saberes, produz conhecimento, induz a quê tipos de
comportamentos e atitudes? Seguindo os postulados de Kant (2002), é muito fácil
afirmar que nós temos um sistema educativo que não educa, mas aliena. No sentido que
não desenvolve a autonomia dos sujeitos, mas a condiciona ao modus operandi de uma
sociedade rica em desenvolvimento tecnológico, mas pobre em sentido moral. A
formação de professores exige para os formadores, que se possa mensurar com pesos e
medidas diversas o que é importante desenvolver enquanto saber escolar. Quais são os
saberes que devem ser implementados na escola de educação básica por um profissional
que tem como profissão educar pessoas? O que é significativo para os jovens
estudarem? Como transformar o conhecimento a partir da informação, dos saberes que
já foram pensados? Como fazer que os jovens entendam que a educação é um processo
imensamente significativo para o aperfeiçoamento moral, espiritual e material? Como
fazer entender que a educação deve ser um processo contínuo e ininterrupto? Como
fazer com que o professor entenda que este saber que ele ministra na escola não educa?
Por que as metodologias não permitem pensar... não permitem criar, não permite a
liberdade...

2. Formação de Professores... Postulados teóricos

No campo de formação de professores é preciso que se analise as estratégias


formais, enfocando qual o sentido e o caráter problemático da educação em uma escola
de massa, traçando objetivos, limites, e justificando a necessidade de uma prática que
seja formativa, com o mesmo significado que pensou Adorno (Bildung). È preciso que
nós formadores, possamos analisar constantemente as questões inerentes ao ensino,
tanto do ponto de vista dos conteúdos programáticos, como em relação aos aspectos
formais da aprendizagem significativa. Mas, é preciso também que nós possamos
desenvolver nos cursos de licenciatura, junto aos alunos em formação inicial, a
perspectiva de problematização político-pedagógica. A fim de que os professores se
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conscientizem de que a escola é um espaço que pode ser usado para se fazer política, ou
politizar os não politizados.
O iluminismo, tanto na perspectiva kantiana e fichtiana, entre outros, concebia o
projeto de educação global da humanidade na direção do aperfeiçoamento da natureza
humana, entendida como razão e liberdade. Como observa Rodrigo (2009), esse projeto
não deve ser confundido com qualquer proposta de educação de massas; este último é
um desafio tipicamente contemporâneo, com o qual os filósofos iluministas não se
defrontaram no século XVIII.

Ainda assim, não resta dúvida de que o ideal iluminista,


embora submetido a toda sorte de avaliação crítica, nuca
foi, a rigor, abandonado. Ao contrário, nos últimos tempos
tem sido cada vez mais frequente sua superação e
atualização nos discursos sobre o vir-a-ser da educação
[...] (RODRIGO, 2009, p. 19)

Kant, um dos mais ilustres representantes do pensamento iluminista, concebia


como menoridade do homem “a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a
direção de outro indivíduo” (2005, p.63). A maioridade, no sentido que nos diz Kant,
refere-se à capacidade de autonomia intelectual. Numa perspectiva de democratização
de acesso ao saber atualmente, muitos julgam que a Universidade pode contribuir,
dentro dos limites que lhes são inerentes, para uma saída da menoridade nesta época de
massificação da instrução. Mas, a tradição tem seu peso e não é tão simples superar a
ambiguidade da relação entre educação e democratização.
A resistência de muitos professores que atuam nas licenciaturas à
democratização do saber, tem sido justificada por meio de vários argumentos, alguns
deles gozando de amplo consenso. Existe o receio de que os conhecimentos de suas
áreas específicas, como matemática, química, filosofia, física, etc. só possam ser
ensinados na escola de educação básica à custa de uma inevitável perda de qualidade e
profundidade. Esse argumento é tão fortemente evidenciado que na prática, os saberes
disciplinares são tratados de maneira enciclopédica, havendo o apelo para uma
divulgação do que já foi pensado. Algumas estratégias de ensino inovadoras buscam
combater esse processo. Mas, somente isso não é suficiente para o desenvolvimento de
uma educação significativa.
Os desafios postos pela escola de massa tornam necessários não apenas romper
com certas práticas pedagógicas tradicionais, mas também aderir a uma nova concepção
de ensino, de escola, de professor. A noção de ensino precisa perder a centralidade. A
educação escolar precisa deixar de gravitar em torno dos saberes formais. Obviamente
essas constatações trazem implícita uma crítica à própria escola, pois a ela competiria
desenvolver as qualificações requeridas para o estudo de conhecimentos. Mas enfim,
seja qual for a razão da escola existir, não podemos negar que ela é muito alheia aos
sujeitos que dela se ocupam. É preciso que a escola vá além de investir na aquisição de
conhecimentos, na capacidade de ler, interpretar, abstrair, argumentar, redigir, etc. É
preciso que nós tenhamos a escola e também a universidade, como campo de formação,
como dotadas de valores educativos porque devem permitir não só adquirir
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conhecimentos, mas também, por meio de tais conteúdos, aprender habilidades,


