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SCHEJTMANN – ENSAIOS DE CLÍNICA PSICANALÍTICA NODAL

A clínica dos nós e o sintoma

Sinthoma como termo chave da última clínica de Lacan.

O sinthoma entendido em oposição à dimensão metafórica do sintoma e como produto de


uma análise conduzida a seu termo. Até alcançar o núcleo incurável.

Reduzir o sinthoma à face real do sintoma no fim do tratamento. Isso impede de localizar o
sinthoma e verificar seu funcionamento no tempo prévio do tratamento.

Sinthoma como 4º elemento, responsável pelo enodamento de seus três registros. Não só por
aquele que terminou sua análise, mas também por quem nunca se psicanalisou: Joyce.

Ao passo que a oposição neurose psicose se desvanece,


a psicose se generaliza. A clínica dos enodamentos das
variedades clínicas das psicoses e dos enodamentos
neuróticos ainda está na incubadora. A abordagem da
perversão pela clínica dos nós é ainda inexistente.

A clínica dos nós ainda não entregou o que promete.

Forclusão do NP. Forclusão generalizada.

Chomsky: colourless greens furiously sleeps.

Como é possível alguém enlouquecer? Forclusão do NP.

Como é possível não ficar louco.

Sintoma: articulado ao NP.

Deficiência do NP: neurose.

Recusa: psicose.

Desmentido: perversão.

Margucci: iniciação ao silêncio. Capítulo Frege.

NP: é um caso particular de sintoma. Sinthoma.

Conferência de junho 1953 (Discurso de Roma): proeminência do S sobre o I e o R. O extravio


que se deu com o texto de Freud resulta do abandono do S como eixo crucial da clínica.

Leis simbólicas têm uma necessidade interna. (a+b)2: a2 + ab + b2.


Instância da letra: o sintoma é uma metáfora, e não é uma metáfora dizê-lo. Aqui o recalcado
não é mais o significado (Função e campo...) mas sim um significante que se substitui a outro.
O sintoma se resolve inteiramente numa análise da linguagem. Lacan ali se empenha em
devolver o esplendor à via do significante opacificada pelos pós-freudianos. Não havia ainda
formalizado o registro que permitisse isolar a vertente de gozo do sintoma, como o que resiste
à interpretação: o real.

S. VII: Supõe um gozo que não convoca a interpretação do Outro. Mas um gozo que se basta a
si mesmo, que não se dirige ao Outro, mas à Coisa. Esse gozo refratário ao Outro passa a fazer
parte essencial da natureza do sintoma. O artifício para torná-lo interpretável é desnaturalizá-
lo por meio da transferência.

Do sujeito enfim em questão: sintoma como retorno da verdade na falha do saber. Sintoma
entre verdade e gozo.

Da psicanálise em sua relação com a realidade: A verdade encontra no gozo como resistir ao
saber. O sintoma como verdade que se faz valer no descrédito da razão.

Saber: sistema simbólico.

Antecipação da estrutura do discurso histérico (Seminário: Avesso da psicanálise): a


impotência do saber para tratar do gozo como verdade do sintoma. É a armadilha armada pela
histeria, para que fisgue o médico, o educador, o governante, a polícia.

Gozo inacessível ao ser falante: gozo da complementaridade sexual.

Não há Relação sexual.

O sintoma entre S e R

A escritura nodal do sintoma conduz a localizá-lo não mais entre S e I – sintoma metáfora –
mas entre S e R – sintoma letra, em que se enfatizam mais os efeitos de gozo.

A Terceira (Roma): 2 possibilidades de localização do sintoma no nó: abertura ou incidência de


R sobre S, ou, vice-versa, do S sobre o R.

O sintoma como o que vem do real, que não funciona, em oposição ao discurso do mestre (o
que funciona). No discurso do mestre, a copulação significante nos adormece de sentido.

S1-S2. O sintoma se desprega no gozo fálico na medida em que explicita a não relação sexual.
A ausência de relação sexual retorna na anomalia do gozo fálico.
40 dias mais tarde (RSI): somos capazes de operar sobre o sintoma, na medida em que o
sintoma é efeito do S no R.

