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DOI: 10.54751/revistafoco.v16n6-187
Recebido em: 23 de Maio de 2023
Aceito em: 27 de Junho de 2023
RESUMO
A mortalidade infantil é um indicador de qualidade dos sistemas de saúde, bem como
do desenvolvimento econômico e social de uma população. O Espírito Santo possui
diferenças regionais marcantes em relação ao desenvolvimento socioeconômico e a
distribuição dos recursos assistenciais em saúde. Esse fato aponta para a necessidade
de aprofundar, em cada região de saúde, a análise da distribuição dos óbitos infantis,
bem como seus fatores determinantes e condicionantes. O presente trabalho tem como
objetivo sistematizar a experiência da Vigilância do Óbito em uma regional de saúde,
com foco nas estratégias de produção de informações e análises sobre mortalidade
infantil em nível regional. Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência,
com enfoque no processo de trabalho de vigilância e produção de informações em
saúde enquanto instrumentos de prevenção de óbitos infantis evitáveis. Baseou-se na
vivência de parte da equipe técnica responsável pela Vigilância do Óbito da
Superintendência Regional de Saúde de Cachoeiro de Itapemirim entre os anos de 2020
e 2021. No período de análise, foi delimitado o perfil epidemiológico dos óbitos infantis
da região e implantadas ações sistemáticas de acompanhamento dos eventos e seu
status de investigação, que resultaram em duas investigações em conjunto com
municípios da região e capacitações sobre investigação de óbitos, com levantamento
1
Doutora em Saúde Coletiva. Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo (SESA-ES). Avenida Engenheiro Fabiano
Vivácqua, 191, Marbrasa, Cachoeiro de Itapemirim – ES, CEP: 29313-656.
E-mail: amandagribeiro@gmail.com
2
Doutora em Educação. Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo (SESA-ES). Avenida Engenheiro Fabiano
Vivácqua, 191, Marbrasa, Cachoeiro de Itapemirim – ES, CEP: 29313-656. E-mail: bragio.jaqueline@gmail.com
3
Especialista Latu sensu em Gestão em Saúde. Superintendência Regional de Saúde de Cachoeiro de Itapemirim
(SRSCI). Avenida Engenheiro Fabiano Vivácqua, 191, Marbrasa, Cachoeiro de Itapemirim – ES, CEP: 29313-656.
E-mail: patriciacallegari@saude.es.gov.br
4
Especialista Latu sensu em Vigilância em Saúde. Secretaria Estadual de Saúde do Espírito Santo (SESA-ES). Avenida
Engenheiro Fabiano Vivácqua, 191, Marbrasa, Cachoeiro de Itapemirim – ES, CEP: 29313-656.
E-mail cristianelovati@gmail.com
ABSTRACT
Infant mortality is an indicator of the quality of healthcare systems, as well as the
economic and social development of a population. Espírito Santo exhibits significant
regional differences in terms of socioeconomic development and the distribution of
healthcare resources. This fact highlights the need to further analyze the distribution of
infant deaths, as well as their determining and conditioning factors, in each health region.
This study aims to systematize the experience of Death Surveillance in a health region,
focusing on the strategies for producing information and analysis on infant mortality at
the regional level. It is a descriptive study, based on an experience report, with a focus
on the surveillance work process and the production of health information as tools for
preventing avoidable infant deaths. The study draws from the experience of part of the
technical team responsible for Death Surveillance at the Regional Health
Superintendence of Cachoeiro de Itapemirim between 2020 and 2021. During the
analysis period, the epidemiological profile of infant deaths in the region was identified,
and systematic actions were implemented to monitor these events and their investigation
status, resulting in two joint investigations with municipalities in the region and training
sessions on death investigation, which identified the main challenges in the practice at
the municipal level. The implemented actions indicate progress in delineating a regional
profile, as well as identifying the main obstacles to be overcome in preventing infant
deaths locally.
