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Enquete Operária: Uma Genealogia


(8) | Passa Palavra
23-31 minutos

Por Asad Haider e Salar Mohandesi

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Apesar da clássica inversão operaísta de Tronti ser bem


conhecida e citada, menos se sabe sobre o processo teórico de
elaboração que levou a ela. Ao longo de Operários e Capital, a
primazia da luta dos trabalhadores é descrita como uma
reversão estratégica que tenta identificar e avançar o caráter
político do desenvolvimento teórico de Marx, com a experiência
de 1848 e os escritos políticos precedendo a análise econômica
científica.[1] Em certo sentido, isso representava um novo
objeto de enquete. O objetivo não era mais, como foi para a
tendência Johnson-Forest ou para o Socialisme ou Barbarie,
descobrir atitudes proletárias universais, ou mesmo o conteúdo
do socialismo, mas acessar uma lógica política específica que
emergia do ponto de vista operário – uma consequência da
dificultosa relação entre estratégia e ciência representada pela
prática teórica de Marx.

Apesar do que parece ser uma afirmação de alguma suposta


identidade da classe trabalhadora, Tronti não procurou
defender, na maneira da tendência Johnson-Forest e do
Socialisme ou Barbarie, a dignidade do trabalho. Ao contrário, o
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princípio norteador da “recusa ao trabalho” significava retornar à


própria crítica de Marx da ideologia do movimento dos
trabalhadores: “Quando Marx recusou a ideia do trabalho
enquanto fonte de riqueza e assumiu um conceito de trabalho
como medida do valor, a ideologia socialista foi acertada em
cheio e a ciência da classe trabalhadora nasceu. Não é por
acaso que essa ainda seja a escolha” (222).[2]

Marx repetiu exaustivamente que “o trabalho é pressuposto pelo


capital e ao mesmo tempo o pressupõe por sua vez” – em
outras palavras, o proprietário do capital pressupõe a força de
trabalho, enquanto a força de trabalho pressupõe as condições
de trabalho. Sozinho, Tronti escreveu, “o trabalho não cria nada,
nem valor e nem capital, e consequentemente ele não pode
exigir de ninguém a restituição do fruto integral daquilo que ‘ele
criou’” (222). Mas visto que a ideologia socialista tinha se
estendido a novas teorias de trabalho e classe, seria necessário
“limpar o terreno de qualquer ilusão tecnológica” que tentava
“reduzir o processo produtivo ao processo de trabalho, a uma
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relação do trabalhador com o instrumento de seu trabalho,


como se existisse uma relação eterna do homem com um
presente maligno da natureza”. Assim como era traiçoeira “a
armadilha do processo de reificação”, que começou com o
“lamento ideológico” da mortificação do trabalhador pelo
maquinário e rapidamente se moveu para propor “a cura mística
para a consciência de classe desse trabalhador, como se fosse
a busca pela alma perdida do homem moderno” (203).

Ao invés disso, reconhecendo que a “classe trabalhadora é o


ponto de partida histórico para o nascimento e crescimento do
capitalismo”, o caminho de Marx foi “começar pelo capital para
chegar a entender logicamente a classe trabalhadora” (230).
Consequentemente, era necessário afirmar que o ponto de vista
capitalista poderia alcançar o estatuto de ciência. De fato, a
ciência capitalista seria superior às ideologias socialistas, que
ainda estavam presas na visão de que “apenas a classe
trabalhadora, em particular a pessoa de seus representantes
oficiais, é o repositório da verdadeira ciência (da verdadeira
história, etc.), e que essa é a ciência de tudo, a ciência social
geral também válida para o capital”. Seria muito melhor
reconhecer que “na reorganização do processo produtivo de
uma grande fábrica, há ao menos tanto conhecimento científico
quanto na descoberta de Smith, do trabalho produtivo que é
trocado por capital” (172). Querer saber mais sobre a sociedade
capitalista pelo ponto de vista da classe trabalhadora “do que
os próprios capitalistas” era uma “pia ilusão” e “toda forma de
gestão operária do capital prova ser necessariamente imperfeita
com relação a uma gestão diretamente capitalista”. O caminho
dos trabalhadores não era uma gestão aperfeiçoada, mas a
destruição do capitalismo por meio da revolução. “Então do
ponto de vista dos capitalistas”, argumentou Tronti, “é
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completamente correto estudar a classe trabalhadora; apenas


eles são capazes de estudá-la corretamente. Mas o nevoeiro
ideológico da sociologia industrial não terá sucesso em
cancelar a pena de morte que ela representa para eles” (230).

