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Este é um livro de ficção, que não busca ser fiel à realidade. O livro
contém conteúdo mais 18, palavrões, expressões populares, violências
física e psicologica e assassinato. Além disso, as atitudes e falas dos
personagens dizem respeito unicamente a eles. Leiam cientes de que
pode conter gatilhos para pessoas sensíveis as descrições anteriores.
“Cicatrizes nos lembram onde estivemos, elas não têm que ditar para
onde vamos.”
— Criminal Minds.
Sumário
SINOPSE
PLAYLIST
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPITULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
BÔNUS 1
BÔNUS 2
BÔNUS 3
AGRADECIMENTOS
OUTROS LIVROS
SOBRE A AUTORA
SINOPSE
Robert Durango é um homem quebrado em vários sentidos. Marcado
por dores irreparáveis, que encontra um novo sentido para sua vida em seu
trabalho como capataz de Reed Foster. O sentimento de lealdade que nutre
por aqueles que o acolheram e devolveram a sua humanidade é a única coisa
que o mantém firme durante os últimos anos.
Ele não é um sonhador, ou alguém em busca de redenção. Depois de ser
jogado na lama, e afundar mais baixo do que um ser humano deveria, Rob
não tem medo de sujar as mãos e fazer aquilo que é preciso para cuidar de si
mesmo e, daqueles que lhe são importantes.
Homero Foster é o patriarca da família Foster, um dos homens mais
ricos e influentes em Cross Ville. O atual prefeito da cidade é um homem
viúvo e marcado por dores e arrependimentos quando se trata de sua família.
Em especial seu filho mais novo, Reed, com quem perdeu qualquer laço
afetivo.
Se sentindo falho em diversos aspectos da sua vida, esse sim busca
redenção por escolhas que talvez não possam ser reparadas. Em meio a
tantas dificuldades, se encontrar nutrindo sentimentos nunca experimentados
antes deveria ser a última coisa que o homem iria querer.
Um deles é um pecador, o outro o puro pecado;
Enquanto um é um pai falho, o outro é o braço direito de um filho
pródigo;
No momento em que um estava afundado na lama, o outro olhou para o
lado oposto.
O que um poderia trazer para a vida do outro, que não seja o próprio
caos e destruição?
PLAYLIST
- Bad Lier.
- More Than Words.
- I Didn’t know.
- The one That got Away.
- Wrecking ball.
- Roar.
- Te amo Demais.
- God give me you.
- I Swear.
Por muitos anos o local mais decente para alguém que buscava
companhia do mesmo sexo era o bar Red night localizado na cidade vizinha.
Por algum tempo, Reed e eu percorríamos essa distância. Depois que o
xerife Hunter chegou à cidade passei a fazer esse percurso sozinho, isso até
alguns meses atrás quando um bar decente foi aberto na própria Cross Ville.
O Poço, como foi chamado, pertence a Juno Terence. A mulher era uma
alma divertida e afrontosa, ainda me lembro de termos crescido juntos, eu e
Juno nunca fomos grandes amigos na infância e adolescência. Mas eu bem
conhecia o garotinho mirrado que sofria por seu “jeito mais delicado”, Juno
deixou a cidade quando completou 18 anos e não retornou até alguns meses
atrás quando abriu seu bar. Para o horror dos “conservadores extremistas” da
cidade. Eu, particularmente, amo não ter que viajar para outra cidade,
mesmo que a maioria dos frequentadores ainda se diga “hetero” ou
“simpatizante”.
— Prefeito... — Tinha deixado a minha caminhonete no
estacionamento e caminhava até a entrada do Poço, quando escutei alguém
chamando pelo prefeito.
Deveria apenas ter ignorado e seguido o meu caminho, o que costumo
fazer quando se trata do prefeito Foster. Contudo, me vi olhando por cima do
ombro. Do outro lado da rua estava Homero Foster. O homem alto e grisalho
possuía um corpo robusto o suficiente para ser notado com facilidade mesmo
naquela distância. Ele ria de algo que Floriano, um médico local, falava. Eu
não podia ouvir sua conversa, nem queria.
