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IV COLÓQUIO DISCENTE DE ESTUDOS HISTÓRICOS LATINO-AMERICANOS –

ISSN 2447-6277

VERBA IMAGO MUNDI: AS GRAVURAS NADALINAS NA AMÉRICA LATINA

Alice Jungblut Braun1


1. Introdução
A obra Evangelicae Historiae Imagines (1593) é composta por 153 gravuras que
representam a vida e os ministérios de Jesus. Elaborada por Jerônimo Nadal (1507-1580) a
pedido de Inácio de Loyola (1491 – 1556), a obra foi criada com a intenção de propor aos
jovens jesuítas um auxilio didático visual às meditações dos exercícios espirituais, a fim de
ajudá-los na composição de lugar. A ideia era oferecer elementos visivos que facilitassem as
abstrações das verdades da fé.
Jerônimo Nadal ingressou em outubro de 1545 na Companhia de Jesus e logo se
destacou. O padre espanhol foi um dos fundadores do Colégio de Messina, na Itália, e, em
1554, tornou-se vigário de Inácio (Henchey, 2000). O autor, entretanto, faleceu antes de ver
sua obra publicada e o projeto passou às mãos de seu amigo e secretário Diego Jiménez, que
ficou encarregado da contratação dos artistas que produziriam as gravuras e da publicação
propriamente dita.
A partir da série de 154 modelos criada pela artista romano Bernardino Passeri (1540-
1596) em 1586 (Dekoninck, 2017, p. 343), a maior parte das 153 gravuras que vieram a
compor Evangelicae Historiae Imagines, foi produzida pelos irmãos Wierix, Hieronymus,
Joannes e Antonius II. Já as placas remanescentes foram concluídas pelos irmãos Colleart, Jan
II e Adriaen, e por Charles de Mallery (Bowen; Imhof, 2019, p.309).
Depois de publicada, a obra foi difundida mundialmente e serviu de modelo para
outros manuais e coleções de meditações ilustradas e as imagens do texto de Nadal foram
consideradas de fundamental importância para o desenvolvimento de uma cultura visual na
Companhia de Jesus (Bailey, 1999; Dekoninck, 2017; Levy, 2014). Além disso, Evangelicae
Historiae Imagines logo alcançou sucesso entre os pregadores de exercícios jesuítas,
possibilitando uma nova edição, com novas anotações e uma diferente ordem de apresentação
das meditações. Esta nova edição, intitulada Adnotationes et Meditationes in Evangelia, foi
impressa e publicada em 1595.
Isto posto, o presente trabalho dá continuidade aos estudos que compõem a pesquisa O
uso da imagem como forma discursiva da Companhia de Jesus: Evangelicae Historiae
Imagines (1593), que integra o projeto Ad Christi similitudinem. Formas discursivas e
construção da identidade na Companhia de Jesus entre os séculos XVI e XIX, coordenado
1
Graduanda em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail para contato:
alicejbraun@hotmail.com
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pelo Prof. Dr. Luiz Fernando Medeiros Rodrigues. Reiterando que a obra foi pensada com o
intuito de auxiliar os noviços jesuítas, enfatiza-se que esta, entretanto, alcançou um amplo
público que se estende para além da Europa, chegando à China e à América Latina,
especialmente às colônias Espanholas. Dessa forma, sabendo que a obra alcançou
popularidade e ultrapassou seu objetivo inicial, o presente artigo apresenta-se como um
fragmento da pesquisa e pretende observar de que maneira as gravuras de Evangelicae
Historiae Imagines foram recebidas e de que forma foram utilizadas pelo publico latino
americano.
Para tanto, primeiro, a partir dos exemplos apresentados por Flavia Galli Tatsch, em A
circulação de gravuras flamengas no Vice-Reino do Peru: transferência de modelos e
inventividade (2015), e por Alena Robin, em El retablo de Xaltocán. Las Imágenes de
Jerónimo Nadal y la monja de Ágreda (2006), serão abordadas três diferentes obras às quais
as gravuras nadalinas serviram como inspiração, mostrando os aspectos em que as produções
artísticas se encontram e divergem. Depois, com auxílio de revisão bibliográfica e a partir dos
fatores estruturais – campo de chegada, o tempo e a elasticidade – que Pierre Bourdieu
descreve ao fazer reflexões a respeito da Circulação Internacional das Ideias (2002), será
pensada a difusão de Evangelicae Historiae Imagines na América Latina, mais
especificamente, na América Espanhola.

