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CENTRO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES VISUAIS
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS
VITÓRIA
2023
CARLA DÉSIRÉE DOS SANTOS MENEZES
VITÓRIA
2023
CARLA DÉSIRÉE DOS SANTOS MENEZES
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________
Profª Drª Aissa Afonso Guimarães
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora
__________________________________
Profº Drº Osvaldo Martins de Oliveira
Universidade Federal do Espírito Santo
__________________________________
Profº Me. Rafael Pagatini
Universidade Federal do Espírito Santo
AGRADECIMENTOS
De início agradeço à minha mãe Jovelina Santos e ao meu pai Carlos Irapuan, por
me incentivarem aos estudos desde muito nova, sem eles e os dizeres sobre a
importância da educação durante toda a minha criação esse caminho jamais teria
sido iniciado.
Agradeço aos Babás do meu terreiro, a minha madrinha Marly Caetano, a madrinha
Maria Conceição e o padrinho Heliomar de Ogum, por me acolherem e passarem
ensinamentos tão importantes ao longo de minha vida espiritual e caminhada no
terreiro que reverberam na produção deste trabalho e na minha vida.
Agradeço imensamente aos professores Drª Aissa Afonso Guimarães e Prof. Drº
Osvaldo Martins Oliveira por acreditarem nas minhas produções e processos desde
o início da minha graduação e que foram mediadores de caminhos que
reverberaram em produções, publicações e exposições, isso fez muita diferença em
meu processo acadêmico e de vida. Um agradecimento especial a orientação da
professora Aissa nesse trabalho de conclusão de curso.
Laroyê Exu!
Laroyê Pombagira!
Adorei as Almas!
Okê Caboclos!
1
Agô
gravura em metal, Carla Désirée 2022
1
ÀGÔ, s. Forma de pedir licença. Agô onílé o - Com licença ao dono da casa. (BENISTE, 2010, p.51)
LISTA DE FIGURAS
Figura 10: Estrela localizada ao centro do terreiro, no salão em que ocorre as giras.
INTRODUÇÃO..……………………………………………………………………...………7
Capítulo 1: UMBANDA.......………………………………………………………...…… 13
CONSIDERAÇÕES FINAIS....…………………………………...………………….….. 54
ANEXOS….……………………………………………………………………...………… 60
INTRODUÇÃO
O trabalho se inicia com a obra chamada Agô, a velha detém muitos saberes, habita
um corpo mestiço e representa a entidade de outro plano astral habitando um corpo
contemporâneo, com marcas de vida e desenhos que carregam consigo elementos
presentes nos pontos riscados da umbanda, de culturas brasileiras, africanas,
indígenas e grafismos utilizados nas tatuagens do corpo contemporâneo. A obra é
uma cópia de uma gravura em metal gerada a partir da matriz produzida na placa de
cobre, com técnicas diretas e indiretas de gravação, Agô, traz a minha percepção
como artista sobre a ancestralidade, através da imagem de uma preta-velha,
entidade presente, respeitada, cultuada e escutada nos rituais de Umbanda, religião
que pesquisamos. A preta-velha é o elo que conecta meu objeto de pesquisa e
minhas produções artísticas.
7
pinturas.
A minha trajetória acadêmica foi fator fundamental no meu interesse pela pesquisa e
pelo tema desta pesquisa. Adentrei na Universidade Federal do Espírito Santo no
ano de 2014, no curso de História, do qual cursei três períodos; em 2016 fiz outro
vestibular para Artes Visuais, porém o interesse pela história e em especial a história
afro-brasileira continuou e pude mesclar os processos artísticos com a pesquisa
dentro da Universidade.
2
Foram 5 textos publicados nesse período: MENEZES, Carla Désirée dos S. Gieussi de Omolu:
Dedicação às divindades do Candomblé e da Umbanda. In: Africanidades e seus zeladores (Org.
Cleyde R. Amorim e Osvaldo M. de Oliveira). Vitória: PROEX/UFES, 2017. / MENEZES, Carla
Désirée dos S.. Mãe Célia de Iansã. In: Africanidades e seus zeladores (Org. Cleyde R. Amorim e
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Candomblé da Grande Vitória; percebo esse momento como o início, de fato, do
meu interesse pela pesquisa e pelas possibilidades de desdobramentos que a
pesquisa pode proporcionar.
Em 2017 com a finalização do livro e fim da pesquisa, pude participar como bolsista3
e contribuir com o programa de Extensão “Jongos e Caxambus: memórias de
mestres e patrimônio afro-brasileiro no Espírito Santo” coordenado pela professora
Drª Aissa Afonso Guimarães em parceria com Drº Osvaldo Martins de Oliveira
(UFES) e Drª Patrícia Gomes Rufino Andrade (UFES). O projeto se caracteriza pela
interdisciplinaridade, abrangendo as áreas de Artes, Antropologia e Educação.
Realiza e engloba desde 2012 ações de extensão, ensino e pesquisa de graduação
e pós-graduação, atividades relacionadas à memória dos mestres e mestras do
Jongo e do Caxambu no Espírito Santo. Durante sua vigência realizou encontros
comunitários nas regiões sul e norte do Estado. E em 2017 foi lançado o livro
“Jongos e Caxambus: culturas afro-brasileiras no Espírito Santo” como uma das
devolutivas da pesquisa.
Osvaldo M. de Oliveira). Vitória: PROEX/UFES, 2017 / MENEZES Carla Désirée dos S.. Mãe Anacé
de Oxossi. In: Africanidades e seus zeladores (Org. Cleyde R. Amorim e Osvaldo M. de Oliveira).
