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Palavras-chave: produtos tradicionais, queijos de leite cru, legislação sanitária, conhecimentos tradi-
cionais.
THE MINAS PEOPLE, THE CHEESE AND THE (NOT POETIC) CONFLICTS AROUND
ARTISANALLY PRODUCED TRADITIONAL FOODS IN BRAZIL
ABSTRACT: Minas people and their cheese- a political and poetic documentary, a movie set in the
Canastra and Alto Paranaíba mountain ranges, in the state of Minas Gerais, Brazil, shows the life and
work of men and women who produce artisanal raw milk cheeses. This practice has been reproduced for
centuries and it is associated with specific ways of life, in which traditional production techniques are
combined with the way of being and living of local people.This article takes the film as medium for dis-
cussing conflicts and contradictions regarding the production of artisanal cheeses, currently threatened
by the regulatory aspects guiding food production in Brazil. In this context, traditional food systems are
faced with two possibilities: remain as an informal production or comply with health regulations, which
often lead to mischaracterization of the traditional forms of production.
Key-words: traditional produces, raw milk cheeses, health regulation, traditional knowledge.
1Este artigo consiste em versão revisada e ampliada de trabalho apresentado no GT 02 - Ciência, inovação e transições sociotécnicas,
no 5º Encontro da Rede de Estudos Rurais, Belém, Estado do Pará, 03 a 06 de junho de 2012. Registrado no CCTC, REA-34/2012.
2Engenheira Agrônoma, Mestre, Universidade Federal de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil (e-mail: sgarbijaqueline@yahoo.com.br).
3Engenheira de Alimentos, Doutora, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil (e-mail: fabianathomedacruz@gmail.com).
4Antropóloga, Doutora, Universidade Federal de Pelotas, Brasil (e-mail: renata.menasche@pq.cnpq.br).
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Santos; Cruz; Menasche
reflexões apoiam-se também em estudos realiza- não há sentido em analisá-los e valorizá-los fora
dos nos Campos de Cima da Serra, no Estado do de seus contextos de origem, ignorando seus signi-
Rio Grande do Sul, região onde é produzido o ficados e sua dinamicidade.
tradicional queijo serrano. Assim como os queijos
artesanais de Minas Gerais, o queijo serrano é
elaborado à base de leite cru, a partir de receita 2 - TRADIÇÃO, NATUREZA E MODOS DE
transmitida por gerações, há mais de 200 anos. O VIDA
saber-fazer associado às características naturais
específicas de cada uma dessas regiões produtoras Em sua abertura, o filme O mineiro e o
confere aos produtos características físicas e orga- queijo mostra um produtor tradicional indicando
nolépticas únicas, que os diferenciam de outros e identificando pelo nome cada uma das vacas que
queijos. Em ambos os casos, trata-se de produtos será ordenhada para a produção de queijo. Desse
fortemente ligados à cultura, modos de vida, valo- modo, desde o início do documentário, o cineasta
res e construções identitárias de homens e mulhe- marca a distinção entre produção artesanal e pro-
res vinculados a seus territórios de origem. dução industrial - muito forte em Minas Gerais.
Analisar os universos do queijo minas ar- Ao chamar os animais pelo nome, o produtor evi-
tesanal e do queijo serrano aporta, ainda, elemen- dencia que a produção tradicional envolve valores
tos para a reflexão não apenas referente aos quei- que não são mobilizados pela grande indústria,
jos, mas a respeito de outros produtos artesanais como pessoalidade, cuidado com o produto e com
tradicionais, como farinhas, doces e vinhos. Seus o ambiente natural. Com essa prática, os animais
processos de elaboração e consumo são, muitas são associados a membros da família, como
vezes, mantidos por longos períodos de tempo, em sugerido no depoimento de um produtor:
alguns casos ocorrendo pouca ou nenhuma altera- Isso aí é a mesma coisa dos filhos, né? A gente tem
ção nos modos de fazer. São produtos dotados de que ter carinho. Eu trato bem delas [vacas] e elas tra-
sabores diferenciados, assim como de significados tam bem de mim (Lico, produtor de queijo).
e identidades únicos para quem os produz e para Ao cuidar bem das vacas, Lico considera
quem os consome. Entretanto, ainda que tenham que elas também cuidarão dele, proporcionando
seu valor reconhecido por esses, por estarem inse- leite, matéria-prima do queijo. É neste momento
ridos em um ambiente institucional guiado pelo que começa a produção do queijo minas artesanal
arcabouço legal que rege a produção e comerciali- e são as práticas adotadas em sua produção, asso-
zação de alimentos no Brasil, os produtos tradi- ciadas às características naturais, que o diferem de
cionais são frequentemente tratados como ilegais outros queijos.
