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Verba imago mundi:


as gravuras nadalinas na América Latina

Alice Jungblut Braun1

Introdução

A obra Evangelicae Historiae Imagines (1593) é composta por 153


gravuras que representam a vida e os ministérios de Jesus. Elaborada por
Jerônimo Nadal (1507-1580) a pedido de Inácio de Loyola (1491 – 1556), a
obra foi criada com a intenção de propor aos jovens jesuítas um auxílio
didático visual às meditações dos exercícios espirituais, a fim de ajudá-los
na composição de lugar (Santos, 2018). A ideia era oferecer elementos
visivos que facilitassem as abstrações das verdades da fé.
Jerônimo Nadal ingressou em outubro de 1545 na Companhia de
Jesus e logo se destacou. O padre espanhol foi um dos fundadores do
Colégio de Messina, na Itália, e, em 1554, tornou-se vigário de Inácio
(Henchey, 2000). O autor, entretanto, faleceu antes de ver sua obra
publicada e o projeto passou às mãos de seu amigo e secretário Diego
Jiménez, que ficou encarregado da contratação dos artistas que
produziriam as gravuras e da publicação propriamente dita.
A partir da série de 154 modelos criada pela artista romano
Bernardino Passeri (1540-1596) em 1586 (Dekoninck, 2017, p. 343), a
maior parte das 153 gravuras que vieram a compor Evangelicae Historiae
Imagines, foi produzida pelos irmãos Wierix, Hieronymus, Johannes e
Anton II. Já as placas remanescentes foram concluídas pelos irmãos

1 Graduanda em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). E-mail para contato:
alicejbraun@hotmail.com
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Colleart, Jan II e Adriaen, e por Charles de Mallery (Bowen; Imhof, 2019,


p.309).
Depois de publicada, a obra foi difundida mundialmente e serviu de
modelo para outros manuais e coleções de meditações ilustradas. Assim,
as imagens do texto de Nadal foram consideradas de fundamental
importância para o desenvolvimento de uma cultura visual na Companhia
de Jesus (Bailey, 1999; Dekoninck, 2017; Levy, 2014). Além disso,
Evangelicae Historiae Imagines logo alcançou sucesso entre os pregadores
de exercícios jesuítas, possibilitando uma nova edição, com novas
anotações e uma diferente ordem de apresentação das meditações. Esta
nova edição, intitulada Adnotationes et Meditationes in Evangelia, foi
impressa e publicada em 1595.
O presente trabalho dá continuidade aos estudos que compõem a
pesquisa O uso da imagem como forma discursiva da Companhia de Jesus:
Evangelicae Historiae Imagines (1593), que integra o projeto Ad Christi
similitudinem. Formas discursivas e construção da identidade na
Companhia de Jesus entre os séculos XVI e XIX, coordenado pelo Prof. Dr.
Luiz Fernando Medeiros Rodrigues. Reiterando que a obra foi pensada
com o intuito de auxiliar os noviços jesuítas, enfatiza-se que esta,
entretanto, alcançou um amplo público que se estende para além da
Europa, chegando à China e à América Latina, especialmente às colônias
Espanholas. Dessa forma, sabendo que a obra alcançou popularidade e
ultrapassou seu objetivo inicial, o presente artigo apresenta-se como um
fragmento da pesquisa e pretende observar de que maneira as gravuras
de Evangelicae Historiae Imagines foram recebidas e de que forma foram
utilizadas pelo público latino americano.
Para tanto, primeiro, a partir dos exemplos apresentados por Flavia
Galli Tatsch, em A circulação de gravuras flamengas no Vice-Reino do
Peru: transferência de modelos e inventividade (2015), e por Alena Robin,
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em El retablo de Xaltocán. Las Imágenes de Jerónimo Nadal y la monja de


Ágreda (2006), serão abordadas três diferentes obras às quais as gravuras
nadalinas serviram como inspiração, mostrando os aspectos em que as
produções artísticas se encontram e divergem. Depois, com auxílio de
revisão bibliográfica e a partir dos fatores estruturais – o campo de
chegada, o tempo e a elasticidade – que Pierre Bourdieu descreve ao fazer
reflexões a respeito da circulação internacional das ideias (2002), será
pensada a difusão de Evangelicae Historiae Imagines na América Latina,
mais especificamente, na América Espanhola.