21 de janeiro 75: o que, do inconsciente, faz ex-sistência. O inconsciente se traduz por uma
letra separada de toda qualidade. Do inconsciente como Uno que sustenta o significante. Não
se trata do inconsciente cadeia-significante (S1-S2). Trata-se do inconsciente dos Unos soltos,
dos há-do-um, do enxame. O inconsciente traduzido pela letra. S1 essaim.

A palavra que fere. O insulto.

Saia.

Se o sintoma metáfora supõe a articulação de dois significantes, esta nova versão do sintoma
letra ressalta a distância entre o significante que representa um sujeito para outro significante
e a letra como identidade de si separada de toda qualidade.

A letra do sintoma é a escritura selvagem desse Uno, dobra sempre disposta a acolher o gozo.
Sintoma como sede de fixação de um gozo que é produto do transtorno que lalíngua introduz
traumaticamente no corpo. O sintoma como acontecimento de corpo, donde deriva sua fixidez
e resistência. O que importa é a referência à escritura.

Esta fixação de gozo faz do sintoma sintoma-letra. O que o distingue das demais formações do
inconsciente. As formações do inconsciente se caracterizam por sua fugacidade. O sintoma
supõe a fixidez e a repetição. O sonho se torna sintoma quando se repete traumaticamente. O
inconsciente sintoma como enxame de que se goza pela via da tradução de um desses unos na
letra do sintoma.

Diferenciar o Ics dos Unos do que provem o sintoma como retorno do recalcado que engendra
as formações do Inconsciente.

O Ics dos unos, do qual se extrai a letra sintomática, não se sobrepõe ao inconsciente cadeia
significante como retorno do recalcado. O inconsciente-cadeia-significante fomenta a cópula
S1-S2, produz efeitos de significação ordenados pelo NP. Está ordenado pela lógica do Todos e
da exceção (lado masculino).

Já o Ics do “há do Um” contesta a cadeia e faz enxame dos S1 soltos. Seu efeito é menos de
significação do que de gozo, gozo de lalíngua. Coloca-se no lado feminino como conjunto
aberto, sem exceção.

À extração do Um, à escritura do sintoma, agrega-se o deciframento, ou a interpretação.

Na intepretação, o inconsciente-cadeia, o agregado S2 interpreta o sem sentido de S1. Já o Ics


enxame dos Unos não admite efeito de sentido ou de interpretação. A operação interpretação
torna o inconsciente-cadeia pontífice. Pontes entre o Um e o Outro. Do Um que se torna Dois
pelo trabalho interpretativo que une S1-S2. A interpretação pontífice nos anestesia pela
religião do sentido. O sentido é sempre religioso.

É a partir do real dos Unos dispersos que o sintoma se estabelece na fixação do gozo à letra
traumática.

A psicanálise induz ao sintoma metáfora: força o sintoma-letra a se tornar uma metáfora. Há


sempre chamado ao Outro: a interpretação só é possível sob o efeito da transferência. A
natureza auto erótica do gozo é refratária ao Outro, mas o artifício da transferência faz com
que o gozo sintomático conceda a passar para o campo do Outro, tornando-se mensagem ao
Outro aberto a recebê-lo na figura do psicanalista.

Mas sintoma letra e sintoma metáfora não são duas vertentes do sintoma relativos a primeira
e a última fase do ensino de Lacan. O forçamento do dispositivo que conduz o sintoma a passar
para o campo do Outro não é completo. O sem sentido do sintoma não se anula
completamente. Há sempre o intransferível, o ininterpretável. O núcleo incurável que se pode
isolar, mas não eliminar.

Capítulo II. Elaboração do sinthoma no último ensino de Lacan

A introdução do sinthoma está ligada e é imediatamente posterior ao desenvolvimento no


Seminário 22 do nó borromeano de três. Localização precisa para o sintoma letra.

Lacan: Freud suspeitava de que R, S e I não bastavam para produzir o enlaçamento. Propõe um
4º elo, que chama de realidade psíquica, para enlaçar essas 3 consistências. A realidade
psíquica é o complexo de Édipo. A realidade psíquica é uma realidade religiosa. Função de
sonho que Freud instaura o laço de S, I e R. Freud se torna religioso, na queixa de Lacan:
função dormitiva e religiosa do complexo de Édipo. Lacan afirma que Freud jamais desistiu
dessa babaquice religiosa. Ele não acredita em Deus porque opera em sua linha. Freud não era
lacaniano porque sua conta começava em 4; porque não sabia prescindir do NP.

