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ISSN 2447-6277
pelo Prof. Dr. Luiz Fernando Medeiros Rodrigues. Reiterando que a obra foi pensada com o
intuito de auxiliar os noviços jesuítas, enfatiza-se que esta, entretanto, alcançou um amplo
público que se estende para além da Europa, chegando à China e à América Latina,
especialmente às colônias Espanholas. Dessa forma, sabendo que a obra alcançou
popularidade e ultrapassou seu objetivo inicial, o presente artigo apresenta-se como um
fragmento da pesquisa e pretende observar de que maneira as gravuras de Evangelicae
Historiae Imagines foram recebidas e de que forma foram utilizadas pelo publico latino
americano.
Para tanto, primeiro, a partir dos exemplos apresentados por Flavia Galli Tatsch, em A
circulação de gravuras flamengas no Vice-Reino do Peru: transferência de modelos e
inventividade (2015), e por Alena Robin, em El retablo de Xaltocán. Las Imágenes de
Jerónimo Nadal y la monja de Ágreda (2006), serão abordadas três diferentes obras às quais
as gravuras nadalinas serviram como inspiração, mostrando os aspectos em que as produções
artísticas se encontram e divergem. Depois, com auxílio de revisão bibliográfica e a partir dos
fatores estruturais – campo de chegada, o tempo e a elasticidade – que Pierre Bourdieu
descreve ao fazer reflexões a respeito da Circulação Internacional das Ideias (2002), será
pensada a difusão de Evangelicae Historiae Imagines na América Latina, mais
especificamente, na América Espanhola.
identificado com uma letra do alfabeto, que corresponde à legenda abaixo da imagem. Como
se pode observar a seguir, na figura 1, estas legendas têm descrições e demarcam o processo
narrativo que o leitor da imagem deve acompanhar.
Exposto por Flávia Tatsch (2015), o primeiro exemplo é composto pela figura 1, que
retrata a reunião em que o conselho delibera sobre a morte de Jesus, e pela figura 2, uma
“reprodução” pintada, no século XVIII, por um artista anônimo da Escola Huamanga, no
Vice-Reino do Peru. Ao comparar ambas as figuras, algumas semelhanças podem ser
identificadas. A figura 2 mantém e ordena na mesma disposição os elementos trazidos na
gravura, desde os homens à frente, suas vestes e posições, até os elementos arquitetônicos e as
cenas nas janelas ao fundo.
Também, a segunda figura traz as letras que identificam cada cena e as legendas
correspondentes abaixo, que guiam a leitura do observador. Dessa forma, como apontou
Tatsch (2015, p. 18), nota-se que a pintura mantém a função didática trazida pela gravura. Já,
como diferença principal pode-se apontar que, enquanto a gravura é feita apenas com uma cor
sobre o papel, a pintura da figura 2 é colorida. Tal característica estará presente nos próximos
exemplos, pois também são pinturas feitas a óleo.
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Figura 3: Obra De Herodes a Pilatos e os elementos que foram usados de cada gravura
O segundo exemplo trata-se de uma pintura feita pelo Mestre de Santa Teresa, também
no século XVIII, no Vice-Reino do Peru, que está localizada no Convento de Santa Teresa,
em Ayachuco, e chama-se De Herodes a Pilatos. Como se pode ver na figura 3, o Mestre de
Santa Teresa utilizou elementos iconográficos de quatro gravuras distintas de Evangelicae
Historiae Imagines para compor sua pintura. São elas: Lâmina 110 Captura de Cristo
[Capitur Christvs], 117 Jesus foi conduzido a Pilatos; mas Judas se enforcou [Dvcitvr Iesvs
ad Pilatvm; Et Ivdas Laqveo se Svspendit], 112 Interrogados Por Annas. Negação de Pedro
[Interrrogatvr ab Anna. Negat evm Petrus] e 119 O que aconteceu perante Herodes [Qvae
gesta apvd Herodem].
Observando os elementos que o artista traz de cada uma das gravuras, nota-se que são
mantidos os personagens circulados, suas vestes, seus movimentos, seus gestos e os objetos
que carregam. Porém, alguns pequenos detalhes são diferentes. Por exemplo, da gravura
inferior à esquerda – gravura 112 –, o Mestre pintou a barba de Annas mais curta e
arredondada e o chapéu também arredondado e com uma pena.
A partir dessa composição, também se pode perceber que o artista criou uma paisagem
não correspondente à das gravuras. De acordo com Flávia Tatsch, que analisa a obra do
Mestre de Santa Teresa ao lado de três gravuras nadalinas, 110, 112 e 119,
Importa perceber que ele pintou uma paisagem que nada tinha a ver com as
das estampas, procurando juntar uma tradição flamenga de representação de
cidades com elementos locais para que o público se sentisse identificado
com o cenário representado, como é o detalhe da construção, ao fundo, que
mais se parece com uma pirâmide pré-colombiana. (2015, p.22).
Isto é, o artista buscou representar elementos locais para que os observadores da obra
pudessem se identificar com o cenário e, consequentemente, relacionar-se com a história
representada. Entretanto, sabendo que Tatsch não considerou a gravura 117 em seu artigo,
salienta-se que a construção ao fundo, a qual a autora indica se parecer com uma pirâmide
pré-colombiana, está presente na gravura superior à direita no esquema da figura 3, gravura
117.
Por fim, o último exemplo trata-se de uma pintura de um artista anônimo feita no ano
de 1765, no Vice-Reino da Nova Espanha, localizada na Paróquia da Nossa Senhora das
Dores. Sobre esta obra, chamada The Flagellation, inspirada na gravura 121 da obra de Nadal,
Alena Robin indica:
WIERIX, Anton. Lâmina 121. ANÔNIMO. The Flagellation. Oil on Canvas. 1765.