A este respeito, a pesquisa do ponto de vista da classe


trabalhadora seria distinta da sociologia capitalista, visto que
suas descobertas seriam orientadas para a organização dessa
destruição. Isso indica a questão da “composição política”;
como Tronti escreveu, “a pesquisa teórica que temos conduzido
sobre os conceitos de trabalho, força de trabalho, classe
trabalhadora, não passa de um exercício no caminho para a
descoberta prática de uma conquista de organização” (259).
Esta linha específica de pesquisa, que surge da enquete
operária e, na história do operaísmo, às vezes se afasta
bastante dela, necessita de uma investigação separada. Por
enquanto, vamos nos debruçar sobre os conceitos de trabalho,
força de trabalho e classe trabalhadora, tendo em vista que eles
complementam e sistematizam as descobertas da enquete

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Antes mesmo de perguntar o que significa dizer que a classe


trabalhadora conduz o desenvolvimento capitalista, temos que
perguntar o que significa dizer classe, e de fato esta é a
questão absolutamente central da elaboração teórica de Tronti.
Para Tronti, a teoria de classe não pode se restringir ao local da
produção e nem mesmo necessariamente começa lá. Sua
exposição começa com a observação de Marx no volume 2 do
Capital: “A relação de classe entre o capitalista e o trabalhador
assalariado já se encontra assim presente, já pressuposta, no
momento em que os dois se confrontam entre si no ato D-T
(T-D do lado do trabalhador)” [Nota do Passa Palavra: D-T é
uma abreviação para Dinheiro-Trabalho, e vice-versa].[3] Com
efeito, Tronti afirmará que “para Marx não há dúvida de que a
relação de classe já existe em si mesma [an sich] no ato da
circulação. É precisamente isso que revela, que traz à tona, a
relação capitalista durante o processo de produção” (149).[4]

Sua análise discute as linhas de Marx que seguem:

O dinheiro pode ser gasto nessa forma somente porque a força


de trabalho é encontrada em um estado de separação dos seus
meios de produção (incluindo os meios de subsistência como
meios de produção da própria força de trabalho); e porque essa
separação somente é abolida pela venda da força de trabalho
para o proprietário dos meios de produção, uma venda que
significa que o comprador está agora no controle de um fluxo
contínuo de força de trabalho, um fluxo que de forma alguma
deve parar quando a quantidade de trabalho necessária para
reproduzir o custo da força de trabalho for realizada. A relação
do capital aparece apenas no processo de produção porque ela
existe implicitamente no ato da circulação, nas diferentes
condições econômicas básicas em que o comprador e o
vendedor se confrontam, na sua relação de classe.[5]
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O que pode significar que uma tradição teórica tão conhecida


pelo seu foco no local de produção comece com uma teoria não
apenas do valor, mas da classe, que é centrada na troca?
Helmut Reichelt comentou sobre essa escolha encarada na
análise econômica entre, por um lado, o trabalho enquanto uma
“categoria quase ontológica” que apresenta “trabalho humano
abstrato substancializado como a substância do valor”; e do
outro lado, uma explicação do processo social especificamente
capitalista que constituí a “validade [Geltung]” da atividade
humana como trabalho abstrato e a forma natural dos produtos
como valores – em outras palavras, a determinação do que é
contado como trabalho na troca.[6] Para Reichelt, essa é a
base da teoria avançada de Marx sobre o valor e podemos
observar Tronti seguindo essa linha: “O trabalho concreto se
realiza a si mesmo na infinita variedade de seus valores de uso;
o trabalho abstrato se realiza a si mesmo na igualdade das
mercadorias como equivalentes gerais” (124).

