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Rumos da estratégia empresarial

CONTRAPONTO

por Carlos Osmar Bertero

construir o futuro?

20 RAE Ught
Rumos da estratégia empresarial

A
Estratégia Empresarial é um aspecto da
administração ou uma abordagem ao
gerenciamento integrado da empresa que já
CONTRAPONTO

Ficaram para trás os tempos em a estrutura da maioria das empresas sivo, mas não era criativo e intuitivo. As
que estratégia de negócios se identifi- que elaboravam o seu planejamento percepções e insights estratégicos
cava com Planejamento Estratégico, estratégico a partir das diversas empre- ocorriam alhures, o planejamento ape-
normalmente peças volumosas, de sas ou divisões e que ia sendo conso- nas os enunciava em formato conven-
preferência bem-encadernadas, e que lidado até atingir a cúpula administrati- cionado.
cobriam um período de cinco anos, ou A "crise" do planejamento estratégi-
seja, planos qüinqüenais ou tive year co ocorreu quando se deram rupturas
plans como corretamente chamamos no ambiente de negócios das empre-
no mundo empresarial multinacionali- sas. Quando a taxa de mudança au-
É necessário
zado. O planejamento estratégico era mentou, quando surgiram turbulência,
visto como instrumento de previsão, desmistificar a descontinuidade e especialmente mu-
coordenação e controle administrativos área e o espaço da danças que não são tão lentas e gra-
em que se adotavam linguajar finan- duais, mas que andam através de sal-
ceiro, tendo o formato de uma multipli- estratégia tos e rupturas. O planejamento estraté-
cidade de orçamentos, previsões e pro- empresarial. gico, pelo ritmo de sua elaboração,
jeções de balanços e demonstrativos acabava por adequar-se a uma organi-
de lucros e perdas. Sua vida útil esten-
Hoje ela não zação estruturada burocraticamente,
deu-se no mundo administrativo das interessa enfatizando clara divisão de tarefas e
empresas até o final dos anos setenta. responsabilidade. hierarquização, li-
Ele deixou de funcionar exatamen-
apenas aos nhas claras de autoridade e comunica-
te no momento em que as condições acionistas, ção e bom nível de formalismo, enten-
dos negócios se alteraram, forçando a dido como produzir em forma escrita
que se revisse a própria maneira de en-
membros do objetivos e procedimentos organizacio-
tender a questão estratégica. Planos Conselho de nais. À medida que o ambiente de ne-
estratég icos, em bora constru ídos gócios, relativamente estável e com es-
Administração, truturas propensas ao burocratismo
como voltados ao futuro, na verdade
nada tinham a ver com ele. Os planos diretoria e foram colocadas em xeque, não se
eram simplesmente memória do de- poderia esperar que o planejamento
alta estratégico passasse inquestionável.
sempenho e das condições passadas
da empresa. Eram quase sempre pro- gerência, mas Seguiu-se uma série de críticas que
jeções de crescimento da atividade ocupou o final dos anos setenta. Entre
atinge a todos
empresarial, elaborados a partir de nós, foi apenas com o início da nossa
uma previsão de vendas, onde se pres- os membros da "década perdida" que o planejamento
supunha que o futuro seria a repetição estratégico empresarial entrou em fase
organização.
melhorada do passado. No futuro, as' de baixo astral. Embora nós brasileiros
taxas de crescimento do passado con- freqüentemente nos consideramos sin-
tinuariam a ocorrer e bastava que nos gulares a ponto de argüirmos se os
ativéssemos às taxas de crescimento princípios da ciência se aplicam ao
projetadas e fossem tomadas as provi- va, quando recebiaseu formato e con- nosso país, no caso do planejamento
dências para uma operação que esta- teúdo finais. O planejamento estratégi- estratégico. durante a década perdida,
ria em crescente expansão. co era, portanto, no formato organiza- pudemos verificar que o Brasil está si-
A fase em que estratégia empresa- cional mencionado, instrumento de tuado no planeta Terra e que os mes-
rial era entendida como se manisfes- controle e coordenação. Jamais uma mos fatores que levaram o planeja-
tando através do planejamento se ade- luz sobre o futuro. Como foi recente- mento estratégico à crise na Europa e
quava muito bem a empresas multipro- mente lembrado por Henry Mintzberg, na América do Norte ao longo dos anos
dutoras ou diversificadas de grande o planejamento estratégico não formu- setenta começou a ocorrer aqui tam-
porte que possuíam uma estrutura divi- lava nem criava estratégias, mas ape- bém alguns anos depois.
sionalizada encimada por uma admi- nas ordenava e enunciava. Era analíti- O que havia acontecido por aqui?
nistração central. Esta era exatamente co e não sintético, era lógico e discur- Fundamentalmente, o mesmo que já