Teria seguido o meu caminho se Homero não tivesse erguido o rosto
naquele momento, ainda com o sorriso nos lábios. Ali estava o atual prefeito
de Cross Ville a um ano inteiro. Ele me encarou, eu forcei um sorriso e
segurei a aba do meu chapéu, o cumprimentando. Homero não teve reação,
revirei os olhos e segui meu caminho. Não era como se eu tivesse o mínimo
interesse em conversar com o homem.
Afinal, não era apenas uma rua que estava entre nós dois. Aquele
homem e eu estamos definitivamente em lados opostos. Ele é o digníssimo
senhor prefeito, e eu sou um conhecidíssimo pecador.
— Rob! — Aceno em reconhecimento a Juno quando entro no bar. Ela
estava parada do outro lado do balcão de bebidas. Caminhei em sua direção
pronto para pedir a primeira cerveja da noite. — O de sempre? —
questionou, sorrindo.
— Você me conhece, Juno — respondi, acenando também para Dexter
Aguirre, um dos policias do xerife Hunter. O homem é até agradável e
respeitoso, tem se tornado uma figura frequente no bar desde que abriu e
sempre que apareço o encontro sentado no bar, conversando com Juno. Se
não estou enganado, os dois são amigos de infância.
Não demora muito e a minha cerveja é empurrada por cima do balcão,
diretamente em minhas mãos.
— Prontinho, cowboy.
— Obrigado, Juno. — Agarro a garrafa entre os dedos e começo a
caminhar por entre as pessoas no bar. Não estava muito cheio por não ser
final de semana, mas tinha rostos novos e interessantes.
Escolho um lugar mais tranquilo onde me encosto na parede e posso
observar bem as pessoas ao redor, olhos atentos em alguma potencial
companhia para a noite. Enquanto isso giro a garrafa de cerveja em minha
mão, brincando com o rótulo, sem qualquer intenção de beber. Talvez seja
um hábito, uma forma de me torturar ao longo dos anos, ou de não esquecer
de onde vim e porque tenho que sempre estar atento aonde estou.
Tem exatos oito anos que não coloco uma gota de álcool em minha
boca. Apesar de sempre aceitar uma bebida quando me oferecem, não sei
dizer se alguém já notou que eu não bebo.
— A cerveja vai esquentar, cowboy. — Viro em direção a voz divertida,
o homem aponta para a garrafa em minha mãos e sorri, aprofundando as
leves rugas que se formam em volta de seus olhos e lábios.
Uma boa olhada no homem mais velho e posso dizer que ele não é da
cidade. Com o desenvolvimento cada vez maior de Cross Ville, é comum
que visitantes sejam vistos pela cidade, em sua maioria em busca de bons
negócios. O sujeito um pouco maior do que eu, grisalho e de profundos
olhos escuros, de certo, é um desses visitantes.
— Quando ela esquentar — ergo a cerveja —, eu compro outra.
Com as sobrancelhas franzidas, ele não se dá por vencido e volta a
sorrir, dessa vez com um flerte claro.
— Posso te comprar uma.
Um sorriso desliza por meu rosto, desencosto da parede onde estava e
passo pelo homem grisalho.
— Sinto muito, não estou interessado em um daddy.
Não fiquei para ouvir a sua resposta, o homem era bonito o suficiente e
charmoso. Mas eu gostava da segurança que um homem pequeno e jovem
poderia me dar. Eles não me lembravam do meu passado. Chame de zona de
conforto se quiser, o importante é que funciona.
Caminhei de volta para o bar e coloquei a garrafa com a cerveja quente.
Pedindo outra, Juno recolheu a garrafa e não disse uma só palavra sobre isso
antes de me entregar outra. Desde que eu estivesse pagando pelas bebidas,
Juno não se importava com o que eu faria com elas. Eu gostava disso na
mulher.
Respirei fundo, olhei ao redor e avistando um pequeno rapaz loiro
sorrindo em minha direção, fui de encontro a ele. A noite estava apenas
começando.
CAPÍTULO 2
Eu deveria ter ficado em silêncio, mas por alguma razão não consegui.
Ao ver dois homens tão orgulhosos lutando cada um de um lado, tive que
intervir. As palavras saltaram para fora da minha boca sem o mínimo
controle. Isso me rendeu um olhar cheio de raiva vindo de Homero.