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Em uma aventurosa retomada dos Manuscritos de 1844 de


Marx, contra a sua apropriação humanista, Tronti argumentava
que os escritos iniciais de Marx sobre a alienação
representaram uma teoria inicial e incompleta do trabalho
abstrato, que surge da separação característica da propriedade
privada.[7] Mas essa explicação somente seria plenamente
desenvolvida em O Capital. Enquanto para Castoriadis O
Capital significava pouco mais do que objetivismo econômico,
ele levantou a questão fundamental da comensurabilidade
presumida na troca – que, como aponta Reichelt, é central para
o “duplo caráter” da “riqueza da sociedade burguesa”: “uma
massa de um sem-número de valores de uso que enquanto
quantidades abstratas e homogêneas podem ser ao mesmo
tempo agregadas em um produto social”.[8] A relação de valor
destina-se a explicar a forma da “igual validade” que permite
que diferentes produtos sejam dados como equivalentes na
troca.[9]

Uma teoria das relações de classe específicas da sociedade


capitalista, então, não pode se negligenciar a explicar como a
capacidade de trabalhar pode possivelmente ser parte de um
sistema de troca: como a força de trabalho pode ser trocada por
um salário, inserida dentro de um sistema de circulação em que
as mercadorias são dadas como equivalentes de acordo com
seus valores. Mas essa questão somente pode ser respondida
dentro do contexto de uma análise histórica que se abre para
uma definição de classe. O trabalho abstrato é constituído na
troca, mas a típica troca do capitalismo é dinheiro/força de
trabalho; então como essa relação de classe constitutiva surge,
em que proprietários de dinheiro e proprietários de força de
trabalho se confrontam no mercado, e qual é a sua relação com
o processo de desenvolvimento capitalista?
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Para Lefort e Castoriadis, baseando-se no Manifesto


Comunista, a precondição do capitalismo foi a revolução
burguesa. Para Lefort, a burguesia tinha que ser entendida
como integrante de “um grupo homogêneo com uma estrutura
fixa” que possuía “interesses e horizontes em comum”; o
proletariado, por outro lado, reduzido a suas funções
econômicas atomizadas, teria que se unificar através de sua
luta contra a burguesia.[10] O capitalismo representou a
reformulação da sociedade de acordo com o interesse coletivo
da burguesia.

Para Tronti, começando pelas formas de permutabilidade


generalizada características do capitalismo, uma explicação da
burguesia era simplesmente impossível. Para um sistema em
que a troca típica e definidora era dinheiro/força de trabalho, a
premissa inicial deveria ser a constituição de uma classe com
nada a vender senão a força de trabalho, o trabalhador livre
constrangido economicamente, mas não legalmente, a vender
sua força de trabalho em troca de um salário. Isso, para Tronti,
era a constituição do proletariado: “a devida passagem histórica
do trabalho para a força de trabalho, que é do trabalho como
escravidão e serviço para a força de trabalho como a única
mercadoria capaz de submeter a riqueza ao valor, capaz de
valorizar a riqueza e, portanto, produzir capital” (139). Mas o
proletariado tinha que entrar na troca não com uma classe, mas
com capitalistas individuais, cujo único interesse “coletivo” era
seu instinto compartilhado de competir entre si:

O ponto de partida histórico vê na sociedade capitalista os


trabalhadores de um lado e os capitalistas do outro. Aqui
novamente está um dos fatos que se impõe com a violência de
sua simplicidade. Historicamente nós podemos falar de um
capitalista individual: esta é a figura socialmente determinada
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que preside a constituição das relações capitalistas de


produção. Como tal, ao menos no desenvolvimento clássico do
sistema, essa figura histórica não desaparece, não é suprimida
ou extinta, mas apenas organiza a si mesma coletivamente,
socializando-se, por assim dizer, em capital, precisamente
como a relação de classe. Do outro lado, nós não podemos
falar do trabalhador individual em nenhum momento histórico.
Em sua figura material e socialmente determinada, o
trabalhador é desde o nascimento organizado coletivamente.
Desde o início os trabalhadores, enquanto valores de troca do
capitalista, aparecem no plural: o trabalhador no singular não
existe (232-3).