métodos, atitudes de pesquisar a prática e desenvolver uma vida política através de
modelos de racionalidade.
Assim, os cursos de licenciatura precisam ser organizados de modo que possam
não apenas conceber uma proposta didática para conduzir o professor em formação
inicial para o espaço da escola. Mas, considerar que a realidade perversa a ser
enfrentada na escola de educação básica massificada, é sobretudo um espaço em que os
processos educativos consistirão na aplicação dos sentidos das palavras para uma
mobilização política, na tentativa de melhorar a sociedade, os modos de vidas
individuais e coletivos. Desse modo, penso que os professores formadores, que atuam
conduzindo e coordenando projetos de formação inicial e continuada para professores,
através de ações que funcionam no interior das escolas, devem considerar o duplo
aspecto: a relação com os conteúdos determinados pelos Documentos Oficiais do
Ministério da Educação, bem como os procedimentos concernentes à aquisição crítica
desses conteúdos; e também a autonomia, ou capacidade de conduzir-se por conta
própria, com a possibilidade de conhecer o ambiente escolar, de pensá-lo, de
problematizá-lo. No campo da formação de professores, essa autonomia em si mesmo,
dificilmente poderá ser conquistada com a mera aquisição de conteúdos. Mas, sobretudo
com a vivência partilhada, uma vez que está aliada à apropriação de métodos
individuais de acesso ao conhecimento; é preciso possibilitar que o licenciando
conquiste progressivamente uma autonomia intelectual que o capacite a apropriar-se de
outros saberes por conta própria (Cf. KANT, 2002).
Portanto, penso que do ponto de vista formativo, a formação de professores deve
perseguir, em termos gerais, uma dupla finalidade:

 Criar mediações pedagógicas que facilitem o processo de ensino-aprendizagem;


 Promover a construção de uma atitude política, para a construção de pensar os
espaços de formação, os seus objetivos político-pedagógicos, de modo que se
consiga gradativamente dispersar mediações heterônomas, a fim de que cada um
construa a si próprio, e suas próprias mediações.

3. Formação de Professores... O exercício dos papéis sociais

Esses postulados teóricos assumidos são indissociáveis num projeto educativo que
tenha como horizonte a autonomia intelectual, tanto de formadores, quanto dos
formandos, seja em qualquer nível de ensino. Observamos que, nos cursos de formação
inicial, o licenciando não tem condições de alcançá-la de imediato, há necessidade de
mediações; nessa etapa, a função do professor formador é principalmente de
intermediário entre um saber especializado e os sujeitos que devem ter acesso a ele, mas
que ainda não possuem competência suficiente para fazê-lo por conta própria. Contudo,
o discurso mediador deve ter um caráter necessariamente transitório, sob pena de
prolongar indefinidamente aquilo que Kant denominava de menoridade do homem, quer
dizer, a incapacidade deste de fazer uso de seu próprio entendimento sem a direção de
outra pessoa. (KANT, 2005, p. 63). Sendo assim, nos cursos de formação de
professores, a didática deve ser exercitada na perspectiva de sua própria superação.
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...La gran función de la inteligencia no es conocer y hacer ciencia, sino