Vitória: PROEX/UFES, 2017. / MENEZES, Carla Désirée dos S.. Pai Sérgio de Ayrá: Dedicação
incansável à religião . In: Africanidades e seus zeladores (Org. Cleyde R. Amorim e Osvaldo M. de
Oliveira). Vitória: PROEX/UFES, 2017 / MENEZES, Carla Désirée dos S.. Pai Simão. In:Africanidades
e seus zeladores (Org. Cleyde R. Amorim e Osvaldo M. de Oliveira). Vitória:PROEX/UFES, 2017.
3
A pesquisa e as ações realizadas, nos anos de 2016 e 2017, dentro do “Programa de Extensão
Jongos e Caxambus: memórias de mestres e patrimônio afro-brasileiro no ES” obtiveram recursos por
meio do Edital ProExt MEC/Sisu 2015 – PROEX/UFES.
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também foi realizada parcialmente, em Itaúnas, em janeiro de 2019, em parceria
com o Projeto de Pesquisa “Africanidades Transatlânticas: culturas, histórias e
memórias afro-brasileiras à partir do Espírito Santo” (2018/2019
UFES/FAPES/SECULT). E em Muqui em novembro de 2019, também parcialmente,
com os desenhos de mestres da região sul, em parceria com o Caxambu da Família
Rosa e com Associação Afrodescendente de Muqui.
O primeiro capítulo traz uma breve introdução sobre a história da Umbanda, religião
afro-brasileira que recebeu em sua formação influências de outras religiões. A
Umbanda enaltece as forças da natureza em uma coroa divina composta por Orixás,
10
possui vínculo com espíritos encantados que viveram em tempos antigos, as
entidades4 exus, pombagiras, caboclos, pretos e pretas velhas, crianças/erês,
boiadeiros, marinheiros e baianos. Também trabalha com magia através de ervas e
símbolos. Os pontos riscados ou pontos de pemba5, tema norteador desta pesquisa,
são desenhos mágicos, portais de conexão e firmeza com outros planos astrais
feitos no chão durante os rituais de Umbanda pelas entidades que estão gerindo os
trabalhos6 num determinado momento..
O segundo capítulo traz a história do Centro Espírita Paz Amor e Caridade Canabibi,
localizado no bairro Fradinhos em Vitória, é o terreiro de Umbanda mais antigo do
município, casa em que eu, Carla Désirée, frequento há quatro anos. Para a
execução deste capítulo houve três caminhos feitos em tempos diferentes para a
conclusão e organização desse momento. O primeiro caminho foi a presença e
alguns registros em giras e festas em que estive presente, as fotografias
4
Segue uma breve explicação sobre as entidades da Umbanda, que serão tratadas com mais
detalhes nos próximos capítulos: Os exus são entidades espirituais que atuam como guardiões e
mensageiros, intermediando a comunicação entre o plano terreno e o plano espiritual. As pombagiras
são entidades femininas que representam a energia feminina na Umbanda. Os caboclos são
entidades que representam a sabedoria ancestral indígena e têm uma forte conexão com a natureza.
As pretas e pretos velhos são entidades espirituais que representam os ancestrais sábios, muitos
deles vieram de África, conhecidos por sua sabedoria, paciência e humildade. Os erês são entidades
espirituais das crianças que trazem alegria, pureza e sabedoria.
5
Nome do giz utilizado para a realização dos pontos riscados, também pode ser chamado de riscador.
6
A palavra ‘trabalho’ quando se referir ao terreiro pode dizer sobre um ritual realizado para limpezas e
descarregos individuais ou coletivos, também pode se referir a oferendas para orixás e entidades que
trabalham nos terreiros de umbanda; As oferendas podem ser realizadas dentro da casa ou em locais
específicos que concentram as energias do orixá, cabe ao leitor contextualizar na frase o tipo do
trabalho a qual o texto se refere.
11
apresentadas ao longo deste trabalho foram realizadas em conjunto com o meu
trajeto dentro do terreiro. O segundo caminho foi o diálogo com as lideranças sobre
a Umbanda, sobre os pontos riscados e sobre os momentos em que eles surgem
durante as giras. O terceiro caminho foi a busca de referências escritas sobre a
Umbanda, a Umbanda capixaba e os pontos riscados. E a relação dos pontos
riscados nos espaços do terreiro.
O terceiro capítulo conta com uma produção artística pessoal realizada ao longo do
meu processo de formação, a partir de práticas e técnicas que aprendi dentro da
Universidade Federal do Espírito Santo, relacionadas com as sabedorias de terreiro,
pontos riscados e elementos utilizados durante a gira, como flores e ervas. Todas as
imagens da pesquisa foram realizadas por mim, ao longo da monografia, da minha
vivência no terreiro, de minhas produções e de meus caminhos.
12
Capítulo 1. UMBANDA
1.1Caminho e possibilidade
Ainda sobre a Cabula faço referência ao trecho presente em Kitábu: o livro do saber
e do espírito negro-africanos de Nei Lopes, que possui alguma afinidade e/ou
semelhança com ritos da Umbanda praticada atualmente no Espírito Santo:
“[...] ele seria fundador de uma nova religião, uma religião verdadeiramente
brasileira dedicada ao culto e evolução dos espíritos brasileiros: os caboclos
e pretos velhos”. A nova religião daria a esses espíritos a atenção negada
pelos kardecistas e o respeito que lhes negava a religião oficial[...]no dia e
hora combinados, uma multidão de curiosos se aglomera em torno de sua
casa, pois a notícia de sua cura milagrosa espalhara-se como fogo no
matagal ressecado. Ele então recebe a profetizada visita do caboclo que lhe
confirma a missão de fundar uma nova religião, a qual seria chamada
“Umbanda” (LIGIÉRO, 2000, p.75)
Levar em consideração o grupo de Zélio e a área em que ele trabalhava é algo que
pode ser um dos fatores que contribuíram para a aceitação social da religião e para
7
Engoma pode ter relação com angoma, no Caxambu nome atribuído ao tambor escavado no tronco
da madeira, também é roda e canto. (GUIMARÃES e OLIVEIRA, 2017) Tambu e puíta também são
nomes atribuídos aos tambores nos caxambus do RJ.
