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Copyright© 2023 Gabby Santos

Todos os direitos reservados


Criado no Brasil
Capa: Katiucia Branco
Revisão: Jaqueline Brito
Leitoras betas: Mima, Taty.
Ilustrações: Aika Ilustra e Adacia_Art

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com datas, locais,


nomes e acontecimentos reais são mera coincidência. É proibido o
armazenamento e/ou reprodução total ou parcial de qualquer parte desta
obra, através de quaisquer meios sem o consentimento por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei Nº 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do código penal.

Este é um livro de ficção, que não busca ser fiel à realidade. O livro
contém conteúdo mais 18, palavrões, expressões populares, violências
física e psicologica e assassinato. Além disso, as atitudes e falas dos
personagens dizem respeito unicamente a eles. Leiam cientes de que
pode conter gatilhos para pessoas sensíveis as descrições anteriores.
“Cicatrizes nos lembram onde estivemos, elas não têm que ditar para
onde vamos.”
— Criminal Minds.
Sumário
SINOPSE
PLAYLIST
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPITULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
BÔNUS 1
BÔNUS 2
BÔNUS 3
AGRADECIMENTOS
OUTROS LIVROS
SOBRE A AUTORA
SINOPSE
Robert Durango é um homem quebrado em vários sentidos. Marcado
por dores irreparáveis, que encontra um novo sentido para sua vida em seu
trabalho como capataz de Reed Foster. O sentimento de lealdade que nutre
por aqueles que o acolheram e devolveram a sua humanidade é a única coisa
que o mantém firme durante os últimos anos.
Ele não é um sonhador, ou alguém em busca de redenção. Depois de ser
jogado na lama, e afundar mais baixo do que um ser humano deveria, Rob
não tem medo de sujar as mãos e fazer aquilo que é preciso para cuidar de si
mesmo e, daqueles que lhe são importantes.
Homero Foster é o patriarca da família Foster, um dos homens mais
ricos e influentes em Cross Ville. O atual prefeito da cidade é um homem
viúvo e marcado por dores e arrependimentos quando se trata de sua família.
Em especial seu filho mais novo, Reed, com quem perdeu qualquer laço
afetivo.
Se sentindo falho em diversos aspectos da sua vida, esse sim busca
redenção por escolhas que talvez não possam ser reparadas. Em meio a
tantas dificuldades, se encontrar nutrindo sentimentos nunca experimentados
antes deveria ser a última coisa que o homem iria querer.
Um deles é um pecador, o outro o puro pecado;
Enquanto um é um pai falho, o outro é o braço direito de um filho
pródigo;
No momento em que um estava afundado na lama, o outro olhou para o
lado oposto.
O que um poderia trazer para a vida do outro, que não seja o próprio
caos e destruição?
PLAYLIST
- Bad Lier.
- More Than Words.
- I Didn’t know.
- The one That got Away.
- Wrecking ball.
- Roar.
- Te amo Demais.
- God give me you.
- I Swear.

Para ouvir a Playlist completa, basta apontar a câmera do seu


celular para o código abaixo:
Diga-me o que você vê
Paraíso perfeito
Se desfazendo
Eu queria poder escapar
Eu não quero fingir
Eu queria poder apagar
Fazer seu coração acreditar
Mas eu sou um péssimo mentiroso
Péssimo mentiroso
Bad Lier – Imagine Dragons
PRÓLOGO

Analisei a expressão indecifrável do meu patrão, Reed Foster não é


muito de demonstrar exatamente o que sente, por isso não posso dizer com
certeza como ele se sente com a atual derrota que sofreu. A um primeiro
olhar sua postura calma poderia enganar qualquer pessoa, mas a suave
inclinação de seu corpo em direção ao amante, o xerife Tristan, é o que me
diz, de fato, como ele se sente inseguro nesse momento.
— Será que as coisas vão se complicar de novo? — A voz suave, quase
sussurrada ao meu lado me faz encarar o garoto franzino.
Zac é um dos trabalhadores da fazenda Miracle, de propriedade de Reed
Foster. Além disso, o loiro magrelo foi “acolhido” por Reed depois que sua
homossexualidade veio à tona e ele foi espancado pelo lixo que chamava de
pai. Mathias ainda está preso, nada que aquele merda não mereça. Zac é um
bom garoto e está florescendo longe daquele ser desprezível.
— Reed sabe o que faz — respondo, querendo passar alguma confiança
ao garoto temeroso.
— Nós estávamos indo tão bem — ele lamenta. — Depois que o xerife
chegou na cidade, o patrão é uma pessoa mais agradável, todos estávamos
melhor. Por que isso tinha que acontecer?
Ignoro o exagero do garoto, não querendo admitir que seus medos são
os meus também. Ao invés disso, observo atentamente a figura imponente
que sobe ao palanque, o homem grisalho que compartilha tantos traços
genéticos com o meu patrão, acena fervorosamente para uma plateia
animada.
Em um lugar como Cross Ville, influência é tudo, eu bem sei disso
depois de todas as merdas que tive que enfrentar. Reed também sabe, ele é
um homem prático o suficiente para saber cultivar aliados na mesma
proporção em que coleciona inimigos. Apesar de vivermos em um mundo
mais pacífico desde a chegada de Tristan Hunter, o xerife da cidade, meu
patrão não se tornou um homem suave ou tolo. Ele faz o que precisa ser
feito, e eu estou determinado a segui-lo e o ajudar sempre que necessário.
Ter um poderoso aliado como o prefeito da cidade no nosso bolso é um
trunfo valioso que acabamos de perder. Depois de uma calmaria que durou 1
ano, a tempestade estava batendo a nossa porta ao ter Homero Foster
derrotando o candidato apoiado pelo filho mais novo, e se tornando assim o
atual prefeito de Cross Ville.
— Você pode ir para sua casa, Rob, não vou precisar mais de você por
hoje — resmungou Reed, sem esconder sua irritação.
Não falei nada, apenas acenei com a cabeça e comecei a andar para
longe do cowboy emburrado com seu xerife do lado. Eu bem sabia que Reed
é esperto e realista o suficiente, não posso dizer ao certo o que ele pretende
agora que “perdemos” a eleição, mas sei que meu patrão deve ter algum
plano. O cowboy não planejou uma festa da vitória para o seu candidato,
isso fala muito sobre a precaução de Reed Foster. Ele esperava vencer, no
entanto, jamais deu a batalha como ganha. Esse tipo de coisa diferencia
aquele homem dos tolos que vivem nessa cidade.
Por entre a multidão de pessoas comemorando a vitória de Homero
Foster, os meus olhos encontraram os do novo prefeito. O par de olhos azuis
eram parecidos com os de Reed, mas tinham uma nevoa os cobrindo, algo
que falava de tempo, cansaço e talvez algo mais. Alguns fios grisalhos
escapavam do chapéu de cowboy e balançavam em frente ao rosto marcado
pelo tempo. O homem era bonito, assim como todos os outros Foster.
Também tinha aquela garra, e fogo nos olhos. Contudo, para mim, Reed
Foster era a mão que me tirou da lama e Homero era um dos que me olhou
de cima e virou as costas.
Um riso amargo deixa meus lábios, o que eu poderia esperar? Homens
como ele se apoiam. Desvio meus olhos quase ao mesmo tempo em que o
Homero o faz. Continuo caminhando em direção ao meu carro estacionado
em uma rua lateral. Passei por várias pessoas antes que um sujeito um pouco
mais alto do que eu trombasse em meu ombro com força o suficiente para
me fazer dar um passo para trás.
— Olha por onde anda, bicha. — O olhar antipático, falava mais do que
o insulto quase sussurrado. Não dei um segundo olhar ao idiota antes de
continuar andando.
Quando você sabe quem realmente é, merdas como essa te machucam,
mas não te derrubam. Depois de tudo que passei e das coisas que fiz para
sobreviver, um sujeito como aquele, que nem parei para ver de quem se
tratava, não era mais do que uma sujeira no sapato. Os verdadeiros inimigos
precisam ser destruídos e reduzidos a nada, mas os idiotas necessitam apenas
de serem ignorados, ou em alguns casos um bom soco na cara já resolve.
Um vento frio passa por mim quando deixo a multidão para trás e me
aproximo do meu carro. Seguro o chapéu em minha cabeça para que ele não
voe com o vento, nessa hora avisto alguns trabalhadores da fazenda Miracle
e aceno para eles quando estes me reconhecem e acenam de volta. Seus
rostos são amigáveis, apesar de não os considerar meus amigos, pelo menos
me respeitam.
Estou com a mão no bolso da calça para pegar as chaves da minha
caminhonete no momento em que escuto passos e risos bêbados logo atrás
de mim. Fecho os olhos e respiro fundo, estava cansado e sem paciência para
essa merda.
— Ei, bicha, não vai se desculpar por trombar em mim? — a pergunta
foi seguida por risos, olhando por cima dos ombros, encontro o sujeito que
não muito tempo antes quase me derrubou com uma trombada de ombros.
Junto dele tem dois outros idiotas.
Conheço um deles, o ruivo com dentes tortos e barriga de cerveja, ele
trabalha em uma das fazendas da região. Os outros, incluindo o fortão na
frente, eu ainda não conhecia. Mas já os vi pela cidade, devem ter se mudado
a pouco tempo para trabalhar na região.
— Está falando comigo? — questiono, despreocupado. O que irrita o
idiota número um. Está óbvio que ele quer fazer uma cena junto dos amigos,
mostrar que é macho.
— Vê outra bicha por aqui? — retruca, cheio de raiva. Eu dou de
ombros com toda a calma do mundo.
— Não sei, eu ainda não perguntei a sexualidade de nenhum de vocês.
O moreno magrelo engasga de vergonha e indignação diante da minha
resposta inocente. Quanto ao seus amigos, todos demonstravam raiva, mas
foi apenas o idiota número um quem deu o primeiro passo, vindo em minha
direção com um grito raivoso e punho serrado. Desviei com facilidade do
seu golpe, que acertou a lataria da minha caminhonete.
Ele não vacilou, nem foi preciso, o agarrei pelos cabelos escuros e bati
sua cabeça oca contra a lataria do carro. Um som alto preencheu a rua
silenciosa. Isso se repetiu por umas três vezes até que um gemido doloroso
deixou seus lábios e eu desferi um forte soco em seu estômago antes de
deixar o corpo grande cair ao chão, se retorcendo de dor.
— Está vendo o que você fez, seu babaca de merda? — Segurei seus
cabelos novamente e ergui sua cabeça, apontando para a lataria amassada e
suja de sangue. — Agora, quem vai pagar por esse estrago?
Ele gemeu, fechando os olhos. Sei que estava com dor e desorientado.
Por isso larguei o imbecil no chão e voltei a minha atenção para os outros
paspalhos que observavam tudo em estado de choque. Direcionando meu
olhar para o único homem que sabia realmente quem sou, repeti a pergunta.
— Vo-vou levar o dinheiro para o conserto na Miracle — gaguejou,
coçando a garganta e desviando os olhos dos meus. Seu amigo nem abriu a
boca. Idiotas, são sempre assim, uns covardes que atacam em bando
procurando os mais fracos para se sentirem mais fortes, mais homens.
Parecem uma piada para mim.
— Vou esperar, então não demore. Duvido que seu patrão vá gostar de
receber uma visita minha. — Ele acenou com a cabeça, sem dizer uma única
palavra. Revirei meus olhos, passando pelo sujeito ainda caído. Abri a porta
do meu carro e saí sem mais confusão.
Apenas quando já estava longe o suficiente foi que abri a janela e deixei
que o vento frio da noite me acalmasse. Eu não sou Reed Foster, rico,
poderoso e influente, é por isso que os imbecis da cidade acreditam que sou
o lado mais fraco. Não hesitam antes de me atacar. Só parecem ignorar o fato
de que sou eu quem não tem medo de sujar as mãos sempre que Reed quer e
assim deseja.
Já experimentei muitas das merdas que esse mundo tem. Fui jogado
mais baixo do que um ser humano deveria, e terei que estar morto e minha
alma queimando no inferno antes que deixe que qualquer pessoa me coloque
para baixo novamente.
CAPÍTULO 1

Com uma xícara de café fumegante em mãos, caminho descalço e sem


camisa até a varanda na frente da minha casa. O dia ainda está
amanhecendo, por isso a neblina densa cobre quase tudo que a vista alcança.
Está frio, mas o café aquece meu corpo enquanto encosto um ombro em uma
das pilastras da varanda.
Gosto de acordar cedo, apesar de que meu trabalho não começa em pelo
menos duas horas. Tem algo de tranquilizador em ver o sol nascer, é como se
eu pudesse respirar mais tranquilo, o ar é mais limpo, a luz vem cobrindo a
terra aos poucos, o calor do sol aquecendo os corpos frios. Talvez seja
esperança o sentimento que estou tentando passar com essas palavras.
— Hora de ir — resmungo para mim mesmo, admirando um pouco
mais o amanhecer do dia antes de voltar para dentro. Minha casa é pequena,
simples demais comparada com as grandes fazendas que cercam a região,
mas é minha. Comprei um pequeno pedaço de terra nos arreadores da
fazenda Miracle e aqui construí a minha casa. Um lugar de onde não podem
me tirar.
A caminho da cozinha escuto o celular tocando, ele estava jogado no
sofá, deve ter caído do bolso da calça quando eu cheguei na noite anterior.
Ao perceber que é Reed me ligando, prontamente atendo.
— Patrão? — ele resmunga alguma coisa do outro lado, que eu não
posso entender. Só então me responde:
— Vou passar o dia fora da fazenda hoje, tenho que supervisionar uma
compra de gado.
— Precisa que eu o acompanhe. — Apesar de não ter sido avisado com
antecedência, Reed sempre me pede para o acompanhar nessas ocasiões.
— Hoje não, vai chegar uma entrega grande de ração. Sei que Zac não
vai dar conta de tudo. — Sua voz não continha irritação, apenas afirmava um
fato, Zac ainda é um garoto e está aprendendo muito com Reed, mas é muito
inexperiente para certas coisas. Por ser tão franzino, e todos na cidade
saberem que ele é gay, não é raro encontrar idiotas tentando tirar vantagem
em cima do garoto.
— Pode deixar, patrão, vou cuidar de tudo na sua ausência.
Sem ao menos uma despedida, Reed encera a ligação. Reviro os olhos,
rindo do seu costumeiro mau humor matinal. Volto minha atenção para o
meu café, agora frio. Caminho em direção a cozinha e encho uma nova
xícara de café quentinho, só então estou pronto para começar meu dia.
Vestido e pronto para o trabalho, coloco meu chapéu cobrindo os fios
castanhos e encaracolados, e saio de casa próximo das 6 horas da manhã. O
trajeto não leva mais do que alguns minutos de caminhada. Isso porque
gosto de ir andando, ajuda a clarear a mente para começar o dia. Meu cavalo
fica junto dos demais cavalos da fazenda, Zorro tem sua própria baia e
sempre cuido dele. Mas prefiro que ele fique na Miracle, construir uma baia
para ele em minha casa parece um exagero quando Reed não se importa de
que eu use uma das suas.
— Rob!
O loiro magrelo que acena para mim enquanto grita, é Zac. O garoto
tem um enorme sorriso animado no rosto, e segura entre suas mãos um
chapéu branco de cowboy. Ele adora aquela coisa que ganhou de presente do
patrão em seu último aniversário algumas semanas atrás. Apesar da cara de
bebê, ele jura que o chapéu o faz parecer um homem.
— O caminhão das rações chegou! — continua gritando, essa é sua
animação matinal. Depois que se livrou do pedaço de merda que tinha como
pai, Zac não se segura mais. É um verdadeiro espírito livre e carregado de
uma inocência que eu nem mesmo sei se já tive um dia.
— Eu estou vendo, garoto. Pare de gritar, quer me dar uma dor de
cabeça a essa hora da manhã? — Ele para de gritar, mas continua sorrindo e
me acompanha de perto quando começo a andar em direção ao galpão de
armazenamento das rações, onde o caminhão está parado e alguns peões da
fazenda já esperam para descarregar.
Cumprimento todos e depois organizo os homens para descarregar o
caminhão e carregar os sacos para dentro do galpão. O trabalho é mais
demorado do que parece e levamos uma boa meia hora para terminar. Zac
insiste em ajudar nessas coisas e depois parece a ponto de morrer, com os
braços trêmulos e o corpo coberto de suor. Contenho o riso enquanto
distribuo os trabalhos do dia para os peões que não demoram a se dispersar.
— Você fica com as baias dos cavalos do Reed — falo, não que seja
preciso, Zac é o encarregado por isso há pelo menos uns três anos. Por
incrível que pareça o garoto gosta de cuidar dos cavalos e limpar as baias.
Até mesmo o temperamental Lúcifer, o cavalo do patrão, demonstra gostar
do garoto magricelo.
— Vou precisar de ajuda — ele resmunga com uma careta. — Lúcifer
ainda está enciumado. Tentou me acertar com uma cabeçada ontem à noite
quando fui trocar a sua água.
Negando com a cabeça, o acompanho em direção ao estábulo dos
cavalos de raça que são o xodó de Reed. Apesar de Lúcifer ser o cavalo
favorito do patrão, ele conta com mais nove animais atualmente. Isso fora o
cavalo do xerife Hunter, Trovão, que se juntou a fazenda quando seu dono
veio morar com o namorado. O único cavalo que não é de raça, e está
presente no estabulo, é o potrinho de pernas magras e trêmulas.
Seu nome é Milk por causa da cor preto e branco presente em sua
pelagem. O potro é órfão de nascimento e caiu nas graças de Trovão. Por
alguma razão o belíssimo cavalo branco “adotou” o potrinho órfão. Depois
disso, Lúcifer, seu namorado, decidiu que Milk era dele também.
— As baias precisam ser limpas, você pode me ajudar colocando os
cavalos no pasto? Vou limpar tudo antes de os colocar de volta. Também
preciso trocar a comida e a água. Será que Lúcifer vai me deixar os escovar?
Ignorei suas divagações e comecei a mover os cavalos. Lúcifer foi o
mais arredio, mas acabou se dando por vencido quando Trovão e Milk
saíram do estábulo. O grande cavalo marrom os seguiu de perto, como se os
vigiasse, desafiando qualquer um a se aproximar. É assustador como o
cavalo é parecido com seu dono.
Com os cavalos pastando tranquilamente, deixei Zac cuidar de suas
tarefas e fui supervisionar o resto das atividades do dia. Além disso, todas as
manhãs gosto de verificar como anda a coleta de leite. A fazenda Miracle se
dedica a produção de leite e derivados em grande escala. Somos a maior
fazenda da região dedicada a esse tipo de produção. Mesmo que a fazenda
Foster tenha entrado no páreo quando Reed começou a plantar grãos em suas
terras, principal atividade da fazenda Foster.
Ainda não somos tão grandes quanto eles nessa atividade, mas estamos
caminhando bem. Mesmo que as custas de um incidente horrível envolvendo
o maldito Hall Ward, um fazendeiro sujo que cometeu diversos crimes dois
anos atrás, incluindo incêndios criminosos como o que destruiu as
plantações dos Foster e o estábulo dos cavalos de raça do meu patrão.
Naquela noite, Reed quase morreu, sendo salvo por seu amante, o xerife
Tristan Hunter. Também foi naquela noite que Hall caiu de vez, sendo preso
e acusado por seus crimes.
Os Foster conseguiram se recuperar da perda de suas plantações, mas
Reed soube aproveitar o momento para se inserir de vez no mercado de
produção e exportação de grãos. É assim que ele é.
— Rob! Rob! — Estava apenas voltando depois de supervisionar a
retirada do leite, quando Zac apareceu em meu campo de visão, acenando
com o braço longo e magrelo. — Terminei com as baias.
O ajudei com os cavalos, que voltaram para suas baias depois de
algumas horas pastando no campo. Eles tinham sede. Até mesmo Lúcifer
estava mais calmo e não fez grande questão quando Zac o escovou.
Percebendo que estava tudo bem, decidi voltar ao trabalho antes que tivesse
que parar para o almoço. O dia seria cheio com a ausência de Reed. Eu ainda
tinha que ir até as plantações ver como tudo estava por lá.
— Rob, você vai até a cidade hoje à noite? — Paro e olho por cima dos
ombros, desconfiado com a pergunta de Zac.
— Talvez.
— Posso ir com você? — Sorrio diante de seu olhar brilhante, ele
parece um cachorrinho animado.
— Tenho duas palavras para você, dezessete anos.
Zac bufa, revirando os olhos com irritação. Solto um riso alto.
— Tenha paciência, falta pouco agora. Em mais um ano você vai poder
ir para quantos bares quiser. — Ele não me responde, está irritado com a
minha negativa, dou de ombros e deixo os estábulos. O dia de trabalho mal
tinha começado, eu não tinha tempo a perder se realmente quisesse sair à
noite.

Por muitos anos o local mais decente para alguém que buscava
companhia do mesmo sexo era o bar Red night localizado na cidade vizinha.
Por algum tempo, Reed e eu percorríamos essa distância. Depois que o
xerife Hunter chegou à cidade passei a fazer esse percurso sozinho, isso até
alguns meses atrás quando um bar decente foi aberto na própria Cross Ville.
O Poço, como foi chamado, pertence a Juno Terence. A mulher era uma
alma divertida e afrontosa, ainda me lembro de termos crescido juntos, eu e
Juno nunca fomos grandes amigos na infância e adolescência. Mas eu bem
conhecia o garotinho mirrado que sofria por seu “jeito mais delicado”, Juno
deixou a cidade quando completou 18 anos e não retornou até alguns meses
atrás quando abriu seu bar. Para o horror dos “conservadores extremistas” da
cidade. Eu, particularmente, amo não ter que viajar para outra cidade,
mesmo que a maioria dos frequentadores ainda se diga “hetero” ou
“simpatizante”.
— Prefeito... — Tinha deixado a minha caminhonete no
estacionamento e caminhava até a entrada do Poço, quando escutei alguém
chamando pelo prefeito.
Deveria apenas ter ignorado e seguido o meu caminho, o que costumo
fazer quando se trata do prefeito Foster. Contudo, me vi olhando por cima do
ombro. Do outro lado da rua estava Homero Foster. O homem alto e grisalho
possuía um corpo robusto o suficiente para ser notado com facilidade mesmo
naquela distância. Ele ria de algo que Floriano, um médico local, falava. Eu
não podia ouvir sua conversa, nem queria.
Teria seguido o meu caminho se Homero não tivesse erguido o rosto
naquele momento, ainda com o sorriso nos lábios. Ali estava o atual prefeito
de Cross Ville a um ano inteiro. Ele me encarou, eu forcei um sorriso e
segurei a aba do meu chapéu, o cumprimentando. Homero não teve reação,
revirei os olhos e segui meu caminho. Não era como se eu tivesse o mínimo
interesse em conversar com o homem.
Afinal, não era apenas uma rua que estava entre nós dois. Aquele
homem e eu estamos definitivamente em lados opostos. Ele é o digníssimo
senhor prefeito, e eu sou um conhecidíssimo pecador.
— Rob! — Aceno em reconhecimento a Juno quando entro no bar. Ela
estava parada do outro lado do balcão de bebidas. Caminhei em sua direção
pronto para pedir a primeira cerveja da noite. — O de sempre? —
questionou, sorrindo.
— Você me conhece, Juno — respondi, acenando também para Dexter
Aguirre, um dos policias do xerife Hunter. O homem é até agradável e
respeitoso, tem se tornado uma figura frequente no bar desde que abriu e
sempre que apareço o encontro sentado no bar, conversando com Juno. Se
não estou enganado, os dois são amigos de infância.
Não demora muito e a minha cerveja é empurrada por cima do balcão,
diretamente em minhas mãos.
— Prontinho, cowboy.
— Obrigado, Juno. — Agarro a garrafa entre os dedos e começo a
caminhar por entre as pessoas no bar. Não estava muito cheio por não ser
final de semana, mas tinha rostos novos e interessantes.
Escolho um lugar mais tranquilo onde me encosto na parede e posso
observar bem as pessoas ao redor, olhos atentos em alguma potencial
companhia para a noite. Enquanto isso giro a garrafa de cerveja em minha
mão, brincando com o rótulo, sem qualquer intenção de beber. Talvez seja
um hábito, uma forma de me torturar ao longo dos anos, ou de não esquecer
de onde vim e porque tenho que sempre estar atento aonde estou.
Tem exatos oito anos que não coloco uma gota de álcool em minha
boca. Apesar de sempre aceitar uma bebida quando me oferecem, não sei
dizer se alguém já notou que eu não bebo.
— A cerveja vai esquentar, cowboy. — Viro em direção a voz divertida,
o homem aponta para a garrafa em minha mãos e sorri, aprofundando as
leves rugas que se formam em volta de seus olhos e lábios.
Uma boa olhada no homem mais velho e posso dizer que ele não é da
cidade. Com o desenvolvimento cada vez maior de Cross Ville, é comum
que visitantes sejam vistos pela cidade, em sua maioria em busca de bons
negócios. O sujeito um pouco maior do que eu, grisalho e de profundos
olhos escuros, de certo, é um desses visitantes.
— Quando ela esquentar — ergo a cerveja —, eu compro outra.
Com as sobrancelhas franzidas, ele não se dá por vencido e volta a
sorrir, dessa vez com um flerte claro.
— Posso te comprar uma.
Um sorriso desliza por meu rosto, desencosto da parede onde estava e
passo pelo homem grisalho.
— Sinto muito, não estou interessado em um daddy.
Não fiquei para ouvir a sua resposta, o homem era bonito o suficiente e
charmoso. Mas eu gostava da segurança que um homem pequeno e jovem
poderia me dar. Eles não me lembravam do meu passado. Chame de zona de
conforto se quiser, o importante é que funciona.
Caminhei de volta para o bar e coloquei a garrafa com a cerveja quente.
Pedindo outra, Juno recolheu a garrafa e não disse uma só palavra sobre isso
antes de me entregar outra. Desde que eu estivesse pagando pelas bebidas,
Juno não se importava com o que eu faria com elas. Eu gostava disso na
mulher.
Respirei fundo, olhei ao redor e avistando um pequeno rapaz loiro
sorrindo em minha direção, fui de encontro a ele. A noite estava apenas
começando.
CAPÍTULO 2

Antes mesmo de abrir os olhos já sinto uma dor de cabeça se


espalhando, suspiro e passo a mão pelo rosto sabendo que o dia não
começou muito bem. Ando muito sobrecarregado de trabalho com a fazenda
e a administração da prefeitura. Eu bem sabia que conciliar ambos, com
competência, seria um grande desafio.
Meu celular, carregando na mesa de cabeceira ao lado da cama, começa
a tocar. Ignoro o aparelho barulhento e deixo a cama, uma rápida olhada no
celular e sei que tenho pouco tempo para tomar um banho e sair. Ricco se
prontificou a assumir mais responsabilidades na fazenda Foster desde que
assumi a prefeitura de Cross Ville, contudo, meu primogênito não anda
muito bem de saúde no último mês. Sempre teimoso e se esforçando mais do
que deveria, cabe a mim colocar limites no homem que já tem uma saúde
debilitada depois do acidente que quase tirou sua vida mais de uma década
atrás.
— Não me diga que já temos problemas — resmungo para o celular
quando desisto de o ignorar e atendo a ligação do meu assistente. Noah
Maxwel é um homem muito competente, apesar de ser bastante jovem aos
25 anos de idade. Ele me acompanhou ao longo da campanha rumo a
prefeitura e hoje trabalha diretamente comigo. Sinto que se não o tivesse ao
meu lado já teria desistido.
— Só queria lembrá-lo de que o senhor tem uma reunião com a
Associação de Agricultores de Cross Ville. — Solto um som irritado, ao
mesmo tempo em que procuro uma roupa adequada para o dia. Na minha
atual posição tenho que mostrar empenho até na hora de me vestir. Mesmo
que me recuse a abandonar, de vez, as botas e o chapéu. — E não podemos
remarcar, a reunião foi remarcada cinco vezes no último mês. Os
agricultores estão impacientes.
As palavras de Noah me fazem lembrar de Reed, meu filho mais novo,
ele jamais foi convidado para fazer parte da Associação de Agricultores de
Cross Ville, apesar de possuir a segunda maior fazenda da região. Isso não o
impediu de deixar que todos soubessem o que ele pensa do “grupo de
idiotas” que faz parte da Associação. Confesso que a princípio, como
membro antigo da tal Associação, me senti ofendido com suas palavras.
Contudo, agora que sou o prefeito da cidade e posso os ver sob outra ótica,
devo dizer que o grupo não passa de um bando de “pés no saco”.
— Tudo bem, Noah. Estarei na prefeitura por volta das dez e meia.
Peça que me esperem nesse horário.
Confirmando, Noah encerra a ligação e eu passo os próximos minutos
encarando a parede de pedra rústica do meu quarto. Uma sensação dolorosa
oprimindo meu peito ao ponto de passar a mão em cima do local. Parece que
venho sentindo muito isso nos últimos tempos sempre que penso em Reed.
O meu filho mais novo, aquele a quem dei as costas há muito tempo e que
hoje me retribuí com a mesma cortesia.
Meus olhos passam pelo porta-retrato na mesa de cabeceira ao lado da
cama, um sorriso triste desponta em meus lábios quando vejo o rosto
sorridente da única mulher que já amei nessa vida. Minha falecida esposa,
Agnes.
— Você também se sentiu assim no final? É por isso que deixou tudo
que tinha para o nosso garoto? — Minha falecida esposa tinha feito a mesma
coisa que eu. Depois do assassinato de Celina, o acidente de Ricco, que
quase tirou sua vida o fazendo perder uma de suas pernas. Ter Reed
confessando ser o responsável por tamanha tragédia foi demais para a nossa
família.
Um dos meus filhos era um monstro perante a cidade, o outro estava
destroçado. Isso sem falar na pequena e inocente Anelise, nossa neta.
Tivemos que tomar muitas decisões, nem todas certas, nem todas erradas.
Apenas decisões humanas que cobraram seu preço. Ao final de sua vida,
antes de morrer em decorrência de um câncer, Agnes deixou estipulado em
seu testamento que Reed seria seu único herdeiro. Mesmo não recebendo
apoio de ninguém mais, ela o fez. Agora me pergunto se essa decisão deu o
descanso que sua alma necessitava.
— Eu não sei se um dia vou conseguir fazer o mesmo, querida. Mas
estou tentando. — Beijo a ponta dos meus dedos indicador e do meio,
levando-os até o porta-retrato com a foto de Agnes. Só então pego meu
chapéu, que repousava em uma cadeira perto da porta, e colocando-o por
cima dos fios grisalhos, deixo meu quarto em seguida.
— Bom dia, vovô. — Sou recebido na mesa de café por Anelise. Ela
tem se tornado uma jovenzinha tão linda e cheia de sonhos. De uns tempos
para cá as coisas tem andado com relativa paz, sem tantas confusões e
brigas, principalmente com Reed. Por isso vejo minha neta mais feliz e
aberta as suas amizades e aos estudos.
— Bom dia, querida. — Beijo o topo de sua cabeça de cabelos
vermelhos, antes de sentar em meu lugar de costume na cadeira localizada
na ponta da mesa. Passo a me servir com café forte, pão e uma fatia de
queijo. — Onde está o seu pai? Ele passou a noite na casa da Joana?
Joana é professora em uma das escolas de Cross Ville, ela dava aulas
para Anelise quando conheceu Ricco e os dois começaram a namorar. Isso
tem quase dois anos, desde então o meu filho mais velho e minha neta
parecem mais felizes. Fico feliz por eles, Joana trouxe um brilho para os
olhos de Ricco que eu não via há muito tempo.
— Eu passei no quarto dele não tem muito tempo, papai dormiu em
casa, mas estava com febre quando eu tentei o acordar. Pedi a Matilda um
remédio e deixei com ele.
Com as sobrancelhas franzidas deixo o meu café de lado.
— Isso não é bom, seu pai está doente de novo. Vou marcar uma hora
com o doutor Floriano. — Ricco tem uma saúde frágil desde o acidente, não
é raro que caia doente por causa de um simples resfriado. Por isso, ele
sempre insiste que vai ficar bem e se recusa a ir ao médico regularmente.
— O senhor sabe que ele é teimoso, eu disse para chamar o médico e
ele me encarou como se eu tivesse acabado de xingá-lo. — Nós dois rimos.
— Não se preocupe, querida. Deixe que eu me resolvo com seu pai.
Terminamos nosso café e eu peço para um dos empregados deixar o
meu carro pronto, na entrada da casa. Antes de sair passo no quarto de Ricco
e o encontro dormindo, a febre tinha baixado e ele havia tomado o remédio.
Ainda assim pedi para que Matilda ficasse atenta a qualquer piora. E disse
para mim mesmo que não deveria esquecer de falar com doutor Floriano
sobre um check up de rotina para Ricco.
— Bom dia, patrão! — Fui recebido nas plantações de soja por Parker,
o meu capataz. O homem estava montado em um cavalo e acenou com o
chapéu na mão quando me viu saindo do meu carro e caminhando em sua
direção.
— Bom dia, Parker. Tudo bem por aqui?
— Tudo às mil maravilhas, patrão. O senhor quer um cavalo? Vai
visitar as plantações?
Eu bem queria poder montar meu cavalo e galopar pelos pastos. Sempre
gostei da sensação de liberdade que você tem ao estar montando um bom
cavalo. O vento batendo no rosto, o cheiro de terra molhada, nem todo o
dinheiro do mundo me fez abandonar essas pequenas maravilhas da vida.
Infelizmente não tenho tido tanto tempo para fazer essas coisas.
— Hoje não, Parker, mas vou tentar fazer isso no próximo final de
semana. Vim apenas observar o andamento das coisas por aqui. Ricco não
está se sentindo muito bem hoje.
Uma carranca de preocupação se forma no rosto do homem, não muito
mais velho do que eu. Parker viu Ricco nascer e crescer, ele se preocupa
com o meu filho. Na verdade, os dois sempre foram próximos, o velho
Parker dava boas gargalhadas com meu filho ainda moleque correndo atrás
dele nos campos. Hoje em dia os dois trabalham lado a lado.
— Ele está doente de novo? — Dou de ombro não querendo que o
homem fique preocupado.
— Apenas uma gripe, você sabe como a saúde dele é frágil. Talvez ele
precise descansar por alguns dias para se recuperar bem.
— Não se preocupe, patrão. Eu vou dar conta das coisas por aqui, deixe
que Ricco se recupere. — A seriedade em seu rosto e palavras, me fez sorrir
contido e dar um tapinha em seus ombros largos.
— Obrigado, Parker. Por agora, por que não me mostra como o trabalho
está indo por aqui?
Ele prontamente acena que sim e começamos a caminhar pelos
arredores das plantações de soja. Ver os campos lotados e prontos para a
colheita me fazia voltar no tempo, não muitos anos antes, dois para ser mais
exato, as plantações da fazenda Foster foram devastadas por um terrível
incêndio criminoso.
Hall Ward era um homem muito conhecido na região, alguém que eu
considerava um amigo. Jamais esperei pelas reviravoltas que o mundo dá.
Hall era um ser terrível, cruel e ganancioso. Além de causar diversos
incêndios criminosos, incluindo um na fazenda Miracle que quase vitimou
meu filho mais novo, o maldito fazendeiro ainda era suspeito de outros
crimes, entre eles assassinato. Atualmente, ele está preso e duvido muito que
volte a ver a luz do sol. O que tirei dessa situação é que não tenho muita
habilidade ao escolher meus amigos.
Depois que saí das plantações segui direto para a cidade, já encontrando
meu assistente na tentativa de acalmar os membros da Associação de
Agricultores. Pedi algum tipo de iluminação divina e iniciei meu dia de
trabalho na prefeitura. Levou até a hora do almoço para que eu conseguisse
me livrar deles depois de uma desculpa para não aceitar o convite para
almoçarmos todos juntos.
A tarde não foi menos ocupada, liguei para casa e fiquei mais aliviado
ao saber da melhora de Ricco, que insistiu em ir trabalhar, mesmo contra a
minha vontade. Teimosia é de família. Após isso, me reuni com alguns
empreiteiros responsáveis por obras públicas sendo construídas na cidade,
meu mandato buscava um maior desenvolvimento de Cross Ville, e por isso
não poupava esforços.
— Você pode descansar agora, Noah. Não exceda seus limites, eu
preciso de você aqui amanhã — disse ao passar pela mesa do meu assistente,
ele tinha olheiras nos olhos, mas se mantinha firme em frente ao
computador. Seu horário de trabalho havia acabado há pelo menos uma hora,
assim como o meu, contudo, ambos permanecíamos na prefeitura como dois
viciados em trabalho.
— O senhor também deve descansar, prefeito. O dia vai ser agitado
amanhã, ainda tem algumas obras que o senhor não visitou.
Assinto, sentindo minhas costas doerem. Caminhamos juntos para fora
do prédio antigo onde fica localizada a prefeitura da cidade. Do lado de fora
o sol se pôs há muito tempo e uma noite fria já deu as caras.
— Precisa de uma carona para casa, Noah? — questiono, não querendo
pensar em mais trabalho que me espera no dia seguinte. Estou ficando velho,
não é essa a fase onde tenho que desacelerar e curtir as pequenas alegrias da
vida?
— Obrigado, mas eu vou encontrar um amigo na padaria. Ele disse que
vai me dar uma carona. — Nos despedimos na frente do prédio antigo e
Noah segue descendo a rua. Eu parei um momento para respirar um pouco
de ar puro e esticar as costas cheias de dor. É assim que avisto não muito
longe uma figura conhecida.
— Floriano! — Aceno em sua direção, o velho médico que trata da
minha família por décadas, me reconhece e acena de volta. Caminho em sua
direção para conversarmos, pensando que era uma ótima oportunidade para
o convidar para jantar qualquer dia desses. Conhecendo meu filho mais
velho e sua teimosia, sei que essa é a melhor chance de Floriano dar uma
olhada nele.
— Olha só quem eu encontro aqui, o digníssimo prefeito! — Me vi
rindo alto de seu comentário bem humorado. Trocamos um aperto de mãos e
por algum motivo, enquanto ainda ria e o cumprimentava, meus olhos foram
atraídos para o outro lado da rua de onde o som de música alta vinha.
Era o novo bar da cidade, o “Poço”, local frequentado em sua maioria
por homens gays. Ainda era uma dor de cabeça ter uma grande parcela
conservadora da cidade empenhada em me fazer fechar o bar. Como se eu
tivesse interesse nesse tipo de embate, enquanto ele estiver dentro da lei, não
vou interferir. Quem tiver um problema com o estabelecimento que lide com
isso.
Mas não foi o bar em si que chamou a minha atenção, por alguma razão
me vi olhando para o homem alto, com cabelos castanhos cobrindo sua testa
no momento em que escaparam do chapéu de cowboy. Os olhos eram
escuros daquela distância, tal como a barba fina que cobria um queixo firme.
Levei poucos segundos para reconhecer o homem que acenou para mim,
contudo, não tive tempo de mostrar esse reconhecimento, pois, Robert
entrou no bar.
— Aquele sujeito quer começar uma briga? — a pergunta de Floriano
me trouxe de volta a nossa conversa. O encarei, notando suas sobrancelhas
franzidas.
— Não acredito nisso — respondi, nem ao menos entendo o porquê de
sair na defesa do capataz.
Percebei a leve insinuação de um sorriso pouco antes de ele entrar no
bar. Aquele cumprimento silencioso não era amistoso ou respeitoso, mesmo
de longe eu podia ver o desprezo que ele sente por mim. Ainda assim, não
acredito que sua intensão seja causar uma briga, as coisas têm sido bem
pacíficas nos últimos dois anos.
— Deixemos esse sujeito de lado, melhor manter distância dessa gente.
Suas palavras me incomodaram profundamente, pois sabia que essa
gente a qual ele se referia incluía o meu próprio filho, Reed. Que já me
desprezava por fechar os olhos diante de falas e comportamentos como esse,
que são amplamente normalizados nesta cidade.
— É melhor não se meter com quem tem força suficiente para te
esmagar como um inseto. — De olhos ampliados, Floriano buscava entender
o significado das minhas palavras tão repentinas. Não tive vontade de
explicar, apenas puxei a aba do meu chapéu em uma rápida despedida e
segui meu caminho sem me incomodar em o convidar para jantar.
Quanto mais me afastava da música alta do bar, olhos escuros e cheios
de desprezo continuavam a me seguir. Me julgando, acusando, punindo por
minha covardia. Algum dia estaria livre daqueles sentimentos?
CAPÍTULO 3

Eu estava exausto depois da noite anterior. Aos 38 anos já deveria


saber que não tenho idade para passar a noite fora quando devo acordar cedo
no dia seguinte para trabalhar. Ainda mais por estar no meio da semana.
Como se fosse pouco, ainda recebi uma ligação de Reed logo cedo, avisando
que sua viagem para compra de gado havia se estendido além do que ele
planejou inicialmente. Meu patrão ainda não tinha voltado e me deixou
encarregado do bom funcionamento da fazenda.
— Mas você volta hoje, patrão? — questionei em meio a um bocejo,
ainda era muito cedo. Eu mal tinha levantado, meu café ainda estava no fogo
quando recebi a ligação de Reed.
— Precisa que eu segure a sua mão para que você faça o seu trabalho?
— Reviro os olhos para sua resposta mal-humorada, mas sou esperto o
suficiente para não retrucar. Eu sinceramente não sei o porquê de Reed
acordar tão cedo e começar seu dia de trabalho, sendo que ele é terrível pela
manhã. Tem um mau humor do cão, só o xerife para o aguentar.
— Não se preocupe, patrão. Vou dar conta de tudo. — No meio da
minha fala escuto alguém batendo à porta e chamando meu nome. — Preciso
desligar.
— Certo, aviso se a viagem se estender ainda mais. — Encerro a
ligação enquanto caminho pela minha pequena casa em direção a porta da
frente. Casey, um dos peões da fazenda, estava parado lá com o rosto pálido.
Xinguei antes mesmo de abrir completamente a porta, sabia que não eram
boas notícias.
— O que houve? — Ainda bem que já estava vestido para o trabalho,
só precisava calçar minhas botas e pegar meu chapéu. Não perderia tempo.
— As vacas que estão no pasto ao sul quebraram a cerca durante a
madrugada. — Xingo ainda mais alto, tropeçando nos meus próprios pés
para calçar minhas botas. — Invadiram as plantações da fazenda Foster,
fizeram um estrago que só vendo.
Termino de calçar as botas e pego meu chapéu, corro em direção aos
estábulos para selar meu cavalo. A forma mais rápida de chegar até os pastos
onde as vacas quebraram a cerca era passando justamente por entre os
demais pastos. Desde que tomou posse de sua herança, incluindo a fazenda
Miracle, Reed vem expandindo as terras da fazenda. Ele comprou 4
propriedades até o momento. Sendo duas delas fazendas extensas e duas
propriedades menores, como a do antigo xerife de Cross Ville.
Graças a essa expansão, Miracle é atualmente a maior fazenda da
região, em quantidade de terras. Isso também nos fez vizinhos indiretos da
fazenda Foster.
— Rob, eu posso ir com você, Rob? — Nem tinha chegado aos
estábulos quando Zac apareceu correndo. Seu rosto branquelo estava
vermelho como um tomate, e ele praticamente saltava de uma perna para a
outra.
— Pegue um cavalo — falei sem perder tempo.
Zac gritou de emoção e saiu correndo até uma das baias para selar um
cavalo. Zorro, meu cavalo, ficava nos estábulos junto dos cavalos que
usamos para o trabalho na fazenda. Apenas ele é de um dono diferente, os
demais pertencem a Reed e sua fazenda.
— Alguém já foi para lá? — questiono a Casey, que também selava um
cavalo.
— Steven e Wilson, eles foram verificar o gado pela manhã e viram o
estrago. Ligaram avisando, parece que o velho Foster está furioso.
Era só o que faltava. Por que esse tipo de coisa tem que acontecer
quando Reed não está? Ele é tão diplomático quando manda os outros
tomarem no cu.
Com os cavalos selados seguimos para ver o estrago. Vou mais à frente,
Zac e Casey logo atrás. Todo o caminho é feito em silêncio, apenas
frustração toma conta do ar a nossa volta pelos mais de vinte minutos que
levamos para chegar até a cerca que divide as propriedades. A um primeiro
olhar consigo ver o buraco que as vacas fizeram na cerca, não levaria tanto
tempo para consertar, o mesmo não poderia ser dito das plantações mais à
frente.
Steven e Wilson, os primeiros peões a chegarem, já tinham reunido as
vacas de volta ao pasto, com a ajuda de alguns peões da fazenda Foster.
Homero Foster também já havia chegado ao local, e assim como Casey disse
mais cedo, o homem quase espumava pela boca. Ricco, seu filho mais velho,
também estava no local, ele tinha o rosto pálido e eu não saberia dizer se era
por causa do estrago em suas plantações de milho, ou se era outra coisa. O
homem nem mesmo gritou ofensas quando desci de Zorro e caminhei em sua
direção.
— Eu sabia que colocar pastos tão perto das minhas plantações daria
nisso! — o prefeito berrou irritado. Estalei a língua enquanto empurrava meu
chapéu para trás e coçava a cabeça. Pelo visto as vacas quebraram a cerca
cedo da noite e tiveram muito tempo para aproveitar as plantações de milho.
Eu tinha dito a mesma coisa quando Reed veio com a ideia de fazer
pastos nesse lado da propriedade. Digamos que eu estava esperando pelo
momento em que algo assim iria acontecer, mas quem pode ir contra meu
patrão? Pelo sorriso em seu rosto, ele devia saber que teríamos problemas,
mas fez assim mesmo. Reed gostava de desafiar, não deixaria que alguém
lhe dissesse onde ele poderia colocar suas vacas e onde não poderia colocar.
Eu só queria que ele e sua arrogância estivessem aqui agora para resolver as
coisas.
— Casey — chamei o homem robusto que olhava para o estrago nas
plantações de milho, como se pudesse vomitar a qualquer momento. —
Busque o material necessário para refazermos a cerca.
Ele olhou de um lado para o outro por alguns segundos antes de acenar
de forma dura e sair caminhando apressado até seu cavalo. Aposto que se
todos os Foster estivessem reunidos aqui com sua aura maligna, Casey teria
mijado nas calças.
— Onde está Reed? — a pergunta de Homero estava carregada de
irritação, seu queixo erguido enquanto olhava para mim. Somos quase do
mesmo tamanho, então por que olhar tão alto? Esse idiota pensa que sou seu
empregado ou o quê?
Abandono minha expressão relaxada e dou de ombros depois de olhar
em volta.
— Nossa, Zac, acho que perdemos o patrão em algum lugar no
caminho.
Pobre garoto, sufocou o riso ao mesmo tempo em que seus olhos
ficaram amplos de medo. Ricco, que até o momento tinha ficado em
silêncio, deu alguns passos em minha direção, seus olhos queimando de
raiva.
— Olha como fala com o meu pai, seu merda! — Dei um tapa em sua
mão quando ele apontou um dedo em minha cara. Pelo aspecto do homem
até mesmo o vento poderia o derrubar, contudo, me segurei.
— Se quer respeito, então demonstre respeito primeiro — falei
diretamente para Homero, que tinha se colocado ao lado do filho. — Olhe
nos olhos das pessoas, mesmo que você queira ofendê-las. Se não puder
fazer isso, não espere que eu o faça.
— Você...
— Vamos parar por aqui — disse Homero, silenciando o filho. Era
visível a frustração e a raiva do homem. — Espero que consertem a cerca, e
quero falar com Reed sobre os estragos.
Apenas acenei com a cabeça, o prefeito me encarou mais uma vez e se
deu por vencido. Vi os dois Foster se afastando e só então relaxei a minha
postura novamente.
— Isso foi assustador — resmungou Zac ao meu lado.
— Você devia voltar para a fazenda, vou ficar por aqui e ajudar com a
cerca. — O garoto não fez oposição, rapidamente montou em seu cavalo e
partiu. Eu fiquei vendo os estragos feitos e esperando pelo retorno de Casey.
Nesse meio tempo instruí Steven e Wilson a levarem o gado para outro
pasto.
Casey retornou quase uma hora depois, com ele trouxe material para
reconstruir a cerca e outro peão da fazenda, Paul. Juntos levamos algumas
horas para consertar os estragos. Ao final, o sol estava alto no céu,
estávamos cobertos de suor e cansados. Era por volta do meio dia.
— Pronto, o que podíamos fazer aqui, já fizemos — digo para os
homens. — O resto é com o patrão.
Eles assentiram e foram embora, eu observei mais uma vez a enorme
plantação de milho, vendo apenas alguns peões da fazenda Foster, eles
tentavam remediar as perdas. Era melhor assim. Cansado e faminto, a última
coisa que queria era mais um embate com Homero ou Ricco Foster. Isso
deixo para o meu patrão.
— Rob! Venha cá, Rob! — Gritos foram ouvidos assim que saí dos
estábulos. Tinha acabado de deixar Zorro com água e comida fresca.
Margarita, a governanta de Reed, estava acenando em minha direção, aos
gritos. Fui ao seu encontro na imponente casa de fazenda pertencente ao meu
patrão.
— Não me diga que temos mais problemas? — ela resmungou algo que
não pude ouvir e continuou acenando com a mão, dessa vez para eu segui-la
até a cozinha. O cheiro de comida fez com que minha barriga se revoltasse
de fome.
— Sente-se, venha comer com a gente — ela disse, apontando para a
grande mesa rústica de madeira que ocupava um bom espaço na enorme
cozinha da fazenda.
Xerife Tristan e Zac estavam sentados à mesa, Margarita fazia seu
próprio prato. Segui até a pia e lavei as mãos antes de fazer meu prato e me
sentar junto deles.
— Como foi lá? Teve mais algum problema com Homero? —
questionou Margarita quando coloquei a primeira colher de comida na boca.
— Zac me disse que vocês brigaram.
— Você tinha que ver, Margarita. O Rob deu umas fechadas nos Foster!
Eu pensei que o Ricco fosse cair duro a qualquer momento. — O garoto ria
de boca cheia, quem vê nem pensa que ele estava a ponto de desmaiar mais
cedo na presença dos referidos Foster.
— Não foi pra tanto. Só fomos recebidos com quatro pedras na mão,
como já era esperado.
— Eu sabia que acabaria nisso — disse Tristan com uma expressão
irritada —, mas Reed não ouve ninguém quando coloca uma coisa na
cabeça. Me surpreende que eu não tenha sido chamado na fazenda Foster.
Tinha que concordar, se uma coisa dessas tivesse acontecido uns dois
anos antes a confusão seria bem maior. Ricco teria feito um escândalo, sorte
se não viesse parar na fazenda Miracle ao nascer do sol. Com certeza o
xerife teria sido chamado para conter a confusão, não duvido que fossemos
resolver tudo na delegacia. E se aquele lixo do Armando Contreras ainda
fosse o xerife, as coisas não sairiam bem para o nosso lado. Seja lá o que
tenha acontecido nos últimos anos para amolecer os corações de ambos os
lados, eu agradeço.
— Não acho que teremos mais problemas com relação a isso — digo,
também com a boca cheia. A comida da Margarita é deliciosa, ainda mais
quando se está morrendo de fome. — Só fala com o patrão, Xerife. Ele te
escuta, se for com quatro pedras na mão falar com o prefeito, as coisas
podem se complicar.
— É a primeira coisa que vou fazer quando Reed chegar! — O suspiro
aliviado de Margarita falou por todos nós. Parece até que vivemos em algum
tipo de guerra fria. Ela substituiu os embates acalorados que tínhamos desde
a chegada de Reed a cidade depois que ele saiu da cadeia. Agora estamos em
um momento de relativa paz, aquele tipo de paz onde um lado tenta derrubar
o outro na surdina, e a menor faísca pode começar outro incêndio.
Me pergunto se um dia isso vai ter um final, apesar de ter minhas
dúvidas. A relação entre os três Foster não está estremecida, ela
simplesmente não existe mais.
CAPÍTULO 4

Entro em casa sentindo toda a frustração de um dia que mal começou.


Eu bem sabia que a insistência de Reed em fazer um pasto para as suas vacas
ao lado das minhas plantações de milho acabaria dando nisso. Era uma
receita para o desastre, tenho certeza de que foi por isso que ele o fez.
— Não posso acreditar na irresponsabilidade de Reed, ele queria causar
confusão, eu sei disso. — Ricco continuava irritado, ele tinha acordado se
sentindo melhor e insistiu para ir até as plantações de milho quando fomos
avisados do incidente com as vacas de Reed.
— Deixe isso para lá, filho. Eu mesmo vou conversar com o seu irmão.
— Ricco me encarou com estranheza, fazia muito tempo que eu não me
referia a Reed como o irmão de Ricco. Inesperadamente, meu filho mais
velho apenas acenou com a cabeça, se sentando no sofá mais próximo.
— É bom mesmo, se eu fosse conversar com ele teríamos apenas mais
uma briga.
Dessa vez fui eu quem ficou surpreso. Cheguei a pensar que meus
filhos jamais parariam de brigar, ver Ricco sendo o primeiro a recuar, é no
mínimo surpreendente. Talvez ele também queira um pouco de paz em sua
vida agora que está feliz ao lado de Joana e Nana. Desejo que essa paz e
felicidade possam durar.
— Preciso estar na prefeitura esta manhã. Já estou atrasado na verdade,
você pode lidar com as coisas por aqui? — Revirando os olhos com
impaciência, Ricco se esforça para se colocar de pé.
— Estou me sentindo bem hoje, pai. Vá trabalhar, senhor prefeito. Eu
posso cuidar das coisas por aqui, já deixamos alguns peões na plantação de
milho para cuidar dos estragos, vou me juntar a Parker e visitar as plantações
de soja.
Com um último tapinha em suas costas, me dirijo para a porta da casa.
— Se tiver problemas é só me ligar.
— Não sou mais uma criança, pai. Confie que posso cuidar de tudo.
Não era uma questão de confiança, Ricco sempre foi muito capaz,
mesmo depois do acidente que quase ceifou sua vida e o deixou sem uma
das pernas. O grande problema era sua saúde tão debilitada nos últimos
meses. Quero que ele se cuide e descanse, mas com a prefeitura para
administrar e a teimosia do meu filho, sinto que não posso o convencer a ir
com mais calma.
Chego à prefeitura no meio da manhã, minha cabeça fervilhando de
coisas depois do início do dia todo atribulado. Noah me acompanhou até a
minha sala assim que me viu passar, ele leu a minha agenda em voz alta e
assim começamos o dia. Mesmo depois de meses na prefeitura ainda não
tinha conseguido tapar todos os buracos que o antigo prefeito corrupto
deixou. E morreria antes de ser chamado de incompetente. Maldita hora em
que decidi me meter nisso.
Em meio a tanto trabalho acabei pulando o almoço. O resultado disso
foi um mau humor do cão, e uma dor de cabeça infernal no meio da tarde.
— Prefeito. — Fui interrompido por Noah que colocou a cabeça para
dentro da minha sala. Uma olhada rápida no relógio e constatei que ainda
eram três da tarde, tínhamos algumas horas pela frente antes de acabar o
expediente. Pelo menos não recebi mais nenhuma ligação de casa falando de
mais problemas nas plantações.
— Sim, Noah?
— O senhor tem uma visita, pode o receber?
Não tinha nada marcado na minha agenda sobre isso. Então, confuso,
questionei:
— De quem se trata?
— É o senhor Foster. Reed Foster. — Surpreso, levei quase um minuto
antes de assentir e permitir sua entrada. Não demorou para que meu filho
mais novo entrasse em minha sala, como sempre, acompanhado por seu
capataz, Robert Durango.
— Você? — Ergui uma sobrancelha enquanto ele se sentava em uma
das cadeiras do meu escritório. Robert permaneceu parado perto da porta. O
homem era sempre calado, isso quando não abria a boca para falar
grosserias. — A que devo a honra da sua visita?
Reed riu.
— Essa é a primeira vez que me recebeu tão bem, senhor prefeito. Se
soubesse tinha colocado as minhas vacas no seu milharal há muito tempo.
Fecho a cara diante de sua frase cheia de humor e malícia.
— Não se pode falar sério com você. Então, veio acertar as contas
referentes aos estragos em minhas plantações? — Calmamente, Reed tirou
um talão de cheques do bolso.
— Claro, foi a primeira coisa que quis fazer quando retornei para a
cidade. Deus me livre de ficar te devendo um centavo que seja. Só me diga
logo o valor do estrago, estou cansado e quero ir para casa, tomar um bom
banho, comer e dormir. Sinto falta do meu xerife, sabia? E estar aqui me faz
perder um tempo precioso que poderia ser muito melhor aproveitado.
Passo a mão pelos cabelos, ignorando o seu falatório. Parece que Reed
quer me irritar com o seu descaso.
— Não se trata apenas disso, Reed. Pense com a cabeça de um homem
de negócios e não de um moleque birrento. Colocar aquelas vacas lá foi um
mau negócio, você precisa ter isso em vista.
Ignorando as minhas palavras, apesar da expressão irritada em seu
rosto. Meu filho apenas se dedicou a rabiscar um valor no cheque que
preencheu em silêncio antes de destacar e me entregar. Eu nem mesmo me
dignei a olhar o valor, estava furioso com sua falta de respeito e descaso com
toda a situação, que era responsabilidade dele.
— Se o problema é ter um pasto cheio de vacas de um lado e plantações
de milho do outro. Por que você não muda suas plantações de lugar? As
terras são minhas, se eu quiser criar porcos nelas, eu posso.
Me ergo da cadeira, furioso. Chego a bater com punhos fechados na
mesa. Enquanto Reed permanece inabalável.
— Você planeja mesmo começar uma guerra por conta disso? Sabe
muito bem que planto naquelas terras há anos, bem antes delas passarem
para as suas mãos.
— E devo sair prejudicado por isso?
— Seja sensato, ambos estamos saindo prejudicados! — grito exaltado.
— Se você pudesse ceder uma vez sequer, sem fazer disso uma guerra
pessoal, todos estaríamos melhor. Pensei que tivesse criado um pouco de
maturidade e noção nos últimos anos.
Com a mandíbula travada, Reed se ergueu da cadeira e direcionou toda
a sua atenção ao capataz.
— Vou me encontrar com Tristan na delegacia, pode me esperar no
centro da cidade.
— Reed! — Obviamente, ele me ignorou ao deixar minha sala. — Mas
que porra!
Soquei mais uma vez a mesa.
— Ele não é mais um garotinho, todas as vezes em que tentar o tratar
assim só vai abrir velhas feridas e o fazer te atacar. — Ergo os olhos depois
de ouvir tal fala. Estava irritado demais para ouvir conselhos, ainda mais
tendo em vista de quem tinha vindo.

Eu deveria ter ficado em silêncio, mas por alguma razão não consegui.
Ao ver dois homens tão orgulhosos lutando cada um de um lado, tive que
intervir. As palavras saltaram para fora da minha boca sem o mínimo
controle. Isso me rendeu um olhar cheio de raiva vindo de Homero.
— Quem você pensa que é para dar palpites?
— Alguém mais sensato do que você — retruco irritado. Esse idiota é
sempre assim, orgulhoso demais para olhar para aqueles abaixo dele.
— Não seja petulante, você adora julgar as pessoas. As responsabilizar
por coisas que só dizem respeito a você. Que sensatez existe nisso?
Minha mandíbula trava de raiva. Dou alguns passos para a frente. Ele
não tinha nada que falar nisso.
— Se eu tenho que conviver com as marcas de tudo que aconteceu
comigo, o mínimo que eu espero é que você conviva com a certeza de que
podia ter feito algo e escolheu não fazer! Se isso me torna uma pessoa ruim,
ótimo, nunca tive a menor pretensão de ser um santo.
— É injusto que me culpe pelas dores que você sofreu, quando não fui
eu quem as causou.
Rio sem o mínimo humor. Eu já sabia que o mundo era assim, não
importa o quanto alguém se solidariza com você, com suas dores e traumas,
no final, ninguém vive a sua vida por você. A dor é só sua, a mágoa e o ódio
pertencem unicamente a você. Mas é tão hipócrita como algumas pessoas
tem nas mãos o poder de evitar essas dores e escolhem não fazer nada, só
para depois jogar na sua cara que não foram eles quem te feriram.
Me diga, o silêncio, a conivência, o virar de rosto, não é tão prejudicial
quanto a mão que bate?
— Eu sei que ele te machucou, Robert — ele diz com um pesar que eu
não engulo. — Estou vendo que não sei ao certo a profundidade dessa ferida.
Eu só acreditei que os dois estavam envolvidos em algum tipo de relação
que eu não concordava, então preferi não me envolver. Juro que jamais
quis...
Ergo a mão o silenciando. Queria gritar que ele tinha que ter percebido
mais, visto o que realmente estava acontecendo. Mas tinha mesmo esse
direito ou era apenas a minha dor falando mais alto? Veja bem, as pessoas
enxergam o que querem, como posso esperar que Homero tenha visto a
minha dor e humilhação quando não enxerga a verdade sobre o próprio
filho?
— Você tem razão, não posso te cobrar algo assim. Do que adiantaria?
— Ignoro a surpresa em seus olhos. — Não muda nada, não é? Parece que
isso é algo corriqueiro em sua vida, ignorar o que acontece em sua volta,
enxergar apenas o que te convém. Ou por acaso não tem feito isso com Reed
durante anos?
Surpresa dá lugar a raiva em seus olhos, ele caminha em minha direção,
um dedo apontado para mim.
— Quem é você para falar sobre o meu filho e eu? Não sabe do...
— Você é quem não sabe de nada, senhor prefeito. Ou melhor, prefere
não saber. Mas eu — aponto para o meu próprio peito —, eu sim sei muito
bem quem Reed Foster é, porque estava ao lado dele todas as vezes em que
os santos dessa cidade atiraram pedras em sua direção.
— Não é porque você está sofrendo que pode jogar essas coisas na cara
das pessoas, Robert. — Ele recua, sua expressão cansada. Também recuo,
ficando mais próximo a porta de sua sala.
— Algumas vezes estamos tão cheios de merda em nossas vidas que
não temos capacidade de chegar em alguém e dizer “Cara, você está fazendo
merda!”, mas eu — rio mais uma vez —, não tem nada que você possa me
dizer que vá machucar mais do que a vida já me machucou. Então sim, eu
tenho toda a capacidade de dizer o que você precisa ouvir, pois não são as
minhas palavras que te machucam, mas sim a verdade contida nelas.
Viro de costas pronto para deixar sua sala, ele está em silêncio,
absorvendo as minhas palavras. Contudo, talvez cheio de petulância e
falando bosta, resolvo dizer algo que está muito claro para mim, e parece
não estar tão óbvio para Homero Foster.
— Para mim não existe nada que você possa fazer que vá consertar o
passado, mas quando se trata do Reed, o seu filho, as coisas não são bem
assim.
— Aí é que você se engana. Ele já não precisa de mim faz muito tempo.
— Tem razão, ele não precisa. E justamente por isso me questionei
muitas vezes sobre o porquê de Reed continuar aqui, insistindo, brigando de
frente com você. Ele não precisa de nada que venha de você, não do seu
dinheiro ou apoio. Então, por quê? Foi aí que percebi. Vocês o abandonaram,
mas ele não os abanou, se não pode estar perto recebendo seu amor, então
que receba seu ódio.
Homero nega com a cabeça, os olhos mostram todo o seu conflito. Ele
luta com as palavras que acabei de dizer, querendo as negar, sem conseguir.
— Retome as rédeas da sua vida, homem! — grito, ele salta para trás,
os olhos arregalados me encarando. — Faça algo antes que te sobre apenas
se lamentar e dizer “eu não sabia, não fui eu quem te machuquei, sinto
muito.”
Não espero por uma resposta, não desejo uma. Estou tão irritado
comigo mesmo por abrir minhas feridas diante desse homem. Só quero ir
embora sem olhar para trás. Esquecer o que disse, que desnudei a alma do
meu patrão.
— Merda!
CAPÍTULO 5

Resmungo irritado enquanto coloco feno nas baias dos cavalos, que
bom dia para Zac acordar gripado. Como se eu não estivesse cheio de
trabalho ainda tenho que assumir as responsabilidade dele.
— Oh! — Dou um salto para trás no último instante, por pouco não fui
acertado por uma cabeçada de Lúcifer. — Era só o que me faltava, valeu,
Lúcifer.
Me afasto do cavalo temperamental, a criatura se acha o dono dos
estábulos desde que “adotou” o potrinho órfão. Até mesmo Trovão, que
sempre foi mais calmo, está temperamental. Se isso for ser pai, ainda bem
que não quero ter filhos.
— Ele está sentindo a sua irritação, idiota! — Ergo a cabeça, vendo
Reed entrar nos estábulos com uma cara de poucos amigos. — Se você não
estivesse de cara feia, resmungando e xingando perto dele, Lúcifer estaria
mais calmo.
Duvido muito, a criatura é endiabrada tal como o dono.
— Você devia aproveitar que o final de semana está chegando, vá se
divertir um pouco e tirar essa expressão de bunda da sua cara. — O encaro
sem dizer nada, seria duramente repreendido se dissesse que ele costumava
andar por aí com uma expressão bem pior, antes de conhecer o xerife. —
Não que você precise esperar o final de semana, Zac me disse que te viu
chegar de madrugada outro dia, enquanto eu estava fora e você responsável
pela fazenda.
Mas Zac tem me saído um belo fofoqueiro. Ele faz o quê? Vigia a
minha vida pela janela do seu quarto? E eu aqui, fazendo o trabalho dele!
— Agradeço a preocupação, patrão. Vou até seguir o seu conselho.
Caminho para os fundos dos estábulos, seu olhar queimando minhas
costas. Se ele pudesse ler mentes eu teria medo do que disse ao seu pai. Se
Reed sonha com uma coisa dessas, ele tira o meu couro.
Passo a meia hora seguinte limpando os estábulos dos cavalos de raça.
Depois vou verificar os outros estábulos. Paul e Wilson tinham ficado
responsáveis por eles, até mesmo vi Zorro no caminho. O meu cavalo
recebeu uma bela maçã que eu carregava comigo e alguns carinhos em sua
longa crina, só então segui em frente pronto para o resto do dia de trabalho.
Mas antes, passei pela grande casa de fazenda, vi Zac sentado na
varanda com o nariz vermelho e os olhos fundos. O garoto pegou um belo
resfriado.
— Rob... Aí! Aí! — O agarrei pela orelha assim que cheguei perto o
suficiente.
— Estou te cobrindo no serviço e você fofocando da minha vida para o
patrão? Seu peste! — Largo sua orelha e lhe dou um tapa na cabeça, ele se
encolheu, choroso e mostrou a língua. — Olha que eu puxo sua outra orelha!
— Eu vou contar tudo para a Margarita! — diz, correndo para dentro da
casa. Reviro os olhos e negando com a cabeça me afasto da casa antes que
Margarita apareça para puxar as minhas orelhas.
O dia foi longo e exaustivo na fazenda, pelo menos o patrão estava de
volta e as responsabilidades não caiam apenas nos meus ombros. Sendo
assim decidi seguir o conselho de Reed e ao final do expediente segui para
casa, onde tomei um bom banho e vesti uma roupa mais apresentável. Não
que fosse largar meus jeans, botas e chapéu, parece que são parte de mim.
Mas coloquei umas roupinhas mais novas, uma camisa bonita e até passei
perfume. Pretendia ir até o bar e tirar um pouco do estresse em meus
ombros.
— Vai para o bar, Rob? — Encontrei o patrão saindo com o xerife.
Ambos bem vestidos para uma noite na cidade.
— Sim, estou precisando me divertir um pouco.
— Quer uma carona? — o xerife perguntou, mas foi rapidamente
puxado por Reed, que sussurrou alguma coisa para ele. Tristan ergueu os
olhos em minha direção e riu. — Se divirta, Rob.
Grato por não ter que ficar de vela, segui até a minha caminhonete
parada junto aos demais carros da fazenda. Gosto de deixá-la no
estacionamento de cascalho perto da casa do patrão, é onde todos os carros
da fazenda costumam ficar. Incluindo o carro de Reed e o do xerife. Eles
seguem mais à frente e eu vou sem pressa, a noite ainda estava começando.
Como o final da semana estava próximo, a cidade já estava mais
movimentada. Os jovens até tarde na rua e os peões das fazendas saindo para
se divertir. Acabei tendo que estacionar umas duas ruas antes do bar de Juno,
e fui andando o resto do caminho.
— Cowboy! — Fui reconhecido pela proprietária assim que entrei, o
lugar estava lotado. O policial Dexter, como de costume, já estava em seu
habitual lugar em um dos bancos do bar.
— Juno, tudo bem por aqui? — Me encostei no bar, acenando para
Dexter.
— Tudo ótimo, se o negócio continuar tão bem, vou ter que expandir —
respondeu com um enorme sorriso no rosto. O que me fez sorrir também,
junto do policial ao meu lado.
— Não quero atrapalhar a empresária, me dê o de sempre, sim?
Não demora para que eu tenha uma cerveja em mãos e esteja andando
pelo espaço do bar. Me sentia muito cansado para passar a noite com
alguém, talvez uma boa conversa, um flertezinho, uns amassos e depois eu
iria procurar o caminho de casa.
Vi Reed e Tristan no bar, eles chegaram um pouco depois de mim,
devem ter estacionado longe ou parado para se pegar. Não fui até eles, pois
não queria atrapalhar. Os dois estavam se divertindo pelo que eu podia ver.
Até mesmo dançaram juntos, o que arrancou muitos olhares interessados.
Fazer o quê? Meu patrão e seu homem são bonitos e sexys demais quando
estão juntos.
Era quase meia noite quando me despedi de um ruivo bonitinho que
tinha encontrado no bar, caminhei até o balcão e deixei a terceira cerveja da
noite. Ela estava intacta, mas quente. Paguei pelas bebidas e me despedi
antes de deixar o local. Dexter, Reed e o xerife ainda ficaram para trás.
— A noite está bonita — sussurrei para o nada, olhando para cima. O
céu estava escuro demais para que as estrelas pudessem ser vistas, mesmo
assim tinha algo de sedutor no ambiente. — Ainda bem que não estou
bêbado.
Continuei resmungando ao me distanciar da rua do bar e caminhar pela
noite escura. Meu carro tinha ficado longe. Eu estava ainda mais cansado, se
isso fosse possível. Até alguns bocejos deixaram minha boca a medida em
que me aproximava da caminhonete estacionada ao lado de alguns outros
carros. Estava tudo muito silencioso com as lojas em volta de portas
fechadas.
Devo dizer que levei um susto ao passar por uma das caminhonetes
grandes que estava estacionada na mesma rua que minha própria
caminhonete. O carro de cor prata estava parado com os faróis desligados, e
quando passei por ele teve um chacoalhar barulhento seguido pelo som de
coisas batendo do lado de dentro. Eu teria revirado os olhos e seguido em
frente, imaginando o que estaria acontecendo dentro do veículo, contudo um
grito abafado fez com que todo o meu corpo entrasse em um alerta frio, que
gelou até os ossos.
— Socorro!
Era uma voz de mulher, pedindo socorro. Foi tudo que meu cérebro
assimilou antes que eu estivesse contornando o carro até a porta do
motorista. Esta se encontrava travada, então não pensei duas vezes, me
afastei o suficiente para chutar o vidro da janela. Foram necessários dois
poderosos chutes antes que o vidro se espatifasse. Minha sorte foi que graças
as botas não me feri muito quebrando o vidro.
— Ah! — Uma confusão barulhenta se iniciou quando tive acesso ao
lado de dentro do carro. A primeira coisa que vi foi a garota gritando, com
um rapaz bem maior do que ela, por cima de seu pequeno corpo. A menina
deitada no banco, os botões de sua blusa arrebentados enquanto o animal
tentava se forçar em cima dela.
Não foi preciso mais do que essa visão para me colocar em completo
estado de fúria. Arranquei o sujeito do carro antes mesmo que ele pudesse
entender o que estava acontecendo. Ele gritou, tentando afastar minhas mãos
da gola de sua camisa, o que foi inútil. Acertei uma série de socos em sua
cara, ignorando o sangue em minhas mãos e roupas.
Eu queria parti-lo ao meio, cego de ódio. Meu corpo agia por vontade
própria. Só conseguia escutar o som dos meus socos, seus gritos que se
tornaram resmungos e os gritos da garota, assustada, que pedia por ajuda.
Em minha mente apenas uma coisa era clara o suficiente, homens como esse
merecem o pior. E eu lhe daria isso com minhas própria mãos.
Não sei quanto tempo levou, ou quem foi que me arrancou de cima da
maça sangrenta que tinha se transformado o outro cara. Foram vários pares
de mãos que fizeram essa proeza. Eu ainda não estava satisfeito, queria
continuar batendo até não sobrar nada. Mas fui contido, minhas mãos foram
algemadas e a coisa mais clara que eu vi depois disso foi o rosto assustado
de Reed quando ele gritou meu nome, enquanto apertava o meu ombro.
— Tristan! — Reed estava irritado, eu sabia disso pelo seu tom de voz.
— Eu tenho que levá-lo para a delegacia, Reed! — Tinha sido o xerife
quem me algemou? — Não vê que Rob está fora de si?
— Vou ligar para o meu advogado.
Talvez tenha sido as vozes conhecidas, não sei, o que posso dizer é que
o espírito de luta foi abandonando o meu corpo aos poucos e não resisti
mais. Deixei que o xerife me conduzisse até seu carro, Dexter estava lá, me
olhando com pesar e confusão. Algumas outras pessoas estavam em volta
também, eu não parei para ver quem eram, nem mesmo me importei com os
comentários sobre uma ambulância ter sido chamada.
A última coisa que meus olhos viram antes de ser colocado dentro da
viatura foi Reed se aproximando de uma garota ruiva e trêmula, ela chorava
sem parar, agarrada ao que sobrou de sua blusa. Na mesma hora reconheci a
menina e soube o porquê de Reed estar ainda mais nervoso com a situação.
Eu tinha acabado de impedir que Anelise Foster fosse estuprada.
CAPÍTULO 6

Tenho que agradecer a Tristan assim que tiver a chance, pois apesar de
toda a situação complicada em que eu me encontrava, o xerife não me
trancafiou em uma cela, ele me deixou em sua própria sala. E ao perceber
que eu tinha me acalmado, ele permitiu que Dexter tirasse as algemas e
apenas ficasse de olho em mim.
— Que confusão você foi arrumar, homem! — resmungou Dexter,
ainda com os olhos ampliados e cheios de alarme. Eu teria rido caso não
estivesse tão irritado com toda a situação. — Tem sorte que o xerife é um
bom homem, ou você estaria mofando em uma cela a essa hora.
— Sei de tudo isso! — murmuro, não estava pra papo.
— Pode até ficar emburrado comigo, mas vai ter que falar com o xerife
Tristan quando ele terminar a ligação. — Apontou para o canto da sala onde
Tristan falava ao telefone com Reed, meu patrão tinha ido ao hospital
acompanhando sua sobrinha.
Permaneci em silêncio e Dexter desistiu de tentar arrancar alguma
informação de mim. Não demorou muito para que Tristan encerrasse a
ligação e voltasse até mim.
— O que aconteceu, Rob?
— Reed não disse nada?
O xerife parecia frustrado quando passou a mão pelo rosto.
— O rapaz que você espancou, Callum, e Anelise estavam se vendo. Os
Foster já sabem da situação e foram chamados ao hospital, Anelise está
passando por um exame de corpo de delito. Quanto a Callum, ainda está
sendo atendido e seu estado não é muito bom.
Callum, bem que eu pensei ter reconhecido o rapaz. Callum Dunham, o
filho mais novo de Arnold Dunham um dos fazendeiros conservadores da
cidade. O rapaz deve ter seus 25 anos, bem mais velho do que a menina dos
Foster. Além de ser um completo babaca, aprontava todas junto do filho do
antigo xerife, um grupinho de idiotas.
— Agora quero ouvir o seu lado da história, preciso do seu depoimento
antes que essa delegacia se transforme em um verdadeiro inferno. — Não
discuti, sabendo agora quem é o sujeito em quem bati e quem é seu pai
idiota, sei muito bem que a confusão apenas começou.
Esperei até que o escrivão viesse a sala do xerife e dei um relato preciso
de tudo que aconteceu, não tentei medir minhas palavras ou esconder o que
fiz. Não sentia vergonha de nada e faria novamente se fosse preciso. Não que
o xerife tenha ficado feliz com essas declarações, ele é um homem da lei,
alguém que presa as regras e quer tudo certinho, infelizmente, não vivemos
seguindo as mesmas regras de conduta.
— Aquele nojento! — Dexter se exaltou ao final do depoimento.
— Calma, não preciso de você exaltado também!
Tristan até tentou, mas Dexter ainda estava emburrado. Preferi não
colocar mais lenha na fogueira, apreciava o apoio do jovem policial, mas
dispensava o resto. Ele tem que fazer valer o seu trabalho, eu não preciso
agradar a ninguém.
— Quanto a você, Rob. Entendo o que fez e porque fez, você salvou
aquela garota e tenho certeza que os advogados de Reed vão usar isso a seu
favor. Mas não tenho como fechar os olhos para a situação como um todo,
você agrediu aquele rapaz, ele está no hospital e o pai dele não vai poupar
esforços para acabar com você. Tenha certeza que uma acusação de agressão
te aguarda.
Assenti, bem ciente disso. Sei muito bem como as coisas funcionam,
ainda mais se tratando de Cross Ville.
O discurso do xerife é interrompido por uma confusão que começou do
lado de fora da sua sala, na recepção da delegacia. Uma troca de olhares com
os demais homens presentes na sala e sei que o show está para começar.
Aposto que Arnold Dunham acabou de chegar.
— Fique aqui! — disse Tristan, apontando um dedo em minha direção.
Ele seguiu para fora da sala, deixando Dexter comigo.
— Esse criminoso, exijo que ele seja acusado de assassinato!
— Seu filho está vivo, Arnold.
— Meu filho está no hospital em um estado deplorável. Os médicos
tiveram que sedá-lo. Isso é inadmissível, não é de hoje que essa cidade
perdeu o pulso firme quando se trata do xerife.
Aperto meus punhos diante das palavras do velho maldito. Pulso firme,
eu bem sei o pulso firme.
— Você vai manter a calma na minha delegacia, ou eu vou te colocar
em uma das celas para que esfrie a cabeça!
O tom duro de Tristan me fez sorrir e relaxar na cadeira.
— Eu? E quanto aquele criminoso que você deixou descansando em
sua sala? Eu vou falar com meus conhecidos, isso não vai ficar assim...
— Não vai mesmo, Arnold!
Dexter correu até a porta quando uma nova voz se juntou a confusão do
lado de fora da sala, mesmo contrariado, segui suas ações. Estava curioso
para saber o que se passava.
— Você não vê que isso tudo é um engano, Homero? Seja sensato, meu
amigo, você conhece o Callum... Meu garoto jamais faria nada contra a sua
neta.
— Está dizendo que a minha neta mentiu? Que os machucados e as
roupas rasgadas são uma invenção dela?
Eu estava encostado na porta da sala do xerife, Dexter um pouco mais a
minha frente, foi nessa hora que vi Homero Foster. O homem parecia uma
muralha diante de Arnold, seus olhos duros e frios, o maxilar travado, os
ombros tensos. Não lembrava de ter visto tamanho ódio em seus olhos, nem
mesmo quando entrou em discussões com Reed. Tinha que tirar o chapéu, ali
sim eu reconhecia a ferocidade de um Foster, tal como meu patrão.
— Homero, você sabe como as meninas são nessa idade...
Só não fiquei ainda mais possesso com as palavras de Arnold, porque
Homero o silenciou com um golpe certeiro no queixo. O velho maldito
cambaleou para trás e se segurou em um dos policias ao redor. Tristan foi
rápido em se colocar na frente e conter Homero, ou a confusão teria sido
bem pior.
— Seu filho é um sujeitinho medíocre e vai receber o que merece. Ele
vai aprender a nunca mais colocar um dedo em mulher nenhuma contra a sua
vontade, ainda mais uma menina menor de idade. Agora suma da minha
frente ou vai fazer companhia para aquele pedaço de lixo no hospital.
— Não vai fazer nada, xerife? — Se exaltou Arnold, recorrendo a sua
única opção, quando não tinha coragem de peitar Homero. — Ele acaba de
me agredir e ameaçar!
— E você acabou de minimizar uma tentativa de estupro, com falas
asquerosas e jogando a culpa na vítima. Devo colocar Homero em uma cela
e você na cela ao lado?
Tristan era um homem correto, mas ele estaria morto e enterrado antes
de se deixar dobrar por homens como Arnold Dunham. O sujeito ainda
estava descontente e não escondia sua raiva, agora também direcionada a
Homero, mas não continuou a confusão. Ele saiu de lado e resmungou sobre
garantir que eu não me safasse do que tinha feito ao seu filho.
De fato, preocupação era o último sentimento que carregava comigo
quando Dexter me instruiu a voltar para a sala do xerife e o esperar lá. Nessa
hora, Homero me olhou diretamente, ele não disse uma só palavra, nem
tentou vir em minha direção. Apenas me encarou com intensidade, fazendo
com que fosse eu o primeiro a desviar o olhar e me afastar.
As horas seguintes foram preenchidas por muita conversa e mais alguns
gritos do lado de fora da sala do xerife, principalmente quando um dos
advogados de Reed chegou para me representar. Meu patrão não deu as caras
na delegacia, mas eu bem sabia que ele estava dando as cartas por baixo dos
panos. Não só por minha causa, como também por sua sobrinha, a grande
vítima da história.
— Você pode ir, Rob. Sua fiança foi paga, não acredito que precise te
lembrar de não deixar a cidade enquanto as investigações procedem. Uma
queixa de agressão foi aberta contra você, preciso que entenda isso.
Acenei com a cabeça, já me erguendo e agarrando meu chapéu que
estava de lado até o momento. Eu sentia todo o meu corpo doído desde que
passei a noite em claro, sentado em uma cadeira desconfortável. Minhas
mãos estavam doloridas e tinha sangue seco nelas, assim como em minhas
roupas. Eu não tinha saído daquela sala nem mesmo para me limpar, só
queria ir para casa, e se possível, dormir um pouco.
— Sei como isso tudo funciona, xerife. Não é a primeira vez que sou
preso.
Tristan fez uma careta descontente, revirando os olhos e me mandando
sair. Não esperei que ele dissesse mais uma vez, segui para fora passando
por alguns policiais e pela desagradável senhora que trabalha na recepção.
Ela foi a única que me olhou com cara feia.
— Precisa de uma carona, Rob? — questionou Edgar Flatters, ele era
um homem quase da minha idade. Morava na cidade vizinha e era muito
bom no que fazia, junto de dois outros advogados, Jemie Laurence e Rachel
Delaney, formam o batalhão sempre a postos para defender os interesses
legais do meu patrão.
— Não sei onde meu carro está — resmungo, olhando em volta como
se minha caminhonete fosse aparecer magicamente diante dos meus olhos.
— Tenho certeza de que Reed cuidou disso — respondeu, dando um
tapinha em meu ombro. — Vamos, eu estou de carro e vou te deixar na
fazenda.
Estava pronto para aceitar sua oferta quando um grande carro de quadro
portas parou diante de mim. Eu bem sabia a quem pertencia aquele SUV
preto. Bastou que a janela do passageiro descesse e pude confirmar isso.
— Prefeito — cumprimentei sem muito interesse, o homem me ignorou
e abriu a porta.
— Entre, vou te dar uma carona.
Estranhei suas palavras, mas não deixei isso transparecer.
— Já tenho carona. — Aponto para Edgar, que caminhava mais à
frente, em direção ao estacionamento.
— Entre, Robert. Precisamos conversar.
Em circunstâncias normais eu estaria bem disposto a mandá-lo à merda.
Contudo, me vi fazendo exatamente o que o prefeito pediu. Homero não
disse uma única palavra depois disso até que estávamos fora da cidade, em
uma das diversas estradas de terra que cortam as grandes fazendas da região.
— Se o que tem para mim é um xingamento ou um agradecimento, eu
dispenso os dois.
Sou o primeiro a falar, ele aperta o volante, uma expressão irritada em
seu rosto.
— Não tome em ânimo leve o que você fez, rapaz.
Soltei um riso baixo pelo rapaz, já não sou um rapazinho há muito
tempo, por mais que Homero Foster tenha cabelos brancos.
— Não espero nada com isso, teria defendido a garota independente de
quem ela fosse. Independentemente de quem fosse a vítima — completei
quase em um sussurro. Jamais esperei qualquer agradecimento, eu não
queria um agradecimento.
— Pode não fazer diferença para você, mas faz para mim e a minha
família. Você salvou a minha neta de uma violência terrível, posso te garantir
que Arnold e Callum Dunham serão tratados como se deve e nenhuma
represália caíra sobre você. Em breve a acusação de agressão vai ser retirada.
Tomo um minuto de silêncio para absorver suas palavras, nesse meio
tempo o carro passa pelos portões da fazenda Miracle.
— Não pense que quero te dever um favor — falo.
— Do que está falando? Não espero nada de você depois disso. Se
ainda não percebeu, nesse momento sou eu quem estou em dívida com você,
e não podemos deixar assim, não é mesmo?
Com um arquear de sobrancelhas, Homero estende uma mão em minha
direção. Abro a porta do carro parado diante da casa de Reed, mas antes de
deixar o veículo faço algo que jamais me imaginei fazendo em minha vida,
aperto a mão de Homero Foster e aceito o que ele está oferecendo.
CAPÍTULO 7

Precisei respirar fundo algumas vezes antes de sair do carro e entrar


em minha casa, os acontecimentos da noite anterior ainda pareciam não
passar de um terrível pesadelo. Acordei no meio da noite com Matilda,
minha governanta, desesperada depois de um telefonema do xerife Hunter.
Levei algum tempo para entender o que a mulher dizia através de suas
lágrimas: Nana havia saído escondida de casa para se encontrar com um
rapaz mais velho do que ela, minha neta é menor de idade e conhece bem as
regras, nada de ficar fora de casa até tarde. Como se isso fosse pouco, o
xerife tinha ligado para avisar que Nana sofreu uma tentativa de estupro e
estava no hospital.
O mundo desabou ao meu redor, e ainda não voltou ao normal.
— Me diga que cuidou daquele desgraçado, pai! — Fui interceptado
por Ricco logo que entrei em casa. Depois de meses aquela era a primeira
vez que via meu filho mais velho tão corado e cheio de energia. Infelizmente
a situação não era das melhores.
— Franklin já está cuidando de tudo, filho. — Aperto seu ombro,
olhando bem dentro de seus olhos e tentando passar confiança.
Conheço Ricco e sei que ele pode ser impulsivo, se Nana não estivesse
tão fragilizada e precisando dele, duvido que Ricco tivesse ficado ao seu
lado enquanto eu tomava a frente da situação e cuidava de tudo. Agora as
coisas estão nas mãos do advogado da família, Franklin Santana é um amigo
de longa data e trabalha de forma impecável para defender nossos interesses.
E nesse momento meu maior interesse é afundar Arnold e Callum Dunham.
— Eu devia...
Aperto seu ombro com mais força, o interrompendo.
— Você deveria ficar ao lado da sua filha, não faça besteira. Deixe que
Franklin e eu cuidamos do resto!
Contrariado, ele concordou.
— Ela está péssima, pai.
Pura miséria era vista em seu rosto. Eu o entendia bem, Nana era o
amor de sua vida, sua maior força. Se não fosse por minha neta, não sei o
que Ricco teria feito depois da morte da esposa e o acidente.
— Joana está com ela agora tentando fazê-la dormir um pouco.
Quando chegamos do hospital, Nana tomou um banho, mas se recusou a
comer. Ainda está muito assustada e não quer ficar sozinha, Joana tem
contato com uma psicóloga que trabalha na escola, ela acha que vai ser bom
para a minha filha.
— Também acho, Nana passou por uma situação traumática e vai
precisar de todo o nosso apoio. Por isso fique ao lado dela, filho. Deixe que
do resto cuido eu.
Ricco suspira, passa as mãos pelos cabelos, busca se acalmar.
— Ele machucou a minha garotinha!
— E não vai voltar a fazer isso com mais ninguém! — A seriedade em
minha voz parece ser o suficiente para convencê-lo. Até porque, eu não
pouparia esforços para acabar com os Dunham.
Essa deve ser a primeira vez que eu compreendo totalmente o porquê de
Reed buscar outros caminhos para alcançar justiça ou vingança. Tem horas
que seguir pelos caminhos ditos certos não é o suficiente. Quão irônico pode
ser isso? O julguei tanto por essas atitudes e estou prestes a fazer o mesmo.
— Vá descansar, meu filho. Eu passarei no quarto da Nana para dar um
beijo nela e também vou tentar dormir um pouco. Por hora, confio que
Franklin vai fazer tudo que é necessário para que Callum Dunham saia do
hospital diretamente para a cadeia.
Subimos juntos para o andar dos quartos, Ricco muito calado e
pensativo, entrou em seu quarto sem mais uma só palavra. Quanto a mim,
caminhei até o meu quarto, parando no caminho para deixar um beijo em
Nana.
— Homero.
Fui recebido por Joana, a namorada de Ricco, a mulher estava sentada
em uma cadeira ao lado da cama e tinha um livro em mãos. Ela velava o
sono da minha neta, Nana estava inquieta e tinha uma expressão sofrida
mesmo em seu sono, isso apertou meu peito e me deixou com ainda mais
raiva.
— Só vim dar um beijo nela — comento, me aproximando da cama e
deixando um beijo demorado na testa de Nana.
— Ela está cansada e assustada, demorou a dormir. Foi preciso que
Matilda preparasse um chá calmante.
Era visível a preocupação e o carinho de Joana por minha neta. Anelise
e Ricco tinham tido muita sorte ao conhecer aquela mulher, ela era boa e
gentil, os amava de verdade.
— Obrigado por cuidar dela, Joana.
— Não precisa me agradecer por isso.
Joana volta para o seu lugar na cadeira ao lado da cama, em silêncio
deixo o quarto. Estava me sentindo exausto, e o pior, tinha um sentimento de
impotência que me deixava louco. Tudo que eu poderia fazer no momento
ainda parecia tão pouco.