2. As gravuras na América Espanhola: Vice-Reino do Peru e Vice Reino da Nova


Espanha

O desempenho das estampas na difusão dos elementos iconográficos já era


uma prática comum mesmo na Europa. Não raro, uma pintura em tela podia
ser reproduzida em desenho e gravada no atelier de seu criador, fosse por ele
mesmo ou por um especialista. Uma vez impressa, sua difusão era uma
questão de tempo. (Tatsch, 2015, p.8).

Com rápida difusão, nos vice-reinos as gravuras exerciam um papel importante na


produção artística, de forma que cumpriam tanto função de transmitir os estilos vigentes na
Europa como também auxiliavam na criação de um repertório iconográfico (Tatsch, 2015, p.
7-8). Para além da difusão da obra de Nadal, houve também a comercialização das próprias
gravuras avulsas, como afirma Luisa Elena Alcalá “[...] estampas sueltas de las Imágenes
formaban un mercado independiente” (Alcalá, 1993, p.54).
Especifica-se que as gravuras de Evangelicae Historiae Imagines são compostas por
cenas ao fundo que se relacionam com a história central e cada um dos episódios é
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identificado com uma letra do alfabeto, que corresponde à legenda abaixo da imagem. Como
se pode observar a seguir, na figura 1, estas legendas têm descrições e demarcam o processo
narrativo que o leitor da imagem deve acompanhar.

Figura 1: Gravura 79 de Anton Wierix Figura 2: Óleo sobre tela de artista


anônimo

WIERIX, Anton. Lâmina 79. NADAL, ANÔNIMO. O Conselho delibera sobre a


Jerônimo. Evangelicae Historiae Imagines, morte de Jesus. Escola Huamanga, século
1593. Gravura. Fonte: INTERNET XVIII. Óleo sobre cobre. Coleção Barbosa-
ARCHIVE. Stern, Lima. Fonte: PESSCA.

Exposto por Flávia Tatsch (2015), o primeiro exemplo é composto pela figura 1, que
retrata a reunião em que o conselho delibera sobre a morte de Jesus, e pela figura 2, uma
“reprodução” pintada, no século XVIII, por um artista anônimo da Escola Huamanga, no
Vice-Reino do Peru. Ao comparar ambas as figuras, algumas semelhanças podem ser
identificadas. A figura 2 mantém e ordena na mesma disposição os elementos trazidos na
gravura, desde os homens à frente, suas vestes e posições, até os elementos arquitetônicos e as
cenas nas janelas ao fundo.
Também, a segunda figura traz as letras que identificam cada cena e as legendas
correspondentes abaixo, que guiam a leitura do observador. Dessa forma, como apontou
Tatsch (2015, p. 18), nota-se que a pintura mantém a função didática trazida pela gravura. Já,
como diferença principal pode-se apontar que, enquanto a gravura é feita apenas com uma cor
sobre o papel, a pintura da figura 2 é colorida. Tal característica estará presente nos próximos
exemplos, pois também são pinturas feitas a óleo.
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Figura 3: Obra De Herodes a Pilatos e os elementos que foram usados de cada gravura

Fonte: AUTORA, 2021.


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O segundo exemplo trata-se de uma pintura feita pelo Mestre de Santa Teresa, também
no século XVIII, no Vice-Reino do Peru, que está localizada no Convento de Santa Teresa,
em Ayachuco, e chama-se De Herodes a Pilatos. Como se pode ver na figura 3, o Mestre de
Santa Teresa utilizou elementos iconográficos de quatro gravuras distintas de Evangelicae
Historiae Imagines para compor sua pintura. São elas: Lâmina 110 Captura de Cristo
[Capitur Christvs], 117 Jesus foi conduzido a Pilatos; mas Judas se enforcou [Dvcitvr Iesvs
ad Pilatvm; Et Ivdas Laqveo se Svspendit], 112 Interrogados Por Annas. Negação de Pedro
[Interrrogatvr ab Anna. Negat evm Petrus] e 119 O que aconteceu perante Herodes [Qvae
gesta apvd Herodem].
Observando os elementos que o artista traz de cada uma das gravuras, nota-se que são
mantidos os personagens circulados, suas vestes, seus movimentos, seus gestos e os objetos
que carregam. Porém, alguns pequenos detalhes são diferentes. Por exemplo, da gravura
inferior à esquerda – gravura 112 –, o Mestre pintou a barba de Annas mais curta e
arredondada e o chapéu também arredondado e com uma pena.
A partir dessa composição, também se pode perceber que o artista criou uma paisagem
não correspondente à das gravuras. De acordo com Flávia Tatsch, que analisa a obra do
Mestre de Santa Teresa ao lado de três gravuras nadalinas, 110, 112 e 119,