Para Lacan, o prescindir do 4º elemento seria a meta do tratamento psicanalítico. O fim da


análise é a redução ao nó mínimo de 3. É transformar o analisante freudiano religioso no
analisado lacaniano que prescinde do 4º termo e se basta com 3.

(02/75): Um ano mais tarde Lacan modera o tom, se torna mais interrogante, menos
judicativo. Pergunta se seria necessária essa função suplementar de um toro a mais. Ao
mesmo tempo modifica sua consideração sobre a função paterna, com relação à nomeação.
Passa do Nome do pai ao pai do nome, pai nomeador, reduz o pai à função radical de dar
nome às coisas. A função nomeadora permanece instalada no registro simbólico. Lacan não a
propõe como um 4º anel, que segue supérfluo.

Questão: por que o 4º termo é imprescindível? Por que razão o nó tem de ser tetrádico?

O problema da homogeneidade dos 3 registros na cadeia borromeana mínima. Em três, não há


como distinguir os registros. R, S e I são homogêneos, indiscerníveis. Em 15 de abril de 1975, o
quarto elo se impõe como irredutível. O 4º elemento como gerador de distinção. É necessário
que sejam 4.

Na apresentação aplanada de 4, somente S cruza com o 4º elo 4 vezes; R e I só duas vezes. A


dissimetria desejada emerge, quebrando a simetria homogênea de 3.
Mas em RSI, esse 4º nó ainda não é o sinthoma, como ocorre em S 23. Mas a função de
nomeação deixa de estar vinculada ao simbólico. A nomeação não é privilégio do simbólico.
Propõe-se distinguir nomeação real, simbólica e imaginária. Nomeação imaginária, ligada à
inibição; nomeação real, ligada à angústia; nomeação simbólica, reservada ao sintoma.

Cada uma das nomeações se inscreve redobrando um dos três registros. Pode-se ir contando
de 4 até 6. Mas Lacan não prossegue nesta direção.

Por que permanecer no 4? 0 nó do sintoma permanece sendo o 4º elo. Porque na cadeia de 6


anéis a homogeneidade é reconstituída. Restabelece a simetria. Lacan necessita do nó
dissimétrico.

E finalmente confessa: sou, apesar de mim mesmo, um herdeiro de Freud. A necessidade do 4º


elo se admite na aposta no sinthoma. Joyce em alemão é Freud, alegria.

Função do sinthoma: encadeamento borromeano de S, I e R. Esse 4º anel do sinthoma como


outro nome para o pai do nome. O sinthoma assume o lugar da função paterna. Não é sintoma
metáfora nem sintoma letra. O sinthoma não é nem simbólico, nem imaginário nem real. Mas
o 4º registro que os enlaça.

Sinthoma: sofrer por ter uma alma, uma alma é o que há de mais fatigante. Sinthoma:
psicopatia, pathos da psique.

Ter uma alma, escapar à indiferença do universo.

Função de enodamento do sinthoma: père-version: versão ao pai.

Chama-se alma o que permite a um ser falante suportar o intolerável do mundo, o que supõe a
alma alheia ao mundo, ou seja, que ela seja fantasmática. A psique é fantasmática. Isso que a
permite suportar o intolerável do mundo: o real. Nos permite adormecer do real, temperá-lo
pela absorção do fantasma, dar-lhe sentido: função de sonho da realidade psíquica. Fantasma
que veda na estrutura a falha do Outro: S (A barrado). O sinthoma se articula à função
homeostática do fantasma.

Nesse sentido, o sinthoma é um composto de sintoma e fantasma.

2.4 Estabilização conceitual do sintoma


Introdução do sinthoma (entre junho e novembro 1975). 4º elo que enlaça RSI e herdeiro da
função que se outorgava à nomeação e ao pai nomeador. Em seguida, laço com a realidade
psíquica e função homeostática do fantasma.

Para abordar o caso Joyce (S23), Lacan articula o sinthoma com o que chamou de “lapso do
nó”. Operatividade clínica e estabilidade conceitual: função de reparação do lapso do
enodamento. Articulação proposta entre as lições 10 e 17 de fevereiro 1976. Sobre o nó do
trevo.