— O que quer dizer com isso, Franklin?


O advogado estava sentado na cadeira em frente à minha mesa de
escritório. Estávamos em minha casa, era final de tarde e Franklin tinha
vindo pessoalmente me deixar a par dos últimos acontecimentos e o
andamento do caso envolvendo Nana e Callum.
— Como disse, consegui que todas as acusações contra Robert Durango
fossem retiradas, mas devo dizer que precisei fazer pouca coisa para que isso
acontecesse. Acredito que alguém chegou antes de mim e deu uma prensa
em Arnold. O homem não mostrou resistência quando falei com ele. Além
disso, Callum assumiu a autoria do crime, já deu um depoimento
confessando a tentativa de estupro e se encontra algemado no hospital com
um policial na porta do seu quarto. Até onde sei, Arnold não se moveu com
relação a isso, não sei ao certo o que aconteceu com os dois, mas parecem
assustados o suficiente para não tentarem se defender.
Me levanto da minha própria cadeira e caminho pelo escritório,
pensativo.
— Prensa, você diz — comento.
— Não consegui arrancar muita coisa do xerife, você sabe como ele é
inflexível em seu trabalho. Mas ouvi uns boatos na delegacia, parece que
algumas garotas da região aparecem querendo prestar queixa de estupro
contra Callum. O xerife está tratando isso com o máximo de descrição para
preservar as vítimas, o que posso dizer é que as coisas estão feias para o lado
dos Dunham.
No fundo da minha mente uma série de pensamentos rondavam.
Primeiro, não conseguia pensar em ninguém que tivesse um interesse maior
nessa história, e com poder suficiente para se mover tão rápido contra os
Dunham, que não fosse Reed. Além disso, uma certa conversa com Robert
Durango vinha à tona me lembrando do que ele tinha dito: Reed se mantém
por perto porque se importa com a família Foster. Depois de tudo que
aconteceu pensei que Robert estava falando merda, mas agora penso que o
homem pode ter razão.
Se foi mesmo Reed que cuidou dos Dunham, ele não fez isso apenas
por causa do seu capataz, mas também por Nana, sua sobrinha.
— O que você quer que eu faça agora, Homero? — questiona Franklin,
chamando minha atenção.
— Continue no caso, garanta que as novas provas e acusações sejam a
pá de terra que faltava para enterrar Callum Dunham. Também ofereça ajuda
e apoio para as demais vítimas.
— Posso fazer isso — diz, juntando sua pasta de trabalho e ficando de
pé. — Te manterei informado de tudo.
Assinto e vejo o homem se retirando, só então sento novamente em
minha cadeira e me perco em pensamentos envolvendo meus dois filhos e os
últimos acontecimentos. Não faço ideia de quanto tempo isso leva, tudo que
sei é que sou interrompido por Joana e Matilda, as duas mulheres invadem
meu escritório como se cães do inferno estivessem atrás delas.
— Ricco recebeu uma ligação de um amigo dele, o cara contou que
Callum abusou de outras moças da região, e Ricco ficou fora de si! — As
mãos de Joana tremiam enquanto ela falava. Matilda tomou a frente, e
desesperada concluiu:
— Ricco pegou um dos rifles do armário de armas e saiu furioso, ele
disse que vai resolver as coisas!
Eu estava correndo para fora do escritório antes mesmo que Matilda
concluísse suas palavras. Xingamentos deixando meus lábios ao mesmo
tempo em que puro desespero tomava conta de mim, temia mais uma
tragédia que devastaria o que sobrou da minha família.
— Ligue para o xerife, Matilda. Avise que Ricco pode aparecer no
hospital a qualquer momento.
Foi o que consegui gritar antes de entrar em meu carro e sair da fazenda
Foster a toda velocidade. Esperava não ser tarde demais, precisava chegar
até Ricco antes que ele se matasse ou acabasse matando alguém. Dirigi o
mais rápido que pude pelas estradas de terra, derrapando a cada nova curva,
os mais devastadores cenários passando pela minha cabeça. Seria tarde
demais? Ele estava muito a minha frente?
Tão nervoso precisei pisar forte no freio quando me deparei com uma
cena que não compreendi a um primeiro momento. Tinha uma caminhonete
preta atravessada no meio da estrada, impedindo a passagem do carro que eu
sabia pertencer a Ricco. Inicialmente pensei se tratar de um acidente, mas
quando a poeira baixou e desci do carro entendi o que estava acontecendo.
Ricco gritava a plenos pulmões exigindo que sua passagem fosse liberada,
do outro lado havia dois homens irredutíveis e de braços cruzados: Reed e
Robert.
Jamais pensei que ficaria tão feliz em ver aqueles dois, ainda mais
discutindo com Ricco.
— Isso não é problema seu, Reed maldito! Saí da minha frente agora
mesmo! — Felizmente o rifle nas mãos de Ricco estava apontado para o
chão e não em direção ao rosto do irmão.
— Volte para sua casa agora mesmo, estúpido! — rebateu Reed com
um olhar inflamado, isso dizia muita coisa, é difícil tirar meu filho mais
novo do sério. Pelo menos ao ponto de que ele deixe isso transparecer em
seu rosto.
— É da minha filha que estamos falando, Reed. Não se meta nisso!
— Sua filha está em casa. Você não vai encontrá-la no hospital para
onde estava indo, nem na cadeia para onde vai ser mandado caso mate
aquele lixo humano.
Chego ao lado de Ricco nesse exato momento, conseguindo voltar a
respirar após tirar o rifle de suas mãos.
— Quem é você para falar isso para mim? Vai dizer que se preocupa
comigo, agora?
A mandíbula de Reed trava, ele engole em seco e olha intensamente
para o irmão.
— Me diga você, Ricco. Acha que eu me importo o suficiente para ter
passado a noite inteira em claro garantindo que Arnold e Callum Dunham
afundem sem chance de voltar a superfície? Ou talvez eu me importe o
suficiente para perder meu tempo tentando impedir que um idiota impulsivo
como você volte a fazer merda! Enfie esse orgulho no rabo e volte para casa
onde sua filha precisa de você, o resto, seu irmão renegado cuida.
Tais palavras e a raiva contidas nelas foi suficiente para ter Ricco dando
um passo para trás. De certa forma, eu também estava tocado e chocado com
elas. Até onde eu conhecia meu filho mais novo?
— Vamos para casa, Ricco! — Seguro seu braço, puxando-o em
direção ao meu carro, depois pediria para algum peão vir buscar o carro de
Ricco. — Você já mostrou seu ponto e sabe que está errado.
Ricco parece voltar a si nesse momento e puxa seu braço do meu
aperto. Tenho que ser rápido para o segurar quando ele tomba para o lado.
— Eu não sou um fraco, posso defender a minha filha! — grita
diretamente para Reed.
— Nesse momento, fraco é exatamente o que você demonstra ser —
responde, sem ao menos se abalar. — Quer mostrar força? Faça isso sem
gritar feito um garotinho mimado, faça isso destruindo seu inimigos, e não
destruindo unicamente a você mesmo e sua família. Ao invés de ficar
irritado por ser eu a defender sua filha, fique irritado por ser eu a limpar suas
merdas!
Reed não esperou por uma resposta antes de entrar em seu carro, sendo
seguido pelo capataz, os dois saíram logo em seguida.
— Foi o suficiente? — questiono diante do silêncio de Ricco, que ainda
estava atordoado pelas palavras de Reed.
— Ele não tinha o direito...
Empurro Ricco sem muito cuidado em direção ao lado do passageiro do
meu carro.
— Pelo que eu sei, estou muito agradecido por tudo que Reed fez no
dia de hoje. Você admitindo ou não, seu irmão lutou por Anelise e ainda
salvou o seu rabo de passar o resto da sua vida na cadeia. Quer chorar e
espernear? Muito bem, mas faça isso em casa e longe dos meus rifles.
Bato com força a porta do carro e dou a volta até assumir o banco do
motorista.
— Todos pensam que sou um fraco — ele resmunga.
— Suas limitações físicas não te tornam fraco, meu filho. Mas as
idiotices imprudentes que você faz, isso sim te torna um completo idiota.
Quer mostrar que seu irmão e eu estamos errados? Então mude de atitude, vá
ficar ao lado da sua filha quando ela mais precisa de você e pense antes de
agir como fez hoje.
Pude ver em sua expressão o quanto ele estava descontente, no entanto,
se manteve em silêncio e quando comecei a dirigir de volta a fazenda Foster,
Ricco passou a ficar pensativo. Mesmo não querendo ou não estando pronto
para admitir, talvez as palavras de Reed tenham o afetado de alguma forma,
levando meu filho mais velho a repensar suas atitudes.
Sei que elas tiveram esse efeito em mim, basta agora que eu decida o
que fazer a seguir.

Não era raro ver peões da fazenda Miracle juntando o gado ao final
tarde, sempre que voltava para casa mais cedo via a cena de longe. Algumas
vezes chegava a reconhecer Robert Durango, gritando com a boiada,
enquanto permanecia imponente em cima de seu belo cavalo de pelagem
negra. Até aquele momento não tinha parado para pensar no quanto reparava
nessas cenas.
Mas naquela tarde, alguns dias depois dos acontecimentos com Nana,
eu voltava mais cedo para casa quando ouvi o grito do capataz. Parei o carro
ao lado da cerca de madeira pintada de branco, e ao descer do veículo avistei
ao longe alguns peões tocando a boiada. Entre eles estava Robert, ele tinha
seu chapéu nas mãos e o balançava de um lado para o outro enquanto
gritava. O sol estava alaranjado no céu me fazendo lembrar de uma cena de
filme ou uma pintura.
— Robert! — gritei chamando sua atenção depois de um minuto
inteiro. Ele desviou sua atenção para mim, cobriu os olhos com a mão e
parece ter me reconhecido. Posso dizer que os dois minutos que ele levou
para dispensar os outros peões que seguiram com o gado, foi o tempo que
ele relutou antes de vir até mim.
Nem mesmo eu sabia ao certo o que pretendia chamando o homem, ele
devia se sentir da mesma forma. Robert parou rente a cerca, me encarando
de cima de seu cavalo, ele estava suado, com o rosto avermelhado e puxando
o ar pela boca. Tudo em sua figura mostrava poder, confiança e desagrado
por estar em minha presença.
— Senhor prefeito — me cumprimentou, antes de devolver o chapéu a
cabeça de cabelos castanhos e encaracolados.
— Podemos conversar, Robert?
Desconfiança saía em ondas de seu corpo, mas ele acenou que sim.
— Sobre o que seria?
As palavras deixaram minha boca antes que meu cérebro pudesse
pensar direito, até eu me surpreendi com o que estava dizendo:
— Reed, eu quero falar sobre o meu filho.
CAPÍTULO 8

Ao ouvir Homero Foster chamando o meu nome não pensei que ele
tivesse algo para me dizer que fosse do meu interesse, isso foi confirmado
pelo prefeito dizendo querer conversar sobre o meu patrão. Como se eu fosse
algum garotinho de recados, ou pior, como se fosse trair Reed e passar
informações para um adversário.
— Receio que não temos nada para conversar sobre, Reed — respondo
depois de alguns segundos, faço uma leva curvatura com a aba do meu
chapéu e já estou conduzindo Zorro para longe da cerca quando sua voz me
faz parar.
— Você está próximo do meu filho, é uma das pessoas mais próximas
dele atualmente. Além disso, parece saber muita coisa sobre ele... Você
mesmo falou com tanta confiança outro dia, por que não pode fazer isso
novamente?
Encaro o homem mais uma vez, tentando entender o que ele quer. Por
que agora? Foi o que Reed fez diante da situação com Anelise? Isso mudou
o coração do velho Foster de alguma forma?
— Não tenho que te dizer nada.
— E por Reed?
Solto um riso carregado de sarcasmo.
— Em que eu estaria ajudando o meu patrão ao falar dele para você?
Me parece que estaria fazendo exatamente o contrário.
E sejamos sinceros, eu gosto muito de estar entre os aliados de Reed.
Depois da situação com os Dunham, esse sentimento apenas se fortaleceu.
Reed é bom para quem está do lado dele, mas pode ser ainda pior com quem
está contra ele.
— Quero entender meu filho um pouco melhor. Você enche tanto a
boca para falar de mim e da nossa relação, então por que está tão relutante
em ajudar?
— Não preciso e não quero fazer nada por você, simples assim.
E sem qualquer peso na consciência dei as costas e galopei para longe.
Já tenho problemas demais para aceitar qualquer confraternização com o
inimigo.

Depois de mudar o gado de pasto, eu tinha dispensado os demais peões


que voltaram para suas casas e segui com Zorro até os estábulos. Levei meu
tempo escovando seu pelo, coloquei água fresca e comida em seu cocho, só
então deixei os estábulos.
— Minhas costas estão me matando — resmungo, estalando o corpo,
estava cansado. O dia foi longo, como sempre, eu só queria seguir para casa,
tomar um bom banho para me livrar do cheiro de vaca e então comer alguma
coisa. Estava morrendo de fome.
— Rob! — Sou parado no caminho, é Zac quem corre em minha
direção, o garoto já estava melhor do resfriado que pegou e tinha voltado
para o trabalho no dia anterior.
— O que foi? Estou cansado e só quero ir para casa!
— O patrão quer falar com você, disse para você tomar um banho e vir
jantar com a gente.
Ergo uma sobrancelha, pensando se essa era a minha última refeição.
Não que seja raro fazer alguma refeição na casa da fazenda, mas quando
Reed em pessoa me convida é porque temos que tratar de negócios. Como
não temos nada urgente no momento, até onde sei, temo que ele tenha
ouvido algo dos outros peões. Será que alguém soltou a língua e deixou
Reed ficar sabendo do meu encontro com Homero?
— O que ele quer?
Zac dá de ombros sem preocupação aparente.
— Não disse, apenas falou que você devia vir jantar.
— E como estava a cara dele nessa hora?
O garoto estranha a minha pergunta, mas logo tem um sorriso
espertinho em seus lábios.
— Você aprontou algo? Está com medo do patrão?
Dou um peteleco em sua cabeça, ele resmunga e se afasta.
— Nada que seja da sua conta, volte e avise que eu não demoro.
Com uma cara descontente, o magrelo começa a andar em direção a
casa da fazenda.
— Você é mau, Rob.
— E não se esqueça disso quando for fazer fofoca sobre mim! — grito,
apontando em sua direção. Zac mostra o dedo do meio e saí correndo antes
que eu possa o alcançar. — Pirralho!
Bem, se Zac, o fofoqueiro, não sabe de nada então eu não devo estar em
problemas. Sigo rapidamente para a minha casa, tomo um bom banho e
depois de limpo e cheiroso volto para a casa de Reed. Não queria perder o
delicioso jantar feito por Margarita justo quando minha barriga reclama de
fome.
Entro pela cozinha por ser mais próxima a sala de jantar, quando Reed
está em casa as refeições costumam ser todas lá, mesmo que a mesa da
cozinha seja enorme. Ao passar pela porta já posso ouvir o falatório, meu
patrão parecia estar de bom humor graças ao seu namorado. Abençoado seja
o xerife Hunter.
— Estou te dizendo, Xerife, eu não fiz nada com Arnold Dunham!
Contenho o sorriso ao entrar na sala de jantar e pegar essa fala de Reed.
Ele não tinha feito nada com Arnold Dunham a não ser garantir que seu
filho Callum não veja a luz do sol fora da cadeia por um bom tempo. Além
disso, meu patrão escavou a vida de Arnold e descobriu um vício em jogos
que tinha deixado o homem enterrado em dívidas e vivendo de aparências.
Agora, Reed Foster é seu único credor, alguém que o tem nas mãos para
fazer o que quiser, e Arnold sabe bem disso. Um passo fora da linha e o
homem vai estar conhecendo o verdadeiro inferno.
Nem tudo isso foi feito por meios legais, quanto a isso o xerife não
precisa ficar sabendo.
— Cowboy, eu não estou vivendo sob o mesmo teto que você por ser
um idiota facilmente manipulável. O fato de que prefiro não saber de certas
coisas é por não querer ter que te prender e jogar a chave fora.
— Continue sendo bonito e me amando — Reed responde, fazendo um
carinho no rosto do amante. — Do resto cuido eu.
Zac ri e Margarita o acompanha. Não me faço de modesto e vou logo
assumindo um lugar à mesa, a comida tinha um cheiro delicioso e minha
barriga já estava fazendo barulhos assustadores. Parece até que estou
passando fome a dias.
— O Zac me disse que você precisa falar comigo, patrão — falo, já
com um prato enorme de comida em minha frente.
— Sim, queria avisar que você vai a uma feira de gado em Cine City
amanhã, e vai ficar fora pelo resto da semana.
Cine City fica a duas cidades de Cross Ville, eu ouvi algo sobre a feira
de gado que iria acontecer por esses dias, mas com tudo que estava
acontecendo acabei não focando muito no assunto. Reed também não havia
se manifestado até esse momento.
— A fazenda precisa de um novo reprodutor, conto com você para
escolher o melhor touro.
— Você não vai, patrão? — Costumo ir em muitas feiras de gado,
sempre acompanhando Reed.
— Dessa vez não, estou cansado e a minha última viagem demorou
mais do que o planejado. Quero estar na cidade para qualquer eventual
problema, não é hora de me afastar. Você pode dar conta disso. Já tenho até
um touro em vista, comece por ele, vou te passar todas as informações.
Apenas acenei com a cabeça e voltei minha atenção para a comida. Os
demais presentes voltaram a uma conversa despreocupada. Em silêncio fiz
minha refeição, pensando que seria interessante viajar, me distanciar da
cidade por hora. Sinto que ainda preciso colocar minha cabeça de volta no
lugar, não que eu tenha assumido isso para alguém, mas o que aconteceu
com Anelise Foster me assombra até agora... Abriu velhas feridas.

— Feira de gado, pai?


Tinha me questionado Ricco quando o lembrei da viagem marcada
semana antes. Graças aos últimos acontecimentos eu quase me esqueci que
pretendia participar da feira de gado. Se quero ter alguma chance na
concorrência com a fazenda Miracle na produção de leite e derivados,
preciso investir nisso, começando pela compra de bons animais.
— A fazenda precisa de mais algumas cabeças de gado e de um bom
touro reprodutor. Fiquei de encontrar um amigo em Cine City, ele entende
bem do assunto e vai me atualizar sobre o mercado de compra e venda de
gado.
Minha falecida esposa tinha se dedicado a isso, tomando a frente do
funcionamento da fazenda Miracle, originalmente de sua família. Enquanto
isso eu me dediquei a produção e exportação de grãos na fazenda Foster.
Éramos uma boa dupla até sua morte, quando a fazenda Miracle passou para
as mãos de Reed.
— O senhor poderia mandar alguém no seu lugar, tem trabalhado
demais graças a gestão da prefeitura e o bom funcionamento da fazenda.
Ainda mais nas últimas semanas.
— Eu sei — respondo, realmente me sentia cansado e apreciaria
algumas férias —, mas convenhamos, se eu ficar na cidade vou me cansar
mais do que viajando por alguns dias. Noah vai ficar à frente das questões da
prefeitura e conto com você na fazenda Foster. De resto, realmente quero
conduzir essa compra, sua mãe sempre cuidava dessa parte, e sinto que
preciso me atualizar se quero que isso funcione. Ou Reed vai nos tirar do
mercado em dois tempos.
— Eu poderia ir no seu lugar.
Bastou um olhar para Ricco e notei a fadiga em seus olhos, além da
palidez em seu rosto. Meu filho estava adoentado de novo, o melhor para ele
era permanecer na fazenda. Para garantir que tudo corresse bem, eu tinha
falado com Parker, nosso capataz, e o homem ficaria atento para ajudar
Ricco em tudo que ele precisasse.
— Cuide da fazenda em minha ausência, é isso que eu preciso de você,
filho. — Foi minha sentença final, Ricco não discutiu mais depois disso. Na
manhã seguinte eu estava seguindo para Cine City, algo me dizia que a
viagem me faria muito bem.

Talvez fosse os novos ares, fazia tempo que eu não deixava Cross Ville.
Seja o que for, me sentia energético mesmo depois de uma viagem que durou
horas. Apenas fiz o check in no hotel que Noah havia reservado para mim,
deixei minha pequena mala e saí ao encontro de Carson Rybak. Ele era um
velho amigo da minha esposa e meu, além de ser o contato que me ajudaria a
fazer bons negócios durante a feira de gado.
Inicialmente marcamos de nos encontrar em um café próximo ao
espaço onde estava acontecendo a feira, e foi para lá que eu segui. Carson já
esperava por mim enquanto tomava um café tardio, o homem estava muito
ocupado com os preparativos para a feira. Ele mesmo tinha levado alguns de
seus animais para a venda.
— Homero! — Fui recebido por um forte abraço e tapinhas nas costas.
— Quanto tempo, Carson. Vejo que está ocupado — comento,
apontando para a papelada que dividia a mesa do café com a comida pedida
por ele. O homem riu e me convidou para sentar com ele.
— Os dias por aqui são agitados, mas não se preocupe eu já selecionei
alguns potenciais animais para você dar uma olhada. Se não me engano você
comentou que também queria um bom touro reprodutor, certo?
Aceno com a cabeça, ao mesmo tempo em que ergo uma mão
chamando o garçom para fazer um pedido de café e alguns pãezinhos. Era
quase meio dia eu ainda não havia tomado café da manhã.
— Minha fazenda ainda está dando os primeiros passos nesse ramo de
leite e derivados. Temos feito um bom progresso, principalmente no último
ano, mas nada que bata de frente com nossos principais concorrentes.
— Entendo, e por isso já separei um bom touro também. Praticamente a
melhor oferta que tem na feira atualmente, eu diria que você deve começar
por ele se quer ter alguma chance de o levar para casa.
— Hum, então é por ele que vou começar. Obrigado pela ajuda, Carson.
O homem da minha idade, com barba grisalha e cabeça careca, fez um
gesto com a mão como se dispensasse meu agradecimento. Pouco depois um
garçom veio até nossa mesa e pegou meu pedido. Pela próxima hora
comemos e conversamos sobre as vacas e o touro que Carson havia
encontrado para que eu desse uma olhada.
Empolgado com tudo que ouvi, nem mesmo esperei até que a noite
chegasse, pedi para que Carson me acompanhasse até o local da feira e me
apresentasse aos proprietários dos animais, começando pelo touro.
— O nome dele é Calamidade.
Ouvi ao ficar de frente para o cercado onde o animal gigantesco estava.
Ele demonstrava estar estressado em um lugar tão pequeno para seu enorme
corpo, por isso não me aproximei muito, mesmo de uma distância segura era
possível ver cada detalhe do majestoso animal. Fazia tempo que não via um
touro como aquele.
— Devo me preocupar com o nome? — questionei brincalhão. Os
rapazes que trabalham na área, cuidando e alimentando os animais, riram.
— Ele tem esse nome por causa de sua aparência e pelo fato de ser o
melhor reprodutor que meu patrão já possuiu.
— Então, o que acha, Carson?
Meu velho amigo se aproximou com uma expressão apreciativa.
— Te digo, você deve fazer uma oferta o quanto antes. Não existe um
animal melhor em toda a feira, me atrevo a dizer que ainda não vi um touro
melhor em todo o estado.
— Muito bem. — Vou em direção ao atual dono do touro, o homem era
mais velho do que eu, e tinha um grande sorriso no rosto. Sabia bem que eu
pagaria uma pequena fortuna pelo animal. — Dê seu preço, o touro é meu.
Estava decido, Calamidade iria comigo para Cross Ville!
Satisfeito era pouco, eu estava exultante. Depois de fechar negócio com
o dono de Calamidade, nem mesmo quis continuar olhando os demais
animais na feira. Me despedi de Carson e voltei para o hotel, queria
descansar pelo rosto da tarde e nos encontraríamos no começo da noite. Só
então eu daria continuidade a compra de gado.
Devo ter dormido por algumas horas porque quando acordei já era noite
e em meu celular haviam várias ligações perdidas de Carson. Tomei um
banho rápido e deixei o hotel em direção a feira. Nesse meio tempo tentei
retornar as ligações de Carson, mas quando ele veio atender eu já estava na
entrada do local.
— Por que insistiu tanto em me ligar? Combinamos de nos encontrar
aqui — falo, guardando o celular no bolso já que Carson estava parado
diante de mim com uma expressão de poucos amigos.
— Eu tentei te avisar, não sabia em qual hotel você está ficando.
— O que houve?
— Calamidade, foi isso que houve.
— Ele se feriu? Machucou alguém? Eu bem pensei que aquele espaço
era muito apertado para um animal daquele tamanho.
Começo a caminhar em direção ao recinto de Calamidade quando
Carson me segura pelo braço.
— Você o perdeu, Homero.
— Perdi? Como assim? Eu dei uma boa oferta no touro, até ofereci
mais do que o vendedor pediu. Nós estamos certos, e...
— E quando você saiu alguém apareceu e ofereceu o dobro do valor. Os
olhos gananciosos daquele maldito fazendeiro quase saltaram para fora de
sua cara. Ele não pensou duas vezes antes de aceitar. No final do dia,
Calamidade estava em um caminhão deixando a feira.
Xingo alto, tirando meu chapéu da cabeça e bagunçando os cabelos.
Não posso acreditar em uma coisa dessas, eu até mesmo transferi um sinal
em dinheiro para garantir a compra. Desgraçado sem palavra!
— Foi a fazenda Miracle quem comprou o touro.
Mesmo em meio a raiva consegui entender as palavras de Carson, se
possível, fiquei ainda mais puto com elas.
— Reed fez isso? Ele está na feira?
— Seu filho não, foi um homem que trabalha para ele, um tal de Rob...
— Durango. Robert Durango! — Meus dentes trincaram de raiva ao
lembrar do homem arrogante que sempre está jogando merda em minha
direção. Me tirando do sério, me enchendo de raiva. Desconheço sujeito
mais insuportável. — Onde ele está? Você sabe?
— Acho eu que no lado sul da feira, ele estava fechando outras compras
de gado.
Não esperei que Carson terminasse, tampouco esperei que ele me
acompanhasse. Como um furação raivoso segui em busca de Robert.
Perguntei para algumas pessoas no caminho e segui cada passo a caça do
desgraçado. Tal afronta não seria facilmente perdoada.
Levei pelo menos uma hora e meia para rastreá-lo. Maldito
escorregadio. E rapidamente entendi o porquê de ainda ter conseguido pegá-
lo no estacionamento.
— Robert! — gritei enfurecido, ele me encarou e de trás dele saiu um
figura magra e pequena. Demorei para perceber que era um homem.
Contorci o rosto em desagrado ao perceber que os dois homens estava
se esfregando em um lugar público onde todos poderiam ver. Nem mesmo o
carro de Robert os escondiam dos olhares alheios. O sujeito agiu com uma
naturalidade que me irritou ainda mais. Teve ainda a audácia de sussurrar
algo no ouvido do homem menor, que assentiu e saiu praticamente correndo.
Só então o capataz me encarou diretamente.
— Vocês planejaram isso? — soltei, ele franziu as sobrancelhas.
— Depende do que está falando.
Dei alguns passos em sua direção, nossos corpos praticamente se
encontrando. Robert não deu um passo para trás, eu também não cedi.
Jamais daria o braço a torcer por um sujeito como aquele.
— O touro era meu!
Ele teve a audácia de rir.
— Fiz uma oferta melhor.
— Jogou sujo, mas não que seja uma grande novidade vindo de alguém
como você. — Deixei transparecer todo o meu asco. — Um sujeitinho que
se arrasta por aí, acatando os mandos e desmandos dos outros...
Minhas palavras foram cortadas no meio da frase, ao mesmo tempo em
que meu corpo se chocou contra a lataria dura de um carro. Robert tinha um
olhar cheio de fúria quando se chocou contra mim, cada parte de seu corpo
forte prendendo o meu ao veículo. Foi impossível conter o som surpreso e o
resmungo de dor.
— Coiote, você parece um coiote. Sempre rondando, olhando de longe,
tão sujo quanto qualquer outro homem, mas nunca vai em busca do
realmente quer. Não me culpe por chegar por último, isso é culpa
unicamente da sua covardia.
— Seu!
Tento o afastar, mas sou vergonhosamente contido por suas mãos
calejadas, elas agarram meus pulsos e batem com eles na lateria do carro.
Como se fosse pouco, seu quadril bate para frente, se chocando contra o meu
e mostrando que nem mesmo nosso pequeno embate foi capaz de diminuir a
rigidez de seu pênis. Não vou negar, isso me assustou, em toda a minha vida
jamais toquei outro pau que não fosse o meu, ou sequer encostei em um
daquela forma. Meu desagrado deve ter sido muito evidente, pois ele sorriu
com escárnio e roçou de forma bruta seu pau no meu.
— Se quer mesmo entender o seu filho, talvez deva começar entender
quem ele é e como se sente... — Maldito, o desgraçado estava sentindo
muito prazer em me torturar daquela forma. Sua boca se aproximou do meu
ouvido, e mesmo com a minha luta, não fui capaz de fugir do seu aperto
quando Robert disse: — Como ele se sente quando tem um belo e gordo pau
enfiado no rabo!
— Já chega! — Consegui o empurrar para longe de mim, minha
respiração era profunda e apertada. Eu estava imerso em raiva e confusão.
Robert não disse mais nada, sequer olhou em minha direção quando deu
as costas e voltou para a feira. Quanto a mim, permaneci preso a lataria do
carro. Suas mãos não me mantinham mais cativo, era a fraqueza estranha em
minha pernas... e não que eu vá admitir em voz alta, mas também tinha o pau
lutando para ganhar vida em minhas calças.
CAPÍTULO 9

Sentia um gosto ruim na boca quando retornei para a feira, tinha pouco
a fazer, mais alguns acertos e as últimas vacas leiteiras estariam no caminhão
em direção a Miracle na manhã seguinte. Ainda assim, estava irritado como
poucas vezes antes estive. Aquele coiote teve a coragem de me chamar de
sujo.
Quantas vezes já ouvi isso? E quantas dessas vezes eu acreditei nas
palavras daquelas pessoas?
— Aí está você, cowboy! — A fala alegre vem acompanhada do corpo
esguio que se choca com a lateral do meu. O nome do homem era Justin, ele
não tinha mais do que 25 anos.
Justin tinha ficado impressionado com tantos chapeis e botas de
cowboy, praticamente estava orbitando em volta dos homens na feira. Isso
me divertiu e chamou a minha atenção, junto com o fato de o rapaz ser muito
bonito. Eu estava tendo um bom tempo com ele no estacionamento quando
Homero apareceu com suas merdas.
— Você se resolveu com seu amigo?
Apenas acenei com a cabeça, não queria falar sobre nada daquilo. Justin
deve ter percebido isso, pois não insistiu no assunto, ele logo mudou o rumo
da conversa.
— Que tal uma cerveja para fechar a noite?
Talvez tenha sido o fato de ainda estar abalado com o que aconteceu
pouco antes, seja o que for, acabei deixando escapar:
— Não bebo nada alcoólico. — O rapaz contorceu o rosto em
desagrado, mas rapidamente disfarçou sua expressão.
— Tudo bem, vou conseguir uns sucos pra gente!
Antes que eu pudesse o impedir, Justin saiu correndo por entre as
pessoas. Eu fiquei pensando que desejava ir embora, terminar minha noite
sozinho em meu quarto de hotel. Contudo, fui interceptado antes que
pudesse ter sucesso nessa missão.
— É de laranja, espero que goste.
Não fazia ideia de onde o rapaz tinha tirado as garrafas de suco,
também não perguntei. Tomei a garrafa que me era oferecida e bebi um
enorme gole, minha garganta estava seca nesse momento.
— Então, cowboy, em que hotel você está ficando?
Abri a boca sem realmente querer dar uma resposta, meu humor tinha
sido azedado. A última coisa que eu queria era uma companhia. Mas tinha
certeza de que o rapaz bonito conseguiria outro parceiro sem grande esforço.
— Tem um banheiro por aqui? — questionei ao invés de ir direto ao
ponto, pela sua expressão ele não tinha gostado do meu esquivar a sua
pergunta.
— Tem alguns perto do estacionamento.
Ótimo! Apenas o último lugar que eu queria estar no momento, mas se
quisesse voltar logo para o meu quarto de hotel, então aquele era o único
caminho possível.
— Preciso usar o banheiro.
— Eu vou com você! — Justin se agarrou ao meu braço me causando
irritação e desconforto. Ainda assim segui em direção aos banheiros, minha
bexiga realmente estava cheia e não faria mal parar no caminho para o meu
carro.
— Aqui nos separamos, eu posso mijar sozinho — falo, me desfazendo
do aperto do rapaz em meu braço. Ele fez uma careta descontente e se
encosta do lado de fora do banheiro químico. Reviro os olhos, pensando na
má sorte que tive essa noite e entro para me aliviar.
Enquanto abria o zíper da calça me senti um pouco aéreo, o gosto
amargo tinha desaparecido da minha boca graças ao suco doce, mas agora
sentia uma certa dormência na língua. Achei estranho, contudo, continuei
com meu serviço e foi só quando precisei fechar o zíper que percebi que
meus dedos também se encontrava um pouco dormentes. A sensação da
cabeça pesando, a mente obscurecida... Eu já tinha me sentido assim outras
vezes e só de pensar nisso sentia vontade de vomitar.
Passei tanto tempo anestesiado pelo álcool, que hoje só de pensar nisso
me sinto mal. Mas eu sobrevivi, passei por isso e faz anos que não coloco
uma só gota de álcool em meu corpo, então por que me sinto assim?
— Você está bem aí dentro? — A voz de Justin foi seguida por ele
tentando abrir a porta do banheiro.
O mundo ficou ainda mais turvo diante dos meus olhos, ao mesmo
tempo em que desespero tomou conta de mim. Me sentia preso e assustado
de uma forma que jurei nunca mais me sentir. O que estava acontecendo?
— Abra a porta, cowboy, eu posso te ajudar.
Minha visão estava tão comprometida que não sei ao certo se consegui
abrir a porta ou se caí por cima dela e ela se abriu. Tudo que lembro é de ter
despencado no chão duro, a dor no lado do meu corpo foi quase ignorada
pela forma como me sentia dormente.
— O que houve? — Podia jurar que não era Justin falando.
— Ele... — Não entendi a resposta. Não entendi mais nada que foi dito.
Quase não podia sentir, ouvir ou ver nada. Sentia minha boca se
movendo, mas não escutava som. Estava com medo, talvez estivesse
chorando, tinha algo quente em minhas bochechas.
“Putinha suja”
Não, por favor, não.
Eu não quero ficar aqui, eu venci isso.
— Calma agora, rapaz.
Eu me agarrei a mão que tocou meu ombro, ou pelo menos acredito que
me agarrei a ela. Tudo ficou tão escuro depois, eu estava com medo
novamente. O medo nunca tinha me abandonado. Por quê? Por que eu?
— Não me deixe... Estou com medo.
— Você vai ficar bem.
Até onde isso é real? De quem é essa voz que me acalma. Está tudo tão
escuro, tenho tanto medo, mas ela me acalma quase tanto quanto o toque
suave em meus cabelos. Não tem como ser real, eu nunca senti isso.
Ninguém tem esse tipo de toque reservado para mim. Ninguém se preocupa
tanto comigo.
Real ou não, eu me agarrei a isso. “Segurei” na voz que me acalmava e
deixei que minha mente relaxasse no toque suave em meus cabelos. Pode ser
tudo coisa da minha cabeça, mas conseguiu me salvar... Pela primeira vez
senti como se tivesse sido salvo ao invés de me arrastar na lama e me salvar
sozinho.
— Por favor...
— Rob! — Salto da cama com o susto, minha cabeça desorientada o
suficiente para que eu quase caia da cama. — Você está aí, Rob? Eu estou
quase ligando para a polícia!
Me arrasto pelo quarto até alcançar a porta, quando abro, uma figura se
apressa para entra sem ser convidado.
— Cara, eu pensei que você estivesse morto. Juro que esperava
encontrar o seu corpo em uma vala!
— Do que está falando? — questiono, uma mão bagunçando os meus
cabelos enquanto tento me situar. Estou em meu quarto, ainda com a calça
jeans, mas sem camisa e botas. O que houve?
— Você sumiu do nada ontem à noite, eu te liguei umas vinte vezes! —
respondeu, Casey, o peão que tinha vindo comigo para Cine City. — Te vi
conversando com um carinha, depois você sumiu e no final da noite, quando
eu pensei que você tinha se dado bem, eu vejo uma confusão acontecendo no
meio da feira. Aquele homem com quem você estava foi preso depois de
dopar um dos fazendeiros, o cara tinha um cúmplice e os dois estavam
aplicando golpes desde o começo da semana quando começaram a montar a
estrutura para a feira. Depenavam os caras, achei que você tinha sido uma
vítima deles.
As palavras de Casey demoraram para fazer sentido para mim.
Dopavam? Será que isso aconteceu comigo?
Me apresso a olhar minhas coisas, só para encontrar tudo no lugar.
Celular, chaves, dinheiro e cartões, nada havia sido levado. Então como?
Minha mente está confusa, lembro de Justin me dando um suco, depois tudo
é tão estranho e confuso. Alguém me trouxe para o meu quarto de hotel? Eu
tinha um cartão chave comigo, mas ele ainda está na mesa de cabeceira. Que
tipo de ladrão é esse que me dopa, me traz para o meu quarto de hotel e vai
embora sem levar nada?
— Você está bem, cara?
Ignoro a pergunta de Casey e ligo para a recepção. O hotel é pequeno,
duvido que sequer tenha câmeras de segurança que funcionem, no entanto,
alguém deve ter visto alguma coisa.
— Bom dia.
— Aqui é do quarto 202, Robert Durango. Gostaria de saber quem
entrou comigo no hotel ontem à noite? Vocês têm algum sistema de
vigilância?
— Sinto muito, senhor. Só temos uma câmera na recepção, mas ela está
em manutenção. E não vi o senhor chegar acompanhado. Tenha um bom dia.
Encarei o telefone com estranheza, não era preciso ser um gênio para
saber que a senhora na recepção estava mentindo. O porquê eu não sabia ao
certo.
— Isso é estranho, você não foi roubado. Não se lembra de nada? —
Obviamente Casey tinha ouvido minha conversa.
— Tudo muito vago, acho que alguém me trouxe para o hotel.
— Que estranho.
— Não foi mesmo você?
— Não!
— Hum...
Se eu acreditasse nessas coisas diria que tenho um anjo da guarda por
aí.

Retornamos para Cross Ville ainda naquele mesmo dia. Todas as


compras de gado foram exitosas, e Reed estava mais que feliz quando
chegamos a Miracle. Em especial, meu patrão estava satisfeito pela compra
de Calamidade. Não só pelo magnifico animal, mas também porque essa
compra foi arrancada das mãos de seu pai... Um pai que eu preferia nem
pensar no momento.
— Devemos fazer um churrasco no domingo. Meu xerife vai estar de
folga e podemos convidar os outros peões e suas famílias. Temos muito o
que comemorar!
Tinha dito Reed, muito satisfeito. Isso porque eu nem havia falado
sobre meu embate com seu pai. Coisa que era melhor ficar bem guardada
comigo. Ninguém precisa saber o que eu fiz com o coiote.
— Não sei porque o patrão insiste em colocar as vacas nesse pasto.
A fala de Paul me tira dos meus pensamentos e faz com que volte a
realidade do que estamos fazendo. Movendo as vacas de pasto como temos
feito ultimamente desde que elas quebraram a cerca e invadiram as
plantações de milho da família Foster. Seria muito mais simples as colocar
em outro pasto, contudo, Reed gosta de dar a última palavra.
Para ele é melhor mover as vacas para o pasto todas as manhãs e as tirar
ao final da tarde. É claro que todo o trabalho duro fica nas minhas costas e
dos outros peões. Até porque, ninguém é idiota o suficiente para discutir
com sua lógica.
— Falem menos e vamos logo, já está anoitecendo! — grito. Os peões
comigo se movem para fazer o que digo, com exceção de Casey que vem até
mim, montado em seu cavalo.
— Parece que tem alguém querendo falar com você — diz e aponta
para a figura distante, curvada contra a cerca de madeira. Primeiro pensei
que era Homero e me preparei para ignorar o homem, contudo, logo percebi
não ser ele.
— Continue com o trabalho, vou ver do que se trata. — Casey assente e
segue na frente, eu mudo de direção e vou até a garota.
Nana estava escorada na cerca de madeira, me olhando de longe sem
fazer qualquer gesto para que eu me aproximasse, tampouco me disse
alguma coisa. Não podia ser apenas uma coincidência, a garota queria falar
comigo. Desço do cavalo e amarro Zorro na cerca não muito longe de onde
Nana está.
— Até o meu pai diz que está muito agradecido pelo que você fez por
mim — comenta, olhando para longe, parece até que a paisagem do pasto é
muito interessante.
— Isso te obrigou a vir aqui hoje?
Ela nega.
— Eu sei que te devo muito, você veio ao meu socorro, me salvou.
— Tudo bem, aceito o seu agradecimento.
Vejo surpresa em seus olhos quando digo isso de forma tão simples, é
verdade que não aceitei os agradecimentos de seu avô. Mas sentia que a
menina precisava disso, essa faixada forte não me convence, vejo o tremor
em suas mãos. Então vou facilitar para ela, deixá-la saber que está tudo bem,
que foi salva e por isso deve agradecimentos a alguém.
— Meu pai e Joana estão me levando a uma psicóloga, ela é legal e tem
me ajudado. Diz que vou melhorar com o tempo.
— Isso é bom.
— Sim é.
Também me encosto na cerca, de costas para a madeira e olhando para
o horizonte alaranjado de um final de tarde. Anelise fica em silêncio por
vários minutos, mas não faço qualquer menção de ir embora, sei que ela
ainda não terminou.
— Tem uma coisa que ninguém está dizendo na minha casa, e a
psicóloga também não perguntou sobre isso. Eu fico com vergonha de dizer
a ela... Algumas amigas do colégio comentam quando eu estou por perto,
elas riem e dizem que eu fiz o maior drama.
Aperto os punhos com tanta força que quase rompo a pele com as
unhas. Por fora me mantenho controlado e deixo que Nana fale, depois a
questiono:
— Do que está falando? Suas amigas dizem que você fez drama depois
de ser atacada?
A garota encara a madeira pintada de branco, com um interesse muito
além do real.
— Eu estava saindo com ele, minhas amigas diziam que Callum era
super legal. Ele é mais velho, bonito e dizia que eu era linda. Eu aceitei sair
com ele algumas vezes, pulava a janela do meu quarto e descia pela árvore
ao lado da casa. Ele me esperava na estrada e saíamos juntos. No começo os
meus amigos estavam junto, mas naquele dia o Callum queria ficar sozinho
comigo...
Anelise torce as mãos cheia de nervosismo, engole em seco e desvia os
olhos dos meus quando percebe que eu a estou encarando.
— Eu disse que sim quando ele falou que queria transar, minhas amigas
já fazem essas coisas... Eu pensei que poderia fazer também. Foi minha
culpa, eu disse que faria, mas tive medo. Eu não consigo dizer isso ao meu
pai, meu avô, Joana ou a psicóloga... Eles vão saber que a culpa foi minha e
vão ficar com raiva.
Seguro sua mão, a surpreendendo. Ele puxa o ar e me encara nos olhos,
os seus estavam cheios de lágrimas não derramadas.
— Não foi culpa sua!
— Mas...
— Se afaste dessas pessoas que dizem o contrário, nenhum deles é
amigo seu. Você é uma menina que ainda vai cometer muitos erros e acertos
nessa vida, faz parte do que chamamos crescer. Apenas vá no seu tempo e
tente ouvir um pouco mais as pessoas que realmente te amam, mesmo que
nessa idade seja um pouco difícil entender essa coisa de horários, regras e
namoro.
Ela chora e eu enxugo as lágrimas com o máximo de delicadeza que
posso.
— Você precisa falar, leve o seu tempo, mas fale. Diga tudo a sua
psicóloga e eu sei que ela vai te ajudar a entender que a culpa não foi sua.
Pessoas como ele estão erradas, se aproveitam da inocência e confiança para
te induzirem a fazer coisas que você não quer. Um não é sempre um não,
independente do momento em que ele vem. Se Callum não respeitou isso,
assim como fez com outras moças da cidade, então é ele, e apenas ele que
está errado.
— Mas as outras garotas podem não ter saído com ele, eu disse que
faria...
— Eu sei, acredite, eu sei... — Preciso respirar fundo e olhar para o céu
parcialmente escuro antes de voltar a olhar para a menina chorosa. — Sei
que nesse momento as coisas estão confusas, pessoas como Callum tem um
poder terrível, elas fazem com que a gente pense que está errado, que viu
errado, que fez errado. Elas te fazem duvidar de si mesma, e o caminho para
você entender que não foi culpa sua, é difícil e doloroso. Mas é possível.
— Eu estou com medo — sussurra e seu corpo treme ao cair no choro,
pulo a cerca até estarmos do mesmo lado, então a abraço com força. Nana se
agarra a mim e seu choro fica mais intenso.
— Está tudo bem ter medo.
A seguro pelo tempo em que ela precisa para continuar chorando. Fazer
isso, de alguma forma, cicatrizou algo dentro de mim, talvez porque eu tenha
esperado esse abraço por muito tempo, contudo, ele nunca chegou para mim.
— Obrigada.
Abro a boca para responder quando um grito alto chama a nossa
atenção. Nana se afasta de mim e parece surpresa ao notar que já escureceu.
A pessoa que a chamava devia estar preocupada com seu sumiço.
— Vovô?
Poucos segundos depois o som de cascos de cavalo foi ouvido e do
meio das plantações de milho saiu Homero Foster. O homem estava aliviado
o suficiente por encontrar sua neta que nem percebeu minha presença em um
primeiro momento.
— O que está fazendo aqui a essa hora? Sabe o quanto me deixou
preocupado? Por sorte alguns peões te viram andando para esses lados.
— Desculpe, vovô, eu precisava agradecer ao Rob.
Como se só tivesse me visto nesse momento, Homero me encara com
espanto. Desvio os olhos por não querer que ele visse a emoção em meu
olhar.
— Precisava fazer isso assim e agora?
— Desculpe, vovô.
A menina aceitou a mão oferecida pelo avô e subiu em seu cavalo, mas
antes de irem embora, ela me olhou meio incerta e disse:
— Você não é tão ruim quanto eu pensava.
Apenas sorrio, Homero olha de um para o outro como se estivesse
vendo um fantasma. Eu queria provocar o homem depois de tudo que
aconteceu em Cine City, no entanto, preferi deixar para outro momento.
Talvez tenha feito isso por Anelise, vai saber.
— Ao ser dispor, senhorita — respondo, curvando a aba do meu
chapéu. Então, ao mesmo tempo em que Homero me direciona um último
olhar enigmático, eu monto em Zorro e ambos seguimos para lados opostos.
CAPÍTULO 10

Eu estava profundamente abalado depois de tudo que aconteceu em


Cine City, era impossível não estar. Do dia para a noite um grande conflito
se iniciou em minha cabeça, eu já não tinha mais idade para ficar fingindo
que não aconteceu, não senti, não vi e não ouvi nada. O que me restava
decidir era o que fazer a seguir.
— Prefeito! — Ergo a cabeça para ver Noah parado na porta da minha
sala, ele tem uma expressão frustrada e sei que o rapaz deve ter me chamado
por um bom tempo antes de se irritar e entrar na sala.
— Sim, Noah.
— Chegou um convite para o senhor.
Estranho, mas peço que ele me entregue e assim Noah faz. Ele deixa o
convite em minha mesa e se retira. Eu encaro o envelope simples, na cor
vermelho. Não tinha nada escrito com a exceção do meu próprio nome.
— Quem mandou isso? — resmungo, usando o abridor de cartas para
rasgar o envelope. Dentro encontro uma folha de papel, literalmente isso, era
até mesmo uma folha de caderno. Alguém decididamente estava zombando
de mim.
“O senhor e sua família estão cordialmente convidados para o
churrasco que vai acontecer no próximo domingo na fazenda Miracle, com
início às quatro da tarde.
Reed Foster.”

Só percebi que estava rindo um bom minuto depois.


— Aquele garoto! Muito bem, Reed, acho que você está resolvendo
vários dos meus problemas com esse convite impertinente.

— Posso saber novamente por que estamos indo? — a pergunta


rabugenta veio do banco de trás onde Ricco e Joana estavam. Nana tinha
escolhido o banco do passageiro ao meu lado.
— Você veio porque quis, ninguém te obrigou — respondo.
Era a verdade, quando eu falei do convite para o churrasco, Ricco
apenas revirou os olhos e não disse nada. Quando eu falei que iria, Nana
surpreendeu a todos dizendo que também queria ir. Depois disso foram
poucos segundos antes de Joana aceitar o convite, e Ricco, indignado, dizer
que iria também.
Foi assim, que de maneira inesperada, os Foster se encontraram indo
rumo a um churrasco na casa de Reed. Tenho certeza que nesse momento a
minha falecida Agnes está se divertindo muito no céu.
— Apenas se comporte.
— Está falando isso como se eu fosse um garotinho, pai!
— Você age como um às vezes.
Emburrado, meu filho mais velho ficou em silêncio pelo resto do
caminho. Não demorou muito e estávamos passando pelos portões da
Miracle, onde vários carros estavam parados na frente da casa, e da parte
lateral vinha o barulho de vozes e risadas, além do cheiro característico de
carne grelhada.
— É isso, estamos aqui.
Desço do carro em tempo de ver Reed contornando a lateral da casa, ele
foi rápido em esconder sua expressão de surpresa atrás de um sorriso
brincalhão. Mas eu, e desconfio que os demais Foster comigo, perceberam.
Obviamente, ele enviou o “convite” para nos provocar e jamais esperou que
nós aparecêssemos.
— Parece que mais convidados se juntaram ao churrasco em
comemoração as novas aquisições da minha fazenda.
Ignorei as suas provocações, e Ricco também, por mais difícil que fosse
acreditar nisso. Meu filho apenas revirou os olhos e passou pelo irmão, com
sua namorada ao seu lado, sem dizer uma única palavra. Reed não parecia
ofendido com isso, ainda devia estar em choque com a nossa presença.
— Trouxe um presente — eu disse, estendendo uma garrafa com um
bom vinho. Reed pegou e fingiu analisar o rótulo. Nesse momento, xerife
Hunter chegou até seu namorado, e de olhos arregalados tentou entender a
cena.
Pelo visto receberíamos muitos olhares espantados.
— Xerife.
— Prefeito.
— Agradeço pelo convite, meu filho. — Dou um tapinha em seu ombro
quando passo por ele, Nana caminhava ao meu lado.
Quando chegamos ao local do churrasco, muitos olhares nos
encaravam, choque era bastante evidente entre os convidados, em sua
maioria peões da fazenda e policias. Levou uns bons dez minutos, e uma fala
“espirituosa” de Reed, que parecia recuperado da nossa chegada, para que
todos voltassem a se divertir.
Durante todo esse tempo tentei ignorar, sem sucesso, os olhares
penetrantes de Robert Durango. O homem parecia me odiar profundamente,
e acredito que o que falei em Cine City não ajudou em nada.
— Posso estar vendo um fantasma, mas acredito que seja apenas
Homero Foster.
Sorrio diante da fala de Margarita, ela chega ao meu lado com um
sorriso conhecedor. Nessa hora observo de longe meus dois filhos em lados
completamente opostos. Reed rindo de algo que o xerife Tristan está
dizendo, ambos próximos a grande churrasqueira. Ricco não tem mais a cara
emburrada, ele está comendo ao lado de Joana, os dois conseguiram uma
mesa, e apesar do meu filho mais velho permanecer em silêncio, sua
namorada parece conversar com as esposas dos peões da fazenda Miracle.
Se eu mesmo não estivesse vendo a cena, não acreditaria. Seja lá o que
tenha acontecido nos últimos dois anos, de alguma forma criou uma espécie
de ponte entre nós. Ela não é tão firme, balança muito e às vezes dá medo
atravessar, mas está lá, basta que alguém tenha coragem o suficiente para dar
o primeiro passo.
— Pode acreditar, eu realmente estou aqui.
— E não apenas você — comentou, olhando para a mesma direção que
eu, depois desviou o olhar para onde estava Nana, conversando com algumas
garotas de sua idade. Ela estava sorridente como eu não via desde o ataque
de Callum. Era bom ver aquele sorriso no rosto da minha menina. — Ela
parece melhor.
— Está se recuperando aos poucos.
— Reed ficou arrasado com essa história toda, você deveria saber.
Eu sabia agora, e tinha certeza de que foi ele quem mexeu os pauzinhos
para garantir que os Dunham sofressem um castigo merecido. Como eu não
tinha percebido antes esse lado de Reed? Eu realmente não sei. Talvez
estivesse tentando loucamente me convencer de que estava certo, de que não
foi um erro meu tê-lo deixado sozinho tantos anos antes.
— Você parece pensativo, isso é bom — diz Margarita ao notar meu
olhar fixo e pensativo, agora direcionado a Reed. — Sabe, as aparências
enganam.
Eu sabia o que ela queria dizer, mas de alguma forma meus olhos se
desviaram para um certo peão solitário com uma garrafa intacta de cerveja
em mãos.
— É, eu sei disso agora.
Ignorando a realidade por trás das minhas palavras, minha velha amiga
me deu uns tapinhas em meu ombro e me conduziu até uma das mesas.
— Antes tarde do que nunca. Agora se junte a nós e aproveite o
churrasco, não é todos os dias que você tem a chance de se juntar aos seus
maiores adversários para comemorar uma vitória deles, que também é uma
derrota sua.
Surpreendendo-a, eu ri. Sim, tinha considerado uma vitória suja por
parte de Reed. Contudo, tinha pouca coisa que eu poderia fazer que não
fosse esperar o momento certo para dar o troco. É assim que as coisas
funcionam em Cross Ville. É assim que as coisas funcionam entre Reed
Foster e Homero Foster.

Estava anoitecendo quando escapei pelo lado da casa, deixando as


risadas e o cheiro de comida para trás. O clima estava feliz o suficiente para
que eu me permitisse uma escapada. Afinal, sabia bem onde ficavam os
estábulos e pastos. Um dia tudo aquilo tinha sido parte do meu território.
Calamidade estava mais tranquilo do que quando o conheci. O touro
ainda estava em processo de adaptação ao novo local, por isso tinha sido
preso no curral, por sorte esse espaço era bem maior do que o lugar onde ele
tinha sido mantido na feira. Calamidade podia se mover com mais liberdade
além de ter comida e água fresca. Ele também estava isolado dos demais
animais da fazenda e ficaria assim por algum tempo, já que demonstrava um
pouco de agressividade.
— Você é um rapaz impressionante — comento, me aproximando da
cerca de madeira. Calamidade ignora totalmente a minha presença e
permanece perto do cocho de ração.
— O que pretende aqui sozinho? — Tomo um susto com a chegada
inesperada de outra pessoa. Me afasto da cerca e relaxo ao perceber quem é.
— Só queria dar uma olhada no touro — respondo, Robert me olha com
uma clara desconfiança. Ele não parece acreditar nas minhas boas intenções.
— Nunca precisei recorrer a algo tão baixo como ferir um animal apenas
para prejudicar um concorrente.
Ele dá de ombros e se escora na cerca de madeira, seu olhar voltado
para Calamidade. Nessa hora eu tentei desviar os olhos da construção firme
de suas costas, bunda e pernas. Robert era tão alto quanto eu, com músculos
bem marcados nas roupas simples que vestia. Como eu nunca tinha prestado
atenção nisso? E por que estava notando agora?
Agnes e eu nos casamos tão jovens, ela foi a única pessoa com quem
estive por muitos anos, quase uma vida inteira. E durante todo o nosso
relacionamento jamais pensei em olhar para o lado, ela era linda, perfeita, o
amor da minha vida. Depois que minha esposa morreu, dormi com algumas
poucas mulheres sem qualquer compromisso. Foram poucas e com bastante
tempo entre uma e a outra, no meu interior eu sabia que não estava, e talvez
jamais estaria, pronto para sentir o que um dia senti por Agnes.
Mas depois de Cine City, e como meu corpo reagiu ao seu toque e
proximidade, me encontro confuso. Eu não sou gay, disso tenho certeza.
Achar pessoas bonitas independente de seu gênero, é comum. Todos sabem
disso, mas a questão é que sempre me senti atraído por mulher. As poucas
que levei para a cama eram mulheres.
Robert estava tão perdido em pensamentos quanto eu, apesar de duvidar
que seus pensamentos fossem sobre mim. Suspiro profundamente e desvio
meus olhos em direção a Calamidade, o touro não estava mais concentrado
no cocho de ração, ele vinha se aproximando da cerca de madeira com uma
intensidade que me fez temer o pior.
— Cuidado! — Agarro a cintura de Robert e o puxo para trás, ele
estava tão distraído que não percebeu a aproximação do touro. Até mesmo
resmungou de susto quando Calamidade acertou uma cabeçada em cheio
bem no local onde antes o peão estava curvado.
— Porra, Calamidade!
Soltei um riso aliviado, e afastei as mãos quando notei o
estremecimento do seu corpo. Eu tinha ficado muito perto.
— Não espere um agradecimento! — disse com agressividade, seu
olhar encarando o meu. O que tinha acontecido? Foi por que invadi seu
espaço?
— Não espero — respondo, ele resmunga e começa a caminhar para
longe. Dou um passo à frente e reúno coragem para dizer:
— Mas preciso me desculpar.
Robert me encarou por cima dos ombros, parecia que tinha nascido uma
segunda cabeça em meu pescoço. Sei que mereço isso, não é como se
tivéssemos tido qualquer amizade até aqui.
— Está zombando da minha cara?
Ignoro a raiva marcando todo o seu rosto.
— Eu nunca deveria ter dito o que disse em Cine City. Você não é uma
pessoa suja ou qualquer coisa assim, não tenho nada contra a sua
sexualidade e...
Ele ergue uma mão.
— Acha que eu preciso disso? Quer o quê? Meu perdão? Vá se foder!
— Pode aceitar, ou não. Mas eu precisava fazer isso, você tinha razão,
sobre a coisa de ser um coiote... Nos últimos tempos venho percebendo que
sou mais parecido com aquilo que tanto critiquei, do que estou pronto para
assumir.
Robert me analisa por alguns segundos, não sei o que ele viu em meu
rosto ou se acreditou nisso. Qualquer coisa que ele tivesse para dizer preferiu
guardar para si mesmo, e seguiu para longe me deixando a sós com um touro
bravo.
— O que eu estou fazendo?

Era tarde quando eu entrei em meu escritório para encontrar Anelise


usando o computador. Ela já deveria estar dormindo, e não digitando algum
trabalho da escola.
— O que está fazendo, querida?
— Meu notebook morreu, vovô. Preciso levá-lo para a assistência
amanhã, e esse trabalho tem que ser entregue logo na primeira aula.
— Então você deveria ter feito antes.
Nana me encarou como se eu não entendesse das coisas. E realmente
não entendo porque os jovens gostam de deixar tudo sempre para a última
hora. A chance de algo dar errado faz parte da vida, mas a chance de algo
dar errado e você não ter tempo para consertar é responsabilidade da sua
procrastinação.
— O senhor queria usar o computador?
Me aproximo da minha mesa, sentindo um constrangimento
vergonhoso tomar conta de mim. Era melhor deixar para outra hora, de
forma alguma eu estaria falando sobre aquilo com a minha netinha.
— Posso fazer em outro momento, termine seu trabalho.
— Certeza?
Assinto.
— Sim. — Sorrio e caminho para a porta do escritório, antes de deixar
a sala, Nana me chama.
— O senhor parece estressado, vovô. Sei que não sou a melhor pessoa
no momento, mas posso conversar.
Pela carinha insegura, eu não tive como negar. Sabia dos momentos
difíceis que minha menina estava passando e como ela era forte diante de
tudo isso. Eu sempre tive tanto medo de errar com Anelise também, e olha
onde chegamos? Se não fosse por Robert...
— Como você acha que uma pessoa sabe que é gay?
O arregalar de olhos que ela deu, me fez perceber que falei em voz alta.
— O senhor está falando do tio Reed?
Dessa vez fui eu quem ficou surpreso. Jamais tinha ouvido Nana se
referir a Reed dessa forma. Não sem raiva em suas palavras. Uma menina
tão nova não deveria ter um sentimento tão destrutivo dentro dela.
— Só estou curioso. Sabe, apesar do seu tio ter se assumido para Agnes
e eu quando ainda era muito jovem, eu nunca parei para saber mais. Deve ter
sido aí que comecei a falhar com ele.
Nana ficou em silêncio por algum tempo antes de responder:
— Algumas das minhas amigas... Das garotas da escola, são bem
preconceituosas. Eu costumava rir junto delas para não me sentir estranha,
tinha medo que pensassem que eu também era gay. Me sentia mal, sabe? As
pessoas podem ser tão horríveis umas com as outras. Acho que continuava
fazendo isso porque tinha medo de não ser aceita. Quando tudo aquilo
aconteceu com Callum, começaram a falar de mim também, o senhor
acredita que uma menina assumidamente lésbica da minha sala foi uma das
únicas que me defendeu? Ela é tão legal sem precisar ofender ninguém, é
engraçada e uma boa amiga.
Fui até ela e a abracei quando vi lágrimas escorrendo por seus olhos.
Nana sorriu com o meu gesto e continuou falando:
— O que aconteceu comigo foi horrível, mas me fez perder o medo de
certas coisas. Acho que ainda não sei muito, vovô, podemos aprender juntos
se o senhor quiser... Não sei se um dia vou poder perdoar o tio, mas quero
entender melhor as pessoas para nunca mais fazer alguém se sentir um lixo,
pois hoje eu sei exatamente o quanto dói.
— Sinto muito que tenha tido que passar por tudo isso. — Aperto seu
corpinho entre meus braços.
— Eu também.
— Você acha que pode me ensinar o que já sabe?
Ela sorri.
— Claro! O senhor sabia que não existe só gay e lésbica?
Puxo uma cadeira para me sentar ao seu lado, agora completamente
curioso.
— Sério? O que mais?
Eu sabia que não era gay, mas começava a pensar que também não era
hetero. Achei que isso não fosse possível, contudo, agora passo a entender
que talvez tenha sido a minha ignorância que me fez perder muita coisa,
começando para não entender a mim mesmo.
Quem diria, que nessa idade ainda tenho tanto a aprender.
CAPÍTULO 11

Era segunda-feira, eu estava de péssimo humor.