1. As gravuras na América Espanhola: Vice-Reino do Peru e Vice Reino da


Nova Espanha

O desempenho das estampas na difusão dos elementos iconográficos já era


uma prática comum mesmo na Europa. Não raro, uma pintura em tela podia
ser reproduzida em desenho e gravada no atelier de seu criador, fosse por ele
mesmo ou por um especialista. Uma vez impressa, sua difusão era uma
questão de tempo. (Tatsch, 2015, p.8).

Com rápida difusão também nos vice-reinos, as gravuras exerciam


um papel importante na produção artística, de forma que cumpriam tanto
função de transmitir os estilos vigentes na Europa como também
auxiliavam na criação de um repertório iconográfico (Tatsch, 2015, p. 7-
8). Para além da difusão da obra de Nadal, houve ainda a comercialização
das próprias gravuras avulsas, como afirma Luisa Elena Alcalá, “[...]
estampas sueltas de las Imágenes formaban un mercado independiente”
(Alcalá, 1993, p.54).
Especifica-se que as gravuras de Evangelicae Historiae Imagines são
compostas por cenas ao fundo que se relacionam com a história central e
cada um dos episódios é identificado com uma letra do alfabeto, que
corresponde à legenda abaixo da imagem. Como se pode observar a seguir,
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na figura 1, estas legendas têm descrições e demarcam o processo


narrativo que o leitor da imagem deve acompanhar, indicando os passos a
serem seguidos na meditação (Santos, 2018, p.276).

Figura 1: Gravura 79 de Anton Wierix Figura 2: Óleo sobre tela de artista anônimo

WIERIX, Anton. Lâmina 79. NADAL, Jerônimo. ANÔNIMO. O Conselho delibera sobre a morte de Jesus.
Evangelicae Historiae Imagines, 1593. Gravura. Escola Huamanga, século XVIII. Óleo sobre cobre.
Fonte: INTERNET ARCHIVE. Coleção Barbosa-Stern, Lima. Fonte: PESSCA.

Exposto por Flávia Tatsch (2015), o primeiro exemplo é composto


pela figura 1, que retrata a reunião em que o Conselho de Fariseus e
Doutores da Lei delibera sobre a morte de Jesus, e pela figura 2, uma
“reprodução” pintada, no século XVIII, por um artista anônimo da Escola
Huamanga, no Vice-Reino do Peru. Ao comparar ambas as figuras,
algumas semelhanças podem ser identificadas. A figura 2 mantém e
ordena na mesma disposição os elementos trazidos na gravura 79, desde
os homens à frente, suas vestes e posições, até os elementos arquitetônicos
e as cenas nas janelas ao fundo.
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Também, a segunda figura traz as letras que identificam cada cena e


as legendas correspondentes abaixo, que guiam a leitura do observador.
Dessa forma, como apontou Tatsch (2015, p. 18), nota-se que a pintura
mantém a função didática trazida pela gravura. Já, como diferença
principal pode-se apontar que, enquanto a gravura 79 é feita apenas com
uma cor sobre o papel, a pintura da figura 2 é colorida. Tal característica
estará presente nos próximos exemplos, pois também são pinturas feitas
a óleo.
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Figura 3: Obra De Herodes a Pilatos e os elementos que foram usados de cada gravura

Fonte: AUTORA, 2021.


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O segundo exemplo trata de uma pintura feita pelo Mestre de Santa