por instituições normatizadoras da produção de Da mesma forma que o ocorrido com a
alimentos, estando, assim, seus produtores sujeitos tradição secular da produção de queijo serrano,
a constrangimentos na produção e comercializa- que, como argumenta Krone (2009, p. 07), foi
ção. transmitida de geração a geração, de modo que o
É nesse contexto que, por meio do caso saber tradicional perpetuou-se ao longo dos tem-
desses queijos artesanais, o presente trabalho bus- pos, sem sofrer grandes transformações, os depoi-
ca elucidar a dissonância existente entre as legisla- mentos de produtores de queijo minas artesanal
ções vigentes e as práticas utilizadas nos sistemas evidenciam que essa é uma tradição familiar. De
tradicionais. Procuramos argumentar que, bem fato, vários produtores entrevistados no documen-
mais do que produtos, não apenas os queijos como tário afirmaram que aprenderam a fazer queijo
também vários outros alimentos tradicionais estão desde criança e que seus avós e bisavós foram
inseridos em complexos sistemas socioculturais: produtores.
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Santos; Cruz; Menasche
Além dos aspectos relacionados à tradição queijo serrano, são mencionados casos em que o
familiar, os produtores entrevistados associam queijo não é destinado à comercialização, mas
seus produtos às características climáticas específi- produzido para o consumo próprio, para presen-
cas das regiões em que vivem, afirmando que, tear amigos e vizinhos ou ainda para prover filhos
ainda que empregadas as mesmas técnicas de ela- residentes no meio urbano. A associação do queijo
boração, não seria possível elaborar o queijo do com os modos de vida das famílias rurais fica evi-
Serro ou o da Canastra em regiões com caracterís- dente quando os produtores comentam a diferen-
ticas naturais distintas daquelas onde tradicional- ciação entre a dinâmica das propriedades que
mente são produzidos. Os trechos de depoimentos comercializam leite in natura com as indústrias e
transcritos a seguir elucidam esse aspecto. aquelas em que o leite é, artesanalmente, trans-
Meu pai foi fazendeiro em Curvelo e aqui. Levou formado em queijo. Segundo alguns relatos, entre-
vacas do Serro, levou queijeiro do Serro e não gar o leite aos laticínios é, na maioria dos casos,
conseguiu fazer o queijo lá. [...] É uma bactéria, economicamente vantajoso. Entretanto, o que está
alguma coisa que tem aqui, que dá esse sabor em jogo é mais do que o valor monetário aferido
(Raulzinho, produtor de queijo). pelo trabalho. Afinal,
Você pode fazer o queijo aqui, embaixo da árvore quem faz queijo, faz muito por amor (Jorge Si-
ele fica bom. Se você fizer bem caprichadinho, ele mões, produtor de queijo).
fica bom. [...] Não sei se é o clima, uma bactéria Os produtores escutados no documentário
que fica aqui (Luciano, produtor de queijo). explicitam alguns dos aspectos subjetivos associa-
Os depoimentos também fazem referência dos à produção de queijo. Afirmam, por exemplo,
ao que os franceses chamam de terroir, que para que uma fazenda em que se produz queijo é uma
Dória (2010), diz respeito às condições físicas lo- fazenda com fartura e que nela o tempo é sempre
cais, aliadas a processos de trabalho singulares, preenchido: sempre há o que fazer, é uma fazenda
resultando em produtos diferenciados. De modo em que há movimento. Ao mesmo tempo, a pala-
sintético, é possível definir que a noção de terroir vra honra é utilizada para identificar o sentimento
está relacionada com um território comumente que une produtores, produto e lugar.