— Parece que vai chover — comenta Zac, segurando seu chapéu na
cabeça quando um vento forte passa por nós. O garoto tinha acabado de
terminar com os estábulos e todos os cavalos já estão seguros. Lúcifer odeia
tempestades como a que está se formando, ele fica agitado.
— Você já terminou por aqui, vá para casa antes que consiga mais uma
gripe.
— Não vai ficar para o jantar?
Olho para o céu escuro, algumas gotas de chuva já estavam caindo.
— Hoje não, vou só esperar os peões voltarem com as vacas que estão
no pasto da divisa com os Foster. Então vou para casa antes de pegar essa
chuva.
— Vê se não pega chuva também.
Com essas palavras o garoto saí correndo em direção a casa da fazenda.
O observo até que ele some de vista. Espero mais alguns minutos e avisto
Paul e Wilson se aproximando dos estábulos a cavalo. Os dois tinham ficado
responsáveis por trocarem as vacas de pasto enquanto os demais peões da
fazenda adiantavam o serviço por conta da tempestade que está por vir.
— Tudo certo? — pergunto quando os dois descem dos cavalos.
— Quase, uma das vacas se afastou do rebanho — disse Wilson. —
Tentamos ir atrás, mas as outras vacas começaram a se dispersar e
preferimos vir logo com elas.
— Droga! — resmungo seguindo para dentro dos estábulos onde eu já
tinha acomodado Zorro para a noite.
— Não acha melhor procurá-la depois que a tempestade passar? —
pergunta Paul trazendo o cavalo para dentro, onde começa a tirar a sela.
— Parece que vai chover muito, é possível que algumas barreiras
deslizem e a vaca acabe ferida ou morta. Vou me apressar para a achar antes
que as coisas fiquem pior.
— Quer que a gente vá com você? — questionou Wilson que ainda não
tinha tirado a sela do cavalo.
— Não é necessário, acabem aqui e vão para casa. A chuva vai cair
com força.
Como se fosse para comprovar as minhas palavras, um forte trovão
abalou a terra. Zorro ficou um pouco agitado com o barulho, nenhum dos
cavalos da fazenda gostava de tempestades. Fiz um carinho em sua crina e
falei baixinho em seu ouvido que tudo ficaria bem. Tentei colocar a sela o
mais rápido possível e depois saí a galope em direção ao campo, a essa
altura o céu já estava bem escuro e a chuva engrossava aos poucos.
— Precisamos ser rápidos, amigo — falei com Zorro, ele pareceu me
entender quando começou a ir mais rápido. Fizemos o caminho até o pasto
vizinho a propriedade Foster quase em tempo recorde. Zorro estava cansado
e ambos encharcados. — Onde ela está?
Olho em volta em busca da vaca, o pasto era grande e estava escuro por
causa da chuva.
— Vamos com calma, garoto, não queremos acabar em um barranco. A
terra está molhada e instável.
Felizmente não demorou muito para que eu visse onde estava a
abençoada vaca, encolhida embaixo de uma árvore nos limites da
propriedade.
— Muito bonito, querida. Vamos lá, hora de ir para casa! — A instiguei
a andar, por mais que ela estivesse arredia. — Não adianta se acovardar, suas
amigas estão todas em segurança agora, você quem resolveu fazer graça.
Tudo poderia ter corrido bem a parti daí senão fosse pelo enorme clarão
bem próximo de onde estávamos. Minha alma quase deixou o meu corpo
quando um raio atingiu a árvore onde pouco antes a vaca estava se
amparando da chuva. Esse forte clarão assustou Zorro, mas não o preparou
para o estrondoso trovão que veio pouco depois. O barulho foi tão alto que
me deixou desorientado o suficiente para soltar as rédeas do cavalo enquanto
ele se agitava e empinava para a frente. Seus cascos das patas de trás
deslizaram para trás no capim molhado e Zorro se “debateu” ainda mais.
Não tive a menor chance de me segurar em cima dele.
Caí com todo o peso do meu corpo no chão, o ar deixou meus pulmões
e fiquei tonto, teria sorte se não tivesse quebrado algum osso. Mas
considerando o fato de que os deuses pareciam me amar o suficiente para
que eu conseguisse rolar para longe antes de Zorro se desequilibrar
novamente e dessa vez cair de lado no chão, talvez eu conseguisse sair quase
ileso.
— Calma, garoto! Calma! — gritei, erguendo as mãos enquanto sentia
uma pontada no lado esquerdo do meu corpo. Um novo raio caindo não
muito longe foi o suficiente para dar forças a Zorro, que se levantou, e partiu
a galope me deixando sentado no capim, morrendo de dor e sem ter como
voltar para casa.
A vaca que eu tão heroicamente vim para salvar? Essa já ia longe. Se
não fosse atingida por um raio, é possível que sobrevivesse a tempestade.
— Porra!
Me esforcei para sair do chão, o lado do meu corpo doendo pra
caramba, no mínimo eu ficaria com um belo hematoma. E eu preocupado
com a vaca, é mais fácil que eu acabe atingido por um raio.
— Você está bem?
Devido ao barulho da chuva quase não foi possível ouvir o grito do
homem que passava por baixo da cerca e corria em minha direção, olhando
bem reconheci o coiote.
— O que está fazendo aqui? — questionei.
— Nas minhas terras?
Revirei os olhos diante de sua resposta, estava com dor para ainda
engolir suas brincadeiras.
— Vim verificar se todos os peões foram para casa, encerramos os
trabalhos por hoje por conta da tempestade. E você?
Apontei para o nada, a vaca já não podia ser vista, tampouco meu
cavalo.
— Uma das vacas ficou para trás, eu vim procurá-la e meu cavalo se
assustou com um raio seguido por um forte trovão.
Como se fosse anunciado, um novo e estrondoso trovão pode ser
ouvido.
— Vamos, estou vendo que seu cavalo não está por perto. O meu carro
não está muito longe, eu te dou uma carona e você se ampara enquanto
espera a tempestade passar.
Quis negar, mas que escolha eu tinha? Ser orgulhoso nesse momento
poderia me matar.
— Tudo bem.
Sem mais uma palavra, Homero começou a caminhar, passando pela
cerca que dividia as propriedades. Eu o segui em silêncio. Caminhamos por
entre o milharal, as botas afundando na lama. Levou uns bons dez minutos
até que chegássemos a seu carro. Homero entrou no banco do motorista e eu
entrei assumindo o banco do passageiro, bastou que o veículo fosse ligado e
meu corpo tremeu por inteiro graças ao choque térmico, eu estava ensopado
e frio, o exato contrário do interior quente e enxuto do carro.
— Parece que a chuva não vai passar tão cedo — o homem mais velho
comentou, tirando seu chapéu molhado e jogando-o no banco de trás. Ele
passou a mão pelos cabelos grisalhos, ao mesmo tempo em que o carro
começou a se mover.
Não era comum ver aquele homem sem seu costumeiro chapéu branco
de cowboy, assim como acontecia comigo, parecia que aquela peça era parte
do corpo do homem. Apesar de que, sem o chapéu era possível ver mais do
rosto bonito e marcado pelo tempo. Homero tinha algumas linhas de risos na
região dos lábios, o que me dizia que ele costumava rir com frequência. Os
olhos eram de um azul muito bonito, sendo essa a parte que mais lembrava
seu filho Reed. Os cabelos e a barba grisalha davam um certo charme ao
homem mais velho. Falavam de tempo e experiência, erros e acertos. Para
finalizar, as roupas grudadas ao corpo por estarem ensopadas, se ajustavam a
forma maciça, poderosa e robusta, ele não chegava a ter um corpo definido,
mas era grande como um armário. Se eu gostasse de homens mais velhos até
o acharia bastante atraente.
— Você está bem? — Sua pergunta me trouxe de volta a realidade,
contudo, não fui capaz de deter a mão fria que tocou minha testa e me fez
soltar um som alto e surpreso. — Não está quente, na verdade, você está
gelado. É melhor tirar uma parte dessas roupas molhadas, infelizmente não
tenho uma toalha no carro.
Me afastei do seu toque rápido demais, foi ridícula a forma como a
minha cabeça bateu na janela e Homero me encarou com estranheza. Pelo
menos o coiote não disse nada e se concentrou na estrada, que estava em
péssimo estado graças a chuva forte. Estrada de terra e uma tempestade não
são a melhor combinação, eu que o diga, mal terminei de pensar isso e fui
jogado para a frente enquanto tentava tirar a camisa olhada.
— Mas que porra? — Joguei a camisa nos meus pés e encarei Homero,
o homem xingava e tentava acelerar o carro.
— O carro atolou.
— Você só pode estar de brincadeira. — Bato a cabeça no encosto do
banco, rindo sem o mínimo humor.
— Podemos tentar sair para empurrar, mas não acho que isso vá dar
certo. Parece que atolamos pra valer, e está chovendo muito forte. — Ele se
curvou para frente em direção ao vidro do carro, como se tentasse ver
alguma coisa no céu escuro. Nesse momento um grande clarão cobriu tudo a
nossa frente e logo um barulho estrondoso de trovão parece ter balançado
todo o carro. — Sem falar nos raios, é mais seguro esperarmos no carro até
que a tempestade passe.
— Isso vai durar a noite toda! — resmungo, me livrando das botas e
meias enxarcadas.
— Tem uma ideia melhor? — questionou, me olhando de rabo de olho.
Também disfarcei um olhar e quase engoli a língua ao vê-lo puxando a
camisa por cima da cabeça. O velho coiote tinha uma barriga coberta de
pelos grisalhos. Era frustrante a forma como isso despertou um certo
interesse em mim.
Mas que droga!
— Eu me ofereço para sair e empurrar! — respondo já com uma mão
na porta. Homero agarra meu braço na mesma hora.
— De forma alguma, se você for atingido por um raio, eu não vou
deixar a segurança do carro para te socorrer.
Bufo na tentativa de esconder uma risada, ele sorri, pelo que parece ser
a primeira vez que um sorriso divertido foi direcionado a mim pelo prefeito.
Sorrisos contidos, debochados, sarcásticos e forçados, isso eu tive aos
montes, esse sorriso aberto e leve... Não lembro de já ter visto em seus
lábios. A essa altura, o perigo de um raio não parece ser a pior coisa que
pode me acontecer.
— Está muito frio, o aquecedor está funcionando? — Desvio o andar da
conversa. Não quero dar a entender que temos algo em comum.
— Acho que sim — comenta. — Mas não está aquecendo muito. Isso
vai ser ruim se continuar chovendo tanto ao longo da noite.
— Ótimo! — resmungo, fechando os olhos e respirando fundo. Ainda
era muito cedo, se a tempestade perdurasse por toda a noite, o frio nos
mataria dentro do carro ou um raio nos mataria do lado de fora do veículo.
— Seus lábios estão pálidos e meio azulados — o comentário de
Homero me desperta do que deve ter sido um cochilo, sei lá. Fiquei muito
surpreso com o coiote reparando em meus lábios.
— Você está tremendo — rebati. Ele permanecia sem camisa, assim
como eu, e esfregava seus braços buscando algum calor.
— Não tem muita coisa que podemos fazer quase nus, presos dentro de
um carro em meio a uma forte tempestade.
Sorri, falei sobre uma forma burra de morrer. O que vão pensar de mim
quando encontrarem nossos corpos nessa situação?
— Sabe, penso que existe uma solução para essa situação, só não sei se
você vai gostar.
Antes de me dizer o que era essa tal solução, o coiote se contorceu todo
para passar do banco do motorista para o banco de trás. Juro, eu não tinha
qualquer intensão de espiar sua bunda, foi ele quem praticamente a esfregou
na minha cara! O que o maldito queria com aquilo?
— Já vi isso acontecer em alguns filmes. A gente pode tentar se abraçar
para aquecer um ao outro.
O encarei como se ele tivesse ficado doido. Sério, tive que saltar para o
banco de trás e ver a temperatura de sua testa. Imagina o que eu faria se o
coiote morresse sozinho comigo dentro desse carro. Era só o que me falta,
atolado na lama e com um cadáver.
— Eu não estou delirando, você deve saber que é uma boa ideia
levando em consideração a situação que nos encontramos.
Eu não daria o braço a torcer tão fácil.
— Você sabe que eu sou gay, certo? Não tem medo que eu te moleste
durante a madrugada?
Suas bochechas ficaram coradas na mesma hora. Eu bem sabia que o
homem era velho e conservador demais para aceitar tal coisa. Tinha visto sua
reação a minha sexualidade em Cine City, Homero ficou chocado. Sorri,
apenas para ver esse sorriso morrendo com sua frase seguinte:
— Eu sei muito bem quem você é, Robert. Não pense que vai sempre
me deixar chocado ao usar sua sexualidade contra mim. Posso ser um coiote
velho, mas estou disposto a aprender.
Não faço ideia do que o homem queria dizer com aquilo. Algo me dizia
que era melhor nem tentar entender. Já tenho complicações demais nessa
vida, Homero Foster tentando me provar algo é puro desperdício de tempo.
— Muito bem, chega pra lá. Eu vou te abraçar para não morrer
congelado.
Inicialmente ele ficou surpreso com a minha fala. Achei até que teria
alguma luta de masculinidade frágil antes que Homero me deixasse o
abraçar, coisa que não aconteceu. Ele me deixou envolver os braços em
torno de seu enorme corpo e veio mais para perto de mim. Era uma posição
muito desconfortável a princípio, eu não sabia como ou onde tocar. Levou
uns bons vinte minutos antes que ambos relaxássemos e nossos corpos
fossem se aquecendo. Durante esse tempo nenhuma palavra foi dita, eu
preferia assim. Deixei que ele se perdesse em seus pensamentos e me perdi
nos meus. Tudo que era ouvido do lado de fora era o barulho da tempestade.
Seria mentira dizer que adormeci por boa parte da madrugada, fiquei
acordado mesmo quando o corpo junto ao meu amoleceu aos poucos. Suas
costas colaram em meu peito e a respiração ficou mais calma. Eu sabia que
Homero tinha dormido, e esse conhecimento me trouxe algum tipo de paz.
Acho que estava no meu limite o tempo todo, me segurando de alguma
forma e apenas quando ele dormiu é que consegui soltar o ar e respirar mais
tranquilamente. Meus braços ficaram mais firmes em torno de seu corpo, o
calor aumentou entre nós. Deve ter sido assim que consegui tirar alguns
cochilos ocasionais, sendo o último deles o mais longo e que durou até o
nascer do dia.
— Hum. — Algo me despertou e não era o barulho da tempestade.
Tentei me mexer e um corpo pesado impediu meus movimentos.
Abri os olhos e percebi que estava em uma posição estranha, meio
deitado, meio sentado no banco de trás do carro. Homero dormia
profundamente em meu peito, ele até mesmo roncava alto.
— Aquele é o carro do patrão? — Fechei os olhos e pedi aos céus para
aquilo ser algum tipo de pesadelo.
— É sim!
Ouvi passos do lado de fora do carro, e tentei balançar o corpo grande e
adormecido. Ele se mexeu, roçando em meu corpo, e eu xinguei com os
dentes serrados ao perceber que ostentava uma malditamente dolorosa
ereção matinal.
Se eu acreditasse no céu, isso teria que ser o inferno!
CAPÍTULO 12

Acelerei mais uma vez enquanto os peões se juntavam para empurrar


o carro, dois deles tinham se juntado a Robert e foi o suficiente para tirar o
veículo do atoleiro. Por sorte a chuva já havia parado. A noite foi fria e
chuvosa, a tempestade não tinha dado trégua. Nem sei como consegui
dormir tanto, mas pelas olheiras profundas em Robert, ele não teve a mesma
sorte.
Não que a falta de sono seja a principal causa do seu mau humor. Os
olhares estranhos que recebemos dos peões é a causa real. Os homens nos
encontraram em uma posição comprometedora e agora não conseguem
disfarçar o assombro. Acredito que antes do final do dia toda a cidade já
esteja comentando alguma coisa. E me surpreende que eu não esteja
incomodado com isso, mesmo que nada tenha acontecido na noite anterior,
eu não sinto vergonha do que podem dizer sobre mim.
Levei uma vida inteira vivendo de acordo com as expectativas dos
outros, e perdi tanto no processo.
— Isso! — grito quando meu carro consegue sair totalmente do
atoleiro. Com esse problema resolvido, saio do carro e caminho em direção a
Robert. Ele está coberto de lama assim como os outros dois peões. —
Vamos, eu te dou uma carona até Miracle.
O homem não responde nada em um primeiro momento, invés disso
olha para o lado em direção aos dois peões que nos encaravam.
— Agradeço aos dois pela ajuda, ficamos presos nesse atoleiro por toda
a noite e quase morremos de frio. — Sem a mínima vontade de continuar me
explicando, voltei minha atenção para Robert. — Vamos?
Ele abre a boca para responder quando alguns gritos chegam até nós,
rapidamente percebemos do que se trata. Estavam à procura de Robert. O
homem grita de volta e caminha em direção a cerca que dividi as
propriedades. Me encontro seguindo-o sem ao menos me dar conta. Ao
passar pelo milharal avistamos alguns homens a cavalo, entre eles reconheço
facilmente meu filho e o xerife Hunter. É perceptível o alívio que eles
sentem ao avistar Robert vivo e bem. Da mesma forma consigo perceber a
surpresa do peão quando percebe que todas aquelas pessoas tinham saído ao
amanhecer para procurá-lo.
— O que houve? — questionou Reed, saltando de seu cavalo. — Zorro
estava solto e com a sela, parecia assustado. Você não podia ser encontrado
em lugar nenhum.
— Eu te disse, homem, você deveria ter deixado para procurar a vaca
depois que a tempestade passasse — falou um dos peões mais velhos, não
sabia ao certo seu nome, mas o reconheci da cidade.
— Está tudo bem, Zorro se assustou com um raio e me jogou no chão.
Antes que eu pudesse fazer alguma coisa, ele saiu em disparada. Meu cavalo
está bem?
Alguém responde que sim, enquanto isso estou focado em Reed, que
parece finalmente notar a minha presença.
— O que está fazendo aqui? — Ele olha entre Robert e eu, com uma
sobrancelha arqueada. — E por que você está coberto de lama, Rob? Onde
passou a noite? Como se manteve abrigado durante a tempestade?
— Seu pai me ajudou.
Tudo na frase de Robert chocou os presentes, incluindo a mim. Ele
falou tão facilmente assim que eu o ajudei?
— Ele ajudou? — Reed me encarava como se não me reconhecesse.
Revirei os olhos. Não é como se eu fosse o bicho papão, ou fosse deixar
Robert morrer atingido por um raio apenas porque o homem trabalha para a
fazenda rival.
— Vi quando Robert caiu do cavalo, eu estava encerrando o dia de
trabalho nas plantações. Ofereci uma carona no meu carro, mas ficamos
presos em um atoleiro e foi preciso passar a noite por aqui até que a
tempestade parasse.
Silêncio foi o que se ouviu depois das minhas palavras. Mas ninguém
nos deu um olhar como os meus peões tinham feito pouco antes. Talvez
porque Reed, Tristan e os peões de sua fazenda não tinham encontrado
Robert e eu quase nus e abraçados por causa do frio.
— O importante é que você está bem, Rob — interveio Tristan. — Você
pode voltar em Trovão, eu vou com Reed em Lúcifer.
Isso parece ter sido o que faltava para ​que todos começassem a se
mover. Os peões voltando em direção de Miracle, Tristan descendo de seu
cavalo e entregando as rédeas a Robert antes de subir no cavalo de Reed e
também começarem a voltar para Miracle.
— Posso ser muitas coisas, mas não sou mal agradecido. — Tentei
dizer algo e ele me impediu, subindo no cavalo e me encarando antes de
partir. — Você não precisava fazer nada por mim ontem, podia ter seguido o
seu caminho e me deixado ferrado. Então eu agradeço sim.
Ele segurou a aba de seu chapéu em um último cumprimento e seguiu
seu caminho. Eu o observei desaparecer no horizonte junto de seus amigos, e
voltei para o meu carro. Estava exausto, com frio, fome e com a certeza de
que em casa deveriam estar sentindo a minha falta. Pensando em tudo isso,
respirei fundo, liguei o carro e fui embora.
Os dias que se seguiram a tempestade foram marcados por chuvas finas
e um céu escuro. Além disso, o trabalho aumentou de uma forma que eu
passava todo o meu dia na prefeitura atendendo aos afetados pelas chuvas e
raios. Várias barreiras deslizaram por toda a cidade e zona rural, algumas
pessoas ficaram isoladas em suas casas e tive que ser rápido e resolver essa
situação.
Estradas precisaram ser desobstruídas, fiação elétrica teve que ser
reparada em diversos pontos da cidade e algumas pessoas necessitavam de
doações. Até mesmo uma ponte caiu, ilhando algumas famílias de Cross
Ville. Foi preciso muita dedicação, ajuda de voluntários e trabalho duro para
que tais questões fossem resolvidas no menor tempo possível. Tamanho foi
esse trabalho que eu não tive tempo de pensar em mais nada até o final da
semana seguinte.
Era uma sexta-feira por volta do meio dia e eu ainda não havia
almoçado. Só conseguia pensar que em mais algumas horas poderia ir para
casa e descansar pelos próximos dois dias. Era o que mais desejava, contudo,
meus planos foram frustrados quando alguns amigos fazendeiros da região
passaram pela prefeitura me convidando para um almoço em um dos
restaurantes da cidade. Inicialmente eu queria recusar a oferta, mas como
meu assistente Noah bem me lembrou, eu devia estar grato aos homens pela
ajuda que forneceram a cidade e aos moradores mais carentes após a
tempestade.
Foi assim que deixei a prefeitura e me reuni com quatro outros homens
da minha idade. Eles estavam animados, apesar dos últimos acontecimentos.
As chuvas estavam mais calmas e acreditávamos que maiores estragos não
fossem acontecer.
— Eu bem fiquei sabendo de uma coisa envolvendo aquele povo da
fazenda Miracle.
Foi a fala de um desses fazendeiros, a certa altura do almoço, que
despertou minha total atenção. Não era raro estar próximo a algum amigo e
ouvir eles se referirem a fazenda Miracle com certo desdém. Até pouco
tempo atrás isso era deixado no fundo da minha mente para evitar confusões.
— Não me diga que Reed está se aproveitando do infortúnio da cidade
para barganhar alguma coisa — disse outro homem, arrancando risos de
todos na mesa, menos de mim, que permaneci em silêncio.
— Dessa vez não tem nada a ver com aquele demônio. Parece que
aquietou o fogo depois que começou a ter coisas com o xerife.
Em uma cidade como Cross Ville, onde homens da minha idade pensam
de forma tão nojenta sobre a sexualidade alheia, não é de se admirar que eu
nunca sequer tenha questionado a minha, até agora.
— Pelo menos para isso tinha que servir a presença daquele xerife. Mas
fale, o que você ouviu?
— Sabe aquele capataz que trabalha na fazenda?
— Sujeito metido a besta, pensa que a cidade já esqueceu de onde ele
veio. Todo cheio de arrogância porque é o cachorrinho do Reed Foster!
Minha mão estava apertada com tamanha força que as unhas quase
podiam romper a pele. Foram esses homens quem mais me apoiaram para
que hoje eu esteja ocupando o cargo de prefeito de Cross Ville, isso diz mais
sobre mim ou sobre eles?
— Pois então, um dos meus pões ouviu de um primo dele que o sujeito
estava se esfregando com outro homem casado. Foi pego com as calças na
mão e tudo, parece que aproveitou a tempestade do outro dia para fazer suas
nojeiras!
Uma série de sons de desgosto antecederam o golpe duro que acertei na
mesa ao me levantar. Os homens ao meu redor me encaram com espanto.
— Homero?
Ignorei o chamado surpreso de um deles. Nem mesmo o olhei
diretamente.
— Que decência vocês estão exaltando em si mesmos quando enchem a
boca para falar mal de pessoas que não fizeram nada contra vocês? — Meu
corpo tremia tamanha a raiva. — O xerife? Ele tem que ser o homem mais
honesto que já pisou nessas terras, Cross Ville nunca antes teve alguém que
se preocupasse em fazer as leis serem cumpridas com clareza e sem
interesses próprios, como fazia o antigo xerife. E Reed, ele tem uma das
maiores fazendas de toda a região e foi por mérito próprio.
— Espere. — Venâncio se ergue com o rosto vermelho de raiva. —
Mérito próprio não, ele prejudicou muitas pessoas, incluindo você!
— Muita gente se prejudicou sozinha ou com o ajuda de outras pessoas,
Reed apenas usou disso para seu próprio bem. Se alguém aqui nunca fez
isso, e continuou se chamando de cidadão de bem, então atire a primeira
pedra.
— Agora você o defende? — Dessa vez foi Ernesto quem questionou,
muito mais surpreso do que indignado.
— Só agora eu o defendo, e me arrependo disso. Sou o pai dele e fechei
os olhos quando meu filho mais precisou de mim. Porra! Olhe bem para
cada um de nós, o que já fizemos nessa vida, o que ainda estamos fazendo.
Como alguém nessa mesa tem coragem de falar dos erros dos outros com a
boca tão cheia de arrogância quando temos agido como uns covardes de
merda a vida toda!
— Você precisa se acalmar, Homero. — Cesar parecia ser o mais
sensato no momento, não que eu fosse ouvi-lo.
— Já estive calmo demais, omisso demais. Chega! Se isso me torna um
pária, se não sou bom o suficiente para continuar sendo o prefeito, se nem
mesmo poderei voltar a me sentar em uma mesa junto com vocês, tudo bem.
O que eu não posso mais fazer é fingir que não escuto tanta merda. A vida
passa em um sopro diante dos nossos olhos, eu não tenho mais tempo para
persistir nos erros. Se meu filho é um criminoso, se ele fez algo de errado, se
ele age de forma que vocês não concordam, fodam-se, Reed Foster ainda é
meu filho e eu ainda sou o pai dele!
Quando olho em volta depois do meu rompante de raiva, todas as
pessoas no restaurante lotado, estavam me encarando. Muitos pareciam
chocados, outros estavam quase satisfeitos com o que ouviram. Ninguém
disse nada, silêncio total foi a resposta para as minhas palavras, eu esperava
que isso mudasse um dia... Essa cidade e essas pessoas já se calaram demais
diante de injustiças.
Caminhando em direção a saída, parei e voltei a atenção para os quatro
homens em estado de choque. Apontando um dedo enquanto dizia:
— E quanto a Robert Durango, busquem a fofoca completa da próxima
vez. Durante a tempestade nós dois estávamos abrigados em meu carro. Não
teve homem casado, ou qualquer coisa do tipo. E mesmo que tivesse tido
algo a mais, não era da conta de nenhum de vocês!
Com isso dito parti não com a alma leve, mas com o coração pesado e
oprimido. Quantas vezes eu tinha ouvido aquela mesma fofoca e fechei meus
olhos, tapei meus ouvidos e silenciei minha boca?
Hoje eu percebo, mereço todo o ódio e desprezo que Robert Durango
tem para mim.
Caminhei desorientado pelas ruas da cidade, sentia vontade de vomitar,
chorar, berrar. Não sei como não fui atropelado, pois tateei o caminho por
entre os prédios com as mãos trêmulas.
— Ei! — Ergui os olhos com a visão turva, havia trombado em algo, ou
alguém. — Não me diga que está tendo um infarto, coiote?
“De todas as pessoas no mundo, por que eu tinha que me encontrar
justamente com você?”
— Você está mesmo tendo um infarto? — Suas mãos calejadas agarram
meus ombros, eu tive forças para respirar fundo e negar com a cabeça. Vi
alívio em seus olhos. — Mas está passando mal?
O que eu fiz para merecer sua preocupação?
— Eu... — Olhei em volta, como tinha chegado ali na parte mais
residencial do centro de Cross Ville?
— Vem comigo, só era o que faltava, ser acusado de ver o prefeito
passando mal e deixar o coiote morrer sozinho.
O segui quando Robert me puxou em direção a uma praça, ficava atrás
do banco. Quase ninguém andava por ali por ser uma rua residencial.
Naquele horário em específico, quando todos estavam trabalhando, o local se
encontrava deserto. Agradeci por isso, precisava de algum tempo para me
recompor sem que uma plateia se juntasse ao meu redor.
— Precisa que eu traga uma garrafa de água? — questionou quando eu
já estava sentado em um banco da praça.
Ergui meu olhar novamente e foquei em seu rosto. De alguma forma ele
tinha abaixado um pouco das barreiras que construiu em volta de si mesmo.
Pelo menos não estava me atacando a cada oportunidade, isso em sua
maioria se devia à noite em que nos abrigamos da tempestade juntos...
Mesma noite de onde boatos perversos começaram a se espalhar,
prejudicando apenas aquele homem.
— Eu ouvi os boatos — deixo escapar, uma careta se forma em seu
rosto.
— Não precisa se preocupar, seu nome nem foi comentado e...
— Acabei de deixar saberem.
— Como?
— Disse agora pouco no restaurante onde estava, que tinha sido eu com
você naquela noite.
Ele riu sem humor.
— Decisão idiota, prefeito. Vão falar horrores de você agora, mesmo
que nada tenha acontecido naquela noite.
A forma despreocupada como ele falou isso me encheu de raiva. Como
Robert pode aceitar tão facilmente que o tratem dessa forma?
— Não me encare assim, coiote! Já passei por isso diversas vezes, estou
calejado o suficiente para não me surpreender. Deixe que falem de mim,
quando eu encontrar alguém que tenha a coragem de dizer merda na minha
frente, parto a cara do idiota.
Reed diria a mesma coisa, será que escondido nas profundezas de seus
olhos tem a mesma dor que Robert luta tão desesperadamente para
esconder?
Agarro uma de suas mãos, pegando-o de surpresa. Meu aperto é firme
para que ele não se afaste.
— Eu sinto muito por nunca ter visto nada.
Ele para de tentar soltar sua mão e me encara, olho no olho.
— Todos os dias que eu viver a partir de agora não serão suficientes
para que eu me arrependa do que não fiz por você e Reed.
Ele engole em seco, tenta parecer indiferente.
— É apenas com seu filho que você deve se preocupar.
Sorrio, ele jamais daria o braço a torcer. Gosto disso nesse homem.
— Estou tentando fazer isso.
Robert ergue uma sobrancelha com descrença. Eu me ergo do banco
onde ainda estava sentado e parado diante dele não lhe dou tempo para
pensar no que estava acontecendo. Minha cabeça vai de encontro a sua e
nossos lábios se chocam em um piscar de olhos. A forma como seu corpo
fica tenso nesse momento é a prova de como o peguei de surpresa. Não tinha
sido ele a me dizer que eu precisava entender certos aspectos da vida do meu
filho?
Sei que não foi isso que ele quis dizer com sua provocação em Cine
City, mas o faço ainda assim. Antes de entender meu filho por completo,
preciso entender a mim mesmo, e começo esse processo quando deslizo a
língua por entre seus lábios fechados e ele os abre para mim.
Mesmo para alguém relutando, Robert Durango estava bem disposto a
chupar minha língua em sua boca.
CAPÍTULO 13

Não sei o que me chocou mais se foi Homero Foster me beijar, ou eu


corresponder a esse beijo. Tudo nele era estranho começando pelo corpo
robusto que estava colado ao meu. Seguido pela barba áspera e maior do que
a minha, ela pinicava o meu rosto de uma forma estranha. Os homens com
que eu costumava ficar não tinham uma barba como aquela.
O que deu em mim?
Por que correspondi o beijo com tamanha intensidade, que consegui
arrancar sangue de seus lábios carnudos?
Era tudo apenas raiva reprimida?
— Ah! — O empurro pelos ombros até conseguir afastá-lo de mim.
Homero tinha a respiração acelerada, as bochechas vermelhas e as pálpebras
baixas, era óbvia a sua excitação. Por mais que eu não conseguisse entender
o que um homem hétero estava fazendo ao me beijar daquela forma. —
Ficou louco?
Ele deu um passo para trás, coçou a garganta e arrumou o chapéu em
seus cabelos grisalhos.
— Você me disse que eu precisava entender melhor o meu filho.
O olho em choque. Em seguida me sinto irritado, furioso o suficiente
para agarrar a gola de sua camisa e sacudir seu corpo.
— O que pensa que eu sou? Algum tipo de boneco de testes?
— Claro que não! — Sua mão agarra a minha e libera sua camisa. —
Você começou com isso.
Solto uma risada alta e sem humor.
— Eu? O que eu tenho a ver com você beijando outro homem?
Agora o coiote está frustrado e coçando os cabelos por baixo do
chapéu. Bem-vindo ao club!
— Você começou com isso em Cine City, agora eu tenho que descobrir
o que está acontecendo comigo. — Diante de sua fala passo o olhar por todo
o seu corpo robusto, arregalando os olhos ao notar que o homem ostenta uma
bela ereção por conta de um simples beijo. Dessa vez sou eu quem dou um
passo para trás.
Mas o que porra estava acontecendo?
Como eu não vi isso chegando?
— Cara se você percebeu que também gosta de pau, beleza, quem sou
eu para te julgar? — Ergo as mãos para cima, uma risada nervosa escapa. —
Mas você não faz o meu tipo. Quer explorar sua sexualidade? Então faz
como todo mundo, vá à procura de alguém disposto a te ajudar!
Absolutamente não, eu não saí fugindo. Apenas não tinha qualquer
coisa a mais para ser dita.

— Você está bem?


— Hum? — Confuso, ergo os olhos dos papéis que estava olhando.
Eram ordens de pedido para mantimentos que estavam em falta na fazenda.
Reed estava sentado em sua cadeira de escritório e me olhava tentando não
mostrar muito interesse.
— Estamos trabalhando há horas e você mal saiu desses documentos.
Ou eles são muito interessantes, ou você está distraído. Algum problema que
eu ainda não sei?
Fechei os olhos e baguncei meus cabelos. Nem sob tortura eu falaria do
que aconteceu com Homero Foster, mesmo porque eu ainda não entendi
bem. O homem esperava mesmo que eu o ajudasse a entender sua
sexualidade ou isso não passava de alguma armação?
Eu até posso ter minhas desavenças com o aquele coiote, mas não vejo
como ele se prestaria a tal papel apenas para me prejudicar. Além disso,
como aquela ereção poderia ser mentira?
— Só estou perdido em pensamentos.
— Fiquei sabendo que estão falando de você de novo, inventando
merda sobre a noite da tempestade. Se quiser podemos calar a boca dessas
pessoas...
— Esqueça, patrão. Eu estou bem.
Reed me encara por mais alguns segundos, por sorte alguém bate na
porta do escritório me livrando de ter que continuar falando no assunto.
— Entre.
A tensão deixou o rosto de Reed no mesmo momento em que seu xerife
entrou no escritório. Aqueles dois eram tão apaixonados que dava náuseas.
— Margarita me pediu para avisar que o jantar está pronto.
— Já estamos indo, você fica para o jantar, Rob?
— Sim — respondo. Ficando de pé deixamos o escritório, passando no
banheiro social do andar de baixo para lavar as mãos. O jantar já estava
servido na mesa, e Zac se servia. Reed e Tristan se sentaram e eu imitei seus
gestos.
— Patrão, o senhor ficou sabendo das fofocas que estão se espalhando
pela cidade? — Foi a primeira coisa que Zac disse quando nos sentamos.
— Já sei de tudo, Zac. O Rob também, mas ele quer deixar quieto.
— Eu estou falando do prefeito! — rebateu o garoto animado,
chamando a atenção até de Margarita.
— Ouvi alguns cochichos na delegacia hoje, contudo, não dei muita
atenção.
— Pois o xerife perdeu de ouvir antes. Casey foi para a cidade hoje e
voltou contando que não se fala em outra coisa. O prefeito esclareceu a
situação com o Rob na noite da tempestade, calando a boca dessa gente
fofoqueira. E como se isso fosse pouco, o homem ainda soltou o verbo no
meio do restaurante da dona Flor, quando ele estava lotado para o almoço.
Dizem que o prefeito xingou uns homens que estavam com ele, mandou que
tomassem no cu e só faltou acertar um soco na cara deles!
Tive que segurar o riso, primeiro porque já sabia que Homero havia
saído em minha defesa nessa situação. Por mais difícil que fosse acreditar
em uma coisa dessas. O outro fato que me divertia era a forma como Zac
chamava os outros de fofoqueiros, mas era o maior língua solta que eu
conhecia.
— Menino, você não pode levar em conta o que essa gente diz, não
ouviu o que estavam comentando sobre Rob ainda essa manhã? —
repreendeu Margarita, sendo totalmente ignorada por Zac.
— Isso é diferente, todos na cidade estão falando de como o prefeito
defendeu o patrão! — Reed parou com a colher a meio caminho da boca. —
Ele falou bonito, disse que Reed é filho dele e que ninguém poderia falar
mal do patrão. Agora o prefeito está brigado com vários conservadores da
cidade por causa de Reed.
Ao final das palavras de Zac, um silêncio incômodo se formou na sala
de jantar. Nem o barulho de talheres poderia ser ouvido. Foi então que Reed
teve um rompante, ele se ergueu da mesa e saiu sem dizer nada.
— Tudo bem, eu cuido disso.
Xerife Tristan saiu em busca do namorado.
— Você tinha que falar do que não sabe! — brigou Margarita, dando
um tapa na cabeça de Zac.
— Mas é verdade! — resmungou o garoto choroso.
Em silêncio eu estava, em silêncio fiquei. Depois de tudo que
presenciei e ouvi da parte de Homero Foster, eu já não duvido mais de nada.
— Ei, Rob! — Tento ignorar o chamado de Zac e andar mais rápido,
infelizmente o garoto magrelo consegue me acompanhar com seu chapéu de
cowboy e o sorriso quase maior do que o rosto.
— Estou ocupado, garoto.
— Mentira, você já terminou seu trabalho por hoje.
— Estou ocupado para você.
Ele revira os olhos.
— Você é um chato, é por isso que até o patrão encontrou um amor e
você não.
Sorrio de forma debochada.
— Quem disse que eu quero um amor?
Ele riu.
— Continue dizendo isso e seja acertado! — Dessa vez sou eu quem
reviro os olhos. Zac me ignora e continua falando enquanto eu tento
caminhar em direção a minha casa. Era domingo e eu só queria aproveitar a
minha noite depois de dias tão agitados. — Você vai para a cidade hoje?
— Talvez, e você não pode ir comigo.
— Espere só até ano que vem, vou fazer 18 anos e irei para onde eu
quiser!
Batendo o pé de forma tão infantil? Duvido muito que ele vá longe
antes de Margarita, Reed ou Tristan o arrastarem para casa pelas orelhas.
— Vá dormir, criança. Eu tenho mais o que fazer.
Salto para o lado, fugindo de seu pé. Por pouco não fui acertado por um
chute. Rindo alto sigo o caminho para casa, era minha preciosa noite de
folga e eu iria aproveitar. Precisava provar de um bom beijo para limpar
minha mente de qualquer besteira que estivesse rondando ultimamente.
Tomei um banho demorado e procurei uma boa calça jeans, calcei
minhas melhores botas e minha camisa favorita. Era azul e eu sempre
gostava de deixar os primeiros botões abertos, eu recebia bons olhares com
isso.
— Você está pronto, Rob! Faça a noite valer a pena — falei, saindo de
casa com as chaves do carro em uma mão e meu chapéu na outra.
Durante todo o percurso da fazenda até a cidade fui com as janelas do
carro abertas, curtindo a brisa fresca de um começo de noite. Junto disso
liguei o rádio do carro, sintonizando em uma estação local, estava tocando
uma música da Adele, Rollin in the deep. Me vi cantarolando a música com
certa animação. Era difícil ter algo diferente de música country tocando nas
rádios locais. Curiosamente essa noite isso aconteceu e a letra da música de
certa forma me deixava inquieto e animado ao mesmo tempo. Prova disso é
que até me surpreendi ao perceber que já havia chegado na cidade.
Dessa vez cheguei cedo e consegui estacionar mais próximo do bar, em
uma rua movimentada e bem iluminada. Não que eu desejasse mudar o que
aconteceu na última vez em que estive no Poço. Apenas estou grato por não
ter que fazer isso hoje.
— Olha só quem voltou! — o grito chamou não apenas a minha
atenção, mas também a de algumas outras pessoas próximas a entrada do
bar. O lugar já estava lotado, e mesmo entre os rostos conhecidos consegui
encontrar alguns novos e muito interessantes. Parece que meu objetivo desta
noite será concluído.
— É bom te ver de novo, Juno.
Sorrio, me aproximando da dona do bar. Seu fiel escudeiro, policial
Dexter já se encontrava parado no balcão e acenou com a cabeça quando
cheguei ao seu lado.
— Você está bem, cowboy? — Agradeci sua preocupação, mas a
dispensei.
— Estou ótimo, e desejando ter uma noite animada.
Pisquei em sua direção e ela riu, em seguida deslizou uma cerveja
gelada por cima do balcão e eu a agarrei antes de seguir caminhando por
entre as pessoas no bar. Meu objetivo era claro para a noite, eu queria
companhia. Uma companhia masculina e bem disposta. Não demora muito
para que eu encontre isso em um homem baixo e magro, com grandes olhos
castanhos e sorriso sexy. Ele veio em minha direção logo que deixei o balcão
do bar e se ofereceu para me fazer companhia. Eu não queria dançar, não
precisava de papo, nem flerte. Ele parecia desejar a mesma coisa e já estava
quase o convidando para seguir até um lugar mais tranquilo quando
cochichos ao meu redor chamaram a atenção.
— Nós podemos ir para a minha casa, cowboy — o homem, Fred ou
Frank, disse. Suas mãos deslizando pela frente da minha camisa e tentando
entrar por entre os botões abertos.
Eu teria prontamente sorrido e concordado se não estivesse esticando o
pescoço para conseguir ver quem era a pessoa que causou tanto alvoroço nos
demais frequentadores do bar. Faziam pelo menos quatro minutos que as
pessoas se esticavam para ver quem tinha chegado, enquanto outras
cochichavam sem parar.
— Você me ouviu, Rob?
— Hum? — Volto a atenção para o homem bonitinho e colado a mim.
— Desculpe, estava tentando ver o que causou tanto alvoroço.
— Deve ser alguém novo por aqui.
Ele se ergueu de onde estava sentado, colado em mim em um dos
bancos de couro localizados no fundo do bar. Aproveitei para me erguer
também e assim tive uma perfeita visão do causador de tanto burburinho.
— Aquele é o prefeito? — Ergo uma sobrancelha e encaro o homem
mais baixo, ele tinha um tom de surpresa e um olhar de interesse enquanto
encarava o homem mais velho escorado no balcão do bar.
Homero estava bem vestido, até demais para um bar, ele usava jeans e
camiseta, mas tinha um blazer preto por cima. Nos cabelos grisalhos estava o
inseparável chapéu de cowboy na cor branca. E se eu não estivesse
enganado, ele tinha aparado a barba. Estava bonito e parecendo um boi
pronto para o abate com aqueles grandes olhos azuis que não faziam nada
para esconder a ansiedade e insegurança.
O que merda o homem estava pensando ao aparecer em um lugar como
o poço com aquela aparência? Ele não sabia mesmo que todos em volta
estavam o encarando como um pedaço de carne fresca?
Eu queria socar a sua cara por tamanha estupidez!
— O que será que ele está fazendo aqui? — a pergunta do homem ao
meu lado me fez encará-lo novamente. Dessa vez não tinha mais o menor
interesse nele, a forma como falava como se eu nem ao menos estivesse ali,
tinha me irritado o suficiente. — Ei, para onde você vai?
Desviei de suas mãos quando tentou me tocar e caminhei apressado em
direção ao balcão. Cheguei bem a tempo de ver alguns homens pequenos e
magros se aproximando e cercando Homero com interesse claro em suas
expressões. Eu já tinha saído o suficiente com homens como aqueles para
saber o quanto a maioria deles gosta de homens robustos. Homero era o
daddy que muitos sonhavam.
— O que está fazendo aqui?
Homero me encarou, engolindo em seco. Não sei se estava aliviado ou
surpreso por me encontrar. Eu estava irritado por ele estragar a minha tão
ansiada noite.
— Você disse que eu deveria procurar...
Ergo uma mão o interrompendo.
— Você tende a interpretar as coisas como bem entende. Eu não disse
para você cair de paraquedas no poço. Esse lugar não é para você.
Com certa irritação, o homem parece me desafiar com o olhar enquanto
olha ao redor. Os homens que haviam se aproximado dele tinham ficado
mais distantes quando notaram a minha presença. Mas ainda estavam de
olho, esperando a chance de se aproximar.
— E por que não seria? Parece que estou me dando muito bem.
O desafio em seu tom de voz me irritou. Eu queria provar que ele
estava errado. Por isso puxei algumas notas de dinheiro da minha carteira e
coloquei sobre o balcão, antes de acenar para ele, pedindo que me seguisse.
Homero considerou o assunto por alguns segundos antes de caminhar atrás
de mim. Pela segunda vez na noite agradeci por ter estacionado próximo ao
bar.
— Onde vamos? — questionou, eu não parei para responder. Cheguei
ao meu carro e destravei as portas.
— Com medo?
Com os lábios comprimidos juntos, o homem entrou no meu carro e
colocou o cinto.
— Não vamos muito longe — foi tudo que respondi, então segui pelas
ruas movimentadas da cidade.
Cross Ville tinha um número impressionante de hotéis e motéis para
uma cidade aparentemente tão pequena. O motivo disso era o mesmo que
garantia que em uma cidade cheia de fofoqueiros, ninguém comentasse,
muito, sobre quem frequentava tais lugares. É impressionante o que um rabo
preso pode fazer. Quando quase todos tem suas escapadas nesses
estabelecimentos, a cidade aprende a fazer vista grossa. Feliz ou
infelizmente isso estava ao nosso favor essa noite.
— Por que viemos aqui?
Tive que rir por Homero esperar até que entrássemos no quarto para
finalmente questionar isso. O homem estava tão nervoso que parte da minha
raiva anterior começou a desaparecer.
— Bem... — Caminho pelo quarto, abrindo os botões restantes da
minha camisa parcialmente aberta. — Você se sente totalmente preparado
para entrar de cabeça nisso, não é verdade?
Tenho que dar crédito ao coiote, ele conseguiu conter seu nervosismo e
retrucar:
— Você disse que não estava disposto a me ajudar com isso.
Assinto.
— E não estou. Sou um homem ocupado demais para perder meu
tempo te ajudando a se descobrir.
Sua mandíbula trava, o olhar de raiva deixa sua postura ainda mais
imponente.
— Então o que pretende com isso? Por que estamos aqui?
— Estou te dando uma chance, coiote. Uma que você não vai ter com
aqueles garotinhos do poço. — Abro o zíper da minha calça, ele engole em
seco. — Quer começar com isso? Então mostre que pode fazer alguma coisa
além de ficar me encarando como um tonto. Caso contrário, você vai ser
engolido vivo assim que pisar naquele lugar novamente.
— Você não deveria estar preocupado com isso.
Solto um riso alto.
— Quem disse que eu estou preocupado? Estou provando que você está
errado! Que deveria voltar para a sua casa e continuar sendo o tão respeitado
prefeito.
Quando ele resmungou irritado, seus olhos fervendo de raiva, eu dei um
passo à frente, desafiando-o da mesma forma que ele estava fazendo.
Homero atirou seu chapéu longe, puxou o blazer fora e começou a abrir os
botões de sua camisa. Novamente vi a trilha de pelos grisalhos que descia
por sua barriga, dessa vez não parei na barra de sua cueca, ele baixou a calça
e seu pau de bom tamanho saltou para fora. Eu vi todo o seu caminho feliz e
o tesouro no final dele.
— Se sentindo corajoso, coiote?
Ergo uma sobrancelha ao mesmo tempo em que seguro meu próprio
pau. Ele já estava ficando duro e ganhou ainda mais forma com alguns
impulsos da minha mão. Uma coisa eu não poderia negar, o pau de Homero
também pendia duro em sua coxa.
— Se você tivesse trazido um daqueles rapazes para esse quarto, o que
faria agora? Você sabe o que fazer a seguir ou agiria como um virgem tolo?
Ele grunhiu, saltou em direção a mim e nossos corpo se encontraram
com um “bater” de peles nuas se chocando. Seu corpo era duro e quente, ao
mesmo tempo em que tinha toda uma cobertura de pele macia o suficiente
para ser gostoso roçar nele.
— Não é porque nunca estive com um homem que não sei o que é sexo.
Na verdade, eu poderia te ensinar uma coisa ou outra sobre uma boa foda.
Sorrio ainda mais, parece que meu sangue corre mais rápido em minhas
veias.
— Você andou pesquisando? Sabe como dar prazer a outro homem, é
isso?
Não saberia dizer com certeza se a vermelhidão de suas bochechas era
por causa do constrangimento ou por conta da excitação. Queria apostar no
primeiro, por isso ri, grunhindo e empurrando contra ele quando Homero
investiu para a frente fazendo com que minhas costas batessem na cômoda
atrás de mim.
— Já está pronto para pegar um outro pau além do seu? — desafio.
Ele respira fundo e quando abro a boca para provocar um pouco mais,
sua mão grande agarra meu pau, afastando minha própria mão enquanto
esmaga de forma gostosa o meu mastro. Solto um gemido alto, sem ar. Ele
baixa a cabeça, vencendo a distância que nos separava. Sua boca devora a
minha, e dessa vez eu não me contenho muito. Beijo de volta, sugo seus
lábios, mordo a carne, aprecio o contato de sua língua na minha.
Homero também geme alto, seu corpo treme em contato com o meu.
Com as mãos livres agarro seus ombros e finco minhas unhas. Ele grunhe
com a boca ainda na minha, puxa os lábios para longe e volta em seguida
mordendo meu pescoço. Odeio que deixem marcas em mim, não sou de
ninguém, além de mim mesmo. Mas dessa vez permito que ele o faça, já que
também marquei seus ombros com minhas unhas.
— Você é quase bom nisso, coiote — sussurro de encontro a sua orelha,
ao mesmo tempo em que ele estrangula meu pau com sua mão grossa e
chupa meu pescoço. Em resposta a minha provocação, o mais velho usa sua
outra mão para apertar uma das minhas nádegas, coisa que eu também deixo,
mas o freio logo que tenta ir mais além. — Fora dos limites, meu caro. Eu
não dou a minha bunda para ninguém. Se quer foder um homem, vai ter que
procurar um daqueles garotinhos no bar.
Sem questionar, Homero afasta sua mão e segura minhas bolas no lugar.
Coisa que eu particularmente amei, já que rapidamente estava esporrando
em sua mão e barriga. Gozei gostoso, gemendo em seu ouvido e mordendo
sua orelha. Ao final, ele estava tão ofegante quanto eu, os ombros trêmulos
diziam que o próprio Homero estava quase gozando, por isso decidi retribuir
o favor.
— A minha bunda não está no acordo, mas eu vou te dar outra coisa.
Antes que ele pensasse no que eu tinha dito, inverti nossas posições e
deixei o homem escorado na cômoda enquanto caía de joelhos em sua frente,
o belo pau duro e babado bem diante dos meus olhos.
— Isso eu tenho que reconhecer... — resmunguei para mim mesmo,
pegando-o em minhas mãos, estimulando com alguns golpes e em seguida
engolindo-o profundamente em minha boca.
— Ah! — Homero gemeu tão alto que as paredes finas do quarto não
fariam nada para conter sua voz. Eu gostei disso.
Gostei de sentir os músculos tensos de suas coxas enquanto eu chupava
seu pau longo. Adorei a queimação em meus cabelos quando ele se agarrou
neles. Normalmente não paro para dar boquetes em homens que pego em
bares, mas dessa vez é diferente. Preciso dar boas-vindas apropriadas para o
senhor prefeito. Afinal, ele acabou de descobrir ou aceitar sua própria
sexualidade.
— Robert...
Acho que nunca fui chamado por meu nome completo durante o sexo,
estranhamente, meu pau se contraiu querendo voltar a vida. Ele não o fez,
mas ficou tentado. O homem não fazia o meu tipo, mas era bem gostoso.
— Robert! — Homero gozou em minha boca, o corpo trêmulo o
suficiente para que eu me erguesse e o segurasse usando o meu corpo para
prendê-lo junto a cômoda, caso contrário, o coiote teria ido ao chão.
— Nada mau, prefeito. — Beijo sua boca, ele me surpreende
aprofundando o beijo como se quisesse sentir seu gosto em minha boca. Eu
lhe dei isso. — Você acha que está pronto agora para voltar ao poço? Tenho
certeza de que pode encontrar alguém disposto a ser fodido essa noite.
A forma como ele me olhou fez com que eu me apressasse a sair de
perto, me afastar de seu corpo nu. Eu já tinha provado um ponto, o
provoquei o suficiente e gozei muito bem por uma noite. É apenas isso, fim.
— Você parece muito satisfeito consigo mesmo, Robert. Me ensinou
algo esta noite, mas sabe, acredito que você também tem algumas coisas
para aprender.
Não respondi, não havia resposta para aquilo. Apenas recolhi minhas
roupas, me vesti e saí, dizendo que o quarto estava pago para a noite. Ele
poderia muito bem começar a pôr em prática o que acabou de aprender, o
poço estava cheio de homens dispostos a ter um bom tempo com Homero
Foster, e eu não poderia me importar menos com isso!
CAPÍTULO 14

“Bissexuais: Pessoas emocionalmente, romanticamente ou sexualmente


atraídas por pessoas de mais de um gênero.”
Quando eu poderia pensar que a essa altura da minha vida me
encontraria tentando descobrir mais sobre mim mesmo?
Nana tem me mostrado alguns vídeos, relatos de pessoas que, assim
como eu, descobriram, entenderam ou se aceitaram tarde, alguns até mesmo
na velhice. Não posso dizer com certeza que minha neta não suspeita de
nada com relação a esse meu repentino interesse na sexualidade humana.
Talvez ela pense que se trata apenas de Reed, mas suspeito que Anelise é
mais esperta do que isso. Ainda mais com minha curiosidade latente com
relação a bissexualidade.
É uma palavra tão grande, tão estranha para mim. Ainda não consegui
dizer em voz alta, parece que todos em volta vão começar a apontar o dedo e
me julgar se eu o fizer. Contudo, dentro de mim sei que é a verdade. Não
teria como negar o que sou e como me sinto depois daquela noite.
Aquela noite repletas de descobertas, onde Robert Durango deixou
minha mente e corpo de cabeça para baixo, pouco antes de sair daquele
motel me deixando sozinho. Só de lembrar tenho vontade de rir, um riso
nervoso, aquele maldito. Eu tive que me esgueirar para fora do local,
cobrindo o rosto para não ser notado, e ainda andei por quase meia hora até
alcançar o meu carro. Contudo, essa não foi a parte que mais mexeu comigo,
eu queria mais daquele homem.
— Patrão? — Alguém batendo na porta do meu escritório interrompe
minhas pesquisas. Fecho as abas de pesquisa rapidamente antes pedir a
pessoa para entrar. Era apenas Matilda. — O senhor tem visitas, patrão.
— Quem?
Era noite de terça, a semana mal tinha começado e eu já me encontrava
aterrado de trabalho. Felizmente a maior parte dos estragos da tempestade
foram resolvidos e pude voltar cedo para casa. Queria algum tempo para
reorganizar a minha mente depois do que aconteceu com Robert, nem
mesmo vi o homem depois da noite de domingo. Se eu não conhecesse o seu
orgulho inabalável, poderia dizer que o peão está me ignorando.
— São seus amigos, senhor Ernesto, Venâncio, Cesar. Até o doutor
Floriano está aí.
Passando a mão pelo rosto me preparei para uma dor de cabeça
enquanto dizia a Matilda para avisar que eu já estava indo encontrá-los na
sala de visitas. Não tinha visto ou falado com nenhum deles desde o almoço
onde falei algumas verdades para o grupo. Nem mesmo uma ligação eu
recebi, e não me incomodei em tentar conversar, estava irritado demais para
me desculpar. Não sinto que devo me desculpar.
— Vocês querem falar comigo? — pergunto ao entrar na sala. Os
homens estavam espalhados pelos sofás, frequentam minha casa há muito
tempo, quase não existe mais formalidade entre nós. Ou não existia.
— Você não nos procurou mais depois daquele dia.
Cesar é o mais velho do grupo. Parece ser sempre a voz da razão
quando os outros, me incluindo nisso, somos mais esquentados.
— Eu deveria procurá-los para quê?
Ergo uma sobrancelha em questionamento. Floriano solta um suspiro
frustrado e bagunça os cabelos brancos. O homem anda estranho comigo há
tempos, principalmente depois de uma certa ocasião onde dei uma resposta
atravessada a ele.
— Você pode mesmo nos culpar, Homero? Me desculpe lhe dizer, mas
você foi um dos primeiros a virar as costas para Reed... agora quer nos
apedrejar como se fossemos criminosos!
As palavras de Floriano eram reais o suficiente para causar uma dor
forte em meu peito.
— Sei exatamente o que fiz até aqui, não é como se estivesse sofrendo
de amnésia. Na verdade, acredito que me encontro mais lúcido do que tenho
feito em anos. Então se vou perder a amizade e o apoio de vocês, que assim
seja, não irei mais ficar calado enquanto vejo me filho sendo massacrado por
essa cidade!
— Calma, homem. Ninguém falou isso! — intervém Cesar, sendo logo
interrompido por Venâncio. Ele sempre foi o mais cabeça dura.
— Fale por você, eu não gosto dessa situação!
— Bem, já deixei claro meu posicionamento. E logo adianto que não
vou voltar atrás com minha palavra, assim como não posso obrigar nenhum
de vocês a aceitar as minhas decisões e ações. Quem desejar me dar as
costas, pode ficar à vontade.
Estaria mentindo se dissesse que não doeu ver Venâncio e Ernesto, dois
homens com quem cresci e compartilhei diversos momentos da vida,
virarem as costas e irem embora jurando nunca mais cruzar meu caminho.
Por outro lado, fiquei surpreso com o apoio de Cesar e Floriano, que mesmo
lutando, tentavam compreender minhas razões e sentimentos. Me resta
pensar o que eles fariam caso soubessem como me sinto... que também gosto
de homens.

— O senhor está bem, pai?


Ricco se senta na cadeira ao lado da minha, eu estava observando a
fazenda até onde meus olhos alcançavam na escuridão. Era noite, estava frio,
mesmo assim decidi ficar um tempo na varanda de trás, sozinho, pensativo.
Já faziam algumas horas desde que Cesar, Venâncio, Ernesto e Floriano
vieram me visitar.
— Ficou sabendo do que aconteceu. — Não era uma pergunta.
Ricco ainda não havia me questionado nada a respeito, mas eu bem
sabia que boatos estavam se espalhando pela cidade. Era óbvio que isso
aconteceria depois do que disse no restaurante aquele dia. As fofocas voam
longe nessa cidade ainda mais quando envolvem Reed Foster.
— Me desculpe, pai.
Ergo os olhos, franzindo as sobrancelhas quando o encaro. Um pedido
de desculpas era a última coisa que eu esperava vindo de Ricco.
— Por que está se desculpando? Pensei que viria com quatro pedras na
mão.
— É justamente por isso que estou me desculpando. Tenho me mantido
de pé por mais de uma década principalmente por causa da minha filha.
Anelise é a pessoa que mais amo no mundo, alguém que jamais quero
machucar, ela é minha luz na escuridão. E mesmo sabendo como é o amor
de um pai por um filho, eu não permiti que você amasse o meu irmão.
Sua declaração me deixa sem palavras.
— Minha mãe morreu com essa dor... Eu não podia entender como ela
foi capaz de deixar tudo que tinha para o Reed, achei que era como um
prêmio depois de tudo que ele fez. Fiquei ressentido e isso me adoeceu por
dentro. Foi preciso muito, e apenas nos últimos anos é que tenho conseguido
entender melhor toda a situação.
— Você curou seu coração, é mais fácil entender o amor agora — falo,
pensando na mulher que meu filho ama, e em Nana. Elas colaram os cacos
de seu coração ferido.
— Sim. — Um sorriso surge em seu rosto. — Penso que entre Reed e
eu não existe mais nada. Nem ódio, nem amor. Mas hoje entendo que não foi
apenas culpa dele. Quando eu acordei naquele hospital o meu mundo estava
aos pedaços, eu estava aos pedaços... Não sei o que aconteceu, porque
aconteceu, porque meu irmão fez o que fez... Eu jamais procurei saber, eu
tinha que odiá-lo, por mim, por Nana, por minha esposa.
Toco seu ombro, apertando firme. Eu bem sabia o que era aquele
sentimento. Eu tinha que deixá-lo, tinha que pensar na minha família, no que
restou dela. Até onde isso foi certo? Até onde foi errado?
Reed jamais deu uma explicação, um motivo. Era como se ele quisesse
ser odiado, esquecido.
— Eu vou pedir Joana em casamento.
— Como?
Meu filho ri, um dia cheguei a pensar que jamais veria esse brilho no
olhar e esse sorriso cheio de felicidade.
— Quero começar uma nova fase da minha vida, vou pedir Joana em
casamento. Agora sei que posso ter esse tipo de felicidade, minha filha ama
aquela mulher, eu também a amo. Por que deveria esperar? Relutar? Quero
ser feliz, pai, e quero que você e nossa família também sejam. Por isso,
mesmo que eu jamais possa consertar o que aconteceu, ame Reed. Dê o
amor que eu não posso dar a ele.
Se isso não for dar amor a alguém, o que é então? Apenas o amor pode
curar uma mágoa tão grande.
— Estou feliz por você, meu filho.
O abraço por cima dos ombros, apertando firme. Desejando algo que
pensei não ser possível. Algum dia todo o ódio que tanto nos feriu vai ter um
fim?

— Amanhã o senhor tem uma reunião pela manhã. Sua agenda da tarde
está livre.
— Ótimo, tenho que supervisionar algumas coisas na fazenda —
comento, vestindo meu casaco por cima da camisa. Já era tarde e estava
encerrando meu dia de trabalho na prefeitura.
Ricco iria até a cidade vizinha no dia seguinte, ele tinha uma consulta
marcada com um médico especialista que o acompanhou de perto depois do
acidente. Meu filho anda muito adoentado, então depois de muita insistência
acabou marcando uma consulta. Sendo assim, vou ter mais trabalho na
fazenda pelos próximos dias também.
— Se é só isso, você pode encerar por hoje, Noah. Nos vemos amanhã
cedo, quero que repasse comigo as informações sobre a obra da ponte. — O
assunto da reunião em questão.
— Certo, prefeito. Tenha um bom descanso.
— Você também.
Guardo alguns documentos, desligo o computador e com meu chapéu
na cabeça deixo a prefeitura. Era final de tarde, as luzes da rua já estavam
acendendo aos poucos, o céu ficando escuro e as atividades noturnas se
iniciavam pela cidade. Foi difícil não pensar no poço. Robert, eu não via o
homem há dias. Mas o que faria se o visse? Ele agiu como se não quisesse
repetir o que fizemos, disse com todas as letras que eu deveria buscar outra
pessoa.
Estou pronto para isso? Quero isso?
— Sou um idiota mesmo! — resmungo, caminhando até meu carro. Ele
estava parado uma rua abaixo da prefeitura.
Eu nem mesmo precisava passar pela rua do poço quando estaria indo
para casa. Então por que o fiz? Poderia dizer que estava considerando o
“conselho” que o peão me deu. O que seria uma grande mentira. Em
momento nenhum cogitei a possibilidade de entrar no local.
— Meus olhos estão me pregando uma peça?
Paro o carro do outro lado da rua. Estou próximo ao bar, assim como a
caminhonete preta estacionada não muito longe. Eu sei quem é o dono dela,
e se ainda tivesse alguma dúvida, o homem robusto de braços cruzados que
se encontra encostado na frente da caminhonete, é a confirmação que
precisaria para ter certeza.
Robert está pensativo, observando a entrada do poço, enquanto algumas
pessoas começam a entrar no local. Se tivesse acesso aos seus pensamentos
poderia descobrir que ele está relutando se deve ou não entrar no
estabelecimento.
— O que eu faço? — questiono, mesmo que já tenha desligado o motor
e aberto a porta do carro. — Tem tanta coisa pronta para dar errado.
Caminho em sua direção sem que ele ao menos note a minha presença.
O homem está perdido em pensamentos. Até parece verdadeiramente
surpreso quando me encosto no carro ao seu lado, chamando assim sua
atenção.
— Normalmente as pessoas vem para entrar no bar, mesmo que ainda
estejamos no meio da semana.
— Vai fiscalizar a vida dos outros agora, prefeito?
Sorrio.
— Estou fazendo uma pergunta legítima a um amigo.
Robert me encara com estranheza.
— Desde quando nós somos amigos?
Coloco a mão por cima do peito.
— Assim você me magoa. Entendo que nunca estivemos exatamente do
mesmo lado, mas achei que estávamos seguindo por um caminho mais
estreito. Se não é uma amizade o que estamos construindo, o que é?
Robert suspira alto, balança a cabeça e se desencosta do carro.
— Meu caminho para a Miracle e o seu para sua fazenda, é quase o
mesmo.
Não entendi em um primeiro segundo o que ele queria dizer. Saí da
frente de seu carro quando ele o ligou, e então uma ideia passou pela minha
cabeça. Eu poderia estar pensando besteira, poderia ser uma grande loucura.
Ainda assim o fiz, caminhei até meu carro e segui Robert de perto para fora
da cidade.
Se tinha alguma dúvida sobre as intenções de homem, elas foram
sanadas ao encontrar seu carro parado em um trecho da estrada, já na parte
rural. Era tarde e estava escuro, quando desliguei os faróis apenas a luz da
lua iluminava o ponto onde estávamos. O lugar era deserto o suficiente para
não sermos vistos a menos que alguém passasse pelo local. Já que estamos
cercados de pastos de ambos os lados.
O peão me esperava do lado de fora do seu carro, escorado na cerca de
madeira. Novamente seus braços estavam cruzados sobre o peito, uma
expressão séria no rosto.
— Então, aprendeu um pouco mais sobre o seu filho nesses últimos
dias? — questionou, arqueando uma sobrancelha de forma petulante. Eu
parei em sua frente e estendi cada um dos meus braços de encontro a cerca
de madeira, deixando-o preso entre mim e ela.
— Descobri mais sobre mim mesmo — respondo. Seus braços sendo
“jogados’ de forma desleixada por cima dos meus ombros.
— Hum, e o que descobriu?
Como olhos castanhos poderiam brilhar tanto no escuro?
— Bissexual. Eu sou bissexual.
— E está aceitando isso tão facilmente?
Solto um riso alto.
— Eu estou surtando por dentro. Nunca tinha considerado certas coisas,
olhe o lugar onde vivemos. Estive cercado de certezas praticamente
impostas, considerar outras possibilidades nunca foi possível até agora. Mas
sabe de uma coisa? Eu não poderia encarar meu filho de frente, como tenho
dito que desejo fazer, quando não posso encarar a mim mesmo.
Robert considera minhas palavras, respira fundo, olha para o lado.
Enquanto isso lhe dou tempo para pensar, apenas observando a forma como
seus cabelos cacheados estão voando com a brisa fresca da noite. É raro ver
esse homem sem seu chapéu. Ele é bonito, realmente bonito de perto.
— Isso é uma idiotice sem tamanho, você sabe, né?
Assinto.
— Não tenho nada para te oferecer. Não quero te dar nada. Então, se
você é daquele tipo de pessoa que sempre espera um pouco mais, recomendo
que volte para o seu carro e finja que nós nunca nos encontramos dessa
forma.
— A outra opção era o quê? — questiono com minha boca a míseros
centímetros da sua.
— Fique e termine fodido de todas as formas possíveis. Eu não sei amar
ninguém, não fui feito para isso.
Era doloroso, não suas palavras, mas a forma como eu via a alma
quebrada daquele homem através de um único olhar. Ele sabia que estava me
deixando ver tanto?
— Estou te pedindo isso? — retruco. Ele sorri.
— Você parece o tipo de homem que espera ensinar os outros a amar.
Vejo a carência em seus olhos.
“Você não ensina alguém a amar, você ama e talvez a pessoa te ame de
volta.” Obviamente não disse isso a ele, pois também via a carência em seu
olhar. Robert fugiria se eu dissesse qualquer coisa, sabendo disso guardo a
maior parte das coisas para mim, tenho feito isso há um tempo agora.
Invés de respondê-lo, fecho a distância entre nós e tomo sua boca na
minha. Sou prontamente correspondido por uma boca voraz, quente,
esmagadora. Ele tinha me avisado para fugir e eu fiquei, será que nesse jogo
eu sou realmente um coiote ou uma presa?
As mãos em meus ombros ficam mais exigentes, apertando mais,
trazendo para mais perto. Era ele quem estava encostado na cerca, mas era
eu quem se encontrava cativo. Beijei até ficar sem ar, e voltei a beijar
novamente. Sua boca era tão macia e convidativa. Até a pele do seu pescoço
era assim, além de ter um perfume gostoso, afinal, o peão tinha se preparado
para ir a um bar. Esse pensamento me irritou e na mesma hora voltei a beijar
seus lábios com profunda intensidade, não querendo pensar em mais
complicações.
— Abra as pernas, coiote — sussurrou contra meus lábios, eu fiz o que
ele pediu e uma de suas mãos veio até minha calça. Quando percebi suas
intenções tratei de abrir o zíper de sua calça também.
Nós dois gememos juntos quando nossos paus saíram para fora, sendo
recebidos pelo vento frio. Não demorou muito para que os arrepios em meu
corpo passassem de causados pelo frio para terem a causa na mão grande e
calejada que segurou ambos os nossos paus juntos, esfregando-os.
— Isso é bom — deixo escapar, deitando minha cabeça em seu ombro.
Escuto seu riso sem ar e o aperto em nossos paus fica mais firme. Começo a
impulsionar meu quadril em direção ao dele, ao encontro de sua mão.
— Você gosta de ter seu pau tocado? Como se sente sabendo que sou eu
quem está fazendo isso? Que seu pau está se esfregando no meu?
— Porra!
Ele ri.
Até parece que tenho condição alguma de pensar racionalmente com
tantos estímulos de uma única vez. Ainda mais quando a boca habilidosa
volta para a minha em mais um beijo enlouquecedor. Como eu me sinto?
Louco!
— Abra bem as pernas, Homero.
Tremi por inteiro com seu comando, e me vi obedecendo. Ele apreciou
isso, pois logo sua mão livre estava agarrando uma das minhas nádegas nuas
e puxando assim meu corpo para mais junto do seu. Passei a tentar me
agarrar nele de alguma forma, uma mão firme em seus ombros e a outra
embrenhada nos fios castanhos de seu cabelo. Queria mais, mais pele, mais
beijos. Contudo, tinha muita roupa no caminho, o local não era dos mais
indicados e eu estava quase gozando.
— Você está tremendo... Fica assim quando vai se desmanchar de
prazer. Estou certo?
— Hum!
Novamente ele está rindo, eu ficaria ofendido se o riso não fosse tão
sexy quanto a voz rouca sussurrada em meu ouvido.
— Eu também estou quase lá. Hoje você vai voltar para casa com seu
pau sujo do meu gozo.
— Maldito. Você vai ter o mesmo prazer.
Seu olhar faminto quase me desmontou. Foi então que eu me perdi, não
percebi o que ele pretendia até ter um de seus dedos longos deslizando por
entre a fenda da minha bunda. Meu corpo saltou para cima, não conseguindo
ir muito longe. Robert não tentou me penetrar, ele acariciou meu cu com seu
dedo ao mesmo tempo em que massageou nossos paus juntos e mordeu com
força meu pescoço.
— Ahh! — gritei alto, gozando entre nossos corpos. Ele fez a mesma
coisa, abafando seus gemidos na pele do meu pescoço. — O que está
fazendo?
Consegui perguntar, ainda com o ar escasso em meus pulmões. Ele
sorriu, as pálpebras caídas, as bochechas vermelhas. Engoli em seco antes
mesmo de ouvir uma resposta.
— Por hoje, nada de mais, mas quando você estiver pronto para me dar
sua bunda, então a conversa vai ser outra.
Soltei um riso incrédulo e nervoso. Eu não era um puritano de forma
alguma, contudo, mesmo em todos os meus anos de casamento o meu cu
nunca sequer esteve em jogo. O que mais me chocava não era a confiança no
rosto diante de mim, mas sim a forma como meu rabo se apertou diante de
tais palavras.
CAPÍTULO 15

Passo por baixo da cerca e caminho pelo pasto em direção a novilha. É


uma vaca nova em sua primeira cria, a separamos do resto do rebanho
quando ela começou a dar sinais de que vai parir.
— Como as coisas estão por aqui? — pergunto a Reed que está
abaixado ao lado da novilha.
— Eu liguei para o veterinário, mas ele está na cidade vizinha cuidando
do parto de uma égua premiada. Vamos ter que resolver as coisas por aqui.
Olho para o céu, o dia havia nascido algumas horas antes. A novilha
estava em trabalho de parto por toda a noite e o bezerro ainda não nasceu.
Aqui na fazenda deixamos a vaca passar por esse processo de forma natural
e com o mínimo de interferência possível. Com exceção de casos como esse
quando o bezerro não nasce por estar mal posicionado dentro da mãe.
— Ele está virado. Precisamos puxá-lo antes que seja muito tarde. Pedi
a Zac que buscasse o material necessário, Casey foi ajudá-lo.
— O que precisa que eu faça?
— Mantenha essa garota calma, não vamos conseguir movê-la, então
garanta para que eu não receba um coice.
Prontamente me abaixei ao lado da vaca. Pêssego era um animal jovem
e muito mansa. Apesar do trabalho de parto ela estava calma.
— Vai ficar tudo bem, garota — falei, acariciando seu pescoço. — Tem
certeza de que pode fazer isso, patrão?
Nunca antes foi preciso que um de nós assumisse um posto para ajudar
um dos animais da fazenda durante o parto. Como isso raras vezes se faz
necessário e temos um veterinário que presta serviços para a fazenda, Reed e
eu no máximo auxiliamos em alguma emergência.
— Você tem uma ideia melhor?
Antes que eu possa responder, um grito de Zac chama a nossa atenção.
O garoto vinha correndo com alguns materiais em mãos. Junto dele um
homem alto que também carregava alguma coisa, os dois corriam em nossa
direção.
— Pai? — Não era só eu a ficar surpreso com a presença de Homero.
— O que está fazendo aqui?
— Vim te visitar, mas a Margarita me falou o que estava acontecendo e
resolvi vir ajudar. Lembre-se que essa fazenda já foi minha também, e tenho
certa experiência com a criação de gado.
Eu sabia que Reed queria continuar questionando, mas acabou se
afastando para o lado quando Homero assumiu a frente. O homem vestiu as
longas luvas e começou a dar ordens a Reed e Zac. Ele estava totalmente
sério e concentrado. Ninguém parecia pronto para questioná-lo. Era até
surpreendente a forma como meu patrão sempre tão duro e exigente estava
obedecendo ao seu pai.
— Vou amarrar as pernas dele com a corda, precisamos puxar o mais
rápido que pudermos.
Homero tinha conseguido mover o bezerro dentro da vaca, até que as
patas traseiras estavam à mostra. Então amarrou as patas com uma corda e
Reed se juntou a ele para tirarem o bezerro. Nesse meio tempo Zac estava
mais atrás, verde como se pudesse vomitar a qualquer momento. Eu teria
rido do garoto se a situação não estivesse tão tensa.
— Calma, garota. Estamos quase no fim — continuei falando baixinho
com Pêssego, ao mesmo tempo em que acariciava seu rosto e pescoço.
— Quase... Isso! — Vi o exato momento em que um bezerro preto com
uma mancha branca na testa escorregou para fora de sua mãe. Ele era
pequeno, mas parecia bem. Estava esperto e começou a se mexer enquanto
Homero o limpava na medida do possível.
— Ai meu Deus! — O som de Zac vomitando conseguiu tirar um
pouco da “magia” do momento. Apesar de que eu encontrava certa
dificuldade em tirar os olhos do homem sorridente limpando o bezerro
recém-nascido.
Aquela não era exatamente a melhor circunstância para se admirar
alguém. Tínhamos literalmente ajudado uma vaca a parir seu bezerro.
Homero estava sujo e tinha luvas longas por ter enfiado o braço dentro da
novilha. Então, por que eu estava o achando tão bonito?
Seu chapéu não estava à vista, os cabelos grisalhos estavam molhados
de suor e presos na testa. As roupas sempre tão impecáveis estavam
destruídas. E ainda assim ele mantinha um sorriso enorme no rosto,
enquanto falava com suavidade com o bezerro. Sussurrando algo que eu não
podia ouvir. O prefeito pegou o animal nos braços e o levou até sua mãe, que
tratou de continuar a limpeza. Então ele ficou de pé e retirando as luvas
continuou encarando o resultado do seu trabalho com tamanha satisfação que
me manteve como um tolo sem desviar o olhar.
“Era sarna que eu queria? Pois já estou começando a me coçar!”
— Você precisa de um banho.
Desvio os olhos diante da fala do meu patrão.
— Nós precisamos de um banho.
— Ei! Como as coisas estão por aí?
Toda a atenção do meu patrão foi desviada com a chegada do xerife.
Zac tinha desaparecido depois de vomitar. Eu quase poderia dizer que tinha
o mínimo de privacidade para me aproximar do prefeito. Ele sorriu quando
cheguei perto, suas roupas sujas pareciam incomodá-lo.
— Você pode se limpar na minha casa. — Quero me chutar por oferecer
tal coisa. — É claro que você pode querer ir para a casa de Reed.
Desconsidere isso, você veio visitá-lo...
— Eu aceito a oferta, preciso de roupas limpas e as suas vão servir
melhor.
Não era bem verdade, mesmo um pouco folgadas ou apertadas, tanto as
roupas de Reed quanto as de Tristan serviriam no homem mais velho.
Embora eu não tenha dito isso, apenas assenti chamando-o para me seguir.
— Já vai?
Paramos próximo a cerca diante da pergunta de Reed.
— Você disse que veio me visitar? Algum problema?
— Não, é só uma visita. Se estiver tudo bem, eu vou me limpar e depois
me junto a você.
Reed acenou que sim, voltando sua atenção para Tristan abaixado ao
lado da novilha parida. Meu patrão não fez perguntas, nem especulou onde
Homero iria se limpar. Aproveitei disso para seguir rapidamente para longe,
o velho coiote me seguindo de perto. Como minha casa não ficava longe, em
poucos minutos estávamos passando pela porta da frente. Homero entrou
olhando para todos os lados, os olhos atentos aos poucos detalhes da
pequena sala.
Sendo um dos homens mais ricos da região, ele está acostumado com
algo bem diferente, um luxo mais parecido com o que meu patrão tem em
sua casa. Não que isso tenha me deixa inibido, o prefeito sabe exatamente
qual o meu trabalho e que minha renda não é lá essas coisas. Minha casa é
pequena e simples, mas é bem cuidada e limpa. É meu espaço, meu retiro,
meu porto seguro. Sempre tenho um lugar para voltar.
— O banheiro fica no corredor. Você pode ir andando até lá. Eu vou
pegar uma toalha limpa e roupas que sirvam em você.
— Obrigado.
Ainda apontei para a porta correspondente ao banheiro, seguindo para o
meu quarto quando Homero entrou para o seu banho. Escutei o barulho de
água caindo, as paredes eram finas. Rapidamente encontrei uma calça de
moletom e um camisa que ficava folgada em mim. Serviria bem nele. Por
último peguei uma toalha limpa e saí do quarto andando poucos passos até
entrar no banheiro, que era consideravelmente grande, tinha um box
espaçoso para compensar a ausência de uma banheira.
— A toalha e as roupas — falo, ele resmunga algo que eu não entendo.
O barulho da água caindo continua e eu me escoro na pia, de braços
cruzados encarando o vidro embaçado do box. Resisto a vontade de me
juntar a ele, sabendo que estão nos esperando. Alguns minutos depois,
Homero abre o box e fica surpreso ao me encontrar no banheiro, isso não o
impede de pegar a toalha limpa e se secar na minha frente, sem o mínimo
pudor. Eu não reclamei ao ter uma visão tão privilegiada do pau balançando
entre suas pernas, os pelos grisalhos molhados em seu peito, a água
escorrendo pelo corpo robusto. Era uma bela visão.
— São simples, mas vão servir — falo, entregando as roupas quando
ele está seco.
— Estão ótimas, obrigado — responde, puxando a cueca do meio de
suas roupas descartadas, vestindo-a antes de colocar as roupas que dei.
— Deveria ter trazido uma cueca das minhas também?
Ele ri.
— Limites, peão, limites.
Solto um som debochado enquanto caminho para fora do banheiro.
— E o seu limite passa por seu pau na minha boca e meu dedo no seu
rabo, mas para em você usando uma cueca minha?
Ele parece vacilar atrás de mim, isso faz meu sorriso aumentar
enquanto caminhamos até a cozinha. Abro a geladeira em busca de duas
garrafas de cerveja. Ofereço uma para ele, que prontamente aceita, e
caminho até a porta de trás. Minha casa tem uma varanda na frente e outra
atrás, eu particularmente gosto de me sentar em uma cadeira na varanda de
trás e admirar o pôr do sol ou o nascer do sol. São momentos simples, mas
que me enchem de paz.
— Você tem cerveja em casa, mesmo que não beba? — ele pergunta
quando ambos nos sentamos em cadeiras postas uma ao lado da outra. Nesse
momento o encaro sem saber o que dizer. Ele havia notado?
— Quando?
— Não sei ao certo, acho que fui percebendo aos poucos. Te
observando com uma garrafa em mãos que nunca leva aos lábios. Você fica
com ela até estar quente, descarta e às vezes pega outra para repetir o mesmo
processo.
Solto uma respiração profunda, estranhamente não estou irritado por ser
ele a perceber tal coisa sobre mim. Mesmo que eu não goste de mostrar
fraqueza diante de ninguém.
— Eu bebia muito durante um tempo. Queria ficar entorpecido.
Funcionou e acabou comigo na mesma medida. Quando me recuperei, jurei
para mim mesmo que jamais colocaria uma gota de álcool na boca. Em
festas, bares e até em casa, eu mantenho uma garrafa por perto para me
lembrar o quão baixo já desci e que mesmo nos momentos de maior fraqueza
não posso vacilar novamente.
— Isso é uma espécie de tortura auto infringida?
— Cada um tem suas formas de curar a dor.
— Ferir a si mesmo não cura nada.
Fiquei em silêncio por um tempo, o que poderia dizer? De fato, não
curou nada.
— E o que você recomenda?
Ele ri, descartando a garrafa de bebida aos pés da cadeira onde estava
sentado.
— Ainda não descobri, mas se o fizer, te contarei.
Dou de ombros.
— Muito cedo para beber? — Mudo o tom da conversa, apontando para
a garrafa descartada.
— Não, é que eu quero beijar você e não poderia fazer isso se estivesse
com hálito de cerveja.
Eu poderia dizer o quanto sua declaração espontânea me pegou de
surpresa, contudo, prefiro falar de como ri, me levantando da cadeira e
sentando em seu colo, uma perna de cada lado. Homero segurou minha
cintura, seus olhos dilatando quando se fecharam aos poucos a medida em
que minha cabeça baixou e nossos lábios se encontraram.
Seria realmente lamentável se eu não pudesse beijá-lo agora.
Beijei com gosto, com saudade como se não nos beijássemos há
séculos. Ele tinha um beijo bom o suficiente para que eu não quisesse nada
mais do que isso. Passei tantos anos buscando algum tipo de sensação
desesperadora cada vez que estava com alguém. Não procurava amor, ainda
não procuro, eu só queria, talvez, a sensação de beijar e sentir que isso é
mais do que suficiente.
Se existe um nome para isso, por favor, não me diga. A ignorância
nesse momento é minha maior aliada para não fugir como um covarde.
— Robert — o sussurro escapou de seus lábios que ainda estavam
grudados nos meus. Eu queria mais, e teria voltado para mais caso uma
batida na porta da frente, seguida por um grito de Zac não tivesse nos
interrompido.
— Rob! Você tá aí?
Me levantei do colo de Homero, agradecido pelo garoto intrometido ter
batido na porta antes de entrar de uma vez para me pegar em uma situação
comprometedora com o homem mais velho.
— Estamos aqui! — gritei em resposta. Pouco depois o garoto magrelo
apareceu, olhando para Homero com curiosidade.
— O patrão mandou eu ver se você estava em casa, Rob. Ele viu que o
carro do senhor Foster ainda está na fazenda.
— Eu precisava de um banho e roupas limpas — responde Homero se
colocando de pé.
— Oh, nós tínhamos na fazenda...
— O que Reed quer, Zac? — interrompo. Todo mundo ali sabia que
Homero poderia ter ido tomar banho na fazenda de Reed, o que eu não
queria era que o fofoqueiro do Zac entendesse os motivos para o homem
mais velho ter vindo para a minha casa.
— Ele quer todos na casa da fazenda, Margarita terminou o almoço.
— Muito bem, já estamos indo. — Faço um gesto de mão o enxotando
da casa, ele resmunga e mostra a língua antes de sair correndo.
Homero ri ao meu lado.
— Ele me lembra de Reed quando tinha essa idade.
O encaro alarmado.
— Por favor, não me assuste desse jeito. Eu já tenho problemas demais
para pensar nesse tagarela crescendo e se tornando um Reed 2.0
Minhas palavras fazem o coiote rir ainda mais enquanto caminhamos
em direção a porta da frente.
— Você parece gostar dele.
Isso eu não assumiria em alto e bom tom. Descemos os degraus da
varanda e nesse momento paro e aponto para uma abertura na cerca mais à
frente, onde tem um portão de madeira bem cuidado, separando a minha
propriedade da estrada que passa em frente.
— Ali tem a estrada principal que vem até a minha casa sem precisar
passar pela propriedade de Reed. Quando quiser, pode usá-la.
Homero nem mesmo luta para esconder a sua surpresa. Talvez eu
também esteja surpreso por propor tal coisa. Mas vamos ser sinceros, ele vai
acabar voltando aqui, e eu não quero nem imaginar os boatos que se
espalhariam caso esse velho coiote comece a passar bem diante dos olhos de
Reed e todos os funcionários da Miracle toda vez que vier a minha casa.
— Eu poderia ter o seu número de celular também?
— Sim — resmungo, e dessa vez o homem parece satisfeito consigo
mesmo.
Não sei quem é o mais idiota entre nós dois. Ele por vir até mim, ou eu
por convidá-lo a voltar.