14
a popularização da Umbanda no século XX em território nacional e, pois muitas das
práticas religiosas existentes na Umbanda fundada por Zélio já existiam e faziam
parte de diversas religiões no Brasil, assim como o própria Cabula, a Jurema, o
Candomblé de Caboclo, o Batuque, os cultos a orixás e outras religiões
afro-brasileiras e afro-indígenas. Tais religiões, que eram compostas por maioria de
pessoas negras e pardas de classes sociais mais baixas eram criminalizadas.
Segundo Monteiro, Versiani e Chagas (2022):
Professor Sidnei Nogueira (2021) sobre a Umbanda e o trajeto dela diz que:
“A Umbanda também é uma religião perseguida, [...] Durante o período da
Santa Inquisição do final do século XVI e início do século XVII documentos
da Inquisição que evidenciam uma prática ritual muito assemelhada ao que
chamamos de Umbanda hoje. Uma prática mediúnica de incorporação de
espíritos, de dança, de cura, então a umbanda mimetiza a pajelança dos
povos originários que nós chamamos de indígenas. Mimetiza rituais
africanos predominantemente dos escravizados Bantu no século XVI e XVII
no escravismo praticado nos séculos XVI e XVII, ela mimetiza isso ao
kardecismo, e elementos coloniais da igreja católica, então na verdade a
umbanda é uma grande magia que permite que sem máquina do tempo que
nós acessamos por meio da mediunidade, pretos velhos escravizados [...] e
até antes do período escravagista no Brasil. Caboclos, que são os povos
originários que nós chamamos de índios, Pombagiras que são espíritos de
mulheres que estavam além do seu tempo nos séculos XVI, XVII, XVIII [...]
homens além do seu tempo representando a malandragem, o progresso, a
determinação, que são os exus, que são espíritos encantados,´[...] a
Umbanda é muito brasileira porque ela é pluriversal. (Nogueira, Sidnei. 02
A “tradição” do racismo religioso com prof. Sidnei Nogueira. Podcast:
Comunicadora - Assessoria e Comunicação. 13 de março de 2021. Minuto
00:01.)
Diante da perseguição sobre a qual Sidnei Nogueira (2021) fala, a defesa dos
15
direitos e reconhecimento do Estado para com as religiões afro-brasileiras só foi
ocorrer, séculos após os primeiros registros de “macumbas” realizadas no Brasil,
tema que será discutido no próximo subcapítulo.
16
A criminalização das práticas afro-brasileiras não ocorria somente em âmbito
religioso, mas em outras expressões culturais das populações negras, como a
capoeira, que em 1937, durante o Estado Novo, Getúlio Vargas foi proibida por meio
do Decreto-Lei nº 3.199, considerando-a como atividade criminosa. A justificativa
para essa criminalização era associar a capoeira à violência, à criminalidade e à
marginalidade, assim como a uma resistência cultural dos negros e dos
descendentes de africanos.
A retirada das obras do acervo da Polícia Civil ocorreu após muita luta, diálogo e
reivindicações. Também foi criado, um plano Museológico, elaborado junto com o
povo de terreiro e Mário Chagas diretor do Museu da República na época. S,
Monteiro, Versiani e Chagas (2022):
9
A entrevista pode ser assistida no documentário Respeita Nosso Sagrado, que registra o dia de
transferência do Nosso Sagrado para o Museu da República, em 21/09/2020. A produção audiovisual
da Quiprocó Filmes e direção de Fernando Sousa e Gabriel Barbosa, o documentário foi lançado em
20/11/2020. Disponível em:
https://www.facebook.com/quiprocofilmes/videos/respeita-nosso-sagrado/846492332769638/. Acesso
em: 05 de maio de 2023.
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oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura
afro-brasileira”. A lei torna obrigatório o ensino sobre a História e Cultura
afro-brasileira, também inclui o estudo da História da África e dos Africanos. Até
então, além da perseguição à cultura do povo africano e afro-brasileiro, o
apagamento histórico também se dava pelo não dizer, pela tentativa de fazer
esquecer a história de todo um povo. Rufino (2019) diz que:
Em 2005 foi dado mais um passo contra o caminho do esquecimento criando uma
nova possibilidade de narrativa para o povo de terreiro a partir da I Conferência
Nacional de Promoção da Igualdade Racial, CONAPIR, no relatório final10 o Estado
brasileiro reconhece pela primeira vez a importância das comunidades de terreiro na
construção cultural brasileira. “O Estado brasileiro não pode desconsiderar o papel
histórico e a contribuição que as religiões de matriz africana tiveram na formação da
identidade e costumes do povo brasileiro” (BRASIL, 2005, p.105). Durante a
Conferência também foi evidenciada e reconhecida a dívida histórica que o Estado
brasileiro possui com os povos praticantes de religiões de matriz africana, “uma vez
que essa história foi marcada pela perseguição às suas manifestações, territórios,
objetos sagrados e seguidores” (BRASIL, 2005, p.105).
10
Relatório final, 1º conferência promoção Nacional de Promoção de IPEA, 2005. Disponível em:
<https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/conferencias/Igualdade_Racial/relatorio_1_confere
ncia_promocao_igualdade_racial.pdf>. Acesso em: 17, janeiro 2023.