Teresa, também no século XVIII, no Vice-Reino do Peru, que está localizada
no Convento de Santa Teresa, em Ayachuco, e chama-se De Herodes a
Pilatos. Como se pode ver na figura 3, o Mestre de Santa Teresa utilizou
elementos iconográficos de quatro gravuras distintas de Evangelicae
Historiae Imagines para compor sua pintura. São elas: Lâmina 110 Captura
de Cristo [Capitur Christvs], a 117 Jesus foi conduzido a Pilatos; mas Judas
se enforcou [Dvcitvr Iesvs ad Pilatvm; Et Ivdas Laqveo se Svspendit], a 112
Interrogados Por Annas; Negação de Pedro [Interrrogatvr ab Anna. Negat
evm Petrus] e a 119 O que aconteceu perante Herodes [Qvae gesta apvd
Herodem].
Observando os elementos que o artista traz de cada uma das
gravuras, nota-se que são mantidos os personagens circulados, suas
vestes, seus movimentos, seus gestos e os objetos que carregam. Porém,
percebem-se diferenças a partir de alguns detalhes das gravuras. Por
exemplo, da gravura inferior à esquerda – gravura 112 –, o Mestre de Santa
Teresa pintou a barba de Annas mais curta e arredondada e o chapéu
também arredondado e com uma pena. Já, da gravura inferior à direita –
gravura 119 –, o artista ao retratar Herodes pintou seu dedo apontando em
outro ângulo e, mais uma vez, pintou o chapéu de forma diferente.
A partir dessa composição, também se pode perceber que o artista
criou uma paisagem não correspondente à das gravuras. De acordo com
Flávia Tatsch, que analisa a obra do Mestre de Santa Teresa ao lado de três
gravuras nadalinas, 110, 112 e 119,

Importa perceber que ele pintou uma paisagem que nada tinha a ver com as
das estampas, procurando juntar uma tradição flamenga de representação de
cidades com elementos locais para que o público se sentisse identificado com
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o cenário representado, como é o detalhe da construção, ao fundo, que mais


se parece com uma pirâmide pré-colombiana. (2015, p.22).

Isto é, o artista buscou representar elementos locais para que os


observadores da obra pudessem se identificar com o cenário e,
consequentemente, relacionar-se com a história representada. Entretanto,
sabendo que Tatsch não considerou a gravura 117 em seu artigo, salienta-
se que a construção ao fundo, a qual a autora indica parecer uma pirâmide
pré-colombiana, está presente – e indicada em laranja – na gravura
superior à direita no esquema da figura 3, gravura 117.
Por fim, o último exemplo trata de uma pintura de um artista
anônimo feita no ano de 1765, no Vice-Reino da Nova Espanha, localizada
na Paróquia da Nossa Senhora das Dores. Sobre esta obra, chamada A
Flagelação, inspirada na gravura 121 da obra de Nadal, Alena Robin indica:

De la imagen 121 se reconocen la columna a la cual está atado Cristo, su


postura y la de los tres sayones. Sin embargo, ha cambiado totalmente el
tratamento del fondo: la flagelación no tiene lugar frente a una multitud de
testigos, en un espacio abierto. Más bien Cristo está dentro de un ambiente
arquitectónico cerrado, y la repres entación está enfocada al castigo. Sin
embargo, este planteamiento tampoco es fruto de la imaginación del pintor
novohispano, sino de la fusión con otra estampa de Nadal. (2006, p.53).
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Figura 4: Gravura 121 de Hieronymus Wierix Figura 5: Óleo sobre tela de artista anônimo

WIERIX, Anton. Lâmina 121. NADAL, Jerônimo. ANÔNIMO. The Flagellation. Oil on Canvas. 1765.
Evangelicae Historiae Imagines, 1593. Gravura. Parroquia de Nuestra Señora de los Dolores de
Fonte: INTERNET ARCHIVE. Xaltocán, Xochimilco, Ciudad de México, México.
Fonte: PESSCA.

Assim, observando também as obras lado a lado, percebe-se que a


pintura de 1765 manteve da gravura 121 a imagem de Cristo sendo
flagelado, a coluna em que está amarrado e os três algozes que o açoitam,
preservando também suas posições e movimentos, bem como suas
vestimentas. Contudo, a cena ao fundo é distinta em ambas as obras.
Enquanto a gravura 121 representa a cena em um ambiente aberto em que
um grande público assiste a flagelação, a pintura a óleo representa um
espaço fechado e vazio, de forma a dar ênfase à punição.
Aqui expostas, as três obras foram criadas a partir de gravuras de
Evangelicae Historiae Imagines, e mesmo assim estas se apresentam de
maneiras muito distintas entre si. Se a primeira obra – figura 2 – se
assemelha em quase tudo à gravura 79, inclusive na legenda que traz, a
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segunda – figura 3 –, ao contrário, reúne elementos de várias lâminas


diferentes e monta uma composição nova. Já, a última – figura 5 –,
também distinta das outras, seleciona da gravura 121 a cena principal e
cria outro ambiente, de maneira a evidenciar a cena de Jesus sendo
açoitado. Dessa forma, mostra-se a pluralidade dos usos das gravuras na
América Latina, mais especificamente, no Vice-Reino do Pero e no Vice-
Reino da Nova Espanha.