RESUMEN
La mortalidad infantil es un indicador de la calidad de los sistemas de salud, así como
del desarrollo económico y social de una población. Espírito Santo presenta marcadas
diferencias regionales en términos de desarrollo socioeconómico y distribución de
recursos de atención médica. Este hecho resalta la necesidad de profundizar en cada
región de salud el análisis de la distribución de las defunciones infantiles, así como sus
factores determinantes y condicionantes. Este estudio tiene como objetivo sistematizar
la experiencia de la Vigilancia de Defunciones en una región de salud, centrándose en
las estrategias de producción de información y análisis sobre la mortalidad infantil a nivel
regional. Se trata de un estudio descriptivo, tipo informe de experiencia, con un enfoque
en el proceso de trabajo de vigilancia y producción de información en salud como
herramientas para prevenir muertes infantiles evitables. El estudio se basa en la
experiencia de parte del equipo técnico responsable de la Vigilancia de Defunciones de
la Superintendencia Regional de Salud de Cachoeiro de Itapemirim entre 2020 y 2021.
Durante el período de análisis, se delimitó el perfil epidemiológico de las defunciones
infantiles en la región y se implementaron acciones sistemáticas para el seguimiento de
estos eventos y su estado de investigación, lo que resultó en dos investigaciones
conjuntas con municipios de la región y capacitaciones sobre investigación de
defunciones, que identificaron los principales desafíos en la práctica a nivel municipal.
Las acciones implementadas indican avances en la delineación de un perfil regional, así
como la identificación de los principales obstáculos a superar en la prevención de
muertes infantiles a nivel local.
1. Introdução
A mortalidade infantil é um indicador de qualidade dos sistemas de saúde,
bem como do desenvolvimento econômico e social, refletindo as condições de
vida de uma população. Por isso mesmo, a redução da taxa de mortalidade
infantil constitui uma das Metas do Desenvolvimento do Milênio, compromisso
assumido pelos países integrantes da Organização das Nações Unidas (ONU),
dentre eles o Brasil (UNITED NATIONS, 2000).
Apesar do declínio observado no país nas últimas décadas, a mortalidade
infantil permanece como um grande desafio ao sistema público de saúde
brasileiro. Os níveis atuais ainda são considerados elevados, sobretudo no
componente neonatal (óbitos de 0 a 27 dias de vida), que guarda estreita relação
com a assistência ao pré-natal, ao parto e ao recém-nascido. Apesar de uma
notável redução da taxa de mortalidade neonatal de 25,33/1.000 nascidos vivos
em 1990 para 8,5 óbitos/1.000 nascidos vivos em 2019, a magnitude dos óbitos
neonatais no Brasil é alta em comparação com países desenvolvidos, e revela
desigualdades regionais na qualidade e no acesso às ações e serviços de
atenção materno-infantil (BERNARDINO, 2021; WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2020; UNICEF, 2019).
Em sua maioria, os óbitos infantis são considerados evitáveis, desde que
garantido o acesso em tempo oportuno a serviços qualificados de saúde.
Segundo a literatura, as principais causas de óbitos infantis são a prematuridade,
a malformação congênita, a asfixia intraparto, as infecções perinatais e os fatores
maternos (FRANÇA et al., 2017). Tais causas, com exceção da malformação
congênita, destacam-se como claramente preveníveis por ação dos serviços de
saúde (MALTA, 2010). Segundo o Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento
(Pesquisa Nascer no Brasil), a distribuição da mortalidade e das causas de óbito
neonatal varia de acordo com as regiões brasileiras e grupos sociodemográficos,
apontando para a necessidade de diferentes focos na priorização de
investimento local na organização e qualificação da atenção (LANSKY et al.,
2014).
Em relação à distribuição geográfica da mortalidade infantil, de acordo
com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Espírito
Santo possui uma das menores taxas de mortalidade infantil do Brasil (IBGE,
2019). No período entre 2017 e 2019, as taxas de mortalidade tem mostrado
padrões similares, próximos de 10/1.000 nascidos vivos, com pequenas
variações entre as diferentes regiões de saúde (TABNET, 2021), apesar das
marcadas diferenças regionais em relação ao desenvolvimento socioeconômico
e na distribuição dos recursos assistenciais em saúde. Esse fato aponta para a
necessidade de aprofundar, em cada região de saúde, a análise da distribuição
dos óbitos infantis, bem como seus fatores determinantes e condicionantes, de
forma a compreender as especificidades que perpetuam os valores encontrados
em cada região, e estabelecer, de acordo com o diagnóstico local, ações
específicas de acordo com a realidade regional.
