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Abordagem a rima

Prosódia: parte da linguística que A necessidade de equilibrar letra e melodia torna muito complexo o
estuda a entonação, o ritmo e o
acento da linguagem falada. processo de criação de uma canção. A comunhão desses dois elementos
Textura: qualidade sonora de uma permite ao compositor construir o sentido que quer dar a sua canção e
música definida pelo número de expressá-lo. Existem tratados sobre a prosódia musical que levam em
vozes (ou seja, linhas de cada
instrumento) e pela relação entre conta a métrica poética para adaptá-la aos elementos da melodia.
essas vozes.
Na composição ou na análise de uma canção, é preciso considerar os
Coco de embolada: muitas são as vários elementos que influenciam o equilíbrio entre melodia e letra: a
variações do coco espalhadas pelo
Nordeste. O coco de embolada, por harmonia, o contraponto, a textura, a estrutura melódica e rítmica, além
exemplo, caracteriza-se pelas
frases curtas com melodias de da métrica do texto.
poucas notas e repetidas várias Quando falamos de estilos musicais, como o coco de embolada e o
vezes em cadência acelerada. Os
textos geralmente são satíricos, rap, que priorizam o improviso poético, um dos maiores desafios é con-
improvisados e em clima de desafio seguir manter a fluência do texto e a qualidade das rimas. Para entender
entre os dois cantadores; o que
importa é não perder a rima. tal dificuldade, vamos examinar mais de perto esse importante elemento,
comum ao estudo da canção e da poesia: a rima.

Reprodução/<www.youtube.com/watch?v=1-EKWhppafw>
A dupla de coco de embolada Caju e
Castanha e o rapper Emicida em um
duelo de improviso, em 2012.

A convite de uma empresa de


pesquisa de utilidade ao
consumidor, a dupla Caju e
Castanha e o rapper Emicida
realizaram um duelo de
improviso entre estilos musicais
diferentes para confrontar dois
modelos de máquina de lavar
roupa. O resultado dessa
divertida batalha musical pode
ser conferido na internet.

É possível classificar uma rima por meio de diversos critérios. Conhe-


ça alguns deles a seguir.

1. Quanto à posição na estrofe, as rimas podem ser:


• interpoladas, quando o primeiro verso rima com o quarto e o se-
gundo com o terceiro, no esquema ABBA:
Um nasce pra trabalhar A
e outro nasce para a briga. B
Outro vive de intriga, B
outro de negociar, A
Fragmento transcrito de: Beija Flor; Treme Terra.
“Repente alagoano”. In: Música popular do Nordeste. Vol. 4.
Discos Marcus Pereira, 1973.

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• emparelhadas, quando o primeiro rima com o segundo e o terceiro
com o quarto, no esquema AABB:

Quando olhaste bem nos olhos meus, A


e o teu olhar era de adeus, A
juro que não acreditei. B
Eu te estranhei, me debrucei B
Fragmento transcrito de: HIME, Francis Victor Walter;
HOLLANDA, Francisco Buarque de. “Atrás da porta”.
In: Elis Regina. Elis. Universal Music, 1971.

• alternadas, quando o primeiro rima com o terceiro e o segundo com


o quarto, no esquema ABAB:
Olha pro céu, meu amor, A
vê como ele está lindo. B
Olha pr’aquele balão multicor, A
como no céu vai sumindo. B
Fragmento transcrito de: CARVALHO, José Fernandes de;
NASCIMENTO, Luiz Gonzaga do. “Olha pro céu”.
In: Luiz Gonzaga. Olha pro céu, 1990.

2. Quanto à tonicidade, elas podem ser:


• agudas, quando ocorrem entre palavras oxítonas ou monossilábicas
(amém e Belém; pão e vão):

Rebenta, na Febem, rebelião.


Um vem com um refém e um facão.
A mãe aflita grita logo: “não!”
e gruda as mãos na grade do portão.
Fragmento transcrito de: PIMENTEL,
Oswaldo Lenine Macedo; RENNO, Carlos Aparecido.
“Ecos do ão”. In: Lenine. Falange canibal. BMG Brasil, 2002.