2. A Circulação da Obra na América Espanhola

Em As condições sociais da circulação internacional das ideias (2002),


Pierre Bourdieu busca descrever as tendências das trocas internacionais.
O autor entende que estas trocas são submetidas ao que chamou de fatores
estruturais, os quais seriam determinantes à interpretação das ideias. São
eles: o campo de chegada, o tempo e a elasticidade.
Bourdieu aponta que as ideias circulam desprendidas de seu
contexto, não importando consigo o seu campo de produção. Em outras
palavras, estas mesmas ideias são interpretadas em função da estrutura
do campo de recepção – campo de chegada – e o sentido e a função que
tinham no campo de origem passam a ser desconsiderados (Bourdieu,
2002). Também, o autor reconhece que o tempo é, de maneira semelhante,
responsável por alterações nas leituras, pois “Os estrangeiros, assim como
a posteridade, têm em determinados casos uma certa distância, uma certa
autonomia com relação às limitações sociais do campo.” (Bourdieu, 2002,
p.6).
Nesse sentido, sabendo que a obra Evangelicae Historiae Imagines foi
publicada em 1593 na Antuérpia, na Bélgica, e desenvolvida com o intuito
de acompanhar os exercícios espirituais para auxiliar os noviços jesuítas,
pode-se perceber que ao alcançar outros públicos, para além da Europa,
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bem como para além do século XVI, a circulação da obra foi determinada
tanto pelos campos de chegada quanto pelo passar do tempo.
A obra e as gravuras de Nadal circularam desde a China até a América
Latina, onde serviram a outras funções e chegaram a um público não
somente jesuítico. Segundo Alena Robin, “Una investigación en los
principales fondos antigos de la ciudad de México muestra que la obra de
Jerónimo Nadal fue apreciada por numerosas órdenes religiosas de la
Nueva España: franciscanos, agustinos, Jesuítas y oratorianos.” (2006,
p.55).
Especificamente na América Espanhola as gravuras foram utilizadas
durante a época da conquista e colonização para facilitar a conversão e,
mais tarde, a partir do século XVII, as gravuras passaram a ser usadas
pelos artistas locais para criação de suas obras (Alcalá, 1993, p.48-49), de
maneira que estas gravuras vindas da Europa traziam aos vice-reinos os
estilos artísticos lá correntes e auxiliavam na criação de um repertório
iconográfico. A exemplo, as pinturas expostas acima que se fizeram a
partir de gravuras nadalinas datam do século XVIII, dois séculos após a
impressão.
Assim, pode-se afirmar que o sentido da obra de Nadal na América
sofreu tanto alterações nas leituras ao longo do tempo como também foi
“[...] determinado tanto ou mais pelo campo de chegada quanto pelo
campo de origem.” (Bourdieu, 2002, p.6). Logo, é importante perceber que
estes dois fatores estruturais determinam a circulação
concomitantemente. O campo de chegada e o tempo foram intrínsecos à
interpretação e uso da obra pelo público latino americano.
Por fim, sobre a elasticidade Bourdieu considera que:

Muitas vezes, com os autores estrangeiros, não é o que dizem que conta, mas
o que podemos fazê-los dizer. É por isso que alguns autores particularmente
elásticos circulam muito bem. As grandes profecias são polissêmicas. Esta é
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uma de suas virtudes e é por isso que atravessam lugares, momentos, épocas,
gerações, etc. Portanto, os pensadores de grande elasticidade são um prato
cheio, pode-se dizer, para uma interpretação voltada para a anexação e usos
estratégicos. (2002, p.9).