Sob esse aspecto, o capitalista individual persiste e continua a


empenhar-se na troca mercadológica que caracteriza o
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capitalismo. Mas a classe capitalista é “sempre algo mais e algo


menos que uma classe social. Algo menos, já que os interesses
econômicos diretos não cessaram e talvez não cessarão de se
apresentar divididos no lado capitalista. Algo mais, porque o
poder político do capital agora estende seu aparato de controle,
dominação e repressão para além das formas tradicionais
assumidas pelo Estado, para envolver toda a estrutura da nova
sociedade” (233).

Uma vez que a força de trabalho é trocada pelo salário, Tronti


argumenta, introduzindo uma distinção terminológica nas
categorias de Marx, o proletariado se recompõe como classe
trabalhadora: uma força de trabalho que é cooperativa, coletiva,
dentro do processo de trabalho. Esse processo contínuo de
socialização do trabalho é a primeira fonte de mais-valia
relativa; ele depois necessitará de desenvolvimento tecnológico
para sua expansão futura. Aqui Tronti desenvolve o ponto
implicitamente sugerido por Panzieri; mas enquanto o último
começou com o trabalhador individual cuja força de trabalho
estava integrada no plano da fábrica, Tronti identifica um
processo de recomposição de classe.[11] Entre o proletariado e
a classe trabalhadora Tronti vê “a mesma sucessão histórica e a
mesma diferença lógica que nós já encontramos entre o
vendedor da força de trabalho e o produtor de mais-valia” (161).

A luta por um dia de trabalho normal, para Marx tão


fundamental na exposição lógica da mais-valia relativa,
manifesta a luta de classes em termos que também
estruturaram o proletariado: a luta para reduzir uma massa
heterogênea à mercadoria força de trabalho e a recusa de ser
reduzido a isso. Essa recusa é o que move o capital a agir em
seus interesses coletivos; nessa luta o capital se constitui
politicamente como uma classe, que se torna um imperativo
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absoluto no período de 1848. Os escritos de Marx sobre 1848


mostram “o encontro e a sobreposição do conceito abstrato de
trabalho com a realidade concreta do trabalhador”. Nesse
ponto, Marx poderia suplementar suas reflexões anteriores e
intuitivas sobre o trabalho abstrato com a descoberta das
características peculiares da mercadoria força de trabalho: “a
mercadoria força de trabalho como classe trabalhadora” (161).

Não era suficiente, contudo, concluir que trabalhadores


assalariados primeiro se constituíram como uma classe quando
eles se tornaram vendedores de força de trabalho e foram
assim incorporados no capital. Era imperativo não “fixar o
conceito de classe trabalhadora em uma forma única e
definitiva, sem desenvolvimento, sem história”. Assim como a
“história interna do capital” tinha que incluir “a análise específica
das variadas determinações assumidas pelo capital no curso de
seu desenvolvimento”, contra as fáceis suposições trans-
históricas de uma teleologia “materialista histórica”, uma
“história interna da classe trabalhadora” teria que “reconstruir os
momentos de sua formação, as mudanças em sua composição,
o desenvolvimento de sua organização de acordo com as
variadas determinações sucessivas assumidas pela força de
trabalho enquanto força produtiva do capital e de acordo com
as experiências de diferentes lutas, recorrentes e sempre
renovadas, com as quais a massa dos trabalhadores se equipa
enquanto únicos adversários da sociedade capitalista” (149).