— Quem você pensa que é para dar palpites?
— Alguém mais sensato do que você — retruco irritado. Esse idiota é
sempre assim, orgulhoso demais para olhar para aqueles abaixo dele.
— Não seja petulante, você adora julgar as pessoas. As responsabilizar
por coisas que só dizem respeito a você. Que sensatez existe nisso?
Minha mandíbula trava de raiva. Dou alguns passos para a frente. Ele
não tinha nada que falar nisso.
— Se eu tenho que conviver com as marcas de tudo que aconteceu
comigo, o mínimo que eu espero é que você conviva com a certeza de que
podia ter feito algo e escolheu não fazer! Se isso me torna uma pessoa ruim,
ótimo, nunca tive a menor pretensão de ser um santo.
— É injusto que me culpe pelas dores que você sofreu, quando não fui
eu quem as causou.
Rio sem o mínimo humor. Eu já sabia que o mundo era assim, não
importa o quanto alguém se solidariza com você, com suas dores e traumas,
no final, ninguém vive a sua vida por você. A dor é só sua, a mágoa e o ódio
pertencem unicamente a você. Mas é tão hipócrita como algumas pessoas
tem nas mãos o poder de evitar essas dores e escolhem não fazer nada, só
para depois jogar na sua cara que não foram eles quem te feriram.
Me diga, o silêncio, a conivência, o virar de rosto, não é tão prejudicial
quanto a mão que bate?
— Eu sei que ele te machucou, Robert — ele diz com um pesar que eu
não engulo. — Estou vendo que não sei ao certo a profundidade dessa ferida.
Eu só acreditei que os dois estavam envolvidos em algum tipo de relação
que eu não concordava, então preferi não me envolver. Juro que jamais
quis...
Ergo a mão o silenciando. Queria gritar que ele tinha que ter percebido
mais, visto o que realmente estava acontecendo. Mas tinha mesmo esse
direito ou era apenas a minha dor falando mais alto? Veja bem, as pessoas
enxergam o que querem, como posso esperar que Homero tenha visto a
minha dor e humilhação quando não enxerga a verdade sobre o próprio
filho?
— Você tem razão, não posso te cobrar algo assim. Do que adiantaria?
— Ignoro a surpresa em seus olhos. — Não muda nada, não é? Parece que
isso é algo corriqueiro em sua vida, ignorar o que acontece em sua volta,
enxergar apenas o que te convém. Ou por acaso não tem feito isso com Reed
durante anos?
Surpresa dá lugar a raiva em seus olhos, ele caminha em minha direção,
um dedo apontado para mim.
— Quem é você para falar sobre o meu filho e eu? Não sabe do...
— Você é quem não sabe de nada, senhor prefeito. Ou melhor, prefere
não saber. Mas eu — aponto para o meu próprio peito —, eu sim sei muito
bem quem Reed Foster é, porque estava ao lado dele todas as vezes em que
os santos dessa cidade atiraram pedras em sua direção.
— Não é porque você está sofrendo que pode jogar essas coisas na cara
das pessoas, Robert. — Ele recua, sua expressão cansada. Também recuo,
ficando mais próximo a porta de sua sala.
— Algumas vezes estamos tão cheios de merda em nossas vidas que
não temos capacidade de chegar em alguém e dizer “Cara, você está fazendo
merda!”, mas eu — rio mais uma vez —, não tem nada que você possa me
dizer que vá machucar mais do que a vida já me machucou. Então sim, eu
tenho toda a capacidade de dizer o que você precisa ouvir, pois não são as
minhas palavras que te machucam, mas sim a verdade contida nelas.
Viro de costas pronto para deixar sua sala, ele está em silêncio,
absorvendo as minhas palavras. Contudo, talvez cheio de petulância e
falando bosta, resolvo dizer algo que está muito claro para mim, e parece
não estar tão óbvio para Homero Foster.
— Para mim não existe nada que você possa fazer que vá consertar o
passado, mas quando se trata do Reed, o seu filho, as coisas não são bem
assim.