Ver (89): nó de trevo falhado, nó de trevo reparado pelo sinthoma. Correção, compensação ou
suplência a partir da instalação do sinthoma: o nó de trevo não se desarma. O resultado não é
um simples trevo, mas um trevo consertado. O saldo não é um nó, mas uma cadeia: tem-se
dois anéis agora.

17/02/76: a reparação do erro pode se realizar em pontos distintos, outros pontos de


cruzamento distintos daquele onde se produziu o erro de enodamento.

Figura p. 91: se a falha de nó está em 2, mas se inserta o anel reparador em 1. O trevo não se
converte em nó trivial, mas perde sua forma: se faz uma cadeia em forma de 8. Se o reparo se
dá no lugar do lapso, isso permite que a forma de trevo se sustente. Se introduzimos o reparo
em outros pontos onde não se produziu o lapso, isso nos dá a forma de 8. Os elos do trevo e o
da reparação são intercambiáveis, sem que se produza uma cadeia diferente.

Mas quando se corrige no lugar do lapso, isso gera um encadeamento distinto. O elo original e
o remendo não são equivalentes.

Resultado: no caso de uma cadeia em que os elos não são equivalentes, falamos de um nó
corregido por um sinthoma. O sinthoma se produz onde o nó falha. Conclusão: onde há
sinthoma, não há equivalência. Onde há equivalência não há sinthoma. Onde não há sintoma,
não há relação. Onde há sintoma, há relação. Se a não relação depende da equivalência, na
não equivalência se estrutura a relação. O sinthoma é o que sustenta a relação sexual. Faz com
que ela exista.

A relação de Joyce com Nora se dá nesta perspectiva. 94

Função do sinthoma:

Um erro em cada cruzamento desarma a cadeia borromeana.

97: o 4o elo negro (em forma de orelha) é o sinthoma que repara dois lapsos reenlaçando-os
aos três registros.

Essencial que o nó falhe: R, S e I não podem enlaçar-se por si mesmos. Necessidade de uma
clínica de reparação deste lapso. O Inconsciente não é o que produz o lapso, mas o que se
compõe sobre ele. 98

2.5 Joyce, sintoma e sinthoma:

Lacan (10/02/76): O caso Joyce responde a um modo de suprir um desenlaçamento do nó.


Lacan propõe o nó de trevo afetado pelo lapso (pseudo-trevo) e reparado.

Qual é em Joyce a falha para a qual o nó daria conta?


Seu desejo de ser um artista que manterá todo mundo ocupado não compensa exatamente o
fato de que seu pai nunca tenha sido para ele um pai?

Razão pela qual o nome próprio é nele algo estranho, o nome que ele valoriza em detrimento
do pai. Seu nome próprio como o que vem remediar esse lapso, o anel que impede que o trevo
se desfaça.

A demissão paterna no ponto de cruz na cadeia borromeana de três elos, entre R e S. O


resultado é o desprendimento de I, abordado na história da famosa surra de Joyce. No deixar
cair a relação com o próprio corpo está algo suspeito para um analista (JL 146-47) – 101

Em 2o lugar, a interpenetração entre S e R se apresenta sintomaticamente, na escrita de Joyce,


sob a forma da palavra imposta. Como também na esquizofrenia de Lúcia, sua filha, a quem
atribuía poderes telepáticos e assinalando que essa atribuição estava “no prolongamento de
seu próprio sintoma”, ou seja, que a Joyce se impunha algo a respeito da palavra. Em sua
escritura se manifesta cada vez mais a palavra imposta, consequência da interpenetração
entre S e R na cadeia, produzindo a soltura do imaginário.

Suas epifanias se caracterizam como consequência desse erro, no que o Inconsciente aparece
ligado ao real. As epifanias se situam no nível do que faz sintoma como palavra imposta.

S1 como enxame. S e R, sem I.

Epifanias: revelações.

Lacan: que inconsciente é este que, enganchado ao real, dá conta da palavra que se impõe
como sintoma em Joyce no nível da escritura e das epifanias? Certamente um inconsciente
distinto do inconsciente cadeia do qual Joyce se desabona e que não se confunde tampouco
com o simbólico enlaçado ao real. Joyce se encontra desabonado do inconsciente.

Pode-se ler Finnegans Wake a partir de qualquer capítulo.