dirigir bien el comportamiento. Y uno de esso comportamientos, pero
sólo uno, es hacer ciencia. Otros son crear una familia, intervenir en
política, jugar al baloncesto, tener o no tener una religión, ganarse la
vida, querer a alguien, viver en suma. Por eso, es normal que la
sabiduría - el gran despleigue de la inteligencia - sea necessaria para
todos, sae cual sea nuestra profesión, porque todos tenemos que tomar
decisiones transcendentales en nuestras vidas...
(MARINA, José Antonio. "El aprendizaje de la sabiduría". Editorial
Ariel SA, Barcelona, 2009).

Isso me leva a inferir que a sabedoria não se confunde com a religião nem com a
ciência, mas o modo individual, singular e autêntico com que se usa o pensamento, é ser
autônomo. Freire (1997, p. 24), defende que ensinar pressupõe aprender, e defende que
“a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem
a qual a teoria pode ir virando blablablá e prática de ativismo”. Seguindo esse
pensamento, Nóvoa (1992) também observa que o aprendizado docente e a construção
de específicos saberes profissionais passam por toda sua trajetória de vida. Ninguém se
torna professor por acaso. E também não é sem razão que se simpatiza ou não com este
ou aquele campo de saber. A formação inicial oferece instrumentos e deve preparar-los
no caminho, abrindo horizontes para o exercício pertinente à docência. Mas é no
trabalho pedagógico desenvolvido no chão da escola que efetivamente se configura o
modo peculiar de se atuar, conferindo a identidade, que também se faz em movimento
contínuo e inacabada.
Como observa Mário Sérgio Cortela (2011), de forma caricatural, mas não
menos séria, toda pessoa, e sobretudo todo professor deveria fazer esta pergunta “quem
sou eu?” seguindo esta linha de raciocínio, é preciso ter em mente que nossa relação de
interferência como mundo se dá por intermédio da ação; entretanto, não é uma ação
qualquer o que nos distingue, pois todos os animais tem ação. O que nos diferencia de
fato, é nossa ação transformadora consciente, ou seja, que é reflexiva e se faz capaz de
agir intencionalmente (e não instintivamente ou por reflexo condicionado) em busca de
uma mudança no ambiente que nos favoreça.

Essa ação transformadora consciente é exclusiva do ser humano


e a chamamos trabalho ou práxis; é consequência de um agir
intencional que tem por finalidade a alteração da realidade de
modo a moldá-la às nossas carências e inventar o ambiente
humano (CORTELA, 2011, p. 37)

A escola é assim, um espaço de desenvolvimento de atitudes politizadas. O


trabalho docente é, assim, o instrumento de intervenção sobre o mundo. Para Gomez
(1998) a educação, num sentido amplo, cumpre uma iniludível função de socialização,
desde que a configuração social da espécie se transforma em um fator decisivo da
hominização e em especial da humanização do homem. Nesse aspecto um das funções
do processo de socialização na escola é a formação do cidadão/â para sua intervenção na
vida pública. A escola como espaço para formação de professores deve preparar os
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licenciandos, deve provocar a compreensão de que enquanto formadores devem ter em