E de fato essa explicação da dinâmica transformação histórica


e reconstituição da força de trabalho era necessária pela
relação social de mais-valia e pela unidade da circulação com o
processo de produção: “A história dos diversos modos em que
o trabalho produtivo é extraído do trabalhador, isto é, a história
das diferentes formas de produção de mais-valia, é a história da
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sociedade capitalista do ponto de vista da classe trabalhadora”


(170). Isto é precisamente devido ao duplo caráter do trabalho,
a descoberta mais valiosa de Marx, em que ambos os aspectos
foram decisivos. Enquanto não se poderia derivar o caráter
abstrato do trabalho do nível do valor de uso e do trabalho
concreto – isto é, essa não era uma questão de abstração como
um efeito psicológico da administração do tempo na fábrica – a
valorização do valor não poderia ocorrer sem o valor de uso da
força de trabalho:

o trabalho, a utilização da força de trabalho, é o trabalho do


operário, um uso concreto, uma concretização do trabalho
abstrato – o trabalho abstrato que se encontra já por sua vez
reduzido à categoria de mercadoria e que realiza seu valor no
salário. Portanto, o passo onde o trabalho abstrato se
transforma e toma a forma concreta do trabalhador é o
processo de consumo da força de trabalho, o momento onde
ela se torna na ação o que ela era apenas em potencial, o
passo da realização do valor de uso como força de trabalho,
assim dizendo. O que já estava presente na operação
venda/compra como uma relação de classe pura e simples,
elementar e geral, adquiriu definitivamente a partir desse ponto
o seu caráter específico, complexo e total (166).

Esse caráter complexo e total é implicado pela forma


cooperativa e coletiva da classe trabalhadora. A menos que as
forças de trabalho individuais sejam levadas à associação, elas
não podem “fazer valer [far valere]”, numa escala social, o
caráter especial da mercadoria força de trabalho em geral, isso
quer dizer que não podem tornar o trabalho abstrato concreto,
não podem realizar o valor de uso da força de trabalho, cujo
consumo efetivo é o segredo do processo de valorização do
valor, como um processo de produção de mais-valia e, portanto,
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de capital” (205).

Dentro desse processo nós podemos vislumbrar a localização


teórica do conceito de composição de classe: “O vendedor de
força de trabalho fornece assim o primeiro estágio elementar, o
mais simples, de uma composição em uma classe de
trabalhadores assalariados: é por essa razão que uma massa
social constrangida a vender sua força de trabalho permanece a
forma geral da classe trabalhadora” (149). Mas esse
permanece sendo um estágio elementar, assim como Marx
concluiu em seu capítulo sobre o dia de trabalho, “nosso
trabalhador emerge do processo de produção parecendo
diferente de quando ele entrou nele”; entrando enquanto um
vendedor de força de trabalho (“um proprietário contra outro
proprietário”), o trabalhador sai sabendo que o processo de
produção é uma relação de força e que para proteção “os
trabalhadores têm que juntar suas cabeças e, como uma
classe, compelir a passagem de uma lei, uma todo-poderosa
barreira social pela qual eles podem ser impedidos de vender a
si mesmos e suas famílias à escravidão e à morte pelo contrato
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voluntário com o capital”.[12] Para Tronti, essa diferença é “um


salto político”: “É esse o salto que a passagem pela produção
provoca naquilo que podemos chamar de composição da
classe trabalhadora ou mesmo de composição da classe dos
trabalhadores” (202).

As fotografias que ilustram o artigo, exceto a última, são de


Lewis Hine.

Referências

[1] Mario Tronti, Operai e capitale (Turin: Einaudi, 1966), 128,


179, 209-10, 220, 256. As traduções desse texto são nossas,
com a incalculável ajuda de Evan Calder Williams, salvo
indicação em contrário. Nós também consultamos
proveitosamente a tradução francesa de Yann Moulier-Boutang
e Giuseppe Bezza, disponível online em
multitudes.samizdat.net. Referências posteriores ao original em
italiano são dadas no texto.
[2] Aqui, é claro, Tronti recorda o Critique of the Gotha
Programme de Marx.
[3] Karl Marx, Capital, Volume 2, trans. David Fernbach
(London: Penguin, 1978), 115; Tronti cita essa passagem em
Operai e capitale, 144-5.
[4] Isso também é citado em Zanini, “Philosophical
Foundations,” 50. O artigo de Zanini é um dos poucos textos em
inglês que aborda a análise econômica de Tronti.
[5] Marx, Capital, Volume 2, 115; segunda frase citada por
Tronti, Operai e capitale, 148-9.
[6] Helmut Reichelt, “Marx’s Critique of Economic Categories,”
trans. Werner Strauss and ed. Jim Kincaid, Historical
Materialism 15 (2007): 11. É importante notar que o operaísmo
não era sempre capaz de transitar entre as duas visões;
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enquanto a “categoria quase ontológica” de Reichelt se refere à