20
dessas comunidades.
11
Durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, em 2019, o MinC foi extinto e suas atribuições
foram incorporadas ao Ministério do Turismo. A extinção do MinC gerou controvérsias e críticas por
parte de diversos setores da sociedade, incluindo artistas, produtores culturais, intelectuais e
acadêmicos. A decisão compromete a autonomia e a promoção da cultura brasileira, além de reduzir
o orçamento destinado ao setor cultural com a incorporação das atribuições do MinC pelo Ministério
do Turismo, momento em que houve uma redução significativa do orçamento destinado à cultura.
Isso afetou a capacidade do governo de fomentar projetos culturais e de apoiar a produção artística e
cultural em todo o país.
21
Patrimônio Cultural”, o qual foi contemplado com recurso do MEC e realizado
durante os anos de 2015 e 2016. O mapeamento das comunidades de Candomblé
resultou no livro Africanidades e seus zeladores: identidades, religiosidade e
patrimônio cultural, organizado por Cleyde R. Amorim e Osvaldo M. Oliveira,
coordenadores do programa, na qual, como bolsista, pude contribuir com textos,
fotografias e croquis dos terreiros. Segundo a contracapa do livro Amorim e Oliveira
(2017):
Apesar das ações tomadas pelo Estado brasileiro na defesa dos direitos e proteção
da religião, ainda são muitos os casos de racismo religioso que ocorrem no Brasil. O
II Relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe da Unesco12
diz que: “No ano de 2021 segundo os dados do Ministério da Mulher da Família e
dos Direitos Humanos (disque 100) o Brasil teve um total de 966 casos de
intolerância religiosa distribuídos entre: matriz africana 244 casos, não-definida 234
casos, evangélica 186 casos, demais religiões 160 casos” (UNESCO, 2023). Ainda
12
II Relatório sobre intolerância religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. UNESCO . Rio de
Janeiro, 2023. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000384250 Acesso em:
20 abr 2023.
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que a maior parte da população brasileira seja pertencente a religiões cristãs, os
números de casos de racismo religioso e ataques a espaços religiosos são muito
maiores contra as religiões afro-brasileiras e de matriz africana.
Os altos números de ataques a terreiros religiosos são uma triste realidade que
evidencia a persistência do racismo religioso e da intolerância no Brasil. No Espírito
Santo os números de intolerância triplicaram entre 2021 e 202213. Diante desse
cenário, a continuidade de políticas voltadas para a proteção e para a educação
étnico-racial se torna crucial como garantia do exercício pleno da liberdade religiosa.
Além de políticas e diálogos que promovam a conscientização, o respeito e a
valorização da diversidade religiosa, a educação é um campo fundamental para
promoção da transformação social necessária, para combater o racismo religioso e
construir um país mais inclusivo e respeitoso com a diversidade religiosa.
Em 11 de janeiro de 2023 foi sancionada uma LEI Nº 14.53214, pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, que equipara o crime de injúria racial ao crime de racismo e
também protege a liberdade religiosa. Agora é previsto dois a cinco anos para
quem obstar, impedir ou empregar violência contra manifestações ou práticas
religiosas, além de pagamento de multa. Assim, a legislação brasileira avança para
o reconhecimento das religiões de matriz africana como parte da diversidade
religiosa do país, garantindo a liberdade de culto e o combate à intolerância
religiosa.
13
Casos de intolerância religiosa triplicaram entre 2021 e 2022 no ES - ES TV, 06 de maio de
2023. Disponível em https://globoplay.globo.com/v/11596013/. Acesso em 2 de junho de 2023.
14
BRASIL. 2023. LEI Nº 14.532 DE 11 de janeiro de 2023.
23
Capítulo 2
2.1 Centro Espírita Paz Amor e Caridade Canabibi, história e uma parte do
caminho
“As filhas do senhor João eram o principal instrumento de Deus para o
trabalho da caridade. Mariazinha incorporava a Cabocla Canabibi e Didi a
Cabocla Jatobá. [...] O movimento em busca de auxílio crescia dia a dia.
Mas a ignorância é inerente ao ser humano. A polícia vez por outra dava
batidas naquela casa. Para evitar problemas deste tipo, Sylvino Fontes
resolveu legalizar o centro. No dia 10 de fevereiro de 1942, a primeira
diretoria do CEPAC15 deu entrada no cartório Maria Leão Lopes Ribeiro, na
cidade de Vitória, para sua legalização, assumindo a presidência Alfredo
Rodrigues da Silva. “(ANTOLINI, 1992, p.12 e 13)
15
Centro Espírita Paz Amor e Caridade Canabibi.
16
Livreto disponível no arquivo anexo desse trabalho.
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procurava auxílio, com a alta demanda de atendimentos e frequentadores do
terreiro, Mário Monjardim17, cedeu por um período de cinco anos a casa de sua
família, localizada em Fradinhos para os atendimentos e realização das giras. Mario,
também doou o terreno para a construção do Centro, havia uma pedreira localizada
ao centro do terreno.
Há um ponto que se canta na Umbanda com os dizeres: “Xangô meu pai, deixa essa
pedreira aí, Umbanda tá lhe chamando, deixa essa pedreira”, e outro que diz “Xangô
é rei na cachoeira, Xangô é chefe na pedreira". A relação da pedreira com o Orixá e
com a religião é direta, este pode ter sido um dos pontos levados em consideração
para a não remoção da pedreira durante a construção do terreiro. O terreiro é
firmado na pedreira de Xangô, Orixá que também é, segundo (PRANDI 2001, p. 1),
“conhecedor dos caminhos do poder secular, governador da justiça”.