— Estou dizendo, o senhor Foster enfiou os braços dentro da Pêssego e


puxou o bezerrinho!
— Menino pare de falar sobre essas coisas na mesa!
— Estou contando algo importante, Margarita!
Vendo assim até parece que não foi Zac quem vomitou “as tripas” ao
ver o parto do bezerro.
Estávamos todos sentados em volta da mesa para o almoço. Homero
tinha se adaptado muito bem ao grupo, até porque ele e Margarita se
conhecem a vida toda, Reed é seu filho e Tristan o xerife da cidade. Zac é
um tagarela que gosta de todo mundo, e quanto a mim, nem preciso falar
nada. A questão é que o homem mais velho demonstra certa facilidade em se
juntar a nós, como se pertencesse ao lugar.
— Tem certeza de que não trouxe notícias ruins para mim e está
tentando me preparar para recebê-las? — questionou Reed novamente.
— Já disse que minha visita é unicamente isso, uma visita.
— E não tem nada a ver com os boatos que estão circulando pela
cidade? Fiquei sabendo que comprou briga com alguns fazendeiros da
cidade, tudo para me defender. Não espere um agradecimento, se puder usar
suas desvantagens como vantagens para mim, eu vou.
Homero sorri, é carinhoso e paternal. Por mais que o sorriso seja
rapidamente escondido atrás de um copo de água. Será uma pena se Reed
não tiver visto.
— Ficaria decepcionado se você não fizesse isso. Tenho grandes
expectativas para você, Reed.
— Hum — meu patrão resmungou. Desconfiança rondando seu rosto.
Ele olha para Tristan e o xerife parece confortá-lo. Como os dois estão
sentados um do lado do outro, não duvido que estejam de mão dadas por
baixo da mesa.
— Sei que fiquei calado por muito tempo, e um pedido de desculpas
não mudaria nada. Então vou continuar por perto e mostrando através de
atos concretos que estou arrependido.
— O que Ricco pensa disso? — Reed está claramente lutando com as
palavras do pai e erguendo suas barreiras para mantê-lo longe.
— Ele sabe e me apoia. Gostaria que eu dissesse o que ele me disse?
— Aposto que nada de bom. — O xerife aperta o ombro de Reed. Sei
que Homero também nota isso, será que o coiote começou a perceber o
quanto de fragilidade tem debaixo dessa casca grossa do meu patrão?
— Ele me disse para eu te amar. — Reed engole em seco, Homero
também o faz. — Para eu te amar enquanto ele não pode fazer isso.
— Por que está me dizendo isso? — A voz do meu patrão falha.
— Porque você merecia ouvir. O amor é um sentimento lindo, mas ele é
vivenciado por seres humanos tão falhos que você não pode esperar a
perfeição. Amar pode ser tão doloroso. Afinal, nem todos as coisas boas são
feitas por amor, e nem todos os atos de amor resultaram em coisas boas. Seu
irmão acredita que não restou nada entre vocês dois e ainda assim me pediu
para te amar.
Reed se ergue da mesa de forma abrupta. Estou pronto para ouvir gritos
e xingamentos. Ao invés disso o xerife se levanta também e fala algo no
ouvido do namorado. O que o acalma momentaneamente.
— Eu não...
— Está tudo bem, Reed. Não precisa dizer nada, eu não espero que
você diga alguma coisa. Basta que me escute e saiba que não vou mais
embora, filho.
O olhar de Reed parece desafiar seu pai, como se esperasse que o
homem falhasse com sua palavra. Ao mesmo tempo, apesar de claramente
sofrer com a situação, meu patrão não gritou, não julgou e não acusou sua
família de nada. Ele nunca o fez em minha presença, sempre aceitou muito
calmamente o que tinham para ele.
— Faça o que quiser — resmungou, por fim, demonstrando cansaço.
Tristan beijou o topo de sua cabeça e voltou a sussurrar algo em seu ouvido.
Logo depois os dois voltaram a se sentar à mesa como se nada tivesse
acontecido.
Nessa hora, eu realmente agradeci aos céus por Zac ser um tagarela,
pois foi ele quem quebrou o clima tenso ao recomeçar sua história de como
“ajudou” no parto do bezerro.
CAPÍTULO 16

“Sim”
A resposta monossílaba de Robert para a mensagem que mandei mais
cedo, não serviu para acalmar meus nervos. Ainda mais porque cheguei
antes dele e precisei esperá-lo, sentado na varanda de sua casa. Eu tinha
perguntado mais cedo se poderia passar para vê-lo, estávamos muito
ocupados nos últimos dias e mal consegui conversar com o homem por
telefone. Tinha receio de estar sendo invasivo demais, grudento, como diria
minha neta.
Estou enferrujado para essas coisas, e não ajuda que o peão repita com
frequência o quanto não quer nada sério. Sinto que estou investindo em um
negócio sem futuro, mas não consigo evitar, se passo muito tempo sem vê-lo
sinto sua falta. Se não posso visitá-lo, quero mandar uma mensagem ou fazer
uma ligação. Ele sempre me atende e demonstra estar receptivo, por mais
que sua boca fale outra coisa.
— Te fiz esperar?
Ergo a cabeça para encarar o homem bonito, mesmo em suas roupas
simples e sujas de um dia longo de trabalho. Quero tanto beijá-lo nesse
momento que preciso agarrar com força o braço da cadeira onde estou
sentado.
— Não, cheguei tem pouco tempo — respondo, sem muita certeza.
Para falar a verdade nem sei ao certo quanto tempo esperei. Passei o dia
na fazenda resolvendo uns últimos detalhes de uma viagem para o dia
seguinte. Quando terminei tudo segui para casa e no banho pensei que
precisava fazer uma visita a Robert, queria que ele pensasse em mim mesmo
quando eu estivesse longe. O final de semana se aproximava e eu sentia um
revirar incômodo no estômago todas as vezes em que pensava no peão indo
ao poço, e se divertindo com algum rapaz que conhecesse por lá.
— Pela cara que está fazendo, tem más notícias para mim?
O peão sobe os degraus da frente e passa pela cadeira onde estou. Me
levanto a tempo de entrar na casa junto dele. Robert descarta seu chapéu na
entrada e caminha pela pequena sala com uma tranquilidade que até parece
que ele está sozinho. Ele não se incomoda em ser educado, me oferecer
alguma coisa ou me pedir para sentar no sofá e o esperar. O peão segue
andando diretamente para o banheiro, e eu o sigo de perto.
— Só estava pensativo, na verdade não vim para te dizer nada. —
Encosto na porta aberta do banheiro e me deleito com a visão da pele
bronzeada que surge quando ele tira a camisa, de costas para mim. Sua pele
está suada e coberta de sujeira, nem isso tira a beleza do homem.
— Estava com saudades? — brinca. Eu fico em silêncio. Afinal, ele
aguentaria a verdade nesse ponto da história?
— Vou fazer uma viagem amanhã, nada muito demorado. No domingo
já devo estar de volta. Preciso ver uns fornecedores em Cine City, vou
aproveitar para resolver algumas questões referentes a festa da cidade.
A festa anual da cidade seria em poucas semanas, é o maior evento que
temos em Cross Ville, mas eu nunca soube o trabalho que dá para organizar
tudo até que me tornei prefeito. Esse ano ainda tivemos os prejuízos
causados pela tempestade. Foi preciso muito planejamento junto aos demais
políticos da cidade para decidirmos manter a festa. Chegamos em comum
acordo a decisão de mantê-la, pois vai animar as pessoas da cidade, mesmo
aqueles mais prejudicados pela tempestade. Além de movimentar a
economia local graças as barracas de comida, artesanato e outros produtos
produzidos na região.
— Cine City, hum?
Ele deve ter pensado na última vez que estivemos lá ao mesmo tempo.
Não foi exatamente uma experiência muito memorável, apesar de ter
aprendido muito sobre mim mesmo e esse homem. A começar pelas reações
que meu corpo tem ao vê-lo completamente nu, entrando no box. Tive que
desviar os olhos e sair de perto antes que acabasse de pau duro.
Caminhei pela casa pequena e cheguei na cozinha. Fui abrindo os
armários e geladeira como estivesse em casa. Se Robert não me tratou como
uma visita comum, também não vou ficar cheio de receio. Notei as olheiras e
o cansaço do homem, o dia deve ter sido difícil. Por isso começo a fritar
alguns ovos enquanto coloco para esquentar uma sopa que encontrei na
geladeira, também tinha bacon e café fresco. Meus dotes culinários estão
longe do ideal, mas dá para o gasto.
— O que está fazendo? — Me arrepiei todo com o som de sua voz rente
ao meu pescoço. O peão tinha chegado por trás, de fininho, enquanto eu
fritava o bacon. Seu torço estava nu e ainda tinham gotas de água
escorrendo.
— Você parece cansado.
— Tivemos que separar o gado e preparar alguns para o transporte. Vai
ter feira de gado em Cine City esse final de semana também.
Desligo o fogo antes de virar em sua direção. Hum, sua barba estava
grande, ele não cortou nos últimos dias. Sem falar nas olheiras profundas, o
homem estava se segurando em seus pés.
— Você também vai para Cine City?
— Reed e eu, na verdade.
Essa informação freou um pouco da minha animação. Além da minha
própria tentativa de compreender meus sentimentos e sexualidade, tinha
Robert avesso a que qualquer pessoa soubesse sobre nós, qualquer que seja a
coisa que está acontecendo entre nós dois. Ter Reed por perto impediria uma
potencial aproximação.
— A comida está cheirando bem. — Nesse momento seu estômago
roncou, e eu ri.
— Sente-se à mesa, vou colocar um prato para você.
Robert não relutou, o homem se sentou com um bocejo demorado. Eu
deixei de lado todos os pensamentos sobre Cine City e o servi com a sopa, os
ovos, bacon e café. Mesmo cansado, o peão devorou toda a comida em
poucos minutos.
— Por que não me espera no sofá, eu já estou indo.
Se ele percebeu que eu estava dando “ordens” em sua própria casa, não
disse nada. Pois levantou-se e saiu da cozinha. Rapidamente limpei a sujeira
deixada pela janta, guardei tudo em seu devido lugar e segui até a sala. O
peão me esperava sentado no sofá, os olhos mal estavam abertos.
— Tenho que viajar cedo amanhã.
— Hum — respondeu com um resmungo quando me sentei ao seu lado.
Então escorregou pela distância que nos separava e montou em meu colo. —
Você sentiu a minha falta, não é? Por isso está aqui.
Ele falava com a boca a centímetros da minha. Acenei que sim, receoso
de que essa confissão fosse irritá-lo ou afastá-lo. Coisa que não aconteceu,
Robert veio para um beijo profundo que eu não hesitei em corresponder,
estava com saudades da sua boca, do gosto único do homem. As mãos
calejadas massageando meu pescoço faziam uma corrente elétrica percorrer
todo o meu corpo e parar no pau duro escondido pela calça. Suspirei em seus
lábios. Queria mais, sempre queria mais de Robert, isso era assustador.
O peso de seu corpo ficou todo por cima de mim, o hálito quente indo
de encontro ao meu pescoço quando sua cabeça encontrou refúgio ali,
esperei por beijos, lambidas, sugadas, mas nada disso veio. Em seu lugar,
escutei um resmungo, seguido por um barulho característico de ronco.
Esperei alguns segundos antes de rir.
— Você estava cansado mesmo, hein, cowboy? — sussurrei,
acariciando os fios cacheados. Ele resmungou, mas estava longe de acordar.
A essa altura meu pau estava desperto dentro da calça, eu não poderia fazer
nada quanto a isso, o que tornava a situação ainda mais inusitada. — Por que
me esperou acordado se estava tão cansado?
Olhei para o teto, enquanto ele permanecia roncando em meu ombro.
Robert tinha pensado que só o procurei para me aliviar? Não duvido que
tenha pensado isso, afinal, nem mesmo tenho coragem de falar a respeito
disso com ele. Nunca fui um homem de casos e aventuras, sempre busquei
um tipo de estabilidade que Robert já disse com todas as letras que não pode
me dar, então por que insisto em procurar isso nele?
— Devo ir embora e não olhar mais para trás? — pergunto para o ser
adormecido.
O curioso em minha pergunta é que pensei nisso enquanto me esforçava
para carregá-lo até seu quarto. Não queria atrapalhar seu sono, nem ir
embora deixando-o dormir em um lugar desconfortável. Até mesmo quando
minha mente insistia em ser racional, meu corpo estava agindo segundo
outros princípios, cuidando, buscando mais do homem em meus braços.
— Você leva uma vida inteira para descobrir que também gosta de
homens, e acaba em uma situação como essa. Deve ser alguma reparação do
universo diante de todos os meus erros do passado — falo, ajeitando o corpo
adormecido em sua cama. O cubro com o lençol, acaricio seus cabelos e só
depois apago a luz e saio.
Queria ficar ao seu lado, mas havia tantos inconvenientes para isso.
Começando pelo fato de que não fui convidado e com certeza não seria bem-
vindo em sua cama.
— Descanse, cowboy. Amanhã é outro dia, e talvez eu descubra como
fazer o que você quer, me afastar e não voltar mais.
Dito isso, saí tendo o cuidado de fechar a porta e empurrar a chave por
debaixo dela. Olhei mais uma vez para a pequena casa silenciosa, antes de
entrar em meu carro e seguir para casa. Já era tarde e eu tinha que viajar
cedo no dia seguinte. Tendo a oportunidade de me encontrar com Robert em
Cine City, ou não, ainda precisava fazer aquela viagem.

— Penso que isso é tudo, pai — fala Ricco, colocando o celular em


cima da mesa do restaurante onde estávamos jantando. Ele tinha acabado de
encerrar uma ligação com fornecedores que ficaram de nos passar os valores
referentes a alguns insumos para a festa da cidade.
Meu filho mais velho tinha insistido em vir para Cine City comigo e me
ajudar com tudo que eu tinha para fazer na cidade. Eu recusei, mas ele
insistiu até me vencer pelo cansaço. Ricco estava melhor de saúde depois
que foi se consultar com seu médico regular. Ele passou dois dias fora, fez
uma bateria de exames e voltou com boas notícias. Estava tudo bem com
meu filho, era apenas sua saúde fragilizada ao longo dos anos após o
acidente que quase tirou sua vida. Ele precisava de descanso e seguir os
cuidados recomendados pelo médico. Essa notícia foi um alívio para todos.
— Penso que podemos voltar amanhã para casa.
— É — respondo simplesmente. Não queria despertar suspeitas, apesar
de estar desanimado. Era sábado à noite, eu estava em Cine City há três dias
e não fui capaz de encontrar com Robert. Do seu lado estava Reed e do meu,
Ricco.
— Está cansado, pai? Podemos voltar para o hotel.
— Boa ideia, eu vou... — O barulho de notificação interrompe minha
resposta. Rapidamente pego o celular sabendo quem mandou mensagem. Ele
tinha me dito mais cedo que estava na feira de gado, organizando os animais.
Dessa vez a fazenda Miracle não estava apenas realizando compras, eles
tinham trazido animais para venda.
“Estou na feira, as coisas estão calmas. Você vai voltar para Cross
Ville amanhã?”
A primeira mensagem foi acompanhada por uma segunda.
“Acredito que só retorno na segunda.”
Penso no que aconteceu da última vez em que estivemos em uma feira
de gado em Cine City. Isso me deixa inquieto, antes que possa pensar direito,
estou mandando uma mensagem para ele.
“Você está sozinho?”
Queria bater a cabeça na mesa. O que me deu para perguntar isso?
Quero mesmo saber se ele estiver com algum rapaz que faz mais o seu tipo?
E se o peão se irritar e achar que estou cobrando demais? Afinal, não
somos nada um do outro, por mais que isso me desagrade.
“Não, estou com Reed.”
A resposta para minha pergunta brilha na tela do meu celular, de
alguma forma me acalmando. Ele não parece incomodado com a pergunta e
não está com alguém.
“Por que, coiote?”
“Pensando em me ver?”
Sorrio para tela, na mesma hora escuto um coçar de garganta e ergo os
olhos para encontrar meu filho mais velho me encarando com as
sobrancelhas arqueadas. Ele está desconfiado.
— Devo saber de alguma coisa, pai?
— Não.
— Como não?
Reviro os olhos.
— Quando eu estiver pronto para te dizer, você vai saber. Até lá,
mantenha o nariz nos seus assuntos.
Ricco ergue os braços, uma expressão de falso espanto.
— Tudo bem, não está mais aqui quem perguntou. Vou voltar para o
hotel e fingir que não sei que o senhor está de olho em alguma senhora por
aí.
Rio alto quando ele se afasta. Quando Ricco souber quem é essa
senhora... Ainda com um sorriso no rosto, pego novamente meu celular e
mando outra mensagem.
“Onde você pode me encontrar?”
Penso que talvez ele não responda, mas me engano, pouco depois uma
nova resposta brilha na tela.
“Estacionamento.”

Eu tinha boas lembranças daquele estacionamento. Se é que elas podem


ser chamadas assim. Foi aqui o meu embate mais forte com Robert, coisa
que se paro para pensar agora, sinto vergonha por meu comportamento, as
coisas que disse a ele sem saber o quanto aquilo estava longe da realidade. O
quanto o machucariam. Também foi nesse mesmo estacionamento que
questionei pela primeira vez em minha vida sobre a minha sexualidade,
depois de ter sido deixado de pau duro pelo cowboy.
Por falar nele, o safado estava no mesmo lugar que o encontrei da
última vez, encostado em sua caminhonete. Para meu alívio, dessa vez não
tinha ninguém com ele.
— Você veio mesmo. — Um sorriso preguiçoso surge em seu rosto ao
notar a minha presença. Eu queria beijar aquele sorriso, pois senti falta do
gosto daquele homem.
— Meu filho acha que você é uma senhora com quem estou me
encontrando.
Leva um segundo inteiro para que Robert solte uma gargalhada alta, a
cabeça tombando para trás e o chapéu quase escorregando dos fios
castanhos. Fui eu a segurá-lo, ao mesmo tempo em que quase vencia todo o
espaço que separava nossos corpos. De perto os olhos castanhos eram ainda
mais quentes e envolventes.
— Seus filhos não entendem muito dessas coisas. Reed pensa que estou
correndo atrás de algum novinho.
Sorrio com deboche, ao mesmo tempo em que junto nossos quadris
sendo recebido por um olhar intenso e um arquear de sobrancelhas.
— É porque eu não faço o seu tipo.
— Tem razão — ele diz, uma mão em meu ombro e a outra
serpenteando em direção a minha bunda. — Eu gosto de comer os novinhos,
daddys não fazem meu pau subir.
Esfrego nossos quadris juntos, sorrindo diante do gemido que escapa de
seus lábios.
— Então o que é isso que está cutucando o meu pau? — Seu riso me
faz sorrir ainda mais. O som rouco de sua voz é uma delícia, eu
particularmente gostava de ouvir esse som quando ele estava gozando.
— Se da última vez que estivemos nesse estacionamento alguém me
dissesse que terminaríamos assim, eu o chamaria de louco — diz, mordendo
meu queixo barbudo. Eu faço uma careta lembrando daquela ocasião.
— Não me faça pensar nisso, daquela vez tinha um rapaz com você. Se
eu não tivesse chegado, sabe-se lá o que vocês teriam feito aqui mesmo. —
Dessa vez é ele quem faz uma careta, enquanto resmunga descontente.
— Nem me lembrava daquele idiota.
Balanço a cabeça em negação, Robert fez uma confusão quando me
encontrou no poço, querendo explorar minha sexualidade. Se achou o
experiente da situação, mas caiu facilmente no golpe daqueles homens. Eu
bem fiquei sabendo que o rapaz com quem ele estava e um cumplice foram
presos naquela mesma noite depois de drogarem outro fazendeiro na feira.
— Você teve sorte que eu estava por perto e te vi caindo para fora do
banheiro. Aquele safado te drogou e ainda insistiu que o namorado estava
apenas bêbado. Eu tive que ser firme e dizer que te conhecia, e sabia que
vocês não eram namorados, só assim ele se afastou e me deixou cuidar de
você.
Senti na mesma hora em que Robert me empurrou para longe e encarou
meu rosto com assombro.
— Foi você quem me ajudou daquela vez?
Mesmo apreensivo com sua reação, assenti. Robert suspirou chocado e
deu alguns passos para trás e para a frente, afundando os dedos nos cabelos
cacheados por baixo do chapéu de cowboy.
— Por que não disse nada antes?
— Você parece temer tanto mostrar qualquer lado mais frágil, achei
melhor não comentar sobre aquela noite. Não tinha certeza do quanto você
se lembrava. Lembro que mal conseguia se manter consciente.
No que deveriam ter sido uns cinco minutos seguinte, o peão se
manteve em um silêncio duro e agonizante. Pensativo demais até para me
encarar. Eu respeitei esse seu momento e me encostei na caminhonete,
dando-lhe tempo para pensar.
— Eu disse alguma coisa enquanto estava drogado?
Suspirei, assentindo. Ele xingou alto e me deu as costas.
— O quê? — exigiu, nervoso e irritado.
— Eram frases desconexas, “Não me toque”, “Saí de perto”, “Eu não
sou um lixo”. Depois ficou mais calmo, eu fiquei ao seu lado o tempo todo,
você pedia para não ficar sozinho, dizia que estava com medo.
Essa revelação foi recebida pelo peão com a mesma intensidade de um
soco no estômago, ele me encarou como se eu tivesse saído direto dos seus
pesadelos. Estava meio verde, como se a qualquer momento pudesse
vomitar.
— Por isso toda aquela mudança? você sentiu pena de mim e resolveu
ser bonzinho? — Ele tentava usar a raiva como escudo. Robert sempre tem
feito isso, mas só agora eu percebo.
— Você não mostrou apenas as suas fraquezas, escancarou as minhas!
— Ele tenta falar e eu o interrompo. — Não estou me referindo a minha
sexualidade, mas sim ao fato de que não fiz nada por você! Eu poderia ter
feito algo, deveria ter te ajudado naquela época. Ao invés disso fiquei cego,
confiei nas pessoas erradas, acreditei em boatos idiotas. Deixei que você
sofresse sozinho. Se serve de alguma coisa, jamais terei paz nesse sentido,
mesmo que você pudesse me perdoar, eu não me perdoaria.
— Você não precisa carregar esse fardo, por mais difícil que seja, eu
entendo que...
Coloco um dedo por cima de seus lábios.
— Enquanto eu me importar com você, eu me odiarei pelo que deixei
de fazer naquela época.
Ele suspira.
— Se tem uma coisa da qual entendo, é a culpa.
— E eu entendo de... Gostar, e te garanto, nunca teve nada a ver com
culpa.
Ele desvia o olhar, também encosta na caminhonete e encara o céu
escuro. A raiva vai deixando seu corpo aos poucos.
— Pode nunca mais mencionar o que ouviu aquela noite?
Encosto meu ombro no seu.
— Enquanto você não quiser, eu não falarei.
Por mais que imaginar tudo que Robert sofreu por causa daquele
maldito homem, me destroce até a alma.
— Se não tem nenhuma pena nessa história, então faça uma coisa por
mim... — Uma mão segura meu queixo e me faz encará-lo.
“Quer que eu tire esse olhar vulnerável dos seus olhos?”, não tenho
coragem de dizer em voz alta. Aproximo nossos lábios e o beijo. Robert
suspira e abre sua boca para mim, aceito o convite, envolvendo nossas
línguas, saboreando seu gosto. As mãos calejadas que tanto gosto vem
ambas para meu rosto e dessa vez sou eu quem suspiro.
— Venha comigo — pede com os lábios colados aos meus, os olhos
fechados, a expressão mais relaxada.
— Mostre o caminho, cowboy.
CAPÍTULO 17

Na primeira vez que fui a um motel com Homero, o homem tremia de


nervoso, dessa vez compartilhei do seu nervosismo. Pois temia o tanto que
estava me entregando para algo que ainda insistia em dizer não se tratar de
nada sério.
— Você quer tomar um banho? — perguntou quando entramos no
espaçoso quarto. Consciente, ou inconscientemente eu tinha escolhido um
lugar bem diferente dos locais decadentes onde levo meus encontros de uma
noite só.
— Estou bem — respondo, as mãos suando. Eu queria agarrar o
homem, mas sabia que se fizesse isso acabaria o assustando. — Se quiser
pode usar o chuveiro, eu espero.
E seria de grande ajuda para recobrar meu autocontrole. Queria pular
em seus ossos e faria isso se ele chegasse perto agora. Precisava lembrar que
Homero ainda é novo nisso, o homem pode não estar pronto tão cedo para
dar a bunda, se é que um dia esse macho alfa vai fazer isso.
— Não demoro — ele disse, assenti e me sentei na cama enquanto o
homem mais velho entrava no banheiro. Pouco depois ouvi o som de água
corrente, tendo que controlar a vontade de me juntar a ele.
— O que está acontecendo com você, Rob? — questiono para o quarto
vazio.
Não estava com medo, ou receoso, estava ansioso. Não importava o
quanto eu recebia de Homero, mais queria dele. Nunca experimentei algo
assim, nem sei como nomear ou se quero fazer isso. Talvez, se o fizer nesse
momento, acabe fugindo sem olhar para trás.
Em certo momento me levanto de onde estava sentado e tiro as botas, o
chapéu e a camisa que usava. Ligo o ar por causa do calor que estava
fazendo, coisa que não estou acostumado graças as noites frias na fazenda.
Me encontro vasculhando o quarto em busca de camisinha e lubrificante, é
nessa hora que a porta do banheiro se abre, revelando um Homero
completamente nu e um pouco molhado. E lá se foi todo o autocontrole que
reuni nos últimos minutos.
Respirei fundo, pesado, os olhos baixos de desejo. Ele sorriu sabendo
bem o que me causava. Eu apalpei meu pau por cima da calça e seus olhos
acompanharam o movimento. Queria me afundar em sua bunda, mas me
contentaria com sua mão se fosse isso que ele queria.
— Demorei muito? — perguntou, caminhando em minha direção.
O recebi em meus braços, envolvendo os quadris largos com ambos os
braços. Ele colou seu corpo nu no meu e sua boca veio em direção ao meu
queixo. Nunca gostei tanto de beijar alguém como gosto de beijá-lo. Sua
boca é tão grossa, macia, quente e receptiva. Seus beijos falam de
experiência, fogo e um tipo de carinho que eu desconhecia até ser beijado
por esse homem.
Como alguém pode dizer tanto para você com um gesto tão simples
como um beijo?
— Hum — gemi em sua boca quando ela finalmente veio parar na
minha, não que os beijos espalhados em meu queixo fossem ruins.
— Você também gosta disso? — perguntou, nossos corpos colados
assim como nossas bocas.
— Sim. Quero esses lábios em toda a parte, será que eles são tão bons
em volta do meu pau?
Sabia que Homero nunca tinha chupado um pênis antes, mas pude ver o
calor em seus olhos depois da minha pergunta, e com isso o desejo aumentou
ainda mais entre nós. Suas mãos me empurraram de encontro a cama,
enquanto abriam o zíper da calça, abaixando-a junto da cueca. Caí de bunda
na ponta da cama, Homero ajoelhado entre as minhas pernas. Se ele já é
bonito, a visão diante de mim tem que ser um pecado.
O primeiro contato de sua boca com a ponta do meu pau foi quase
explorador, testando o terreno. Os olhos cravados em mim em busca de
qualquer sinal de que ele estava fazendo errado. Ao ver meu rosto
preenchido de prazer, Homero foi mais além, colocando a língua para fora e
lambendo as veias expostas.
— Ah! Assim mesmo, só cuidado com os dentes, de resto pode pegar
tudo que quiser — incentivei, acariciando seus cabelos ao mesmo tempo.
Com um murmúrio que proporcionou uma onda de choque por todo o
meu mastro, ele mostrou que entendeu. Suas mãos grandes passaram a
brincar com as minhas bolas e sua boca se abriu mais, levando-me para
dentro da cavidade quente e húmida. Dessa vez gemi ainda mais alto,
jogando a cabeça para trás e respirando com dificuldade. A cada novo
movimento de sua língua e sugada de seus lábios, eu sentia que meu gozo se
aproximava ainda mais. Queria encher sua boca com a minha porra quase
tanto quanto queria encher a sua bunda com meu pau.
— Eu vou... Vou gozar — disse, para que ele se afastasse se assim
quisesse. Homero não o fez, ele chupou com ainda mais força, raspando seus
dentes na carne sensível, nada que me machucasse, mas foi o que eu
precisava para explodir em sua boca.
Caí na cama com a respiração acelerada, o coração batendo em um
ritmo louco. Até minha visão estava embaçada. Ele se recompôs bem mais
rápido e veio por cima de mim, a língua habilidosa lambendo seus lábios
como se tivesse acabado de comer algo delicioso. Esse homem quer me
deixar louco por ele, só pode.
— Vem cá — chamei, ele se esgueirou por cima do meu corpo, roçando
o pau duro em meu estômago. Quando chegou perto o suficiente foi a minha
vez de lambê-lo. Limpar a porra que escorria em seu queixo e manchava sua
bochecha barbuda. — Você foi ótimo chupando um pau, coiote.
Seu riso rouco causou uma confusão em meu estômago, o mastro mole
entre as minhas pernas querendo voltar a vida.
— Fico feliz que tenha gostado, me preparei para isso.
— Hum, sério? — perguntei, apertando o local onde minha mão
segurava seus cabelos grisalhos. Não queria deixar transparecer minha
frustração. Com quem ele andou aprendendo isso?
— Sim... — respondeu com certo constrangimento, seu rosto escondido
em meu pescoço onde pedia mais acesso para beijar. Virei a cabeça de lado e
suspirei com o raspar da barba em minha pele. — Sabe, tem esses vídeos na
internet. Eu achei um pouco demais para mim, mas encontrei algumas coisas
interessantes em alguns sites, que realmente ajudaram.
Soltei um riso aliviado. Tinha sentido ciúmes? Não fui eu quem disse
para ele procurar alguém no poço, para ganhar experiência? Por que essa
ideia me irrita agora?
— O que mais encontrou nesses sites? — mudei o ritmo da conversa,
não queria pensar nesse ciúmes, por hora. Ao ouvir minha pergunta, Homero
se contorceu por cima de mim, fazendo com que seu mastro duro roçasse
mais uma vez em meu estômago, arrancando um gemido alto bem rente ao
meu ouvido.
A essa altura meu pau estava voltando a vida, e eu me perguntava se
poderíamos vir juntos, enquanto eu nos masturbava ao mesmo tempo.
— Tem muitas dicas para o sexo entre dois homens — ele respondeu,
dessa vez se esfregando em mim. Nossos membros se encontrando e
arrancando suspiros de ambas as bocas.
Me esforcei para chutar a calça e cueca que caíram em algum lugar no
chão, e abri mais as pernas, permitindo que seu corpo encontrasse uma boa
posição para a fricção que ele fazia.
— Como o quê? — insisto, mordendo sua orelha e beijando a lateral de
sua cabeça. Ele geme, se contorce, eu deslizo uma mão por suas costas
largas. Ao alcançar uma nádega aperto-a com força, ele suspira.
— Boquete, estimulação na próstata... Como esticar o...
Sorrio.
— Como esticar o cu para ser fodido? — completo, deslizando um
dedo no meio de suas nádegas. Nesse momento ele fica tenso e eu fico
chocado ao encontrar certa umidade no local. Com um pouco mais de
pressão consigo inserir a ponta de um dedo sem encontrar muita resistência.
— O que você fez no banheiro, coiote?
A pergunta foi sussurrada em seu ouvido, não consegui esconder a
rouquidão no tom de voz. Meu pau também já estava a meio mastro com a
revelação de que Homero estava se abrindo para mim no banho.
— Foi incômodo... Acho que não vou me acostumar com isso.
— Quando eu estiver te comendo gostoso, você muda de ideia.
O tremor que percorreu seu corpo me deixou em alerta. Sorrio como
um predador e insiro o dedo por completo. Ele geme, se contorce, as mãos
apertando os lençóis ao lado de nossas cabeças. Seu rabo estava esticado e
bem lubrificado, ele fez um bom trabalho se esticando, mas eu brincaria com
seu cu um pouco mais antes de entrar nele.
— Não sei — respondeu com um sussurro.
— Vai sim, eu vou provar isso — retruco, usando a mão livre para
trazer seu rosto em minha direção. Amei ver os olhos embaçados de desejo.
Não resisti e beijei sua boca deliciosa. — Você me quer aqui, não é?
Empurro meu dedo mais fundo, ele engasga com o próprio ar.
— É por isso que se esticou enquanto estava no banho. Se eu soubesse
que você faria isso, teria ido assistir.
O vermelho de suas bochechas não era apenas de excitação. Eu me
sentia tão poderoso sabendo que trouxe aquele tipo de expressão para o rosto
de um homem tão poderoso. E não precisei fazer muita coisa, não foi
necessário quase nada... Ele apenas me desejava tanto quanto eu. Se pensava
que sabia muito sobre sexo, depois de Homero preciso rever meus conceitos.
— Faça isso — disse, engolindo em seco. Sua boca não queria deixar a
minha, mas os olhos imploravam por mais. Eu daria qualquer coisa que ele
me pedisse naquele momento.
Normalmente gostava de foder de quatro, era gostoso e eu não
precisava olhar na cara do homem com quem estava. Era rápido, intenso.
Uma fodida e tchau. Mas dessa vez quis olhar nos seus olhos, beijar sua
boca, comer seu rabo e voltar para mais. Queria retribuir a confiança que
estava recebendo.
Tirei seu corpo de cima do meu, o abri todo para mim e entrei entre
suas pernas. Adorando a forma como era devorado com os olhos. Sabia que
tinha um bom corpo, mas Homero me fazia sentir como a porra de um deus.
— Você quer isso? — Agarrei a base do meu mastro duro, balançando
de um lado para o outro e sendo acompanhado por seus olhos atentos. — Eu
te disse que você iria querer. Vou te foder tão bem que você nunca mais vai
querer outra coisa.
Que porra estou dizendo? E por que ele apenas me olhou dessa forma...
Como se concordasse com minhas palavras?
Me estiquei para pegar camisinha e lubrificante na mesa de cabeceira,
tinha encontrado um estoque ali mais cedo. Diante de seus olhos azuis como
o próprio céu, vesti meu pau com uma camisinha e despejei lubrificante. Ele
se abriu ainda mais para mim, então fui até ele. Sabia que seria difícil uma
primeira vez, eu particularmente não gostava de ser fodido, não era para
mim. Mas faria Homero gostar.
— Abra os olhos, veja somente a mim — falei quando ele fechou os
olhos e travou o maxilar. A cabecinha do meu pau estava entrando. Ele era
tão apertado que era difícil para mim também.
— Você pode fazer isso, não vou quebrar. — Era admirável a sua
coragem. Eu ri, mas fiz o que me pediu e entrei mais fundo. Ambos
gemendo ao mesmo tempo. Suas mãos grandes apertando meus braços que
estavam ao lado de sua cabeça, sustentando o meu peso.
Empurrei para a frente uma segunda vez, então puxei para trás e passei
a seguir um ritmo constante e, a princípio, calmo. Homero tinha uma
expressão concentrada, o queixo travado, os olhos intensos. No começo o
homem sentiu mais dor do que qualquer outra coisa. Mas sou um sujeito de
palavra e o fiz sentir prazer. Um prazer que ele só conheceria comigo o
comendo daquele jeito.
— Consegue sentir agora, coiote? — perguntei sem ar, investindo forte
em seus quadris. Ele gritou. O corpo inteiro tremendo, agora eu só conseguia
ver puro prazer em seu rosto. — Isso sou eu comendo você. Acha que pode
conseguir algo melhor?
Ele grunhiu, ergueu seus quadris de encontro aos meus e gemi mais
alto. A ferocidade naqueles olhos azuis me deixou tonto. Nunca me senti
mais possessivo de algo, ou alguém.
— Me dê o que prometeu — falou por entre os dentes serrados. — Me
faça gozar mais gostoso do que sua mão e boca já fizeram.
Recebi aquilo como um desafio, e com um sorriso felino, puxei meu
pau para fora e soquei com gosto. Ele gritou e eu engoli esse grito ao invadir
sua boca com minha língua. Iria fodê-lo e comê-lo de todas formas.
Unhas cravaram em meus ombros e perfuraram a pele no mesmo
momento em que seu corpo se ergueu e os olhos azuis reviraram. Eu sabia, e
com um sorriso de satisfação também gozei enchendo a camisinha. O
conhecimento que tinha naquele momento era o de que Homero jamais havia
gozado daquela forma insana. E jamais gozaria enquanto estivesse com outra
pessoa que não fosse eu.
CAPÍTULO 18

Acordo com o barulho insistente do toque do meu celular. Quero


ignorar, mas a pessoa me ligando não parece que vai desistir tão cedo. Me
mexo na cama e solto um resmungo, meu corpo dói, em especial uma parte
específica dele. Eu realmente fiz isso? E gostei tanto de dar o rabo?
— Quem é? — resmunga uma voz atrás de mim, arrepiando meu
pescoço com a frase dita rente a ele. Um braço está pendurado em minha
cintura e uma perna presa entre as minhas.
— Deixe-me ver — falo, me afastando o suficiente para pegar o celular
na mesa de cabeceira. Volto em seguida para a posição em que estava. —
Alô?
— Pai?
Bem acordado, me desfaço do aperto de Robert e sento na cama, o
homem resmunga e vira para o lado.
— Ricco, o que houve? — questiono, fazendo uma careta graças a dor
na bunda. Minha sorte é que não vou precisar andar a cavalo hoje.
— Como assim? Nós temos que voltar para Cross Ville. O senhor
sumiu, não dormiu em seu quarto de hotel e não atendia seu celular. Já
estamos na frente do hotel, fizemos check out mais cedo, suas malas estão no
carro. Onde o senhor está?
Não era como se eu fosse responder: “em um motel”. Ricco não me
deixaria escapar disso tão fácil, iria insistir em perguntas para as quais ainda
não possuo resposta.
— Vocês podem voltar sem mim — falo, me referindo a Ricco e
Alonso, o peão da fazenda que veio dirigindo o carro.
— E como o senhor pretende voltar para casa?
Olho para o homem dormindo ao meu lado. Ele tinha vindo no mesmo
carro que Reed? Poderia contar com uma carona sem levantar muitas
suspeitas?
— Fique tranquilo, logo estarei em casa. Talvez amanhã.
— O que está acontecendo, pai?
Suspiro, passando as mãos pelo rosto antes de levá-las ao peito.
— Quando eu descobrir, você será um dos primeiros a saber, filho.
Sabia que ele queria insistir no assunto, por isso tratei de logo encerrar
a ligação, garantindo que estava bem e eles poderiam seguir viagem para
Cross Ville sem mim. Uma vez que isso foi resolvido, coloquei o celular de
volta na mesa de cabeceira e me levantei da cama. Tinha visto que eram
quase 7 horas da manhã, eu queria um banho antes de ter que deixar o motel.
Se parasse para pensar bem, eu nem tinha para onde voltar agora, o check
out do hotel onde eu estava tinha sido feito esta manhã por Ricco.
— Ótimo! — resmungo, entrando debaixo do jato de água fria. —
Tenho que parar e pensar melhor nas minhas decisões. Nem quando era um
adolescente agi dessa forma tão impulsiva.
Não tenho nem acabado de me ensaboar quando a porta do box é
aberta, olhando por cima dos ombros encontro Robert todo descabelado e
completamente nu. Um frio na barriga chega a me deixar frustrado. Quando
vou me acostumar com esse homem? Será sempre assim?
— Pretende voltar comigo? — pergunta, seus braços circulando a
minha cintura ao mesmo tempo em que ele deita a testa em meu ombro.
— Você estava acordado escutando tudo?
— Hum — resmunga. Sei que está sonolento, passamos boa parte da
noite acordados. Deve ser por isso que minhas pernas estão tão trêmulas, mal
tenho forças nesse momento.
Minha mente esqueceu mesmo que meu corpo já está velho para essas
coisas tão intensas?
— Ricco e o peão que nos que acompanhou na viagem já estão
voltando para Cross Ville. Não sabia o que dizer quando ele ligou, por isso
disse que poderia ir na frente. Agora preciso dar um jeito de voltar, estou
sem minha bagagem e sem um lugar para ficar.
Ele ri, arrepiando a pele do meu pescoço.
— E só pensou nisso agora? Poderia ter dito onde estava, como ele
saberia com quem você veio a um motel?
— Não seja idiota!
Novamente, ele ri, dessa vez esfregando o queixo barbado em minha
pele. As mãos em volta da minha cintura fazem uma espécie de carinho em
meu estômago. Só posso acreditar que o peão esteja entorpecido pelo sono, e
por isso se deixou levar pelo momento, nem percebendo o que está fazendo.
Se estivesse em plena consciência, aquele orgulhoso jamais baixaria tanto a
guarda.
— Pode voltar comigo, vim no meu próprio carro. Além disso, acabei
de ver que Reed mandou mensagem, ele disse que volta ainda hoje para
Cross Ville. Vou ficar para supervisionar o embarque dos últimos animais
vendidos e sigo viagem amanhã. Tudo bem para você?
Como poderia negar aquilo, quando estava surpreso que Robert
oferecesse tal coisa? Consegui quebrar algumas das suas barreiras sem que
ele percebesse?
— Parece bom para mim — respondo, ainda pensativo.
— Bom — repete, deixando beijos molhados em meus ombros. Sinto
seu membro endurecendo contra minhas nádegas e suspiro excitado, mesmo
que não fosse aguentar qualquer coisa que ele estivesse planejando.
— Se segure, peão. Você acabou comigo ontem à noite. — Dou um
tapinha em seu quadril que esfregava em minha bunda. Ele morde meu
ombro em resposta. — Ei!
— Calma, prefeito. Não vou me afundar em você, apenas fique parado.
— O que está... — paro no meio da frase, soltando um gemido longo
quando sua mão calejada pelo trabalho duro no campo agarra meu pau que
ganhava vida aos poucos. — Robert.
— Segure na parede — ordenou, minhas mãos obedeceram enquanto eu
ainda lutava comigo mesmo sobre aguentar mais uma rodada de sexo
intenso. Contudo, ele cumpriu o que prometeu e nem mesmo tentou me
penetrar. Seu pênis apenas roçava em minhas nádegas, enquanto a boca
quente marcava a parte de trás do meu pescoço e sua mão acariciava meu
pau.
Depois da noite insana que tivemos, eu demorei um bom tempo até
gozar, não que isso fosse algo ruim. Robert também tomou seu tempo
enfiando seu pau grosso entre minhas nádegas, sem de fato me penetrar,
gemendo contra minha orelha com aquela voz rouca e quase sonolenta. Isso
foi o que me deixou mais louco, e quase roubou toda a força das minhas
pernas quando gozei sujando sua mão e a parede em minha frente.
— Agora sim, coiote. Podemos começar bem o dia.

Escutei Robert falando ao telefone com Reed no momento em que


chegamos ao hotel em que eles ficaram hospedados. Meu filho mais novo
estava preparando tudo para voltar a Cross Ville, inclusive já havia feito
check out mais cedo. Parecia até que o destino estava conspirando por
Robert e eu. Eu dei um pouco de espaço enquanto o homem falava de
trabalho, e fui trocar de roupa.
Como tinha ficado sem minha bagagem, o peão me emprestou um
conjunto limpo de suas próprias roupas. Ele gostava de roupas mais justas
que valorizavam muito o físico construído com o trabalho no campo. Por
outro lado, eu tinha mais carne em todos os lugares, era mais robusto. Foi
uma luta encontrar algo que servisse entre seus jeans e camisas apertadas.
Não era como se pudesse andar para todos os lados vestindo um moletom.
— Sim, só faltam algumas novilhas... hum, sim, o comprador ficou de
pegá-las a tarde — ele falava, enquanto estava de pé perto da janela. Me vi
encarando a expressão séria e tão concentrada. Até esse momento não tinha
parado para pensar muito no fato de que esse homem é o braço direito de
Reed.
Estive tão preso em preconceitos, me deixando levar por fofocas e
boatos. Fiz um mau julgamento dele, acreditei que Robert não passasse de
um capacho pronto para fazer qualquer trabalho sujo que Reed tivesse para
ele. Agora estou tendo que confrontar tais pensamentos, a fazenda Miracle é
uma potência por si só, e não ficou assim do dia pra noite. Reed, e seus
funcionários, incluindo Robert Durango, tem todo o mérito pelo sucesso dos
negócios.
— Por que está me encarando? Tem algo no meu rosto?
Saindo dos meus pensamentos, encontro o peão passando a mão pelo
queixo recentemente barbeado. Seguro o riso, e nego com a cabeça.
— Nada, só estava pensando se você vai demorar muito, ainda não
comemos nada.
— Podemos ir agora, Reed está no local da feira. Deve deixar a cidade
até o meio dia, mas não precisa da minha ajuda. Eu só tenho que estar lá na
parte da tarde, quando for fazer a entrega dos animais restantes.
— Eu conheço um restaurante ótimo, podemos ir.
Novamente foi difícil não perceber a naturalidade entre nós aquela
manhã. Ao mesmo tempo em que apreciava isso, temia que a qualquer
momento, Robert fosse perceber o que estava fazendo e me afastasse sem
olhar para trás. Se estou tão preocupado com isso, não é chagada a hora de
confrontar meus próprios sentimentos?
— Desde que não tenha risco algum de encontrarmos um amigo seu no
local. — Ele dá de ombros, pegando sua carteira e chapéu antes de sair pela
porta, acompanhado por mim. — Eu estarei bem com qualquer lugar com
uma comida boa.
Suspirei desanimado. “Não pense muito nisso por hora, você é
claramente o único mexido com essa situação. Robert continua o mesmo”
Acabamos parando em um restaurante próximo ao hotel em que
estávamos, depois do seu comentário sobre encontrar algum amigo meu,
achei melhor assim. Durante o almoço conversamos sobre a festa da cidade e
pela primeira vez vi um lado mais animado do peão. Ele parecia gostar da
festa, apesar de eu nunca ter o visto por lá. Isso me faz questionar o que eu
estava fazendo naquelas festas? Acabei percebendo que sempre estava
cercado de amigos, família, sequer penso que me diverti tanto assim.
Esse ano poderia ser diferente? Bem, se depender de Robert, penso que
não. Ele deve querer manter distância em um lugar tão público e cheio de
conhecidos nossos.
Após o almoço seguimos diretamente para o local da feira de gado, e
dessa vez fiquei mais de lado, deixei que Robert assumisse o comando de
seu trabalho e apenas o observei. Ele era duro e exigente, gritava com os
funcionários quando algum erro era cometido, principalmente quando isso
oferecia riscos aos animais sendo preparados para transporte. Por outro lado,
essa casca grossa não se mantinha tão firme, já que ele sempre arregaçava as
mangas e ia ajudar, mesmo reclamando dos erros cometidos.
— Ei, perdido por aqui, cowboy? — Virei o rosto, afastando os olhos
de Robert, quando escutei uma voz quase “cantada” ao meu lado. A figura
que encontrei tinha quase a minha altura apesar de ser bem mais magro.
O rapaz, mais jovem do que Robert e eu, tinha me chamado de cowboy,
mas ele próprio possuía um chapéu em sua cabeça. Além do enorme sorriso
nos lábios. Era bonito, eu assumo. Só que estava invadindo meu espaço sem
sequer um convite. Quando virei a cabeça em sua direção, ele já estava
curvado próximo a mim, como se precisasse fazer isso para enxergar meu
rosto.
— Não preciso de ajuda, se é isso que você quer saber — respondo sem
muito interesse. Ele ri, nem um pouco abalado com minha resposta, deve ter
sido por esse tipo de comportamento irritante que eu demorei tanto tempo
para “me entender” com Robert.
— Só queria me apresentar, nunca te vi por aqui antes. Meu nome é
Oscar, eu sou um...
— Ninguém quer saber quem é você, Oscar.
Surpreso, volto a olhar para onde Robert estava, o homem caminha em
nossa direção com uma cara de poucos amigos. Guardo para mim qualquer
coisa que poderia dizer nesse momento, e o encaro com uma sobrancelha
arqueada. Mas o que temos aqui?
— Calma, Rob — diz Oscar, as mãos arqueadas e um sorriso
persistente no rosto. — Não sabia que era conhecido seu. Não me diga que...
Ele fez um gesto com o dedo, apontado de Robert para mim com uma
clara insinuação na voz e um uma expressão surpresa no rosto.
— Não te interessa!
— Ah, vamos lá. — Oscar coloca um braço por cima dos ombros de
Robert e dessa vez sou eu quem fico com cara de poucos amigos. Que
sujeitinho irritante. Quem ele pensa que é para vir cheio de mãos e dedos em
cima dos outros? — Eu bem sei que homens mais velhos não fazem seu tipo,
mas fazem o meu. Nem pelos velhos tempos você não me faria esse favor?
Robert empurra o braço do homem de cima dos seus ombros.
— Volte ao trabalho, eu bem sei que você ainda está fodendo com seu
patrão para não ter que pegar pesado no trabalho. Mas isso é com você e ele,
deixe que eu faça o meu serviço sem me preocupar com você colocando as
suas garras no meu amigo aqui.
Desvio o olhar com ele me chamando de amigo. Podemos ser muitas
coisas um do outro, mas não somos exatamente amigos. Oscar deve ter
percebido meu incomodo, pois desistiu muito fácil e nem mesmo se
importou com o que Robert estava dizendo sobre ele. O homem sorriu e fez
questão de estender a mão em minha direção, irritado, eu apertei sua mão
antes que ele piscasse um olho e fosse embora.
— Não deveria ter dado brecha a esse cara — resmungou o peão
irritado. Para sua infelicidade, eu estava tão irritado quanto ele e a causa para
isso era sua inconstância.
Em um momento, Robert me abraçava, beijava e tínhamos uma senhora
noite de sexo. No momento seguinte ele agia como se eu não fosse grande
coisa. Como se não passasse de um garotinho que às vezes ele pegava. E o
que mais me irritava era que enquanto ele fazia isso eu estava me
questionando exaustivamente sobre os sentimentos em meu peito. Parece
que sou o único querendo olhar para frente.
— E o que você tem a ver com isso? — minha pergunta o pegou de
surpresa, ele abriu e fechou a boca sem saber o que dizer.
Ora essa, não era ele que não queria nada sério? Então por que fica
dessa forma quando o trato exatamente como ele quer?
— O que eu tenho a ver com isso? — solta, com um riso nervoso. O
encaro com seriedade, os braços cruzados sobre o peito.
— Sim, afinal, sou um homem crescido, caso ainda não tenha notado.
Na verdade, eu sou bem mais velho do que os amigos com quem você
costuma sair. Tenha certeza de que posso me cuidar muito bem, e decidir
quem quero manter ao meu lado e quem não vale a pena.
Ele assente com o maxilar travado.
— Oscar não é para brincadeiras.
— E você sabe, disse com experiência de causa?
O constrangimento em seu rosto me diz tudo, isso me irrita ainda mais.
Fico com ainda mais raiva porque agora estou com ciúmes.
— Não era nada sério.
Solto um som irritado, trocando o peso do meu corpo de um pé para o
outro.
— Parece que você não tem nada sério com muita gente.
Ele respira fundo e passa a mão pelo rosto.
— Podemos conversar sobre isso mais tarde? Ainda tenho que terminar
com as coisas por aqui. — Aponta para o local onde alguns funcionários
embarcavam novilhas em caminhões de transporte.
Assinto, vendo-o se afastar rapidamente. Nessa hora me pergunto se
vou continuar com isso, muitas coisas me incomodam na forma como Robert
e eu estamos explorando isso que temos. Contudo, venho fechando os olhos
e guardando esse desagrado para mim, pois sei que se insistir demais ele
pode desaparecer da minha vida. Mas vale mesmo a pena continuar com
algo tão frágil quando meu coração está cada vez mais em jogo? Preciso ter
certeza de que vale a pena antes de quebrar a cara.
— Podemos voltar para o hotel agora, está cansado?
O peão tinha uma expressão de cachorrinho junto do cansaço de passar
mais de duas horas trabalhando na feira de gado. Essa expressão eu
reconhecia muito bem depois de criar dois filhos e uma neta que aprontam
sempre que podem. Ao ver isso uma parte da raiva dentro de mim se esvaiu,
e minha mente me chamou de burro.
“Você vai cair fácil na lábia dele”, podia ouvir a crítica como um eco
dentro da minha cabeça.
— Sim, precisamos dormir um pouco antes de encarar a estrada amanhã
cedo — respondo, fraco diante de seus olhos. Consciente disso, ou não, ele
tinha um olhar que praticamente me implorava para desculpá-lo pelo
ocorrido de horas antes. E como um perfeito tolo, eu o fiz.
— Podemos pegar algo para comer no caminho, estou exausto. — Um
sorriso lento e cansado deslizou por seus lábios, era bonito.
“Sim, é melhor você trabalhar nessa relação. Porque já está ferrado,
percebe que não tem volta nesse ponto, certo?”
— Posso dirigir primeiro, assim você dorme algumas horas a mais —
proponho, sem conseguir me conter e agarrando de leve seu ombro, onde
deixo um aperto. Seu sorriso se volta para mim, um olhar de agradecimento
o acompanha.
— Vai ser bom...
Suas palavras são interrompidas por um ganido alto, só então
percebemos que chegamos ao estacionamento onde tantas emoções já
vivemos em uma relação tão curta. Era final de tarde e o lugar estava quase
vazio, tinham até poucos carros já que a feira ainda não tinha sido aberta
para o público. Por isso foi fácil descobrir de onde vinha o ganido.
Atrás de alguns carros a nossa frente, estava um sujeito robusto e com
uma expressão furiosa, enquanto puxava a coleira de um cachorro e o
chutava sem pena. Tudo ao mesmo tempo em que o pobre animal gania
impotente.
Robert foi o primeiro de nós dois a reagir, ele correu em direção ao
sujeito e avançou nele. Empurrando-o com força suficiente para jogá-lo
contra um dos carros parados, fazendo com que o alarme do veículo
disparasse causando um barulho horroroso. Com certeza chamaria atenção.
— Seu bosta, não se meta! — O homem pegou Robert desprevenido
uma única vez, quando conseguiu acertar um soco em seu rosto. No
momento seguinte o peão estava acertando-o com uma série de socos que o
derrubou no chão.
Fui rápido em puxá-lo de cima do homem antes que algo mais grave
acontecesse. Meu medo era que o cowboy acabasse ferido, por mais que o
rosto ensanguentado do estranho fosse o mais danificado no momento.
— Ajudem aqui! — gritei para alguns homens que vieram correndo ver
o que estava acontecendo.
Eles agarraram o maldito que se levantava na tentativa de acertar
Robert com outro soco. Por sorte foi contido por dois homens fortes que o
arrastaram para longe enquanto ele gritava obscenidades para o peão em
meus braços, assim como cuspia na direção do pobre cachorro encolhido
perto do pneu do carro.
— Esse cara é um encrenqueiro — comentou um peão que tinha ficado
para trás, depois de perguntar se Robert e eu estávamos bem. — Se meteu
em várias brigas essa semana. Esse pobre cachorro vivia sendo chutado de
um lado para o outro, parece que ele queria usá-lo para intimidar alguns
visitantes.
— O cachorro não parece agressivo — falo, quando Robert se afasta
dos meus braços e vai em direção ao cachorro encolhido. O pobre animal
tremia sem parar. Estava magro e com algumas feridas aparentes, mas dava
para ver que era um pitbull.
— É uma garota — falou Robert, chamando nossa atenção. O animal
estava assustado, mas deixou que o peão a segurasse nos braços, apenas
ganindo de dor. A cena apertou meu coração. Que tipo de lixo pode fazer
isso com uma criatura inocente?
— Ela não é agressiva, acho que ele pensou que seria, por ser um
pitbull. O cara é um valentão que adora arrumar briga, quando viu que a
cadela não servia pra isso, ficou irritado e começou a bater nela.
— E vocês nem tentaram ajudá-la? — perguntou o peão com uma
expressão irritada. O homem ao meu lado chegou a dar um passo para trás,
cheio de surpresa e constrangimento, fui logo intervindo antes que outra
briga se iniciasse.
— Obrigado pela ajuda, amigo. Nós assumimos daqui.
Segurei o ombro de Robert e o conduzi em direção a sua caminhonete.
— Deixe que eu dirijo, você fica com ela. — Aponto para a cadela em
seus braços. — Ela está assustada.
Ainda com uma raiva evidente em seus olhos, ele assentiu e me passou
as chaves. Rapidamente saímos daquele estacionamento e o primeiro lugar
onde paramos foi uma clínica veterinária. A cadela precisava de
atendimento, e pela forma como Robert a segurava, eu sabia que ele também
não descansaria enquanto o pobre animal não fosse tratado.
CAPÍTULO 19

Meus punhos estavam apertados só de lembrar da cena covarde, a


pobre cadela sendo chutada sem misericórdia, eu bem que deveria ter
acertado mais uns golpes naquele idiota.
— Pronto, ela já tem água e comida, agora é sua vez de cuidar disso.
Levanto os olhos do canto do quarto, onde a cadela estava deitada,
ainda um pouco encolhida e assustada. Tínhamos colocado água e comida
para ela, mas apenas a água foi tocada.
— Sente na cama, vou desinfectar esse machucado e passar um pouco
de pomada.
— Não é preciso — respondo, mesmo que esteja fazendo o que
Homero pediu. Me sento na beirada da cama e ele vem até mim com uma
sacola em mão. Nela tem coisas que ele comprou na farmácia enquanto
voltávamos para o hotel, depois de passarmos no veterinário.
— Ainda tem sangue seco na sua boca. — Estava doendo um pouco,
aquele desgraçado tinha um golpe duro. — Fique parado, vai arder um
pouco.
Soltei um resmungo quando ele encostou um pedaço de algodão na
lateral da minha boca. Tinha álcool nele, e ardeu pra porra. Homero riu da
minha cara e continuou limpando o local.
— Também vai me repreender por brigar? — resmungo irritado, ele
deixa o algodão com álcool de lado e pega uma pomada.
— Não, você fez bem. Aquele sujeito não passava de um covarde, e eu
sei bem que você é assim...
— Briguento? — interrompo.
— Defensor dos mais fracos. — Não vi qualquer zombaria em sua voz,
apesar de não saber se poderia acreditar nas suas palavras. Foi um elogio? —
Pare de pensar tanto, estou sendo sincero. Posso ter demorado muito para
perceber isso, Robert. Mas você é um bom homem.
Solto um riso alto, chego a resmungar de dor por todo o movimento
brusco.
— Agora, isso sim é uma zombaria. Homem bom?
O prefeito revira os olhos e termina de passar pomada no machucado
em meu rosto. Depois se afasta para guardar a sacola com as coisas da
farmácia. Ele passa pela cadela encolhida no canto do quarto e faz um
carinho em sua cabeça antes de voltar para a cama onde eu ainda estava
sentado.
— As ações que me interessam analisar, te tornam um bom homem aos
meus olhos. Se você prefere ver apenas o pior lado de si mesmo — dá de
ombros —, o que posso fazer?
Encaro seus olhos por alguns segundos, ele não vacila.
— Se tornando um tolo a essa altura da vida? — O sorriso que recebo
consegue me deixar com a boca seca. Porra de homem para me confundir!
— Com isso tenho que concordar, me tornei um grande tolo desde que
passei a te dar atenção. — Abri a boca pronto para questioná-lo sobre o que
ele queria dizer com aquilo, quando ele volta a olhar para a cadela encolhida
no canto do quarto. Ela nos encara com os olhos baixos, como se estivesse
curiosa sobre nós. — Posso ficar com ela, Hope precisa de um lar melhor.
Ergo uma sobrancelha.
— Hope?
— Alguém precisa ter esperança por aqui, não é? Deixe que essa garota
tenha fé em uma vida melhor.
A encaro e ela me olha bem dentro dos meus olhos. Vejo uma
inteligência e fragilidade naqueles olhos azuis que me desmontam. Ela
conseguia me entender? Será que um ser maltratado e sofrido poderia
reconhecer tão facilmente outro ser ferido?
— Deixe, eu cuido dessa menina. — Me levanto e caminho até ela, pela
primeira vez desde que nos conhecemos, Hope parece animada. Seu rabo
balançando de um lado para o outro mesmo que ela se mantenha encolhida
no canto. Abro um sorriso compreensivo e começo a fazer um carinho em
sua cabeça. — Você quer ir para casa comigo, Hope? Quer ser minha
companheira?
Seu latido não passa de um resmungo choroso, mas eu sei que ela
concordou com as minhas palavras. Ao levantar o olhar, encontro Homero
parado alguns passos atrás, ele tinha os braços cruzados sobre o peito, um
sorriso nos lábios e um olhar intenso e carinhoso nos olhos. Quase não
consegui desviar o olhar e quando o fiz estava com a boca seca.
Ah, Hope, o que está acontecendo comigo?
Estou pronto para aceitar esse homem, ou ainda dá tempo de dizer
adeus?

A viagem de volta para Cross Ville foi tranquila, a única coisa que
tivemos que ficar atentos foi a Hope, ela ficou estressada por ser uma
viagem longa e por isso fizemos algumas paradas apenas para que a cadela
esticasse as patas, caminhando um pouco do lado de fora do carro. No resto
do caminho tudo foi muito tranquilo, quase não acreditei em como abri mão
do volante por todo o trajeto, adormecendo no banco do carona sem ao
menos perceber.
Homero não me acordou até que passamos dos limites de Cross Ville, a
paisagem ficando mais rural nos arredores da cidade e depois voltando para
a aparência urbana das ruas e prédios da pequena cidade. Nesse ponto eu já
estava bem desperto e fui conversando com o prefeito sobre a festa que
aconteceria em alguns dias. Era o aniversário de 112 anos da cidade, eu
estava animado e não consegui esconder isso. Minha animação arrancou um
sorriso de Homero que ele carregou pelo resto da viagem. Dessa vez não
fiquei em choque, estava nervoso ao notar o carinho do homem através
daquele gesto.
— Você pode assumir o volante agora, cowboy — sua frase me pegou
de surpresa, eu estava distraído e quase não notei o caminho que estávamos
percorrendo. Homero havia parado minha caminhonete na beira da estrada,
pelo menos um quilometro antes de chegar à fazenda Foster.
— Tudo bem... — Parei, vendo-o tirar o cinto e descer do carro, ele
bateu a porta bem no momento em que pulei para o banco do motorista e se
curvou em direção a minha janela.
— Obrigado pela carona.
— Eu... O que está fazendo?
O homem mais velho riu, me pegando de surpresa novamente quando
se curvou até alcançar meus lábios em um beijo rápido. Nem tive tempo de
corresponder antes que ele se afastasse, acenando com a mão.
— Vou ficar aqui, assim não corremos o risco de sermos vistos juntos
por alguém em minha fazenda.
Ele não me deixou responder, não esperou por uma resposta e saiu
andando. Eu queria ter tido a coragem de gritar, pedindo que esperasse, dizer
que o levaria até sua fazenda, e que parasse de besteira. Mas tudo que fiz foi
o observar até que ele desaparecesse de vista em uma curva na estrada
alguns metros à frente. E só lembrei que estava parado encarando o nada
quando Hope ganiu no banco de trás.
— Sim — disse, suspirando ao mesmo tempo em que a olhei pelo
espelho retrovisor. — Eu sei que sou um grande idiota. Não precisa me
lembrar disso com esses grandes olhos azuis.
Ela ganiu novamente, baixando a cabeça em cima das patas, os grandes
olhos azuis ainda me encarando cheios de julgamento.
— O que eu deveria fazer? Aquele homem é só problemas, nós não
somos namorados nem nada do tipo.
Resmungando, ligo o motor e saio dali. Minha cabeça já me julgava o
suficiente, não precisa, ainda por cima, do julgamento da minha cachorra.
— Que lindo! — Pobre Hope, nem teve chances. Bastou que eu a
tirasse do carro quando estacionei na frente da casa de Reed, para que Zac
corresse em nossa direção. — Ele morde?
— Sim, ela morde! Principalmente garotos magrelos e intrometidos.
Ele fez uma careta para mim e voltou a se aproximar de Hope. Ela
devia ser a garota mais boazinha do mundo, pois se animou toda ao receber
o carinho de Zac. Seu rabo abanando de um lado para o outro, mesmo que
Hope estivesse um pouco receosa. Não era para menos, depois de sofrer
tanta violência, minha garota tinha medo. Esse tipo de medo é como uma
cicatriz invisível, por mais que você não veja com os olhos, ela sempre
estará lá.
— Reed está em casa? — pergunto.
— Sim, ele estava verificando o Calamidade. Vão tirá-lo do
confinamento, ele está pronto para ser introduzido a outros animais.
— Hum, vou falar com ele. Vamos, Hope!
— O nome dela é Hope? Que linda! — Hope veio ao meu lado,
trotando quase colada à minha perna enquanto Zac vinha mais atrás,
tagarelando sem parar sobre Hope e como ele a queria. — Eu posso cuidar
dela melhor do que você, não é garota?
— Vai sonhando — debocho, vendo mais a frente Reed e alguns peões
da fazenda. Calamidade, o touro reprodutor, estava se adaptando bem a
fazenda. Era um belo animal, e em breve Miracle estaria cheia de belos
bezerros filhos dele.
— Rob, você chegou! — Reed me vê e vem em minha direção. Hope
ao meu lado não passa despercebida. — Foi por causa do cachorro que você
demorou?
Desviei meus olhos, eu estava mesmo sentindo meu rosto aquecido?...
Mas que porra.
— Ela estava sendo maltratada por seu antigo dono. Agora Hope é
minha, não é garota? — pergunto, me abaixando ao lado dela, para fugir do
olhar de Reed. Ele percebeu a mudança sutil do meu comportamento.
— Hum, então tá. Correu tudo bem com os últimos animais para serem
embarcados na feira?
— Sim, tudo perfeitamente bem! — Novamente, Reed me encara com
estranheza. Minha sorte é que nessa hora um dos peões perto de Calamidade,
chama o nosso patrão. Reed deixa o meu lado e vai ver o que o homem quer.
Eu respiro fundo e posso me colocar de pé de novo.
— O que aconteceu com você? — Zac ainda estava aqui? E por que o
pirralho me encara com esses olhos apertados?
— Quando eu descobrir... — Faço uma careta. — Não te conto nada,
seu fofoqueiro!
— Ei! — Recebo um tapa no ombro que dói menos do que a picada de
um inseto. — Eu só estava preocupado, mas nem ligo mais. Faça o que
quiser! Vem comigo, Hope? Eu te mostro a fazenda, você não pode ficar ao
lado desse chato o dia todo, vai acabar como ele.
— Vá cuidar do seu trabalho, moleque! — Dou um tapa em sua cabeça,
o chapéu ali quase caí no chão. Ele salta para longe, reclamando. — Vamos
garota, eu vou te mostrar a sua nova casa. Depois podemos ir juntos
trabalhar, tenho certeza de que você vai gostar da vida na fazenda.
Para a minha felicidade, Hope não parecia pensar que sou um chato, ela
me seguiu com animação, rabo balançando e tudo. Algo me diz que seremos
bons amigos.

— Você parece preocupado — diz Margarita se sentando ao meu lado


na varanda da casa de Reed. É noite na fazenda, o lugar está silencioso, e
aproveitei para admirar as estrelas no céu antes de seguir para casa. Essa
noite fiquei para jantar com eles, e por isso ainda me encontro na casa da
fazenda, bem depois do serviço terminar.
— São seus olhos, Margarita.
A mulher sempre me deixou de orelha em pé com a forma como parece
saber de tudo que acontece a sua volta, mesmo que nenhuma palavra seja
dita. Margarita sempre tem consigo aquele tipo de olhar conhecedor. Para
nossa sorte, ela não é uma fofoqueira como o Zac, ou todos estaríamos
perdidos.
— Pensa que me engana? Eu bem vejo você encarando o nada,
suspirando pelos cantos. Uma ruga de preocupação em sua testa sempre que
pensa que ninguém está olhando. E isso piorou depois que você voltou da
última viagem a Cine City. Algo aconteceu por lá?
— Nada, já disse que está vendo coisas. Estou apenas cansado do
trabalho.
Se Margarita foi capaz de perceber tudo isso, o que outras pessoas,
como Reed, perceberam? Tenho medo só de pensar. Ele vai tirar meu couro.
— Continue dizendo isso para si mesmo, e talvez você acredite.
Margarita dá um tapinha em meu ombro e se levanta.
— Vamos, Malaquias, é hora de deixar sua amiga ir para casa.
Um miado esganiçado é a resposta que a mulher recebe do gato
rabugento. Malaquias é o gato de Reed, ele normalmente passa seus dias
dormindo ou comendo, mas desde que viu Hope pela primeira vez,
desenvolveu algum tipo de afeição pela minha cadela. Se é que posso
chamar de afeição o que ele anda fazendo, ao passar seus dias em cima das
costas de Hope, sendo levado de um lado para o outro como um rei tirano. E
ai de quem tenta tirá-lo de cima.
— Vamos, Hope — digo, me levantando também, e limpando a poeira
da minha calça. — Hora de irmos para casa.
Hope latiu animada, o rabo balançando de um lado para o outro.
Malaquias, por sua vez, soltou outro miado esganiçado e quando tentei tirá-
lo das costas de Hope, o pequeno demônio fincou suas garras em minha
mão.
— Ai! — Puxei a mão para trás, não antes de ter um filete de sangue
escorrendo. O que tem de errado com os animais do Reed? — Seu filhote de
cão!
O gato me ignora totalmente, enquanto Margarita ri da minha cara.
Malaquias por fim salta de cima de Hope e saí rebolando sua bunda fofa.
— Ainda falam de mim — resmungo. — Boa noite, Margarita.
— Boa noite, e vê se coloca essa mente no lugar. Se bem que algo me
diz que seus problemas são de coração.
Sinto até um arrepio com suas palavras, e ando mais rápido em direção
a minha casa. Problemas de coração, até parece, é minha mente mesmo que
insiste em pensar besteiras.
— E não fique tão animada, Hope — falo para a cadela trotando feliz
ao meu lado. — Parece até que você concorda com Margarita.
Seu latido feliz me faz revirar os olhos. Que traidora. Caminho mais
rápido e não demoro para chegar em casa. Ao me aproximar da varanda
escura noto a presença de um carro conhecido. Na mesma hora sinto um
aperto no peito, e lembro das palavras de Margarita.
— Você não disse que viria — falo, vendo o homem mais velho se
levantando do degrau onde estava sentado. Ele abre um enorme sorriso e se
abaixa quando Hope o reconhece e corre até ele, abanando o rabo de forma
feliz.
— Senti saudades... Da Hope, é claro.
— É claro — repito, sem conseguir esconder um sorriso. Por que é tão
difícil pensar quando ele está perto? Se Homero está longe a minha cabeça
se enche de preocupações, mas quando ele fica diante de mim é como se eu
só conseguisse me concentrar nele. Quero vê-lo sorrir, ouvir mais da sua
voz, sentir o gosto dos seus lábios e a textura da sua pele.
— Como foi seu dia? Você chegou tarde.
Subo os degraus da frente, ele bem atrás de mim. Abro a porta e ligo as
luzes, Hope corre para sua cama perto do sofá, onde tem água e comida.
Nessa hora ela nos ignora totalmente. Eu caminho pela casa e vou tirando as
botas e o chapéu. Homero me segue por todo o caminho e quando entramos
na cozinha suas mãos não perdem tempo antes de agarrarem meus ombros e
virarem meu corpo de encontro ao seu.
Não demonstro resistência, quero seu beijo quase tanto quanto ele quer
me beijar. Eu também senti sua falta, por mais que tenhamos nos visto
poucos dias atrás. Como isso é possível? Nunca senti esse tipo de
necessidade antes, pensei que não era capaz de me sentir assim.
— Hum. — Caminho para trás, minha bunda batendo na lateral da mesa
ao mesmo tempo em que minhas mãos se apoiam nela. Homero tem suas
mãos segurando ambos os lados do meu rosto, como se tivesse medo de que
eu fugisse a qualquer momento.
— Eu realmente senti sua falta — confessou com a boca a centímetros
da minha. Invés de dar-lhe uma resposta, puxei sua cabeça novamente de
encontro a minha, beijando-o.
“Eu também.”
Eu precisei beijá-lo com ainda mais intensidade, beijando no desespero,
porque sabia que se tivesse minha boca livre da sua acabaria falando mais do
que desejo no momento. Pois ele me confunde, e me enlouquece na mesma
medida. Eu deveria tê-lo afastado quando tive a chance, sei que deveria.
Agora penso se pode ser tarde demais?
— Robert... — Com sua voz sussurrada com tamanha entrega, é
impossível continuar pensando em mantê-lo longe. Puxo seu corpo para
mais perto, arranco as roupas do caminho e busco contato.
Sua pele é quente, macia, é tão gostoso roçar nele. E as mãos? Elas são
tão grandes, seguram tão bem os nossos paus juntos. Minha cabeça fica
completamente vazia de pensamentos e meu corpo inteiramente cheio dele.
Dos seus toques, beijos, do cheiro de sua pele, do som da sua voz.
Me atreveria a dizer uma espécie de profanação, é como se eu quisesse
amá-lo, mesmo sabendo que não sou capaz de sentir tal sentimento.
Ainda assim, são as minhas mãos que o agarram com tanta força
quando nossos corpos convulsionam ao mesmo tempo, entregues ao prazer.
E sou eu quem ainda quero beijá-lo depois disso, mantê-lo perto, ouvir sua
respiração acelerada voltando ao normal. Sou eu quem ainda quero mais
depois de receber tanto.
Não muito tempo atrás, Homero disse que sou um bom homem. Mas
como posso ser um bom homem quando sou tão egoísta quando se trata
dele?