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foi apontado. O meio ambiente de ne- <lI É necessário desmistificar a área e dos em linguagem clara e simples sem
gócios se altera drasticamente no país o espaço da estratégia empresarial. tecnicismos sobre qual é a estratégia
no final da década de setenta e prosse- Hoje ela não interessa apenas aos acio- da empresa, incluindo produtos que fa-
gue pelos anos oitenta. Há mais de três nistas, membros do Conselho de Admi- brica, serviços que presta e mercados
décadas estávamos habituados com nistração, diretoria e alta gerência, mas em que atua, particularmente detalhan-
elevadas taxas de crescimento e con- atinge a todos os membros da organi- do a clientela que se quer atingir.
fiávamos que nem mesmo a turbulên- zação, cujo envolvimento se faz neces-
cia política, que nunca nos faltou, pode- sário. A estratégia da empresa deve ? Quando a comunicação da estra-
ria comprometer a inevitabilidade do ser conhecida por todos e compete à ..•••••tégia atingir a todos, já estaremos
crescimento econômico brasileiro. O alta administração colocá-Ia numa lin- entrando no outro elemento importan-
crescimento cessou. Pior ainda: a re- guagem que a torne inteligível a todos te para os atuais rumos da estratégia,
cessão se instalou por vários anos, que os colaboradores. Não pode ser enun- que é inseri-Ia num estilo gerencial par-
apresentaram taxas negativas de cres- ciada em "administrês" mesclado com ticipativo. A tendência do estilo geren-
cimento. A inflação com a qual se ima- "economês" e entremeado do jargão ciai caminhar em direção a uma partici-
ginava termos desenvolvido um modus tecnológico. É necessário que o caixa pação maior é inevitável. Ela está atre-
vivendi defin itivo começou a nos atrope- lada inclusive a um movimento mais
lar e a atrapalhar. Mudanças aceleradas amplo que implica a redução do auto-
na economia mundial, genericamente ritarismo na sociedade como um todo,
denominadas de globalização, ameaça- abrangendo não só a vida nas empre-
vam deixar-nos impavidamente isola-
Quando a
sas, mas igualmente na família, na
dos. Mudanças no ambiente externo comunicação igreja, nas diversas associações e nas
levam obrigatoriamente à necessidade escolas.
da estratégia
de revisão da estratégia empresarial e O aumento da participação em
nessa reformulação o planejamento es- atingir a questões estratégicas abarca primeira-
tratégico mostrava-se também inútil mente a gerência e então tende a des-
todos,
neste pedaço do Atlântico Sul. cer aos demais níveis da empresa.
As empresas partiram maciçamente já estaremos Com as mudanças na estrutura que
ao ataque de questões operacionais. O reduzem níveis hierárquicos, achatam,
entrando no
mercado administrativo brasileiro, como flexibilizam e enfatizam processos, te-
outros pelo mundo afora, tomou-se ávido outro mos um encaminhamento inevitável
consumidor de idéias, cursos, workshops, para a participação como estilo geren-
elemento
consultores, livros e artigos que apresen- ciai predominante e mais adequado. O
tavam "infalíveis" arsenais, reengenharia, importante envolvimento de todos é fundamental
liderança contigencial, just-in-time, total para que a operação se compatibilize
para os
qualíty management, produção enxuta, com a estratégia e é também essen-
downsizing, delayering, right-sizing, mu- atuais rumos cial para a circulação de informações
danças culturais etc. Raramente tudo no interior da empresa.
da estratégia,
isto transcendia o nível operacional e
não é possível mexer às cegas na ope-
ração de uma empresa, sem que se
que é inseri-Ia J Não é possível e não faz mais
sentido falar-se em níveis estraté-
num estilo
proceda à necessária revisão estraté- gico e operacional. Essa distinção era
gica. É somente a partir da reformula- gerencial cabível em formatos organizacionais
ção estratégica que é possível reequa- clássicos ou tradicionais onde a cúpu-
participativo.
cionar adequadamente questões ope- la pensava, ordenava e os demais
racionais. membros e níveis empresariais obede-
Permanecia, então, a questão: fora ciam. Atualmente, operacional e estra-
do planejamento estratégico que ru- executivo do banco, o dispatcher de tégico não são etapas ou níveis dife-
mos dar à tão e sempre necessária uma linha aérea, a recepcionista de rentes, mas devem ser vistos como um
estratégia de uma empresa? uma locadora de veículos sejam atingi- continuum, sendo freqüentemente im-