— Aí é que você se engana. Ele já não precisa de mim faz muito tempo.
— Tem razão, ele não precisa. E justamente por isso me questionei
muitas vezes sobre o porquê de Reed continuar aqui, insistindo, brigando de
frente com você. Ele não precisa de nada que venha de você, não do seu
dinheiro ou apoio. Então, por quê? Foi aí que percebi. Vocês o abandonaram,
mas ele não os abanou, se não pode estar perto recebendo seu amor, então
que receba seu ódio.
Homero nega com a cabeça, os olhos mostram todo o seu conflito. Ele
luta com as palavras que acabei de dizer, querendo as negar, sem conseguir.
— Retome as rédeas da sua vida, homem! — grito, ele salta para trás,
os olhos arregalados me encarando. — Faça algo antes que te sobre apenas
se lamentar e dizer “eu não sabia, não fui eu quem te machuquei, sinto
muito.”
Não espero por uma resposta, não desejo uma. Estou tão irritado
comigo mesmo por abrir minhas feridas diante desse homem. Só quero ir
embora sem olhar para trás. Esquecer o que disse, que desnudei a alma do
meu patrão.
— Merda!
CAPÍTULO 5
Resmungo irritado enquanto coloco feno nas baias dos cavalos, que
bom dia para Zac acordar gripado. Como se eu não estivesse cheio de
trabalho ainda tenho que assumir as responsabilidade dele.
— Oh! — Dou um salto para trás no último instante, por pouco não fui
acertado por uma cabeçada de Lúcifer. — Era só o que me faltava, valeu,
Lúcifer.
Me afasto do cavalo temperamental, a criatura se acha o dono dos
estábulos desde que “adotou” o potrinho órfão. Até mesmo Trovão, que
sempre foi mais calmo, está temperamental. Se isso for ser pai, ainda bem
que não quero ter filhos.
— Ele está sentindo a sua irritação, idiota! — Ergo a cabeça, vendo
Reed entrar nos estábulos com uma cara de poucos amigos. — Se você não
estivesse de cara feia, resmungando e xingando perto dele, Lúcifer estaria
mais calmo.
Duvido muito, a criatura é endiabrada tal como o dono.
— Você devia aproveitar que o final de semana está chegando, vá se
divertir um pouco e tirar essa expressão de bunda da sua cara. — O encaro
sem dizer nada, seria duramente repreendido se dissesse que ele costumava
andar por aí com uma expressão bem pior, antes de conhecer o xerife. —
Não que você precise esperar o final de semana, Zac me disse que te viu
chegar de madrugada outro dia, enquanto eu estava fora e você responsável
pela fazenda.
Mas Zac tem me saído um belo fofoqueiro. Ele faz o quê? Vigia a
minha vida pela janela do seu quarto? E eu aqui, fazendo o trabalho dele!
— Agradeço a preocupação, patrão. Vou até seguir o seu conselho.
Caminho para os fundos dos estábulos, seu olhar queimando minhas
costas. Se ele pudesse ler mentes eu teria medo do que disse ao seu pai. Se
Reed sonha com uma coisa dessas, ele tira o meu couro.
Passo a meia hora seguinte limpando os estábulos dos cavalos de raça.
Depois vou verificar os outros estábulos. Paul e Wilson tinham ficado
responsáveis por eles, até mesmo vi Zorro no caminho. O meu cavalo
recebeu uma bela maçã que eu carregava comigo e alguns carinhos em sua
longa crina, só então segui em frente pronto para o resto do dia de trabalho.
Mas antes, passei pela grande casa de fazenda, vi Zac sentado na
varanda com o nariz vermelho e os olhos fundos. O garoto pegou um belo
resfriado.
— Rob... Aí! Aí! — O agarrei pela orelha assim que cheguei perto o
suficiente.
— Estou te cobrindo no serviço e você fofocando da minha vida para o
patrão? Seu peste! — Largo sua orelha e lhe dou um tapa na cabeça, ele se
encolheu, choroso e mostrou a língua. — Olha que eu puxo sua outra orelha!
— Eu vou contar tudo para a Margarita! — diz, correndo para dentro da
casa. Reviro os olhos e negando com a cabeça me afasto da casa antes que
Margarita apareça para puxar as minhas orelhas.