Em todas as ocasiões nas quais estive em lugares como aquele, jamais


me senti tão envergonhado como naquele domingo à noite. A sensação que
eu tinha percorrendo toda a minha pele é a de que todos os olhos no local
estavam em cima de mim, eles sabiam o que eu estava fazendo, e por isso
me julgavam e cochichavam pelas costas.
— Mas olha só quem temos aqui! — Minha atenção foi tomada pela
voz animada de Juno, a dona do bar. A mulher sorriu do lugar onde estava
no balcão, e acenou em minha direção.
Caminhei até ela que já me esperava com a costumeira cerveja que eu
deixaria intacta.
— Você estava sumido, cowboy. Pensei que haviam aberto um novo bar
na cidade, muito melhor do que o meu, e fui traída.
Tive que rir, negando com a cabeça. Policial Dexter estava sentado em
seu banco costumeiro, aquele lugar já devia ter o nome dele marcado, não é
possível. Ele também riu do exagero de Juno.
— Muito trabalho, também fiz uma viagem recentemente. — Apesar de
ser verdade, eu sentia que mentia para Juno.
— Estou feliz em saber que não perdi um dos meus melhores clientes, o
que eu faria se o cowboy bonitão não viesse mais? Sabia que os bonitinhos
continuam perguntando sobre você? Parece até que eles só vem ao meu bar
para poder ter uma chance com você.
Solto um riso alto, me encostando no balcão e dando uma olhada em
volta. De fato, muitos olhares interessados estavam em mim. Isso teria
enchido o meu ego até pouco tempo atrás, mas dessa vez só aumentou ainda
mais o incomodo em minha pele. Eu tinha que me segurar para não começar
a coçar como um louco.
Merda, parece que já estou encontrando as respostas que vim procurar
aqui esta noite.
— Vou atender aos outros pedidos, qualquer coisa é só chamar. —
Volto a minha atenção para Juno, a tempo de vê-la piscando um olho em
direção ao policial Dexter. O homem sorriu de uma orelha a outra, foi
impossível não notar.
— Hum... Temos novidades aqui? — Me vi perguntando, mesmo que
não fosse um amigo próximo de Dexter, eu até que gostava do homem. Ele
foi uma das gratas surpresas que tivemos na delegacia depois que xerife
Hunter assumiu o cargo de xerife.
— Você pode dizer que sim — o homem respondeu, parecia
constrangido, na mesma medida em que não conseguia esconder sua alegria.
— Ainda não acredito que Juno me deu uma chance. Você consegue
acreditar? Ela é tão forte, bonita, maravilhosa.
Sorrio diante da cara de bobo apaixonado que ele estava fazendo. Juno,
mesmo do outro lado do balcão, olhou em nossa direção e sorriu para o
namorado. Eles faziam um belo casal, e mereciam ser felizes e amar.
— Ela deve ter sido vencida pelo cansaço — brinco. — Você não sai
desse balcão desde que o bar foi aberto.
Dexter ri, nega com a cabeça e toma um gole de sua cerveja enquanto
eu apenas encaro a minha.
— Pode ser que sim, mas valeu a pena. Se eu tivesse desistido ou me
importado com as merdas que alguns amigos disseram a respeito de Juno,
teria perdido a coisa mais incrível que já aconteceu na minha vida.
A certeza em sua voz me encheu de ciúmes. Dexter era tão jovem, mas
já tinha aquele tipo de olhar decido a tudo para lutar por sua felicidade. Eu
sequer tive esse tipo de olhar um dia?
— É, talvez não tenha sido apenas sua insistência que fez Juno ceder —
comento, ele ri novamente.
— Não se engane, eu tive de conquistar aquela mulher, se não fosse por
isso, Juno teria me dado um pé na bunda há muito tempo. Até minha ex-
namorada ligou para falar merda para ela.
Com o maxilar apertado volto a olhar para Juno, ela tinha um sorriso
radiante no rosto enquanto atendia alguns clientes. Que tipo de idiota perde
seu tempo tentando ferir alguém assim? Que só quer viver sua vida, ser ela
mesma, ser amada e feliz.
— Se precisar de ajuda com...
Dexter ergue a mão.
— Já foi tudo resolvido, xerife Tristan até deu um ultimato aos meus
colegas na delegacia, que estavam fazendo piadinhas. Nós estamos bem
agora, minha mãe a adora, isso deixa Juno feliz. Então eu estou feliz
também.
Dou um aperto rápido em seu ombro.
— Fico feliz pelos dois. Cuide dela.
— Pode deixar. Mas e quanto a você? Juno tem razão, parece ter algo
de diferente com você... Chegou e ficou no bar conversando comigo, nada de
sair à caça.
— Estou perfeitamente bem aqui — desconverso. A cada dia que passa
mais pessoas percebem as mudanças em mim. É por isso que estou aqui essa
noite, para provar de uma vez por todas em que pé as coisas estão. — Mas já
que falou no assunto, me dê licença, eu vou circular um pouco.
Desencostei do bar e comecei a caminhar. Poucos passos depois eu fui
abordado por um rapaz bonitinho, na casa dos 20 e poucos, ele estava
acompanhado de um grupo de amigos que soltavam risadinhas enquanto ele
se aproximava. Deviam ser estudantes universitários. Muitos vinham das
cidades vizinhas para o final de semana, principalmente depois que o poço
ficou popular entre a comunidade LGBTQIAPN+.
— Olá, cowboy. Eu estava de olho em você, me paga uma bebida?
Até pouco tempo atrás aquele era o meu tipo de homem, mas agora
tudo parece tão fora do lugar, começando pela mão pequena demais que
insiste em tocar meu peito.
— Meu nome é Gabriel, caso você queira saber. — Ele sorriu ainda
mais, aprofundando os traços delicados do rosto, sem um único pelo na face.
Quando a mão pequena tentou invadir a minha camisa, eu a segurei, o que o
surpreendeu. Então um novo sorriso desponta em seus lábios, ele estava
cheio de malícia. — É claro que podemos procurar um lugar mais tranquilo,
meus amigos dizem que não tem nada melhor do que montar um peão por
aqui.
Me pego olhando em volta, os olhos procurando freneticamente.
Homero, obviamente, não estava ali, no entanto, se ele estivesse e ouvisse
algo assim ficaria irritado.
— Tire suas mãozinhas, bonitinho. — Sorrio por pura educação. —
Você não faz o meu tipo.
O rapaz recebeu isso como um insulto e praticamente saiu batendo o pé.
Eu respirei fundo, parece que o ar tinha voltado aos meus pulmões. Ele não
faz o meu tipo? Então quem faz? Aquele coiote?
— Continua negando o óbvio, Rob — resmungo, passando a mão em
meus cabelos, por baixo do chapéu que eu usava.
Por mais que não esteja pronto para dar nome ao que estou sentindo,
não vou mais fugir disso. Do que adiantaria?
Um olhar rápido para o balcão e vejo Dexter de cochicho com Juno. Ele
não tinha acabado de me falar sobre “valer a pena”, algo pelo qual vale a
pena lutar?
Caminho rapidamente na direção deles, coloco a garrafa de bebida
intacta no balcão, surpreendendo o casal que não tem tempo de dizer uma
palavra sequer antes que eu coloque uma nota ao lado da garrafa, pagando
pela bebida. Então dou as costas e caminho apressado para fora do bar.
Chego ao lado de fora com os pulmões puxando o ar com força. Tiro o
chapéu e passo as mãos pelos cabelos. Bagunço-os como se isso fosse me
acalmar. Estou me sentindo tão culpado por ter vindo, Homero me mandou
uma mensagem mais cedo e eu o ignorei completamente. Ele estaria
chateado?
Como se atraído por meus pensamentos, quando começo a andar em
direção a minha caminhonete estacionada próximo ao bar, vejo um carro
preto de quatro portas descendo a rua. Sei quem é, e xingo alto antes mesmo
dos meus olhos cruzarem com aquela imensidão furiosa do mais profundo
azul. Sua neta estava no banco do carona e falava alguma coisa, talvez tenha
sido por isso que ele não parou e me enfrentou, apenas acelerou o carro e foi
embora.
— Coiote...
CAPÍTULO 20

Ainda era terça-feira e minha mente se encontrava esgotada por uma


semana inteira. Como se fosse pouco estar organizando a festa da cidade,
ainda tenho que lidar com Robert, ou a falta dele. Não é como se o cowboy
tivesse desaparecido, sou eu quem estou tentando me manter longe. Fiquei
tão puto de raiva quando o vi saindo do poço no último domingo.
O que eu esperava? Ele estava cansado de dizer que não queria nada
comigo, eu quem me iludi a essa altura da minha vida.
A raiva transbordava para fora de mim, junto do ciúmes, quando saio
do banheiro do meu quarto. O cabelo pingando e uma toalha em volta da
minha cintura. Escuto o som de notificação vindo do celular que carregava
na mesa de cabeceira ao lado da cama. Reviro os olhos, sabia que era
Robert, não era nenhuma pretensão minha, o homem havia mandado umas
cinquenta mensagens nos últimos dois dias, depois que viu que eu não estava
atendendo as suas ligações.
Por que ainda não bloqueei seu número? Ah, vamos lá, você sabe a
resposta para isso.
Caminho pelo quarto em direção ao closet, começo a procurar por uma
cueca e meu pijama. Gosto de conforto na hora de dormir e nada melhor do
que um pijama com tecido macio. Essa tarefa é interrompida por um barulho
de algo quebrando, parecia que alguém derrubou um vaso de cerâmica ou
algo assim. Com as sobrancelhas arqueadas, saio do closet à procura de
algum intruso, mas o meu quarto está em perfeito estado de silêncio.
— Hum — resmungo desconfiado e começo a voltar para o closet,
sendo impedido por um sussurro baixo que lembrava muito um xingamento.
De forma silenciosa me aproximo da janela do quarto, fazia uma noite
quente e eu a tinha deixado aberta. Como estava no segundo andar não
pensei que algum louco pudesse inventar de entrar por ela. Agora me
pergunto se estava enganado. No caminho até a janela agarro o primeiro
objeto que encontro e poderia usar como arma: uma pequena estátua de
cavalo, feita de cerâmica e pesada pra caralho. Racharia a cabeça de um se
acertado por ela.
— Tem alguém aí? — Coloco a cabeça para fora e no instante seguinte
quase sofro um infarto com o sujeito que salta para dentro, caindo por cima
de mim. O barulho é alto, somado aos gemidos de dor e o estrondo da
estátua se espatifando no chão. — Porra!
— Você me assustou, coiote — olhei de forma incrédula para o cowboy
ainda largado em cima de mim.
— Eu te assustei? Foi você quem resolveu invadir a minha casa e quase
me causar um infarto! O que te deu para escalar a parede e pular a janela?
Robert cobre a minha boca com uma mão.
— Fale baixo! — resmunga, eu reviro os olhos. Em seguida escutamos
uma batida na porta.
— Pai? Está tudo bem? — Era a voz de Ricco. — Estava passando e
pensei ter ouvi um barulho estranho vindo do seu quarto.
Empurro a mão de Robert para longe da minha boca e falo alto o
suficiente para que meu filho escute.
— Estou bem, apenas tropecei e uma estátua caiu e se quebrou. Não foi
nada demais.
— O senhor se machucou? Precisa que eu chame algum empregado
para limpar a bagunça?
— Não! Er... quer dizer, não. Eu estou bem, pode ir descansar, amanhã
limpam essa bagunça.
Um momento de silêncio depois, vem a resposta:
— Tudo bem, boa noite, pai.
— Boa noite, meu filho.
Esperamos por cerca de um minuto, apenas para ter certeza de que
Ricco tinha ido embora. Então o cowboy começa a rir com a cabeça
encostada em meu pescoço nu. Sinto arrepios involuntários por todo o corpo
e tento tirá-lo de cima de mim. Como diabos ele pode ser tão pesado e forte?
— Do que está rindo? Eu não achei graça nessa situação. E saia de cima
de mim!
Ele ergue a cabeça e me encara com um sorriso provocador.
— Por quê? Eu bem que estou gostando dessa posição. — O empurro
mais uma vez e ele saí de cima, ainda com um sorriso idiota no rosto. Nós
dois nos colocamos de pé e eu fico me sentindo muito exposto diante do
olhar que recebo para o meu corpo coberto apenas por uma toalha. — Você
me ignorou por dias, não atendeu as minhas ligações e não respondeu as
mensagens.
— Achei que isso te deixaria feliz, nós não temos nada sério mesmo.
Então por que insistiu tanto?
Ele respira fundo, passando as mãos pelos cabelos cacheados. Só então
percebe que seu chapéu caiu no chão durante a nossa queda. Um olhar
rápido e o encontro próximo a janela. Robert não faz questão de pegá-lo por
hora, invés disso toda a sua atenção está em mim.
— Você me viu no poço e tirou conclusões.
— Que conclusões eu teria que tomar? Acho que as coisas estão bem
claras, e como não quero continuar com isso e correr o risco de me envolver
demais com alguém que não quer o mesmo comigo. Pensei em facilitar as
coisas e parar por aqui.
— Você está mentindo — ele diz, me irritando ainda mais quando
caminha até a minha cama e se senta como se fosse o dono da porra toda.
Ele até mesmo tira as botas, as largando pelo chão. — Você começa
mentindo quando diz que ainda não se envolveu, quando fala que vai acabar
com tudo antes que isso aconteça.
Estalo a língua em um gesto irritado.
— Veio passar isso na minha cara?
— Não, eu vim te dizer o que fui fazer no poço. — Ergo uma mão para
silenciá-lo. Não tinha o mínimo interesse em ouvir suas proezas sexuais com
outros homens. Robert me ignora e continua falando. — Todas as vezes que
estou com você não consigo pensar direito, é quase impossível não querer
mais de você. Mas quando estou longe minha cabeça começa a encher de
besteiras, começo a duvidar de mim mesmo, do que sinto e quero. Odeio
cada vez mais isso, queria ter certeza de algo pela primeira vez desde que
começamos a nos envolver dessa forma.
Algo dentro de mim se acalma, me aproximo dele, ficando de frente
para o cowboy. Minha voz consegue surpreender a mim mesmo pela
suavidade quando falo:
— E o que você descobriu?
Ele estende uma mão, pedindo com o olhar intenso para que eu a
agarre. No momento seguinte minha pele entra em contato com a aspereza
de sua mão.
— Encontrei muitos caras dispostos a ter um bom tempo comigo, um
deles era exatamente o tipo de homem com quem eu costumava transar. Ele
veio até mim, se apresentou e fez uma proposta quase irrecusável.
Tento puxar minha mão, ele a segura com mais força.
— Sabe o que respondi?
Irritado, solto:
— O que porra você respondeu? — Ele sorri.
— Disse que ele não fazia o meu tipo. — Seu riso fica mais alto. — Eu
disse isso para um homem que até pouco tempo atrás eu pularia em cima
sem pensar duas vezes. Tem noção disso? Consegue imaginar que o meu
tipo agora é um coiote velho, barbudo e grisalho?
Meu próprio corpo vacila, eu puxo o ar com força. O coração acelerado.
Amor? Paixão? Eu só amei uma outra pessoa em minha vida, mas era
diferente. Será que é para ser assim mesmo? Apesar de tudo ser amor, ele
muda a forma como você sente de uma pessoa para a outra. Pode ser por isso
que algumas pessoas tem tanta dificuldade em perceber que estão amando.
— Faço seu tipo agora? — pergunto, ficando no meio de suas pernas.
Ele solta minha mão e agarra minha cintura.
— Eu quero ficar com você, sem outros, ninguém mais. Apenas nós
dois. — É a resposta que recebo, é tudo que preciso para abaixar diante dele
e beijá-lo. Sou recebido com ansiedade, saudade.
Se posso sentir sua falta em tão poucos dias? Eu sinto a falta dele cada
segundo que passo longe. Sim, Robert tem razão quando diz que é tarde
demais para mim.
— Não terei misericórdia de você, peão, caso volte àquele lugar sem
mim.
Esse aviso é recebido com um riso de sua parte. Ele fica muito bonito
com esse tipo de olhar e sorriso, felicidade combina com esse homem. Suas
mãos me puxam de encontro a ele, me deixo cair na cama e seu corpo
totalmente vestido vem por cima do meu, que tem apenas uma toalha
cobrindo a nudez.
— Rober... Ah! — A primeira parada de sua boca não é na minha, mas
sim nos mamilos eriçados por causa do ar frio que foram expostos logo após
um banho quente. A forma como sua língua desliza por eles, um de cada
vez, lambendo antes de sua boca sugá-lo, e por fim, seus dentes raspam na
pontinha, me deixando louco. Meu pau estava acordado e ansioso para ser
tocado também.
— Você está tão sensível. É porque eu não te toquei nos últimos dias?
Cubro os olhos com um braço, enquanto minha respiração saí
enlouquecida. Estou com tanta vergonha, mas não tenho forças e desejo de
conter as reações do meu corpo. Se quero fazer algo, é abrir ainda mais as
minhas pernas para que ele venha entre elas. Esfregando seu corpo robusto e
duro contra a minha pele, me fazendo gozar.
— Está viciado em mim, prefeito?
Arrisco um olhar por baixo do braço que ainda cobre meus olhos.
Encontro seus profundos olhos castanhos. Ainda me surpreendo em como
olhos tão comuns podem ter um brilho intenso dessa forma. Eu disse
comum? Não tem nada de comum nesse homem!
— Você vai querer ter seus olhos bem abertos para ver o que vou fazer,
prefeito. — O sorriso predador foi um aviso, meu corpo sabia disso e tremeu
de antecipação. — Use essas mãos para cobrir outra coisa, sua boca. Ou seus
gemidos vão ser ouvidos por todos nessa casa. E não queremos que saibam o
quanto você gosta de ser comido por mim.
As paredes da casa eram grossas o suficiente para que eu não tivesse
aquele tipo de preocupação. Ainda assim me encontrei fazendo exatamente o
que ele disse, tirei o braço da frente dos olhos e observei cada segundo, cada
novo gesto do peão que desceu por meu corpo, beijando e lambendo cada
faixa de pele que encontrou pela frente. Ele soltou a toalha da minha cintura
e a afastou, então passou um bom momento olhando para todas as novas
partes expostas. Meu pau pulsando diante do olhar cheio de fogo.
Ah, como eu queria aquele homem!
Robert desceu sua boca, sem provocações, sem mais espera. Ele foi
direto ao ponto certo, caiu de boca em meu pau e eu fui os céus, ou o mais
próximo disso que um homem como eu posso alcançar. A língua brincalhona
serpenteou por cada veia exposta, os lábios grossos se uniram e sugaram
com força. Eu não gemi, gritei por causa de sua boca. Era tão quente, tão
gostosa, eu queria ainda mais, por isso abri bem as pernas e deixei que
Robert tirasse gemidos de mim na mesma proporção em que me dava prazer.
— Você está olhando? — ele perguntou, erguendo um pouco o rosto.
Eu abri os olhos que nem ao menos percebi ter fechado. A visão diante de
mim quase me fez gozar. Seus lábios estavam tão vermelhos quanto suas
bochechas, os olhos eram puro fogo e saliva escorria pelo queixo. — É
assim que um homem fica quando está louco de desejo por você.
Jamais me cansaria de ver tal coisa. Como faço para colocar mais dessa
expressão em seu rosto?
— Bonito — digo, ele sorri.
— Eu esperava sexy.
Também sorrio, engolindo esse mesmo sorriso quando sua boca desce
novamente de encontro ao meu corpo, dessa vez descendo um pouco mais e
alcançando a parte mais íntima do meu corpo. Como alguém pode sentir
tanto prazer ao ter uma língua enfiada em seu cu? Isso tem que ser um dos
maiores mistérios da vida.
— Porra! Sim... Isso! — Meu corpo chega a se erguer da cama,
buscando mais. Não tenho pudor ou vergonha nessa hora enquanto tento ter
mais de sua língua dentro de mim. Ele me atende rapidamente e enfia um de
seus dedos ásperos. Eu grito mais uma vez. Até mesmo a queimadura da
invasão é gostosa.
— Você aprende tão rápido, coiote... Se pudesse ver como fica bonito
assim. — Lamento quando ele se afasta, eu queria mais. Minha bunda se
aperta em volta do nada, querendo que ele me preencha novamente. — Um
dia você vai me deixar tirar uma foto disso?
Parado ao pé da cama, ele tem um de seus dedos deslizando por entre
minhas nádegas, provocando.
— Seu rabo está pulsando por mim, ele quer o meu pau. Você sabe
disso?
— Provocador — digo, a voz rouca, as mãos agarrando com força os
lençóis da cama. Robert ri, enquanto suas mãos abrem os botões da camisa e
a empurram por cima dos ombros largos. Toda aquela pele bronzeada e cheia
de músculos vem à tona. Isso dá água na boca.
Sim, o homem é bonito, sexy, gostoso e o que mais ele quiser.
— Você gosta desse provocador.
Espero até que ele tire o resto de suas roupas e venha por cima de mim,
onde minhas mãos o agarram e não deixam que fuja, para então responder a
provocação anterior.
— Sim, eu gosto desse provocador. Gosto de você, peão.
Surpreendentemente, ele recebe essa declaração com um olhar quente e
um sorriso no rosto. E quero acreditar que o beijo enlouquecedor que ganhei
a seguir foi a minha resposta de que não estava gostando sozinho.
— Vai me deixar te foder? — sussurrou de encontro ao meu pescoço,
um dia ele ainda me deixaria cheio de marcas. Como eu lidaria com isso?
Não faço ideia, afinal, não teria como escondê-las por baixo das camisas.
Por hora, deixo que Robert faça o que quer. Sou fraco diante de seus lábios
habilidosos.
— Tem camisinha e lubrificante na mesa de cabeceira — falo, ele me
olha com uma sobrancelha arqueada. — Sou um homem preparado, ou acha
que eu te deixaria me foder a seco?
Ele ri, mas vai em busca do que falei. Não demora para que o cowboy
volte com os objetos em mãos.
— Fique de quatro, prefeito. E agarre firme na cabeceira da cama.
Engulo em seco, meu corpo se movendo por vontade própria. Posso
sentir o calor se espalhando por minhas bochechas e pescoço quando estou
parado em uma posição tão comprometedora. Jamais estive tão exposto a
alguém antes. Devo ser muito louco ou confiante para oferecer isso a Robert.
— Até suas costas são bonitas, nelas eu posso deixar marcas? — Ele ri
pela forma como tremo, os pelos se arrepiando. — Gosta disso, não é? —
Volta a perguntar, agora com a boca na pele das minhas costas.
Como poderia negar? Eu queria aquelas marcas e gemi alto quando ele
começou a sugar desde o alto da colona até os quadris, o tempo todo suas
mãos amassavam minhas nádegas. Foi então que ouvi o barulho do
lubrificante sendo aberto, ele despejou em seus dedos e os levou até meu cu,
abrindo caminho para si enquanto continuava a marcar minhas costas. Eu
mal tinha forças nas pernas e braços para continuar naquela posição quando
ele colocou seu pau rente a porta do meu cu.
— Eu tenho você — sussurrou, passando um braço por baixo da minha
barriga e me segurando quando começou a me penetrar. Robert foi tão fundo
dessa vez, e foi tão bom que eu não tive palavras coerentes, apenas uma série
de resmungos e grunhidos.
Se eu estava viciado naquele homem? Nem posso dizer o que estou
sentindo em dar a bunda.
— Por que não fiz isso antes? — deixei escapar em algum momento,
meu cérebro corroído por todo o prazer que meu corpo sentia, mas Robert
ouviu e mordeu firme em meu ombro. — Porra!
— Só eu posso fazer isso com você, entendeu? — Ele era possessivo
durante o sexo, eu já havia notado isso.
— Faça um bom trabalho e podemos pensar nisso — provoco, apenas
para ter seu pau batendo duro dentro de mim. Bendita próstata, tem que ser a
melhor descoberta da minha vida, porque um toque nela e eu já estava
gritando para as paredes.
— Bom o suficiente para você, coiote? — grunhiu rente a minha orelha,
mordendo o local e lambendo-a em seguida.
— Sim... Porra, bom! — Ele sorriu contra a minha pele e me fodeu com
ainda mais vontade. Meu corpo caiu contra o colchão e o seu veio por cima,
insaciável, bruto, duro. Quanto mais fundo ele ia, mais fundo eu queria que
ele chegasse. Estava tão cheio, tão preenchido e ainda desejava mais. —
Assim!
— Você está tão perto, não é? Olha como seu rabo está apertando o
meu pau.
— Sim, sim!
— Admita que você ama ser comido desse jeito. O admirável prefeito
de Cross Ville ama ser comido pelo Seu Cowboy.
— Ah, sim!
Eu admitiria qualquer coisa, por mais vergonhosa que fosse, ainda mais
quando meu cérebro estava derretendo em um orgasmo louco. E quando
pensei que minha vergonha não seria maior, pois, ele não podia ver meu
rosto. Robert saiu de dentro de mim, me virou na cama e voltou a enfiar seu
pau insaciável em meu cu. Ele me comeu com ainda mais força, e gozou
olhando dentro dos meus olhos enquanto beijava a minha boca.
Acabou. Acabou para mim, acabou para qualquer outra pessoa em
minha vida. Ele entenda isso agora, ou não, Robert é meu. Assim como ele
inconscientemente disse. Ele é a porra da maior tentação que já tive na vida.
Ele é o cowboy desse velho prefeito.
CAPÍTULO 21

Estou assoviando enquanto termino de colocar a ração das vacas,


temos 5 novas vacas paridas e em um primeiro momento as deixamos juntas
enquanto os bezerros não são examinados pelo veterinário que trabalha com
a fazenda. Escuto o latido de Hope e nem preciso olhar para saber que minha
cadela está “passeando” pelo curral com o folgado do Malaquias nas costas.
Aquele gato sem vergonha realmente está fazendo Hope de sua montaria
particular.
— Está vendo, patrão? — Escuto um cochicho e nem viro para ver, sei
que a voz é de Zac. Não importa o quanto o garoto tente, ele não consegue
ser discreto. — Tem algo de errado come ele. Tem mais de uma semana que
assovia por aí. Nunca vi esse homem rir tanto.
— A felicidade do Rob te incomoda? — Reed fala alto, sem a mínima
vontade de ser discreto. Ele sabe que eu posso ouvir, e isso não o deixa
envergonhado.
— É do Rob que estamos falando, ele deve ter alguma doença terminal
que nós ainda não sabemos!
— E ele estaria rindo desse jeito se seus dias estivessem contados?
Seguro o riso, eu não vou dar corda para esse garoto.
— A doença pode estar afetando o cérebro dele.
Termino de colocar a ração das vacas e volto minha atenção toda para
Zac, que seguia Reed de um lado para o outro enquanto nosso patrão tentava
verificar alguns bezerros. Como a cidade está em festa, é possível que o
veterinário só venha daqui uns dois dias. Caminho até onde os dois estão e
vou logo acertando um tapa na cabeça de Zac, ele reclama e choraminga de
dor.
— Ele está bem o suficiente para você agora, Zac? — questiona Reed
com uma sobrancelha arqueada. O garoto resmunga, me xingando baixo, eu
escuto e estou pronto para acertar outro tapa quando ele grita e pula para
longe. — Deixe de besteira e vá terminar seu trabalho. Ou por acaso quer ser
o único que não vai para a festa esta noite?
Bastou que a festa fosse mencionada para que Zac saíssem correndo em
direção ao campo. Ele tinha que trazer os cavalos de volta para os estábulos,
e deixá-los bem acomodados com água fresca e comida antes de poder
seguir para casa e se preparar para a festa que aconteceria logo mais à noite.
Homero tem investido muito do seu tempo na preparação da festa
anual. Quando ele insiste em vir até minha casa depois do trabalho,
praticamente cai dormindo logo que passa pela porta. Coitado está exausto,
mas ontem tinha um sorriso orgulhoso no rosto enquanto falava dos
preparativos finais. Se já gosto da festa, esse ano me sinto ainda mais
empolgado. Quero ver o resultado do seu trabalho, porque tenho que
confessar, o homem é um bom prefeito, assim como Tristan surpreendeu a
cidade e se tornou um excelente xerife.
— Zac tem razão, você anda sorridente demais, sonhando acordado...
Posso saber o que aconteceu?
Reed interessado em minha vida? Desde quando ele gosta de fofocas?
O que ele sabe?!
— Hum, isso é coisa da cabeça de vocês. Zac tem falado tanto no
assunto que todos acreditam agora. Eu estou como sempre estive.
Recebo um olhar profundo do homem por quem tenho um enorme
respeito. Quando penso que ele vai insistir no assunto, Reed dá de ombros
com desinteresse e começa a caminhar para longe.
— Você que sabe. Se não tem nada te incomodando ou causando
problemas, eu não me importo com o que você faz.
“E se isso envolver seu pai e eu fodendo como dois loucos?”
— Não tem nada, patrão! Vou cuidando do resto do serviço, quero estar
pronto cedo para ir à festa. — Com olhos apertados e um completo silêncio,
Reed me deixa sozinho e suando frio. Ele sabe de alguma coisa.

Não tinha uma outra ocasião do ano em que mais pessoas se reunissem
no centro da cidade. Praticamente todos os moradores querem participar da
festa anual de aniversário de Cross Ville. Até mesmo visitantes são vistos,
principalmente famílias e jovens universitários. Afinal, em uma cidade
pequena qualquer festa se torna um vento, e um evento com esse tamanho só
tem um.
É claro que as barraquinhas vendendo os mais diversos produtos e o
parque de diversões que vem para a cidade chamam a atenção. Isso sem falar
no palco montado ao centro de tudo, onde cantores locais e algumas bandas
encontram espaço para se apresentarem.
— O que posso fazer primeiro? — pergunto para mim mesmo, como se
já não estivesse comendo um cachorro quente, logo depois de tomar um
sorvete. — Acho que vou dar uma olhada nos brinquedos do parque. Sempre
tem alguém vomitando e passando vergonha.
Caminho por entre as pessoas e logo escuto uma série de gritos
apavorados/animados, era um daqueles brinquedos que te viram de todos os
lados possíveis na tentativa de fazer você vomitar as tripas. Ele para de girar
no momento em que me aproximo e quando os funcionários do parque
liberam as pessoas dentro do brinquedo, uma das primeiras que vejo sair de
lá, todo cambaleante e vomitando, é Zac. O garoto ergue os olhos a tempo de
me ver.
— Rob, me ajuda.
Viro de costas rapidamente e saio de perto. É melhor fingir que nem
conheço. Ele que vá vomitar em seus amigos. Andando mais um pouco vejo
outros conhecidos, alguns peões da fazenda e suas famílias. Dexter e Juno
que estavam na barraca de tiro ao alvo, com o policial tentando impressionar
sua namorada. Também vi meu patrão e o seu xerife em uma barraca de
comida, e Nana andando com um grupinho de amigos, a garota me viu e
acenou com uma expressão sorridente. Eu acenei de volta, feliz por vê-la se
recuperando tão bem, quem diria que justamente eu ganharia seu carinho?
Por falar na garota Foster, será que a pessoa que eu mais quero ver esta
noite já chegou? É claro que sim, ele é o prefeito da cidade!
Paro de repente quando tenho meu ombro atingido com força, na
mesma hora me preparo para a luta. É instinto natural, sempre tem um
engraçadinho querendo briga nessas festas. Contudo, basta poucos segundos
e um olhar mais atento para perceber que esse não é o caso. Tenho que ser
rápido para segurar o corpo grande e impedi-lo de cair no chão.
— Você está bem? — pergunto, olhando para aqueles olhos azuis que
me lembram tanto os de Homero.
— Sim, só fiquei tonto de repente. Desculpe. — Ricco recuperou o
equilíbrio, mas não soltei o seu ombro, o homem estava pálido como se
pudesse desmaiar a qualquer momento.
— Tem muita gente em volta, quer que eu te leve para um lugar mais
calmo?
Ele me olha com uma leve estranheza, como se não entendesse meu
interesse em ajudá-lo. Não é como se eu fosse um monstro, o homem está
passando mal. Além disso, ele é o irmão do meu patrão e filho do Homero.
Eu o ajudaria sem pestanejar.
— Obrigado, mas eu estou bem. Deve ter sido apenas uma queda de
pressão. Como você disse, tem muita gente em volta.
Não sabia se acreditava nele, Ricco estava recuperando a cor em seu
rosto, no entanto, ainda demonstrava certa palidez. Ele quase desmaiou há
pouco. Contudo, antes que eu pudesse insistir, uma voz chega até nós e logo
a reconheço como uma das professoras da cidade, Joana é seu nome, ela
também é namorada de Ricco.
— Amor, você está bem? — Ricco desvia da minha mão que ainda
estava em seu ombro e sorri para a namorada.
— Sim, só estava conversando com... — Ele me olha. — Rob.
Joana parece estranhar esse fato, ela deve saber que Ricco não é
exatamente amigo de qualquer pessoa relacionada a fazenda Miracle. Ainda
assim, a mulher sorri para mim, me cumprimentando antes que seu
namorado a conduza em direção a algumas barracas de comida. Deixo que
os dois se divirtam, Joana pode muito bem cuidar de Ricco caso algo
aconteça. Com isso resolvido volto a aproveitar a festa, ainda tem muita
coisa que eu quero comer até o final da noite.
Cerca de meia hora depois, quando eu estava parado em uma barraca de
tiro ao alvo, testando minha pontaria, a voz que eu tanto queria ouvir se fez
presente, arrepiando cada pelo do meu corpo.
— Finalmente te encontrei, cowboy!
Viro em sua direção, quase engolindo a língua diante da figura
imponente. O homem estava lindo, sem falar no cheiro gostoso do perfume.
Alguém caprichou para esta noite. Sorte a minha.
— Estava me procurando? — pergunto, fingindo naturalidade ao voltar
minha atenção para a barraca de tiro ao alvo. Homero se apoia na lateral da
barraca, ao meu lado, e responde:
— Claro, eu senti a sua falta.
Disparo meu último tiro, e obviamente erro o alvo. Como acertaria
depois de uma declaração dessas? Ele quer me desconcentrar, mexer
comigo. Agora ele sabe que não sou indiferente e quer me provocar, tenho
certeza disso. Então por que esses olhos tão inocentes e cheios de confiança?
Um homem dessa idade não poderia me olhar assim!
— Você não deveria estar se preparando para o seu discurso, prefeito?
— zombo, ele sorri e começa a caminhar ao meu lado. Acho que quero um
outro sorvete.
— Tenho tempo, queria ficar um pouco com você.
Suas declarações sempre tão espontâneas me enchem de vergonha. Não
estou acostumado a expressar meus sentimentos dessa forma. Assim como
não tenho o costume de ter alguém mostrando tantos sentimentos para mim.
“Ah, prefeito, sou realmente eu quem está tentando você?”
Paramos no primeiro carinho de sorvete que encontramos, Homero se
junta a mim para fazer um pedido e depois insiste em pagar pelos dois
sorvetes. Eu deixo para não criar caso, mas quando nos afastamos do
vendedor de sorvete, eu tenho que provocá-lo.
— Sei que você está enferrujado para essas coisas, mas eu não sou sua
namoradinha para quem você tem que pagar um sorvete na festa da cidade.
— Ele tem um olhar brincalhão e ao mesmo tempo sério quando responde:
— Sei muito bem que você não é minha namoradinha, é o meu cowboy.
— Uma piscada de olho depois, e ele completa. — Apenas aceite, continue
sendo o cowboy e não o cavalo. Eu sou um cavalheiro e vou pagar sempre
que achar que devo.
Meu corpo estremece com o riso, chego a sujar meu queixo com o
sorvete e pelo olhar em seus olhos, ele queria limpar o sorvete em meu rosto
com sua língua. Eu estaria de acordo com isso se não estivéssemos em um
lugar público, cercados de pessoas.
Abro a boca para falar sobre isso, brincar mais um pouco com ele,
contudo, nessa hora sinto um arrepio em meu pescoço. Parece que todos os
pelos do meu corpo se erguem de uma única vez. Giro de um lado para o
outro tentando ver se tem alguém nos observando. Apesar do “mar de gente”
a nossa volta, todos parecem ocupados com suas próprias vidas, ninguém
nos encara diretamente.
— Algo errado? — Homero pergunta, colocando uma mão em meu
ombro. Dou mais uma olhada em volta, as sobrancelhas franzidas.
— Pensei ter sentido algo estranho. Um arrepio pela nuca, mas não vejo
ninguém estranho. Deve ser algum engraçadinho querendo briga. Sempre
tem desses nas festas.
Sua carranca se aprofunda, dessa vez mostrando também preocupação.
— Devemos avisar a polícia? O xerife está por perto? — O impeço
quando ele tenta procurá-lo.
— Calma, eu já estou acostumado. Sei lidar muito bem com essas
coisas...
— Não deveria, pode ser perigoso. E se em uma dessas alguém acaba te
ferindo gravemente? — Sua preocupação me confunde por um momento,
antes de acertar em cheio um ponto especifico em meu peito. O calor que
sinto no local começa a se tornar familiar.
— Devo ter imaginado coisas — tento reverter a situação, Homero
estava determinado a levar isso adiante quando eu estou acostumado com
esse tipo de coisa e sei lidar muito bem com elas. — Não se preocupe, caso
eu perceba alguma coisa depois, prometo que falo com o xerife.
Sabia que ele queria insistir, que não acreditava em mim. No entanto,
fui salvo por um rapaz, que eu sabia ser o assistente do prefeito. Ele veio
apressado em nossa direção. Acho que seu nome é Noah, ele estava à
procura de Homero, e tinha uma expressão irritado quando o encontrou.
Não foi o velho coiote quem disse que tinha um tempo livre? Eu queria
rir de sua cara por estar sendo repreendido por um rapaz que tinha idade para
ser seu filho.
— Estou te procurando por quase uma hora, onde o senhor estava?
Quer saber? Esqueça! — O homem baixinho começou a empurrar Homero
pelos ombros. — Vamos, o senhor precisa fazer um discurso no palco central
antes que as bandas comecem a se apresentar.
Homero me encarou como se eu pudesse salvá-lo disso. Ignorei
totalmente seu olhar suplicante e apenas segui os dois homens até parar
próximo ao palco. O prefeito e seu assistente subiram no local onde outras
pessoas os esperavam. Tinha um microfone que foi entregue ao prefeito e ele
conversou rapidamente com seu assistente antes de vir para a frente,
chamando toda a atenção do público. Vendo-o assim de perto em um
momento atuante como prefeito de Cross Ville, quase posso sentir que ele
nasceu para isso. O homem domina a plateia, consegue que fiquem em
silêncio e sorri todo conquistador enquanto fala.
— Sejam todos bem-vindos, hoje comemoramos os 112 anos da nossa
amada Cross Ville...
Se prestei atenção no discurso do homem, não saberia repetir uma só
palavra que foi dita, mas também não desviei os olhos. Percebi cada mover
de lábios, cada ruga e repuxar nas bochechas causados pelo sorriso
persistente. Ele estava orgulhoso do seu trabalho, e eu estava orgulhoso dele.
Esse sentimento também era novo e estranhamente satisfatório. Eu realmente
me importava com a felicidade de outro ser humano que não fosse eu.
— E para encerrar esse primeiro momento da nossa festa. — A certa
altura, Noah, o assistente, tomou posse do microfone. Nesse momento o
prefeito tinha encerrado seu discurso e recebido uma salva de palmas. Eu
ainda batia palmas quando Noah começou a falar. — Nosso prefeito tem
uma surpresa para vocês!
Isso ele não tinha me dito, e pela expressão em seu rosto, nem Homero
estava de acordo com a ideia de Noah. O prefeito tentou deixar o palco e foi
impedido pelo rapaz que trazia um violão consigo. Meu interesse foi
totalmente desperto a esse ponto, cheguei a dar alguns passos me
aproximando ainda mais do palco. Homero disse algo para Noah,
provavelmente tentando o dissuadir da ideia em sua mente, o rapaz o
ignorou e voltou a falar no microfone.
— Quem aí sabia que nosso excelentíssimo prefeito também tem outros
talentos? — Ouvi alguns gritos e assovios de incentivo. Ri, mas não desviei
os olhos de Homero. Um banco tinha sido trazido para ele, que se sentou
com o violão em mãos. — Sim! Ele é um ótimo músico, então aplaudam,
pessoal. Não é todos os dias que temos um show desses.
Homero estava rindo e negando com a cabeça no momento em que um
microfone foi colocado em sua frente, ainda assim, ele respirou fundo e
encarou a plateia diante dele. Posso dizer que soube o exato momento em
que nossos olhos se encontraram, foi quando o primeiro acorde do violão se
espalhou através das caixas de som. Com seu chapéu branco de cowboy,
aquela imensidão azul que carregava nos olhos e uma voz rouca, Homero
Foster começou a cantar.
E por mais que ele tentasse desviar os olhos dos meus, eles sempre
voltavam, principalmente quando chegava em um certo trecho de I Swear,
do John Michael:
E eu juro pela Lua e pelas estrelas no céu
Eu estarei lá
Eu juro, como a sombra que está ao seu lado
Eu estarei lá

Para o melhor ou o pior, até que a morte nos separe


Eu te amarei com cada batida do meu coração
E eu juro, ooh

Se eu acreditasse que tenho a capacidade de amar, diria que me


apaixonei por Homero Foster nesse exato momento.
Uma forte salva de palmas tomou conta do lugar quando a música
chegou ao fim, devo ter sido o único que não bateu palmas. Invés disso meu
coração estava batendo feito louco em meu peito.
— O prefeito agradece a todos os seus fãs! — brincou Noah assumindo
o microfone novamente. — E espero que a senhora que recebeu essa música
resolva dar uma chance para o nosso prefeito.
Uma nova leva de gritos e assovios preencheu o local. Homero estava
constrangido quando deixou o palco dando espaço para os músicos que iriam
se apresentar ao longo da noite. Quanto a mim, “a senhora” para quem ele
havia cantado, tinha um sorriso estúpido no rosto. Queria levar o digníssimo
senhor prefeito para um “canto” e beijá-lo até o deixar ainda mais
desconcertado. Infelizmente, com o tanto de pessoas o cercando no
momento, eu teria que esperar um pouco mais.
Puxei o celular do bolso e escrevi uma mensagem rápida.
“Quando se livrar dessa gente, vou estar esperando por você.”
Antes de guardar o celular de volta no bolso, a tela brilhou com sua
resposta.
“Onde?”
“Lateral da praça, no meu carro.”
E com um sorriso satisfeito, deixei para trás as mulheres especulando
quem era a “senhora” que tinha despertado o interesse do viúvo mais
cobiçado da cidade, e fui em direção ao meu carro. Cantarolando uma certa
música que facilmente se tornaria uma das minhas preferidas.
CAPÍTULO 22

Ainda não acredito que Noah me fez fazer aquilo. Gosto de tocar
violão em casa, com a família, sou tão desafinado cantando. Como ele pode
preparar tudo aquilo pelas minhas costas? Eu não conseguia desviar os olhos
de Robert, ele sabia que eu estava cantando para ele. Será que meu cowboy
se irritou com a minha pretensão de falar de amor? Espero que não, pois está
sendo muito difícil guardar para mim o que venho sentindo. Aquele cowboy
não roubou apenas os meus pensamentos e o ar do meu corpo, ele vem
roubando espaço em meu coração.
— Se divirta também, Noah. A vida não é só trabalho — falo para o
homem que desceu do palco ao meu lado. Ele estava frenético a noite toda,
organizando cada pequeno detalhe da festa. Tinha sido difícil escapar dele
mais cedo para poder encontrar Robert.
— Ainda tem muito a se fazer...
O interrompo, segurando seus ombros e fazendo-o olhar para o palco
onde a primeira banda da noite começava a sua apresentação. Todos os
contratados para a noite eram músicos talentosos que viviam pela região, em
Cross Ville e cidades vizinhas. Nossa intenção era aproveitar as festividades
para incentivar o trabalho deles.
— Olhe para isso, está tudo correndo bem. Todos se divertindo, tire
esse peso dos seus ombros e vá se divertir com seus amigos. Você ainda é
muito jovem para ter tantas preocupações.
Ele relutou por alguns segundos, olhando entre o palco e a multidão.
— Vá, é uma ordem. Eu também vou me divertir um pouco. Estamos
em festa, aproveite isso.
Noah suspira, depois sorri e assente.
— Obrigado, prefeito. — Deixo que ele siga seu caminho em busca dos
amigos e faço meu próprio caminho por entre as pessoas, muitas insistindo
em me parar para falar da festa ou me parabenizar pela apresentação de
poucos minutos atrás. Dei atenção a todos, mas tentei ser o mais rápido
possível em me afastar. Tinha outras prioridades, queria estar a sós com
alguém.
A rua não estava tranquila e deserta como de costume, apesar de ser
noite. Na rua lateral a praça, onde Robert disse que seu carro estava, haviam
vários outros veículos estacionados e pessoas circulando de um lado para o
outro. Várias me reconheceram e acenaram, sorri e acenei para cada uma
delas. Quando avistei o carro de Robert fui até ele e o cowboy já esperava
por mim. Eu estava louco para beijá-lo, tinha desejado isso desde que o
encontrei no início da noite, mas estávamos em um lugar público onde
qualquer pessoa poderia nos ver.
— Aquela música foi para mim? — Robert me recebeu com essa
pergunta quando entrei em seu carro, tentei observar seu rosto em busca de
reações. Como ele se sentia a respeito?
— Por que pensa assim?
Um sorriso desponta nos lábios que tanto quero beijar.
— Então é verdade que você tem uma “senhora” para quem queria
dedicar a música? — Reviro os olhos. Que pretencioso.
— Eu poderia não estar dedicando música a alguém.
— Que pena. — Suspirou com uma tristeza que eu poderia dizer, era
falsa. Essa certeza só me fez constatar o quanto já conheço desse homem em
tão pouco tempo. — Devo ter me enganado com você cravando seus olhos
em mim a cada trecho daquela música. Sinto-me decepcionado agora. O
tempo todo só conseguia pensar no quanto queria beijar você em cima
daquele maldito palco.
Engulo em seco, olho em volta e decepcionado percebo que tem mais
gente na rua. Seu riso vem mais forte do banco do passageiro.
— Ainda tem compromissos por hoje, senhor prefeito? Ou pode sair
com o seu cowboy?
Minhas mãos formigam, queria agarrá-lo. Em breve.
— Apenas dirija, e pare de fazer perguntas tolas — respondo. Ele me
dá uma piscada de olhos cheia de promessas, que eu espero que sejam
cumpridas, em seguida liga o carro e saímos dali.
Ninguém parece estar atento a nós, talvez algumas pessoas nos vissem
saindo juntos. É possível que mais boatos se espalhassem já no dia seguinte.
Mas eu não poderia ligar menos, se Robert quisesse, eu teria coragem de
segurar sua mão em público, por mais que isso fosse me encher de pânico no
segundo seguinte. É assim que me sinto por esse homem, eu teria mais medo
de perdê-lo do que de mostrar para o mundo o quanto ele me conquistou.

O peão tinha uma mão em minha coxa durante todo o percurso, ela
apertava a carne com força, quase desmentindo a tranquilidade e seriedade
em seu rosto, concentrado na estrada. Ele estava me provocando sem o uso
de uma única palavra, eu sabia disso.
O carro parou em frente à sua casa, coisa que ele não costumava fazer,
pois sempre deixava o veículo em frente à casa de Reed, só mudando sua
rota por minha causa. Os faróis foram desligados e ficamos em completo
escuro, as luzes da varanda estavam desligadas, apenas uma luz podia ser
vista do lado de dentro, já que Hope estava em casa sozinha, mas essa luz
não chegava até o carro.
Eu mal podia ver a figura de Robert ao meu lado, mas isso não me
impediu de agir, tomando a iniciativa de também levar uma mão até sua
coxa. Não parando aí, tateei pelo tecido da calça até alcançar a braguilha e
baixar o zíper. O cowboy não mostrou resistência, sem o uso de palavras e
no escuro, conseguimos nos comunicar muito bem através do toque.
— Erga um pouco os quadris — eu disse, e ele o fez. Consegui baixar
minimamente sua calça e liberar a bela ereção que crescia em contato com a
minha mão. Robert ajustou o banco do motorista, empurrando para trás e
liberando mais espaço para nós dois. Em seguida sua mão veio até meus
cabelos e me conduziram até seu pau.
Sorri, sentindo minha boca cheia de água. De fato, estávamos nos
comunicando muito bem, ele já sabia o que eu queria fazer. Minha barba
roçou primeiramente na carne sensível de seu mastro, ele gemeu de forma
gostosa com seu quadril se movendo para cima, querendo minha boca
também. Passei a língua algumas vezes, testando o terreno, provocando,
sentindo seu gosto, maciez e calor.
— Você tem que escolher — sussurrei rente as suas bolas, ele tremeu.
— Escolher o quê? — Sorri, roçando mais uma vez minha barba na
pele sensível.
— Se vai querer minha boca ou a minha bunda.
Ele riu, o som rouco no espaço apertado do carro. Ao mesmo tempo o
aperto em meus cabelos se intensificou ao ponto que resmunguei de dor.
— Você já deveria saber, prefeito, sou um homem egoísta! De você, eu
quero tudo, e sei que vai me dar.
Maldito convencido!
Mas ele tinha razão, eu abri a boca e recebi seu pau no momento em
que ele assim o quis. Levando-o o mais profundamente que consegui,
deslizando a língua a cada oportunidade. Fazia com ele da forma como ele
fazia em mim, aquilo me deixava louco e pela forma como seu gemidos
ficavam mais altos, Robert também amava. Eu queria ver seu rosto
recebendo prazer, ele era uma tentação tão perigosa.
Meu cowboy.
— Ah! Você ficou tão bom nisso, coiote. Consegue imaginar o que
ainda posso te ensinar?
Impertinente! Como se eu precisasse que ele me ensinasse algo. O
suguei com mais força e apertei suas bolas no processo, rolando-as em
minhas mãos e arrancando o resto de sua sanidade. O que ele poderia me
ensinar nesse momento? Como gozar preenchendo a boca do seu homem de
porra? Acho que isso fui eu quem acabou de dar a ele.
Sua respiração descompassada preencheu todo o espaço do carro, eu
podia sentir o coração batendo acelerado quando levei uma mão até seu
peito, me apoiando nele para alcançar seus lábios e fazer aquilo que eu tanto
tinha desejado por toda a noite. Beijá-lo.
Robert me puxou para si, suas mãos acariciando as minhas costas, sua
boca devorando a minha com uma lentidão louca, como se estivesse fazendo
amor com ela. Eu também não me apressei e aproveitei os minutos que se
seguiram enquanto nos beijávamos sem qualquer preocupação dentro do seu
carro.
Poderíamos ter feito aquilo por horas senão tivéssemos sido
interrompidos por um barulho de algo caindo dentro da casa. Robert afastou
seus lábios com muito custo e olhou em direção a porta da frente.
— Hope deve ter notado a nossa presença — comenta. — Quando
passarmos por aquela porta eu terei que lutar com ela por sua atenção.
Ri, abrindo a porta do passageiro e saindo do carro, Robert veio logo
atrás depois de colocar suas roupas no lugar. Eu tinha me apegado a Hope,
ela era uma garota doce e combinava muito com o peão. Mesmo que ele não
seja alguém doce. A companhia dela lhe fazia bem, trazia um sorriso bonito
para o rosto dele. Eu gostava da cadela ainda mais por causa disso, ela
cuidava do meu peão quando eu não estava por perto.
— Espere!
— Hum? — Dou um passo para trás diante do comando de Robert. —
O que houve?
Ele me empurra para trás de seu corpo, seu braço me impedindo de
avançar. Só então noto do que se trata e os pelos do meu corpo se arrepiam
todos de uma vez. O peão empurra a porta da frente e ela simplesmente abre
sem qualquer resistência.
— Devo entender que você não a deixou destrancada? — Ele nega e
avança para dentro. Vou logo atrás, procurando o interruptor na parede,
quando as luzes se ascendem olhamos em volta, mas as coisas parecem na
mais perfeita ordem.
— Fique aqui! — diz, apontando para mim e caminhado em direção ao
pequeno corredor do quarto. Reviro os olhos, não sou um garotinho
indefeso. Quando ele entra em seu quarto eu escuto um barulho vindo da
cozinha e caminho até ela, também ascendendo as luzes.
Nessa hora noto duas coisas, a primeira delas era a porta de trás
escancarada como se alguém tivesse passado de forma apressada, era a única
coisa fora de ordem no cômodo, assim como tinha sido na sala. O outro
detalhe que notei foi o arrastar em uma das cadeiras da mesa, o que estava
causando o barulho que chamou a minha atenção. Levantei a toalha
lentamente e respirei aliviado ao encontrar Hope toda encolhida e tremendo.
— Ei garota, você está bem? — Ao ouvir minha voz, Hope se arrastou
de debaixo da mesa, soltando sons de lamentos chorosos. — Alguém te
assustou, não foi?
Passei a mão por seu corpo trêmulo, por sorte ela parecia bem e sem
ferimentos, estava apenas assustada.
— Homero?
— Aqui, encontrei a Hope, ela está bem.
Robert entrou na cozinha e a primeira coisa que notei foi uma arma em
sua mão.
— Acho que não tem nada faltando ou fora do lugar, apenas a porta da
frente estava destrancada.
— E a porta da cozinha — aponto para a porta aberta e o cowboy passa
por Hope e eu, saindo para a varanda de trás. Me levanto e o sigo. O que ele
estava fazendo? E se o invasor estivesse o esperando do lado de fora? — É
melhor ligar para o xerife Tristan.
— Não, deve ter sido uma brincadeira.
O cowboy havia desconsiderado a minha preocupação quando
estávamos na festa da cidade e ele sentiu que alguém o observava. Daquela
vez eu deixei passar, mas não farei isso dessa vez. Que brincadeira? Quem
brinca com você arrombando a porta da sua casa, não roubando nada, e
assustando sua cachorra?
— Isso obviamente não é uma brincadeira.
— Mas não roubaram nada. — Era visível em sua expressão o quanto
ele estava perturbado com a situação. Contudo, era orgulhoso demais para
pedir ajuda. Por isso me vi tirando o celular do bolso e procurando o número
do xerife.
— Isso só prova que não foi um roubo, o que me deixa ainda mais
preocupado. Você fez muitos inimigos ao longo dos anos, Robert. Não tome
isso de ânimo leve. Pode ter sido uma emboscada, alguém que estava
esperando você voltar para casa, só não contava que você estaria
acompanhado.
— Xerife Hunter.
Paro ao escutar a voz de Tristan ao telefone, mesmo em um dia de festa
ele atendeu no segundo toque. A essa altura Robert tinha voltado para dentro
e me encara com irritação.
— Desligue — sibilou mais baixo do que um sussurro. O ignorei.
— Xerife, aqui é o prefeito Homero. Eu preciso que você venha até a
casa do Robert Durango, teve uma invasão, ainda não sabemos o que
aconteceu ao certo, se foi um roubo mal sucedido ou outra coisa.
— Estou a caminho! — Podia ouvir vozes do outro lado da linha, o
xerife ainda estava na festa.
— Posso contar com sua descrição, e por favor, não fale ao meu filho
Reed o que aconteceu por hora. Sei que Robert vai querer falar com ele
depois.
A essa altura o peão tinha atirado seu chapéu em cima da mesa e
passava as mãos pelos cabelos de forma desenfreada. Ele estava nervoso e
irritado, nesse ponto eu também estava. Quanto ao xerife, ele levou um bom
minuto antes de responder:
— Certo, farei o que está pedindo, mas adianto logo que nada passa
despercebido pelo meu namorado.
Eu não tinha dúvidas disso, ainda mais quando algo assim aconteceu
perto de sua fazenda e com alguém que ele estima muito. Por hora, se ele
não aparecer aqui e começar a fazer descobertas sobre Robert e eu, já vai
estar de bom tamanho.
Esperamos cerca de trinta minutos até que o barulho de pneus foi
ouvido na frente da casa. Nesse momento, o peão tinha se acalmado e
guardado sua arma de volta no cofre, e estava sentado no sofá com Hope
fazendo companhia. Eu bem sabia que os dois fariam bem um outro. Quando
ouviu o barulho de um carro chegando, ele se levantou do sofá e caminhou
até a janela onde eu estava.
— É o xerife?
— Sim — respondi, vendo o carro do xerife parando e dele saiu três
pessoas. Tristan, um policial que se não me engano se chama Dexter e um
outro que faz parte da perícia, Olavo.
— Rob? Perfeito Homero?
Robert foi o primeiro a caminhar até a porta, abrindo-a sem grande
cerimonia. Eu passei por Hope no sofá e fiz um carinho em sua cabeça, ela
estava assustada de novo com as vozes estranhas.
— Está tudo bem, garota. Dessa vez são amigos.
Cheguei na varanda da frente quando meu cowboy contava sobre
encontrar sua casa aberta, e Hope assustada e escondida.
— Tem certeza de que nada foi levado? — perguntou Tristan, me
olhando de relance. Ele tentava ser profissional, mas eu sabia que sua cabeça
estava cheia de perguntas, começando com o porquê de eu estar ali, sozinho
com Robert.
— Tenho, já verifiquei tudo, nem mesmo mexeram no pequeno cofre
que mantenho no quarto.
— Você recebeu alguma ameaça recentemente?
Olavo, o perito, pediu licença e entrou na casa em busca de digitais,
enquanto o xerife continuou interrogando Robert na varanda da frente. Nesse
momento eu podia ver os olhos do policial Dexter desviando do cowboy
para mim, confusão pintando suas feições. Eu imaginava o que ele poderia
estar pensando.
— Ninguém que consiga lembrar, você bem sabe que não sou um
exemplo de cidadão nessa cidade. Por mim nem te incomodaria com isso,
poderia resolver muito bem caso algum engraçadinho resolvesse se vingar.
Homero que insistiu em te chamar.
— Claro! Você mesmo disse mais cedo na festa que sentiu alguém te
observando, agora isso. — Robert vira sua atenção para mim.
— Eu tinha uma arma.
Reviro os olhos.
— Guardada no cofre, se você tivesse chegado sozinho poderia estar
morto antes de ter a chance de chegar até sua arma.
Ele levanta as mãos para os céus, resmunga algo que eu não posso
entender, deve estar me xingando. Tenho vontade de acertar sua nuca, oh
homem teimoso, ele se acha a prova de balas por acaso? Vou cuidar dele
sim, querendo ou não, porra.
— Eu sempre resolvi minhas coisas sozinho, coiote!
Respiro fundo, nossos ânimos estão exaltados e ele nunca vai dar o
braço a torcer.
— Você não está mais sozinho.
A pose dura se desfaz, ele me olha com mais suavidade e respira fundo
antes de assentir. Queria puxá-lo em meus braços e quase fiz isso, contudo,
fui impedido pelo som de alguém limpando a garganta. Voltei meu olhar
para o xerife e ele tinha uma expressão indecifrável.
— Dexter, dê uma olhada em volta da casa. Verifique se está tudo em
ordem.
— Sim, xerife. — O policial se apressou em nos deixar a sós, isso era o
que Tristan queria, pois, sua expressão se tornou bem mais séria quando
ficamos apenas os três.
— Foi por isso que me pediu para não dizer nada a Reed? — Eu podia
ver acusações em seus olhos. Robert também viu e não gostou disso. Ele
ignorou todo o bom senso e deu um passo à frente. Eu tive que ser rápido e
segurar seu ombro.
— Se está pensando em qualquer tipo de traição ao meu patrão, pode
parar aí mesmo! O que está acontecendo entre Homero e eu diz respeito
apenas a nós. Não é um jogo, não é um acordo e não é uma conspiração
contra Reed e a fazenda Miracle.
Tristan nos encarou por um bom momento, eu ergui meus ombros e
fiquei ao lado de Robert, dando segurança as suas palavras. O xerife pareceu
convencido disso e respirou fundo, negando com a cabeça.
— Não vou dizer aos dois o que fazer, nem estou em posição de fazer
isso. Só vou lembrá-los de quem é meu namorado. Seu filho. — Apontou
para mim. — E seu patrão. — Apontou para Robert. — É uma pessoa que
leva muito tempo para confiar em alguém. E mesmo essa confiança é frágil o
suficiente para precisar ser fortalecida dia após dia. Tomem seu tempo,
decidam o que estão vivendo, mas se possuem algum respeito e apreço por
Reed Foster, não deixem que ele descubra por terceiros o que está
acontecendo.
Por mais que não quisesse assumir, Tristan estava certo. Existe uma
parte da nossa vida que é só nossa. Decisões que devem ser tomadas no
nosso tempo e da forma que desejarmos, é assim que quero viver minha
relação com Robert. Dando um passo em frente sempre que nós dois
quisermos. No entanto, existem pessoas ao nosso redor que não podem ficar
no escuro para sempre, pois elas são importantes, e eu confio que até mesmo
Reed quer o nosso bem. Ser mais ninguém a nos apoiar, ele vai, sinto em
meu coração.
— Quando esse dia chegar, eu mesmo falarei com ele — as palavras de
Robert me surpreendem pela intensidade contida nelas. Pela primeira vez o
meu cowboy estava dizendo a alguém que somos uma realidade forte o
suficiente para ele planejar um “depois” onde contará tudo a Reed.
Tristan sorri mais relaxado.
— Por essa noite vocês ficarão bem, mas se prepare para perguntas
amanhã, Rob. Seu patrão ficará irritado por não ter sido comunicado sobre a
invasão.
— Vou lidar com isso.
Tristan assente, então olha de um para o outro.
— Não vou mentir para ele, mas enquanto Reed não me perguntar nada
diretamente, eu também não falarei sobre o que vi e ouvi esta noite.
O xerife era um homem de palavra, eu sabia que poderia confiar nele.
Sendo assim, nenhuma palavra a mais foi dita sobre o assunto. Entramos
todos na casa e Robert disse o que pode sobre suas últimas desavenças, que
eram muitas, para o meu desgosto. O perito encontrou algumas digitais, no
entanto, não foram de grande ajuda já que pertenciam a Robert e eu. Policial
Dexter também não encontrou muita coisa nos arredores da casa, a pista
mais promissora parecia ser uma marca de pneu de carro na estrada que traz
a propriedade.
Tristan ficou de investigar isso, coisa que todos sabíamos que
dificilmente daria em algum lugar. Infelizmente, a melhor chance de chegar
a um culpado seria se ele tentasse mais alguma coisa. O que eu não gostava
nem de pensar.
Depois que os homens foram embora, eu fiquei na casa me recusando a
partir tão cedo. Temia pela segurança do cowboy, caso ele ficasse sozinho.
Robert insistia em dizer que o responsável pela invasão estava longe e que
ele tinha uma arma e um cão de guarda.
Apenas revirei os olhos para isso, amava Hope, mas ela ainda tremia
encolhida no sofá.
— Se acostume, peão. Eu vou ficar ainda mais atento a você.
Ele teve a coragem de rir, mesmo em meio a situação tensa.
— Isso é mais uma desculpa para não sair de perto de mim?
O segurei pelos ombros e juntei nossos corpos. Depois do susto que
passamos, meu coração ainda não havia se acalmado no peito. Se eu tinha
alguma dúvida de que estou apaixonado por esse maldito cowboy dos
infernos, agora não tenho mais.
— Entenda como quiser!
Apertei seu corpo junto ao meu, pouco me importando se isso inflava
seu grande ego. Eu estava laçando aquele cowboy. Era um laço apertado e
que eu jamais pretendia afrouxar. Demoro para amar alguém, mas quando
amo é para a vida toda.
CAPITULO 23

Preciso confessar, fiquei preocupado depois que minha casa foi


invadida. Perdi algumas noites de sono por causa disso, acordando a cada
pequeno barulho dentro ou fora de casa. Mesmo nas noites em que Homero
dormia comigo, eu não conseguia relaxar. Reed teve a mesma opinião que eu
e perdeu algum tempo tentando lembrar se tinha alguém guardando rancor
de mim. Alguma pessoa relacionada aos trabalhos da fazenda Miracle, de
onde vem meus maiores desentendimentos. Por fim, não conseguimos
pensar em ninguém especifico ao mesmo tempo em que tínhamos várias
listas de suspeitos.
A investigação do xerife também não deu resultado e com o passar das
semanas tudo foi esfriando. Às vezes eu estava no campo e sentia um arrepio
na nuca, como se estivesse sendo observado, no entanto, ninguém era visto
por mim ou qualquer outro peão da fazenda.
Quando o primeiro mês passou essa sensação também foi esfriando até
que não me sentia mais observado. Decidi que tudo não passou de uma
brincadeira que algum engraçadinho fez, tentando me assustar, pois faltava
coragem para o sujeito me encarar frente a frente. E deixei a história para lá.
Mesmo que Homero tenha sido contra.
Não havia muito que ele ou eu pudéssemos fazer. Obviamente a minha
vida não estava em risco imediato, a não ser por uma pequena exceção
envolvendo a ocasião em que tentei me esgueirar novamente pela fazenda do
coiote. Eu já tinha conseguido fazer isso com sucesso por duas vezes, fora a
primeira vez quando entrei sorrateiramente em seu quarto para me desculpar
depois que ele me pegou saindo do bar o poço. Aquela era para ser apenas
mais uma noite agradável, eu entraria por sua janela e ficaria com ele por
boa parte da noite, meu prefeito estava tão cansado e atarefado nos últimos
dias que não tinha conseguido ir até a minha casa. Logo, eu decidi ir até ele.
E tudo teria dado certo senão fosse por um pequeno detalhe.
Aparentemente eu não havia sido tão discreto como pensei em minhas
visitas anteriores.
Fiz tudo certinho, deixei o meu carro na estrada, caminhei por uma boa
parte do caminho e usei as sombras para me esconder e entrar furtivamente.
Na fazenda não haviam seguranças ou câmeras em pontos cegos, Homero
tinha me dito isso depois que perguntei por conta da minha primeira visita.
Na verdade, a segurança era mais por conta dos peões trabalhando durante o
dia e a noite as poucas câmeras nas entradas principais. Nada do que eu não
pudesse escapar facilmente. Ou assim pensei.
— Ele está ali! — Foi o primeiro sinal que recebi de que algo estava
errado. Pena que esse sinal veio muito tarde, e antes que eu pudesse
raciocinar direto, o barulho de um tiro que passou raspando por mim foi
ouvido e quase me deixou surdo.
Me joguei para o lado, ainda atordoado e com meu ouvido zunindo. O
que porra estava acontecendo?
— Eu o peguei, pai! — Alguém gritou. E o barulho de passos foi
ouvido. Mesmo desnorteado consegui correr meio abaixado entre as moitas.
Infelizmente não consegui ir direto para a casa da fazenda, pois os passos e
gritos vinham daquela direção. Ao invés disso corri na direção oposta.
— Pegou nada! — Outra voz gritou, ambos parecendo muito jovens. —
Você o assustou, devia ter esperado até vê-lo antes de atirar, seu idiota!
— Mas eu vi! Era um lobo.
Do que estavam falando? Lobo? Tem um lobo na propriedade?
— Se acalmem, rapazes. Vamos ser cautelosos e pegá-lo. Dessa vez ele
não escapa.
Me abaixei atrás de uma árvore para ter melhor noção do que estava
acontecendo. Sair correndo sem rumo só me faria levar um tiro mais rápido.
Não demora e vejo um pequeno grupo de homens, composto por dois
adolescentes e quatro adultos. Todos carregavam rifles de caça e estavam se
esgueirando em direção ao local onde eu estava. Não reconheci todos pelo
nome, mas sabia que eram peões da fazendo Foster.
Como merda eu me meti nessa confusão?
Suor começou a escorrer por minha testa, eles estavam chegando mais
perto. Se eu tentasse correr poderia levar um tiro, se ficasse parado seria
descoberto e todos na cidade ficariam sabendo do meu envolvimento com
Homero. O que poderia ser pior? A resposta para isso foi dada por meu
próprio corpo quando comecei a me levantar de onde estava abaixado, iria
encarar tudo de frente, olhando por esse lado nem parece tão ruim que todos
saibam.
— Esperem! — Também travei diante do grito.
— Patrão? — alguém disse.
— O que pensam que estão fazendo? Pude ouvir os tiros da minha casa!
— Podia sentir o nervosismo em sua voz. Ele sabia que era em mim que
estavam tentando atirar? Deveria saber.
— Os garotos falaram que viram por várias vezes algum tipo de animal
grande se esgueirando em volta da casa. Resolvemos caçá-lo esta noite.
— É patrão. — Um dos garotos tomou a frente daquele que deveria ser
o seu pai. — Eu mesmo vi um lobo andando ao redor da casa. Atirei nele
agora pouco.
Mesmo escondido atrás de uma árvore e com a escuridão parcial do
local sendo contornada apenas por luzes de lanternas, juro, pude ver o rosto
do coiote ficando branco.
— Você atirou nele?
— Ele não acertou ainda, patrão — zombou seu irmão, Homero soltou
o ar com força.
— Voltem para suas casas agora mesmo!
— Mas patrão... — Com uma mão erguida, Homero impediu que um
dos peões mais velho falasse.
— Algum animal foi atacado? Encontraram rastros de lobo ou qualquer
outro animal do tipo? — Diante do silêncio dos homens, o prefeito
continuou. — Então não deveriam ter saído por aí com armas em punhos e
prontos para atirar tão perto da minha casa. E se um dos funcionários saísse
ferido? Pensaram nisso? Eu acredito que não, pois sequer me avisaram que
pretendiam fazer isso.
— Falamos com o Ricco, senhor — se defendeu um dos homens, com
os ombros baixos.
— Ricco deveria ter parado com essa loucura. Não quero mais vê-los
fazendo tal coisa sem falar diretamente comigo. E se esse animal que vocês
pensam ter visto não passasse de algum casal jovem se encontrando
furtivamente? Pararam para pensar na tragédia que seria?
Vi vários rostos empalidecerem enquanto os homens se desculpavam
um a um e saíam. Quando ficamos a sós, Homero olhou em volta claramente
procurando por mim. Me ergui de onde estava abaixado e fui ao seu
encontro. O alivio que vi em seus olhos quase me esmagou.
Seria possível que ele me... amasse?
— Robert! — Mãos grandes me puxaram para um abraço esmagador.
Soltei o ar dos meus pulmões ao mesmo tempo em que retribuía seu abraço.
Nunca antes tinha ficado tão feliz por vê-lo. — Você está bem? Foi atingido
pelo tiro? Se machucou?
Me afastei do abraço e segurei seu rosto entre minhas mãos. Só podia
ver os contornos de seu rosto graças à luz da lua, tudo ao nosso redor estava
escuro.
— Estou bem, o tiro passou longe. — Nem tão longe assim, mas ele
não precisava saber o quão perto cheguei de levar um tiro esta noite.
— Me desculpe, eu não sabia que eles estavam falando dessa coisa de
animal rondando a casa. Tenho trabalhado tanto na prefeitura que mal tenho
conversado com os peões da fazenda. Foi apenas agora pouco que Ricco me
falou da tal caçada, antes que eu pudesse fazer alguma coisa o som do tiro
foi ouvido. Você não tem ideia do susto que levei... Pensei que você...
Corto suas palavras ao beijar seus lábios. Ele suspira contra minha boca
e se rende ao beijo. Assim seu corpo relaxa, confesso, o meu também se
acalma.
— Está tudo bem, você não sabia. — Me afasto de sua boca e solto um
riso baixo. — E a situação foi engraçada apesar de tensa.
Ele bate com força em meu ombro, reclamo e sou ignorado por uma
expressão irritada.
— Não vi graça, quase morro se susto!
— Deixe disso, estou ótimo. Vamos, entre em casa e me espere em seu
quarto, Rapunzel.
Ele resmunga irritado e me xinga enquanto estou rindo e caminhando
na frente. Tudo foi um grande susto. Eu quase levei um tiro, minha relação
com Homero quase foi descoberta, mas tudo acabou bem no final. Eu
consegui uma ótima noite de sexo quente com o meu preocupado coiote. E
nunca mais tive esse problema dos “caçadores” quando resolvi me esgueirar
furtivamente até seu quarto.
Até esse ponto pensei que estávamos indo muito bem, ninguém sabia
sobre nossa relação. Eu me sentia orgulhoso de mim mesmo por disfarçar
tão bem. É claro que Margarita vivia me dando uns olhares, e quase todo
mundo na fazenda, incluindo o meu patrão, diziam que eu estava estranho. E
o xerife já sabia de toda a verdade, e o policial Dexter também, assim como
Juno, que eu tinha encontrado no mercado outro dia e me deu um sorrisinho
cheio de conhecimento. Então, talvez, eu não estivesse sendo tão discreto.
Dentro de mim tinha um certo medo, nem sei se essa era a palavra
certa. Eu queria continuar com Homero em segredo. Ou penso que sim, não
sei ao certo. Minha mente e meu coração estavam agindo de forma estranha.
Penso que a verdade por trás disso não tinha a ver com esconder ou não a
nossa relação, mas sim com entender o que eu estava sentindo. Pode ser por
isso que reagi da forma como reagi ao saber dos boatos cada vez mais
frequentes que se espalhavam pela cidade.
—Ei, Rob — disse um dos peões. Casey era sempre o mais furtivo de
todos. Ele parecia não ter papas na língua e sempre dava um jeito de
perguntar o que queria saber. Foi assim naquela manhã enquanto
consertávamos uma cerca.
— O que foi? — perguntei, erguendo a cabeça. O sol estava forte e suor
pingava de minha testa. Por sorte faltava pouco para terminarmos.
— Ouvi umas coisas por aí... — Ao notar o tom hesitante fiquei
imediatamente em alerta. Como o povo dessa cidade gosta de falar de mim,
devo me sentir lisonjeado? Nesse caminho logo, logo me torno uma
celebridade local.
— Que tipo de coisas? Se for sobre eu estar saindo com outro homem
casado... — Reviro os olhos, ele ergue uma mão e nega com a cabeça.
— Eu sei que isso não é verdade! Tem tempo que não escuto essas
coisas. — Ergui uma sobrancelha questionadora. Ele desviou os olhos,
voltando sua atenção para a cerca. — Mas um primo meu disse que ouviu
uns cochichos na igreja no último domingo. Tinha uma mulher dizendo para
a esposa do meu primo que o prefeito da cidade se desviou pro mau
caminho. Que virou gay.
Solto um som irritado. Casey ergue as mãos novamente.
— Eu não penso assim, sou entendido dessas coisas e sei que as pessoas
não viram coisa nenhuma!
Descontar minha frustração em Casey era errado. O homem não era
culpado da mente cheia de merda que algumas pessoas na cidade têm. O que
era de se admirar era que já comentassem sobre Homero. Como sabiam?
Nós nem andávamos juntos de mãos dadas pela cidade, todos os nossos
encontros eram em locais discretos, em minha casa ou na sua.
— E por que acham isso do prefeito? — pergunto, Casey me encara
como se decidisse se devia ou não me contar. Grunhi irritado. — Fala logo,
homem!
— Dizem que te viram cheio de conversa com ele na festa da cidade, e
teve alguém que viu vocês no bar... o poço. Alguns dizem que você e ele
estavam juntos durante a tempestade, e isso até eu sei, apesar de saber que
foi preciso por que você sofreu aquele acidente. Mas também dizem que te
viram beijando-o na frente da prefeitura, e que você foi preso outro dia por
roubar um carro e que ele te tirou da cadeia subornando o xerife. Tenho até
uma conhecida que jura de pé junto que o prefeito comprou um carro novo
pra você.
Ignorando todas as mentiras escabrosas, algumas daquelas coisas eram
reais. O que apenas serviu para que eu confirmasse, seria impossível
esconder minha relação com Homero para sempre. Só me restava tomar uma
decisão, me afastar dele para sempre ou deixar que todos soubessem, não
através de fofocas e sim por conta de nossas próprias ações e vontade.
— Casey.
— Sim?
— Termine de consertar a cerca, eu tenho algo para fazer.
O peão ficou me encarando enquanto caminhei até onde Zorro pastava,
selei meu cavalo e voltei para a fazenda. Deixei Zorro nos estábulos,
prometendo que voltaria depois com algumas belas cenouras, coisa que ele
adorava. Por hora não teria tempo nem de escovar sua crina. Tinha algo
muito importante para fazer.
— Rob? — Encontrei com Reed quando saía dos estábulos. Ele me
olhou com uma sobrancelha arqueada e cheia de questionamentos.
— Desculpe, patrão. Eu tenho que sair agora, garanto que termino todo
o serviço do dia quando voltar.
Vendo minha seriedade, ele não tentou me impedir. Apenas acenou com
a cabeça e saiu da frente. Com passos decididos corri para casa, sendo
recebido por Hope que estava dormindo na varanda da frente com Malaquias
deitado em cima dela. Minha garota se animou assim que me viu, latindo
feliz. Eu tinha adicionado uma portinha de cachorro em cada porta de
entrada da casa, assim ela poderia entrar e sair quando quisesse, mesmo que
eu não estivesse em casa como hoje.
Normalmente, Hope me acompanha para o trabalho, mas estava tão
quente que preferi que ela ficasse em casa onde está fresco.
— Oi garota, sentiu minha falta? — Ela latiu e veio me seguindo para
dentro, o rabo abanando. — Tenho um lugar para ir e não posso te levar
dessa vez, ou você vai querer disputar a tenção do meu coiote.
Ao ouvir sobre Homero, ela se animou ainda mais, dando pequenos
saltos e batendo em minha perna. Eu ri e cocei atrás de sua orelha.
— Está vendo? Hoje ele é só meu. — Piscando um olho para a danada,
entrei no banheiro para tomar um banho rápido. Quase em tempo recorde
estava pronto, com roupa limpa, cheiroso e de chapéu na cabeça. — Me
deseje sorte, Hope. Eu não sei o que porra estou fazendo!
Minha cadela me acompanhou até a porta da frente, ficando para trás
com o mal-humorado Malaquias miando por sua atenção. Enquanto isso
entrei em meu carro, que estava deixando em frente à minha casa com certa
frequência desde que comecei minha relação com Homero, e segui em
direção a cidade. Tudo foi como um borrão, pois estava distraído demais
para pensar na vista do lado de fora da janela.
Tinham algumas pessoas na rua da prefeitura quando parei minha
caminhonete em frente a ela. Ignorei os poucos olhares que recebi, já
estavam falando de mim mesmo. Entrei no prédio e fui direto até a mesa do
assistente do prefeito, ela estava vazia. Um rápido olhar para meu celular e
percebi que era pouco mais de meio dia, horário de almoço.
— Será que minha viagem foi em vão? — perguntei para o espaço
vazio, na mesma hora, como se fosse uma resposta para minha pergunta,
ouvi movimentação vindo da sala do prefeito. Sorrindo, entrei sem bater.
Homero estava todo concentrado em seu computador. Ele até mesmo
contorcia os lábios a cada novo clique nas teclas. Era uma visão bonita de se
ver, admito que fico de pau duro com sua pose séria e toda competente. Esse
é o meu prefeito.
— Atrapalho? — Ele leva um pequeno susto antes de me olhar e
perceber que sou apenas eu. Então o sorriso que eu aprendi a amar, surge em
seu rosto. Isso aquece meu peito de uma forma que não me assusta mais, e
quando percebo já estou andando em sua direção e tomando a liberdade de
me sentar em seu colo.
Ele ri, passando os braços em volta da minha cintura. Eram poucas as
vezes que um óculos podia ser visto em seu rosto. O objeto era apenas para
leitura e usado unicamente no trabalho. O que eu considerava uma pena, o
coiote ficava bem com eles.
— A que devo essa visita? — Em meses, essa era a primeira vez que eu
vinha ao seu escritório na prefeitura. Não que antes de começarmos um
relacionamento eu viesse muito ao local. Era apenas que, de certa forma,
evitei o prédio em minha decisão de manter tudo escondido.
— Estão falando sobre nós dois pela cidade.
Uma careta toma conta de seu rosto. Ele sabia.
— Fiquei sabendo de algumas coisas. Meu filho tem me dado olhares
durante o café da manhã por pelo menos uma semana, e minha neta me
perguntou diretamente sobre isso alguns dias atrás.
— O que você disse?
Ele suspira.
— Nada, sei que você quer manter tudo em segredo e respeito sua
vontade...
Interrompo suas palavras ao segurar seu rosto e beijá-lo. Me afastar era
mesmo uma opção? Quando pensei que sim? Eu a... gosto desse homem. Ele
é meu, e ninguém nessa maldita cidade vai tirá-lo de mim.
— Robert?
— Deixe que falem, não devemos nada a ninguém. — Olho em seus
profundos olhos azuis. Tinha amor neles, por mais que ainda não tivesse
ouvido tal palavra saindo de seus lábios.
— O que você quer dizer? — Ele segura minha cintura com mais força,
vejo esperança nos olhos azuis.
— Que apenas vamos viver o que sentimos. Se você estiver preparado
para isso, o ódio gratuito que essa cidade tem para te dar, então faremos isso.
Nada de tentar esconder, deixe que notem, que falem, que vejam.
Ele sorri, nervoso, esperançoso, feliz.
— Estou assustadoramente pronto.
Beijo-o novamente, esmagando nossos lábios e corpo juntos. Não sei
quem apertava o outro com mais força. Nós somos reais, por mais que isso
ainda me assustasse, somos reais. Não quero perder isso, muito já me foi
tomado nessa vida, por isso, agarrarei Homero com unhas e dentes. Ele é
meu e eu sou dele.
— Prefeito... — as palavras de Noah morrerem em sua boca enquanto
os olhos se arregalavam ao ver tal cena: o prefeito com um cowboy em seu
colo, as bocas se devorando.
A forma aérea e despreocupada como Homero olhou para seu assistente
me fez sorrir e esconder o rosto em seu pescoço. Quem disse que somos
discretos? E quem se importa com isso?
Eu estava feliz de uma forma que não lembro de já ter estado antes.
Tinha tomado a minha decisão. Não faria um anúncio, não precisava reunir
ninguém para contar sobre a minha relação com Homero. Eu seguraria a
mão dele em plena luz do dia, entraria pela porta da frente quando fosse vê-
lo, eu o beijaria quando tivesse vontade, e socaria até deixar inconsciente
qualquer babaca que falasse merda do meu prefeito. Eu estaria lá para ele e
ele para mim. Quem tivesse olhos para ver, que visse.
CAPÍTULO 24

Desço as escadas ouvindo o som de uma conversa vindo da sala de


visitas. Sei que ninguém veio nos visitar esta noite, é tarde e jantamos a
quase uma hora. As vozes pertencem a Nana e Joana, as duas estão
empolgadas vendo coisas para o casamento. Minha nora tem passado cada
vez mais tempo aqui em casa depois do pedido de casamento que Ricco fez
durante a festa da cidade pouco mais de um mês atrás. Eu prefiro que seja
assim, quero todos morando na fazenda depois do casamento, estou velho
demais para ficar sozinho.
— Eu gosto dessas flores, podemos fazer uma cerimônia linda no
jardim. Todas as festas da família acontecem lá — dizia Nana.
— Temos um belo espaço do lado de dentro da casa, podemos dividir
bem a cerimônia. Uma parte dela dentro da casa e outra nos jardins.
— Poderíamos ver uma boa empresa para cuidar dessas coisas. Tenho
certeza de que meu pai não se importaria, ainda mais porque em pouco
tempo tem a festa de aniversário do vovô, fazemos todo ano e dá um
trabalho danado. Mas também não é algo tão cheio de pompa como um
casamento, para isso é melhor que pessoas qualificadas estejam nos
auxiliando.
— Penso que minha neta está certa, Joana — falo, entrando na sala. —
Não precisam se preocupar com as despesas, vou me encarregar
pessoalmente disso. Você tem luz verde, Nana, ajude Joana no que for
preciso.
Com um gritinho animado, minha neta vem até mim e me abraça. Fico
feliz em ver o brilho retornando aos olhos dela. As sessões com a psicóloga
têm feito muito bem a ela, minha garotinha até mesmo tem feito novas
amizades. É bom ver minha família voltando a sorrir. Penso que o casamento
de Ricco e Joana vai contribuir ainda mais para uma nova fase em nossas
vidas.
— Obrigada, Homero.
— Somos uma família, Joana.
Seu sorriso radiante me faz ver o porquê do meu filho mais velho amar
essa mulher.
— Somos uma família.
Bagunço os cabelos de Nana e dou um beijo em seu rosto antes de sair
andando em direção ao meu escritório. Mal tenho entrado na sala e Joana
vem atrás de mim.
— Precisa de mais alguma coisa, Joana? — Ela estava nervosa, eu
podia ver isso em seus olhos.
— Me desculpe se eu estiver me intrometendo, mas preciso dizer isso
ao senhor. Ricco tem ouvido uns boatos pela cidade, eu não sei até onde são
verdadeiros ou não, e acredite que não desejo me meter em sua vida. No
entanto, seu filho está pensativo demais, sei que o senhor já notou isso. Bem
que tentei falar com ele e fazê-lo ver a razão, conversar com o senhor, mas já
deve saber como Ricco pode ser cabeça dura.
Respiro profundamente e me sento em minha cadeira.
— Obrigada por me dizer isso, Joana. Vou falar com Ricco assim que
possível.
Ela assente e se prepara para sair, contudo, muda de ideia e volta a me
encarar.
— Ele ama o senhor e vai aceitá-lo da forma como o senhor é. Apenas
tenha um pouco de paciência se Ricco for muito cabeça dura com essa
situação. Pode ser difícil para ele, que amava tanto a mãe e... Desculpe, eu
nem sei se os boatos são verdadeiros...
— São verdadeiros — a interrompo, surpreendendo-a com minha
declaração. — Se envolvem uma relação séria e muito bonita entre Robert
Durango e eu, então são verdadeiros. E você pode dizer isso a Ricco se ele
perguntar.
Rapidamente a surpresa deixa seu rosto, ela sorri.
— Não vou dizer nada, apenas que ele deve vir falar com o senhor.
Sabe, ele tem seus defeitos, mas eu conheço bem o homem por quem me
apaixonei. Tudo dará certo... E fico feliz pelo senhor, Homero.
Dessa vez sou em quem sorrio. É bom que meu filho mais velho saiba
reconhecer e valorizar a mulher que tem ao seu lado.
— Obrigado, Joana.
Quando ela saiu eu percebi o quanto meu coração estava acelerado no
peito e logo percebi a razão, eu tinha dito pela primeira vez em alto e bom
som que Robert e eu estamos juntos como um casal. Ao notar isso, comecei
a rir para o nada, sentindo meu coração batendo forte e minhas mãos
suando.
Tudo daria certo, porque nós faríamos dar certo.

Depois de contar para Joana sobre a minha relação com Robert, tinha
sido a vez de Nana ficar sabendo. Ela já havia me perguntado uma vez e eu
fiquei em silêncio, uma sensação amarga na boca. Mas na segunda vez eu
pude dizer com todas as letras: sim, eu tenho uma relação romântica com
Robert Durango.
Foi libertador, assustador, eletrizante, feliz. Tudo isso ao mesmo tempo,
então não podem me julgar por ter derramado algumas lágrimas quando
minha menina me abraçou, dizendo:
— Eu te amo, vovô. — Foi tudo que ela disse, talvez na falta de outras
palavras. Mas tinha sido o suficiente. O que mais eu precisaria ouvir da boca
de uma das pessoas que mais amo, que não seja um “eu te amo”?
Ela me ouviu, entendeu e aceitou. Depois de Nana só haviam outras
duas pessoas de quem eu queria ouvir tal aceitação, meus filhos. Os demais,
poderiam me aceitar ou não. Os olhares atravessados que eu recebia na
cidade pouco me importavam. Eu queria ouvir as pessoas que amo e que são
importantes para mim, o resto pode ser muito bem superado desde que eu
tenha Robert comigo.