A nova sede demorou cerca de dois anos para ser construída, Sylvino Fontes, seus
filhos e Mário Monjardim trabalharam ativamente na construção do Centro, até que a
diretoria conseguiu ajuda do Instituto de Readaptação Social da Glória, em Vila
Velha; um grupo de presidiários atravessava a Baía de Vitória de bote para prestar
auxílio na construção da sede uma vez por semana. Em 1951, acima de uma
pedreira a nova sede ficou pronta e permanece em atividade até os dias atuais.
A liderança dos trabalhos na casa foi um lugar ocupado por muitas pessoas ao longo
dos anos, sendo Maria Borloth Monjardim a liderança que ficou mais tempo à frente
dos trabalhos do terreiro, até o afastamento por problemas de saúde. Atualmente a
lideram e dirigem dos trabalhos: Maria Conceição, Marly Lúcio e Heliomar de Ogum.
17
Mário Monjardim foi frequentador e parte da corrente mediúnica do Centro Canabibi.
18
Nesta pesquisa irei me referir ao Centro Espírita Canabibi de diferentes formas como: Centro, Casa
ou Terreiro, pois são as formas que os frequentadores e participantes utilizam para se referir ao
espaço.
25
flores e ervas de forma única; sendo dentro da casa Canabibi muito evidente a
diversidade e multiplicidade da Umbanda.
O terreiro possui uma organização anual em relação aos trabalhos, dias de gira e
homenagens. As giras abertas ocorrem às segundas-feiras e sextas-feiras. Na
primeira terça-feira do mês são realizados trabalhos na sala Bezerra de Menezes,
onde acontecem as cirurgias espirituais, para tratar problemas de saúde. Às
quartas-feiras são realizadas giras internas para desenvolvimento do corpo
mediúnico e na última sexta-feira no mês são realizados os trabalhos de Calunga,
nessa gira quem trabalha são os exus e as pombagiras dos cemitérios,
denominados povo da Calunga, segundo os ensinamentos do terreiro. Todos os
trabalhos realizados são previamente agendados a partir das consultas realizadas
nas giras abertas de segunda-feira.
26
O ritual em homenagem e agradecimento a Iemanjá ocorre todo dia 2 de fevereiro
na praia de Camburi, (Figura 2) Iemanjá é “[...] a senhora das grandes águas, mãe
dos deuses, dos homens e dos peixes, aquela que rege o equilíbrio emocional e a
loucura” (PRANDI, 2001, p.22). Neste dia é comemorado no calendário católico do
Brasil o dia da Nossa Senhora dos Navegantes, protetora dos pescadores, que faz
relação com Iemanjá nas relações sincréticas de Umbanda.
19
A escultura em 1988 foi encomendada pelo prefeito da época, Hermes Laranja ao artista Ioannis
Zavoudakis. O monumento possui 3,10 m de altura além da base e uma largura que varia entre
4,70m e 4,10 m. Em 2017 a escultura passou por um processo de readequação, o monumento
ganhou uma nova cor de pele, coroa e vestido. Iemanjá que estava representada na cor branca foi
pintada de marrom, representando o povo preto, respeitando a valorização da diversidade cultural..A
Gazeta. Branca ou negra? A mudança na estátua de Iemanjá em Vitória. Disponível em:
https://www.agazeta.com.br/capixapedia/branca-ou-negra-a-mudanca-na-estatua-de-iemanja-em-vitor
ia-0221. Acesso em 16 de julho de 2023.
27
Figura 2: Gira em homenagem a Iemanjá, realizada pelo CEPAC, Praia de Camburi - Vitória - ES,
2019, Foto: Carla Désirée.
O Canabibi neste dia tem por tradição confeccionar uma estrela na areia da praia,
geralmente a estrela está dentro de um círculo cercado de conchas, flores e velas
acesas, a imagem de Iemanjá é sempre colocada ao centro (Figura 2). A estrela
também pode ser visualizada por praticantes da religião como o símbolo dos cinco
elementos: terra, água, fogo, ar e espírito. No ritual da praia também serve como
demarcação do espaço. Neste dia são realizadas oferendas e entregas de um barco
com flores e um manjar, além da realização de passes20 por entidades de caboclos e
marujos.
“Caboclo risca seu ponto na rodilha do cipó, Caboclo risca seu ponto na
rodilha do Cipó” 
29
Os desenhos são representações gráficas de elementos cotidianamente presentes
na religião e na vivência espiritual das entidades que estão trabalhando, como: sol,
lua, estrelas, ondas, flechas, linhas, retas, espirais, horizontes, círculos, cruzes,
tridentes, caminhos e encruzilhadas. Segundo Ligiéro e Dandara:
“O ponto riscado encontra os seus equivalentes na firma da religião cubana
chamada Palo ou Regla de Mayombe; na escrita sagrada intitulada
Anaforuana, desenvolvida pelo povo abaquá da África e seus descendentes
cuba; nos diagramas Vevé, utilizados no Haiti e em Nova York para invocar
os voduns; e na escrita ideográfica Adinkara21, desenvolvida pelo povo akan
de Gana e da Costa do Marfim. Todos esses diagramas, ou assinaturas de
espíritos, bem como os pontos riscados da umbanda, têm sua matriz
comum no cosmograma kongo chamado genericamente dikenga. (LIGIÈRO,
Zeca, DANDARA 1998, p.134 e 135)
21
Também identificado como Adinkra.