O dia foi longo e exaustivo na fazenda, pelo menos o patrão estava de
volta e as responsabilidades não caiam apenas nos meus ombros. Sendo
assim decidi seguir o conselho de Reed e ao final do expediente segui para
casa, onde tomei um bom banho e vesti uma roupa mais apresentável. Não
que fosse largar meus jeans, botas e chapéu, parece que são parte de mim.
Mas coloquei umas roupinhas mais novas, uma camisa bonita e até passei
perfume. Pretendia ir até o bar e tirar um pouco do estresse em meus
ombros.
— Vai para o bar, Rob? — Encontrei o patrão saindo com o xerife.
Ambos bem vestidos para uma noite na cidade.
— Sim, estou precisando me divertir um pouco.
— Quer uma carona? — o xerife perguntou, mas foi rapidamente
puxado por Reed, que sussurrou alguma coisa para ele. Tristan ergueu os
olhos em minha direção e riu. — Se divirta, Rob.
Grato por não ter que ficar de vela, segui até a minha caminhonete
parada junto aos demais carros da fazenda. Gosto de deixá-la no
estacionamento de cascalho perto da casa do patrão, é onde todos os carros
da fazenda costumam ficar. Incluindo o carro de Reed e o do xerife. Eles
seguem mais à frente e eu vou sem pressa, a noite ainda estava começando.
Como o final da semana estava próximo, a cidade já estava mais
movimentada. Os jovens até tarde na rua e os peões das fazendas saindo para
se divertir. Acabei tendo que estacionar umas duas ruas antes do bar de Juno,
e fui andando o resto do caminho.
— Cowboy! — Fui reconhecido pela proprietária assim que entrei, o
lugar estava lotado. O policial Dexter, como de costume, já estava em seu
habitual lugar em um dos bancos do bar.
— Juno, tudo bem por aqui? — Me encostei no bar, acenando para
Dexter.
— Tudo ótimo, se o negócio continuar tão bem, vou ter que expandir —
respondeu com um enorme sorriso no rosto. O que me fez sorrir também,
junto do policial ao meu lado.
— Não quero atrapalhar a empresária, me dê o de sempre, sim?
Não demora para que eu tenha uma cerveja em mãos e esteja andando
pelo espaço do bar. Me sentia muito cansado para passar a noite com
alguém, talvez uma boa conversa, um flertezinho, uns amassos e depois eu
iria procurar o caminho de casa.
Vi Reed e Tristan no bar, eles chegaram um pouco depois de mim,
devem ter estacionado longe ou parado para se pegar. Não fui até eles, pois
não queria atrapalhar. Os dois estavam se divertindo pelo que eu podia ver.
Até mesmo dançaram juntos, o que arrancou muitos olhares interessados.
Fazer o quê? Meu patrão e seu homem são bonitos e sexys demais quando
estão juntos.
Era quase meia noite quando me despedi de um ruivo bonitinho que
tinha encontrado no bar, caminhei até o balcão e deixei a terceira cerveja da
noite. Ela estava intacta, mas quente. Paguei pelas bebidas e me despedi
antes de deixar o local. Dexter, Reed e o xerife ainda ficaram para trás.
— A noite está bonita — sussurrei para o nada, olhando para cima. O
céu estava escuro demais para que as estrelas pudessem ser vistas, mesmo
assim tinha algo de sedutor no ambiente. — Ainda bem que não estou
bêbado.
Continuei resmungando ao me distanciar da rua do bar e caminhar pela
noite escura. Meu carro tinha ficado longe. Eu estava ainda mais cansado, se
isso fosse possível. Até alguns bocejos deixaram minha boca a medida em
que me aproximava da caminhonete estacionada ao lado de alguns outros
carros. Estava tudo muito silencioso com as lojas em volta de portas
fechadas.
Devo dizer que levei um susto ao passar por uma das caminhonetes
grandes que estava estacionada na mesma rua que minha própria
caminhonete. O carro de cor prata estava parado com os faróis desligados, e
quando passei por ele teve um chacoalhar barulhento seguido pelo som de
coisas batendo do lado de dentro. Eu teria revirado os olhos e seguido em
frente, imaginando o que estaria acontecendo dentro do veículo, contudo um
grito abafado fez com que todo o meu corpo entrasse em um alerta frio, que
gelou até os ossos.