concepção que compreende o trabalho abstrato como gasto de
energia fisiológica, mensurável nas calorias, o operaísmo seria
às vezes cativado pelo trabalho como o “fogo ardente e
moldante”, que é por vezes sugerido na análise de Tronti dos
Grundrisse como “um livro mais avançado” do que O Capital.
(Tronti, Operai e capitale, 210; translated in Murphy 339). Os
Grundrisse cumpriram um papel ambíguo na história do
operaísmo, fornecendo novas energias teóricas enquanto
também obscureciam as rupturas no pensamento econômico
de Marx. Uma pesquisa futura terá que elaborar essas
distinções claramente, especialmente para ir além da
problemática dos Grundrisse de “capital em geral”; veja Michael
Heinrich, “Capital in General and the Structure of Marx’s
Capital,” Capital and Class 13:63 (1989).
[7] Esse argumento é apresentado na introdução a esse ensaio,
páginas 123-43, com atenção a uma série de outros
manuscritos anteriores de Marx.
[8] Helmut Reichelt, “Social Reality as Appearance: Some
Notes on Marx’s Conception of Reality,” trans. Werner Bonefeld,
Human Dignity, eds. Werner Bonefeld and Kosmas Psychopedis
(Aldershot: Ashgate, 2005), 40. Reichelt termina esse artigo
(65) com comentários sobre a categoria de classe que, ao
contrário de Tronti, não conseguem incorporar a atenção
especial de Marx pela constituição histórica do proletariado e a
sua recomposição no processo de trabalho.
[9] Reichelt, “Marx’s Critique,” 22.
[10] Lefort, “Proletarian Experience”; veja também um
argumento um pouco diferente, que se refere ao trabalho
assalariado e o desenvolvimento tecnológico em paralelo à
revolução burguesa, em Castoriadis, “Modern Capitalism and
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Revolution,” 259-60.
[11] Compare a Raniero Panzieri, “Surplus Value and Planning”:
“O relacionamento entre os trabalhadores, sua cooperação,
aparece apenas depois da venda de sua força de trabalho, que
envolve o simples relacionamento de trabalhadores individuais
com o capital”. É importante notar que enquanto a explicação
feita em 1964 por Panzieri se baseava na substituição da
competição pela planificação, a descrição de Tronti do
“planejamento do capital” um ano antes nos Quaderni Rossi
representava isso como o nível mais alto do desenvolvimento
da socialização do capital ainda mediada pela competição, na
procura individual do capitalista por lucros maiores que a
média: “Empresas individuais ou atividades produtivas
inteiramente ‘privilegiadas’, em conjunto da função propulsiva
de todo o sistema, constantemente tendem a quebrar a partir de
dentro do capital social total para subsequentemente se
recompor em um nível maior. A luta entre os capitalistas
continua, mas agora funciona diretamente dentro do
desenvolvimento do capital”. A planificação representava a
extensão do despotismo do capital ao Estado, não uma nova
fase substituindo o capitalismo competitivo: “A anarquia da
produção capitalista não está cancelada: está simplesmente
organizada socialmente”. Veja “Social Capital”, disponível online
em libcom.org e o original reunido em Operai e capitale, 60-85.
[12] Marx, Capital, Volume 1 , 415-6.

Este artigo foi traduzido e dividido em nove partes pelo coletivo


Passa Palavra. A versão original está em Viewpoint Magazine.

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