— Você acha que eu devo ir falar com Reed? Como ele está? Tem dito
alguma coisa para você? — encho Robert de perguntas enquanto ele dirige
para a cidade. — Ele já deve saber dos boatos envolvendo nós dois. Todo
mundo na cidade sabe a essa altura.
O peão coloca uma mão em minha perna, apertando o local como
costuma fazer quando viajamos de carro juntos. Essa mania tem poderes
distintos desde me acalmar, como acontece no momento, até me deixar louco
por ele.
— Ele sabe de alguma coisa, isso é certo. Mas acredito que espera ouvir
de mim ou de você para ter certeza. Ele não gosta de fofocas e não dá muita
atenção a elas.
Respiro fundo. Ricco ainda não veio falar comigo, apesar de que seus
olhares para mim são inegáveis. Aqueles dois irmãos orgulhosos, como pude
criar dois filhos assim?
— Na verdade, estou pensando em falar com ele. Deixar as coisas
claras. — Sua declaração me surpreende.
— Pretende mesmo fazer isso? — Até pouco tempo o cowboy tinha
verdadeiro pavor de que alguém ficasse sabendo sobre nós. Isso só me leva a
acreditar ainda mais nas palavras ditas por ele na prefeitura outro dia.
— Posso esperar até que você fale, afinal, é seu filho e entendo que
queria ter essa conversa com ele. Mas sim, eu quero conversar com Reed,
devo muito aquele homem e quero que ele saiba o quanto o respeito e que
minha relação com você é baseada no que sentimos um pelo outro e não em
qualquer trama para tentar prejudicá-lo.
Penso um pouco no assunto, bem a tempo de Robert estacionar seu
carro em uma rua próxima ao poço. Pela quantidade de carros parados nos
arredores do bar, o lugar estava lotado. Nós estávamos mesmo fazendo isso?
— Você tem razão, falarei com Reed em breve e depois você pode falar
o que seu coração pede. Jamais quero ter que ficar entre os dois. Sei que meu
filho o estima tanto quanto você o estima.
— Não tenho certeza disso — fala, rindo.
— Eu tenho! — respondo, saindo do carro.
Do lado de fora do veículo estava fazendo uma noite fria que arrepiou
os pelos do meu braço, uma vez que eu vestia uma camisa de mangas longas
que estavam dobradas na altura dos cotovelos. Queria estar bonito nessa
ocasião, fazer com que Robert se sentisse orgulhoso por estar ao meu lado,
da mesma forma como estou por ter um homem tão bonito caminhando junto
a mim.
— Por que está sorrindo tanto? — provoca. — Lembre-se que vamos
ao bar, mas você é um homem comprometido, senhor prefeito. Por isso, nada
de parecer tão bonito e sorridente.
Solto um riso mais alto.
— Convencido, eu estou muito bem, obrigado. Agora vamos.
— Apressado? Você sabe que no momento em que entrarmos naquele
bar, todas as fofocas e boatos sobre nós vão ser confirmados. Não tem medo
de que ninguém mais vá votar em você na próxima eleição?
Ele parecia tão preocupado, mesmo que tivesse sido ele a me convidar
para sair esta noite. Será algum tipo de teste? Robert teme que eu não esteja
pronto para dizer ao mundo o que sinto por ele?
— Se chegar o dia da reeleição e eu perder unicamente porque as
pessoas preferem me julgar por conta de com quem eu durmo, e não pelo
trabalho que estou fazendo, então será hora de me aposentar da política. Não
lutarei contra isso. Apesar de que acredito que seu voto eu terei.
Ele ri, move a cabeça de um lado para o outro e arruma o chapéu por
cima dos cachos macios que eu tanto adoro segurar. Então, decidido, ergue
em uma mão diante dos meus olhos.
— Vamos, coiote, vamos fazer isso.
Seguro sua mão com confiança e determinação. Estava trêmulo quando
demos os primeiros passos e entramos no estabelecimento. Todos os olhos
no local se voltaram para nós e cochichos foram ouvidos no mesmo
momento. Eu poderia ter vacilado ali mesmo, entretanto, a mão firme que
segurava a minha também falava de medo, Robert estava sentindo o mesmo
que eu e contava comigo para dar-lhe forças. Eu seria seu porto seguro e ele
o meu.
Caminhamos juntos até o balcão e lá avistamos duas pessoas com
enormes sorrisos. Bem que Robert havia falado, Juno e o policial Dexter
estão em um relacionamento, e pelo que pude ver fazem um belo casal.
— Mas olha só, meu bar hoje está muito bem frequentado com o
prefeito da cidade e seu primeiro cavalheiro.
Ri, enquanto o cowboy ao meu lado fazia uma careta.
— Bebidas, senhores?
— Para mim não — respondo ao mesmo tempo em que Robert aceita
com um gesto positivo de cabeça. Não tenho colocado álcool na boca por
meses, afinal, sempre que estou com meu cowboy quero beijá-lo. Cerveja
nenhuma me tiraria esse prazer.
— Pelo visto vocês resolveram contar ao mundo, pois... — Dexter fez
um gesto com a mão apontando para as pessoas no bar. Éramos o centro das
atenções.
— Se vão falar, que falem de algo real — responde meu cowboy dando
de ombros, como se não fosse grande coisa, quando eu bem sabia que era
importante para ele.
— Sua bebida, cowboy.
— Obrigado — agradece, pegando a garrafa de cerveja com uma mão e
me conduzindo com a outra. — Vamos procurar um lugar para nós, prefeito.
Encontramos uma mesa vazia na parte de trás do bar, as pessoas
gostavam mais de se concentrar próximo ao balcão de bebidas ou a pista de
dança. A área das mesas estava um pouco menos lotada. Era perfeito quando
eu queria estar perto dele, conversar, tocá-lo.
— Estamos mesmo fazendo isso? — questiono, soltando um riso
nervoso. Nunca antes me senti tão exposto e olha que passei décadas casado.
— Podemos ir embora se quiser. — Aprecio a preocupação em seus
olhos quando Robert segura minha mão. Aperto-a de volta e tento passar
tranquilidade, coisa que nem estava sentindo no momento.
— Eu quero poder sair com você, ter encontros, passar o tempo fora e
não me preocupar se estão nos olhando ou não. Talvez isso seja pedir demais
quando sou o velho prefeito de uma cidade como Cross Ville. Apenas me dê
algum tempo e vou me acostumar com isso.
Ele nega.
— Eu ainda não me acostumei com isso, o que faço é mandar todos à
merda em minha cabeça e continuar vivendo a minha vida.
Solto um riso alto, ele sorri também.
— Vou começar a fazer isso...
Nem posso terminar minha frase antes de ser interrompido pela chegada
de um homem jovem e bonito. Uma olhada para ele e senti meu estômago
embrulhar, era algum caso antigo de Robert? Pela aparência eu diria que faz,
ou fazia, seu tipo ideal. Jovem, bonito, com corpo magro. Contudo, bastou
olhar para meu peão e o encontrei com uma sobrancelha arqueada em
direção ao recém-chegado, nada em sua feição mostrava reconhecimento.
— Interrompo? — perguntou o homem sorrindo. Ele tinha cabelos
ruivos, olhos verdes e um sorriso impressionante.
— Na verdade, sim. Poderia ir embora?
Prendo o ar diante da resposta atravessada de Robert. O rapaz ainda
parado ao lado da nossa mesa fechou o sorriso na mesma hora, mas
continuou lá.
— Eu só estava pensando se vocês não queriam companhia para esta
noi...
— Não.
O desinteresse óbvio de Robert, junto da forma como ele virou o rosto e
ignorou completamente o rapaz, fez com que o ruivo bufasse de raiva e
saísse sem dizer mais nada. Enquanto isso eu estava irritado com sua
ousadia, como ele pode vir dar em cima do meu cowboy justamente quando
era perceptível que Robert estava acompanhado? Que rapaz mais mal-
educado!
— Você o conhece? — pergunto, sem conseguir esconder minha
irritação.
— Não, por quê? Você o conhece?
— Claro que não! Aquele abusado, ele veio dar em cima de você
comigo aqui ao seu lado.
O peão solta um riso alto, ignorando os olhares de quem estava em
volta.
— Você pensa que ele estava dando em cima de mim?
Reviro os olhos.
— Eu vi!
O cowboy nega com a cabeça e vem para mais perto de mim, seu braço
passando por cima dos meus ombros.
— Ele queria um ménage. Sexo à três, entendeu? — Engulo em seco,
me sentindo constrangido. Parece que estou mais enferrujado do que pensei,
nem em minha época de juventude havia recebido um convite como aquele.
Robert estava se divertindo muito com a situação. — Uma pena para ele, é
que eu não divido meu coiote com ninguém!
O calor em seus olhos me deixou com a boca ainda mais seca. Era da
mesma opinião que ele. Eu não estava disposto a dividi-lo, e só de pensar em
outro homem tocando o que é meu, enlouqueço.
— Venha, meu coiote, vamos para a pista de dança. Penso que nunca
dancei com você.
Queria negar, não gosto dessas coisas. Mas fui levado antes que
pudesse fazer isso. Estou acostumado com danças lentas e bem mais
contidas. O que farei em meio a uma multidão de corpo quentes se
esfregando em todos os lugares? Sinto que jamais poderia fazer tal coisa em
público.
— Ei, calma. Se não quiser podemos voltar para a nossa mesa.
Respiro fundo, minhas mãos em sua cintura e as suas em meus ombros.
— Você quer isso, disse para mostrarmos que...
— Não leve isso a sério, nós não temos que provar nada a ninguém.
Estamos aqui para nos divertir, dançar, conversar. Podemos ir embora a hora
que quisermos!
Aperto meus olhos, querendo tirar a angústia que tinha se infiltrado
naqueles olhos castanhos. Meus dedos escorregam por seus ombros e uma
mão se embrenha por sua nuca até se afundar nos cachos macios de seu
cabelo. Ele respira fundo, fecha os olhos e sua cabeça vem de encontro ao
meu ombro. Só então percebo que estamos nos movendo, apesar de ser em
um ritmo lento demais em comparação a música sensual que estava tocando.
— Acho que podemos encontrar nosso próprio ritmo — fala rente ao
seu ouvido, o corpo grande colocado ao meu treme de leve. Eu sorrio com
isso e o aperto mais junto a mim. Ele faz o mesmo. Agora já não sinto mais
o incomodo que sentia por ter tantos olhos sobre mim.
Ficamos por um bom tempo assim, nem mesmo chamaria de dança,
apenas nos “balançamos” de um lado para o outro. Mas foi cômodo, quente,
gostoso, confortável. Se possível, dançar com Robert em meio a um bar
lotado foi como expressar publicamente o que sinto por ele, e o que ele me
faz sentir.
— Não pode ser... — Desperto dos meus pensamentos quando seu
corpo fica duro. Me afasto e olho na mesma direção em que o cowboy
olhava com assombro.
— O que aconteceu? — pergunto ao não ver ninguém conhecido por
mim. Não alguém que causasse tal reação em Robert. Ele estava pálido.
— Pensei ter visto alguém... deve ser coisa da minha cabeça.
Seguro seu braço com um pouco mais de força.
— Como assim? Você sabe o que aconteceu no mês passado, acha que
tem relação?
Robert nega, apesar de eu ver incerteza em seus olhos.
— Você não o viu, saberia se tivesse visto. Foi coisa da minha cabeça,
esqueça.
— Robert...
— Vamos voltar para a nossa mesa. — Recebo um beijo em minha
bochecha e um olhar suplicante. Fico preocupado, mas tem pouco que posso
fazer quando o cowboy não aceita a minha ajuda. Inconformado, o sigo de
volta para a mesa e deixo que ele me distraia pela meia hora seguinte.
Acabou sendo uma noite melhor do que eu pensava. Mesmo com a
plateia assídua por fofocas. Consegui me divertir e ter um bom momento ao
lado do meu cowboy. Rimos e nos divertirmos até decidirmos que era hora
de ir embora. Nos despedimos de Dexter e Juno, deixando o bar de mãos
dadas, assim como tínhamos entrado.
Caminhamos de forma distraída pela rua, tinham poucas pessoas em
volta e com isso consegui pensar um pouco mais sobre aquilo que
conversamos no início da noite. Eu iria dar o primeiro passo, precisava ser
franco com meus filhos e falar sobre mim, o que descobri nos últimos meses,
como tenho me sentido.
— O que é isso? — Ergo a cabeça depois de sua pergunta. A primeira
coisa que vejo são seus olhos cautelosos, em seguida olho para a
caminhonete preta estacionada mais à frente. Tudo parecia completamente
normal com exceção de uma caixa de papelão que foi deixada no teto do
veículo. — Fique parado, Homero!
Ignoro sua ordem e vou logo atrás, vendo o exato momento em que
Robert pega a caixa, coloca no capô do carro e abre. Não sei quem de nós
solta o som chocado e enojado, talvez tenha sido os dois. O peão dá um
passo para trás e seu corpo se choca com o meu. Por sorte, mesmo em meio
ao choque e ânsia de vômito, sou capaz de ver os olhos sem vida na cor
preto.
— Não é a Hope, Cowboy. Não é a Hope. — Minha voz está estranha
quando digo isso. Puxo seu corpo para um abraço e o sinto trêmulo. Temo
que ele caia no chão a qualquer momento. — Quem faria isso?
Pergunto, olhando para a caixa sem realmente conseguir ver o que tem
dentro. Isso não foi uma brincadeira. Ninguém manda a cabeça
ensanguentada de um cachorro para você de brincadeira. Ainda mais quando
é a cabeça de um pitbull idêntico a Hope. Aquilo era uma ameaça, dizia
claramente: “Olha o que eu fiz, poderia ter sido ela. E vai ser se assim eu
quiser.”
— Foi ele... — resmungou, chamando a minha atenção.
— Ele quem? — Prendo o ar ao ver seu olhar tomado por um tipo de
ódio que ainda não tinha visto em Robert. — Cowboy...
Ele afasta meus braços com brutalidade. De olhos arregalados dou um
passo para trás. Então, sem dizer mais nada, Robert corre para a porta do
motorista, ele não me espera. É como se tivesse esquecido que eu estava
com ele. O cowboy saí em disparada desaparecendo depois de virar a
esquina enquanto grito para que pare. A caixa com a cabeça do cachorro caí
próximo aos meus pés causando um novo embrulho em meu estômago.
— Droga... O que você vai fazer, peão?
Atordoado, tiro o celular do bolso e disco o número do xerife. Ele era a
única pessoa que poderia me ajudar no momento.
— Xerife Hunter. — Atende no terceiro toque.
— Eu preciso de ajuda, é o Robert...
CAPÍTULO 25

Vingança não é um caminho para tolos, íntegros ou sonhadores.


Vingança é um caminho para quem quer destruir e ser destruído no processo.
Não ouso chamar de justiça ou reparação o que fiz, pois foi movido por um
ódio tremendo. Eu queria destruí-lo e fui atras disso.
O som dos pneus da minha caminhonete derrapando no cascalho
preencheu o silêncio da noite. Saltei para fora do carro sem me preocupar em
desligar o motor. Da traseira do carro tiro os três galões de gasolina que
comprei no posto. São pesados e difíceis de arrastar sozinho, respiro com
dificuldade e suor escorre por minha testa com o esforço. Mas consigo fazer
isso. Levo-os todos até a varanda da casa de fazenda. O lugar que mais odeio
no mundo ainda está de pé mesmo depois de ter mudado de dono.
Isso tem que acabar, eu vou dar uma resposta a Armando, vou queimar
essa merda até o chão. Então ele pode parar de se esconder como fez quando
invadiu a minha casa, ou como fez mais cedo no bar. Porque sim, foi ele
quem eu vi, agora tenho certeza.
— Você devia ter ficado na merda que eu te coloquei! — resmungo
pouco antes de chutar a porta da frente e entrar com um dos galões. Iria atear
fogo no andar térreo e o resto queimaria como uma fogueira. Eu limparia a
terra de qualquer vestígio daquele desgraçado. — Demorei tanto tempo para
te colocar na lama, por que você quis rastejar para fora?
Reed tinha seus motivos para acabar com a influência de Armando
Contreras na região, mas não fazia ideia dos meus motivos para acabar com
aquele homem. Destituí-lo do cargo de xerife e tirá-lo da cidade foi apenas o
primeiro passo. Eu tinha me assegurado para que ele e sua família saíssem
sem nada. Jamais permitiria que levassem um centavo que fosse, e assim
pudessem recomeçar em outro lugar.
E mesmo de longe garanti que Armando comesse o pão que o diabo
amassou. Sem trabalho, sem amigos, sem nada, da mesma forma que ele me
deixou. Era assim que ele tinha que ficar, mas resolveu voltar. Quem ele
pensa que é? Acredita que vou deixá-lo acabar com o que construí?
Não, mesmo que um de nós acabe morto, eu não desistirei. Serei eu a
pisar no seu túmulo.
— Você não vai acabar comigo de novo! — Odeio o fato de tremer,
odeio que respirar seja tão difícil. Odeio que eu queira tanto chorar. Não
posso! Não devo!
Espalho dois galões de gasolina no interior da casa, o último espalho na
varanda, atirando-o vazio para dentro da casa. Então desço os degraus da
frente e acendo um isqueiro, também o atirando para dentro. As chamas se
alastram em um piscar de olhos.
No papel aquela casa pertencia a Reed Foster, mas para mim seria
sempre uma lembrança daquele desgraçado. A menos que eu acabasse com
isso. Iria colocar um ponto final.
— Eu quero viver em paz! — grito para a casa em chamas. — Por que
essas malditas lembranças tinham que voltar agora? Eu quero a minha vida
de volta! Eu quero... quero o Homero.
Caio de joelhos na terra dura, a casa ainda em chamas diante de mim
contrastando com meus olhos molhados de lágrimas e o peso do meu corpo
enfraquecido e trêmulo pelo choro.
— Eu quero a minha vida de volta... por que eu? Fiz tanto para me
livrar disso...
— Robert! — O grito desesperado e os braços que me apertam vem
quase ao mesmo tempo. Eu luto contra eles, grito e tento socar. Mas eles não
me soltam, eles me seguram mais firme e sinto alguém chorando junto a
mim. — Está tudo bem, meu amor.
Sinto uma paz tremenda ao ouvir essas palavras, é como se meu corpo
em completo estado de alerta conseguisse acreditar naquilo e por isso relaxa.
Choro ainda mais, grito de dor e raiva.
— O que aconteceu? — Alguém pergunta, eu não sei quem é. Tudo que
sei é do cheiro e calor que tem Homero ao me segurar firme em seus braços.
— Foi um acidente! — Outra pessoa respondeu, eu conhecia aquela
voz. De onde era? A quem pertencia?
— Mas...
— Eu sou o dono da casa e estou dizendo que foi um acidente. Agora
deixem essa merda queimar e só se assegurem de que o fogo não se espalhe
para o resto da propriedade.
Ouço mais vozes, discussões. O barulho de sirenes. Tudo era tão
confuso.
— Leve-o embora. Depois falo com ele. — Aquela voz novamente, e
ela foi seguida por Homero me colocando de pé.
— Vamos, eu vou te levar para casa.
— Homero... — Minha voz está rouca.
— Eu estou aqui, amor.
Me agarrei a ele sem me importar para onde estava sendo levado. Eu
confiaria a minha vida nas mãos daquele homem. O que ele tinha feito com
o Robert quebrado? Ele o colou de volta, pedaço por pedaço e era nisso que
eu queria me agarrar. Eu quero ser esse Robert. Esse homem que tenta o seu
prefeito, que é querido por ele.
Conseguia ver tudo passando diante dos meus olhos, a paisagem
conhecida que levava até minha casa. Até mesmo a reconheci com
facilidade, assim como reconheci os latidos angustiados de Hope. Hope, ela
estava bem, não tinha sido a sua cabeça naquela caixa. Por um momento eu
pensei... Meu coração afundou no peito.
— Seu pai não está bem agora, Hope. Você pode ser uma boa garota e
cuidar dele?
Ela latiu chorosa e veio até mim. Eu fui colocado em minha cama, as
botas retiradas dos meus pés. Hope se enroscou toda nesse ponto, colocando
seu peso em minhas pernas e pés. Eu a agradeci com um carinho nos pelos
claros.
— Espere um momento.
Segurei sua mão quando Homero quis se afastar.
— Não vá — supliquei e ele acariciou meu cabelo, fazendo com que
meus olhos se fechassem com seu carinho. Eu queria aquelas mãos, pois elas
nunca me machucariam.
— Eu já volto, amor. Espere um momento.
Meus olhos não saíram da porta do quarto até que meu prefeito retornou
com um copo com água em mãos.
— Beba, sua garganta está seca. — Fiz o que ele pediu, depois fui
instruído para deitar na cama, para onde também puxei Homero. Queria que
ele deitasse ao meu lado. — Você colocou fogo na casa?
— Sim.
Um silêncio pesado se formou depois da minha resposta. Pareciam que
horas haviam se passado quando voltei a ouvir sua voz reticente.
— Você me pediu para não tocar mais no assunto, contudo, eu preciso,
pois não aguento ver essa dor em seus olhos. Deixe que eu pegue um pouco
dela para mim, divida comigo, vai ser mais fácil respirar.
Nego com a cabeça, não quero que Homero carregue algo assim com
ele.
— Por favor, amor. — Essa frase é sussurrada próxima ao meu rosto.
Seus olhos imploram para que eu ceda. Estou me sentindo tão entorpecido
depois do rompante de raiva que acabo cedendo.
— Eu era como o Zac quando mais jovem, parecia um graveto de tão
magro e meu pai era tão duro. Ele odiava o meu jeito, sempre tinha algum
xingamento para mim. Fiz o melhor que pude para parecer mais homem. E
ainda assim, de alguma forma aquele homem percebeu. Meu pai trabalhava
para a família do antigo xerife, nós morávamos em uma cabana nos limites
da propriedade, era tudo que tínhamos. Então quando Armando começou a
insinuar coisas eu fiquei em pânico, tinha medo do que poderia acontecer.
Naquela época não podia prever tudo o que me esperava, eu que sempre me
esforcei tanto para esconder que era gay, vi meu pai morrendo quando eu
ainda tinha dezessete anos e quando a família Contreras me estendeu a mão
eu devia ter percebido, aquele homem tinha um olhar estranho para mim,
mas eu tinha medo, para onde iria? Quem cuidaria de mim? Eu estava
sozinho e só tinha eles. Quando Armando começou a visitar a minha casa,
quando insistiu para que eu aceitasse dinheiro e roupas novas, quando ele me
tocou demais em uma ocasião e insistiu em um beijo em outra, eu não
conseguia afastá-lo. Nunca quis aquilo, sentia medo, nojo, raiva e dor.
Também sentia vergonha de mim mesmo e senti isso por anos. Eu queria que
alguém... sei lá, acho que estava sonhando demais.
Olho para Hope, ela tem seus olhinhos azuis cravados em mim, como
se me entendesse. Ela compreende minha dor e vergonha.
— As pessoas falavam, a esposa dele sabia e me encarava com tanto
ódio. Será que ela não percebia que eu não queria o seu marido? Que era
apenas um garoto sozinho e assustado? Levei muito tempo para entender que
as coisas que ele fazia comigo não foram consentidas. Na época não havia
ninguém para me dizer que aquilo estava errado, todos pareciam me culpar e
em algum momento acreditei que a culpa era realmente minha. Eu não disse
não, eu não conseguia dizer nada, eu não podia dizer nada. Eu só comia se
ele me desse, só vestia o que ele trazia para mim, só trabalhava porque ele
me dava trabalho. Armando me fez acreditar que eu queria aquilo, que
estava tudo bem. E no exato momento em que eu tive forças para dar um
basta, fui jogado na rua, na lama, e julgado por todos a minha volta. Eu era a
vítima, mas paguei pelos crimes daquele lixo.
Homero me apertava com tanta força que era ainda mais difícil respirar.
Entretanto continuei falando. Uma vez que abri a boca para contar a alguém,
pela primeira vez o que tinha acontecido comigo, não consegui mais parar.
Falei e falei, desenterrei todos os meus maiores pesadelos. Deixei que
Homero soubesse de todas as minhas dores e desgraças. E quando terminei
temi que o homem fosse passar mal pela forma como chorava.
— A culpa não foi sua. A culpa não foi sua.
— Eu sei.
Eram duas palavras tão curtas, mas eu levei tanto tempo para entender
que eram verdadeiras. A culpa não foi minha. Aquele homem abusou de
mim, um garoto desamparado, ele me intimidou, fez a minha cabeça. E tão
sozinho e abandonado não tive quem me ajudasse a entender que eu não
queria aquilo. Eu não tinha culpa de nada.
Seu corpo convulsionava com o choro, ele mal conseguia respirar. Eu o
abracei com força e acariciei suas costas, sussurrando em seu ouvido que
estava tudo bem, que eu estava com ele. E com o tempo o prefeito se
acalmou.
— Eu sinto muito, me perdoe, meu amor.
— Não foi você quem me machucou.
— Eu poderia ter feito algo.
“Poderia” pensei, mas respondi:
— Você fez, acalmou minha alma, juntou meus pedaços e consolou
meu coração. Estar em seus braços agora faz com que a dor diminua e
respirar já não dói mais.
Ele me aperta com mais força.
— Eu amo você, Robert Durango. E amarei por todos os dias da minha
vida de agora em diante até que essa dor em seu peito seja cicatrizada, e
continuarei te amando depois disso. Porque você merece ser amado.
Nunca antes tinha ouvido aquilo vindo de alguém. Cheguei a ouvir o
contrário, que jamais seria amado, que não merecia ser amado. E acreditei
nisso até hoje.
— Dizem que você só pode dar a outra pessoa o que você tem, eu
nunca tive amor. Como posso dar isso a você?
Me sentia tão egoísta, ele estava me dando mais do que já recebi nessa
vida, e eu? O que poderia lhe dar?
— Eu não vou dizer que amarei por nós dois. Acredito que esse tipo de
sentimento deve ser reciproco. Mas para aliviar seu coração vou continuar
dizendo primeiro, eu amo você. Você tem o meu amor. Mesmo que até aqui
não tenha recebido tal sentimento, ou não tenha percebido que o recebeu das
pessoas que te cercam, agora você o tem vindo de mim. Preencha seu
coração com esse sentimento, e por favor, me ame de volta.
Me agarrei a ele novamente, deixando que o choro lavasse a minha
alma que por tanto tempo esteve suja com tantos sentimentos negativos.
Homero me sustentou com força e amor, mesmo que ele também chorasse.
Que sensação nova a maravilhosa. O amor é assim? Mesmo quando você
está sendo dilacerado pela dor ainda é possível se manter firme e segurando
outra pessoa?
— Deixe-me te ajudar. Você não está mais sozinho. Juntos vamos fazer
a justiça acontecer. Armando não vai continuar ditando o rumo da sua vida,
eu te prometo. Apenas me deixe ajudar e juntos vamos fazer justiça, não
precisa mais sujar suas mãos.
Em silêncio fiquei, talvez ele pensasse que eu tinha concordado com
seu pedido. Entretanto, outra coisa passava por minha mente:
“Eu consigo, vou viver a minha vida ao máximo e não deixarei que o
que ele fez comigo continue me derrubando. Sei que vai ser uma ferida
aberta para sempre, não tem como curar algo assim, você aprende a conviver
com isso e encontra novos sentidos para a sua vida. Renova a suas forças e
escolhe não se deixar vencer. Eu escolho isso. Mas sei que um de nós dois
terá que morrer, porque um não terá paz enquanto o outro respirar. E te juro,
meu coiote, serei eu o vencedor, porque ninguém vai me tirar de você.”

Acordei sentindo meu corpo pesado como se fosse uma reparação pelos
acontecimentos da noite anterior. Ainda estava cansado, mas o meu corpo
acostumado a acordar cedo não me deu descanso. Quando o sol estava
nascendo no céu, eu já estava de pé na cozinha preparando uma garrafa de
café. Homero dormia profundamente em minha cama e deixei que ele
continuasse assim, seu rosto ainda estava meio inchado devido a todo o
choro que cortou a madruga, eu não deveria estar melhor do que isso. Hope,
por outro lado, parecia entender que eu precisava dela, pois acordou junto
comigo e passou a me seguir para todos os lados pela casa. No momento
minha garota estava aos meus pés, encolhida como uma bolinha, quem vê
seu tamanho não imagina como ela é uma manteiga derretida.
— Rob.
Tomei um pequeno susto quando alguém bateu na porta, chamando
meu nome. Além disso, a pessoa escolheu a porta de trás da casa, na área da
cozinha onde eu estava. Teria ido buscar minha arma no quarto antes de abrir
a porta senão tivesse reconhecido a voz do meu patrão.
— Patrão? — Abri a porta vendo a figura calma, mas preocupada de
Reed Foster. Temi o que ele havia vindo dizer, afinal, na noite anterior eu
ateei fogo em uma das suas casas.
— Você está péssimo. — Foi a primeira coisa que ele me disse.
— Quer um café?
— Cerveja.
Não discuti com sua escolha, contudo, enquanto lhe entreguei uma
garrafa de cerveja não vi motivos para pegar uma para mim. Invés disso me
servi com uma xícara de café e o segui para a varanda de trás onde nos
sentamos nas cadeiras que ali ficavam.
— Café? — Ele ergueu uma sobrancelha enquanto tomava um gole de
sua cerveja.
— Eu não bebo álcool. — Minhas palavras foram recebidas por ele
com uma expressão tão “em branco” que eu pensei ser difícil saber se ele
estava surpreso com isso ou se já desconfiava. Homero percebeu esse fato
sobre mim muito rápido e foi o único a comentar sobre isso em todos esses
anos em que parei de beber.
O álcool era uma companhia fiel do meu pai, isso o tornava tão duro e
violento. Jurei para mim mesmo que jamais colocaria uma gota daquilo em
minha boca, entretanto, foi exatamente o que fiz em uma tentativa
desesperada de me anestesiar. Durante todos os anos de sofrimento nas mãos
de Armando e depois os anos que passei jogado de um lado para o outro
como um cão sarnento, foi no álcool que me escorrei. Levou tempo e muita
força de vontade para largar aquilo. Pensei que não seria possível até ver o
buraco em que estava e que só sairia dali se conseguisse vencer meus piores
demônios.
Esses mesmos demônios ainda me atormentam hoje em dia, mas sinto
que aos poucos e mesmo décadas depois estou tendo pequenas vitórias.
Homero é a maior delas, e admitir que não bebo pode ser chamada de uma
também. Afinal, hoje não senti a necessidade de segurar uma garrafa de
cerveja em mãos para me torturar com lembranças do passado, acredito que
isso eu também posso deixar para trás.
— Tristan está um pouco insatisfeito com minhas declarações, mas me
mantive firme e já consegui alguém para falsificar um laudo com as causas
do incêndio.
Passei as mãos pelo rosto me sentindo um merda. Depois que eu destruí
sua casa, Reed ainda precisa limpar a minha barra.
— Sinto muito por isso.
— Fiquei sabendo da história da caixa com uma cabeça de cachorro,
você acha que foi a mesma pessoa que invadiu sua casa e andou te vigiando?
Assinto.
— Armando Contreras, não tenho dúvidas. Eu o vi ontem à noite no
poço, na hora pensei que era coisa da minha cabeça... Agora tenho certeza de
que era ele.
— Hum. — Ele bebe um grande gole de sua cerveja. — Tristan já está
vendo isso, buscando saber com alguns conhecidos se pode localizar
Armando. Por nossa conta vamos ficar de olho, já deixei os peões em alerta.
Acho que é bom contratar reforço também.
Ergo uma mão.
— Reed não faça isso por mim, eu posso resolver as coisas...
— Calado! Você incendiou uma propriedade minha na noite anterior e
me fez virar a noite acordado resolvendo esse assunto. Quero acreditar que
você tem bons motivos para isso, mesmo que eu não vá te forçar a me dizer
nada. Tudo que peço é para confiar nas pessoas que estão ao seu redor.
Ninguém vai foder com a minha fazenda e os meus funcionários e sair
impune disso!
Engoli em seco. Aquelas palavras eram quase uma declaração de amor
vinda de Reed Foster.
— Você está aceitando isso muito bem, eu fiz merda.
— Ah, por favor, eu entendo muito bem o que é “fazer merda”. Vivo
para ter atitudes impulsivas que me colocam em problemas, é por isso que
tenho advogados tão bons e conheço as melhores formas de suborno. Você
não me disse que tinha seus próprios problemas com Armando Contreras, e
eu entendo isso, pois jamais te falei sobre os meus segredos mais profundos.
Basta saber que eu valorizo aqueles que merecem minha confiança. E foda-
se se você é obscuro pra caralho, basta não incendiar outras propriedades
minhas e ficaremos bem.
— Agradeço por tudo... Eu vou resolver isso, prometo.
Diante da minha resposta, ele me encara com um olhar apertado.
Imagino que Reed saiba a forma como planejo resolver isso. Espero que ele
me repreenda ou tente me impedir, Homero com certeza faria isso.
— Hope não deixe que seu pai morra fazendo merda — sua resposta é
direcionada a cachorra deitada aos meus pés. Consigo sorrir com isso. Ele
nem mesmo vai tentar me dissuadir da ideia de acabar com Armando
Contreras. Eu deveria agradecer ou ter medo do meu patrão? — Então, o
meu pai, hein?
Todo o meu corpo fica duro e reto na cadeira. Eu havia esquecido
completamente disso. Queria ter tido uma conversa com Reed a esse
respeito, ontem mesmo Homero e eu falávamos disso. Agora meu patrão
sabe de tudo e não foi exatamente por nossa boca. Que droga!
— Sim, eu queria ter te falado sobre isso antes, só não sabia bem o que
dizer.
— Isso é sério? Nunca soube que meu pai também gostava de homens.
— Estamos em um relacionamento sim, já tem alguns meses e seu pai é
bissexual. Coisa que ele vai querer falar com você e explicar tudo.
Reed solta um som que beira o surpreso, apesar de não ter surpresa em
sua expressão.
— Agora muita coisa faz sentido. Eu bem imaginei que algo estivesse
acontecendo com você, apenas não queria acreditar que tinha relação com o
meu pai!
Prendo o riso diante da careta em seu rosto. Ele está tentando levar tudo
numa boa, contudo é perceptível que pensar em seu pai se relacionando
comigo é algo no mínimo “estranho” para ele. Será que corro risco de vida
se brincar um pouco?
— Alguns meses atrás jamais cogitaria ter qualquer relação com seu
pai. — Dou de ombros. — Agora não me imagino longe dele. Fazer o quê?
Aquele coiote velho me pegou de jeito.
— Pare! — Ele se ergue da cadeira, me entregando a garrafa de cerveja
vazia. — Se quer ter esse tipo de conversa procure outra pessoa.
— Patrão...
— Sério, procure outra pessoa! — Solto um riso baixo e ele me encara
de olhos apertados. — Quando meu pai acordar... Diga que preciso falar com
ele.
Ri alto pela forma como Reed Foster saiu praticamente correndo da
minha varanda. Ele poderia até me fazer pagar por isso em outra
oportunidade, mas tinha sido impagável esse momento. Só posso imaginar o
que ele estava pensando sobre o digníssimo prefeito tendo uma relação
amorosa comigo.
— Vamos, Hope. — Coço atrás de sua orelha e ela se levanta animada
para me seguir de volta para dentro. — Vamos terminar o café, nosso coiote
logo vai acordar.
CAPÍTULO 26

Quem nunca desejou poder voltar no tempo e mudar alguma coisa?


Esse é o desejo que tenho no momento, parado na porta da cozinha,
encarando as costas largas do homem que tem o meu coração. Robert
Durango me mostrou em pouco tempo o quanto fui injusto com ele por anos,
mostrou que eu mereço cada grosseria que ouvi. Fui uma das pessoas que se
deixou levar pelos boatos maldosos que circulavam pela cidade, eu fiquei ao
lado de Armando quando deveria ter... Jamais vou me perdoar por isso.
Como não vi que tipo de homem ele era? Como pude deixar que algo tão
terrível acontecesse com Robert?
Minha cabeça tenta dizer que nós não tínhamos qualquer intimidade, na
época eu mal via o rapaz pela cidade, não trocamos uma palavra sequer.
Então como eu saberia? Por outro lado, meu coração sangra de forma
inconformada. Eu deveria ter sido capaz de salvá-lo!
— Vai passar o dia todo me encarando? — Sou pego no flagra.
— Você deveria estar dormindo. — Me aproximo dele e sou recebido
por um abraço quente e acolhedor. Respiro fundo amando sentir seu cheiro
logo pela manhã. Se pudesse não o soltaria por um bom tempo.
— Eu fiz nosso café, venha para a mesa, coiote, sim?
Ele me guia pela mão, sento-me em uma das cadeiras e ele ocupa a
cadeira em frente à minha, no lado oposto da mesa. Robert começa a se
servir e eu permaneço o encarando até que ele suspira e baixa a fatia de pão
que tinha em mãos. Seu olhar é firme e cheio de coragem quando encontra
os meus.
— Planeja me olhar assim até quando?
— Eu não... — Ele se ergue da mesa antes que eu possa terminar a
frase, e quando penso que vou receber sua raiva, o peão faz algo que eu
descobri que amo. Ele se senta em meu colo. É um momento tão íntimo
quando tenho o homem enorme sentado em minhas pernas, tudo que quero
fazer nesses momentos é segurá-lo firme, sentir seu cheiro e ouvir sua voz.
— Se você tem alguma pergunta, pergunte. Se quer me dizer alguma
coisa, então diga. Mas se eu realmente sou o homem que você ama, então
pare de me olhar como se eu fosse quebrar a qualquer momento.
Passo uma mão por seus cabelos, adoro a macies dos fios.
— Tem coisas do meu passado que eu me arrependo. Acredito que seja
muito humano fazer merdas das quais vamos sentir vergonha em algum
momento. O que quero dizer com isso é que não estou disposto a deixar que
esses arrependimentos me impeçam de continuar vivendo a minha vida.
Você deve estar enchendo sua cabeça de questionamentos, angústias,
desejando poder voltar no tempo e fazer diferente. Mas deixa eu te dizer uma
coisa por experiência própria, isso não é possível, então erga sua cabeça e
siga em frente. Se não fizer isso vai acabar deixando de viver o seu presente,
e não se esqueça, eu sou o seu presente.
Sinto meus olhos úmidos mais uma vez, ele sorri e me beija. É tão
lento, um roçar de lábios que nunca se aprofunda, ainda assim deixa minha
mente elétrica e meu corpo quente.
— Se eu estou me sentindo um lixo, como você pode estar aí tão forte?
Robert faz uma careta.
— Seguir em frente não quer dizer esquecer, não quer dizer curar, nem
quer dizer que a dor desaparece. Quando você passa por uma situação que
marca a sua vida para sempre, as coisas apenas tendem a se tornar mais
fáceis com o passar do tempo. Olhe para a sua neta, ela está recebendo
ajuda, está sorrindo novamente, isso nunca vai mudar o que aconteceu com
ela, mas vai dar-lhe forças de agora em diante. Eu tive décadas para passar
pela raiva, dor, medo, vergonha e não digo que hoje nada relacionado a
Armando Contreras me afeta, pois seria mentira, o que acontece é que
cheguei a um acordo comigo mesmo. Eu, Robert Durango, quero estar a seu
lado, prefeito, desejo aprender a amar você.
— Como posso te ajudar? — Junto minha testa na sua.
Ele já amava tanto, só precisava entender o que é “amor”.
— Não percebe? — Ele ri. — Como pode estar fazendo tantas
mudanças em mim e não perceber? — Abro a boca e ele coloca um dedo por
cima dos meus lábios. — Coma, prefeito. Seu café vai esfriar.
Robert se levanta do meu colo e volta para a sua cadeira.
— À propósito, Reed passou aqui mais cedo e disse que quer falar com
você.
Eu até teria apontado a súbita mudança de assunto, caso não tivesse
engasgado com um pedaço de pão. Só agora ele diz isso? E lá se vai toda a
minha ideia de conversar com Reed cara a cara antes que ele ficasse sabendo
de Robert e eu por terceiros. Tudo bem que os acontecimentos da noite
anterior mudaram um pouco os planos, e tecnicamente o meu filho ficou
sabendo da minha relação com seu capataz ao nos ver juntos. Ainda assim,
eu preferia que fosse de outra forma.
— Como ele reagiu? — pergunto. Robert demora a responder, vejo em
sua expressão o quanto ele está adorando me torturar com essa situação.
— Eu estaria preparado se fosse você, prefeito.
Até onde eu poderia confiar em seu aviso quando ele aproveitava seu
café da manhã com tanta tranquilidade? Maldito cowboy!
Meu filho mais novo estava nos estábulos de seus cavalos de raça
quando fui a sua procura. Eu tinha passado pelo garoto, Zac, que quase
saltava de um pé para o outro. Ele bem que tentou se controlar, mas acabou
perguntando se eu tinha dormido na casa de Robert. E quase engasgou com o
próprio ar quando eu disse que sim. Foi Zac quem me disse onde encontrar
seu patrão.
— Se você me acertar com uma cabeçada, eu juro que te coloco no
outro estábulo, Lúcifer. — Reed tinha um dedo apontado para o belo cavalo
de pelo marrom. Se eu pudesse afirmar algo, diria que os dois, homem e
cavalo, tinham expressões semelhantes de irritação. — Pensa que eu vou
machucar o Milk? Você é um grande idiota possessivo!
O cavalo quase o acertou com uma cabeçada antes que Reed pulasse
para trás. Pelos céus, foi isso que Robert quis dizer quando falou que os
animais de Reed são temperamentais como ele?
— Tem certeza de que é seguro se aproximar do cavalo? — pergunto,
fazendo a minha presença ser conhecida. — Ele parece temperamental.
— Logo passa — respondeu, como se não fosse ele a pessoa “bufando”
de raiva. — Mas veja só, o senhor ainda está aqui... Pensei que tinha ido
embora.
— Robert disse que você queria falar comigo.
— Robert.
Reviro os olhos, ele não está irritado. Reed Foster, o grande, poderoso e
temido Reed Foster está fazendo birra. Caminho até parar ao seu lado,
diante dele tem uma baia maior do que as demais em volta, isso porque nela
estão dois cavalos adultos e um potro.
— Lúcifer fica irritado se eu tento afastá-lo de sua família.
— Fiquei sabendo do seu cavalo, o namorado dele e o filho adotivo.
Reed solta um riso baixo.
— Todo mundo é gay nessa porra!
— Eu sou bissexual — falo de forma divertida, mas é real. Meu filho
nota isso e me encara.
— Desde quando? — Dou de ombros diante de sua sobrancelha
arqueada.
— Desde quando você é gay?
— Justo! — Tomamos mais um momento de silêncio antes que ele
continue falando. — Você nunca disse nada, como eu poderia não saber que
meu pai é bissexual? Teria sido mais fácil para mim se soubesse disso
quando era mais jovem.
Eu bem sabia o quão difícil foi para o meu filho mais novo crescer e se
assumir gay em uma cidade como Cross Ville. Se hoje as coisas ainda são
difíceis, vinte anos atrás era ainda pior. Eu fiz o que pude, dentro das minhas
próprias limitações. Mesmo porque naquela época nem passava pela minha
cabeça que eu também poderia ser outra coisa que não fosse hetero. Meus
pais me criaram para isso, meus amigos eram todos héteros, os parentes
também, na cidade se cobrava essa sexualidade e na igreja era pregada
exatamente a mesma coisa. Não me foi permitido pensar diferente ou olhar
para o lado e eu só percebi isso quando um certo capataz virou minha vida
de cabeça para baixo, sendo a maior tentação que esse velho prefeito já teve.
— Acreditaria se eu dissesse que apenas recentemente entendi minha
própria sexualidade? — Reed solta um som de resmungo afirmando que sim.
— Tive meu próprio caminho de autodescobrimento, acredito que você
também teve o seu. Não vou questionar isso. Basta que entenda o quanto a
revelação me deixou chocado, você é meu pai.
— E sempre vou ser, assim como você é meu filho — desviei um pouco
do assunto, fazendo com que ele me encarasse de canto de olho. Podia notar
a tensão em seu corpo de longe.
— Fiquei sabendo das coisas que andam dizendo na cidade.
Sinceramente, não sei o que tem me chocado mais nos últimos tempos,
descobrir que você é bissexual e mantém um relacionamento com o capataz
da minha fazenda, ou que ainda me vê como seu filho.
Meu coração aperta no peito. Eu tentei tanto ser um bom pai e ainda
assim falhei muito com um dos meus filhos. Ainda não entendo o que levou
Reed a fazer o que fez anos atrás, matando sua cunhada, e duvido que ele
algum dia vá me dizer. Ao mesmo tempo, meu velho coração de pai sofre
por ter deixado Reed para trás e agora luta para reconquistá-lo.
Depois de ter um vislumbre das minhas próprias falhas no passado, seja
na história da minha família ou com Robert, acredito que não tenho mais
como manter um julgamento tão duro em cima de Reed. Não foi o meu
cowboy mesmo quem disse uma vez que eu tenho tanta sujeira em minha
vida quanto as pessoas para quem costumava apontar o dedo?
— Tenho pensado muito no que te dizer, Reed. Primeiro pensei que
deveria pedir perdão, mas acredito que isso não sirva para nenhum de nós
dois. Então pensei em te explicar todos os motivos que me levaram a ficar
distante de você desde o dia em que você foi preso, entretanto, penso que
isso também não baste. Você sabe dos meus motivos, dos motivos da sua
mãe e talvez até concorde com eles. Então vou apenas te dizer que aprendi
muito nos últimos anos, meu filho, e esse aprendizado me ajudou a conhecer
a mim mesmo, possibilitou que eu aceitasse o que sinto por Robert com mais
facilidade. E também expôs a minha própria hipocrisia, independente do que
aconteceu e do que você fez, eu te amo e sempre vou amar. Se isso me torna
alguém bom ou ruim, sinceramente não me importo mais.
Ele funga, seu rosto está virado para o outro lado então não posso ver a
expressão que está fazendo.
— Não quero suas desculpas — diz com uma voz estranhamente rouca.
— E não vou te dar qualquer palavra de conforto.
— Posso viver com isso — respondo, tocando seu ombro. Ele ainda não
me olha.
— Tem muitos boatos rondando a cidade, se você veio para ficar, é
preciso saber que vai afundar na mesma lama que eu.
Sorrio.
— Te deixo caminhar por cima de mim, na mesma proporção em que
vou passar por cima de você. Dessa forma ninguém vai precisar andar na
lama.
Ele ri.
— Aprendeu isso com o Rob?
Envolvo seus ombros em um abraço.
— Aprendi com você.
Aperto seu corpo junto ao meu, seu rosto ainda não pode ser visto,
Reed não diz uma única palavra e tampouco retorna meu abraço. Também
posso viver com isso. Afinal, ele não me afastou. De forma silenciosa estava
me aceitando de volta em sua vida.
Em meio a esse mar de emoções teve algo que eu não disse a ele, assim
como Reed quer ter seus próprios segredos envolvendo aquela noite e os
motivos para fazer o que fez, eu e minha esposa tivemos os nossos motivos
para não dizer abertamente o que sentíamos por nosso filho mais novo,
apesar de que Agnes “roubou” no final e deixou seu amor incondicional de
mãe vir à tona. Se existe algo do qual não podemos ser culpados é de não
amar nossos filhos.
Nós amávamos tanto Reed que tivemos que nos afastar, sentíamos que
se ficássemos acabaríamos o odiando. O preço para isso foram anos de um
luto em vida, sentindo a falta de um filho que perdemos. Esse peso foi
terrível demais para Agnes, quando ela adoeceu nem mesmo tentou lutar
contra a doença, apenas aceitou seu fim. Quanto a mim, me fechei dentro das
minhas próprias emoções e tentei dizer que não sentia mais nada. Fiquei
anestesiado em relação a tudo que dizia respeito a Reed. Enquanto tentava
confortar minha esposa, nosso filho devastado e nossa pequena netinha.
O peso em meu coração quando Reed retornou quase não me deixou
continuar respirando. Era tão tarde. Como eu tinha sido tolo ao pensar que
me afastando deixaria de amá-lo. Também fui covarde e preferi ficar em
silêncio, julgando de longe seus atos ao invés de erguer a cabeça e dizer: ele
é meu filho, eu o amo.
Do que se trata toda essa história? Pode ser o relato de um pai covarde e
um filho orgulhoso.
CAPÍTULO 27

Era estranho entrar pela primeira vez na casa de Homero pela porta da
frente, ainda mais depois de meses invadindo sua janela e quase levando um
tiro em uma das entradas sorrateiras. Eu preferia continuar da forma como
estava, mas ele me encarou com seriedade, dizendo que era besteira fazer
isso agora que nossa relação já não é segredo para ninguém.
— Até que essa situação com Armando seja resolvida, não quero que
você fique sozinho, Robert — ele tinha dito.
— Então vou ficar “acampado” em sua casa de agora em diante? —
Estava insatisfeito. Mesmo assim o prefeito foi irredutível, eu bem que daria
um jeito de contornar a situação e ficar na minha casa onde não preciso
impor minha presença na casa de ninguém, contudo, em um primeiro
momento foi mais fácil ceder ao pedido dele.
E foi assim que acabei, de forma muito desconfortável, indo passar a
noite na casa do meu namorado. Sim, a situação por si só já era de fazer rir
de desespero. Meu eu de meses atrás está se revirando no túmulo que o
coloquei. Como se fosse pouco, assim que saímos de seu carro, com Hope
latindo animada em volta dos meus pés, pude ver uma movimentação nas
janelas da grandiosa casa e fazenda. O lugar era verdadeiramente magnifico
quando não estou entrando sorrateiramente por uma janela.
— Todos devem estar em casa a essa hora. Joana tem passado boa parte
do seu tempo por aqui, ela e Nana estão empolgadas com o casamento.
— Poderiam aproveitar sua festa de aniversário, ela não está próxima?
— falo, olhando em volta. Parece que nessas horas em que sou confrontado
com a vida de Homero é que percebo o quão rico o homem é. Tão ou mais
do que meu próprio patrão. — Vão economizar se fizerem uma festa dupla.
Coiote me encara como se eu fosse louco.
— Poupe sua vida e não fale isso perto da minha neta e nora. Elas estão
pensando em algo grandioso para esse casamento.
“E sua festa de aniversário não é um dos maiores eventos da cidade?”
pensei, mas não cheguei a dizer, pois entramos na casa com Hope correndo
para explorar o novo local e logo chamando a atenção das mulheres que
estavam na sala.
— Como ela é linda! Que fofa! — Nana ficou de joelhos fazendo
carinho em Hope. Minha cadela era tão faceira que não perdeu tempo,
rolando de barriga para cima e pedindo mais carinho. Hope é um daqueles
animais que nasceram apenas para dar e receber amor.
— Cuidado, Nana. Ouvi dizer que esse tipo de cachorro é muito
violento, olhe só para o tamanho da boca dela, pode arrancar seu braço.
Em outra situação eu poderia ter sido bem menos educado, mas como
se tratava da nora de Homero e eu podia ver a que a mulher estava apenas
assustada, decidi esclarecer seu erro. Entretanto, alguém chegou na minha
frente.
— Hope é uma boa garota, Joana. Ela é doce e carinhosa, não tem um
osso agressivo em seu corpo.
Joana ficou com as bochechas quentes diante das palavras de Homero,
que se juntou a sua neta para acariciar a barriga de Hope.
— Oh, sinto muito. Eu não sabia, ouvi que eles eram violentos e...
— Foi um erro sem maldade — intervenho, surpreso com minha
própria suavidade. — O antigo dono dela também pensava assim e quando
percebeu que Hope não é outra coisa que não seja amorosa, ele a agrediu
covardemente.
Essa adição em minha fala anterior teve Joana a beira das lágrimas
enquanto eu tentava entender o que disse de errado. Eu havia até defendido
ela. Por que o choro?
— Está tudo bem, Joana. Não se preocupe, nós entendemos seu erro e
Hope não ficou brava. Certo, garota?
Foi a vez de eu ficar surpreso com a suavidade na voz de Homero, que
acalmou a situação e conseguiu trazer de volta o sorriso ao rosto de Joana.
Ela até mesmo se abaixou e fez carinho em Hope. Fiquei mais atrás vendo
todo o desenrolar da cena, me recusando a admitir como o coiote era bom
com esse tipo de coisa. Me senti enciumado com aquele cuidado todo?
Jamais, jamais admitiria.
A conversa na sala continuou por mais alguns minutos, Hope continuou
sendo o centro das atenções e Homero perguntou onde estava seu filho mais
velho, ouvindo de Joana que o homem tinha subido para o quarto, queria
tomar um banho antes do jantar. Depois disso não demorou muito para que o
prefeito me chamasse para subir também. Ele fez isso de forma muito
natural e calma, sem se preocupar com as mulheres na sala. Não tentou
esconder nossa relação, nem o fato de que eu ficaria para a noite. Joana e
Nana também não fizeram perguntas, o máximo que ouvi foi o pedido da
garota para levar Hope em um passeio pela casa, coisa que prontamente
aceitei antes de subir com Homero para seu quarto.
Não encontramos Ricco pelo caminho e quando entrei em seu quarto
me joguei em uma das cadeiras ali existentes, deixando que a mochila que eu
havia trazido comigo caíssem aos meus pés. Estava exausto depois de um
longo dia de trabalho, pois me recusei a tirar folga quando minha mente
estava cheia graças aos acontecimentos da noite anterior. Pensei que
trabalhar ajudaria a aliviar as preocupações, coisa que aconteceu, agora só
quero um banho, uma boa comida e cama.
— Vamos tomar um banho, o jantar deve estar pronto em poucos
minutos — falou Homero que já desabotoava os botões de sua camisa social.
O homem tinha passado a manhã na fazenda Miracle e a tarde precisou ir até
a cidade para uma reunião com alguns vereadores.
Quando acabei meu trabalho na fazenda era próximo as seis horas da
noite e encontrei Homero esperando por mim com uma intimação para
passar a noite em sua casa. Não descansei, nem tomei banho, apenas juntei
alguns pertences em uma mochila e entrei em seu carro.
— Reed estava pensativo o dia todo, a conversa de vocês foi boa? —
pergunto enquanto me desfaço das minhas roupas, lembrando de pegar cada
peça e levá-las comigo até o banheiro. Seu quarto era tão grande e luxuoso
que me sentia envergonhado de jogar qualquer peça de roupa que fosse pelo
chão. A não ser quando estávamos loucos para foder, nesses casos tinha uma
boa exceção.
— Estamos no caminho certo — respondeu ele que já estava nu
embaixo do chuveiro. Seu banheiro e até mesmo o box eram grandes o
suficiente para caber nós dois. O jato do chuveiro era tão potente que
conseguia molhar nós dois ao mesmo tempo. Nunca dei muita importância
para essa coisa de luxo e riqueza, mas confesso que gosto de certas
mordomias que Homero tem.
— E isso quer dizer? — insisto, chegando por trás de seu corpo largo,
passando as mãos pelas costas pálidas e beijando os ombros nus. Ele estava
cheiroso, mesmo que ainda não tivesse passado o sabonete, era o cheiro de
sua própria pele que havia me acostumado tão mal.
— Abri meu coração, ele disse que não se importava, mas não me
mandou embora.
Sorrio contra a pele do seu pescoço.
— Vindo dele é um bom sinal.
— É sim.
Nossa conversa é interrompida por seu corpo virando em meio ao meu
abraço, seus olhos azuis foram as primeiras coisas que vi. Agora eu tinha
certeza que aquela chama intensa que conseguia ver neles não era apenas
curiosidade e desejo, era amor. Um sentimento curioso, quente e
enlouquecedor. Eu queria me afogar nele com a mesma intensidade que
queria me afundar em seu corpo.
— Por favor, diga que eu posso — imploro com os olhos fechados com
força e a testa unida a sua. Ele passa suas mãos grandes por minhas costas,
acariciando e me trazendo para mais perto.
— O que você quiser, meu amor, estou aqui para você.
Beijei suas bochechas, tracei as maçãs de seu rosto com o nariz,
absorvendo seu cheiro. Deixei de lado seus lábios, mesmo que soubesse o
quanto ele gostava de me beijar. Eu queria mais, queria o que ele estava me
oferecendo, parecia quase bom demais para ser verdade.
Agarrei seu membro endurecido, ele gemeu próximo ao meu ouvido.
Nós queríamos e precisávamos tanto daquilo que nossos corpos praticamente
tremiam de antecipação. Eu o masturbei sem piedade, massageando seu pau,
enquanto o meu carecia de atenção. Logo.
— Sinto muito se for duro demais — falo, deitando minha cabeça em
seu ombro. Minha mão continuava em seu pau e os gemidos de Homero
faziam cócegas em meu ouvido. Eu ainda queria mais dele, pretendia encher
cada vazio dentro de mim com aquele homem.
— Estou sempre pronto para você, cowboy — foi sua resposta, eu sorri
em meio a um novo tremor que percorreu meu corpo parando na ponta do
meu pau que pingava.
— Segure na parede, coiote. Eu vou foder você — foi meu aviso final,
e de forma linda foi atendido. Ele espalmou as grandes mãos na parede do
box, abrindo as pernas sem que eu pedisse. Isso mesmo, coiote.
Deslizei atrás dele, acariciei suas nádegas e as abri para ter acesso ao
rabo apertado que sempre parecia “comer” o meu pau. Estava ansioso para
entrar nele, todo o estresse deixaria meu corpo e restaria apenas o puro
prazer. Nada poderia ser melhor.
— Droga, preciso pegar lubrificante, não posso levar você a seco —
sussurro, pronto para sair do box, mas sou detido por uma mão ao mesmo
tempo em que seu rosto está abaixado como se estivesse constrangido.
— Armário. — Apontou, fui rapidamente até ele e sorri ao voltar com
um frasco de lubrificante. Desde que eu tinha começado a entrar em seu
quarto, Homero havia montado seu próprio estoque do produto, junto de
camisinhas como as que encontrei também no armário.
— Você já tinha planos, coiote? — não pude deixar de provocar, ele até
tentou responder, mas acabou soltando um gemido longo e surpreso. — Eu
disse que não seria suave — falo de encontro a sua orelha, lambendo-a logo
em seguida. Nesse meio tempo um dedo cheio de lubrificante entrava e saía
de seu cu. O buraco me apertava de forma esfomeada, eu estava louco para
que fosse meu pau no lugar.
— Robert! — Amo a forma como ele me chama nessas horas. É em
mim que pensa, sou eu quem ele sente invadindo seu corpo, lhe dando
prazer.
— Se segure, coiote, isso vai ser duro — avisei, sabia que havia o
preparado mal. Homero balançou seu rabo em minha direção, ele pouco se
importava com isso. Coloquei uma camisinha e despejei o máximo de
lubrificante que pude, em seguida levei meu pau para a portinha do seu cu,
que piscava ansioso para ser preenchido por mim.
Sua respiração era pesada, tal como a minha. A água morna ainda batia
em minhas costas e permaneceu assim enquanto eu invadia centímetro por
centímetro aquela bunda apertada.
— Ah! — ele gemeu alto, temos sorte que as paredes de sua casa são
grossas ou toda a família Foster teria um show.
— Você queria isso tanto quanto eu? — pergunto, fodendo com força,
ele era forte para segurar seu peso e o meu assim não batendo de encontro a
parede do box. — Queria esquecer os problemas do mundo e se deixar ser
consumido por mim?
Eu me sentia preenchido por ele, como se estivesse caindo dentro de
seus sentimentos, sendo envolvido por eles, consumido. Era louco,
selvagem, devastador e irresistível. Eu não lutei, queria aquilo.
“Me ame de volta”, ele tinha dito depois de dizer que me amava. Agora
penso que posso fazer isso. “Espere só mais um pouco, coiote, cada parte
minha, até as mais quebradas, todas vão amar você.”
— Isso, meu amor. Isso!
Bati mais forte em seu corpo, como ele pode me amar com essa
intensidade?
— Me coma com tudo que você tem. Eu quero tudo que você tem.
Encosto minha testa em seu ombro, seguro seu pau duro e o fodo com
força. Ele queria isso, pediu por isso e eu estava feliz em poder dar-lhe.
— Ah, Robert!
Ele me aperta tão gostoso quando está gozando, é tão irresistível que eu
só quero dar mais, enchê-lo com meu gozo por mais que ele seja contido
pela camisinha. Fico apoiado em seu corpo, respirando de encontro a sua
pele e sentindo a água do chuveiro ainda batendo em minhas costas enquanto
sinto meu corpo se acalmando depois de gozar. Nessas horas parece que não
existe uma só preocupação no mundo e com Homero é ainda melhor. O
momento de completo êxtase não é seguido por vazio ou uma saída rápida
sem olhar para trás, Homero se vira de frente para mim, me acolhe em seus
braços, me inunda com o amor que vejo em seus olhos e me beija.
O beijo que tanto queríamos se transforma em vários, eu sinto o sabor, a
maciez, o calor de sua boca ao mesmo tempo em que aprecio a força do seu
abraço. “Céus, se amar for mais do que isso, será que esse meu corpo
remendado será capaz de aguentar tanto?

Cada parte do meu corpo se sentia mais leve depois do banho, parecia
até que parte do meu cansaço tinha diminuído. Pelo tempo que passamos no
chuveiro o resto da família já deveria ter jantado, eu até preferia assim, não
sei se estou pronto para encarar todos juntos. Nesse “todos” falo também de
Ricco, o homem sempre foi tão grosseiro comigo, quero mesmo começar
uma briga com ele na mesa de jantar?
— Eu acho que vou pedir a Nana e Ricco que desistam de fazer minha
festa de aniversário este ano.
Eu tinha vestido uma roupa limpa e estava jogado na cama, enquanto
Homero vasculhava seu closet em busca de uma roupa para si. Ergui a
cabeça com as sobrancelhas franzidas. A festa de aniversário de Homero
Foster é praticamente um evento na cidade, lembro dela existir desde que
cheguei nessa cidade ainda jovem.
— Por quê? Sua neta não já está planejando tudo?
Ele assente, saindo do closet vestido com um pijama de seda na cor
preto. O negócio era chique demais para o meu gosto. Seus cabelos ainda
estavam um pouco úmidos e ele os secava com uma toalha.
— Com toda essa história com Armando, é melhor não nos reunirmos
para uma festa tão cedo.
Me ergo da cama em um pulo.
— E o que isso tem a ver com sua festa? O problema dele é comigo!
— Estou comprando essa briga você querendo ou não. Já te disse, você
não está sozinho nessa, cowboy.
Nego com a cabeça e me sento de volta na cama. Vou resolver essa
história antes que atinja mais alguém, principalmente Homero. Estarei morto
antes de deixar que aquele lixo toque no meu homem e o prejudique.
— Tire essa expressão do seu rosto — ele fala, se aproximando de mim
até ficar em minha frente. Abro as pernas e o recebo com um abraço
enquanto enterro meu rosto no peito coberto pelo pijama de seda. Respiro
seu cheio deixando que meu corpo se acalme ao mesmo tempo em que mãos
gentis acariciam meus cabelos. — Quando você me olha assim parece
disposto a matar qualquer um em seu caminho.
“E é como me sinto”, penso, mas guardo para mim.
— Faça sua festa, te garanto que Armando Contreras não vai chegar
perto dessa casa ou da sua família.
Ele suspira, afasta seu corpo do meu e me encara diretamente nos olhos.
— Quero você aqui comigo no dia da festa. — Agradeço pela mudança
sutil de assunto, apesar de franzir as sobrancelhas com desconforto. —
Combinamos que iríamos deixar nossa relação fluir. Sem a necessidade de
um grande aviso, contudo, também não temos mais porque esconder. Nada
mais lógico do meu o meu namorado comigo no dia do meu aniversário.
Solto um riso incrédulo. Antes de Homero nunca tinha ouvido aquela
palavra sendo direcionada a mim: namorado. Pelos céus, como cheguei a
isso?
— Você está se esforçando para perder o resto dos seus eleitores.
Ele ri, se sentando ao meu lado na cama. Nessa hora noto a leve careta
que Homero faz e me sinto culpado. Peguei muito pesado com ele no
chuveiro. Toco seu quadril e faço um carinho no local.
— Você está bem? — O homem revira os olhos com uma expressão
teimosa.
— Não sou feito de vidro.
— Mas é de carne e osso, e dar o rabo dói.
Ele ri em meio ao choque causado pelas minhas palavras. Também tem
um certo rosado em suas bochechas que fala de constrangimento. Não é a
primeira vez que penso no quanto esse homem é bem resolvido consigo
mesmo, aceitando o que sente com uma facilidade que eu nunca pude fazer
igual. Homero carrega uma experiência em si que fala mais do que sua
própria idade, ele é um homem disposto a encarar de frente o que a vida lhe
mostra.
— Ver você assim me faz sentir egoísta. — Percebo que deixei essas
palavras escaparem em voz alta quando noto o franzir de suas sobrancelhas.
— Do que está falando?
— Quando comecei a fazer sexo por vontade própria, insistia em ser
passivo. Queria me forçar a gostar. Sentia que se não gostasse seria como
admitir que aquele lixo me quebrou para sempre. Levei um bom tempo para
finalmente ceder e foder alguém. Foi a primeira vez que realmente encontrei
alguma satisfação no sexo.
— Porque você se permitiu conhecer a si mesmo, entender e
experimentar seus próprios gostos — disse, me surpreendendo pela forma
como entendeu rápido. Agarrei uma de suas mãos porque precisava tocá-lo
de alguma forma, isso sempre me trazia paz e força.
— Sinto que estou fazendo o mesmo com você, sabe? — Minha voz
estava cheia de angústia. — Você sempre foi “hetero”, sou o primeiro
homem que você deixa te foder. Não estou sendo egoísta? Você nem sabe se
é isso que quer...
Parei quando um dedo foi colocado por cima dos meus lábios.
— Você não precisa me dar a sua bunda para provar nada, Robert.
Entendo e respeito seus gostos e limites. Jamais forçaria uma situação que
você não quer. Isso não é prova de amor porra nenhuma. Eu sinto um prazer
surreal quando você me fode, quando me beija, quando segura a minha mão.
Basta olhar para mim e eu já me sinto queimar.
— Mas...
— Não tem mais, você mesmo disse que experimentou ser passivo e
não gostou. Eu pareço não gostar quando seu pau está socado na minha
bunda?
Solto um riso alto e incrédulo diante de suas palavras tão diretas. Em
seguida nego com a cabeça, sentindo meu peito preenchido pelos
sentimentos que esse homem me faz sentir. E quando aproximo meus lábios
dos seus, sussurro:
— Não, e inclusive, eu quero ver esse olhar no seu rosto agora mesmo.
Um sorriso surge e se expande em seus lábios. Por falar em olhar, o
olhar em seu rosto nesse momento é tudo que eu preciso.
“Eu amo você”, tudo em mim diz, menos a minha boca quando vou até
ele para mais um beijo.
Estava com a garganta seca e me amaldiçoando por não conseguir
dormir em virtude de algo tão tolo. Até pensei em tomar água na pia do
banheiro, então me amaldiçoei mais uma vez pela minha covardia e deixei o
quarto de Homero indo em busca de água. Só devo ter esquecido que a casa
do prefeito nem pode se comparar com a minha, quantos cômodos alguém
precisa ter em sua casa?
— Agora a água da pia não me parece tão mal — resmungo irritado.
Paro no meio de mais uma sala com sofás, cadeiras e até mesmo uma lareira,
coçando a barriga olho em volta. Como voltaria para o quarto de Homero?
— Está pensando em roubar alguma coisa enquanto os donos da casa
estão dormindo? — O susto precede o choque que tal acusação me faz sentir.
Até o momento eu não havia percebido que tinha alguém na varanda da
sala. A pessoa devia estar tomando um ar fresco, observando o céu estrelado
quando me viu entrar. Após fazer sua presença conhecida, Ricco Foster deu
as caras, entrando na casa com uma expressão fechada. Eu sabia que seria
assim, talvez por isso tenha o evitado. O que menos quero é trazer problemas
para Homero justamente quando ele está se acertando com seu filho mais
novo.
— O que disse? — Meus punhos estavam apertados.
— Vou precisar pedir aos empregados que verifiquem suas coisas na
saída?
Dou um passo em sua direção, ele não vacila.
— Por que você mesmo não faz isso?
— Cansado de obedecer às ordens de Reed? Pensa que ao ser fodido
pelo meu pai vai conseguir vantagens aqui?
Engulo todas as palavras que poderia dizer ao homem, de forma alguma
aceitaria suas provocações e cairia na besteira de expor Homero. O que
temos e fazemos é unicamente da nossa conta. Ricco Foster pode muito bem
ir se foder no que diz respeito a mim.
— Se é muito difícil para você me respeitar. — Ficamos cara a cara,
nossos narizes quase se tocando. — Então respeite o seu pai e a relação que
ele está construindo agora.
Parte da raiva que estava sentindo desapareceu magicamente diante da
expressão surpresa que consegui deixar no rosto de Ricco após minhas
palavras. Ele esperava que eu brigasse, xingasse, o atacasse depois do que
me disse. Entretanto, o que recebeu de mim foi muito mais saboroso, eu o
coloquei em seu devido lugar.
Passando pelo homem saí da casa pela porta lateral que dava acesso a
varanda. Em um pensamento rápido percebi que seria muito mais fácil voltar
para o quarto de Homero dessa forma. Bastou que eu andasse em volta da
casa até encontrar a janela do seu quarto, aquela mesma janela pela qual o
observei meses atrás, se tornando meu ponto de entrada sempre que queria
fazer uma “visita”. As luzes estavam apagadas, como as deixei, mas logo
que saltei para dentro ouvi, meu prefeito:
— Robert? — Sua voz estava sonolenta e me fez sorrir.
— Estou aqui, coiote. Volte a dormir.
Ele resmungou e escutei o farfalhar dos lençóis, mas quando cheguei na
cama, Homero dormia novamente. Então deixei de lado a sede e apenas me
enrolei em volta dele, respirando seu cheiro e compartilhando do seu calor.
Não demorou e eu também consegui voltar a dormir.
CAPÍTULO 28