— Socorro!
Era uma voz de mulher, pedindo socorro. Foi tudo que meu cérebro
assimilou antes que eu estivesse contornando o carro até a porta do
motorista. Esta se encontrava travada, então não pensei duas vezes, me
afastei o suficiente para chutar o vidro da janela. Foram necessários dois
poderosos chutes antes que o vidro se espatifasse. Minha sorte foi que graças
as botas não me feri muito quebrando o vidro.
— Ah! — Uma confusão barulhenta se iniciou quando tive acesso ao
lado de dentro do carro. A primeira coisa que vi foi a garota gritando, com
um rapaz bem maior do que ela, por cima de seu pequeno corpo. A menina
deitada no banco, os botões de sua blusa arrebentados enquanto o animal
tentava se forçar em cima dela.
Não foi preciso mais do que essa visão para me colocar em completo
estado de fúria. Arranquei o sujeito do carro antes mesmo que ele pudesse
entender o que estava acontecendo. Ele gritou, tentando afastar minhas mãos
da gola de sua camisa, o que foi inútil. Acertei uma série de socos em sua
cara, ignorando o sangue em minhas mãos e roupas.
Eu queria parti-lo ao meio, cego de ódio. Meu corpo agia por vontade
própria. Só conseguia escutar o som dos meus socos, seus gritos que se
tornaram resmungos e os gritos da garota, assustada, que pedia por ajuda.
Em minha mente apenas uma coisa era clara o suficiente, homens como esse
merecem o pior. E eu lhe daria isso com minhas própria mãos.
Não sei quanto tempo levou, ou quem foi que me arrancou de cima da
maça sangrenta que tinha se transformado o outro cara. Foram vários pares
de mãos que fizeram essa proeza. Eu ainda não estava satisfeito, queria
continuar batendo até não sobrar nada. Mas fui contido, minhas mãos foram
algemadas e a coisa mais clara que eu vi depois disso foi o rosto assustado
de Reed quando ele gritou meu nome, enquanto apertava o meu ombro.
— Tristan! — Reed estava irritado, eu sabia disso pelo seu tom de voz.
— Eu tenho que levá-lo para a delegacia, Reed! — Tinha sido o xerife
quem me algemou? — Não vê que Rob está fora de si?
— Vou ligar para o meu advogado.
Talvez tenha sido as vozes conhecidas, não sei, o que posso dizer é que
o espírito de luta foi abandonando o meu corpo aos poucos e não resisti
mais. Deixei que o xerife me conduzisse até seu carro, Dexter estava lá, me
olhando com pesar e confusão. Algumas outras pessoas estavam em volta
também, eu não parei para ver quem eram, nem mesmo me importei com os
comentários sobre uma ambulância ter sido chamada.
A última coisa que meus olhos viram antes de ser colocado dentro da
viatura foi Reed se aproximando de uma garota ruiva e trêmula, ela chorava
sem parar, agarrada ao que sobrou de sua blusa. Na mesma hora reconheci a
menina e soube o porquê de Reed estar ainda mais nervoso com a situação.
Eu tinha acabado de impedir que Anelise Foster fosse estuprada.
CAPÍTULO 6
Tenho que agradecer a Tristan assim que tiver a chance, pois apesar de
toda a situação complicada em que eu me encontrava, o xerife não me
trancafiou em uma cela, ele me deixou em sua própria sala. E ao perceber
que eu tinha me acalmado, ele permitiu que Dexter tirasse as algemas e
apenas ficasse de olho em mim.
— Que confusão você foi arrumar, homem! — resmungou Dexter,
ainda com os olhos ampliados e cheios de alarme. Eu teria rido caso não
estivesse tão irritado com toda a situação. — Tem sorte que o xerife é um
bom homem, ou você estaria mofando em uma cela a essa hora.
— Sei de tudo isso! — murmuro, não estava pra papo.