Importa perceber que ele pintou uma paisagem que nada tinha a ver com as
das estampas, procurando juntar uma tradição flamenga de representação de
cidades com elementos locais para que o público se sentisse identificado
com o cenário representado, como é o detalhe da construção, ao fundo, que
mais se parece com uma pirâmide pré-colombiana. (2015, p.22).

Isto é, o artista buscou representar elementos locais para que os observadores da obra
pudessem se identificar com o cenário e, consequentemente, relacionar-se com a história
representada. Entretanto, sabendo que Tatsch não considerou a gravura 117 em seu artigo,
salienta-se que a construção ao fundo, a qual a autora indica se parecer com uma pirâmide
pré-colombiana, está presente na gravura superior à direita no esquema da figura 3, gravura
117.
Por fim, o último exemplo trata-se de uma pintura de um artista anônimo feita no ano
de 1765, no Vice-Reino da Nova Espanha, localizada na Paróquia da Nossa Senhora das
Dores. Sobre esta obra, chamada The Flagellation, inspirada na gravura 121 da obra de Nadal,
Alena Robin indica:

De la imagen 121 se reconocen la columna a la cual está atado Cristo, su


postura y la de los tres sayones. Sin embargo, ha cambiado totalmente el
tratamento del fondo: la flagelación no tiene lugar frente a una multitud de
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testigos, en un es-pacio abierto. Más bien Cristo está dentro de un ambiente


arquitectónico cerrado, y la repres entación está enfocada al castigo. Sin
embargo, este planteamiento tampoco es fruto de la imaginación del pintor
novo-hispano, sino de la fusión con otra estampa de Nadal. (2006, p.53).

Figura 4: Gravura 121 de Figura 5: Óleo sobre tela de artista anônimo


Hieronymus Wierix

WIERIX, Anton. Lâmina 121. ANÔNIMO. The Flagellation. Oil on Canvas. 1765.
NADAL, Jerônimo. Evangelicae Parroquia de Nuestra Señora de los Dolores de
Historiae Imagines, 1593. Gravura. Xaltocán, Xochimilco, Ciudad de México, México.
Fonte: INTERNET ARCHIVE. Fonte: PESSCA.

Assim, observando também as obras lado a lado, percebe-se que a pintura de 1765
manteve da gravura o Cristo, a coluna em que está amarrado e os três algozes que o açoitam,
preservando também suas posições e movimentos, bem como suas vestimentas. Contudo, a
cena ao fundo é distinta em ambas as obras. Enquanto a gravura representa a cena em um
ambiente aberto em que um grande público assiste a flagelação, a pintura a óleo representa
um espaço fechado e vazio, de forma a dar ênfase à punição.
Expostas acima, as três obras foram criadas a partir de gravuras de Evangelicae
Historiae Imagines, e mesmo assim estas se apresentam de maneiras muito distintas entre si.
Se a primeira se assemelha em quase tudo à gravura, inclusive na legenda que traz, a segunda,
ao contrário, reúne elementos de várias lâminas diferentes e monta uma composição nova. Já,
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a última, também distinta das outras, seleciona a cena principal e cria outro ambiente, de
maneira a evidenciar a cena de Jesus sendo açoitado. Dessa forma, mostra-se a pluralidade
dos usos das gravuras na América Latina, mais especificamente, no Vice-Reino do Pero e no
Vice-Reino da Nova Espanha.