30
Figura 3: Croqui do Centro Espírita Paz Amor e Caridade Canabibi
31
Figura 4: Legenda do croqui
Cleber Maciel, durante a sua pesquisa também fala sobre os pontos riscados no
CEPAC:
“Enquanto a defumação continua, já vão sendo cantados pontos para a
Cabocla Jurema e o povo de Umbanda. A Cabocla Jurema “desce na”
médium Chefe e risca muitos pontos na firmeza, em torno de 3 rosas
vermelhas já lá depositadas, enquanto os demais médiuns vão recebendo
seus Caboclos que também vão ao Centro da firmeza fazer os seus
“riscados”” (MACIEL, Cleber, 1992, p.155)
A palavra “riscados”, que Cleber Maciel cita, se refere aos pontos riscados
realizados na estrela e alguns deles podem ser observados na Figura 5.
32
Figura 5: Estrela do CEPAC com Pontos Riscados e flores no dia de Homenagem a cabocla
Canabibi, 14 de março de 2019. Foto: Carla Désirée.
33
Figura 6: Quadro localizado no terreiro, relacionando as cores com orixás. fevereiro de 2023.Foto:
Carla Désirée.
A gira é aberta com os médiuns em torno da estrela, pedindo licença a Ogum para
início da defumação, os primeiros pontos riscados da noite são realizados dentro da
estrela, pela entidade que lidera os trabalhos da noite ao mesmo tempo em que se
canta o ponto para Oxalá: “Eu abro a nossa gira, pedindo de coração, ao nosso pai
Oxalá, que nos ajude a seguir a missão”. 
Figura 7: MACIEL, Cleber. Candomblé e Umbanda no Espírito Santo: práticas culturais religiosas
afro-capixabas. 1 edição. Vitória: Nume produções ltda, 1992, p. 168.
35
Os pontos riscados ao longo da gira, dentro da estrela, sempre são trocados na
medida em que se muda o momento do ritual, o primeiro é riscado na abertura dos
trabalhos, depois é apagado e alterado no momento de aplicação dos passes,
terminado os passes e dado início os trabalhos de puxadas22 são riscados outros
pontos, e para a finalização dos trabalhos da noite é riscado um último ponto.
22
“As puxadas são passes coletivos. Uma ou mais pessoas recebendo e vários médiuns incorporados
dando o passe” (MACIEL 1992, p.151).
23
As consultas no CEPAC geralmente ocorrem com os pretos-velhos e caboclos. São conversas da
pessoa da assistência com as entidades e é agendada em momento anterior a gira. Nos dias de
consulta o salão em que ocorre as giras é organizado com mesas, bancos e cadeiras, e o consulente
senta de frente com a entidade para uma conversa. Geralmente após as consultas são
recomendados banhos de ervas, as ervas são prescritas de acordo com necessidade individual.
24
Aparelho é o nome dado dentro do terreiro para o corpo que foi o transporte da manifestação da
entidade.
25
Nome utilizado dentro do terreiro para se referir à cachaça, aguardente feita de cana-de-açúcar.
36
do terreiro uma porta foi aberta para encaminhamento dos males que acompanham
o indivíduo, e a partir do momento que foi apagada, aquela porta foi fechada.
Figura 8: Ponto riscado para exu, ao lado esquerdo na entrada do CEPAC, novembro de 2022,
Vitória - ES. foto: Carla Désirée
Figura 9: Firmeza para caboclos, ao lado direito na entrada do CEPAC, novembro de 2022, Vitória -
ES. foto: Carla Désirée.
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Nas porteiras, entradas e saídas do terreiro, são observados os pontos riscados
para os exus (Figura 8), junto com um coité preenchido com marafo, e o ponto
riscado para os caboclos (Figura 9) acompanhado de uma vela e um copo de água,
quando situados nas entradas do terreiro funcionam como firmeza de proteção,
estes são pontos fixos durante a gira. Os pontos riscados fixos são saudados por
todas as entidades presentes durante a gira.
“Exu é o orixá sempre presente, pois o culto de cada um dos demais orixás
depende de seu papel de mensageiro. Sem ele, os orixás e humanos não
podem se comunicar. Também chamado Legba, Bará e Eleguá, sem sua
participação não existe movimento, mudança ou reprodução, nem trocas
mercantis, nem fecundação biológica. Na época dos primeiros contatos de
missionários cristãos com os iorubás na África, exu foi grosseiramente
identificado pelos europeus com o diabo e ele carrega esse fardo até os
dias de hoje.” (PRANDI, 2001, p. 20)
Na última sexta feira do mês é realizada uma gira na qual o terreiro denomina como
38
gira de Calunga. O ponto riscado surge da seguinte forma: o consulente se senta em
uma cadeira e próximo a seus pés é riscado um ponto, após o ponto riscado aos pés
do consulente são colocados em cima algumas velas, flores e pipoca26. A partir da
firmeza feita se inicia o trabalho com o povo da Calunga, as luzes do terreiro são
apagadas e a partir de então são realizadas as puxadas e descarregos. Para a
finalização do trabalho o consulente recebe um banho de pipoca e após a finalização
do banho todos os elementos utilizados no trabalho são queimados com cachaça
dentro de um alguidar.
Rufino (2019) nos conduz a uma reflexão profunda sobre o conceito de caboclo, que
vai além de uma simples definição ou identificação. É apresentado como um ser
supravivente, cuja existência transcende o tempo e desafia as noções
preestabelecidas de civilidade. Esse corpo encantado é fundamental nos trabalhos
realizados na Umbanda, também está relacionado27 com as encruzilhadas, assim
26
A pipoca na umbanda é associada aos Orixá Obaluaê e Omolu, que estão relacionados à cura.