pequeno no qual o microclima confere qualidades O documentário também apresenta, sob a
distintas aos produtos nele enraizados. O termo é ótica dos produtores, as tecnologias empregadas
empregado para se referir a produtos com história, na fabricação do produto nas três regiões destaca-
enraizados em conhecimento compartilhado e em das por Ratton. Ainda que com pequenas diferen-
saber-fazer local, elementos próprios de uma área ças regionais, atribuídas principalmente ao meio
geográfica específica, onde fatores naturais e hu- natural, existe uma unidade no modo de fazer o
manos contribuem para a produção de alimentos queijo minas artesanal. A diversidade é relaciona-
com características singulares (BARHAM, 2003; TE- da aos produtores, pois mesmo que, grosso modo,
CHOUEYRES, 2005). seja o mesmo o modo de fazer o queijo, a mão
Além disso, o queijo é também associado de cada um é que vai dar a diferença no produto
ao fortalecimento de laços de sociabilidade, não só final. De acordo com os produtores, mesmo com-
entre vizinhos, mas também entre pessoas de ou- parando a produção realizada em propriedades
tras regiões. Segundo depoimentos reproduzidos muito próximas, que utilizam a mesma raça de
no filme, desde o início da produção de queijo, é gado, alimentado do mesmo modo, um queijo nunca
comum presentear pessoas de outras localidades será igual àquele feito pelo vizinho.
com queijo da região, prática que também contri- Aqui em casa todos os quatro fazem queijo [...], mas
bui para construir a notoriedade do produto. Do nenhum queijo é igual ao outro (Helena, produtora
mesmo modo, no estudo de Krone (2009) sobre o de queijo).
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O Mineiro, o Queijo e os Conflitos em Torno dos Alimentos Tradicionais
física das queijarias, no modo de acompanhar o como perspectiva primar pela preservação de um
rebanho e nas práticas de higiene. Ademais, espe- saber, de um modo de vida, precisam dar voz aos
cialmente no que se refere à estrutura física, passa grupos que argumentam em favor da manutenção
a ser necessário fazer investimentos para que os de práticas originais e questionam exigências im-
critérios estabelecidos sejam contemplados. Esses postas verticalmente, pois, em geral, são esses os
investimentos, ainda que referentes à estrutura produtores que assumem, em certa medida, o
dimensionada para processamento em pequena papel de guardiões de práticas, saberes e modos
escala, representam, para a maioria dos produto- de vida.
res, gastos elevados. No sentido de aprofundar essas reflexões,
Nesse quadro, cabe lembrar que Minas toma-se aqui a noção de reprodução social, há
Gerais possui em torno de 30 mil famílias que, em muito consagrada nas ciências sociais, definida
maior ou menor escala, produzem queijo. Desse não apenas pela satisfação das necessidades eco-
total, apenas 230 produtores11 atingiram as exigên- nômicas, mas também pelas demandas culturais e
cias para cadastrar-se e, assim, ter sua produção sociais. Dessa abordagem, resulta um olhar que
legalizada, ainda que de forma circunscrita aos não reduz o agricultor a mero homo economicus,
limites do estado mineiro. Considerando que o movido estritamente pela sobrevivência e pela
universo de 30 mil produtores é composto também produção, mas que o vê como ser social sujeito a
por aqueles que produzem em uma escala mínima desejos e orientado por valores que não são redu-
e que, possivelmente, não teriam interesse ou con- zidos à lógica econômica. Com base nessa perspec-
dições financeiras para regularizar a produção, ao tiva, pode-se dizer que a adoção ou não de tecno-
constatar que o número de produtores cadastrados logias está associada à própria reprodução social
representa menos de um por cento do total, fica da família camponesa. Sob essa ótica, as inovações
nítida a lacuna existente entre os interesses e pos- serão incorporadas desde que isso seja importante
sibilidades dos produtores de queijo e a solução para a família e que contribuam para sua reprodu-
que hoje o Estado lhes oferece. ção, caso contrário não serão adotadas, por não
Diante dessa situação, a questão que se co- fazer sentido para o grupo familiar. De acordo
loca é: uma política dessa natureza, que propor- com essa linha argumentativa, é possível afirmar
ciona que apenas um pequeno grupo possa acessá- que as discussões recentes sobre valorização de
la, não poderia criar espaços privilegiados para produtos locais, acesso a novos mercados e ade-
uma minoria técnica e economicamente mais apta? quação de legislações não atingem ou não fazem
E o restante, que representa a quase totalidade de sentido a todos os produtores, uma vez que gran-
produtores de queijos artesanais, estaria condena- de parte deles vive à margem de todos esses pro-
do à informalidade? Num primeiro momento, a cessos: seguem fazendo queijo e vivendo, como
não adesão de um produtor à proposta pode ser antes faziam. Para ilustrar essa situação, cabe re-
justificada por questões econômicas; todavia, nes- correr a um exemplo mostrado no documentário,
sa rejeição podem estar contidas outras motiva- que traz a história de Zé Pão e sua família, que
ções. A opção pelo fazer tradicional, por exemplo, nasceram e vivem nas encostas da Serra da Canas-
pode ser visto como resistência às intervenções tra, lá criaram seus quatro filhos, sendo que os
externas e reivindicação do direito de viver e tra- mais velhos também produzem queijo. O modo
balhar como sempre fizeram. Ações que tenham como vive essa família evidencia não o que muitas
vezes tem sido interpretado como aversão às ino-
11Dados da lista de produtores cadastrados, divulgada pelo vações, mas sim a inutilidade delas no contexto
Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), referentes ao período em que realizam seu modo de vida.