si a perspectiva de desenvolver conhecimentos, ideias, atitudes e pautas de
comportamentos que permitam viver, criticar e existir livremente na esfera pública e
privada (da família). Características que são bem diferentes daquelas que requerem sua
incorporação submissa e disciplinada, para a maioria, no mundo do trabalho assalariado.
Observo, nesse sentido, a partir de Gomez (1998) que um dos objetivos da tarefa
educativa da escola obrigatória nas sociedades de massas deve ser provocar e facilitar a
reconstrução dos conhecimentos, atitudes e formas de conduta que os alunos/as
assimilam direta e acriticamente nas práticas sociais de sua vida e paralela à escola.
É preciso que as IES que formam professores tenham em mente que não se
consegue a reconstrução dos conhecimentos dos licenciandos, nem exclusiva nem
prioritariamente, mediante a transmissão ou intercâmbio de ideias, por mais ricas e
fecundas que sejam. Isto ocorre mediante a vivência de um tipo de relações sociais na
aula e na escola, de experiências de aprendizagens partilhadas nos projetos, na
construção de ações que requeiram novos modos de fazer e pensar em outros espaços. É
preciso transformar a vida dos cursos de formação de professores e da escola, de modo
que se possam vivenciar, em sintonia, intercâmbios acadêmicos que induzam à
solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada, assim como a outro tipo
de relações com o conhecimento e a cultura; que estimulem a busca, a comparação, a
crítica, a iniciativa e a criação.

Considerações finais

Este trabalho, se fez como ensaio teórico para refletir e provocar o debate sobre
a reconstrução da ação nos Projetos de Formação Inicial e Continuada de Professores.
Uma vez que a escola, como espaço de formação, exige não só que o professor coloque
o aluno em contato com as aquisições e produções científicas e culturais da
humanidade. A escola é um espaço complexo, no qual se desenvolvem cenários e
modos de vida singulares, claramente determinados pelo contexto, com resultados em
grande parte imprevisíveis e carregados de conflitos de valor que requerem opções
éticas e políticas. Nesse aspecto, a formação do professor precisa se basear
prioritariamente na aprendizagem na prática, para a prática e a partir da prática. Assim,
os professores formadores, mais experimentados devem lançar mão de procedimentos
eficazes que requeiram a intervenção criativa e adaptada às circunstância singulares e
mutantes da aula, da vida escolar (Cf. GOMEZ, 1998, p. 363).
Para Gomez, o conhecimento acadêmico, teórico, científico ou técnico só pode
ser considerado instrumento dos processos de reflexão quando for integrado
significativamente, não em parcelas isoladas da memória semântica, mas nos esquemas
de pensamento mais genéricos que o indivíduo ativa ao interpretar a realidade concreta
em que vive e sobre a qual atua, e quando organiza a sua própria experiência. Assim, o
conhecimento nunca é algo “puro”, mas é alguma coisa contaminada pelas
contingências que rodeiam e impregnam a própria experiência vital.

Referência:

CORTELA, Mario Sergio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e


políticos. 1ª. Edição. SãoPaulo: Cortez, 2011.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes necessários à prática educativa.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

GOMEZ, A. I. Capítulo 1 – As funções sociais da escola: da reprodução à reconstrução


crítica do conhecimento e da experiência. In: SACRISTAN, J. Gimeno & GOMEZ, A.
I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. Trad. ROSA, Ernani F. da Fonseca. 4ª.
Ed. Artmed, São Paulo, 1998.

GOMEZ, A. I. Capítulo 11 – A função e formação do professor/a no ensino para


compreensão: diferentes perspectivas. In: SACRISTAN, J. Gimeno & GOMEZ, A. I.
Pérez. Compreender e transformar o ensino. Trad. ROSA, Ernani F. da Fonseca. 4ª.
Ed. Artmed, São Paulo, 1998.

KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento? (Aufklärung). I: textos


seletos. 3ª. Ed. Petrópolis, Vozes 2005.

KANT, Immanuel. Sobre a Pedagogia. 3a. Ed. Piracicaba: Ed. Unimep. 2002.

MARINA, José Antonio. El aprendizaje de La sabiduría.: aprender a vivir/aprender a


convivir. Barcelona: Editorial Ariel S.A, 2009.

MATOS, Junot Cornélio. A formação pedagógica dos professores de Filosofia: um


debate, muitas vozes. 1ª. Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2013.

NÓVOA, António. Os professores e as Histórias da sua vida. In: NÓVOA. António


(org.) Vidas de professores. Portugal: Porto Editora, 1992.

RPDRIGO, Lídia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino
médio. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.

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