3. A Circulação da Obra

Em As condições sociais da circulação internacional das ideias (2002), Pierre


Bourdieu busca descrever as tendências das trocas internacionais. O autor entende que estas
trocas são submetidas ao que chamou de fatores estruturais, os quais seriam determinantes à
interpretação das ideias. São eles: o campo de chegada, o tempo e a elasticidade.
Bourdieu aponta que as ideias circulam desprendidas de seu contexto, não importando
consigo o seu campo de produção. Em outras palavras, estas mesmas ideias são interpretadas
em função da estrutura do campo de recepção – campo de chegada – e o sentido e a função
que tinham no campo de origem passam a ser desconsiderados (Bourdieu, 2002). Também, o
autor reconhece que o tempo é, de maneira semelhante, responsável por alterações nas
leituras, pois “Os estrangeiros, assim como a posteridade, têm em determinados casos uma
certa distância, uma certa autonomia com relação às limitações sociais do campo.” (Bourdieu,
2002, p.3).
Nesse sentido, sabendo que a obra Evangelicae Historiae Imagines foi publicada em
1593 na Antuérpia, na Bélgica, e desenvolvida com o intuito de acompanhar os exercícios
espirituais para auxiliar os noviços jesuítas, pode-se percebe que ao alcançar outros públicos,
para além da Europa, bem como para além do século XVI, a circulação da obra foi
determinada tanto pelos campos de chegada quanto pelo passar do tempo.
A circulação da obra e das gravuras levou-as desde a China e até a América Latina,
onde serviram a outras funções e chegaram a um público não somente jesuítico. Segundo
Alena Robin, “Una investigación en los principales fondos antigos de la ciudad de México
muestra que la obra de Jerónimo Nadal fue apreciada por numerosas órdenes religiosas de la
Nueva España: franciscanos, agustinos, Jesuítas y oratorianos.” (2006, p.55).
Especificamente na América Espanhola as gravuras foram utilizadas durante a época da
conquista e colonização para facilitar a conversão e, mais tarde, a partir do século XVII, as
gravuras passaram a ser usadas pelos artistas para criação de suas obras (Alcalá, 1993, p.48-
49), de maneira que transferiam aos vice-reinos os estilos correntes na Europa e auxiliavam na
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criação de um repertório iconográfico. A exemplo, as obras expostas acima datam do século


XVIII, dois séculos após a impressão.
Assim, pode-se afirmar que o sentido da obra de Nadal sofreu tanto alterações nas
leituras ao longo do tempo como também foi “[...] determinado tanto ou mais pelo campo de
chegada quanto pelo campo de origem.” (Bourdieu, 2002, p.6). Portanto, é importante
perceber que estes dois fatores estruturais determinam a circulação concomitantemente. O
campo de chegada e o tempo foram intrínsecos à interpretação e uso da obra pelo público
latino americano.
Por fim, sobre a elasticidade Bourdieu considera que:

Muitas vezes, com os autores estrangeiros, não é o que dizem que conta, mas
o que podemos fazê-los dizer. É por isso que alguns autores particularmente
elásticos circulam muito bem. As grandes profecias são polissêmicas. Esta é
uma de suas virtudes e é por isso que atravessam lugares, momentos, épocas,
gerações, etc. Portanto, os pensadores de grande elasticidade são um prato
cheio, pode-se dizer, para uma interpretação voltada para a anexação e usos
estratégicos. (2002, p.9).

Portanto, ao afirmar que a elasticidade do autor o faz circular muito bem, Bourdieu
chama atenção à capacidade de encaixe em diferentes contextos. Em outras palavras, não é
apenas sobre as obras e ideias que a circulação produz efeito, mas também sobre os autores.
Assim como é atribuída outra função à obra; a Jerônimo Nadal soma-se outra atribuição. A
elasticidade faz com que Nadal passe a ser reconhecido como referência, pois, para além do
propósito dos Jesuítas, foi identificada nas imagens nadalinas uma maneira correta de
representar os acontecimentos evangélicos.

Las muchas reediciones, traducciones y adaptaciones que conoció la obra


son testimonio de la gran recepción que tuvo. Más allá del propósito de los
jesuítas de edificar a los fieles a través de la contemplación de imágenes, se
reconoció en las estampas de Nadal una manera correcta de representar los
hechos evangélicos, sustentada además en la auto-ridad teológica de la
Compañía de Jesús. (Robin, 2006, p.55).