compreendido entre 2002 a 2012. Para mais informações, ver:
www.ima.mg.gov.br. Em relação ao contexto dos Campos de
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Para contornar essa situação, nas últimas nhecido e valorizado. De maneira geral, a socieda-
décadas, várias iniciativas têm sido pensadas para de, alicerçada na legitimação do conhecimento
formalizar a produção e processamento familiar científico, culto e acadêmico, atribui a esse tipo de
de alimentos. Esse é o caso da Lei 14.185, de 2002, conhecimento legitimidade para definir o rumo de
que se propõe a legalizar a produção do queijo procedimentos a serem adotados. Em paralelo a
minas artesanal em Minas Gerais, já discutida esse processo e o fortalecendo, dá-se a deslegiti-
anteriormente neste artigo. Na região dos Campos mação do conhecimento tradicional e local, ainda
de Cima da Serra, uma tentativa de formalização que esse também seja originário de experimenta-
da produção de queijo serrano se deu por meio da ção, observação, avaliação e possua um ordena-
aprovação da Portaria n. 214, de dezembro de mento lógico decorrente de constante utilização de
2010, que dispõe sobre o processo de produção do práticas compartilhadas. Se observarmos o caso
queijo serrano. Especialmente no que diz respeito dos dois queijos artesanais que analisamos ao lon-
ao período de maturação, o item 2.1.4.10 desta go deste artigo, parece pouco provável que algu-
Portaria define o processo de maturação como ma pesquisa científica possa ser realizada pelo
etapa com duração mínima de 60 dias, em tem- período de dois séculos em que esses queijos vêm
peratura superior a 5º C, com o objetivo de ga- sendo produzidos. Todavia, os experimentos e
rantir a inocuidade ao produto, o desenvolvi- práticas atreladas ao conhecimento tradicional,
mento do sabor, a desidratação e a estabilização acumulados na elaboração desses queijos possuem
do produto para atingir a consistência desejada este tempo de existência. Ainda assim, para legi-
(RIO GRANDE DO SUL, 2010). timá-lo, colocam-se como necessários inúmeros
Observa-se, nesse caso, a reprodução do estudos científicos que atestem que esse produto
mesmo critério definido em âmbito nacional, em- pode ser consumido sem que represente riscos aos
bora já exista conhecimento suficiente para saber consumidores.
que nos Campos de Cima da Serra do Rio Grande Essa situação, conforme já discutimos, é
do Sul, do mesmo modo que em Minas Gerais, não intensificada em iniciativas como a do Estado bra-
é prática usual comercializar ou consumir queijos sileiro, que adotou um modelo de legislação for-
com dois meses de maturação. Assim, tem-se uma temente embasado no contexto norte-americano16,
tentativa de enquadrar os produtores em uma no qual o parâmetro sanitarista sobrepõe-se a ou-
regra ou em leis pré-existentes; enquanto isso, se o tros parâmetros de qualidade, situação que se
objetivo é a valorização desses alimentos, o movi- repete para os diversos produtos tradicionais pre-
mento deveria ser o contrário - ou seja, a partir da sentes no Brasil. A adoção de arcabouço legal des-
realidade da produção, propor meios para a for- contextualizado submete produtos e produtores à
malização. Essa discussão é evidenciada no docu- informalidade. Diante dessa situação, a necessida-
mentário O Mineiro e o Queijo, e sintetizada na de de uma revisão legal baseada na identificação
fala de um produtor da Serra da Canastra: das diferenças regionais é percebida não só pelos
A legislação tem que se adequar a este produto produtores, mas também por alguns técnicos que
(o queijo) e não esse produto se adequar à legis- atuam diretamente com a realidade vivenciada
lação feita em gabinete (Joãozinho, produtor de pelos produtores.
queijo). Nós precisamos avançar mais lá em Brasília, é lá
Em meio a esses argumentos, balizados, que está o Ministério, lá que estão nossos legisla-
por um lado, por critérios normativos e, por outro, dores! (Joãozinho, produtor de queijo).
por práticas, experiências e hábitos de consumo O pessoal lá em cima [em Brasília] precisa saber
locais, a questão subjacente diz respeito à constru-
ção do conhecimento e ao modo como ele é reco- 16Para saber mais, ver Cruz e Menasche (2011).