NADAL, Jerônimo. Evangelicae Parroquia de Nuestra Señora de los Dolores de
Historiae Imagines, 1593. Gravura. Xaltocán, Xochimilco, Ciudad de México, México.
Fonte: INTERNET ARCHIVE. Fonte: PESSCA.
Assim, observando também as obras lado a lado, percebe-se que a pintura de 1765
manteve da gravura o Cristo, a coluna em que está amarrado e os três algozes que o açoitam,
preservando também suas posições e movimentos, bem como suas vestimentas. Contudo, a
cena ao fundo é distinta em ambas as obras. Enquanto a gravura representa a cena em um
ambiente aberto em que um grande público assiste a flagelação, a pintura a óleo representa
um espaço fechado e vazio, de forma a dar ênfase à punição.
Expostas acima, as três obras foram criadas a partir de gravuras de Evangelicae
Historiae Imagines, e mesmo assim estas se apresentam de maneiras muito distintas entre si.
Se a primeira se assemelha em quase tudo à gravura, inclusive na legenda que traz, a segunda,
ao contrário, reúne elementos de várias lâminas diferentes e monta uma composição nova. Já,
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a última, também distinta das outras, seleciona a cena principal e cria outro ambiente, de
maneira a evidenciar a cena de Jesus sendo açoitado. Dessa forma, mostra-se a pluralidade
dos usos das gravuras na América Latina, mais especificamente, no Vice-Reino do Pero e no
Vice-Reino da Nova Espanha.
3. A Circulação da Obra
Muitas vezes, com os autores estrangeiros, não é o que dizem que conta, mas
o que podemos fazê-los dizer. É por isso que alguns autores particularmente
elásticos circulam muito bem. As grandes profecias são polissêmicas. Esta é
uma de suas virtudes e é por isso que atravessam lugares, momentos, épocas,
gerações, etc. Portanto, os pensadores de grande elasticidade são um prato
cheio, pode-se dizer, para uma interpretação voltada para a anexação e usos
estratégicos. (2002, p.9).
Portanto, ao afirmar que a elasticidade do autor o faz circular muito bem, Bourdieu
chama atenção à capacidade de encaixe em diferentes contextos. Em outras palavras, não é
apenas sobre as obras e ideias que a circulação produz efeito, mas também sobre os autores.
Assim como é atribuída outra função à obra; a Jerônimo Nadal soma-se outra atribuição. A
elasticidade faz com que Nadal passe a ser reconhecido como referência, pois, para além do
propósito dos Jesuítas, foi identificada nas imagens nadalinas uma maneira correta de
representar os acontecimentos evangélicos.
4. Conclusões
A partir do exposto pode-se perceber uma frequente utilização das gravuras nadalinas
para a criação de novas obras na América Espanhola. Acima, observaram-se três obras que
foram selecionadas dentre outros vários exemplos cujos artistas inspiraram-se nas gravuras de
Evangelicae Historiae Imagines. Em suma, o primeiro exemplo trata-se de uma reprodução
pintada da gravura 79, trazendo os elementos e as legendas desta; o segundo exemplo inclui
elementos pontuais de quatro gravuras diferentes, montando uma nova composição; e o
terceiro exemplo evidencia a cena principal da gravura 121, mudando o cenário ao fundo.
À vista disso, importa ressaltar a não existência de uma unanimidade quanto à
utilização das gravuras de Nadal, pois, como abordado aqui, existiram diversas produções que
se utilizaram das gravuras nadalinas de diferentes e variadas formas. Ao contrário, percebe-se
a pluralidade dos usos das gravuras na América Latina, mais especificamente, no Vice-Reino
do Pero e no Vice-Reino da Nova Espanha.
Ainda, essa pluralidade indica a liberdade dos artistas em criar e inserir elementos que
não pertenciam às gravuras, confirmando o argumento de Flávia Tatsch:
Não podemos jamais afirmar que os artistas que se encontravam nos vice-
reinos simplesmente imitavam práticas culturais europeias. O que devemos
ter em mente é que geravam respostas aos modelos nas quais expressavam
sua própria maneira de entender o mundo. Havia muito mais do que uma
cópia, mais do que o olho poderia ver. (2015, p.24).
Isto posto, confirma-se que a obra alcançou além de seu propósito inicial de auxiliar a
meditação dos exercícios espirituais. Pois, as gravuras de Evangelicae Historiae Imagines
auxiliaram a conversão, durante o período da conquista e colonização na América Latina, bem
como foram usadas de inspiração a novas obras e se tornaram o modelo e argumento de como
representar a história de Jesus.
Ao lado disso, pensada de acordo com a Circulação Internacional das Ideias de Pierre
Bourdieu (2002), a difusão da obra apresenta-se de acordo com o que o autor chamou de
fatores estruturais. Isto é, a obra e as gravuras foram importadas fora de contexto,
interpretadas de acordo com o campo de chegada, e tiveram suas leituras alteradas com o
passar do tempo. Como também, a elasticidade fez efeito sobre a obra e sobre o autor, de
maneira a atribuí-los novas funções. Portanto, conclui-se que tanto o campo de chegada e o
tempo, quanto a elasticidade foram determinantes para a circulação de Evangelicae Historiae
Imagines na América Latina.
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REFERÊNCIAS
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Disponível em: <https://archive.org/details/evangelicaehisto00pass/page/n267/mode/2up>
Acesso em: set. 2020.