Na Região Sul (ESPÍRITO SANTO, 2020), a necessidade de
reorganização da atenção materno-infantil, evidenciada na elaboração do Plano
de Ação Regional da Rede Cegonha, vem levantado, desde 2013, diversas
discussões em nível regional sobre o problema da mortalidade materno-infantil.
Os planos regional e municipais foram atualizados no ano de 2020, evidenciando
avanços e entraves que persistem na melhoria da atenção prestada às
gestantes, recém-nascidos e puérperas da região.
Nesse contexto, a vigilância regional da mortalidade materna, infantil e
fetal têm buscado nos últimos anos dar maior visibilidade às especificidades
regionais relacionadas ao óbito infantil, por meio da análise e divulgação dos
dados dos óbitos na região. A produção de relatório analítico anual do óbito visa
contribuir para uma interlocução permanente com os gestores de saúde e para
a elaboração dos Planos de Redução da Mortalidade Infantil e Fetal, visando
uma interferência mais efetiva nas políticas públicas dirigidas às necessidades
da população.
Vários desafios têm sido evidenciados a partir dessas análises, seja em
nível regional, com a necessidade de organização do acesso ao parto seguro e
da melhoria da assistência prestada; tanto quanto em nível municipal, com a
2. Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, com
enfoque no processo de trabalho de vigilância e produção de informações em
saúde enquanto instrumentos de prevenção de óbitos infantis evitáveis. Baseou-
se na vivência de parte da equipe técnica responsável pela Vigilância do Óbito
da Superintendência Regional de Saúde de Cachoeiro de Itapemirim, braço
regionalizado de atuação da Secretaria de Estado da Saúde.
Estabeleceu-se o período de análise das estratégias adotadas, os anos
entre 2020 e 2021. Optou-se por esse intervalo levando em consideração a
consolidação dos indicadores de mortalidade infantil utilizados no diagnóstico
situacional do atual Plano de Ação da Rede Materno Infantil na região, realizado
em 2020 e os desdobramentos práticos das análises realizadas, como as
capacitações para as equipes municipais de vigilância do óbito. O conteúdo
apresentado integra as atividades cotidianas da autora, que implementou em sua
rotina de trabalho diferentes instrumentos de monitoramento e análise dos óbitos
infantis com objetivo de qualificar as informações em nível regional, contribuindo
para o planejamento local.
3. Resultados e Discussão
3.1 Perfil de Mortalidade Infantil na Região Sul
A definição e compreensão do perfil de óbitos na região é parte
fundamental da qualificação do processo de vigilância do óbito. A elaboração de
um perfil regional permitiu que fossem identificadas as principais características
de adoecimento e morte nos menores de 1 ano, e consequentemente contribuiu
para reflexão das principais fragilidades existentes na assistência à saúde desse
público.
Entre os anos de 2017 e 2019 ocorreram 282 óbitos em menores de 1
ano. Em relação ao componente da mortalidade infantil, observa-se no período
analisado a maior ocorrência de óbitos neonatais, sobretudo neonatais precoces
(0-6 dias), que no ano de 2019 representaram mais de 50% (n=55) do total de
óbitos infantis na região. Em relação ao componente pós-neonatal, referente aos
óbitos entre o 28º e o 364º dia de vida, observa-se maior taxa de óbito no ano
de 2019 em relação aos anos anteriores. Analisando as causas de óbito pós-
neonatal nesse ano, destaca-se o aumento do número de óbitos por infecções
respiratórias agudas (influenza, pneumonias e bronquite aguda).
Dos 26 municípios da região, 10 tiveram valores de TMI maiores que a
média regional no triênio 2017/2019. Nos anos analisados, percebe-se
estabilidade na TMI na região, que, no entanto, não alcançou a meta de reduzir
os óbitos infantis para < 10/1.000 NV.