27
A relação dos caboclos com as encruzilhadas pode ser observada no ponto cantado de Umbanda
“Caboclo das Sete Encruzilhadas Santo Antônio ele é, Caboclo das sete encruzilhadas Santo Antonio
ele é; amarrador de feiticeiro, no cordão da sua fé. [...]” O ponto cantado relaciona o caboclo com
Santo Antônio e com as encruzilhadas, lugar que também é de exu, como citado em outros
momentos deste trabalho.
39
como exu.
Outro ponto riscado que ocorre nas giras do Canabibi é o ponto de finalização da
sessão (Figura 10), que é riscado enquanto se canta “Eu vi Santa Bárbara no céu, e
a trovoada roncou no mar. Girar me vou êe, girar me vou êa. O céu está coberto de
estrelas, o mar está coberto de rosas. Filhos de Umbanda, por que é que choram?
são os seus caboclos, que já vão embora” nesse momento os caboclos se
encaminham e os médiuns desincorporam. Logo em seguida são realizados
agradecimentos às entidades e aos orixás, e são finalizados os trabalhos da noite.
40
Figura 10: Ponto riscado para finalizar a gira e encaminhar os caboclos de volta aos seus planos
astrais de origem na estrela localizada ao centro do terreiro do salão em que ocorrem as giras.
41
CAPÍTULO 3 PRODUÇÃO ARTÍSTICA A PARTIR DOS ENSINAMENTOS DO
TERREIRO
O primeiro trabalho que exponho, e que considero como início do processo de uma
produção que surge a partir do caminho junto ao terreiro, se chama Aruanda (Figura
42
11). A pintura foi materializada com terra, a partir de terras de diferentes cores
coletadas na região do Caparaó, sul do Espírito Santo. Aruanda foi pensada a partir
das memórias das velhas que trabalham nos terreiros e fez parte de uma série que
materializou pinturas feitas com a terra.
28
A exposição mapeada, também conhecida em mapeamento de projeção é uma técnica audiovisual
que consiste em projetar imagens, vídeos ou animações em superfícies tridimensionais, geralmente
em edifícios, monumentos, esculturas ou qualquer estrutura arquitetônica.
29
Mais detalhes das exposições Disponível em:
https://www.behance.net/gallery/173013415/Curadoria-e-producao-Exposicao-Olope: Acessado em
1ºde julho de 2023 13:07h
43
Figura 11: Aruanda, tinta de terra sobre algodão. 20x30cm. Carla Désirée. junho de 2020.
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Figura 12: Exposição Olope, obra Aruanda, 2021. Foto: Carla Désirée
O segundo trabalho que apresento se chama Laroyê (Figura 13), uma xilogravura
impressa em papel de arroz e tem aproximadamente 20 x 24,5 cm.
O trabalho Laroyê foi produzido em 2022 faz referência aos símbolos e elementos
relacionados aos exus e pombagiras e possui uma composição visual que
representa a flor dama da noite ao centro do trabalho, tridentes, folhas, estrelas e
losango. A cor branca da gravura faz referência à representação visual religiosa dos
pontos riscados com pemba branca.
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A flor, dama da noite — que está representada na gravura — na umbanda é
oferecida de presente para as pombagiras, chamadas de moças, rainhas das
estradas e dos caminhos, sábias, feiticeiras, entidades que alcançaram um plano
astral elevado e que se presentificam nos terreiros para ensinar, para transgredir
com os ensinamentos do sistema dos colonizadores, vem para a terra encantar e
trabalhar. “A pombagira é o enigma que poetiza as transgressões necessárias às
normatizações da dominação do homem na sociedade, que inferioriza, regula e
interdita o papel da mulher” (SIMAS e RUFINO, 2018, p.90). Rufino (2019)
46
Figura 13: Laroyê, xilogravura, 2022. Carla Désirée.
47
O terceiro trabalho (Figura 14) é uma tatuagem, vivência pessoal e profissional que
caminha comigo desde 2018. A técnica da tatuagem é uma prática milenar que
envolve a aplicação de pigmentos na pele através de agulhas e tintas resultando em
desenhos permanentes. É realizada com o uso da máquina como intermediadora da
agulha que insere a tinta na pele. Atualmente existem diversos tipos de máquinas e
agulhas disponíveis para a realização da tatuagem. A máquina que utilizei para a
execução do trabalho foi uma máquina de bobina, seu funcionamento depende do
transporte da energia acionada por uma fonte conectada a um cabo que liga a
máquina. A energia passa por duas bobinas de fios de cobre que geram forças
eletromagnéticas que atraem o batedor, na qual a agulha está conectada, para
baixo, o movimento perfura a pele. Após esse momento o circuito energético é
quebrado puxando a agulha de volta para cima, esse movimento faz com que a
agulha bata diversas vezes por segundo possibilitando a continuidade do desenho.
Para cobrir 5 cm quadrados de pele, a máquina faz até 28 mil perfurações30.
Para a execução do trabalho foi utilizada uma agulha para traço com numeração
9RS, a especificidade dessa agulha é que ela possui 9 micro agulhas soldadas
formando uma, a variação da espessura do traço depende da quantidade de micro
agulhas soldadas em cada agulha. A agulha 1RS é a que possibilita um traço mais
fino e a agulha 18RS um traço mais grosso.
30
“Como funciona uma máquina de tatuagem?” Disponível em :
https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-funciona-uma-maquina-de-tatuagem. Acesso em 12
de julho de 2023
48
a sabedoria das benzedeiras e a magia da religiosidade brasileira.
O desenho foi criado por mim a partir da arruda, e da grafia dos pontos riscados
para os exus e pombagiras. A arruda é uma planta de poder muito usada nos rituais
de umbanda e associada às entidades dos pretos-velhos. A tatuagem também se
relaciona com a memória e se torna parte daquele corpo, que será associado ao
desenho assentado.