• graves, quando ocorrem entre palavras paroxítonas (quiosque e


bosque):

Procurei em todas as mulheres a felicidade,


mas eu não encontrei e fiquei na saudade,
foi começando bem, mas tudo teve um fim.
Você é o Sol da minha vida, a minha vontade,
você não é mentira, você é verdade,
é tudo o que um dia eu sonhei pra mim.
Fragmento transcrito de: RIBEIRO, Antonio Eustáquio Trindade.
“Mulheres”. In: Martinho da Vila.
Tá delícia, tá gostoso. Sony Music, 1995.

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• esdrúxulas, quando ocorrem entre palavras proparoxítonas:
Subiu a construção como se fosse sólido,
ergueu no patamar quatro paredes mágicas,
tijolo com tijolo num desenho lógico,
seus olhos embotados de cimento e tráfego,
Fragmento transcrito de: HOLLANDA,
Francisco Buarque de. “Construção”.
In: Chico Buarque. Construção. Universal Music, 1971.

3. Quanto à sonoridade, as rimas podem ser classificadas como:


• perfeitas ou soantes, quando há uma perfeita identidade dos sons
finais:
Alma.
Deixa eu tocar sua alma
com a superfície da palma
da minha mão.
Fragmento transcrito de: ANTUNES FILHO, Arnaldo Augusto Nora;
GOMES, Pedro Anibal de Oliveira. “Alma”.
In: Zélia Duncan. Sortimento. Universal Music, 2001.

• imperfeitas ou toantes, quando não há uma perfeita identidade dos


sons finais:
Em setembro,
se Vênus me ajudar,
virá alguém.
Eu sou de virgem
e, só de imaginar,
me dá vertigem.
Fragmento transcrito de: MENDES, Aldir Blanc; MUCCI,
João Bosco de Freitas. “Bijuterias”. In: João Bosco.
O bêbado e o equilibrista. Sony BMG Music, 1989.

4. Quanto ao valor, há quatro categorias de rimas:


• pobres, quando as rimas se dão entre palavras da mesma classe
gramatical (no exemplo a seguir, a rima é entre verbos):
Solto a voz nas estradas,
já não quero parar.
Meu caminho é de pedra,
como posso sonhar
sonho feito de brisa?
Vento vem terminar.
Vou fechar o meu pranto,
vou querer me matar.
Fragmento transcrito de: BRANT, Fernando Rocha; NASCIMENTO,
Milton Silva Campos do. “Travessia”. In: Milton Nascimento.
Travessia. A&M, 1967.

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• ricas, quando se dão entre palavras de classes gramaticais diferentes
(no exemplo, entre um substantivo e um verbo):
O ciúme lançou sua flecha preta
e se viu ferido justo na garganta.
Quem nem alegre, nem triste, nem poeta,
entre Petrolina e Juazeiro canta?
Fragmento transcrito de: VELOSO, Caetano Emanuel Viana Teles.
“O ciúme”. In: Caetano Veloso. Caetano. Universal Music, 1987.

• raras, quando se dão entre palavras de difícil combinação melódica,


independentemente da classe gramatical:
Um dia surgiu, brilhante,
entre as nuvens, flutuante,
um enorme zepelim.
Pairou sobre os edifícios,
abriu dois mil orifícios,
com dois mil canhões assim.
Fragmento transcrito de: HOLLANDA, Francisco Buarque de.
“Geni e o zepelim”. In: Chico Buarque.
Ópera do malandro. Polygram, 1979.

• preciosas, quando são artificiais, decorrentes da combinação de um


nome (substantivo e adjetivo) com a forma verbo-pronome:
Sigo palavras e busco estrelas.
O que é que o mundo fez
pra você rir assim?
Pra não tocá-la, melhor nem vê-la.
Como é que você pôde se perder de mim?
Fragmento transcrito de: VIANNA, Herbert Lemos de Souza.
“Seguindo estrelas”. In: Paralamas do Sucesso.
Longo caminho. EMI Music Brasil, 2002.

Naturalmente, há estrofes cujos versos não seguem esquemas fixos de


rima ou mesmo que não têm rima.