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ocupação estratégica que faz sentido é


voltar-se para o futuro. Apenas as em-
presas que hoje estão preocupadas
em modelar seus futuros lá chegarão
saudáveis e com condições de lideran-
ça. As demais, que não se preocupa-
rem com o futuro, mas ainda são bem-
sucedidas no presente, caminharão
um pouco mais devido ao fator inercial,
mas certamente os fatores passados
que construíram o sucesso presente e
que logrou estender-se ao futuro, gra-
dualmente irão perdendo vitalidade e o
~11~llj.r'· resultado será a paralisação estratégica.
Nesta mesma linha de raciocínio, as
empresas que impactam os seus com-
possível separá-los, a não ser concei- A revisão e a reformulação estraté- petidores e que produzem inovações
tualmente. ° operacional e o estratégi- gicas passam a alimentar-se da opera- efetivas são aquelas que ao se volta-
co ainda comportavam separação em ção, como esta tira da estratégia sua rem para o futuro são capazes não só
termos de tempo, sendo o operacional orientação e o seu sentido. de se modificar, mas acabam mode-
identificado com o cotidiano e o curto lando o próprio ramo em que atuam.
prazo e o que excedesse a isto passa- J~ Em vez de minuciosos planos es- Exemplos seriam Sony em eletrônicos
va a médio e longo prazos, sendo por- -f tratégicos que pontificavam sobre de consumo, Wall-Mart no varejo oli-
tanto estratégico. Hoje tal separação o futuro, estabelecendo números e per- gopolizado, Cannon em copiadoras e
não faz muito sentido devido à acelera- centuais precisos de retorno sobre o in- câmeras fotográficas, Honda em moto-
ção da taxa e do ritmo da mudança. vestimento, rotação de ativos, aumen- cicletas e automóveis, CNN em televi-
Mudanças que no passado só poderiam to do faturamento ou oscilação no são, Compaq em tecnologia de infor-
ser entendidas a longo prazo, atual- market share, os rumos estratégicos mação. ° fato de essas empresas se-
mente ocorrem em prazos muito meno- atuais buscam objetivos pelo método rem hoje exemplo inegável de sucesso
res. ° que mais dramatiza a taxa de das "aproximações sucessivas". É uma
prática gradualista, pragmática e que
que testemunha seu descortino estraté-
gico, nada pode assegurar que o suces-
mudança e altera os conceitos tradi-
cionais de prazo é o encurtamento do incorpora a realidade das tentativas em so presente continuará a existir no futu-
ciclo de vida dos produtos e a rapidez que há erros e acertos. Evidentemen- ro. Isto dependerá do futuro que essas
com que mercados e clientes se alte- te isto significa a adoção da flexibilida- empresas estiverem construindo hoje.
ram. Conseqüentemente, vantagens de no nível do planejamento e o aban- A estratégia, portanto, volta-se para
competitivas, quando existem, não se dono da presunção de que se poderia o futuro, buscando não só delineá-lo,
mantêm, em geral, por períodos muito não só prever o futuro, mas ainda fazê- mas também preparar a empresa para
longos. lo com perfeição. poder atuar futuramente, competindo e
As conseqüências da colocação do pilo
obtendo sucesso. Trata-se de aprender
operacional e do estratégico como par- Vos rumos da estratégia atualmen- a perceber as tendências futuras, não
te de um continuum para a gestão em- te devem estar muito mais volta- em geral, mas em função do ramo es-
presarial fazem com que estratégia e dos para o futuro do que para o presen- pecífico em que se atua e a partir daí
operação sejam responsabilidade de te. Dois autores conhecidos no ramo, tentar inferir quais serão as qualifica-
todos. Deixa de existir um grupo de Gary Hamel e C. K. Prahalad, publica- ções, recursos e competências empre-
executivos voltado à formulação e revi- ram recenternente um livro que leva o sariais necessárias para que se obte-
são estratégica e outro voltado à ope- título de Competindo pelo Futuro, onde nha sucesso no futuro que gradual-
racionalização ou implementação. Am- nos informam que o sucesso atual de mente vamos desvendando. Não se
bas as coisas são feitas pelo mesmo uma empresa foi construído e prepara- trata de uma ciência exata. Ninguém
grupo e com o mesmo empenho. do no passado. Portanto, a única pre- realisticamente é capaz de adivinhar