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O Mineiro, o Queijo e os Conflitos em Torno dos Alimentos Tradicionais
o que está acontecendo aqui embaixo [no Estado] dução e, assim, poder comercializar legalmente
(Clério Alves, técnico do MAPA de Minas Gerais). seus queijos no Estado de Minas Gerais. Após as
O resultado de todo esse processo contro- adequações, entretanto, o preço alcançado não foi
verso é que, só no Estado de Minas Gerais, tonela- compatível com a elevação de custos com que o
das e toneladas de produtos são comercializadas produtor teve de arcar e, em consequência, ele
ilegalmente pelo Brasil afora. Segundo depoimen- deixou de produzir queijo, abandonando as insta-
to apresentado no documentário, lações.
este é um caso típico de burocracia, falta de sen- Como procuramos argumentar anterior-
sibilidade política, técnica e científica. Hoje em mente, para um produtor de queijo tradicional,
dia esses argumentos nos quais o governo se ba- abandonar a produção de queijo tem implicações
seia, nos quais os lobbies dos grandes laticínios se bem mais amplas do que as associadas apenas à
baseiam, não se sustentam mais (Carlos Alberto esfera econômica. Essa mudança está associada
Dória, consultor da ONG Sertãobrás). também ao esvaziamento de um modo de vida, da
A indústria de lácteos, que formalmente cultura dos homens e mulheres das serras de Mi-
abastece o Brasil, está pautada na homogeneização nas.
dos processos via pasteurização. O resultado é um
queijo padronizado, de características que se repe-
tem independentemente da região em que é pro- 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
duzido. Por outro lado, o queijo artesanal está
pautado na diversidade e pessoalidade. Mas, ape- Os desafios à valorização dos produtos lo-
sar da artesanalidade, que caracteriza a produção cais, tradicionais e artesanais são muitos e envol-
de queijos tradicionais, tornando-a mais trabalho- vem uma rede tecida por diferentes atores e suas
sa, os queijos pasteurizados alcançam preços ele- competências: produtores, técnicos, pesquisado-
vados em relação aos queijos artesanais. Uma das res, instituições de fomento e fiscalização e con-
razões do queijo artesanal ter menor preço é o fato sumidores. Unir os nós, fortalecendo os arcos des-
de não poder ser comercializado fora de Minas sa rede é talvez o maior desafio e a condição es-
Gerais - situação também ilustrada no documentá- sencial para que esse processo atinja seu objetivo:
rio -, o que resulta em uma elevada oferta do pro- impedir que os produtos tradicionais e os modos
duto no estado. Esse quadro de fragilidade pode de vida a eles associados desapareçam.
levar a rupturas nos sistemas tradicionais de pro- A qualidade dos produtos, que sempre
dução e na perda de práticas artesanais, como aparece como questão central nos diferentes dis-
ilustra o depoimento de um produtor mineiro, cursos sobre produtos artesanais, parece ter signi-
entrevistado no documentário. ficados diferentes para os distintos atores envolvi-
Eram poucos produtores aqui que vendiam leite dos nos sistemas tradicionais de produção. Assim,
para indústria. Era só queijo. Há alguns anos atrás mais do que adequar legislações ou adequar pro-
não se via caminhão leiteiro por aqui. Não era fá- dutos às legislações, é preciso construir critérios
cil ver isso não. Agora, hoje em dia a empresa es- adequados à escala e realidade de produção desses
tá aí. Até nós, que estamos cadastrados, estamos produtos e das famílias rurais que os elaboram.
com água na boca de largar de fazer queijo para Esta proposta inclui a construção de pactos com os
por um tanquinho para vender leite (João Bos- produtores, em que os aspectos sanitários possam
co, produtor de queijo). dialogar com o saber-fazer e com os conhecimen-
Para evidenciar essa questão, o filme mos- tos tradicionais, modos de vida e, consequente-
tra o caso de um produtor que foi um dos primei- mente, com o entendimento que os produtores
ros a realizar as melhorias para formalizar a pro- têm sobre suas práticas.
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Santos; Cruz; Menasche
As diferenças regionais, conformadas pelo alimentos a partir do caso do Queijo Serrano dos Cam-
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O Mineiro, o Queijo e os Conflitos em Torno dos Alimentos Tradicionais