O simbólico alude à parelha S1-S2 que o sintoma derroga, impondo seu estatuto de S1. Joyce
se desabona do inconsciente cadeia S1-S2, mas não do inconsciente enxame de S1, de S
enganchado em R, pelo lapso do enodamento. Ele dá conta do sintoma como palavra imposta
na escrita, nas epifanias. 105

Lacan se aproxima, nessa localização do sintoma entre R e S, do modo como havia colocado a
letra do sintoma em A terceira ou em RSI. A letra de gozo do sintoma entre R e S. Todavia, se o
que em Joyce se apresenta como palavra imposta se funda na interpenetração de R e S, a letra
de gozo do sintoma (em Seminário 22) é um efeito do S no R, extração de um S1 do
inconsciente que passa ao real.
2.5.3 Joyce, o sinthoma

Necessário diferenciar o lapso de nó que deixa solto I e interpenetrados R e S, essa dimensão


sintomática (sem th), do tratamento que Joyce dá a isso via sinthoma, a sua reparação
sinthomática. O sinthoma como 4o elo se localiza no desejo de ser um artista que manterá
todo mundo ocupado, ou no fazer-se um nome que consegue, senão livrar Joyce do palavreiro
parasita, conduzi-lo a se virar com isso, compensando a carência paterna e evitando a eclosão
de uma psicose. 106

Schreber: vozes, pássaros miraculados: p. 145.

Lacan termina por chamar de ego aquilo que na cadeia se localiza como reparação
sinthomática de Joyce: o que consegue reter I, impedindo que se desprenda, embora o nó não
se torne borromeano, mantendo S e R interpenetrados: desenho p. 107.

Questão da escrita: se trata de liberar-se do parasita palavreiro ou se deixa invadir por


propriedades fonêmicas da palavra.

Se o sintoma supõe um gozo que basta a si mesmo (S X, desenganche do Outro), o sinthoma


institui um reencadeamento, um reatamento do laço.

Lacan, abertura do V Simpósio Internacional James Joyce: Joyce goza escrevendo Finnegans
Wake. Gargalhadas estridentes que incomodavam Nora em sua escrita noturna. Gozo autista
que não passa ao Outro.

O reatamento ao Outro passa através da prevalência do enigma na escritura. Os especialistas


que passarão 200 anos discutindo Joyce ocupam-se de resolver seus enigmas. Joyce escritor de
enigmas seria a consequência do arranjo tão mal feito deste ego, como função reparatória.

Seu sinthoma resolve essa situação tornando o Outro, no lugar do leitor, um decifrador de
enigmas. O exército de joyceanos decifradores de enigmas. A isso se agrega a função
reparatória do ego-sinthoma. Seu desejo de ser um nome toma corpo com a publicação da
obra. Finalizar o Finnegans Wake o permitiu fazer-se um ego, construir um escabelo para se
apresentar ao Outro.

Relação de Joyce com Nora: Lacan: direi que é uma relação sexual, embora sustente que não
haja. A luva esquerda revirada que encaixa na mão direita. Nora lhe cai como uma luva. Nora
se torna um sinthoma como seu ego, impedindo que seu imaginário se solte, dando-lhe um
limite corporal preciso. Onde há sinthoma há relação, uma estranha relação sexual. A relação
sexual é uma relação intersinthomática.

A imaginação de Joyce de ser o Redentor como protótipo da père-version: essa ideia surge na
medida em que há relação do filho ao pai, o sadismo para o pai, o masoquismo para o filho.
Protótipo delirante da père-version.
O sinthoma supõe um saber se virar de tal maneira que clausura o ingresso ao dispositivo
analítico. Comporta uma ordem de funcionamento que impede o surgimento do que Lacan
chama de psicanalisante em sentido estrito. A psicanálise é supérflua se isso funciona.

O caminho da psicanálise se abre quando essa solução sinthomática que nos mantém mais ou
menos estáveis e mais ou menos adormecidos vacila, quando não desmorona
estrondosamente.

S XI: encontro com o real sob as espécies da tiché. Em 1976: encontro com fragmentos do real
cujo estigma é o de não se enlaçar com nada.

Já o sinthoma encadeia, enlaça.