Em algum momento da minha vida, que eu bem sei qual foi,


comemorar o meu aniversário deixou de fazer sentido. Inicialmente, Agnes
se colocou à frente da situação e insistiu em continuar com as celebrações
anuais que movimentavam a cidade, como ela costumava dizer. Após sua
morte coube a Ricco fazer isso com a ajuda de Nana, os dois se dedicam
tanto a essas festas que não tenho coragem de pará-los. Mas este deve ser o
primeiro, em muitos anos, que eu realmente me sinto ansioso para essa data.
Isso se deve a emoção que Reed não conseguiu esconder quando levei
um convite para ele pessoalmente. Fiz questão de convidá-lo, assim como
estendi o convite ao xerife e as pessoas mais próximas a Reed.
— Tem certeza disso? Esqueceu o que aconteceu dois anos atrás?
Na ocasião citada, Ricco se enfureceu com a presença de Reed e a festa
terminou em confusão. Meu filho mais novo acabou doente depois disso e
foi uma das primeiras coisas a me impulsionar com mais força para tentar
me reaproximar de Reed.
— Estou te convidando, este ano não precisa entrar de penetra — eu
disse, meu filho nem mesmo respondeu. Desconfio que ele não pudesse sem
deixar transparecer a emoção que o convite lhe causou.
Só de pensar nisso me sinto emocionado também. Levou tanto tempo
para que um simples convite fosse feito. Está mesmo finalmente
acontecendo?
Estaciono meu carro em frente à casa tão conhecida por mim, as luzes
estão acesas e posso ouvir latidos vindo de dentro. Isso me arranca um
grande sorriso pela forma como uma coisa tão simples se tornou tão familiar
e ao mesmo tempo me traz tanta felicidade. Nos dias em que Robert não
pode dormir na minha casa, eu insisto em vir ficar com ele, não o quero
sozinho enquanto Armando Contreras não for localizado. Espero no mínimo
conseguir uma ordem de restrição, que tenho certeza que ele vai descumprir,
então meu advogado vai estar a postos para enterrar aquele maldito de uma
vez por todas.
— Vai ficar no seu carro para sempre? — Saio dos meus pensamentos
com a pergunta curiosa de um certo cowboy. Ele saiu da casa e se encontra
na varanda da frente, vestido apenas com uma calça jeans e sem seu chapéu
os cachos voam com o vento frio da noite que se inicia. Hope está ao seu
lado, abanando o rabo de forma animada, enquanto late em minha direção.
Voltar para Robert é como voltar para casa, independentemente de onde
ele esteja. Se tenho que dormir sem ele me sinto inquieto, desconfortável.
Sua presença tem se tornado cada vez mais fundamental para mim. Quando
o vejo até mesmo o cansaço de um dia de trabalho quase desaparece. Eu
sorrio mais, vivo mais.
Ele insiste em dizer que não é um bom homem, mas curiosamente a
melhor parte de mim aparece quando estou ao seu lado. Não somos nós dois
homens falhos que se completam e se ajudam?
— Aconteceu alguma coisa? — questiona preocupado quando saio do
carro e caminho em sua direção.
Nego com um aceno de cabeça e beijo rapidamente seus lábios antes de
fazer um carinho na cabeça de Hope. Como se estivesse esperando apenas
por isso, a cadela sai “trotando” de volta para a sua cama arrumada ao lado
do sofá.
— Nada, apenas um dia cansativo. Queria deixar tudo organizado para
não ter preocupações no final de semana. — Seria meu aniversário, ele sabia
e por isso apenas assentiu.
Entramos na casa e ele foi apontando para o pequeno corredor do
quarto e banheiro.
— Deixe essas coisas no sofá e vá tomar um banho, estou terminando
de fazer o jantar.
Eu carregava comigo uma pasta com documentos da fazenda, pois
precisava olhar com calma antes de assiná-los. Ricco estava bem melhor de
saúde nos últimos tempos e por isso tem ficado a frente da fazenda Foster,
no máximo tenho verificado o andamento das colheitas e revisado a
papelada. Isso aliviou o peso do trabalho com a prefeitura sempre
demandando mais tempo.
— Não demoro — respondo, fazendo o que ele disse. A essa altura,
Robert está na cozinha e posso ouvi-lo mexendo nas panelas.
— Margarita mandou alguns pães caseiros que ela fez. São uma delícia.
Estou terminando uma sopa para acompanhar.
Meu estômago se rebelou, além de estar morrendo de fome faziam anos
desde a última vez que provei os pães caseiros que Margarita faz. O cheiro
da comida me fez correr para um banho, depois vesti uma roupa limpa, não
deixando de notar que algumas peças de roupas e produtos pessoais meus
estavam agora espalhados pela casa de Robert. Logo que fiquei pronto segui
até a cozinha onde o cowboy terminava de colocar os pratos na mesa.
— Quer ajuda? — Ele nega.
— Sente-se, a sopa está pronta.
Havia uma cesta de pães no centro da mesa, fiquei com água na boca e
fui logo pegando um. Robert me serviu um prato de sopa, que estava com
um cheiro delicioso, depois também se serviu, sentando-se à mesa junto
comigo. Passamos os minutos seguintes tendo uma boa refeição, enquanto
eu elogiava Margarita e suas mãos preciosas para cozinhar maravilhas.
O peão também me contou um pouco do seu dia e como Hope
conseguiu escapar do gato folgado de Reed e passado o dia o ajudando com
a boiada. Malaquias era um gato rabugento que havia praticamente adotado
nossa cadela e andava em suas costas por todo lado, e aí de quem se atreve a
tentar tirá-lo. Eu mesmo fui arranhado pelo bichano.
— Vou te ajudar com os pratos — falei ao final da refeição. Ele tentou
negar, mas já estava bocejando.
— Você ainda tem que trabalhar — respondeu, se referindo aos
documentos que trouxe comigo.
— Não é nada urgente. Eu lavo e você seca?
Cansado, ele concordou e passamos a tarefa de limpar o que sujamos.
Nesse meio tempo aproveitei que estávamos lado a lado em silêncio e decidi
fazer o convite que estava guardando por toda a semana. Eu podia ter
estendido o convite de Reed para as pessoas próximas a ele, mas queria que
Robert recebesse o seu convite diretamente de mim.
— Minha festa de aniversário é amanhã. — Ele me olhou com o canto
do olho. — Penso que quase todos na Miracle estarão indo.
— Reed me falou do convite.
— Aquele convite não era para você.
Percebi a forma como isso saiu no momento em que seu corpo
endureceu ao meu lado. Me xinguei mentalmente e apressado acrescentei:
— Aquele convite era para Reed e as pessoas importantes para ele. Sei
que você é uma dessas pessoas, mas além disso é uma pessoa importante
para mim. Quero ser eu a fazer o convite pessoalmente, então, Robert
Durango venha a minha festa de aniversário amanhã.
Ele não conseguiu esconder o sorriso em seu rosto, por menor que
tenha sido.
— Acha uma boa ideia? Sei que algumas pessoas na cidade estão te
encarando de forma estranha...
— Se eles não querem me ver ao lado do homem que eu amo, é
simples, não apareçam na porra da minha festa!
Dessa vez ele ri.
— Isso você aprendeu com Reed.
Dou de ombros.
— Estou falando sério, peão. Eu quero você ao meu lado amanhã.
Ele ficou pensativo por pelos menos uns minutos até que assentiu e
respondeu:
— Tudo bem, prefeito. Estarei lá.
Naquela hora senti como se estivesse ganhando um presente adiantado.
Eu entrei pela porta da frente.
O capataz da fazenda Miracle, Robert Durango, um pária em Cross
Ville. Esse mesmo Rob entrou no “grande evento anual” que se transforma o
aniversário de Homero Foster, e fiz isso pela porta da frente depois de ter
sido convidado pelo próprio aniversariante. Se fui recebido por alguns
olhares incrédulos, imagine que para mim também é difícil acreditar que
tudo isso realmente está acontecendo.
No local foi fácil encontrar Reed, Tristan, Zac e Margarita. Eles tinham
chegado mais cedo, não estavam todos juntos e até conversavam com outras
pessoas. Parece que a atração da noite realmente sou eu.
— Robert! — Mal consegui tirar os olhos do homem grisalho. Para esta
noite ele escolheu pentear as madeixas grisalhas para trás, deixando-o com
um ar ainda mais elegante, destoando de sua figura de cowboy. Ele estava
bonito e muito cheiroso. — Você veio.
Pelos céus, alguém já ficou feliz assim antes apenas com a minha
presença?
— Eu disse que viria, coiote.
— Você disse. — Podia ver em seus olhos que ele queria me beijar, mas
não cedi a tentação. O show que estávamos dando já era suficiente. —
Venha, deixe que eu te apresente a alguns conhecidos.
Ele falou como se eu fosse algum estranho na cidade e não conhecesse
ninguém. Apesar disso não o contrariei, deixei que Homero segurasse pela
mão e me guiasse pelo jardim onde a festa estava acontecendo. Quem me
visse nesse momento poderia pensar que sou a maior atração da festa, invés
de um simples convidado.
Outro detalhe que me chamou atenção foi que o lugar estava lotado, eu
bem sabia que a festa de aniversário de Homero Foster reúne boa parte da
cidade, mas esse ano ela se superou. Entre funcionários da fazenda, pões e
suas famílias, estavam também as pessoas mais “ilustres” de Cross Ville.
Parece que a revelação da sexualidade e do novo relacionamento do prefeito
não foi motivo o suficiente para manter essas pessoas longe. Se é apenas
para ficar “por dentro” das fofocas ou se realmente gostam do meu coiote, eu
não saberia dizer. Pelo menos fui tratado com o mínimo de educação
esperado.
Algumas pessoas que nunca tinham sequer me dado “bom dia”, fizeram
questão de apertar minha mão. Pasmem, a hipocrisia de algumas pessoas
consegue ser maior que sua homofobia. Quanto a mim, tratei de sorrir e ser
educado, ninguém estragaria a noite de Homero. Nem mesmo eu.
— Já começou bem no seu papel de primeiro cavalheiro da cidade —
disse Reed a certa altura da festa, ele se aproximou de mim enquanto meu
coiote conversava com alguns políticos da cidade. Fiquei mais atrás por não
aguentar ter que sorrir tanto para pessoas de quem não gosto. Pelo menos
uns dois daqueles homens haviam batido de frente comigo em algum
momento nos últimos anos. Eu cheguei a dar um soco em um deles, tenho
certeza disso.
— Muito engraçado.
— AH, vamos lá. Você está namorado o meu pai, ele é um homem pra
casar. — Ele estava brincando, mas tinha um certo tom de seriedade em sua
voz. Casar? — Nunca pensei que estaria aqui outra vez, tem pessoas falando
comigo, consegue acreditar?
Mesmo através do seu tom de falso choque, eu podia ver o quão feliz
Reed estava por ter sido convidado para a festa do seu pai. Agora entendo as
birras que ele fez nos anos em que não foi convidado. Dois anos atrás eu
pensei que meu patrão tinha enlouquecido de vez quando entrou na festa de
penetra. Naquela época ele já estava desesperadamente tentando ser aceito?
— Já viu seu irmão? — pergunto, pois eu mesmo só o tinha visto de
relance quando cheguei. O homem nem mesmo estava ao lado do pai, idiota.
— Ele está te dando um tempo difícil?
Assinto, Reed ri.
— Vai passar, é só birra. Deve estar com ciúmes do nosso pai. Ricco
pode ser muitas coisas, mas não é homofóbico.
Eu precisava dizer a Reed como seu temperamento e o de Ricco eram
parecidos? Melhor não, estou muito bem até agora sem arrumar confusão.
— Imagino que seja isso. Vou deixá-lo ter seu “momento de crise”,
Homero já tem muito em seus ombros para ainda se preocupar com as birras
do filho mais velho.
— Você também tem muito em seus ombros — diz Reed, apertando
meu braço. — Se Ricco te der merda, devolva na mesma moeda. Eu disse
que ele está apenas enciumado, isso não quer dizer que você pode aguentar
seu desrespeito.
Sorrindo, assinto. Até parece que aguentaria suas merdas calado.
— Rob... — Uma voz insegura interrompeu nossa conversa. Ao
virarmos na direção da ruivinha, Nana olhava para todos os lados, menos
para nós dois. Eu bem sabia que essa inquietação era por causa da presença
de Reed. A surpresa da situação era que a garota se aproximou de mim,
mesmo com seu tio parado ao meu lado. Coisa que ela não faria até pouco
tempo atrás. Nana costumava fugir de Reed como se ele fosse o próprio
demônio encarnado.
— Oi, Nana. Tudo bem? — Fico logo preocupado. A menina poderia
estar com problemas novamente?
— Sim, eu só queria dizer oi. — Ergo uma sobrancelha sem dizer nada.
Ele já tinha me dito “oi” pouco depois que eu cheguei. Um rápido olhar para
o lado e noto que meu patrão mal piscava enquanto olhava para a sobrinha.
— Fiquei feliz que você veio, uma pena que não trouxe a Hope.
— Ela ficaria agitada em meio a tanta gente estranha.
A menina assente.
— Verdade, você pode trazê-la outro dia. — Nana estava se apegando a
minha cadela, quando Hope estava em sua casa, a garota praticamente não a
largava. — Bem, era isso que eu queria falar. Acho que vou procurar meus
amigos...
Noto o leve cair na expressão de Reed e sou rápido em dizer:
— Fique mais um pouco, eu estava mesmo querendo falar com você
sobre... O seu avô. Trouxe um presente para ele e não sei como coiote vai
reagir. Ele parece ter tudo.
Os olhos da menina brilharam de alegria. Ela se aproximou mais e
começou a tagarelar sem parar, falando o quanto seu avô gostaria de
qualquer presente que eu tivesse para ele. Ela até mesmo me contou que deu
ao avô um novo perfume que ele estava usando esta noite. Eu tinha que
agradecê-la por isso, meu homem estava especialmente cheiroso.
— Então, eu posso ver o presente?
Diante de sua pergunta, abri e fechei a boca sem saber o que dizer. Reed
não se segurou ao meu lado e começou a rir. Seu riso fez Nana também
sorrir, apesar da menina estar claramente confusa.
— Acredite em mim, Nana. Seja lá o que Rob tenha trazido para o meu
pai, você não vai querer ver.
Invés de ser rude com o tio, coisa que normalmente aconteceria, Nana
acenou com a cabeça ao mesmo tempo em que suas bochechas ficaram
rosadas. Agora ela pensa que sou um pervertido, não é desse tipo de presente
que estou falando, se trata apenas de algo mais íntimo e reservado apenas
para o coiote.
Continuei puxando assunto com Nana pelos próximos minutos, cheguei
até a demonstrar interesse nos preparativos do casamento do seu pai, que
aconteceria dentro de uns três meses se tudo corresse como o planejado.
Reed ficou ao nosso lado o tempo todo e por mais que Nana não tenha
dirigido nenhuma pergunta diretamente a ele, meu patrão também entrou na
conversa, deu opiniões e arrancou risos. Eu estava bem satisfeito quando
cada um deles se despediu e seguiu para um lado, Reed em busca do seu
xerife e Nana indo até seus amigos.
— Você acabou de fazer uma coisa muito boa agora. — Sou
surpreendido pela chegada de Homero. Ele veio de fininho e agarrou minha
mão, ao mesmo tempo em que batia seu ombro no meu.
— Não sei do que você está falando — desconverso, é estranhamente
desconcertante quando ele me encara com esses olhos azuis tão cheios de
admiração. Parece até sou o melhor homem que já pisou nessa terra. E todos
nós sabemos que isso está longe de ser verdade.
— Tudo bem se você não souber. — Ele teve a ousadia de beijar minha
bochecha como se eu fosse algum tipo de donzela. — Eu sei por nós dois.
— Piegas! — O empurro para longe, ele ri, mas não solta a minha mão.
Ao contrário, a segura com ainda mais força e me leva junto com ele.
Desfilando ao seu lado quase me senti o maldito primeiro cavalheiro da
cidade!
Eu sabia, apesar de ser minha primeira vez como convidado, a festa de
aniversário de Homero Foster virava a noite. E quanto mais o tempo passava
mais pessoas iam chegando, ao ponto em que boa parte do interior e dos
jardins da casa eram preenchidos de convidados. Pelo menos metade das
pessoas que eu conhecia em Cross Ville apareceram. Pode ter sido por um
descuido meu ao ser tratado de forma tão “respeitosa” inicialmente que não
me atentei para esse fato. Diversas pessoas com quem eu tinha alguma
desavença estavam no local. Isso era algum tipo de prelúdio para o desastre?
Eu logo saberia.
— Rob, que bom que te encontrei. — Tristan tinha me parado quando
eu tentava escapar pela lateral do jardim. Minha garganta estava seca e na
festa parecia ter tudo, menos uma boa garrafa de água. Eu até tentei pedir
uma para um dos garçons quase meia hora antes. Ainda não tinha
conseguido a garrafa de água e resolvi ir buscá-la sozinho.
— Estava me procurando? — Olho em volta, tudo parece calmo.
Tristan ergue uma mão na tentativa de me acalmar, apesar de eu notar certa
seriedade em seu olhar.
— Não quero estragar sua festa, podemos conversar amanhã? Pode ser
na fazenda mesmo, nem precisa ir até a cidade.
Franzindo as sobrancelhas, acenei que sim.
— É algo com o Armando? Novidades?
— Aproveite a festa, o que tenho para te dizer pode esperar até amanhã.
Só queria que você soubesse que temos algo novo.
Iria insistir para que o xerife me contasse logo, mas desisti da ideia.
Homero estava tão feliz e relaxado, eu queria estragar isso? Podia muito bem
esperar mais um dia.
— Tudo bem, amanhã cedo estarei na fazenda.
Ele toca meu ombro, assentindo e me deixa seguir em frente. Com a
cabeça cheia de pensamentos sobre o que o xerife poderia ter para me dizer,
não percebi a aproximação de alguém quando estava contornando a lateral
da casa, tal como fazia quando entrava pela janela do quarto de Homero.
Essa noite o lugar estava tão cheio que inconscientemente ignorei as
entradas principais da casa. Esse deve ter sido o meu segundo maior erro da
noite, pois só percebi que alguém me seguia quando recebi um forte golpe na
parte de trás da cabeça. O contato com a superfície dura e fria me lembrou
na mesma hora das inúmeras brigas de bar nas quais me meti ao longo da
vida. Eu havia sido acertado por uma garrafa.
— Porra! — Cambaleei para trás, me escorando na parede para não
cair. Minha cabeça dava voltas, mas eu permanecia consciente. E todo um
espírito de luta tomou conta do meu corpo, afinal, aquela não era a primeira
vez que alguém me atacava na covardia.
— Eu disse pra você não fazer isso, Cody!
Forcei os olhos abertos para encontrar quatro peões da fazenda Foster
me cercando. Um deles era robusto e conseguia facilmente superar minha
própria altura, era ele quem tinha a garrafa na mão, a maldita coisa era
resistente o suficiente para não quebrar com o impacto ao mesmo tempo em
que me deixou desorientado. Ao colocar a mão no local atingindo percebo
que não tem sangue, apenas um inchaço se formando rapidamente.
— Se você quer ver essa merda sem fazer nada, então fique de fora,
Sheldon! — rebateu o babaca com a garrafa, empurrando para longe o
homem mais baixo que tentava puxá-lo para longe de mim.
Os outros dois peões estavam mais atrás, olhando para os lados com
certo medo em seus olhos. Ótimo! Com tanta gente que me odeia reunida em
um único lugar, eu tinha mesmo que ser atacado por quatro covardes que só
conheço de vista.
— Posso pelo menos saber o que vocês querem? — pergunto, fazendo
uma careta quando toco novamente o local que a garrafa atingiu.
— Não se faça de besta! — Apontou um dos homens mais atrás. Eu
conhecia aquele olhar: homofóbico. — Quem você pensa que é para andar
por aí com o nosso patrão?
Pela forma como ele falou e entortou os lábios com desgosto, até
parecia que eu havia corrompido o prefeito. Passado alguma doença terrível
para ele. Bem o tipo de coisa que idiotas fanáticos como esses acreditam.
— Ah, então vocês não gostam do que o patrão de vocês está fazendo,
mas resolveram me pegar na covardia para descontar as suas frustrações...
cof, cof... homofobia do caralho?
O grandalhão com a garrafa grunhiu como um bicho e veio em minha
direção, ergui os braços na tentativa de me defender, contudo, toda essa ação
foi interrompida por uma ordem fria.
— Pare agora mesmo, Cody!
Tinham cinco pessoas surpresas no local quando Ricco Foster apareceu,
eu era uma delas. O homem que demonstrava me considerar um lixo indigno
de ser pisado por seu pai estava caminhando em nossa direção, os olhos em
chamas tamanha sua raiva. E esta era direcionada aos meus agressores.
— O que porra pensam que estão fazendo na festa do meu pai?
— Essa bicha que fez nosso patrão...
— Foda-se! — O grito de Ricco teve o tal Cody cambaleando para trás.
Ao que tudo indica, os quatro babacas começaram a perceber a merda que
fizeram. — Se vocês se incomodam tanto com quem fulano e cicrano fodem,
então guarde essa merda para vocês e jamais falem bostas como essa na
minha fazenda!
— Patrão...
— Calado, Sheldon! — Apontou Ricco com o dedo em riste. —
Sumam da minha frente, não quero mais vê-los esta noite. E passem no meu
escritório amanhã logo cedo, vou acertar as contas com vocês.
— Por favor, patrão. Eu tenho mulher e filhos — implorou o homem
que até então tinha ficado em silêncio. Ele estava até um pouco pálido, mas
Ricco foi inflexível.
— Pensasse nisso antes de atacar covardemente o namorado do dono
dessa fazenda. Como pensam que podem continuar trabalhando aqui quando
não respeitam seu patrão e as pessoas que ele ama?
O homem falava de Reed e eu?
— Somos obrigados a ver essa pouca vergonha? O prefeito nunca foi
assim até esse aí se meter com ele. — O sujeito da garrafa ainda me olhava
com ódio.
— Não são obrigados a ver nada. — Ricco sorriu com um deboche que
eu já conhecia bem. Tinha um outro homem que o usava com frequência. —
Por isso os estou poupando de tal coisa. Saiam da minha fazenda, pois
mesmo que não concordem com a sexualidade do meu pai, devem respeito a
ele. Se não podem fazer nem isso, então já estamos conversados. Agora,
façam um favor a si mesmos e suas famílias, saiam da festa sem maiores
problemas. Todos aqui têm filhos, o que eles pensariam ao ver seus pais
sendo arrastados para fora pelos seguranças?
Um a um os quatros homens se retiraram, ainda vi alguns olhares
hostis. Nada que eu nunca tenha visto antes. Minha atenção foi tomada por
algo mais importante: Ricco e sua atitude totalmente inesperada.
— Você está bem? Precisa de um médico?
Levei uns bons trinta segundos antes de assentir. Um analgésico e eu
estaria como novo. As brigas ao longo dos anos me deixaram com um casco
grosso.
— Por que me ajudou? Pensei que me odiasse.
Ele ergueu uma sobrancelha em minha direção.
— Eu te mandei embora, jamais disse que te odiava.
Franzo as sobrancelhas.
— Tem diferença.
Ele ri, o que me surpreende ainda mais.
— Claro que sim, eu precisava ter certeza de que tipo de homem você
é. Afinal, se meu pai pode se apaixonar por você, então o homem que
conheci por Robert Durango tem mais camadas do que pensei. E eu queria
vê-las antes de decidir se você merece meu pai.
— Um teste? — questiono, confuso. Ele dá de ombros.
— Eu te tratei como lixo, você preferiu o bem-estar do meu pai a
revidar. Eu te mandei embora e você insistiu em permanecer ao lado dele.
Para mim está bom. Só tenho mais uma coisa a te dizer, cuide dele, ame meu
pai. Seja o companheiro que ele precisa e merece.
Seus olhos marejados de lágrimas se deviam ao pedido que estava me
fazendo?
— É claro que vou fazer isso!
Ele assente.
— Ótimo, estou confiando em você, capataz. Falte com sua palavra e
vou dar um jeito de te fazer se arrepender. Agora volte para a festa se estiver
tudo bem. Quando saí, meu pai estava arrumando tudo com a banda ao vivo.
Ele costuma soltar a voz nessas ocasiões, algo me diz que a música de hoje é
para você.
Se algum tempo atrás alguém me dissesse que Ricco Foster teria aquele
tipo de conversa comigo, eu o chamaria de louco. E bem ali diante dos meus
olhos foi o que aconteceu.
CAPÍTULO 29

Depois de uma noite como há muitos anos eu não tinha ao comemorar


meu aniversário cercado das pessoas que amo, eu só desejava mais uma
coisa. Com meu violão em mãos arrisquei me juntar a banda local que
tocava música ao vivo. Gostava de soltar a voz em volta da fogueira nas
noites em que os peões da fazenda se juntavam, mas em pouco tempo me vi
fazendo isso em duas ocasiões completamente diferentes. E assim como na
festa da cidade, era uma determinada pessoa que eu procurava em meio as
outras.
Tinha cerca de vinte minutos que eu não via Robert, e enquanto
começava os primeiros acordes de God Gave me you, do Blake Shelton,
meus olhos não descansavam. Ele estava por perto? Iria me ouvir? Eu
desejava que sim. Foi em meio ao silêncio que tinha tomado conta do jardim
da minha casa que eu soltei a voz e não demorou para que a figura do meu
cowboy aparecesse meio de lado, não querendo chamar muita atenção.
Sorri por ter aumentado a voz que inicialmente tinha saído um pouco
retraída. Robert se aproximou mais do palco improvisado onde eu estava e
pude olhar bem dentro de seus olhos quando cantei os seguintes versos:
Deus me deu você para os altos e baixos
Deus me deu você para os dias de dúvida
Para quando eu achar que perdi meu caminho
Não existem palavras para descrever, é verdade
Deus me deu você

Ele riu, balançou a cabeça, e posso estar louco, mas notei um certo
brilho em seus bonitos olhos castanhos. Aquilo eram lágrimas não
derramadas? Eu tinha conseguido a incrível façanha de emocionar o
cowboy? Era aquele o meu presente de aniversário?
Encerrei a música e quando a banda parou de tocar um enorme silêncio
preencheu todo o jardim que antes da minha apresentação estava barulhento,
cheio de risos e conversas. Mal tive tempo de pensar nisso e Nana se
aproximou de mim, abri os braços e a recebi para um abraço.
— Feliz aniversário, vovô!
— Obrigado, querida. — Ela saiu dos meus braços e Joana segue seu
exemplo. Para minha surpresa, Ricco foi o próximo a me puxar para um
abraço apertado.
— Feliz aniversário, pai. — Engoli em seco, sussurrando um “obrigado,
filho”. E como se as emoções estivessem sendo poucas para uma noite só,
Reed se aproximou com um sorriso bem mais aberto do que eu tinha visto
em seu rosto desde o início da festa. Eu abri meus braços e ele me abraçou
com força. Precisei puxar o ar pela boca antes que começasse a chorar como
um garotinho.
— Feliz aniversário, pai.
— Obrigado, meu filho.
— Eu te trouxe um presente, foi caro.
Sorrio com o rosto em seu ombro, então o aperto mais junto a mim, não
querendo soltá-lo tão cedo, mas sabendo que tinha que fazer.
— Eu sei que é caro. — Faço um carinho em suas costas. — Você me
trouxe um presente inestimável esta noite.
Juro que ouvi um fungado antes que ele se afastasse de mim. Dando
espaço para a única pessoa que não tinha me dado um abraço. Pensei que
teria que ir até ele, entretanto, quando Reed se afastou, Robert vinha em
minha direção. Ele me surpreendeu com um abraço apertado, uma de suas
mãos em minhas costas e a outra se erguendo da nuca até deslizar por entre
meus cabelos. Era um abraço possessivo e quase amoroso. Uma mistura
curiosa e totalmente Robert Durango.
— Você estava incrível, coiote. Feliz aniversário.
— Obrigado, meu amor.
Ele se afasta do abraço com um sorriso, nessa hora o silêncio chega ao
fim e várias pessoas se juntam para me desejar feliz aniversário. Levo uns
bons dez ou quinze minutos para cumprimentar a todos e agradecer pela
presença. O bolo é servido um pouco depois e nessa hora me retirei para o
fundo dos jardins, onde Robert tinha encontrado certo conforto em estar.
Nós nos sentamos juntos em um banco de pedra que tinha ali e
observamos os convidados aos poucos se despedindo e seguindo para suas
casas. Isso deve ter levado pelo menos mais uma hora, até que poucas
pessoas continuavam por ali. Em sua maioria eram peões da minha fazenda,
mas também estava Reed e os convidados que trouxe com ele. Eu estava
disposto a oferecer hospedagem para o grupo, por mais que achasse difícil
que eles aceitassem. Um passo de cada vez, certo?
— Eu te trouxe um presente — as palavras de Robert me tiraram dos
meus pensamentos e me fizeram encarar o homem sentado ao meu lado. Ele
me olhava com aqueles olhos que pareciam enxergar minha alma. Graças a
luz mais fraca no ponto onde estávamos, seus olhos estavam escuros e
pareciam pretos.
— Presente? — perguntei, não lembrava de tê-lo visto com nada
quando ele chegou. Robert sorriu e eu não resisti. Tive que me segurar por
toda a noite, dessa vez passei as mãos em seus cabelos, amando a suavidade
natural de seus cachos. Ele também não estava com seu costumeiro chapéu
de cowboy.
— Aí!
— O que houve? — Estranhei a forma como ele se encolheu por causa
de um simples toque, mas logo meu corpo ficou rígido quando senti uma
elevação suspeita na parte de trás da sua cabeça. — Quem fez isso? Você
está machucado?
— Calma! — Ele segurou a minha mão quando tentei me levantar.
— Como calma? Alguém te machucou quando você estava na minha
casa!
Ele suspirou, entretanto, me deixou levá-lo para dentro enquanto eu
ignorava qualquer pessoa que tentasse falar comigo pelo caminho que
percorremos até estarmos a sós no meu quarto.
— Sente na cama. — Aponto com o dedo. — Vou pegar o kit de
primeiros socorros.
— Nem está sangrando — respondeu. Eu o ignorei e voltei com o
maldito kit, já examinando o “galo” em sua cabeça. Aquilo tinha sido uma
pancada forte e pela forma como ele se encolhia quando eu tocava, estava
doendo. — Só preciso de um analgésico.
— Quem fez isso? — Me sentia um bicho enjaulado. Queria matar um.
— Foram uns peões da sua fazenda. Os covardes me pegaram
desprevenido, mas não aconteceu nada demais — disse, fazendo pouco caso,
o que me deixou ainda mais puto. Eu andava de um lado para o outro
enquanto ele se levantava da cama e seguia para o banheiro em busca de um
analgésico para a dor. — Você nem precisa fazer nada, Ricco apareceu na
hora e resolveu tudo.
Essa revelação me faz tropeçar em meus próprios passos.
— Ricco te defendeu?
Ele saiu do banheiro com um sorriso atrevido.
— Não pareça tão surpreso, eu fiquei surpreso por nós dois na hora em
que aconteceu. Ele apareceu, parou os idiotas, e vou te dizer, o homem os
colocou em seus devidos lugares. Até os demitiu.
Aquilo sim tinha sido uma grata surpresa, além de me deixar muito
feliz pela atitude de Ricco. Ele tinha estado tão distante nos últimos tempos,
que eu temi que uma vez que estava me reaproximando de um filho fosse
acabar me distanciando do outro.
— Eu vou falar com ele.
Robert me para quando tento caminhar até a porta. O cowboy segura
minha mão e me faz olhar para ele, na luz do quarto seus olhos voltaram a
ser castanhos, na verdade estão tão brilhantes que parecem ouro puro. Essa
não é a primeira vez que noto o quanto o meu homem é bonito. Sou sortudo.
— Você pode falar com ele depois, eu ainda não te dei o seu presente.
— Ah... você não precisava se preocupar com isso.
— Eu não gastei nada com ele. — Deu de ombros. — Você é rico pra
caralho, pode comprar tudo o que quiser. Seria inútil passar tanto tempo
escolhendo um presente assim.
Interessado, me viro totalmente para ele. Erguendo as sobrancelhas ao
notar o leve rosado em suas bochechas.
— O que está aprontando, peão?
Robert revira os olhos.
— Tal pai, tal filho. Pare de pensar besteiras. Você pode ter isso
também, mas o seu presente é outro. Eu pensei muito em algo que você
ainda não tivesse, quase desisti até que pensei em algo que eu tenho, posso te
dar e você com certeza deseja.
— Não brinque comigo, cowboy...
Aqueles olhos, aquela boca, aquele rosto. Ele seria cruel de me enganar
daquela forma?
— Eu te disse que não sabia amar, temi falhar com você nesse quesito
até que você me mostrou seu amor e eu percebi que já conhecia aquele tipo
de sentimento. A partir daí tentei entender se o que eu sentia era realmente
amor. Pensei nesse sentimento como algo muito grandioso, uma coisa que
você sente em poucos momentos e é capaz de fazer sua cabeça dar um nó.
Talvez por pensar assim demorei tanto tempo para entender o que, de fato, é
amor para mim. Porque eu te amo com intensidade, com loucura, tem horas
que esse sentimento quase não cabe no peito. Em outros momentos esse
mesmo amor é brando, leve como uma folha sendo levada ao vento. Eu te
amo quando você me enlouquece. Eu te amo quando você apenas fica ao
meu lado. Como um único sentimento pode ser tão grande e diverso se
tratando de uma única pessoa? É por isso que ele é tão apreciado? Pois eu te
amo nas menores coisas como sentar juntos na varanda da minha casa, com
Hope aos nossos pés enquanto jogamos conversa fora. Mas também te amo
nas maiores coisas, como quando você nos defende frente ao mundo. Eu te
amo quando você me ama, eu te amo quando você quer gritar comigo. Eu te
amo quando você está nos meus braços e me amando de volta. Eu posso
ainda ter muitas dúvidas nessa vida, mas se tem algo do qual tenho absoluta
certeza é de que eu te amo.
Minhas mãos tremiam sem parar, todo o meu corpo tremia, incluindo
meus lábios, enquanto eu tentava inutilmente encontrar alguma coisa para
falar. Lágrimas escorriam dos meus olhos, sei disso porque minha visão
ficou embaçada e algo quente escorreu pelas bochechas. Depois de tudo que
passamos até aqui, de suas palavras, de sua certeza de que não poderia amar
dessa forma, é quase inacreditável que tantas palavras tenham deixado a
boca do meu cowboy.
— Eu te disse isso para te deixar feliz, por que está chorando, coiote
bobo? — Tinha um tom brincalhão em sua voz, um olhar amoroso em seus
olhos e as mãos que tocaram meu rosto e limparam as lágrimas, estavam
ásperas do jeitinho que eu lembrava de serem.
Cedi aos meus impulsos e o apertei em um abraço esmagador, ele riu
alto.
— Seu cowboy idiota, o que pretende? Me matar no dia do meu
aniversário? — resmungo por entre as lágrimas.
Estava tão feliz, era uma felicidade que eu não experimentei por muitos
anos. Era a sensação de tudo estar no lugar certo, ou caminhando para isso.
Era a sensação de segurar em meus braços alguém que amo com meu corpo,
mente e espírito. Era a sensação de ser abraçado por uma pessoa que me
ama.
— Morrer? Não, prefeito. Você ainda tem muito o que viver, eu acabei
de descobrir que te amo.
Sorri, ri, gargalhei. Então me desvencilhei de seus braços e levei
minhas mãos até o seu rosto, segurando-o entre minhas mãos. Queria
admirar aqueles olhos que brilhavam como o puro ouro, desejava beijar os
lábios mais doces que já provei, e se não fosse pedir muito, eu queria ouvi-lo
dizer mais uma vez que me amava.
— Eu te amo, eu amo você, Robert.
Ele fecha os olhos, absorve minha declaração e quando torna a abri-los,
tem um sorriso leve enfeitando seu rosto e uma tempestade de emoções sem
igual no olhar. Finalmente Robert estava me deixando ver aquela parte sua.
Era tão preciosa para mim, eu queria cuidar dele na mesma proporção em
que desejava alimentar aquela chama em seu olhar e jamais deixá-la se
apagar.
“Continue me olhando assim, cowboy, continue me amando assim.”
— Eu queria tanto transar com você até não aguentar mais — deixo
escapar, ele ri um pouco surpreso. — Meu corpo está exausto, que droga.
Queria muito foder com você agora.
— Ah, coiote tolo.
Me surpreendo com a rapidez com que Robert abre os botões de sua
camisa e a atira longe. Engulo em seco. Eu poderia mesmo vencer o cansaço
de um dia exaustivo como hoje? Ele acabou de dizer que me ama com todas
as palavras, eu só queria estar junto dele de uma forma que ninguém mais
nessa vida poderá. Quero estar com ele e quero que ele esteja dentro de mim
em todos os sentidos.
— Vem... — Sua mão é estendida em minha direção, admiro seu
glorioso corpo nu antes de agarrar sua mão. — Você pensa demais, prefeito.
Apenas se agarre em mim e todo o resto encontrará seu devido lugar.
Confuso, o vejo apagar as luzes do quarto. Travo quando Robert me
guia até a janela, ela está fechada e a noite está tão escura que mal posso ver
o que tem do lado de fora, assim como não enxergo nada no interior do
quarto, apenas algumas sombras.
— O que está fazendo? — pergunto quando ele também passa a tirar
minhas roupas. Alarmado, penso logo que alguém pode nos ver.
— Quietinho, coiote. A festa está do outro lado da casa, quem vai nos
ver aqui?
Estava relutante, mas não o impedi de tirar o resto das minhas roupas.
Tampouco o impedi de juntar nossos corpos de pele quente quando ambos
estávamos completamente nus. Se a lua estivesse brilhando no céu esta
noite, duvido que as luzes apagadas dentro do quarto impedissem que nós
déssemos um show.
— Apenas se segure em mim — ele instrui com uma voz quente que eu
prontamente me vejo obedecendo. Seguro firme em seus ombros, apertando-
os. Estamos tão colados um no outro que eu posso sentir cada vibração em
seu corpo.
— Eu não consigo...
— Eu já estou dentro de você de uma forma que ninguém mais poderá
fazer, estou errado, prefeito? — Como eu poderia negar aquilo? — Então
basta me deixar tomar conta do resto, vou fazer cada parte sua ser minha.
Minha resposta foi um gemido alto quando as mãos calejadas que eu
amo, tocaram meu pau. Depois ainda sou chamado de tolo, esse cowboy
pensa mesmo que existe alguma parte de mim que ainda não foi tomada por
ele?
— Encoste em mim, deixe que eu sinta o calor do seu corpo — digo de
encontro a pele nua de seu pescoço. Eu queria me sentir amado por ele de
todas as formas e começo a entender o que Robert quer dizer. Ele está
tentando me fazer entender que podemos nos amar assim, apenas estando um
nos braços do outro.
Sua mão segurando meu pau, e a minha segurando o dele é apenas um
bônus. Algo muito bem-vindo, devo dizer. Pois tive meus gemidos de puro
prazer devorados por seus lábios quando estes vieram até os meus. E retribui
o favor engolindo seus próprios gemidos e grunhidos. Na posição em que
estávamos, com Robert me prensando na janela fechada, seu corpo quente
contrastando com a janela fria em minhas costas, era uma mistura deliciosa
de sensações.
Chupei sua língua como teria chupado o seu pau, e ele lambeu meu
pescoço como teria feito com qualquer parte do meu corpo. Os movimentos
de nossas mãos ficaram mais atrevidos, mais rápidos e intensos, da mesma
forma foram nossos corpos investindo um na direção do outro, como se
estivéssemos nos comendo. Que sincronia gostosa, que gemidos doces, que
mãos duras.
Eu me desmanchei tão gostoso em sua mão que precisei de sua força
para me manter de pé. Ainda bem que Robert podia me segurar.
— Eu estou quase lá, prefeito — sussurrou em meu ouvido, ele parecia
tão desesperado que eu lutei contra a nuvem de prazer que o orgasmo recente
tinha proporcionado, e me empenhei em masturbá-lo, da mesma forma que
fui de encontro ao seu corpo que investia com força em direção ao meu.
— Venha para mim, você disse que queria me marcar por fora também?
— Mordi seu pescoço, ele gritou, sua testa caindo contra o meu pescoço. Seu
gozo tingindo minha mão e barriga.
Respirações pesadas, corpos quentes e suados nos braços um do outro.
Essa é uma das formas nas quais podemos nos amar. Quem disse que regras
precisam existir? Quando estou nos seus braços dessa forma só existe uma
certeza para mim, e ela se chama Robert Durango. Ele é meu cowboy, meu
namorado, meu homem, a pessoa que amo e...
— Eu amo você, prefeito. Sei que é isso que você queria ouvir. Então se
ainda não ficou claro depois disso. — Seu corpo roçou no meu, arrancando
um gemido profundo. — Eu te amo.
E claro, ele é o homem que me ama.
CAPÍTULO 30

Eu tinha acordado com o corpo nu de Homero colado ao meu, se eu


não soubesse o quanto o meu coiote está cansado do dia anterior, juro que
teria gostado de me atrasar um pouco só para poder chupá-lo. Mas tinha que
ficar para outra hora. Reuni forças e levantei da cama, tomei um banho
rápido e deixei a fazenda Foster enquanto os funcionários contratados para
fazer a limpeza depois da festa, estavam começando a trabalhar.
Queria falar com o xerife antes que ele saísse para o trabalho, nossa
conversa da noite anterior ainda rondando minha mente. Pela seriedade de
Tristan naquela hora, eu bem sabia que o assunto era referente a Armando
Contreras. E só de pensar nisso tenho minhas mãos esmagando o volante do
carro.
— Tenho que resolver essa situação, não posso deixar que aquele
sujeito seja sempre uma sombra à espreita.
Agora tenho ainda mais pessoas ao meu redor, pessoas com quem me
importo. Tenho Homero, e farei o que for necessário para protegê-los.
— Você chegou cedo.
Margarita foi a primeira pessoa que encontrei na fazenda Miracle, ela
saiu na varanda quando ouviu o barulho do meu carro. A segunda “senhora”
que veio animada com a minha chegada foi Hope. Ele tinha ficado na casa
de Reed, aos cuidados do gato rabugento dele, pois não quis deixá-la sozinha
a noite inteira depois que minha casa já foi invadida uma vez.
— Reed disse que você talvez fosse querer uma folga hoje.
Me abaixo para fazer um carinho em Hope e ela lambe minha mão, ao
mesmo tempo em que Malaquias corre em nossa direção, miando como um
vadio. Gato chato, a cadela é minha.
— E você, Margarita? Ficou até tarde na festa e já está de pé? — Ela
revira os olhos.
— Como se fosse alguma novidade, quando o sol começa a nascer no
céu, não tem o que me segure na cama. Mas me diga, porque voltou tão
cedo?
Me sento nos degraus da frente, o céu estava clareando ao longe. Ainda
era muito cedo, o patrão e seu xerife deviam estar dormindo. Eu bem que
poderia ter ficado um pouco mais com o meu prefeito, mas fui um ser
ansioso.
— Tristan disse que tem algo importante para me dizer.
Margarita resmungo um “entendi”, sua expressão ficando mais séria.
Ela deve ter chegado a mesma conclusão que eu. Até parece que essa
fazenda não vive sem uma boa dose de confusão.
— O xerife ainda está dormindo, quando ele acordar falo que você está
aqui. Quer entrar para tomar um café?
— Não, vou ficar por aqui mesmo. Esse vento frio me acalma.
Ela sorriu, negando com a cabeça.
— Vou trazer o café.
Com um aperto rápido em meu ombro, Margarita entrou na casa. Nesse
meio tempo, Hope veio até mim, ela devia estar com saudades para
conseguir ignorar o gato miando de forma insistente. Hope deitou sua cabeça
em minha perna e fiquei fazendo um carinho nela enquanto esperava pelo
café que Margarita prometeu. A mulher voltou com a bebida um pouco
depois e passei os minutos seguintes desfrutando dela e vendo mais um dia
começando na fazenda. Até acenei para alguns peões que passaram,
chegando ao trabalho. Talvez eu fosse mesmo tirar o dia de folga, as coisas
estão calmas na Miracle e eu queria estar com Homero, ontem ele estava tão
ocupado que eu não pude ficar ao lado dele o tanto queria. Poderíamos até
mesmo sair e comemorar o aniversário dele só nós dois.
— Rob?
Minha atenção é tomada pela chegada do xerife, ele estava pronto para
o trabalho quando saiu na varanda.
— Eu disse que não precisava se apressar tanto.
— Você me deixou apreensivo com o que disse ontem.
Passando as mãos pelos cabelos em um corte baixo, o xerife resmungou
que sou muito ansioso. Eu sorri e me levantei dos degraus onde estava
sentado, seguindo-o para as cadeiras de madeira que ficam na varanda. Hope
veio em minha direção e se sentou aos meus pés. Malaquias ainda estava
miando como um pequeno tirano quando se jogou no colo de Tristan. O
homem parecia acostumado ao gato rabugento e apenas acariciou seus pelos.
— Bem que Reed me repreendeu por ter falado sobre isso com você na
festa de ontem.
— Ele sabe?
Tristan assentiu.
— Contei logo que cheguei do serviço ontem. Tenho novidades sobre
Armando.
Meu corpo todo ficou rígido, eu sabia que o assunto da conversa seria
esse, mas não podia evitar. Ter aquele maldito homem invadindo a minha
vida outra vez, justamente quando eu penso que estou livre dele, é no
mínimo angustiante. E eu odeio essa sensação.
— O que encontrou?
— Pedi a alguns amigos para procurarem o paradeiro dele, pois não se
encontrava no endereço que deixou ao sair de Cross Ville. — Isso não era
uma novidade para mim, eu mesmo tinha cuidado pessoalmente para que
Armando Contreras perdesse o que lhe restava. — Cheguei ao seu novo
endereço com certa dificuldade. Não havia muito o que eu pudesse fazer
nessa situação, não de forma legal. Tudo que temos no momento são
especulações e você dizendo que o viu no bar na noite em que sua casa foi
invadida e deixaram a cabeça de cachorro no seu carro. Até aí não posso
associar o antigo xerife ao caso.
Eu também sabia disso, mesmo sendo um bom homem, o xerife pouco
pode fazer por mim no momento. Deve ser por isso que homens como eu
existem, aqueles que não tem medo de fazer a “justiça” acontecer. Nossas
leis tem muitas falhas quando se tratam da segurança das pessoas. Afinal,
que bem me faria se Armando só pudesse ser preso depois de me ferir ou
ferir alguém que eu amo?
— Você conseguiu encontrá-lo?
Tristan nega, me sinto frustrado na mesma hora.
— As coisas se complicaram, Rob. No novo endereço de Armando foi
encontrado um corpo, era uma mulher que foi morta a tiros.
— Foi a...
Tristan assenti.
— A identidade só foi confirmada ontem, ela estava morta por pelo
menos algumas semanas. O xerife da cidade em questão começou uma busca
pelo filho do casal e por Armando. O rapaz foi encontrado vivo e bem,
estava ficando com uns amigos em outra cidade e não tinha notícias do pai.
Parece que a mãe o enviou para longe porque Armando estava violento e
descontrolado, o rapaz estava assustado.
— Ele está em Cross Ville, eu tenho certeza — falo, os punhos serrados
e uma sensação incômoda no estômago. Aquele homem esteve perto por
muito tempo, me observando, tendo a chance de me matar e não o fez. Ele
queria vingança, queria me ver assustado e temendo a sua chegada, como
tinha sido tantos anos atrás. Mas dessa vez estarei preparado.
— Penso que sim, e como tem uma ordem de prisão contra ele, eu vou
colocar a delegacia em alerta. Queria que você soubesse, pode dizer a
Homero também. Nesse momento todo o cuidado é pouco. Reed mesmo
quer aumentar a segurança na fazenda e garantir que você nunca esteja
sozinho...
Me ergo da cadeira onde estava sentado, e Tristan me olha com
estranheza.
— Obrigado pelo aviso, xerife. Eu vou me cuidar.
— Rob...
Caminho para fora da varanda.
— Vem Hope, vamos para casa, garota.
Minha cadela rapidamente me segue enquanto deixamos a casa de Reed
e Tristan para trás. Comigo levo apenas a certeza de que dessa vez serei um
caçador impiedoso. Se Armando pensa que pode jogar com as pessoas dessa
forma, ele está muito enganado. Eu não vou me esconder!

— Prefeito... Prefeito! — Dou um pequeno salto na cadeira, Noah


estava parado na frente da minha mesa. Pela sua expressão eu sabia que o
homem havia me chamado várias vezes antes de conseguir chamar minha
atenção.
— Terminamos por hoje, Noah? — questiono, minha cabeça estava
começando a doer depois de um dia estressante e rodeado por novas
preocupações.
Os policiais da cidade estavam em alerta para qualquer sinal da
presença do antigo xerife, mas até agora não tinham informações de seu
paradeiro. O homem nasceu e cresceu nesse lugar, ele sabe bem onde se
esconder e como encobrir seus rastros. Isso é o que mais me angustia, Robert
está na mira de um criminoso perigoso e vingativo, alguém que já matou
antes e não hesitaria antes de matar de novo. Temo pelo que pode acontecer
com meu cowboy, e tenho mais medo ainda por conta da teimosia daquele
homem.
“Ele deve pensar que é feito de aço!”
— Pode ir embora, prefeito, do jeito que o senhor está duvido muito
que consigamos fazer qualquer coisa por hoje.
Uma olhava rápida no relógio e percebi que era quase quatro da tarde,
poucas vezes saio tão cedo do trabalho. A menos que tenha alguma urgência
ou queira passar na fazenda, coisa que não tem acontecido com frequência.
Ricco está tão bem de saúde nos últimos tempos, de uma forma que eu não
via há anos. Acredito que seja o casamento dentro de alguns meses que tem
ajudado com essa situação. Dessa forma ele está bem mais ativo na fazenda,
me deixando quase sem trabalho por lá.
— Obrigado, Noah. Prometo que vou me responsabilizar por qualquer
atraso no trabalho. Agora me deixe ir, quero passar na Miracle.
Iria garantir que Robert fosse passar a noite em minha casa mais uma
vez, aquele peão teimoso vem insistindo que quer ficar em sua casa. Eu
entendo que seja incômodo para ele estar sempre se deslocando para a
fazenda Foster, mas não acho que sua casa seja uma opção mais segura. Me
chame de precavido enquanto ele me chama de exagerado.
Entro em meu carro, olhando para o celular, deveria ligar dizendo que
vou passar mais cedo na Miracle? Tenho certeza que por essa hora ele ainda
está no campo, trabalhando em alguma cerca ou cuidado do gado. Se eu
ligar, dificilmente o peão vai me atender.
— Vou apenas mandar uma mensagem — falo, digitando rapidamente
um:
“Estou a caminho da Miracle.”
Então coloco o cinto e saio dirigindo pela cidade, rumo a fazenda do
meu filho mais novo. A estrada estava calma, não cheguei a passar por
nenhum outro veículo até metade do caminho. Nesse meio tempo ouvi uma
música no rádio do carro e aproveitei a brisa fresca que entrava pela janela
aberta. Tinha chovido pela manhã e a terra ainda tinha aquele cheiro gostoso
que fica após a chuva. Era terra molhada com uma mistura de plantas,
árvores, mato. Era estranho, familiar e agradável ao mesmo tempo.
Murmuro uma música qualquer que tocava quando vejo uma picape
pelo espelho retrovisor. Não a reconheci como sendo de alguém conhecido, e
como a pessoa atrás do volante parecia apressada, decidi deixá-lo seguir na
frente. Por causa da estrada estreita puxei meu carro para o lado dando
espaço para a picape, ao mesmo tempo em que tentava ver quem estava ao
volante. O sol estava forte no céu e isso comprometia a minha visão do
motorista, este aproveitou o espaço que eu estava dando e acelerou, quando
pensei que passaria diretamente por mim, fui pego de surpresa com o forte
impacto na lateral do meu carro.
O ataque foi tão inesperado que eu perdi o controle do volante e quando
consegui segurá-lo com força já estava me chocando contra uma cerca. Por
sorte consegui frear a tempo e o impacto não foi tão destrutivo, pegando
apenas o lado do passageiro.
— Mas que porra!
Eu estava confuso e minhas mãos tremiam quando consegui abrir a
porta e saltar para fora do veículo, mas agi rápido e fui logo buscando o
número do xerife em meu celular. Aquilo tinha sido estranho e intencional
demais para eu pensar que foi um acidente.
— Prefeito? — Nem cheguei a responder ao xerife quando ele atendeu
minha ligação, isso porque a picape escura que tinha acabado de me jogar
para fora da estrada, estava voltando de ré. Apressado corri, me jogando por
cima do para-choque do carro, caindo do outro lado do veículo ao mesmo
tempo em que ouvi o som alto e inconfundível de tiros. — Homero? O que
está acontecendo?
Ouvia a voz preocupado do xerife, mas não tinha tempo de responder,
estava o mais escondido que conseguia. Perdi as contas de quantos tiros
foram disparados, a arma deve ter sido descarregada antes que o meu
agressor se desse por satisfeito.
— Diz pra sua bicha que isso é culpa dele!
Meu corpo se ergueu por vontade própria, eu reconheceria aquela voz
até nos meus pesadelos. E não estava enganado, do outro lado do meu carro
estava parada a picape, dentro do carro tinha um sujeito desgrenhado e com
um olhar de dar nojo. O mesmo tipo de nojo que sinto de um dia ter
considerado Armando Contreras meu amigo.
— Vá se foder, seu filho da puta! — gritei puto de ódio. Queria matar
aquele maldito com minhas próprias mãos. Assim sentiria que falhei menos
com Robert.
— Eu vou foder com Rob — sorriu com escarnio. — Vou foder com a
vida daquele desgraçado.
Dei um passo para o lado, como se pudesse fazer alguma coisa contra o
homem. Ele escolheu esse momento para mostrar que ainda tinha balas em
seu revólver, fui rápido em me abaixar, ainda assim o disparo passou
raspando pelo meu braço. Gritei de dor e caí escorado no carro. Ouvi um riso
alto e o som de pneus derrapando na terra antes da picape acelerar e
desaparecer na curva pouco mais a frente.
— Homero? Você está bem? Homero?
A essa altura o meu celular estava caído no chão próximo aos meus pés,
eu segurava meu braço que ardia apesar da bala ter passado de raspão.
Tristan ainda estava na ligação e gritava desesperado. Podia ouvi-lo dando
ordens junto de alguns sons que me diziam que o homem estava correndo.
— Estou na estrava velha, próximo a fazenda Caxias. Estava a caminho
da Miracle, encontrei com Armando, ele me tirou da estrada e atirou em
mim — soltei tudo de uma vez.
— Fique onde está, estou indo. Você foi ferido?
Neguei com a cabeça antes de perceber que ele não podia me ver.
— Estou bem, apenas um tiro de raspão no braço.
— Porra! — xingou. — Estou a caminho!
A próxima coisa que ouvi foi o som das sirenes de sua viatura enquanto
encerrava a ligação e me sentava no chão, encostado ao pneu do meu carro.
O tempo todo não pensava em mim, no fato de que quase morri, no meu
ferimento, não pensava em porra nenhuma que não fosse Robert. Armando
Contreras vai estar morto antes de ferir o meu homem novamente. Eu juro
pela minha vida!

Meu coração estava saindo pela boca, a respiração acelerada e as mãos


trêmulas. Ignorei tudo e todos a minha volta, correndo pelas escadas em
direção ao quarto tão conhecido por mim. Foda-se, eu estava desesperado e
não conseguiria me acalmar até ter meus olhos em Homero.
“Maldição! Por que fui esquecer meu maldito celular em casa logo
hoje?”
Passei o dia trabalhando fora da fazenda, esqueci meu celular em casa e
por isso só fiquei sabendo do ataque que meu prefeito sofreu quando retornei
para Miracle no começo da noite. Reed me esperava parado na varanda da
casa, sua expressão séria e terrivelmente preocupada, na mesma hora percebi
que tinha algo de errado.
— O que aconteceu? — perguntei. Ele desceu os degraus da entrada e
veio em minha direção. Estava pronto para sair, as chaves de seu carro em
mãos.
— Você esqueceu o seu celular, desgraçado!
Bati nos bolsos da calça por puro instinto, mas já havia dado falta do
aparelho mais cedo. Reed ignorou qualquer desculpa que eu tivesse para dar.
— Vamos, eu estava te esperando.
— Para onde? — Durante o dia tive uma sensação incômoda alojada
em meu estômago. Preferi pensar que era apenas porque meu celular não
estava comigo e por isso não consegui falar com Homero. — Aconteceu
alguma coisa? Foi com o Homero?
Reed olhou por cima do ombro, o queixo travado de raiva.
— Armando atacou meu pai, jogou seu carro para fora da estrada e
descarregou uma arma contra o veículo!
Minhas pernas falharam, eu caí contra a lataria do carro, as mãos
lutando para me agarrar em algo. Foi o meu patrão quem me segurou pelo
braço e colocou de pé, ele também me instigou a entrar no lado do
passageiro enquanto tudo que eu conseguia pensar era que Homero estava
morto.
— Mantenha a cabeça firme, homem! Meu pai está bem e já está em
casa. Vamos, eu vou te levar até lá.
Eu ouvi suas palavras, mas não acreditei nelas até invadir o quarto de
Homero e o encontrar em sua cama. Meus olhos percorrendo todo o seu
corpo e puderam encontrar apenas uma atadura no braço. Ele parecia bem,
estava vivo. Eu puxei o ar com força pela boca e senti a minha cabeça girar e
a visão escurecer. Por quanto tempo prendi a respiração?
— Venha aqui, peão — ele disse, abrindo os braços para mim. Eu
tropecei em sua direção, podia ouvir vozes ao redor, acho que tinha mais
alguém no quarto. Embora não pudesse dizer quem, pois me afundei em seu
abraço, apertando-o com uma força esmagadora, respirando seu cheiro.
Pelos céus, se pudesse não o soltaria nunca mais. — Está tudo bem, meu
amor.
Era eu quem deveria estar confortando-o, não o contrário.
— Não está nada bem! — grunhi, sem qualquer intenção de soltá-lo. —
Aquele desgraçado tentou matar você!
Depois que o medo esmagador foi passando, restou apenas um ódio
profundo como eu nunca senti antes. Armando me usou décadas atrás, como
bem entendeu. Me fez acreditar em coisas que não eram reais, me fez
duvidar de mim mesmo até que quase me perdi para sempre, e quando
finalmente encontro o meu caminho, preencho as feridas dentro de mim e
consigo dizer que amo alguém, aquele maldito volta querendo tirar isso de
mim? De forma alguma, eu quero estar morto antes de permitir isso.
— O xerife e seus policiais já estão à procura dele, dessa vez Armando
não vai se safar!
Eu queria que as mãos acariciando minhas costas fossem capazes de
aliviar minha raiva, mas não eram. Ele estava ferido, poderia ter morrido
hoje. Isso não pode ser relevado.
— Você está ferido — respondo, ignorando a fala que queria me dizer
que Tristan cuidaria de tudo.
— Foi só um tiro de raspão, estarei bem em um par de dias. Só aceitei
ficar na cama por hoje, pois minha pressão está alta e o médico recomendou
repouso.
Finalmente o liberto do meu abraço, sentando-me em sua frente na
espaçosa cama. Ele aprecia bem, apesar do curativo no braço e a expressão
abatida no rosto.
— Nós vamos acabar com isso, cowboy. Você entendeu? — Homero
segura meu rosto entre suas mãos, me fazendo encarar aquela imensidão de
azul profundo. Eu poderia prometer qualquer coisa para ele nesse momento,
por isso preferi ficar em silêncio. Daquela vez não aceitaria suas ideias. Eu
lutaria por nós, mas faria isso sozinho.
— Descanse agora, coiote. — O instigo a se deitar na cama, e cubro seu
corpo. Ele está cansado e não faz objeção. Deve ter sido medicado, por isso
a sonolência. — Quando você acordar podemos colocar um fim nisso.
Homero segurou uma das minhas mãos como se isso fosse me impedir
de sair do seu lado enquanto ele estivesse dormindo. Eu esperei até que sua
respiração ficou calma, o peito subindo e descendo sem qualquer outra
preocupação em sua vida. Acariciei os cabelos grisalhos, me abaixei em
direção a sua boca e juntei nossos lábios em um beijo rápido e tão sutil como
um mínimo toque. Era um pedido de desculpas adiantado por qualquer
merda que eu acabasse fazendo.
— Eu fico com ele — disse a pessoa atrás de mim, só então ergui meus
olhos para encontrar Ricco parado próximo a porta do quarto. Ele tinha uma
expressão indecifrável no rosto e os braços cruzados por cima do peitoral
largo. Ergui uma sobrancelha em sua direção, mas não questionei nada,
apenas acenei com a cabeça, olhei mais uma vez para o meu coiote e depois
saí do quarto.
Caminhei apressado em direção as escadas e quando cheguei no andar
de baixo vi que algumas pessoas estavam reunidas na sala de visitas. Nana,
Joana e Reed eram algumas dessas pessoas. Também pude ver o policial
Dexter próximo a uma das portas da sala, ele conversava distraído com a
governanta da casa, e por isso nem percebeu minha chegada.
Reed foi o único que se levantou e veio em minha direção. Eu continuei
andando em direção a porta da frente, ele não tentou me parar ou chamar a
minha direção, apenas estendeu as chaves de seu carro quando alcancei a
maçaneta.
— Vou deixar os advogados a postos — disse, antes de me dar as costas
e sair andando como se nada tivesse acontecido.
Eu nem perdi meu tempo tentando entender sua mente, preferi sair
antes que Dexter notasse minhas intenções e tentasse me deter. Eu sabia que
o xerife tinha deixado o homem lá para fazer a proteção da casa, e ficar de
olho nas ações de Reed e eu. Tristan nos conhece bem para saber que as
atitudes de Armando não seriam tão facilmente descartadas.
CAPÍTULO 31

Dirigi para casa sem maiores problemas, o tempo todo minha mente
lutando para tomar o controle. Eu estava movido pela raiva, mas queria sair
vivo disso, então precisava ser o mais racional que pudesse. Por isso segui
minha rotina de todos os dias, como se não tivesse uma única preocupação
na vida. Parei o carro na casa de Reed e segui a pé até minha casa. Hope me
acompanhou em silêncio e quietinha ao meu lado, ela era uma garota tão
esperta, devia saber que algo estava errado.
— Vai ficar tudo bem, garota — falo para ela ao entrarmos em casa.
Hope solta um ganido desanimado e me segue por todos os lados enquanto
eu ligo as luzes. Normalmente, ela correria para sua cama ao lado do sofá e
ficaria por lá até que o jantar estivesse pronto, mas hoje parece sentir a
necessidade de estar ao meu lado.
Seguimos juntos para o quarto e lá vou direto para o cofre. Ele é
pequeno e escondido na parede atrás de um espelho grande. Dentro guardo
alguns documentos e a minha arma. É ela quem eu pego, colocando-a na
cintura, escondida por minha camisa. Novamente Hope latiu chorosa. Eu
sentia que ela estava assustada.
— Vamos, eu vou preparar o jantar.
Faço um carinho atrás de sua orelha, antes de deixarmos o quarto e
seguirmos para a cozinha. A casa como um todo estava tão silenciosa que
faria medo. Eu não liguei a TV, não tentei colocar uma música e Hope não
soltou mais nenhum latido. Ficamos os dois em completo silêncio enquanto
eu tirava alguns ingredientes da geladeira e começava a preparar o jantar.
Quem nos visse de fora poderia pensar que estávamos tendo uma noite muito
comum e despreocupada, mas quem fosse atento o suficiente saberia que
cada parte do meu corpo estava tensa ao limite. Meus dedos formigavam
tamanha era a minha raiva, eu queria colocar um fim naquilo. Estava dando
todas as aberturas para que o covarde viesse até mim, e pretendia que apenas
um de nós vivesse para ver o dia nascer.
Em meio a esse silêncio tenso, percebi o exato momento em que Hope
se ergueu de onde estava sentada aos meus pés. Suas orelhas estavam em pé
e ela se encolhia contra minha perna. Soube que tinha chegado a hora, por
mais silencioso que ele tivesse sido ao abrir a porta da frente.
— Se esconda, garota — sussurrei contra o pelo de sua cabeça, quando
me abaixei para calmar Hope. Ele ganiu baixinho uma última vez antes de se
enfiar embaixo da mesa.
— Eu sei que você está ai, Rob!
Segurei a coronha da minha arma e a tirei da cintura no momento em
que ouvi sua maldita voz. Me esgueirei até a parede próxima a entrada da
cozinha e lá fiquei, esperando por sua chegada.
— Quando você estiver morto, talvez eu ganhe uma medalha por livrar
o mundo de um lixo como você!
Tal provocação funcionou. Armando começou a disparar tiros como um
louco descontrolado. Me espremi contra a parede vendo as balas que
passaram direto pela porta da cozinha, atingindo móveis e paredes. Hope
latiu mais alto, assustada. Minha pobre garota, era melhor que ela corresse
para fora.
— Eu devia ter matado você quando tive a chance! — berrou, eu pude
notar que ele se aproximava da cozinha.
— Digo o mesmo, parece que acabar com você e te jogar na lama não
foi o suficiente, né?
Eu não sabia se tinha sido a única vítima de Armando, dificilmente esse
tipo de gente para em uma única vítima. E ele teve poder, influência e
dinheiro por tempo o suficiente para ameaçar, aliciar e abusar de tantas
outras pessoas. Talvez eu nunca saiba ao certo se teve mais gente, quantas e
quem foram. Mas sei de uma coisa, eu consegui pará-lo, o tirei dessa cidade
através dos meios que achei necessário e ainda garanti que não tivesse
condições de continuar seus atos em outro lugar. Fechei as portas para ele,
espalhei aos quatro ventos o tipo de gente que era Armando Contreras, onde
quer que ele fosse, sua fama o precedia. E pelo visto funcionou, eu posso até
estar puto de ódio com a sua volta, mas ela só prova uma coisa: eu o derrotei
no final.
E agora vou me encarregar de colocar a última pá de terra em seu
caixão.
Após minha fala esperei uma nova rajada de balas, mas ela não veio.
Levei muito tempo pensando nisso e quase não consegui escapar quando
Armando me surpreendeu chutando a porta da cozinha pouco antes de
começar a disparar em minha direção. Eu me joguei no chão, sentindo as
balas passarem a centímetros da minha cabeça. Quase fiquei surdo com o
barulho, meu corpo inteiro em alerta. Da posição em que ele estava,
Armando tinha total vantagem, pois me encontrava tendo apenas o balcão da
cozinha como escudo contra as balas.
— Você gostava, Rob. Gostava de ter a minha atenção e carinho... Nós
poderíamos ter continuado a nos dar muito bem, mas você quis estragar
tudo.
Sinto um bolo se formar em minha garganta, quero vomitar diante de
suas palavras asquerosas. Um dia, muito tempo antes, essas mesmas palavras
me deixaram fraco, assustado. Eu não tive forças para dar um basta e fugir.
Eu não tinha para onde ir e quase acreditei que queria aquilo... Hoje entendo
o mal que esse homem me fez, e o odeio profundamente por causa disso.
“Não vou deixar que ele tenha poder sobre mim outra vez!”
— Precisamos pôr um fim nisso, Rob. Um não terá paz enquanto o
outro viver!
O ignorei totalmente, não respondi as suas provocações. Eu só
precisava de uma chance e acabaria com esse pesadelo. Chega de sonhos
ruins, chega de temer essa escuridão. Eu vou matar o monstro que atormenta
meus piores medos.
— AÍ! Cachorro desgraçado!
Levou poucos segundos entre o latido de Hope, o grito de dor e raiva de
Armando, e o som de um tiro sendo disparado. Eu só percebi o que estava
acontecendo quando o corpo do antigo xerife caiu contra a porta aberta e
quebrada da cozinha. Foi um baque seco, ele não conseguiu se apoiar em
nada quando caiu. Sua arma escorregou para longe, indo parar próximo a
geladeira. Hope saltou para trás, ela parecia assustada com o que tinha feito,
até eu estava surpreso que minha doce cadela tivesse pulado no meu agressor
para me defender.
— Boa garota, boa garota, Hope — entoei, caminhando em direção a
porta onde Armando estava caído e soltando sons de engasgo. A arma ainda
estava firme em minhas mãos e apontada para a frente.
Hope continuou ganindo aos meus pés, queria acariciar sua cabeça e
certificá-la de que tudo tinha acabado, mas não era bem assim. Ainda tinha
vida nos olhos frios de Armando quando me aproximei dele.
— Faça isso, Rob. Mostre ao mundo que você não é tão diferente de
mim, que pode ser um monstro também...
A mancha vermelha crescia a cada segundo em seu peito. Ergui a arma
diretamente em direção a sua cabeça.
— Igual a você? — Ri. — Nós não somos nada iguais. Pensa que vai
conseguir me deixar refém do medo mais uma vez?
Ele me olhou com puro ódio.
— Quando você ultrapassa esse limite, nunca mais consegue colocar a
cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente.
Tombo a cabeça para o lado, o dedo firme no gatilho.
— Eu não durmo em paz faz muito tempo, você deveria saber disso,
pois foi quem começou com os meus pesadelos.
Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, mas o único som que foi
ouvido em toda a casa foi o de um tiro. Uma bala certeira que atingiu sua
cabeça, bem entre os olhos. E então depois de décadas aqueles olhos
perversos que me causaram medo e repulsa estavam ali, parados, me
encarando sem um pingo de vida, e eu mais uma vez entendi o que é a
vingança:
Viscosa, opressora, obscura... satisfatória de uma forma que nenhuma
justiça jamais vai ser.

O som de tiros disparados na casa de Robert tinha chamado a atenção


dos funcionários e peões da fazenda Miracle. O xerife foi chamado na
mesma hora e quando chegou na casa do meu cowboy a cena que
encontraram foi uma que muitos já esperavam: Armando Contreras estava
morto, ele tinha recebido dois tiros. A casa estava uma bagunça e buracos de
balas eram vistos por todos os lados. Uma troca de tiros intensa tinha
acontecido ali, resultando na morte do maldito antigo xerife. Prontamente as
investigações começaram e Reed acionou seus advogados para
representarem Robert, alegando legítima defesa na morte de Armando. Fiz o
mesmo colocando meu advogado no caso.
Até então as coisas poderiam acabar “bem”, com exceção da minha
raiva e frustração por saber do perigo que Robert passou. Aquele peão
cabeça dura que não aceita ser ajudado. Eu queria encontrá-lo e bater em sua
bunda de garoto malcriado. E estava ali o problema, Robert não podia ser
encontrado em lugar nenhum. O dia estava para amanhecer, e ninguém tinha
visto o peão. Ele tinha sido ferido? Estava passando por um momento difícil
depois de matar alguém? Tantas coisas passavam pela minha cabeça e a
incerteza era o que me mantinha cada vez mais fora de mim.
Não foi até o final do dia, quase vinte e quatro horas depois do seu
desaparecimento, que eu recebi uma notícia sua. Não sabia se ficava feliz,
aliviado ou completamente puto com o homem. Tudo que sei é que corri ao
seu encontro sem sequer avisar aos demais que Robert tinha dado sinal de
vida.
Encostado naquela mesma cerca em que o encontrei meses atrás
quando decidimos iniciar uma “relação”, estava Robert. Parado, calmo,
sereno demais para alguém que tinha me deixado em total alerta, temendo
que ele acabasse morto. Parei meu carro de qualquer jeito, não desliguei o
motor, nem fechei a porta quando saí correndo em sua direção. Tomando-o
em meus braços em um abraço esmagador que acabou com toda a sua pose
calma.
— Seu desgraçado! Como pode sumir desse jeito? Tem ideia de como
eu estava? Eu te disse que nós resolveríamos isso juntos!
Eu estava gritando, enquanto ele permanecia calmo, acariciando minhas
costas em um gesto de extremo conforto. Como poderia querer me acalmar
quando ele tinha passado por um verdadeiro inferno na noite anterior?
— Se desculpe por isso, Robert! Maldito!
Ele riu, teve a capacidade de rir. Eu queria socar o maldito sorriso.
— Não me sinto culpado.
Me desvencilho de seu abraço e sem soltá-lo totalmente, encaro seu
rosto. Ele continua estranhamente relaxado.
— Não se sente culpado por ir contra meu pedido? Por ter me deixado
morto de preocupação com você?
Ele nega.
— Fiz o que precisava ser feito e não me arrependo. Você pode ficar
com raiva de mim, coiote, não vai mudar como me sinto. Eu precisava
proteger o homem que amo.
— Eu também queria proteger o homem que amo. — Não me deixo
comover por sua declaração, mesmo que agora eu possa ver esse amor em
seus olhos castanhos. — Mas você decidiu fazer tudo sozinho e arriscou sua
vida no processo. Será que não entende? Se você morresse do que adiantaria
essa proteção? Eu quero você, Robert Durango. Foda-se o resto! Se você
nunca se preocupou com isso antes, então passe a se preocupar com isso
agora, porque se você morrer, eu morro junto.
Ele segura o meu rosto com as duas mãos e noto certo brilho nos olhos
castanhos, talvez fosse umidade. Pouco depois lábios macios foram
esmagados contra os meus em um beijo tão saboroso que me deixou tonto.
Eu me agarrei em suas roupas e beijei de volta, e continuei beijando quando
meus lábios doeram, minha respiração falhou e o gosto de sangue se tornou
evidente. E teria continuado beijando-o pelo resto da minha vida se fosse
possível.
— Cada um tem sua própria forma torta e falha de cuidar daquilo que
ama — respondeu, juntando sua testa contra a minha enquanto nossas
respirações afoitas se chocavam.
“Onde está aquele Robert que meses atrás, nessa mesma cerca, disse
que não queria nada sério comigo? Ah, foda-se ele, eu não sinto a menor
falta daquele idiota. Prefiro muito mais esse idiota que está diante de mim.”
— Eu o matei, Homero.
— Eu sei disso, meu amor — disse, deslizando minhas mãos por suas
costas. — Reed e eu já estamos cuidando de tudo. Vamos resolver essa
situação...
Ele, que ainda estava segurando meu rosto, me fez olhar diretamente
para os olhos escuros. Dessa vez não tinha um brilho dourado neles, que
estavam quase pretos. Deixando que um arrepiou percorresse todo o meu
corpo.
— Eu olhei bem dentro daqueles olhos asquerosos e puxei o gatinho.
Fui para casa sabendo que Armando não perderia a chance de me emboscar
estando sozinho, aquele covarde. Eu sabia disso, e fui assim mesmo, queria
colocar um ponto final nessa história. E sabe de uma coisa? Não sinto um
pingo de culpa ou arrependimento, você pode conviver com isso?
Não fiquei assustado ou chocado, o abracei e aceitei totalmente o que
ele estava me mostrando. Afinal, eu conhecia cada parte obscura daquele
homem. E amava cada uma delas.
— Não me deixe criar ilusões, coiote. Eu quero ouvir da sua boca que
vai continuar ao meu lado.
Apesar de toda a situação, sorri. Por mais que ele tentasse esconder
atrás de uma fachada dura, eu conseguia ver através dela agora. Então
enxergava sua insegurança, o medo de ser deixado. O amor tem esse poder,
quando você o conhece é maravilhoso, mas também pode ser assustador.
Afinal, você pode mesmo suportar perder algo que ama e necessita com
tanta intensidade?
— Você está mesmo pronto para ouvir o que eu tenho para dizer,
cowboy? — questiono, me afastando de seu abraço. Ele sorri, um pouco de
angustia deixa seus olhos.
— Estou pronto para qualquer coisa, então mande, prefeito.
Assenti, e olhando em volta vi algo que serviria. Puxei um ramo seco
que crescia no capim atrás da cerca onde estávamos encostados. Com ele em
mãos o enrolei, fazendo uma espécie de círculo. Robert me olhou com
curiosidade o tempo todo, ficando verdadeiramente surpreso quando caí de
joelhos em sua frente e ergui o “anel” de capim.
Ele riu alto, jogando a cabeça para trás no processo. Até algumas
lágrimas se reuniram no canto de seus olhos devido a força do riso. Isso me
fez sorrir também e preencher meu peito de amor e certeza do que estava
fazendo.
— Você não está fazendo isso, coiote!
Ergui uma sobrancelha.
— Você disse que estava pronto para qualquer coisa que eu tivesse. Eu
não tenho um anel no momento, mas tenho o desejo de que você aceite ser
meu marido.
Seu riso cessou, o homem não parecia pronto para fugir. Ele se escorou
mais na cerca e me encarou, como se esperasse que eu continuasse. Respirei
fundo e assim o fiz:
— Quando começamos com isso eu sinceramente temi que você fosse
ser o completo caos que eu nem precisava em minha vida. E de certa forma,
eu não estava errado. — Ele ri, está satisfeito consigo mesmo. — Ainda
assim não consigo me ver fazendo nada diferente se pudesse voltar no
tempo. Até a loucura e caos que você me proporciona é bem-vindo. Você me
disse que ama as pequenas e as grandes coisas sobre mim, eu amo as coisas
mais bonitas e as mais obscuras sobre você. É simples assim, cowboy. Você
não precisa ter medo de me afastar, você deve ter medo de nunca conseguir
me afastar, mesmo que um dia queira.
— Isso é um pedido de casamento ou uma ameaça?
Também soltei um riso alto.
— Os dois, só para você saber exatamente em que estará se metendo
quando me der uma resposta para a pergunta. Robert Durango, você aceita
ser meu marido?
Ele estende uma mão grande e calejada em minha direção, ao mesmo
tempo em que diz:
— E eu sou besta de perder uma grande fazenda?
Coloco o “anel” de capim em seu dedo e me ergo do chão, indo direto
para seus braços, que envolvem minha cintura e me puxam para ele.
— Você não precisa se preocupar com a fazenda quando já tem o dono
da fazenda para você, peão.
O sorriso que recebi, desconfio que ainda não tinha visto antes. Ele se
dizia um homem atormentado, um homem ruim, alguém com sangue nas
mãos. Coisas das quais eu não poderia negar mesmo se quisesse. Ainda
assim conseguia ver amor, carinho, proteção e paz naqueles mesmos olhos.
Robert, de fato, trazia o caos para a minha vida, mas esse mesmo caos era
acompanhado por um sentimento que preenchia cada lacuna e cada espaço
vazio dentro mim.
Algumas pessoas podem dizer que você não precisa de alguém para se
sentir completo, que essa é uma tarefa só sua e que as demais pessoas devem
apenas acrescentar. Penso que tal fala espera demais de seres tão falhos
como os homens. Temos mesmo tanta força assim para sermos esses seres
tão completos? Isso é mesmo possível?
Não espere que eu tenha uma resposta para isso, quero apenas dizer que
algumas pessoas, como Robert e eu, tem tantas rachaduras dentro si, que
precisam sim de algo que as preencha. Fico feliz por ser eu esse algo na vida
dele, e que seja o meu cowboy esse algo em minha vida.
— Esteja pronto para uma vida ao meu lado, coiote.
O som de latidos interrompe a resposta que eu tinha para dar. Logo,
Hope, que estava provavelmente cochilando na caminhonete de Robert, veio
até nós. Parecia animada ao me ver, eu também queria pensar que ela estava
feliz por causa do meu pedido de casamento e da resposta do seu “papai”.
— Você também quer ser dona de fazenda, garota? Você quer? —
perguntou o peão se abaixando para fazer carinho na cabeça da cadela. Eu
observei os dois com um sorriso no rosto.
Se eu estou pronto para uma vida ao lado dele? Que pergunta boba,
devo estar pronto para isso desde o momento em que nos encontramos nessa
mesma cerca meses atrás. O cowboy até poderia não saber, mas desde aquele
dia, talvez até antes disso, ele já era meu.
CAPÍTULO 32

Sentado na frente da mesa do xerife, eu girava o anel em meu dedo,


coisa que tinha se tornado um habito desde que recebi um anel, de verdade,
de Homero. O homem não perdeu tempo, nem poupou gastos ao escolher um
par de alianças de noivado. Uma semana depois do seu pedido toda a cidade
sabia, e ostentávamos orgulhoso os anéis. Sinceramente não sei como acabei
assim, e nem quero saber.
— O caso está encerrado, Rob. O filho no Armando não quis se
envolver na história e se recusou a tratar dos tramites com o corpo e enterro.
Quem podia culpa-lo? Seu pai era um ser humano desprezível que
assassinou a mãe do garoto.
— Ele vai ficar bem? — me encontrei questionando. Agora parava para
pensar que tipo de vida o garoto teve ao lado de Armando.
— Espero que sim, ele acabou de perder a mãe de uma forma terrível.
Essas coisas levam tempo. — Eu bem sabia que o xerife falava por
experiência própria, já que perdeu toda a sua família em um incêndio
criminoso. — Por hora o que posso te dizer é que ele não demonstra sentir
raiva de você ou desejo de vingança. O rapaz nem mesmo quis falar no
assunto quando liguei para comunicar da morte de Armando. Só te chamei
aqui hoje junto do seu advogado porque queria que você estivesse ciente de
que não vai ser acusado de homicídio.
Aquilo me deixava aliviado, ao mesmo tempo em que não me
arrependia do que fiz, também não desejo passar anos da minha vida
pagando pela morte daquele lixo. Fiz o que tinha que fazer para poder ter
uma vida sem medo, sem a necessidade de olhar por cima dos ombros o
tempo todo.
— Agradeço, xerife. — Apertei a mão do homem, assim como fez
Franklin Santana, o advogado de Homero. Reed e seus advogados se
moveram para me ajudar logo que matei Armando, mas o prefeito não ficou
para trás e teve seu advogado me representando também.
Deixei a delegacia, me despedindo de Franklin. O dia estava bonito, eu
tinha vindo diretamente da casa de Homero, onde estava “morando” desde
os acontecimentos com Armando, e de onde dificilmente sairia agora. Ainda
era cedo, então poderia tranquilamente seguir para o trabalho. Agora tenho
que me locomover em uma distância maior entre minha casa atual e o meu
trabalho na Miracle.
— Talvez eu ligue para Homero e fale sobre o que o xerife queria —
resmungo para mim mesmo, enquanto atravesso o estacionamento em
direção ao meu carro. — Será que ele está muito ocupado esta manhã? O
coiote estava nervoso com a ligação do xerife na noite anterior, por mais que
tentasse negar isso. Ele nem me disse o que faria hoje na prefeitura.
Saco o celular do bolso e reluto por alguns segundos antes de mandar
uma mensagem.
“Acabei de sair da delegacia, o caso foi encerrado e não vou ser
acusado.”
Espero encostado no carro por uns bons quinze minutos, nada de
receber uma resposta.
— Ele está ocupado? — resmungo. Então mando uma mensagem para a
pessoa que tem a agenda do prefeito na palma da mão.
“Noah, o prefeito está muito ocupado esta manhã?”
Poucos segundos depois recebo uma resposta que me põe em
movimento.
“Venha até a prefeitura, ele está de péssimo humor!”
Quando passo pelas portas da prefeitura já posso ver Noah, ele tem uma
expressão fechada e aponta para a sala de Homero, dizendo que posso entrar.
Assim o faço, apenas para encontrar meu coiote com a cara enfiada em um
monte de documentos espalhados por sua mesa. As sobrancelhas franzidas, a
boca murmurando xingamentos baixos e a forma como suas mãos apertavam
as folhas dos documentos, deixava evidente sua frustração.
— Posso saber o que aconteceu?
Homero toma um susto por não ter percebido minha entrada antes. Eu
caminho até sua mesa e me sento em seu colo sem grande cerimônia, já
percebi que isso o acalma. Principalmente se estou abraçando-o ou
acariciando seus cabelos.
— Noah disse que você está de mal humor. — Ele suspira.
— Não acredito que aquele intrometido foi fazer fofoca!
— Ele não fez nada, eu que perguntei depois de te mandar mensagem e
você não me responder. — Rapidamente, Homero pega seu celular que
estava largado em cima da mesa e desbloqueia a tela para ver a minha
mensagem de minutos antes.
— Desculpe, meu amor. Estou estressado e descontando em todo
mundo. Fico feliz que tudo tenho acabado bem com essa história, de forma
alguma permitiria que você fosse para a cadeia por causa daquele...
— Está tudo bem agora. — Massageio seus cabelos e ele fecha os
olhos, suspirando. — Tudo que preciso saber é quem te deixou dessa forma.
Porque eu me encarregaria dele ou dela. Esses malditos pensam mesmo
que podem colocar uma expressão tão incômoda no rosto do meu coiote e
vai ficar por isso mesmo?
— Alguns associados ao meu partido estavam questionando a minha
decisão de tornar pública a nossa relação. Estão incomodados com a
repercussão que tem tido na cidade, ainda mais agora com o pedido de
casamento. Mas não se preocupe com isso, já lhes disse umas boas verdades.
Na próxima eleição vou sair do partido e não tentarei uma reeleição.
Seguro seus ombros massageando o local.
— Pois eu penso que você deveria fazer o contrário. — Ele me encara
com uma sobrancelha arqueada, confuso. — Deixe-me te dizer que alguns
anos atrás eu jamais acreditaria nisso. Entretanto, assim como o xerife
Tristan mudou a lei por essa cidade, fazendo um trabalho justo e sério, bem
assim tem feito você. Então mande essa gente incomodada com a sua
sexualidade irem se foder! Pelo visto estão precisando. Você é um excelente
prefeito, se dedica todos os dias ao trabalho, nunca vi um político trabalhar
tanto nessa cidade como você tem feito. Eu penso que o que realmente os
incomoda é a figura que você representa, as mudanças que tem ajudado a
acontecer em Cross Ville. Por isso, mesmo que me torne um “primeiro
cavalheiro” dessa cidade por sei lá mais quantos anos, estarei ao seu lado te
apoiando.
Eu tenho um sorriso no rosto quando pego com a ponta de um dedo
uma lágrima safada que escorreu de seus olhos. Ele segura minha mão e a
beija. Tão galante esse velho coiote.
— Acho que eu precisava ouvir isso de você.
Colo meus lábios aos seus, sem aprofundar o beijo e dando liberdade
para continuar falando.
— Estou aqui quando precisar ouvir verdades, mesmo que elas nem
sempre sejam do seu agrado. — Ele revira os olhos, deve estar lembrando do
nosso começo e como sempre tinha algo duro a lhe dizer.
— Que bom que posso contar com você, peão.
— Sempre, coiote.
Dessa vez aprofundo o beijo, pois queria sentir o sabor do seu beijo e
varrer toda a angústia em seus olhos. Posso até ser o causador de algumas de
suas frustrações, contudo, meu objetivo será sempre buscar a sua felicidade.

— Eu acho que agora ele se acalma.


Eu admirava a confiança de Zac, que estava sentado em cima da cerca
onde eu estava escorado, vendo o potro “brincando” no pasto a nossa frente.
Reed e Tristan tinham saído em um passeio a cavalo, e surpreendentemente,
Trovão e Lúcifer ficaram muito tranquilos em deixar Milk para trás.
— Ele está crescendo, deve ser por isso.
Solto um bufo risonho.
— Ontem Lúcifer não te deu uma cabeçada porque você tirou Milk da
baia para limpá-la?
Com uma careta, o garoto acariciou seu ombro como se ainda sentisse
dor. Eu ri, voltando minha atenção para o potro Milk. Ele se tornaria um belo
cavalo em pouco tempo, eu não falaria nada, mas Reed estava pensando em
presentear Zac com seu próprio cavalo no próximo aniversário do rapaz.
Quem diria que o menino magrelo que corria de um lado pelo outro na
fazenda Miracle, está prestes a completar dezoito anos.
— Você é um chato, sabia? — Estou pronto para dar-lhe um tapa
quando ele continua. — Mas vou sentir sua falta quando deixar a fazenda.
Com as sobrancelhas franzidas, encaro o garoto como se ele fosse
algum idiota.
— Quem disse que eu vou deixar a fazenda?
Ele dá de ombros.
— Eu tenho olhos. Você já mora com seu noivo, que por sinal é o dono
de umas das maiores fazendas da região. E eu bem vi que você levou o Zorro
para a fazenda Foster e não trouxe de volta.
— Homero quer sair para cavalgar no final de semana, penso que só iria
cansar o Zorro levando-o e trazendo-o de volta quando posso apenas deixá-
lo lá por alguns dias. — Esse é o mal do garoto fofoqueiro, ver as coisas e
sair fazendo especulações sem ter certeza de nada. — Além disso, Ricco
administra muito bem a fazenda Foster, ele não precisa da minha ajuda.
— Sei — debochou e dessa vez ganhou um tapa na parte de trás da
cabeça. — Aí! Só não esqueça dos amigos quando virar um homem rico e
dono de terras!
O moleque saltou da cerca e correu, só porque sabia que eu acertaria
sua cabeça de novo.
— Onde já se viu, eu estou muito bem por aqui. Não pretendo deixar
meu trabalho!
Negando com a cabeça, volto aos meus afazeres. Ainda tinha que
terminar algumas coisas e verificar o trabalho dos peões antes de encerrar
meu dia e voltar para a fazenda Foster. Pensando nisso, olho na direção onde
sei que minha casa está, ainda não pensei no que fazer com ela. Eu amo
aquele lugar e não quero perdê-la por causa de Armando. Talvez possa
transformar em um refúgio, um lugar só meu e do coiote, para onde
podemos fugir sempre que houver necessidade.
— Você implicou com o Zac de novo? — Margarita estava parada na
frente da casa quando fui pegar minha caminhonete para voltar para a casa
de Homero. Era final de um longo dia de trabalho e eu ainda tinha que lidar
com as reclamações do fofoqueiro Zac. Ele sempre corre para as saias de
Margarita quando apronta, e a mulher o defende como uma avó faria.
— Ele já foi fazer fofoca? Aquele garoto é um intrometido, depois não
aguenta uns cascudos.
Com as duas mãos na cintura, a mulher me fuzilou com os olhos.
— Só não puxo suas orelhas porque você tem que estar bem no seu
noivado.
Gemi internamente. Por que as coisas nessa cidade sempre têm que
acabar em churrasco? Eu nem mesmo queria uma “festa” de noivado, mas
insistiram tanto. Principalmente Nana, a garota me venceu pelo cansaço e
ficou de organizar tudo, pelo menos dessa vez as coisas vão ser mais
tranquilas, apenas os amigos próximos e alguns peões da fazenda vão estar
presentes. Também aproveitamos a ocasião para comemorar o noivado de
Ricco e Joana, mesmo que os dois tenham ficado noivos na festa da cidade,
eles ainda não tiveram uma festa para comemorar. E eu achei que seria uma
boa ideia, já que assim as atenções não vão ficar somente em mim.
— Eu te espero lá! — gritei para Margarita, agradecido por não sofrer
com seus puxões de orelha. Ela devia guardar isso para seu menino travesso:
Reed Foster.