Agora que você conhece alguns critérios de classificação das rimas, escolha
trechos de letras de música para apresentar aos colegas. Depois, identifique
com eles:
• Exemplos distintos de posição da rima na estrofe.
• Rimas agudas, graves e exdrúxulas.
• Rimas de sonoridade perfeita e imperfeita.
• Rimas pobres ricas, raras e preciosas.

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Pesquisa o rap e seus elementos
Até aqui você examinou algumas importantes características do rap,
como a relação entre a música e o texto e a valorização da mensagem. A
proposta desta seção é aprofundar seus conhecimentos sobre essa mani-
festação artística com levantamentos sobre o tema.

1. Onde encontrar informação sobre as características musicais do rap?


• Para conhecer mais sobre o universo musical do rap, assista, no site Zona
Reprodução/<www.youtube.com/
watch?v=-JM94Jjv1U0>

Suburbana, a uma entrevista de Jeferson dos Santos Vieira (1973), integran-


te do grupo paulista RZO mais conhecido como DJ Cia. Disponível em: <www.
zonasuburbana.com.br/entrevistas/confira-a-entrevista-de-dj-cia-no-progra
ma-flow/>. Acesso em: 14 jan. 2016. Aproveite e explore o site, cuja proposta
é conectar elementos da cultura hip-hop do Brasil e do mundo.
• No portal Rap Nacional você pode acompanhar uma série de entrevistas do
rapper João Gordo no programa Panelaço, em que seus convidados preparam
DJ Cia manipulando equipamento
de som durante um baile, em São pratos culinários e conversam sobre suas trajetórias e o cenário do rap con-
Paulo, 2015. temporâneo, e também entrevistas com outras personalidades do rap nacional
como Mano Brown, Criolo e Rappin Hood. Disponível em: <www.rapnacional.
com.br/category/entrevistas/>. Acesso em: 14 maio 2016.
• Na década de 1950, graças ao advento das aparelhagens eletroacústicas e ao
desenvolvimento de tecnologias de gravação, alguns artistas começaram a desen-
volver recursos semelhantes aos utilizados atualmente pelos artistas de rap. Você
pode encontrar informações sobre a influência da tecnologia na música no site do
Núcleo de Música e Tecnologia (Numut), da Universidade Federal de Uberlândia.
Disponível em: <www.numut.iarte.ufu.br/node/73>. Acesso em: 14 jan. 2016.
2. O que é intertextualidade e qual é sua relação com o rap?
• Pesquise o significado de intertextualidade em publicações impressas, como
dicionários e enciclopédias ou em fontes disponíveis na internet.
24 • Ouça, no CD de áudio que acompanha este livro, o rap “Bossa 9”, do carioca Gabriel
o Pensador (1974). Se achar interessante acompanhar a audição com a leitura da
letra, faça uma busca na internet para obtê-la – esse rap integra o álbum Cavalei-
ro andante (Sony BMG, 2005). Ao ouvir a música, observe se há intertextualidade
nesse rap. Se houver, aponte com que canções o autor dialoga e reflita sobre o
motivo de o rapper ter escolhido essas canções para dialogar com sua música.
• Alguns críticos afirmam que o sampling não representa uma forma autêntica e
original de arte e condenam o rap por sua prática de colagem de trechos previa-
mente selecionados. Você concorda com essa crítica? Para fundamentar sua
opinião, procure exemplos de intertextualidade em músicas de outros autores
e épocas e reflita: a intertextualidade é um recurso válido do trabalho artístico?
3. Quais são os principais estilos de rap?
• Não é possível, hoje em dia, falar de rap como um único estilo. Há diversas
variantes no gênero, que vão desde rappers que preferem manter a parceria
DJ-MC como base, até aqueles que preferem atuar com bandas. A seguir des-
tacamos alguns estilos e damos sugestões para a ampliação de sua pesquisa:
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Kevin David/Futura Press
• Gangsta rap: tem uma batida mais pesada e aborda temas densos que tratam
de crimes, drogas, violência, prostituição e conflitos entre gangues (o que
explica seu nome). No Brasil, o gangsta não é muito difundido, mas alguns
grupos de Brasília assumem aspectos do estilo. Para conhecer um exemplo,
busque na internet o grupo Cirurgia Moral, que iniciou suas atividades em 1993
em Ceilândia, no Distrito Federal. Ouça, do grupo, o rap “A minha parte eu faço”.
• Rap gospel: é um estilo voltado para a religiosidade, mas não se trata de uma
adesão católica ou protestante, o que interessa é a transmissão dos ensina-
mentos de Cristo, reinterpretado como um homem negro que pregava ideais Integrantes do grupo paulista Ao
Cubo em apresentação no Festival
semelhantes aos defendidos atualmente pelos rappers. Para conhecer esse Promessas, em São Paulo, 2015.
estilo, busque o grupo paulista Ao Cubo, que iniciou seus trabalhos em 2003.