Dessa forma, Nadal, com autoridade amparada na autoridade da Companhia de Jesus,


tornou-se uma autoridade em iconografia, uma referência de como se deve representar a vida
de Jesus. Alena Robin (2006, p.59) indica que as gravuras de Evangelicae Historiae Imagines
ilustram um ciclo narrativo completo, vinculado ao evangelho, que outras fontes gravadas não
oferecem. Logo, acredita-se que este é um dos fatores responsáveis pelo sucesso da obra, que
a levou a ser reconhecida como autoridade quanto à representação da vida e ministérios de
Jesus.
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4. Conclusões

A partir do exposto pode-se perceber uma frequente utilização das gravuras nadalinas
para a criação de novas obras na América Espanhola. Acima, observaram-se três obras que
foram selecionadas dentre outros vários exemplos cujos artistas inspiraram-se nas gravuras de
Evangelicae Historiae Imagines. Em suma, o primeiro exemplo trata-se de uma reprodução
pintada da gravura 79, trazendo os elementos e as legendas desta; o segundo exemplo inclui
elementos pontuais de quatro gravuras diferentes, montando uma nova composição; e o
terceiro exemplo evidencia a cena principal da gravura 121, mudando o cenário ao fundo.
À vista disso, importa ressaltar a não existência de uma unanimidade quanto à
utilização das gravuras de Nadal, pois, como abordado aqui, existiram diversas produções que
se utilizaram das gravuras nadalinas de diferentes e variadas formas. Ao contrário, percebe-se
a pluralidade dos usos das gravuras na América Latina, mais especificamente, no Vice-Reino
do Pero e no Vice-Reino da Nova Espanha.
Ainda, essa pluralidade indica a liberdade dos artistas em criar e inserir elementos que
não pertenciam às gravuras, confirmando o argumento de Flávia Tatsch:

Não podemos jamais afirmar que os artistas que se encontravam nos vice-
reinos simplesmente imitavam práticas culturais europeias. O que devemos
ter em mente é que geravam respostas aos modelos nas quais expressavam
sua própria maneira de entender o mundo. Havia muito mais do que uma
cópia, mais do que o olho poderia ver. (2015, p.24).

Isto posto, confirma-se que a obra alcançou além de seu propósito inicial de auxiliar a
meditação dos exercícios espirituais. Pois, as gravuras de Evangelicae Historiae Imagines
auxiliaram a conversão, durante o período da conquista e colonização na América Latina, bem
como foram usadas de inspiração a novas obras e se tornaram o modelo e argumento de como
representar a história de Jesus.
Ao lado disso, pensada de acordo com a Circulação Internacional das Ideias de Pierre
Bourdieu (2002), a difusão da obra apresenta-se de acordo com o que o autor chamou de
fatores estruturais. Isto é, a obra e as gravuras foram importadas fora de contexto,
interpretadas de acordo com o campo de chegada, e tiveram suas leituras alteradas com o
passar do tempo. Como também, a elasticidade fez efeito sobre a obra e sobre o autor, de
maneira a atribuí-los novas funções. Portanto, conclui-se que tanto o campo de chegada e o
tempo, quanto a elasticidade foram determinantes para a circulação de Evangelicae Historiae
Imagines na América Latina.
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REFERÊNCIAS

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Toronto: University of Toronto Press, 1999. p. 38-89.

BOURDIEU, Pierre. As condições sociais da circulação internacional das idéias. ENFOQUES


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<https://revistas.ufrj.br/index.php/enfoques/article/view/12679/8870>

BOWEN, Karen L.; IMHOF, Dirk. Publishing and selling Jerónimo Nadal’s trend-setting
Evangelicae historiae imagines and Adnotationes et meditationes in evangelia: dealings with
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DEKONINCK, Ralph. The founding of a Jesuit Imagery: Between Theory and Practice,
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HENCHEY, Joseph. Fr. Jerome Nadal, SJ: The Theologian of Ignatian Spirituality. Lay
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Disponível em: <https://archive.org/details/evangelicaehisto00pass/page/n267/mode/2up>
Acesso em: set. 2020.

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Ágreda. Anales Del Instituto De Investigaciones Estéticas, Núm. 88, 2006, p. 53-70

TATSCH, Flavia Galli. A circulação de gravuras flamengas no Vice-Reino do Peru:


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