A psicanálise não é um sinthoma, porém sim o psicanalista. O sinthomanalista que vem reatar
o que o sintoma anuncia como desatado. Isso é o que suporta os primeiros passos terapêuticos
da psicanálise. 119

O sintoma é o índice do desencadeamento, signo do que não anda, testemunho de que a


versão ao pai que o sinthoma entrega fracassou.

2.7.2 Sinthoma e debilidade mental 121

Lacan (11/01/76): entre loucura e debilidade mental, não temos senão a escolha.

A debilidade como condição do mental. A debilidade garantida pelo sinthoma é a homeostase


dormitiva que supõe o encadeamento dos registros pela reparação da falha do enodamento.
Fazer existir a relação sexual apoiando em alguma père-versão sinthomática é a chave dessa
debilidade soporífera.

Debilidade: sofrer debilmente por ter uma psique.

A loucura como produto do desenlace dos registros por um encontro com um fragmento do
real. O que questiona as soluções sinthomáticas.

Recusa sinthomental de uma psicanalise, a mentalidade joyceana é inanalisável.

A psicanálise não consiste em liberar um sujeito de seus sinthomas, mas permiti-lo saber
porque está enredado neles. Não se deve crer que o sinthoma é o melhor dos mundos, há
reparações sinthomáticas tão funestas que obrigam o analista a interpor sua função de análise.

CASO MARINA

Caso Marina
USOS DO NB NO ÚLTIMO LACAN 129

1976: A noção de sinthoma se estabiliza conceitualmente e cobra operatividade clínica. Mas


essa operatividade não se estendeu aos seminários seguintes.

NB aplicado à cadeia significante (...ou pire, 9/02/72): tratamento do aforisma: te peço que
recuse o que te ofereço porque não é isso. Nela, os verbos pedir, recusar e oferecer estão
atados borromeanamente. Se soltarmos um dos três, o sentido se dissipa. O nó como
metáfora do Um.

As frases interrompidas de Schreber (mensagens de código): agora vou..., vocês deveria..., vê-
se que na falta de um dos elos, os demais se soltam, se perde o Um.

Lacan: Crítica de Função e Campo: disse que os significantes formavam cadeia. Só há dois
porque se agrega o decifrado. Importância dada ao significante isolado. Os significantes por si
só não formam cadeia.

Inibição: retenção produzida pela intrusão de I em S;

Sintoma: efeito de S em R;

Angústia: transbordamento de R em I.

Mas o nó não se desarma, os registros permanecem juntos.


Do sinthoma ao sintoma

1º estado do sintoma: se identifica à realidade cotidiana de quem o traz. De tão implicado o


sujeito dele não se distingue. O sintoma como caráter. Estatuto ego-sintônico de um sintoma
que assegura sua estabilidade adormecida, que sustenta a estabilidade do homem mediano.
Deste sintoma, em geral não se padece.

O caso do obsessivo que se lava 50 vezes por dia. Ou de Taylor, neurótico obsessivo criador do
modo de produção em série conhecido como taylorismo, que não conseguia caminhar sem
contar os passos. E que se vale de sua atitude de controle compulsivo para organizar o modo
de produção do capitalismo.

Paradigma que se encontra no caso do primeiro neurótico obsessivo que Freud atendeu: o
funcionário público que lhe entrega cédulas limpas e passadas no pagamento. Freud interpreta
os exagerados escrúpulos deste homem referidos ao pagamento com cédulas limpas como um
deslocamento conveniente que provém da estranha ordem que impunha a sua vida sexual:
excursões campestres com garotinhas de boa família que enganava perdendo o trem de volta
para passar uma noite com ela, em que terminava masturbando-a com sua mão imunda.

A extrema elegância na entrega das cédulas ao próximo que ele manifesta não é por ele
percebida mais do que como um traço de sua personalidade que, longe de colocar alguma
questão ou ser motivo de padecimento, deixa-o em posição de felicitar-se por salvaguardar
seu semelhante das perigosas bactérias que poderiam ser nocivas a seu receptor. É mais
conveniente exceder-se em seus cuidados com o próximo do que questionar suas excursões
campestres. Há um ganho da enfermidade correlativo da política da avestruz que nunca faltam
nessas posições tão decididas a manter o adormecimento. Trata-se de um firme não querer
saber que gera uma solução soporífera.