Em relação à investigação epidemiológica dos óbitos infantis, em 2019,
dos 26 municípios da região, 18 investigaram 100% dos óbitos de menores de 1
ano de seu território, 4 não registraram óbito infantil e 4 ficaram com
investigações pendentes, dentre eles Ibitirama e Divino de São Lourenço, que
registram problemas na investigação também nos outros anos analisados.
Conforme resultados de estudos realizados no Paraná (SANTOS et al., 2014),
Rio Grande do Sul (SILVA et al., 2012), São Paulo (VENÂNCIO; PAIVA, 2010),
Minas Gerais (DUTRA et al., 2015), Alagoas (CAETANO; VANDERLEI; FRIAS,
2013) e Bahia (SANTANA; AQUINO; MEDINA, 2012) o número de óbitos infantis
investigados no país era reduzido.
Na região Sul do Espírito Santo ao contrário, o percentual de investigação
dos óbitos infantis é relativamente alto, próximo aos 95%. No entanto, cabe
destacar que apesar da alta porcentagem de óbitos investigados como relatado
em outros estudos (CAETANO; VANDERLEI; FRIAS, 2013; DUTRA et al., 2015)
nem sempre os dados possuem qualidade, e a informação gerada não alcança
os objetivos propostos. Dentre os problemas identificados na região sul,
destacam-se a má qualidade do preenchimento da declaração do óbito (omissão
das informações sobre raça/cor, escolaridade, estado civil, ocupação da mãe,
idade gestacional, peso ao nascer, tempo de ocorrência dos eventos que
levaram a morte) e dos dados da ficha síntese de investigação (não acrescenta
as informações faltantes e nem modifica nenhuma informação da DO; omissão
dos dados sobre a realização do pré-natal, não preenchimento da parte II-
análise do caso).
Em relação aos óbitos neonatais, não foi possível analisar os óbitos por
variáveis importantes como raça/cor e escolaridade materna devido ao grande
percentual de declarações de óbito sem essa informação. Em relação à idade
materna, no ano de 2019, a taxa de mortalidade neonatal entre as faixas etárias
≤19 anos e 20 a 34 anos foram próximas (5,8 e 5,2/1000 NV respectivamente),
mas a taxa de óbito na faixa ≥ 35 anos foi de 31,7/1000 NV, muito superior à
média regional e das outras faixas etárias, apesar de os óbitos nessa categoria
representarem apenas 13,6 % do total. Em relação ao peso ao nascer, como
esperado, a maior ocorrência de óbitos (51%) está na faixa de muito baixo peso
(<1.500g). No entanto, chama atenção que 23,5% dos óbitos na região
ocorreram em crianças com peso considerado normal (entre 2.500 e 4.000g),
percentual maior que o encontrado nas crianças de baixo peso (<2.500 e >
1.500g).
Nos anos de 2017 a 2019, malformação congênita, fatores maternos
relacionados à gravidez e prematuridade constituíram as 3 principais causas de
4. Considerações Finais
As ações implementadas pela vigilância do óbito regional entre os anos
de 2020 e 2021 para qualificação dos dados da mortalidade infantil na região
apontam para o avanço no delineamento de um perfil regional, bem como a
identificação dos principais obstáculos a serem vencidos na prevenção dos
óbitos infantis localmente, incluindo a necessidade de melhora na assistência
pré-natal na região, e também da qualificação e utilização efetiva dos dados da
investigação do óbito nos municípios. A definição de um processo de trabalho
regional mais organizado permitiu a implementação de novas práticas de
educação permanente junto aos municípios, que devem ser mantidas para
aumentar a capacidade de intervenção sobre a realidade da região, com a junção
de esforços dos diferentes entes do sistema de saúde.
No entanto, apesar da potencialidade dos esforços empreendidos, o
estudo também revela fragilidades estruturais importantes, fora do alcance direto
REFERÊNCIAS
LIU, L. et al. Global, regional, and national causes of child mortality: an updated
systematic analysis for 2010 with time trends since 2000. The Lancet, v. 379, n.
9832, p. 2151–2161, jun. 2012.
UNICEF (ED.). Children, food and nutrition. New York, NY: UNICEF, 2019.