Ao ser tatuado o desenho passa a ser parte de outro corpo, podendo agregar a partir
da perspectiva de quem carrega o desenho novas percepções, associações,
crenças e memórias.
31
“Nas bandas de cá do Atlântico os corpos inventores da vida enquanto possibilidades são corpos
cruzados e imantados como amuletos que reivindicam e assentam a memória e o axé ancestral"
(RUFINO, 2019, p.150)
32
Sankofa é um símbolo da cultura Akan, originária da região que hoje corresponde a Gana, na África
Ocidental. O símbolo de Sankofa representa a ideia de que, para seguir em frente, é preciso olhar
para trás e aprender com as experiências do passado. Os desenhos representam uma memória
ancestral e hoje está muito presente no Brasil em grades, portas e portões. CARMO, ELIANE,
História da África nos anos iniciais do ensino fundamental: os Adinkra. p.51. 2016. Mestrado
Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia, Bahia.
50
Figura 15: Sankofas em grades. Vitória - Espírito Santo, 2023. foto: Carla Désirée
33
A Olimpíada foi realizada pela Fundação Nacional de Artes, no ano de 2022 e teve abrangência
nacional, de 100 (cem) projetos, distribuídos em dez categorias como reconhecimento à produção
artística e cultural de novos talentos no meio acadêmico. Agô, ficou em primeiro lugar na Categoria
gravura. Mais informações sobre o edital e resultados disponível em:
https://www.gov.br/funarte/pt-br/assuntos/noticias/todas-noticias/premio-funarte-olimpiadas-das-artes-
visuais-resultado-final . Acessado em 10 de julho de 2023.
52
Figura 16: Agô. Gravura em metal, Carla Désirée, 2022
53
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho para escolha do tema se deu em primeiro momento com a escolha dos
pontos riscados como objeto de pesquisa. Na medida em que o texto e a busca
sobre o tema seguiam, para além da minha vivência e observação dentro do terreiro,
percebi o ponto riscado como uma encruzilhada que ligava a três caminhos: a
história e o caminho da religião no Brasil, a relação da religião com a sociedade e o
Estado e uma produção material artística que surgia em conjunto com esses
caminhos. Vale lembrar que a encruzilhada possibilita outros encontros com outras
encruzilhadas e outras possibilidades de caminhos, dito isso, essa é só uma das
encruzilhadas que a pesquisa nos terreiros do Espírito Santo pode proporcionar.
54
conhecer para compreender as experiências e vivências das culturas e religiões de
matriz africana. A pesquisa buscou analisar a relação dos pontos riscados com os
momentos dos rituais que ocorrem fora dos dias de festas e homenagens; porque
para a análise dos fundamentos dos pontos riscados em cada dia do calendário
festivo do terreiro seria necessário um tempo maior de pesquisa. Ainda que tenha
sido possível a exposição de diversos momentos em que os pontos riscados são
utilizados, as possibilidades de grafismos e variações de acordo com as entidades
são imensas, e este trabalho é só um pequeno passo do caminho para uma
pesquisa mais profunda sobre os pontos.
O ponto riscado também pode estar relacionado com outros elementos, além da
pemba, durante as giras e rituais, como água, coités com marafos, velas, fogos,
flores, pólvora, oferendas, e ervas que não foram investigados aqui, mas que
puderam ser observados ao longo das imagens presentes na pesquisa. Falar sobre
a pemba e o desenho foi um meio de apontar uma relação do desenho com a
espiritualidade, que existe também dentro de rituais religiosos. Além de caminhar
junto com o meu corpo e vivências de uma artista contemporânea.
O terceiro capítulo, que fala sobre produções artísticas pessoais, de início, não
estava previsto para esse trabalho, mas percebi que os meus caminhos e produções
de pinturas, gravuras e tatuagens estão muito conectados com as práticas,
ensinamentos e símbolos do terreiro. Trazer um pouco de como esse caminho
reflete em minha produção e algumas reverberações da produção, foi importante
nesse momento em que os ensinamentos de terreiro se juntaram aos ensinamentos
acadêmicos e pude representar o quanto os caminhos se conectam e se unem em
mais uma encruzilhada em algum momento.
56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIGIÉRO, Zeca e Dandara. Iniciação à Umbanda. Rio de Janeiro: Nova Era, 2000
57
MACIEL, Cleber. Candomblé e Umbanda no Espírito Santo: práticas culturais
religiosas afro- capixabas. Vitória: Nume produções ltda, 1992.
OLIVEIRA, Osvaldo M. (org.) Negros no Espírito Santo. –2ª ed. – Vitória, (ES):
Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016.
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro. São Paulo: editora Vozes,
1998
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das letras,
2001.
RUFINO, Luiz, Pedagogia das encruzilhadas. Rio de janeiro: Mórula editorial, 2019
SIMAS, Luiz Antonio; RUFINO, Luiz. A ciência encantada das macumbas. Rio de
Janeiro: Mórula, 2018.
58
Branca ou negra? a mudança da estátua de Iemanjá em Vitória. Disponível em:
https://www.agazeta.com.br/capixapedia/branca-ou-negra-a-mudanca-na-estatua-de
-iemanja-em-vitoria-0221 Acesso em: 16 de julho de 2023.
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ANEXOS
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Figura 18: Livreto produzido pelo Canabibi
61
Figura 20: Livreto produzido pelo Canabibi
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Figura 28: Livreto produzido pelo Canabibi
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Figura 30: Livreto produzido pelo Canabibi
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Figura 32: Livreto produzido pelo Canabibi
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Figura 34: Livreto produzido pelo Canabibi
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