Então, ao afirmar que a elasticidade do autor o faz circular muito


bem, Bourdieu chama atenção à capacidade de encaixe em diferentes
contextos. Em outras palavras, não é apenas sobre as obras e ideias que a
circulação produz efeito, mas também sobre os autores. Assim como é
atribuída outra função à obra; a Jerônimo Nadal soma-se outra atribuição:
a elasticidade faz com que Nadal passe a ser reconhecido como referência.
Pois, para além do propósito dos Jesuítas, foi identificada nas imagens
nadalinas uma maneira correta de representar os acontecimentos
evangélicos.

Las muchas reediciones, traducciones y adaptaciones que conoció la obra son


testimonio de la gran recepción que tuvo. Más allá del propósito de los jesuítas
de edificar a los fieles a través de la contemplación de imágenes, se reconoció
en las estampas de Nadal una manera correcta de representar los hechos
evangélicos, sustentada además en la autoridad teológica de la Compañía de
Jesús. (Robin, 2006, p.55).

Dessa forma, Nadal, amparado na autoridade da Companhia de Jesus,


tornou-se uma autoridade em iconografia, uma referência de como se deve
representar a vida de Jesus. Alena Robin (2006, p.59) indica que as
gravuras de Evangelicae Historiae Imagines ilustram um ciclo narrativo
completo, vinculado ao Evangelho, que outras fontes gravadas não
oferecem. Logo, acredita-se que este é um dos fatores responsáveis pelo
sucesso da obra, que a levou a ser reconhecida como a maneira correta de
representação da vida e ministérios de Jesus.
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Conclusões

A partir do exposto pode-se ressaltar uma frequente utilização das


gravuras nadalinas para a criação de novas obras na América Espanhola.
Acima, observaram-se três obras que foram selecionadas dentre outros
vários exemplos cujos artistas inspiraram-se nas gravuras de Evangelicae
Historiae Imagines. Em suma, o primeiro exemplo trata-se de uma
reprodução pintada da gravura 79, trazendo os elementos e as legendas
desta; o segundo exemplo inclui elementos pontuais de quatro gravuras
diferentes, montando uma nova composição; e o terceiro exemplo
evidencia a cena principal da gravura 121, mudando o cenário ao fundo.
À vista disso, importa destacar a não existência de uma unanimidade
quanto à utilização das gravuras de Nadal, pois, como abordado aqui,
existiram diversas produções que se utilizaram das gravuras nadalinas de
diferentes e variadas formas. Ao contrário, percebe-se a pluralidade dos
empregos das gravuras na América Latina, mais especificamente, no Vice-
Reino do Peru e no Vice-Reino da Nova Espanha.
Ainda, essa pluralidade indica a liberdade dos artistas em criar e
inserir elementos que não pertenciam às gravuras nadalinas originais,
confirmando o argumento de Flávia Tatsch:

Não podemos jamais afirmar que os artistas que se encontravam nos vice-
reinos simplesmente imitavam práticas culturais europeias. O que devemos
ter em mente é que geravam respostas aos modelos nas quais expressavam
sua própria maneira de entender o mundo. Havia muito mais do que uma
cópia, mais do que o olho poderia ver. (2015, p.24).

Isto posto, confirma-se que a obra foi para além de seu propósito
inicial de auxiliar a meditação dos exercícios espirituais. Pois, as gravuras
de Evangelicae Historiae Imagines auxiliaram a conversão, durante o
período da conquista e colonização na América Latina, bem como foram
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usadas de inspiração a novas obras e se tornaram o modelo e argumento


de como representar a história de Jesus.
Ao lado disso, pensada a partir da circulação internacional das ideias
de Pierre Bourdieu (2002), a difusão da obra de Nadal apresenta-se de
acordo com o que o autor chamou de fatores estruturais. Isto é, a obra e
as gravuras foram importadas fora de contexto, interpretadas de acordo
com o campo de chegada, e tiveram suas leituras alteradas com o passar
do tempo. Como também, a elasticidade teve efeito sobre a obra e sobre o
autor, de maneira a atribuí-los novas funções. Portanto, conclui-se que
tanto o campo de chegada e o tempo, quanto a elasticidade foram
determinantes para a circulação de Evangelicae Historiae Imagines na
América Latina.

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