Mas haveria sintoma sem que seu portador o reconheça como tal. Freud não deixa de
considerar sintomático isso que ele chama de defesa lograda.

Em Lacan, o sinthoma não se reduz ao resultado da análise. Nem tampouco equivale a uma
redução ao real do sintoma. O sinthoma é o que estabiliza a estrutura nodal.

Na neurose, reconhece-se a intrincação do fantasma no sinthoma que estabiliza o que Freud


chama de estado neurótico comum. O sinthoma como composto de sintoma e fantasma. O
sinthoma do neurótico comum se sustenta por um fantasma que amortiza a dimensão real do
sintoma. Função estabilizadora na psicose.

A presença do sinthoma normal é transestrutural. Responde à tendência universal do ser


falante em manter-se adormecido: a debilidade mental característica do humano. Essa
debilidade sintomática, segundo Lacan, é inanalisável. Ela faz obstáculo ao encontro com o
psicanalista.

O psicanalista só é procurado quando alguma contingência torna o sintoma um estorvo, algo


inconveniente, algo do qual se quer livrar. Sem isso, a demanda e o tratamento não se
sustenta. O sintoma precisa se transformar numa pedra no sapato, em algo que não anda, que
não funciona, algo do qual se padece. Somente então surge uma pergunta sobre sua causa.
Dali provém a desimplicação do sujeito daquilo que até então lhe era familiar, que dele não se
distinguia. Ruptura desse compacto si mesmo com o sintoma.
Algo do encontro com o real desfez o equilíbrio que o sinthoma aportava. Por exemplo, a
puberdade. Uma desilusão amorosa, etc. Ocorre a quebra da normalidade homeostática do
sinthoma. Ali encontra o adormecido a chance que a contingencia lhe oferece de se despertar
para o íntimo. O sintoma passa a ser o signo disso que não funciona no real. O que impede que
as coisas andem.

Para ser captado na experiência da análise, não se vai do sintoma ao sinthoma. É preciso ir do
sinthoma que adormece e encadeia para o sintoma que, em seu desencadeamento, dá acesso
ao despertar que se depara ao ser que fala.

Caso de Paul Lémoine: o homem da esferográfica. Um homem de 28 anos molestado pelo


sintoma de que, para fazer amor, deveria traçar sobre o seio da mulher marcas com a
esferográfica, a que chamava tatuagens. Sem isso, não conseguia manter a ereção. Os traços
tinham valor de fetiche. Isso faz parte de seu sinthoma normal, no qual o fantasma lhe impõe
condições de gozo. Somente em razão da resistência da mulher, que não tolera essa prática,
que esse sintoma se desestabiliza. Em oposição ao sinthoma normal, o sintoma aqui se
encarna no parceiro feminino que não consente com essa via perversa do desejo. Sua mulher é
o signo do que não funciona no real.

A mulher como sintoma do homem. Nora tornou-se sinthoma para Joyce, funcionava como
uma luva, em encaixe perfeito. Em contraponto, a mulher sintoma que impede que as coisas
andem para o homem da esferográfica. Problema da parceria: quem vou encontrar em casa: o
sintoma ou o sinthoma?

Questão do sinthomanalista.

O sofrimento advém quando o sinthoma normal cedeu lugar ao desencadeamento da


estrutura. Para completar o sintoma, o analista vem funcionar como sinthoma. Ele se presta a
reatar a estrutura subjetiva, operando como suplência.

Pode-se operar como sinthoma de alguém sem operar como psicanalista. A parceira sintoma
não é uma invenção da psicanálise.

No caso da psicose, Lacan define o analista sinthoma como uma submissão completa, embora
ciente, às posições subjetivas do paciente. Não é qualquer parceiro sintoma que consente a
essa submissão, que permite a operação de reatamento do sinthomanalista na psicose.

No lado da neurose, a operação consiste em instituir a posição psicanalisante da entrada em


análise. Completar o sintoma é transformá-lo em metáfora, conduzir a letra do sintoma à
forma do texto. Passar do gozo do sofrimento ao gozo do deciframento.

O analista funciona como condensador da libido no nível da transferência. A letra de gozo se


torna significante de transferência. O Rat das primeiras entrevistas se revela ponto nodal de
Hofrat, Ratten, Heiraten, Spielratte, Ratzenstein em que o desejo se liga.
Caso Júlia

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