Reprodução/BMG
O rap “Na missão”, de 2007, é um ótimo exemplo de sua influência gospel.
• Rap politizado: protagonizado por rappers que se posicionam como porta-
-vozes das comunidades pobres que os viram nascer, são conscientes de seu
papel político junto a elas. Em São Paulo, o grupo Racionais MC é um impor-
tante representante do estilo. Ouça, desse grupo, o rap “Negro limitado” e vi-
site seu site oficial para conhecer mais sobre sua história. Disponível em:
<www.racionaisoficial.com.br>. Acesso em: 14 jan. 2016. No Rio de Janeiro,
o rapper MV Bill, igualmente importante nesse contexto, tem um programa de
rádio chamado A voz das periferias, em que você pode ouvir e conhecer mais Capa do CD Traficando informação,
de MV Bill. Nesse disco, lançado
sobre o estilo. Visite também o site oficial de MV Bill e procure o rap “A atitude em 1999, foi gravada a música “A
errada”. Disponível em: <www.mvbill.com.br>. Acesso em: 14 jan. 2016. atitude errada”.

4. Como se dá a relação entre música e poesia no rap?


• O rap está conectado com o tema da violência, pois surgiu com o intuito de

Eny Miranda/Acervo do fotógrafo


denunciar a realidade do cotidiano nas periferias dos grandes centros urbanos.
Assim, o rap de caráter politizado busca problematizar o conceito de democra-
cia racial, que difunde a visão de que a formação do povo brasileiro resultou de
um processo de miscigenação pacífico e cordial. Essa concepção, que atende
aos interesses dominantes de neutralizar conflitos e manter as diferenças
sociais controladas, é duramente criticada pelo discurso do rap. Preocupado
em passar uma mensagem e se aproximar de seus interlocutores, o rapper usa
a primeira pessoa como voz do narrador e utiliza verbos no imperativo refor-
çando o endereçamento a um ouvinte específico. Alguns adeptos do chamado
Dupla Caju e Castanha em
free style, que consiste em rap feito de improviso, têm reivindicado o parentes- apresentação no Sesc Rio, Rio de
co do rap com o repente nordestino e o coco de embolada. No entanto o viés Janeiro, 2012.

político do rap se opõe à comicidade que se encontra muitas vezes no repente.


Para ouvir a interação desses dois estilos, busque e ouça na internet “Desafio
no rap embolada”, do álbum Assim caminha a humanidade (Trama, 2000), de
Thaíde e DJ Hum; e “No rap ou no repente”, do álbum Recado a São Paulo (Trama,
Arquivo/Grupo Corposinalizante

2004), da dupla de repentistas Caju e Castanha, do Recife.


• O slam poetry é um tipo de competição de poesia em que os artistas disputam
entre si com textos próprios ou de outros autores. O vencedor do confronto é
decidido pelo público, que avalia o estilo e o impacto de cada declamação. Em
geral, os poemas ganham características do rap e têm influências de diversos
estilos musicais. Não há regras de expressão – o que vale é expor as ideias e os
sentimentos de forma original. Uma variante interessante desse tipo de encon-
tro é o Slam do Corpo, evento no qual ocorre a experimentação poética na língua
Integrante do grupo
brasileira de sinais (Libras) e que reune a comunidade surda e a comunidade Corposinalizante no sarau Slam do
em geral. Para saber mais, busque vídeos do Slam do Corpo na internet. Corpo, Funarte, São Paulo, 2015.

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