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ou profetizar o futuro. O desvendamen- mente aceito como um futuro altamen- Algumas indicações para leitura:
to do futuro ainda se faz por um proce- te provável para a educação que a es-
1.. HAMELL, Gary,PRAlIALAD, C.K. Competindo pelo
dimento racional e, portanto, lógico, cola como organização e os processos
.futuro. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1995.
que faz uso da inferência e também de instrução serão dramaticamente al-
2. . The core compete~ces of thecorporation.
utiliza intuições ou insights, que são terados pelo uso da televisão interativa.
Harvard.Business Review, v. 68, n. 3, May/Jun. 1990.
procedimentos cognitivos não-discursi- Os sistemas educacionais deverão
3. MINTZBERG, Henry. The rise and fall of strategic
vos e, por isso mesmo, logicamente hoje começar a desenvolver tecnologia
planning. New York: Free Press, 1994.
difíceis de explicar ou justificar. de instrução e recursos humanos (pro-
4. PORTER, Michael. Vantagem competitiva das nações.
O fundamental no esforço de des- fessores, técnicos e funcionários) que
Rio de Janeiro: Editora Campus; 1993.
vendar o futuro é livrar-se da tentação possam atuar no novo contexto educa-
de dar importância excessiva ao proce- cional.
dimento de inferências, pois este aca- Em conclusão muitos equívocos e do se for decidido pensar estrategica-
ba sempre projetando de alguma forma frustrações poderão ser evitados se o mente, delineando gradualmente o futu-
o passado para o futuro. Isto porque in- executivo e o empresário não espera- ro e ir preparando a empresa para en-
ferências sempre, nalguma medida, rem da estratégia empresarial o que frentá-lo através de qualificações, recur-
pressupõem que eventos passados sos e competências adequados à reali-
tenderão a repetir-se no futuro. Isto dade que no futuro se concretizará.
pode acontecer, e freqüentemente
Não se trata
acontece, mas não exatamente com a
mesma intensidade ou com as caracte- de uma ciência
rísticas que tiveram no passado. Previ-
sões sobre crescimento populacional exata.
de nosso país, feitas ao final da Segun-
Ninguém
da Guerra Mundial, entre 1945 e 1950,
projetavam um crescimento entre 3.7 e realisticamente
3.9 ao ano. Hoje o crescimento prosse-
gue, mas a uma taxa de aproximada-
é capaz de
mente 1.4%. Mas, por vezes, o passa- adivinhar ou
do simplesmente desaparece no futu-
ro, porque há mudanças aparentemen- profetizar
te abruptas e que mais se assemelham
o futuro.
a rupturas do que a mudanças graduais.
Quem previsse nos anos cinqüenta a O desvendamento
expansão de redes de salas exibidoras
ou cinemas, frustrar-se-ia inteiramente do futuro ainda
Carlos Osmar Bertero é
com o que começou a ocorrer a partir
se faz por um Professor e Chefe do
dos anos setenta. A televisão e o video- Departamento de Administração
Geral e Recursos Humanos da
cassete simplesmente liquidaram o ci- procedimento EAESPIFGV.
nema como meio de distribuição da
produção cinematográfica. racional e,
Uma vez delineado o futuro, é ne- portanto,
cessário começar a preparar a empre-
sa para que ela possa chegar lá. Talvez lógico.
parte dos recursos humanos, tecnolo-
gias e o que atualmente se chama de
"Competências Essenciais" já estejam
desenvolvidas, mas nem todas. Por- ela não pode dar, como certezas abso-
tanto, será necessário começar a pen- lutas numa linguagem de ciência exa-
sar em desenvolvê-Ias. É hoje geral- ta. Mas muito proveito poderá ser obti-

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