Tinha música ao vivo em volta da enorme fogueira, dessa vez Homero


ainda não tinha soltado a voz, outros peões da fazenda deram o “show”
improvisado. Parecia até que todas as pessoas que conheço, e gosto, se
reuniram no mesmo espaço para comemorar junto a mim, pelo meu noivado.
Sim, minha vida mudou muito no último ano ou eu caí em algum universo
paralelo.
— Você quer uma cerveja, Rob? É sua festa e ainda não pegou nada.
Casey estava tão sorridente que até parecia ser ele o “noivo” na ocasião.
Eu prontamente ergui uma mão dispensando a garrafa de cerveja. Por falar
em cerveja, Juno e Dexter também vieram, a dona do bar estava chorosa ao
dizer que tinha perdido seu melhor cliente. Eu tive que a lembrar de que nem
bebia as cervejas pedidas e que ainda posso ir ao bar depois de casado. Então
ela me lembrou que esse não era o problema, eu era seu melhor cliente
porque “chamava” outros clientes interessados em um cowboy gostosão.
Suas palavras, não minhas. E quanto a isso não posso fazer nada, até porque
jamais trocaria meu coiote por qualquer rapaz bonitinho em seu bar.
— Eu não bebo, Casey — respondi, por fim, ele me olhou surpreso.
— Desde quando?
Eu poderia ter feito todo um monólogo explicando o porquê de sempre
carregar uma garrafa de cerveja comigo em festas e bares, quando não bebo
álcool. Entretanto, bastou um olhar para meu sorridente noivo, e perdi essa
vontade.
— Foi um pouco depois de conhecer Homero.
Casey riu, segurando meu ombro e deixando um aperto “camarada” no
local.
— Esse prefeito te fez um bem danado, hein!
— Você não tem ideia!
Passado nossa pequena conversa, o peão voltou sua atenção para a roda
de viola que estava acontecendo em volta da fogueira. Pensei em me
aproximar também quando Nana apareceu na minha frente com um
sorrisinho brincalhão. Se eu mudei nesses últimos meses, nem sei o que
dizer sobre Anelise Foster, acredito que a garota deixou transparecer o
melhor sobre si mesma.
— Está gostando da sua festa de noivado? — Arqueando a sobrancelha
em um falso espanto, questionei:
— Que peão não gostaria de um belo churrasco como esse?
Ela ri.
— Gosto de ver a família reunida.
Um olhar ao redor e encontro cada pessoa de sua família, incluindo seu
pai, a noiva dele, seu avô e seu tio. Ela estava falando de todos? Bem, até
agora não houve confusão na festa, todos estão se divertindo e Ricco e Reed
se cruzaram pelo menos umas duas vezes e socos não rolaram. Se eu pudesse
apostar, então apostaria que esses irmãos um dia ainda vão se acertar. Ou o
mais próximo que chegarem disso.
— Estou falando de você também, Rob — cantarolou a garota, que me
deixou sozinho logo em seguida. Surpreso, chocado e feliz por ter sido
incluído nessa “família”. Eu bem que combino com esse grupo de
desajustados.
Homero me disse outro dia e agora vejo que é verdade, em ocasiões
como essa em que tem muita gente reunida, mesmo sendo pessoas de quem
gosto, costumo me esgueirar para o lado. Procuro um lugar onde posso
observar as pessoas sem ser incomodado. No momento me parece muito
divertido ver Reed fazendo um papel de bobo por já ter bebido mais do que
aguenta. Sobrou para o seu xerife tentar conter a fera.
Toda a minha atenção foi tomada de repente quando um balde com gelo
foi despejado quase em cima dos meus pés. Pulei para trás com o susto,
apenas para perceber que tinha sido Ricco quem derrubou o balde de gelo
que carregava consigo, até mesmo algumas cervejas rolaram pela grama.
— Você está bem? — Me apresso em sua direção, o homem parecia
meio tonto e segurava sua cabeça. Firmei seu corpo de pé ao segurá-lo pelo
braço, ele ainda levou alguns segundos para perceber que eu o segurava. —
Você está bem, Ricco?
O homem me encarou com estranheza, como se não entendesse o que
eu estava perguntando ou porque segurava seu braço. O tempo todo a música
e os risos continuavam a nossa frente, ninguém tinha percebido o ocorrido, a
não ser eu.
— Rob? Claro, estou bem. Acho que fiquei tonto, o dia foi tão agitado.
O sorriso que ele deu não me convenceu, sua pele ainda estava pálida.
— Você está doente de novo?
Ele tinha estado tão bem nos últimos tempos, Homero falava sem parar
sobre como estava feliz pela recuperação do filho mais velho e como o
homem estava conseguindo cuidar da fazenda Foster quase sozinho.
— Não, eu realmente estou bem. Devo ter comido pouco com a correria
que essa casa se transformou durante todo o dia. — Eu bem entendia aquilo,
Nana ama uma festa e faz questão de que tudo esteja perfeito. — Vou
resolver isso agora mesmo, obrigado, Rob.
Assinto, é a única reposta que posso dar antes que Ricco me deixe e
siga até onde as demais pessoas em nossa “festa” estavam. Eu fiquei
pensativo com o que tinha acabado de acontecer. Deveria acreditar nas
palavras dele de que estava tudo bem? Deveria perguntar alguma coisa a
Homero?
— O que está fazendo escondido aqui, peão? — Por falar no coiote.
— Estava me preparando caso você decidisse soltar sua voz mais uma
vez.
Ele sorri, passando um braço por cima dos meus ombros.
— Se quer que eu cante uma música para você, é só pedir.
O empurro, mas não surte efeito e ele continua me puxando em direção
as pessoas em volta da fogueira.
— Você é tão brega, prefeito.
— E você aceitou se casar com esse velho brega. Já não tem mais volta,
peão, basta aceitar seu destino.
Parei de lutar contra ele e o segui. Quem disse que eu queria fugir do
meu destino? Ele não é apenas o prefeito de Cross Ville, e um coiote brega,
Homero Foster é o meu prefeito, o meu coiote, o meu noivo brega.
— Você viu que o Reed trouxe o Malaquias? Meu filho disse que seu
gato rabugento está com saudades da amiga.
Solto um gemido abafado, junto com um riso.
— Coitada da minha cadela.
Pelos céus, essa é mesmo a minha vida agora?
— Em dois meses é o casamento do Ricco e da Joana. Em quanto
tempo você quer que seja o nosso casamento.
Engasgo com o próprio ar e tropeço em meus pés. Ele ri, me segurando
para que eu não passe a vergonha de cair de cara no chão.
— Calma aí, prefeito. Acabamos de ficar noivos, me dê pelo menos um
ano antes de falar em casamento.
Ele faz uma careta.
— Você mesmo me chama de coiote velho, quanto tempo acha que eu
posso esperar?
Reviro os olhos e me solto de seu abraço. Caminho para longe e
Homero me segue de perto.
— Não exagere, coiote!
— Estou falando sério... Robert... Robert. Não me ignore, cowboy!
Estou feito com esse coiote, depois sou eu a tentação em sua vida!
CAPÍTULO 33

Eu tinha tido um sonho alguns meses antes, foi algo simples, nem
deveria ter me marcado tanto, mas de alguma forma sempre voltava a
lembrar dos acontecimentos vivenciados nesse sonho. Tinha sido um
daqueles sonhos em que você sabe que não pode ser real e ainda assim não
consegue acordar. Se sente angustiado, quer mudar os acontecimentos como
se eles pudessem afetar sua vida real.
Nesse sonho eu estava em casa, estranhamente sozinho apesar de ainda
ser cedo. Eu tinha que sair para o trabalho na fazenda, estava com as chaves
do carro na mão, pronto para ir até as plantações, entretanto, quando saí na
varanda da frente me deparei com um céu escuro. Era como se o mundo
estivesse acabando, e realmente estava. O que se seguiu foi confuso, cheio
de gritaria, não lembro ao certo de todos os acontecimentos, o que lembro
com clareza é da sensação esmagadora que oprimiu o meu peito. Eu sabia
que iria morrer, o mundo estava acabando diante dos meus olhos, e mesmo
que quisesse estar com a minha família nesse momento, tinha uma pessoa
que eu desejava encontrar mais do que qualquer outra.
Foi apenas um sonho, algo muito fora do normal, algo que
provavelmente nunca vá acontecer. Mas não consigo esquecer da sensação
de angústia e desespero que eu senti ao perceber que morreria sem dizer a
Reed que o amava. Pois mesmo sabendo que aquilo não podia ser real, me
fez lembrar de coisas que eu tentava esquecer. Era como se a minha vida
estivesse passando diante dos meus olhos. Eu amava minha filha, meu pai,
Joana, e para eles dei o meu melhor, os enchi de amor por anos. Já Reed,
quase não tinha restado nada. Eu amei quando pensei odiar, quando me
forcei a odiar diante de tudo que ele tinha feito, eu o amei e não demonstrei
isso por mais de uma década. Aquele era o meu único grande
arrependimento quando percebi que iria morrer.
É claro que no momento em que acordei e percebi, era apenas um
sonho, tratei de ignorar aquele peso em meu peito. Mesmo que daquele dia
em diante tenha me tornado menos rancoroso com relação ao meu irmão
mais novo. Passei meses pensando no que aconteceu entre ele e Celina,
aquele dia, aquela semana, era um completo vazio dentro de mim depois que
acordei no hospital. Tive sequelas que jamais poderiam ser revertidas, esse
vazio tinha se tornado parte de mim e eu o preenchi com raiva e revolta
direcionadas para a pessoa que responsabilizei por tudo de ruim que tinha
acontecido naquele dia. Jamais ouvi seu lado da história, ele se recusou a me
contar e isso facilitou o rancor. Então, mais de uma década depois me
encontrava olhando aos poucos, em silêncio, observando sua reaproximação
com meu pai. Reed tentava voltar lentamente para casa, e eu era uma espécie
de muro que o impedia de passar. Contudo, não sabia ser diferente, era
possível consertar nossa relação quando eu preenchi o vazio dentro de mim
com raiva direciona a ele?
— Sinto muito, Ricco. Já refizemos os exames duas vezes. Eles
mostram o mesmo resultado. Você tem um tumor no cérebro.
Naquele dia em que estava sozinho, sentado em frente a cadeira do meu
médico, enquanto ele me dava uma sentença de morte. Novamente vi a
minha vida passando diante dos meus olhos. E dessa vez não me surpreendi
quando ali encontrei o mesmo sentimento esmagador que senti durante
aquele sonho meses antes. Eu não queria morrer sabendo que Reed estava
tão longe. Por mais que eu pouco pudesse dar a ele a essa altura de nossas
vidas, eu queria que ele ficasse com uma parte minha que o trouxesse de
volta para casa.
— Quanto tempo eu tenho? — questionei ao homem que me olhava
com pena. Ele tinha me acompanhado depois do acidente por conta das
graves sequelas que tive. Eu tinha vindo me consultar com ele por
insistência do meu pai e de Joana, eles estavam preocupados com a minha
saúde fragilizada nos últimos tempos. Pensei que era exagero deles até
receber os primeiros resultados dos meus exames.
— Um ano, talvez menos... Nós podemos começar com alguns
tratamentos experimentais que podem aumentar sua expectativa de vida...
Suas palavras entram em meus ouvidos sem que eu prestasse atenção
nelas. Tratamentos experimentais? Não, para isso eu teria que parar tudo, as
pessoas a minha volta também o fariam.
Nunca antes tinha pensado no que faria antes de morrer. Acho que
ninguém para pra pensar nisso até que recebe uma sentença como a minha.
Quando você tem uma data marcada nesse mundo, começa a pensar no que
ainda precisa fazer. Talvez seja isso que te anestesie o suficiente para passar
pelo choque de descobrir: tenho um ano de vida, ou até menos.
— Como foi no médico, filho? — perguntou meu pai assim que
cheguei em casa. Ele tinha uma expressão preocupada que eu vi no rosto de
Joana algumas horas depois quando ela me fez a mesma pergunta. Também
tinha visto isso nos olhos da minha filha, e para cada um deles eu dei o meu
melhor sorriso e respondi:
— Foi tudo ótimo, eu estou perfeitamente bem. O cansaço? A saúde
fragilizada? Tenho trabalhado demais, vou pegar mais leve de agora em
diante e aproveitar meu tempo com as pessoas que amo.
Em troca, recebi sorrisos cheios de vida e percebi que valia a pena ter
mentido para eles. Do que adiantaria dizer que eu estava morrendo? Isso só
faria com que eles morressem um pouco a cada dia junto comigo, pelo
tempo que eu ainda tivesse de vida. Foi por eles, as pessoas que eu amo, que
escolhi não morrer, eu iria viver todos os dias que ainda tivesse e faria isso
tirando do caminho qualquer coisa que me trouxesse arrependimento no
final.
— Joana Villarde, você aceita ser minha esposa? — No meio da festa
da cidade, pedi em casamento a mulher que amava. Ao ver seus olhos
emocionados, a forma como ela gritou que “sim” tão animada e quis logo
que eu colocasse o anel em seu dedo, tudo isso foi a confirmação de que
apesar de estar sendo egoísta, era por um bom motivo.
Havia dito ao meu pai pouco tempo antes que pediria Joana em
casamento. Quando soube que teria menos de um ano de vida, pensei em
descartar essa ideia. Mas bastou algum tempo em sua doce presença tão
encantadora para que eu percebesse o porquê de ter desejado fazer esse
pedido em primeiro lugar. Eu queria passar o resto da minha vida ao seu
lado, é claro que gostaria que essa vida fosse bem mais longa, mas se não era
possível, eu lhe daria tudo que ainda tivesse.
Naquela mesma noite quebrei uma promessa que tinha feito para mim
mesmo e contei toda a verdade para a minha noiva. A segurei em meus
braços enquanto ela chorava e fazia diversas perguntas: “Não tem um
tratamento?” “Podemos fazer algo?” “Eu não quero te perder!”. Foi preciso
muita conversa para que Joana entendesse a minha situação. Eu mais uma
vez reafirmei meu desejo de ficar com ela até o fim, e deixei que ela tomasse
a sua decisão.
A partir daquele dia, eu estava noivo da mulher que amava e ela
carregava junto comigo o peso de saber sobre a minha doença.

— O senhor está tão pensativo, pai.


Nana sempre chegava de fininho quando queria alguma coisa, minha
menina estava tão crescida. Ainda haviam tantas coisas que eu queria
acompanhar em sua vida. Queria estar lá por ela, amá-la, defendê-la de
coisas tão terríveis como a que aconteceu envolvendo o maldito Callum
Dunham. Ela ficaria bem depois que eu partisse? Tinha pensado muito nisso
até que percebi, depois de deixar meu orgulho de lado, que a minha menina
estava cercada de pessoas que a amavam. Ela tinha o avô, a madrasta, muitos
amigos e tinha um tio que estava sempre ali. Por mais que ela e eu tenhamos
levado muito tempo para entender isso.
— Você quer alguma coisa, querida? — questionei, chamando-a para se
sentar ao meu lado na varanda da casa. Estava fazendo tanto calor que eu
decidi ficar uma meia horinha na varanda após o jantar.
— Só achei o senhor muito calado, pai. — Ela se senta ao meu lado e
eu passo um braço em volta de seus ombros, Nana deita a cabeça em meu
peito e assim fica. — Eu sei que o vovô tem visitado muito o tio Reed, é por
isso?
Sorri, ela havia percebido que tinha o chamado de “tio Reed”?
— Por que eu ficaria chateado com isso? Seu avô também é pai do
Reed.
Com o coração esmagado pela dor, tinha sido difícil entender isso. Sei
que machuquei meus pais ao vê-los se afastar de Reed e não tentar impedir.
Será que se eu pudesse me lembrar do que aconteceu, se soubesse os
motivos do meu irmão para fazer o que fez, se soubesse o que causou meu
acidente, eu poderia ver as coisas de outra forma?
— Eu sei disso, o vovô está feliz. Então não tentei dizer nada.
Ela entortou os lábios. O que eu poderia dizer? Por mais que esteja
tentando abrir minha mente e coração, por ter conhecido Reed antes desses
acontecimentos, posso esperar que Nana faça o mesmo? Eu não pediria nem
se pudesse, afinal, Celina era sua mãe. E só Anelise pode decidir o que
aceitar e o que perdoar.
— Realmente, ele está feliz. — Aperto seu corpo dentro do abraço que
estou lhe dando. — E eu fico feliz por vê-lo assim. Nossa família esteve tão
consumida pela mágoa, pela dor e pelo ódio... espero que isso possa mudar a
partir de agora.
— O senhor quer perdoar o tio Reed? — Sua voz estava inserta.
Principalmente quando ela completou. — Não sei se posso fazer isso.
— Está tudo bem, querida. Apenas não guarde mais tanto ódio dentro
de você, está bem? Eu quero que a minha menina cresça e seja uma mulher
maravilhosa. Você é tão incrível para perder seu tempo com sentimentos
ruins, deixe que seu pai lide com isso.
Ela ri baixinho.
— O senhor está diferente, pai... Eu gosto de te ver assim, parece mais
feliz.
Então eu estava tendo sucesso na tarefa de tirar todo o ódio do meu
coração, acabar com meus arrependemos e dar o melhor de mim para as
pessoas que amo, enquanto ainda posso fazer isso.
— Eu também gosto desse novo “eu”.

— Soube o que você fez, filho.


Ergo os olhos da tela do computador, meu pai estava parado na porta do
meu escritório. Ainda era cedo e ele não tinha saído para a prefeitura. Eu
tinha tanto orgulho do senhor prefeito, ele era ótimo para esse cargo. Cross
Ville merecia um prefeito como Homero Foster.
— Do que está falando, pai?
— Eu pensei que você estivesse me evitando. — Ele entra no escritório
e se senta na cadeira em frente à minha mesa. — Apesar de ter criado você e
conhecer o seu caráter, cheguei a pensar que você tivesse algo contra a
minha sexualidade. Deve ter sido um choque para você descobrir isso sobre
mim a essa altura da vida, como não quis falar comigo e ainda tratou Robert
mal, eu pensei que o problema fosse eu.
Paro o que estava fazendo e me concentro em meu pai.
— Eu fiquei chocado ao descobrir que o senhor é gay, pai...
— Bissexual, tem diferença.
Sorrio.
— Eu sei, pai. Nana já fez questão de me explicar tudo. Desculpa pelo
erro.
Trocamos um sorriso. Nossa menina é muito especial.
— Foi um choque descobrir sobre sua sexualidade, porque o senhor
nunca tinha me dito nada. Nana me ajudou a entender que nem mesmo o
senhor sabia até começar a se envolver com Robert. Se eu pude entender
Reed, por que não lutaria para te entender também? Você é meu pai, eu só
quero o melhor para a sua vida.
E estava tão aliviado por saber que meu pai teria alguém ao seu lado
quando eu partisse. Sei que será um golpe duro, ele vai precisar da força e
apoio de Rob. Já pude perceber que o peão realmente gosta do meu pai, ele
faz bem a esse velho prefeito. Isso é tudo que eu poderia pedir.
— Você ajudou Robert quando ele estava em apuros, também soube
que demitiu os homens que o atacaram.
Assinto, ambos com expressões irritadas no rosto. Jamais permiti que
merdas como essa acontecessem na fazenda Foster. Precisei aprender a lidar
com essas coisas quando Reed se assumiu gay tão jovem. Meu irmãozinho
estava sempre sendo assediado e cabia a mim, seu irmão mais velho, o
proteger.
— Não permitiria que algo assim acontecesse nessa fazenda, ainda mais
com o homem que você ama. — Sorrio, ainda é difícil pensar em Rob como
o homem que meu pai ama, mas vai ficando mais fácil a cada sorriso que
ilumina os olhos do meu pai.
Há quantos anos não o vejo tão feliz? Até esqueci que Homero Foster
podia sorrir assim. Não tem jeito, eu tenho que abraçar Rob Durango como
parte dessa família.
— Obrigado, meu filho.

— Você está lindo, pai! — Nana tinha um sorriso radiante nos lábios
quando entrou na sala em que eu estava me arrumando e me viu pronto.
— Olha quem f-fala — a voz falhou. Anelise estava tão bonita em seu
vestido azul, os cabelos soltos, salto alto nos pés. Minha menina estava
crescida e parecia uma rainha. — Você está linda, querida.
— Obrigada, pai. O senhor está pronto? Todos estão esperando, o
senhor tem que ir para o seu lugar, Joana também já está pronta.
Assinto, ela me oferece seu braço. Sorrio e enlaço nossos braços,
saímos da casa juntos. Joana e Nana acharam que era melhor realizar a
cerimônia de casamento nos jardins da casa, enquanto a recepção vai ser no
interior. Eu tinha apenas que concordar com as ideias das duas mulheres da
minha vida, não que me arrependa. Os jardins estavam lindos quando saímos
em um final de tarde, caminhando em direção a gazebo que foi construído
especialmente para a cerimônia.
Para a ocasião tínhamos convidado quase a cidade toda, o lugar estava
lotado e fui reconhecendo vários rostos amigos enquanto caminhava para o
meu lugar ao lado padre. Nesse momento, meu pai já estava em seu lugar no
altar, ao seu lado estava Rob, quebrando todos os padrões e a ideia tinha sido
de Nana. Ela adora aquele peão. Na primeira fileira de cadeiras vejo Reed,
eu tinha o convidado pessoalmente, naquele dia pensei que ele cairia morto
antes de mim. Tinha sido uma boa oportunidade para conversarmos, mas não
fizemos muito disso. Apesar de termos trocado algumas palavras, ele
prometeu que viria para a festa, tinha os olhos úmidos de uma forma
suspeita, talvez eu também tivesse quando caminhei até meu carro e deixei
sua fazenda.
— Está tudo pronto — disse a cerimonialista quando assumi meu lugar
no gazebo. Pouco depois uma música começou a tocar, era a escolha de
Joana para caminhar até o “altar”. Alguma música romântica que eu nem
mesmo sabia a letra, mas disse gostar para a agradar.
Ela estava tão linda, tão sorridente quando caminhou até mim. Eu a
amava tanto.
— Eu te amo — sussurrou para mim quando chegou ao meu lado e
segurou minha mão. Eu sorri e disse que também a amava. Então olhamos
para a frente e a cerimônia teve início.
Foi longa, com um grande discurso sobre amor e companheirismo por
parte do padre. Eu fiquei atento a cada palavra dita, e na hora dos votos
repeti aquilo que me motivava a estar ali mesmo sabendo do pouco tempo
que ainda tinha.
— Eu vou dedicar meu amor a você, Joana, por todo o tempo que tiver
a partir de agora. — Seus olhos estavam cheios de lágrimas, ela entendia o
peso daquelas palavras e as aceitou.
— Amar você vale a pena. Estarei ao seu lado até o fim.
Nós recebemos uma benção e estávamos casados. Depois disso
passamos quase uma hora recebendo felicitações e agradecendo a presença
dos nossos convidados. Todos seguimos para dentro da casa onde a recepção
estava esperando. Por causa da quantidade de convidados, mesas também
estavam espalhadas na varanda em volta da casa e com isso todos foram bem
acomodados para o buffet que viria a seguir. Eu estava me divertindo sem
sombra de dúvidas e me sentia bem como não sentia fazia meses.
Meu corpo estava ativo, minha mente funcionava com fluidez, não me
sentia tonto ou cansado. Não havia tido uma mínima dor de cabeça ao longo
do dia, por mais ocupado que tenha sido. Era surpreendente, acreditava que
fosse um presente de casamento. A oportunidade de vivenciar plenamente
esse momento.
Entretanto, tinha algo no fundo da minha mente me dizendo par ir em
frente. Eu tinha algo muito importante para fazer e não podia mais esperar.
Acho que foi naquele momento que eu entendi que não teria um ano inteiro
de vida. Pois senti aquela mesma opressão esmagadora em meu peito,
enquanto olhava meu irmão mais novo sentado à mesa com seu namorado.
Ele estava feliz, sorrindo. Assim como no sonho, sentia a necessidade de
falar com ele antes do fim. E felizmente os meus pés se moveram quando eu
tentei andar.
— Reed, nós podemos conversar? — Ele ergueu os olhos lentamente
em minha direção. Sem conseguir esconder a surpresa e a esperança contida
neles. Então assentiu, e sussurrando algo para o seu namorado, Reed passou
a caminhar ao meu lado para fora da casa.
Tinha um lugar onde eu queria que ele fosse comigo. Nós precisávamos
sair de casa para poder voltar para ela.

Me pergunto se algum dia vou olhar para trás e perceber que eu sabia
para onde estávamos caminhando. Não o “lugar” escondido por entre as
plantações para onde nós dois costumávamos fugir quando crianças. Mas
sim o destino inevitável que nos esperava.
Ricco mancou por todo o caminho, vi suor escorrer por sua testa e
pescoço, mesmo assim não me atrevi a oferecer ajuda. Ainda percorríamos
um caminho tão incerto que eu temia que qualquer passo em falso fosse
arruinar tudo.
— Nunca foi tão difícil chegar até aqui — ele disse em meio a um riso
sem fôlego. Eu sorri também, admirado com a alegria inegável que tomava
conta de seu rosto. O casamento tinha lhe feito bem. Era quase como se eu
pudesse ver novamente aquele ser humano incrível que eu conheci quando
jovem. O irmão que tanto amei.
— Estamos velhos — brinquei. Ele revirou os olhos e novamente fez
um grande esforço, dessa vez para se sentar no terreno gramado. Tínhamos
chegado em meio a um campo aberto, escondido por quilômetros de
plantações.
Quando mais novos costumávamos fugir durante a noite e vir para cá.
Ao me sentar na grama ao seu lado, uma série de lembranças tomou conta de
mim. As estrelas acima de nós eram as mesmas, sendo impressionante que
fosse assim, já fazia uma vida desde a última vez que fizemos isso. O céu
continuava intacto, firme no mesmo lugar, enquanto na terra as nossas vidas
tinham mudado para além da reparação.
— Acho que nunca perguntei diretamente a você o que aconteceu
naquela noite. Era mais fácil assim, mais fácil te odiar quando não sabia.
Mas hoje, você pode me dizer?
Fiquei muito surpreso que essa fosse a primeira coisa que ele me
perguntou. Ainda mais porque em seu rosto tinha uma espécie de paz tão
grande que desmentia a seriedade de sua pergunta.
— Não, eu nunca vou poder te dizer o que aconteceu.
— Por quê? Você não quer tirar esse peso das suas costas? — Seus
olhos miravam o céu o tempo todo, então fiz o mesmo. Encarando o céu
estrelado, respondi:
— Está tudo bem, eu não aguentei mais de uma década para agora
“jogar o peso fora”.
— Você é orgulhoso — disse com um riso leve.
— Sou.
— Está fazendo isso por quem? Por você ou por mim?
O encarei de relance.
— Me deixe te devolver a pergunta. O que você lembra daquela noite?
Ricco engole em seco e toca sua testa como se sentisse dor.
— Nada, é cada vez mais escuro e distante. Isso me angustia, sinto que
falta algo, uma peça que não se encaixa em tudo isso e ela é sempre você.
Vai fazer diferença para mim se eu souber a verdade?
Dessa vez ele me encara diretamente. Eu penso no assunto. O que
mudaria na vida de Ricco se soubesse? Ele enlouqueceria, meu irmão nunca
teve uma mente tão forte. Ele definitivamente enlouqueceria de dor e
remorso. Então todo o meu esforço para proteger aqueles que amo cairia por
terra. O que será de Nana? E meu pai, o quanto ele sofrerá novamente?
Suspiro e busco aquela dor que guardei durante tanto tempo dentro de
mim. Surpreendentemente ela quase não existe mais. No lugar sinto a
presença do meu xerife, os amigos que conquistei ao longo dos anos. E no
mais profundo, onde as feridas mais dolorosas estão, agora sinto também
como se alguns “remendos” estivessem sendo feitos. Neles enxergo meu pai
e suas últimas atitudes, vejo o olhar cauteloso de Nana, mas já sem ódio, e
agora vejo também o meu irmão com seu rosto sereno e feliz.
— Não mudaria nada — respondo, e Ricco assente.
A resposta que dei não foi para sua pergunta, por mais que ele tenha
entendido assim. A resposta foi para mim mesmo, eu não mudaria nada do
que fiz até aqui. Não importa quantas pessoas saibam do meu sacrifício, até
porque não foi por glória ou reconhecimento que eu o fiz. Foi por amor, esse
amor devastador e por vezes doloroso. Mas que molda o que somos nessa
vida.
Eu sou Reed Foster, um filho, um irmão, um tio. Sou alguém que
afundou para que aqueles que amo pudessem boiar. E hoje mãos firmes me
trazem de volta a superfície. Eu posso ver esse céu estrelado mais uma vez,
então está tudo bem. Eu posso viver com isso.
Uma tossida forte me tira dos meus pensamentos, encaro Ricco e ele
tem o olhar distante mais uma vez, enquanto tosse. Com as sobrancelhas
arqueadas, toco seu ombro.
— É melhor voltarmos, está frio e você não pode ficar doente no dia do
seu casamento.
Ele me olha e tem um sorriso estranho em seu rosto.
— Sabe porque eu te pedi para me seguir até aqui esta noite? — Mesmo
confuso, aceno que não. — Eu deveria ter morrido naquele acidente tantos
anos antes, contudo, Deus quis me dar uma outra chance. Me permitiu ver a
minha Nana crescer, pude receber e dar forças aos nossos pais ao longo dos
anos. E ainda consegui encontrar um novo amor a essa altura da minha vida.
Meu coração quase não cabe no peito de tanta felicidade, poucos homens
podem dizer algo assim em um momento como esse.
Abro a boca para perguntar onde ele queria chegar, e sou interrompido
por um erguer de mão.
— Só tem uma coisa que até pouco tempo eu não tinha conseguido
fazer ainda. Meu coração e minha mente estavam muito machucados. Sinto
muito se demorei tanto tempo, e se o tempo que estou te dando é tão pouco.
Te trouxe hoje aqui porque queria ser aquele menininho outra vez, aquele
garotinho feliz que tanto amava seu irmão mais novo.
Sinto uma dor estranha em meu peito, solto o ar pela boca e sinto-a
tremer. Algo molhado e quente molha as minhas bochechas. Ricco tem um
sorriso grande em seu rosto, ele está quase relaxado.
Com um braço esticado, meu irmão me puxa para junto dele, em um
abraço desajeitado. Como costumávamos fazer quando crianças. Muitas
vezes eu ficava com medo de vir sozinho para o campo, então o meu irmão
passava um braço por cima dos meus ombros e me puxava para junto dele.
Aquele abraço me acalmava e passava confiança. Ele estaria ali para mim,
não havia o que temer.
Seu corpo inteiro tremeu como se ele sentisse frio, tentei me afastar de
seu abraço, mas ele me segurou firme.
— Sinto muito por meu tempo com você ser tão curto. Sinto ainda mais
por ter causado isso de certa forma, eu estava magoado e até hoje não
entendo ao certo o que você fez e porquê fez, mas não é disso que quero
falar esta noite. O que tenho para te dizer é a única coisa sobre mim que eu
quero que você jamais esqueça. Eu te amo. Eu sempre vou amar você,
mesmo quando pensar que te odeio, pois você é o meu irmãozinho, Reed.
Sufoco o som de um soluço.
Eu sentia, sentia em cada célula do meu corpo o quanto o aperto de seu
braço ficava mais frouxo em volta de mim. Ainda assim não me afastei,
precisava ser abraçado mais um pouco, queria ser confortado depois de
tantos anos.
— Não seja tão forte o tempo todo, eu sei que você cresceu... Apenas
olhe em volta, sim? Tem tantas pessoas com você, agora eu vejo, e espero
que você também. Deixe que elas assumam o controle de vez em quando.
Tremo, dessa vez o soluço saí mais alto, ele acaricia meus cabelos.
— Ame todas as pessoas que quiser, jamais permita que te digam quem
você pode ou não amar. E se possível, ame aqueles que eu amo também.
Ame minha Nana, nosso pai, e a Joana. Pois eu sei que se você os amar, eles
nunca estarão sozinhos.
— Ricco...
— E me perdoe por sempre estar te dando trabalho. Olhe só agora, já
estou te pedindo para fazer tantas coisas. Você consegue? Eu sei que sim.
Existem muitas pessoas dispostas a te ajudarem, então basta não querer
carregar tudo sozinho nos ombros. Aceite ajuda sempre que precisar. E se
ainda assim ficar muito pesado, eu prometo que vou te ajudar de onde
estiver.
Faço um esforço para sair de seu abraço e o encaro. Ele esteve tão
pálido a noite toda?
— Por que está dizendo isso? — Ele me encara como se eu já soubesse.
E talvez saiba, apenas não quero dizer em voz alta. — Você não pode...
Meu irmão sorri, mas dessa vez seus lábios tremem e os olhos enchem
de lágrimas. Com os braços abertos pede para que eu me junte a ele. E assim
vou, aceito seu abraço e o abraço de volta. Juntos deitamos no chão gramado
abaixo de nós.
— Você deveria...
— Me deixe dar todo o tempo que ainda tenho a você, te dei tão pouco
ao longo da vida. Hoje vou fazer diferente.
Meu corpo treme novamente. Ele passa suas mãos em minhas costas,
em movimentos de cima para baixo.
— Eu amo você... — as palavras mal saem da minha boca, respirar é
tão difícil. Mas ele escuta, isso que importa. Ricco escuta, e suspira como se
esperasse por muito tempo para ouvir tais palavras. De fato, ele esperou
muito antes de ouvi-las.
O carinho em minhas costas para, percebo o exato momento em que sua
respiração também para. O corpo fica imóvel ao mesmo tempo em que o
meu se move em meio a um choro que prendi por quase uma vida. Todo o
tempo que passamos distantes um do outro.
Algum tempo depois, não sei ao certo quanto, me ergo para encontrá-lo
com os olhos fixos no céu e um sorriso no rosto. Meu irmão nunca pareceu
tão em paz e tão feliz quanto naquele momento. Com a visão turva por conta
das lágrimas, levei uma mão até seus olhos e os fechei, restando apenas o
sorriso no rosto.
— Eu te dei uma parte da minha vida, e você a viveu plenamente.
Meu choro fica mais alto, minha garganta dói ao ponto em que puxo o
ar com força ou não conseguiria respirar. Dor e amor lutam em meu peito.
Olho para o lado e por um segundo que tenha sido, juro, eu a vi, era a minha
mãe. Ela estava olhando para nós do meio do campo gramado. Ela estava lá
e na mesma hora o meu peito desobstruiu, pude respirar novamente.
— Cuida dele — sussurrei para o vento quando não pude vê-la mais. —
Eu prometo que vou cuidar do papai, da Nana e da Joana.
Senti um toque em meu ombro, contudo, ao virar não vi ninguém. Um
sorriso trêmulo tomou conta do meu rosto choroso.
— Eu também amo você, meu irmão — falo, reunindo forças para
pegar seu corpo em meus braços e voltar para casa. Os dois filhos da família
Foster estavam retornando para casa.
Tenho sido um vagante por toda a minha vida

Voando sozinho, voando às cegas

Já vi de tudo, já estive por todo lugar

Já estive perdido e fui encontrado, mas

Quem eu sou com você é quem eu realmente quero ser

Who I Am With You – Chris Young


CAPÍTULO 34

A morte de Ricco tinha pegado a todos de surpresa, menos sua esposa,


que apesar de estar desolada já sabia que meu filho tinha um tumor no
cérebro. Em um primeiro momento me culpei muito por não ter visto os
sinais. Ele esteve doente por tanto tempo, sua saúde sempre tão frágil, como
eu deixei passar algo assim?
Reed, a pessoa que estava ao lado do irmão quando este morreu,
também ficou inconsolável, foi ali a primeira vez que vi minha sobrinha
abraçar seu tio. Foi em um momento de completo desespero, Nana gritava
que seu pai não podia estar morto, e foi segurada por Reed. Ela lutou a
princípio, mas acabou cedendo ao abraço e se deixou consolar. Naquele dia
os dois se consolaram.
— Coiote, olhe para mim! — Robert tinha segurado meu rosto entre
suas mãos calejadas e me feito olhar bem para seus olhos. — Não foi sua
culpa, você não poderia ter mudado nada. Ricco tinha um tumor, ele
morreria independente do que você tentasse fazer. Olhe para tudo que seu
filho fez e guarde apenas isso na sua memória. Ricco não contou nada
porque queria que você e as outras pessoas que ele amava tivessem boas
recordações dele nesse tempo em que, mesmo doente, Ricco fez o seu
melhor por vocês. Ele fez o seu melhor até por mim.
Eu sabia daquilo, era a dor que me impedia de compreender as decisões
de Ricco. Dor essa que persistiu como uma ferida aberta por algum tempo,
até que foi sendo cicatrizada aos poucos. Devo muito desse processo a
Robert, ele foi uma rocha ao meu lado, me segurou nos momentos de maior
dor, me abraçou quando eu necessitava de seu conforto. Ficou ao lado de
Nana e Joana, assumiu as rédeas da fazenda e fez com que tudo funcionasse
na mais perfeita ordem.
Eu tinha um homem incrível ao meu lado, e se já havia percebido isso
nos bons momentos que passamos juntos, também fui capaz de perceber nos
maus momentos onde o peão não saiu do meu lado.
A presença de Joana também foi fundamental para enfrentarmos aquele
momento tão difícil. Ela permaneceu na fazenda, o lugar dela agora até
quando Joana não quisesse mais, se isso chegasse a acontecer um dia. Nana
encontrou nela uma figura feminina forte e amável, e juntas as duas
passaram pelo luto. E foi durante esse período que vi minha neta amadurecer
ainda mais, tomando decisões importantes para a sua vida, como por
exemplo, o fato de que passou a ser bem mais aberta com a família. Com
toda a família.
— Eu tenho medo do que posso descobrir... — Tinha flagrado Nana
confessando isso em um tom cheio de angústia. — Vi você como um
monstro a vida toda, agora que te conheço melhor não consigo entender o
que estou sentindo.
Nós tínhamos nos reunidos para um almoço em família no domingo.
Fazia pouco mais de um mês desde a morte de Ricco, e eu tinha encontrado
minha neta conversando com Reed na varanda de trás. Os dois não notaram
minha presença e por isso continuaram conversando.
— Você está pensativa demais sobre isso, não sei de onde tirou essas
coisas. — Reed demonstrava muita tranquilidade, o que era estranho, pois
ele sempre estava ansioso perto de sua sobrinha. A menina não poupava
palavras para dizer o quanto não gostava dele. Pelo menos tinha sido assim
por um longo tempo.
— Eu procurei saber mais de você, tio. Depois que o meu pai morreu e
todo o apoio que você nos deu, eu procurei saber mais e algumas coisas não
se encaixam. Eu nem sabia como as coisas tinha acontecido, dizem que você
nunca falou nada ao certo.
— Me perdoe, Nana. Sei que isso é pouco, mas é tudo que eu posso te
oferecer.
As mãos da minha neta tremiam e ela engoliu em seco.
— Eu não quero odiar o meu pai... — Seus lábios também tremiam, ela
estava prestes a chorar.
— Então não o odeie. Odeie a mim.
Minha garganta estava travada, eu mal conseguia respirar depois de
ouvir tal conversa. Saí para longe, deixando-os em um abraço doloroso.
Cambaleei pela casa até ser segurado por braços fortes, que me colocaram
firme em meus pés.
— O que houve, Homero?
Olhei para Robert como se ele fosse uma tábua de salvação. Fui
abraçado por ele e tomei algum tempo para entender o que tinha ouvido.
Margarita e até mesmo Robert tinham falado algo a respeito uma vez ou
outra. Sempre tentando me levar a ver algo que eu ainda não enxergava.
Seria possível?...
— Robert o que você sabe sobre a noite em que minha nora Celina foi
morta? — Meu noivo me encarou com estranheza, as sobrancelhas
arqueadas. Levou tanto tempo para dizer alguma coisa que eu pensei que ele
não falaria nada.
— Nada, Reed nunca me disse, e duvido que tenha dito a alguém.
— Mas você pensa que sabe alguma coisa que os outros não sabem! O
que é?
— Por que você não me diz? Está nervoso desse jeito por algum
motivo. Por acaso percebeu algo que não havia feito até agora?
Eu sabia bem, ele seria fiel ao homem que foi seu patrão por tantos
anos. Se fosse o desejo de Reed que eu não soubesse de tudo que aconteceu
naquela noite. Então Robert se manteria em silêncio. Foi pensando nisso que
fiquei pelas semanas que se seguiram. Em cada oportunidade que eu
encontrava com Reed, sempre me pegava o observando, tentando entender
se deixei passar algo. Se existia alguma coisa naquela noite obscura que foi
mantida em segredo por tantos anos. Devo ter sido bem óbvio nessa
situação, pois foi meu próprio filho mais novo quem me encontrou certo dia
e a sós questionou aquilo que eu temia colocar em palavras:
— Vamos, eu quero que você pergunte, pai. Se vamos recomeçar daqui,
então eu quero que você pergunte. Me pergunte o porquê de eu fazer o que
fiz anos antes.
Engoli em seco, minhas mãos tremiam. Eu sentia tanto medo de acabar
com o que estávamos reconstruindo. Contudo, Reed tinha razão, eu
precisava perguntar. Seria insuportável viver o resto de nossas vidas com a
pergunta pairando no ar junto do medo da resposta destruir nossa relação
mais uma vez. Eu precisava confiar em meu filho.
— Por que você fez aquilo, filho? Por que matou Celina?
Ele me olhou com seriedade.
— Eu protegi as pessoas que amava. Protegi minha família. Fui egoísta,
pai, foi um ato totalmente egoísta. Eu passei por cima de tudo que
considerava certo e justo até aquele momento e fiz uma loucura para salvar
as pessoas que mais amava nesse mundo.
Aquelas palavras cabiam em tantas situações. Poderiam ter tantos
significados. Mas Reed silenciou minha mente com um abraço apertado. A
forma como ele me abraçou e colocou sua cabeça em meu peito o faziam
parecer com um garotinho assustado. Ele lembrava aquele menino que eu vi
nascer e crescer, aquele menino que eu queria proteger do mundo.
— Você pode aceitar isso, pai? Pode viver com essa resposta?
Acenei com a cabeça, murmurando um “sim” logo depois. Ele relaxou
em meus braços. Quais sacrifícios um pai não faria por um filho?
Por mais que Reed e Ricco tenham envolvido suas vidas em coisas que
antes eu jamais poderia conceber como certas. Por mais que a mão de um
dos meus filhos esteja manchada de sangue, eu não posso fazer outra coisa
que não seja o acolher em meus braços.
Se ele está imerso na escuridão, eu o farei companhia lá. Farei isso por
amor e por egoísmo. Pois não aceito mais perder nenhum dos meus filhos.
— Eu sempre vou amar você, sempre vou amar vocês dois. — É minha
resposta final. Tudo que ele precisa saber para erguer seu rosto e continuar
vivendo sua vida.
Meu consolo maior nessa situação é que se existir um depois daqui nós
estaremos juntos onde quer que seja.
Depois desse dia tiramos um peso dos nossos corações. Não só eu, ou
Reed, Nana também o fez. O luto ainda era difícil, o passado obscuro e cheio
de “e se”. Mas buscávamos o deixar para trás. Minha neta não queria odiar
mais ninguém, muito menos seu pai. Eu não desejava perder mais ninguém,
muito menos o filho que acabara de voltar para casa. E Reed queria apenas
que portas e braços estivessem abertos para ele. Éramos os três últimos
Foster, até o momento, pessoas falhas, sofridas, com um caráter levemente
duvidoso, mas estávamos cheios de amor por quem realmente importava. Eu
faria qualquer coisa por minha família e sei que Reed e Nana também. Deve
ter sido por isso que entendemos o passado, compreendemos o nosso
presente e passamos a construir um futuro.

— Eu não sei porque me prestei a isso! — resmungo pela milionésima


vez.
— Pare de passar as mãos suadas no seu terno, vai sujar tudo antes da
hora!
Zac se encolhe quando olho para ele.
— Só queria te ajudar.
— Não está funcionando!
Com os braços erguidos, o garoto sai de perto de mim ao mesmo tempo
em que escuto o riso divertido de Nana. Ela entra no quarto em que eu estava
me arrumando para o casamento. A cerimônia seria bem simples, por
insistência minha, só os amigos próximos e alguns peões. Também não teria
festa grande, muita comida, bebida e música já estava bom. Nana não gostou
dessa “simplicidade” toda, mas teve que aceitar. É o meu casamento, se
tenho que passar por isso então vai ser do jeito que eu quero!
— Você está com uma cara de quem vai fugir a qualquer momento —
disse a garota vindo ajeitar a gravata do meu terno. Eu não gosto dessas
coisas, para que um terno? Eu estaria feliz em me casar com jeans, camiseta,
minhas botas e o chapéu. Recebi um monte de revirar de olhos quando disse
isso.
“— Você tem que ser elegante uma vez na vida, Rob. Afinal, vai ser
oficialmente o primeiro cavalheiro da cidade.” Tinha dito Reed, eu bem
queria revirar os olhos e perguntar quando ele iria casar com seu xerife, já
que estava dando tantos palpites. Contudo, bastou que eu abrisse a boca e ele
me olhou com um olhar fulminante, como se soubesse o que eu pretendia
dizer.
— Apesar da situação, eu não planejo largar seu avô — resmungo, a
gravata estava me sufocando.
— Bom saber, o coitado está pálido no quarto ao lado. Eu vim para ter
certeza de que você não pulou a janela e sumiu no mundo junto do Zorro.
A encaro por dois segundos antes de passar por ela e caminhar para fora
do quarto. Nana ainda tenta me deter.
— Você não pode vê-lo ainda.
Reviro os olhos, soltando um bufo.
— Eu não sou a porra de uma noiva, nem ele. Saí da frente! — Entrei
no quarto onde Homero estava se arrumando. Nana ficou para trás,
resmungando sobre como sou o noivo mais estressado que ela já viu.
— Robert, você vai fazer minha neta arrancar os cabelos de tanto
estresse.
Meu coiote estava bonito. Seu terno escuro abraçava cada parte do
corpo robusto. Suas pernas e coxas estavam gostosas pra caralho, seria
difícil manter os olhos longe. E os cabelos grisalhos? Estes estavam bem
penteados para trás, sem a presença do chapéu de cowboy. Para fechar, sua
barba tinha sido aparada, deixando-o com um aspecto mais jovial. Valia a
pena passar por todo aquele estresse de casamento se eu pudesse ver aquele
homem tão lindo por mais um tempo.
— Você está sem o chapéu — ele apontou quando me aproximei. — Às
vezes penso que ele é parte de você.
Me contenho para não passar as mãos pelos cachos que tinham sido
bem arrumados, também aparei a barba e visto um terno feito sob medida.
Tudo isso foi providenciado por Homero com a ajuda da nora, Joana. Meu
coiote fala de sua neta, mas é tão perfeccionista quanto ela.
— Estou me sentindo nu sem meu chapéu e botas.
Ele ri, suas mãos se alojando em meus ombros onde começa uma
massagem. Eu estava tão tenso, seriam poucas pessoas esperando por nós. A
cerimônia presidida por um juiz amigo de Homero, também não seria longa.
Ainda assim me sentia tão nervoso, eu não gosto de ser o centro das
atenções. Por isso estou distribuindo patadas desde que o dia amanheceu.
— Obrigado por estar fazendo isso. — Arqueio uma sobrancelha diante
de sua fala. Ele sorri de lado antes de deixar um beijo em minha boca. Eu
queria logo o aprofundar, mas Homero deu um passo para trás. — Sei que
você não vê sentindo nessas coisas, que te aborrecem de certa forma.
Entretanto, está fazendo isso porque me ama. É por isso que agradeço, pois
você sabe que é importante para mim.
Suspiro.
— Odeio ser o centro das atenções.
Ele assente.
— Eu sei, basta se concentrar em mim, peão. Tudo dará certo. Eu sinto
muito, mas não posso abrir mão da chance de ter você como meu marido.
Solto uma respiração profunda. Esse homem me quebra.
— Vamos acabar logo com isso!
Ele ri.
— Romântico.
— Brega — sussurro, agarrando sua mão e entrelaçando nossos dedos.
Os meus são bem mais ásperos em comparação com os seus. E esse contato
se tornou tão natural e familiar que tira um pouco do estresse que eu estava
sentindo. — Vamos lá, coiote. Está na hora de dizer sim ao seu cowboy.
Ele apertou a minha mão e seguimos juntos bem a tempo de encontrar a
cerimonialista contratada, era a mesma do casamento de Ricco e Joana. A
mulher era competente e rapidamente estava colocando tudo em seu devido
lugar. Até mesmo os noivos.
Era um domingo à tarde, estava chovendo bastante do lado de fora, o
que nos fez agradecer por termos decidido realizar a cerimônia do lado de
dentro da casa. Tinha cerca de vinte pessoas para o casamento, todos eram
amigos, por isso fui me acalmando aos poucos. A vontade de correr deixou
meu corpo e consegui até pronunciar um “sim” alto e claro quando
perguntado se aceitava Homero Foster como meu marido. Os votos tinham
sido descartados por hora, eu preferi assim, o que tivesse a dizer para meu
então marido, eu diria na intimidade do nosso quarto naquela noite. Homero
compreendeu isso e não me forçou a dizer nada, por mais que tenha deixado
umas duas palavras escaparem enquanto colocava a aliança em meu dedo.
Era uma aliança enorme de ouro, as pessoas veriam de longe. Depois
sou eu o ciumento possessivo.
Recebi abraços e tapinhas nas costas ao final de cerimônia. Nana me
puxou para o lado e fez questão de dizer que tinha ajudado o avô com a
escolha da aliança e que a joia era tão cara que foi colocada no seguro. Eu
tive um mini surto, dizendo que era uma coisa chique demais para a mão
calejada de um peão. O meu prefeito me encarou de uma forma que fez com
que todas as palavras fugissem da minha boca, então disse:
— É a aliança perfeita para o dedo do homem que eu amo.
Fiquei tão constrangido que todos a nossa volta pudessem ouvir.
Maldito prefeito e sua falta de vergonha. Até quando ele pretende fazer isso?
Me enlouquecer sem que eu possa revidar?
Droga, eu amo esse homem, tudo que me resta fazer é o provocar de
volta e mostrar que mereço ser chamado de tentação do prefeito. Esse coiote
vai perceber cedo ou tarde que naquele dia em que colocou uma aliança
estupidamente cara em meu dedo e me deu seu sobrenome, ele fez um
“contrato” para a vida toda.
BÔNUS 1

Tinha acabado de estacionar meu carro na frente de casa, subi os


degraus da varanda e observei o céu escurecendo rapidamente. Era próximo
das cinco horas da tarde e parecia que a chuva chegaria cedo. Eu já estava
preparado para uma forte tempestade, depois dos estragos recorrentes que
temos todos os anos nessa época de fortes tempestades, a prefeitura investiu
muito para que os moradores estivessem mais preparados e seguros, apesar
de alguns estragos sempre acontecerem.
Escutei um latido logo que cheguei ao topo das escadas, era Hope, que
ouviu o som do carro chegando e saiu para ver quem tinha chegado. Junto
dela estava Malaquias, pegando uma carona nas costas da cadela. O gato
tinha uma verdadeira paixão por Hope e não aceitou de forma alguma que
ela se mudasse. Reed adora essa coisa peluda e rabugenta, então para não o
perder de vez, aceitou deixá-lo na fazenda Foster algumas vezes por semana.
Assim o gato mata a saudade de sua amiga e não enlouquece o dono.
— Seu papai ainda não voltou, Hope? — pergunto, e ela late alto ao
ouvir tal palavra. Robert sempre me olha com uma sobrancelha arqueada
quando me refiro a Hope como sua filha. O homem pode não aceitar, mas se
tornou o que mais temia, um pai fervoroso de pet.
Olhando para o horizonte, onde as plantações da fazenda Foster estão
localizadas, penso se meu marido ainda está trabalhando. Após a morte de
Ricco, ele se tornou meu braço direito na fazenda. Pegou toda a
responsabilidade pelo trabalho e tratou de aprender o que ainda não sabia.
Em pouco tempo mostrou seu valor e que poderia cuidar de tudo por aqui.
Sem ele a fazenda estaria em sérios problemas há muito tempo.
— Seu pai é teimoso — murmuro, com Hope sentadinha ao meu lado.
— A chuva já está perto de cair, espero que ele chegue logo. Vamos garota,
vai ficar frio aqui fora.
Entramos na casa e vou logo tomar um banho. Passei um dia longo e
cansativo na cidade. Estamos em período de campanha, meu partido acredita
em uma reeleição e eu também. Sinto que posso fazer ainda mais por Cross
Ville, tendo o apoio de Reed e Robert torna essa certeza ainda maior.
— Meu marido ainda não chegou, Matilda? — questionei a minha
governanta, depois que tomei banho e desci para a sala. A casa estava
silenciosa como há muito tempo não acontecia.
A chuva já caía forte do lado de fora, o som alto de trovões era o único
barulho que preenchia a enorme casa de fazenda. Nana e Joana estavam fora
em uma viagem de final de semana, as duas queriam passar um tempo
relaxante em um spa. Minha companhia no momento era Hope, que estava
encolhida em uma das cadeiras da sala, com Malaquias enroscado nela.
Pobrezinha, estava angustiada por causa do barulho dos trovões.
— Não, senhor. Ele saiu cedo para o trabalho, voltou para o almoço e
quando percebeu a formação de chuva, deixou seu cavalo nos estábulos e foi
de carro até as plantações. Disse que ia verificar tudo antes que a tempestade
começasse. — Uma expressão preocupada marcou seu rosto. — Ele já
deveria ter voltado, o mundo parece estar desabando lá fora.
Também estava preocupado. Tinha acontecido alguma coisa? Até tentei
ligar para ele quando saí do banho, mas seu celular deveria estar fora de
área.
— Eu vou procurá-lo, Matilde.
— Tem certeza que vai sair com essa chuva, patrão?
Eu já caminhava até a porta.
— Vai ficar tudo bem, o carro dele pode ter atolado na lama.
Era o que eu queria pensar, apesar de estar preocupado. E se algo mais
grave tivesse acontecido? Com essa preocupação oprimindo meu peito,
percorri todo o caminho até as plantações. Estava chovendo muito e a
visibilidade da estrada era ruim, mas consegui o encontrar. Robert estava do
lado de fora de sua caminhonete, tentando a empurrar para sair de um
atoleiro. Eu parei bem na frente de seu carro e abri a janela do motorista.
— Tendo problemas, peão? — Ele ergueu a cabeça, olhando em minha
direção. Os faróis do carro impedindo que me visse com muita clareza. Ao
reconhecer minha voz, Robert gritou alguma coisa, que foi abafada pelo som
de mais um poderoso trovão. O cowboy correu para seu carro e desligou o
motor antes de vir até mim.
Ele estava ensopado e com as botas cheias de lama quando entrou no
banco do passageiro.
— Essa droga sempre tem que acontecer comigo! — bufo irritado, eu
ri.
— Você é sempre irresponsável assim durante uma tempestade? É a
segunda vez que isso acontece, devo me preocupar?
Ele resmunga.
— Só dirige, prefeito, eu estou ensopado!
Com um sorriso provocador, fiz o que ele pediu, só para ter o carro
derrapando na lama sem sair do lugar. O cowboy ao meu lado xingou alto
antes de soltar um riso nervoso.
— Por falar em segundas vezes — debochou, eu continuava tentando
sair do atoleiro, o que se mostrava inútil.
— Essa merda tem que ser brincadeira.
— Meu cavaleiro de armadura não consegue me socorrer novamente —
brincou, tirando suas botas sujas de lama antes de pular para o banco de trás
e começar e tirar as roupas molhadas também. Essa cena era exatamente
como um ano antes, quando nos encontramos em uma situação muito
parecida com essa.
Suspiro, desistindo de tentar sair do atoleiro. Também passo para o
banco de trás, dessa vez sem a necessidade de tirar minhas roupas, pois elas
estão enxutas. Vejo Robert ao meu lado tremendo, então tiro meu casaco
para oferecer a ele.
— Obrigado.
Seu sorriso tem o poder de aquecer meu coração. Na primeira vez em
que estivemos presos em uma situação como essa, eu estava confuso com
meus próprios sentimentos e reações. Agora existe apenas certeza dentro de
mim. Esse homem mudou a minha vida.
— Você parece um bobo apaixonado agora, coiote. Sabe disso, não é?
— Sua intensão era claramente brincar comigo, então por que tinha aquele
calor em seus olhos e palavras?
Sorrio, eu conquistei direitinho esse cowboy.
— Estava relembrando a primeira vez que terminamos em uma situação
como essa.
Ele ri, seu corpo tremendo com o riso e gotas de água escorrendo de
seus cabelos molhados. Peguei a camisa descartada e tentei o secar o
máximo que pude, temendo que meu marido acabasse doente. Por mais que
Robert seja duro feito pedra e raras vezes tenha sequer uma dor de cabeça.
— Dessa vez quando os boatos começarem a se espalhar, pelo menos
vai ser tudo verdade. Eu realmente fui visto seduzindo um “homem casado’.
Solto um riso alto.
— Você não tem jeito.
Ele balança as sobrancelhas, de forma brincalhona, enquanto seu corpo
vem em direção ao meu. Cobrindo-me, e fazendo com que eu deite no
banco.
— Vai dizer que você não se sente seduzido agora?
Ele começou brincalhão e provocador, beijando a pele do meu pescoço,
passando sua língua atrevida no local, arrancado gemidos meus. Mas logo
isso tomou um outro rumo, assim como as coisas sempre acontecem entre
nós. Basta uma faísca e começa um incêndio.
— Abra bem as pernas, coiote — sussurrou de encontro ao meu ouvido,
eu mal consegui entender o que ele disse antes de suas mãos atrevidas
estivessem baixando minha calça. Eu tinha saído tão apressado de casa que
nem liguei muito por estar de pijama, tendo apenas um casaco grosso por
cima para aliviar o frio.
— Aqui é muito apertado — digo, ele sorri, encontrando uma forma de
se colocar entre minhas pernas. O meu carro era grande e espaçoso, mas não
somos homens pequenos.
— Sempre damos um jeito, prefeito. — Ele piscou um olho, sua
expressão divertida não combinava com o fogo naqueles olhos castanhos, ou
o calor das mãos calejadas que seguraram meu pau.
— Oh, céus — sussurrei com a voz trêmula, do lado de fora um clarão
iluminou a escuridão pouco antes de um poderoso trovão rasgar o céu. Nessa
hora consegui ver perfeitamente a expressão de Robert ao envolver meu pau
com seus lábios macios. Os cabelos ainda molhados foram tocados por
minhas mãos que buscavam algum apoio no espaço apertado em que meu
corpo e mente eram enlouquecidos por um único homem.
— Você está cheiroso — murmurou passando a língua nas minhas
bolas. Meus olhos reviraram com a sensação gostosa. Eu queria ter mais
espaço, me esticar, e dar tudo que sua boca gulosa queria.
— Tomei um banho quando cheguei do trabalho — respondi e ele
murmurou um som em acordo, sem tirar suas mãos ou a boca do meu corpo.
O carro estava ficando muito quente em comparação ao frio do lado de fora.
— Suas pernas estão tremendo. — Ele aperta minhas coxas, liberando
mais uma vez meu pau de sua boca úmida. — Você quer gozar, não é? Seu
corpo é tão necessitado, sempre que eu te toco assim você já quer encher
minha boca com sua porra.
— A culpa é toda sua! — retruco, largado no banco. Ele ri, se
esgueirando por cima de mim até estar sentado em meu colo. — Ah!
Um novo gemido alto deixa meus lábios quando seu pau duro é
segurado junto ao meu.
— Eu estou assumindo totalmente a responsabilidade por isso.
Eu não resisti, beijei seu sorriso safado e pretencioso, ao mesmo tempo
em que ele nos dava uma punheta gostosa, com sua carne quente entrando
em contato com a minha. Sua saliva facilitando o processo, enquanto eu
sentia meu próprio gosto em sua boca. Não existe possibilidade de que eu
resista a esse homem, ele me enlouquece, me atormenta, me tenta, me faz o
amar até mesmo quando rebola em meu colo, nos dá uma punheta e me beija
com gosto de sêmen.
Eu me desmancho em sua mão e pouco depois sinto sua porra se
juntando a minha. Somos uma bagunça, mas tudo está tão quente e gostoso
no banco de trás do meu carro que eu faria de novo e de novo até que o frio
da tempestade não passasse de uma lembrança.
Agora seu corpo está molhado novamente, mas dessa vez por um
motivo diferente. Eu quero continuar colocando o olhar turvo e escuro em
seu rosto, quero vê-lo com os lábios vermelhos e abertos, buscando pelo ar
que perdeu ao gozar chamando meu nome. Eu quero que ele continue
derretendo junto a mim, me sujando com seu gozo, me beijando com paixão.
E é por isso que mal lhe dou tempo de descansar e o puxo para outro beijo.
Ele resmunga, ri, diz que não vai conseguir “subir” tão rápido, mas não
me afasta. Robert se aconchega mais junto a mim, em uma mistura de
carinho e safadeza que eu aprendi a amar mais do que qualquer outra coisa.
Como o esperado, na manhã seguinte mais uma cena se repetiu, uma
que eu também me lembrava bem. Fomos despertos depois de uma noite
longa de tempestade, do lado de fora do carro tinha alguns peões da fazenda
batendo no vidro. Robert tinha um sorriso satisfeito quando saiu do carro, eu
mal conseguia esconder meu constrangimento diante da cara que os peões
faziam. Dessa vez eles tinham plena certeza do que meu marido e eu ficamos
fazendo durante a noite que passamos trancados ali.
E sim, a fofoca se espalhou bem rápido, de diversas formas. Sendo que
em todas elas alguém comentava sobre como “um certo cowboy tinha
seduzido o prefeito da cidade”.
BÔNUS 2

E pensar que tudo isso aconteceu porque meu filho mais novo insistiu
que eu tivesse uma despedida de solteiro. Eu achei a ideia ridícula a
princípio, nem mesmo quando era jovem e me casei com Agnes tive uma
coisa assim. Mas Reed não desistiu. Continuou insistindo até que Robert riu
e disse que os peões da fazenda Miracle, onde ele foi capataz por anos,
estavam organizando algo parecido para ele. Eu fiquei enciumado na mesma
hora, ele demonstrava tanta empolgação para a tal “despedida de solteiro”,
acabei por impulso concordando com a ideia de Reed.
— Certo, organize tudo, meu filho. — Me arrependi na mesma hora em
que essas palavras deixaram minha boca. De um lado tinha um Robert com a
cara amarrada e do outro estava meu filho com uma expressão muito
satisfeita. Só conseguia pensar naquela frase “fazer um contrato com o
próprio diabo.”
Não deu outra, na noite anterior a cerimônia de casamento, fui
“sequestrado” por Reed, e Robert desapareceu logo cedo. As duas
despedidas de solteiro aconteceriam ao mesmo tempo para que um noivo
não se metesse na despedida do outro. Até aí concordei, meio relutante,
sabia que Reed estava aprontando alguma coisa. E estava errado? Óbvio que
não! Bastou que ele parasse seu carro em frente ao poço, para que eu
percebesse, mais uma vez, o grande erro que cometi ao deixar meu filho
preparar minha despedida de solteiro.
— Você não aprontou alguma loucura, não é, Reed?
— Claro que não! — Fez a maior cara de ofendido, eu revirei os olhos.
Até parece que não fui eu quem limpou as fraldas de merda desse garoto. —
Confie em mim, pai. Vai ser divertido e inesquecível... Meus olhos que lutem
para sobreviver a isso... — resmungou ao final.
— O quê?
— Nada! — Desceu do carro. — Vamos lá, o bar está fechado essa
noite, exclusivamente para você.
Não levei em grande consideração suas palavras até que passamos pela
porta do bar, tudo estava estranhamente silencioso. Nada como uma noite
normal e barulhenta no poço. Isso sem falar nas luzes desligadas e no fato de
que éramos as únicas duas almas vivas no local.
— Isso é algum tipo de brincadeira sua, Reed? — perguntei. Ele me
empurrou para continuar andando.
— Está entregue, agora me deixe ir antes que meus olhos queimem com
a visão. Vou fechar a porta quando sair, mas ele está com outra cópia das
chaves. Aproveite seu presente adiantado.
— Reed... Reed! — Meu filho escapou antes que eu pudesse fazer
alguma coisa. Bem que eu sabia, era uma péssima ideia confiar em Reed
para algo assim. — Onde eu fui me meter?
Tomo um pequeno susto quando a luzes de uma única parte do bar se
acendem fazendo um barulho alto no ambiente silencioso. Quase ao mesmo
tempo uma música sensual começa a tocar. Me sobe um arrepio pela espinha
ao olhar para o local em questão e notar uma nova adição ao bar. Era um
palco pequeno, eu tinha ouvido falar algo sobre as noites de sábado e um
novo show que estava sendo oferecido, mas com os acontecimentos recentes
não tive cabeça para vir conferir por mim mesmo.
— Reed não fez isso — murmuro, um tipo diferente de vergonha
tomando conta de mim. Eu tinha ouvido falar desse tipo de show. Meu filho
fechou o bar pela noite para me dar um show de stripper particular?
Como se esperasse por minha pergunta, uma nova luz se acendeu no
centro do palco, ali pude ver uma cadeira, onde um homem grande estava
“sentado”, de costas para a plateia de um homem só. Ele vestia jeans, botas e
chapéu de cowboy. A primeira coisa que notei foi a bunda firme que
começou a se mover de um lado para o outro, seguida pelas costas largas de
pele queimada do sol. Músculos grossos marcavam cada parte daquele
corpo, os que estavam à mostra e os que estavam cobertos pelo jeans.
Depois do que pareceram horas observando os músculos firmes, eu
cheguei à cabeça coberta pelo chapéu de onde escapavam alguns fios de
cabelo castanho e cacheados. Eu conhecia aqueles cachos, da mesma forma
que conhecia o resto daquele corpo.
— Robert? — sussurrei para mim mesmo, caminhando de forma incerta
até parar diante do palco. Se tivesse qualquer controle sobre meu corpo, juro
que teria levado a mão até o queixo e conferido se estava escorrendo baba.
Ele se virou de frente para mim quando a música ganhou um ritmo mais
frenético. Pude ver meu noivo em seu potencial máximo, o torço nu, um
pacote bem marcado em sua calça e uma expressão concentrada enquanto
movia seus quadris ágeis de um lado para o outro. Pelos céus, se meu
coração acelerar desse jeito é capaz de eu ter um infarto faltando um dia para
o nosso casamento.
O peão não falou nada, ele continuou concentrado como se assumisse
algum tipo de papel. Dançou em volta da cadeira, roçou seu corpo por
inteiro nela. Sentou e se ergueu, rebolou no estofado, hora mostrando sua
bunda firme, em outros momentos mostrando seu pau duro, que quase não
conseguia ser detido pela calça. A essa altura eu certamente salivava.
Ainda bem que o bar estava fechado para nós, afinal, que tipo de
prefeito eu seria se arrancasse os olhos dos meus eleitores por terem o prazer
de presenciar tal visão pecaminosa?
Quando pensei que não poderia ficar melhor, Robert desceu do palco e
veio até mim. Ele permaneceu em silêncio quando me empurrou em direção
a uma das mesas vazias, caí sentado em uma cadeira, ele prontamente
recomeçou seu show, dançando ao meu redor, me provocando, roçando
aquele corpo tentador no meu. Eu queria o tocar, mas ele fugia das minhas
mãos e permaneceu assim até sentar em meu colo, rebolando duro e me
fazendo gemer alto. O sorriso satisfeito em seus lábios era inegável.
— O que está fazendo, peão? — murmurei. Ele rebolou mais forte.
— Onde mais eu estaria quando planejaram um show para o meu
prefeito? — Um arquear de sobrancelhas orgulhoso acompanhou tais
palavras.
— Possessivo? — retruquei, querendo seus lábios nos meus, mas ele
fugiu, se levantando do meu colo e pegando meus quadris com um impulso
forte que me colocou sentado em cima da mesa.
— E se eu estiver? Você tem queixas quanto a isso?
Neguei, empurrando o chapéu de seus cabelos, que caiu em algum lugar
do chão, enquanto eu o puxava para cima de mim, beijando seus lábios da
forma como queira fazer. Ele grunhiu em meus lábios, apertou mais duro os
meus quadris e enfiou sua língua em minha boca.
— Segure-se para o resto do show, prefeito.
Eu não queria fazer nada além daquilo, mas a razão continuava lutando
dentro de mim contra aquele tesão louco.
— Alguém pode nos ver... — tentei dizer, suas mãos sendo rápidas em
afastar minha camisa, ao mesmo tempo em que a boca safada descia pelo
meu peito agora exposto. Meus mamilos sendo chupados de uma forma que
me deixava louco. Fui esparramado em cima da mesa de bar antes de receber
uma resposta.
— O local é todo nosso esta noite, as câmeras estão deligadas... É um
presente pelo casamento, podemos agradecer a dona depois e apenas
aproveitar o que estamos recebendo?
— Você vai continuar dançando para mim? — Ele riu contra a pele do
meu quadril, pois já baixava minha calça antes mesmo de ouvir uma
resposta. Tão convencido.
— Mantenha os olhos bem abertos e aprecie, senhor prefeito.
Ele não precisou dizer duas vezes. Com a calça presa nos joelhos,
minha ereção pendendo próxima a minha barriga e um olhar atento nele, eu
estava apoiado nos cotovelos e apreciando seu show. Robert não foi muito
longe, apenas o suficiente para mexer aquele corpo gostoso de um lado para
o outro, agora com seus cachos livres do chapéu e cobrindo o rosto másculo.
Ele passou as mãos ásperas pela pele descoberta de seu peitoral e foi
descendo aos poucos, de forma torturante, demorando muito tempo até
chegar em sua calça e mais tempo ainda para abrir um simples zíper. Eu
quase me ergui para fazer isso por ele, mas fui impedido com um único
olhar, acompanhado por uma voz autoritária:
— Não se mexa, coiote. Você deve apenas assistir.
Gemi descontente, quase engolindo a língua ao ver que o safado não
usava cueca por baixo da calça jeans. Também, a maldita coisa parecia uma
segunda pele. Ela desceu por suas pernas grossas, revelando o pau longo,
escondido atrás de pelos escuros. Porra, por que eu demorei tanto para notar
esse homem?
— Olha só a cara que você está fazendo, amor.
Era tão raro que ele me chamasse assim, que todos os pelos do meu
corpo se arrepiaram, ao mesmo tempo em que consegui “arrancar” os olhos
daquele mastro que se movia de um lado para o outro, junto de seu quadril.
Estava com água na boca.
— Você vai fazer essa mesma cara quando voltarmos a esse bar e você
lembrar o que fizemos em cima dessa mesa? — Engulo em seco, suas
palavras são sempre a primeira coisa a me enlouquecer, antes mesmo de suas
mãos e boca chegarem até mim.
— Depende, cowboy... — murmuro, estalando a língua de forma
“pensativa”, enquanto ele ergue uma sobrancelha e aperta os olhos. Mal
consigo esconder o sorriso provocador quando ergo uma perna, me livrando
assim da calça antes presa nela. Seu olhar segue o gesto, assim como sua
língua que desliza pelos lábios carnudos.
— Depende? — insisti.
— O que mais você tem para mim? Acha que é capaz de tornar
inesquecível?
Eu gostava da forma como “aquele tipo de olhar” me deixava sem ar,
com a garganta seca, as mãos trêmulas.
— Ah! — Dou um pequeno salto na mesa quando ele agarra meu pé,
puxando-o para cima, mordendo-o, assim como morde alguns outros pontos
da minha coxa. A pele clara rapidamente assumindo um tom avermelhado.
— Apenas fique vendo, coiote, e depois me diga se é inesquecível ou
não!
Ele tinha tomado minhas palavras como um desafio, eu não poderia ter
pedido nada melhor. O que era a sua boca me consumindo por completo?
Pelos céus, eu tinha que agradecer por não ter ninguém por perto e por saber
que as câmeras estacam desligadas. Saber disso me permitiu me soltar mais,
me abrir para o receber e soltar todos os sons que seus toques me
proporcionavam. Ao mesmo tempo em que não conseguia fugir do
constrangimento de saber o que estávamos fazendo e onde.
Eu poderia olhar para aquele bar da mesma forma, depois de ter Robert
ajoelhado entre as minhas pernas, chupando meu cu antes de enfiar seus
dedos e me esticar para ele? Jamais! Até mesmo pensar nisso me deixaria
envergonhado. Quando voltasse a entrar nesse bar teria que lutar contra um
pau duro.
— Segure na lateral da mesa, amor — sussurrou contra meu ouvido. A
essa altura a minha mente estava dando voltas e meu quadril se movendo por
vontade própria. Podia senti-lo se colocando contra a minha entrada, pronto
para me invadir com seu pau duro. Meu cu se apertando em expectativa,
sentindo falta dos dedos que até pouco estavam me esticando. — Eu vou
continuar rebolando, dessa vez com meu pau dentro de você.
Engasguei com o próprio ar. Forcei meus olhos abertos e o encarei. Ele
veio por cima de mim, me invadindo, juntando nossos peitos e bocas.
Agarrei seus ombros largos, segurei firme e o puxei ainda mais para mim. A
forma enlouquecida como recebi, deixo-o louco. Ele gemeu alto, a boca
aberta, os olhos se forçando abertos para encarar meu rosto.
— Isso, meu amor, olhe para mim... — pedi, rebolando meus quadris de
encontro aos deles, Robert gemeu ainda mais alto. Os olhos praticamente
revirando de prazer. — Quero que veja o meu rosto, você precisa saber o que
pode fazer comigo.
Ele soltou um riso abafado, o rosto ainda contorcido de prazer enquanto
seus quadris investiam com força contra os meus. Eu estava tão perto, podia
sentir o prazer enlouquecedor percorrendo cada ponto do meu corpo, os
dedos das mãos e dos pés se apertando com força.
— Isso é injusto, coiote. Eu deveria dar um show para você, mas olha
só para esse rosto... — Seus lábios roçaram nos meus, o queixo com barba
roçando na minha pele, ambos estávamos tão quentes, febris. — Você é
quem está dando o melhor espetáculo.
Usei uma das minhas pernas para o puxar impossivelmente para mais
perto, o manter bem dentro de mim enquanto meu corpo tremia em cima da
mesa. Senti o gozo quente escorrendo do meu pau e sujando o espaço entre
nossos corpos. Dessa vez não consegui manter os olhos abertos, mas tive
sorte, pois quando tornei a abri-los, foi no exato momento em que meu
cowboy se desmanchava em puro prazer. Ele gritou com o rosto próximo ao
meu, um gemido longo veio logo em seguida. Eu tive que beijá-lo mais uma
vez e assim ficamos por um bom tempo. Ninguém queria ceder, nenhum de
nós queria se afastar.
— Você aproveitou o show? — perguntou um tempo depois, eu mal
sabia o que responder. Minha mente ainda lutando para recobrar o controle.
— É bom que tenha aproveitado, essa foi sua última noite de liberdade. A
partir de amanhã será um homem casado, e seu futuro marido é bem
ciumento.
Soltei um riso rouco.
— Eu bem sei disso, ele se prestou ao papel de stripper apenas para que
outro homem não o fizesse para mim.
O olhar orgulhoso em seu rosto disse tudo.
— Estou sempre ao seu dispor, coiote.

Ideia sugerida por Raiany Tavora: Cowboys em uma apresentação


pra lá de sensual. Sempre dá para encaixar, tem um bar, um quarto,
uma aposta, uma crise de ciúmes, um show.
Eu peguei a ideia, dei uma mexida e aqui está entregue. Obrigada
Raiany por me inspirar para isso. Espero ter cumprido suas
expectativas.
BÔNUS 3

O começo da minha vida foi muito difícil, isso me marcou de diversas


formas. Eu pensei que para superar tal coisa bastaria ser forte, mas acredito
que não entendia muito bem o que é “força”. Foi preciso algumas décadas,
amigos valiosos, e um grande amor para que eu entendesse o que realmente
torna um ser humano forte.
A força pode vir em meio a fragilidade, em meio a dor, em meio a
esperança. Você não é forte apenas quando não chora, mas também quando
tem a capacidade de chorar sabendo que isso não te torna fraco. Você é forte
quando escolhe acreditar, mesmo depois de já ter sido enganado tantas
vezes. Você é forte quando persiste e também quando entende que é hora de
parar e recarregar as energias.
Mas não é apenas de força que se trata esse momento, é também sobre
resiliência, amor, perdão, esperança. É sobre tudo que faz parte de mim, esse
ser humano as vezes tão falho, outras vezes quase perfeito.
Olhando para trás, fazem alguns anos desde a última vez em que
estivemos reunidos para um evento como esse, a posse do prefeito de Cross
Ville. Curiosamente, Homero é o mesmo homem que vi subindo ao palco
naquela noite, ovacionado pelos cidadãos da cidade. Enquanto eu o olhava
sem conseguir esconder meu desprezo.
Parecemos os mesmos por fora, mas somos tão diferentes por dentro.
Vencemos nossos próprios demônios, construímos nossas fortalezas.
Tivemos perdas irreparáveis e ganhos inestimáveis.
Talvez esse seja o momento perfeito para falar daquela temida “caixa”
que tentaram me colocar a vida toda. Aquela escura, pequena e cheias de
rótulos que não me definiam.
Se o mundo ao seu redor tentar te colocar em uma caixa pequena
demais para você, lute contra, construa sua própria caixa. Acrescente nela
uma porta para que você possa sair e explorar o mundo. Não esqueça de
colocar janelas para deixar a luz entrar. E a faça grande e espaçosa para que
você possa ter companhia sempre que quiser. Uma caixa nunca será apenas
uma caixa quando você guardar coisas preciosas nela. Transforme essa
“prisão” em um “refúgio”.
— Você está pronto, meu amor?
Homero estende uma mão em minha direção quando é chamado ao
palco para assumir mais um mandato como prefeito de Cross Ville. Eu
observo a mão oferecida por alguns segundos, lembrando do homem que fui
e de quem sou hoje.
Já não preciso mais o encarar do outro lado da multidão, com ódio e
ressentimento. Eu posso segurar sua mão e caminhar junto dele, como um
amante, marido, um companheiro de vida.
— Sempre, coiote.
Ele sorri, aperta minha mão entre a sua, e damos o primeiro passo
juntos.
Alguns livros são difíceis para começar, destruidores ao longo da
escrita, e é quase impossível de colocar um “fim”. Isso porque o autor não
apenas se apaixonou por sua obra, mas também porque tem uma parte dele
em cada linha escrita. Uma parte do seu coração, da sua alma. Esse é o caso
de UTPOP. Sendo assim, não vou escrever essa temida palavrinha de três
letras, no lugar dela, deixo registrado o quanto Rob e Homero destruíram
cada parte do meu coraçãozinho com sua história de vida e amor, apenas
para as colar no lugar logo depois.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a cada pessoa que fez parte da “jornada” que foi escrever e
publicar UTPOP, em especial a minha maravilhosa revisora, Jaque, minhas
betas incríveis que surtaram muito ao longo da leitura (Mima, Dani, Taty), a
capista, Katy que fez essa capa lindíssima, a designer de banners e artes, as
ilustradores que fizeram ilustrações maravilhosas desse casal tão especial e o
pessoal da divulgação, minha eterna gratidão. Sem vocês não teria sido
possível chegar até aqui.
E obrigada a você, leitore. Não poderia faltar meu mais sincero
agradecimento a cada um de vocês, que esperaram, torceram, leram e se
apaixonaram por essa obra. Vocês também são parte de UTPOP. Em especial
a Raiany Tavora, que topou fazer parte de uma “brincadeira” no perfil da
autora e sugeriu uma ideia para um dos bônus do livro.
Se você chegou até aqui, gostou do livro e quer ajudá-lo a crescer, então
deixa sua avaliação na amazon e divulga pros amiges.
Um grande beijo, Gabby Santos.
OUTROS LIVROS

Conheça outras obras da autora:


https://paginadelinks.com/Autoragabbyssantos
SOBRE A AUTORA
Nasceu no agreste Alagoano em 02 de dezembro de 1997, e teve pouco
acesso e incentivo à leitura e à escrita nos primeiros anos de sua vida. Ainda
assim, sempre foi apaixonada por histórias e não demorou muito para
escrever as suas. Foi no wattpad em 2017 que surgiu o pseudônimo Gabby
Santos, e com ele a grande paixão de sua vida, os romances LGBTQIAPN +.
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