— Pode até ficar emburrado comigo, mas vai ter que falar com o xerife
Tristan quando ele terminar a ligação. — Apontou para o canto da sala onde
Tristan falava ao telefone com Reed, meu patrão tinha ido ao hospital
acompanhando sua sobrinha.
Permaneci em silêncio e Dexter desistiu de tentar arrancar alguma
informação de mim. Não demorou muito para que Tristan encerrasse a
ligação e voltasse até mim.
— O que aconteceu, Rob?
— Reed não disse nada?
O xerife parecia frustrado quando passou a mão pelo rosto.
— O rapaz que você espancou, Callum, e Anelise estavam se vendo. Os
Foster já sabem da situação e foram chamados ao hospital, Anelise está
passando por um exame de corpo de delito. Quanto a Callum, ainda está
sendo atendido e seu estado não é muito bom.
Callum, bem que eu pensei ter reconhecido o rapaz. Callum Dunham, o
filho mais novo de Arnold Dunham um dos fazendeiros conservadores da
cidade. O rapaz deve ter seus 25 anos, bem mais velho do que a menina dos
Foster. Além de ser um completo babaca, aprontava todas junto do filho do
antigo xerife, um grupinho de idiotas.
— Agora quero ouvir o seu lado da história, preciso do seu depoimento
antes que essa delegacia se transforme em um verdadeiro inferno. — Não
discuti, sabendo agora quem é o sujeito em quem bati e quem é seu pai
idiota, sei muito bem que a confusão apenas começou.
Esperei até que o escrivão viesse a sala do xerife e dei um relato preciso
de tudo que aconteceu, não tentei medir minhas palavras ou esconder o que
fiz. Não sentia vergonha de nada e faria novamente se fosse preciso. Não que
o xerife tenha ficado feliz com essas declarações, ele é um homem da lei,
alguém que presa as regras e quer tudo certinho, infelizmente, não vivemos
seguindo as mesmas regras de conduta.
— Aquele nojento! — Dexter se exaltou ao final do depoimento.
— Calma, não preciso de você exaltado também!
Tristan até tentou, mas Dexter ainda estava emburrado. Preferi não
colocar mais lenha na fogueira, apreciava o apoio do jovem policial, mas
dispensava o resto. Ele tem que fazer valer o seu trabalho, eu não preciso
agradar a ninguém.
— Quanto a você, Rob. Entendo o que fez e porque fez, você salvou
aquela garota e tenho certeza que os advogados de Reed vão usar isso a seu
favor. Mas não tenho como fechar os olhos para a situação como um todo,
você agrediu aquele rapaz, ele está no hospital e o pai dele não vai poupar
esforços para acabar com você. Tenha certeza que uma acusação de agressão
te aguarda.
Assenti, bem ciente disso. Sei muito bem como as coisas funcionam,
ainda mais se tratando de Cross Ville.
O discurso do xerife é interrompido por uma confusão que começou do
lado de fora da sua sala, na recepção da delegacia. Uma troca de olhares com
os demais homens presentes na sala e sei que o show está para começar.
Aposto que Arnold Dunham acabou de chegar.
— Fique aqui! — disse Tristan, apontando um dedo em minha direção.
Ele seguiu para fora da sala, deixando Dexter comigo.
— Esse criminoso, exijo que ele seja acusado de assassinato!
— Seu filho está vivo, Arnold.
— Meu filho está no hospital em um estado deplorável. Os médicos
tiveram que sedá-lo. Isso é inadmissível, não é de hoje que essa cidade
perdeu o pulso firme quando se trata do xerife.
Aperto meus punhos diante das palavras do velho maldito. Pulso firme,
eu bem sei o pulso firme.
— Você vai manter a calma na minha delegacia, ou eu vou te colocar
em uma das celas para que esfrie a cabeça!
O tom duro de Tristan me fez sorrir e relaxar na cadeira.
— Eu? E quanto aquele criminoso que você deixou descansando em
sua sala? Eu vou falar com meus conhecidos, isso não vai ficar assim...
— Não vai mesmo, Arnold!
Dexter correu até a porta quando uma nova voz se juntou a confusão do
lado de fora da sala, mesmo contrariado, segui suas ações. Estava curioso
para saber o que se passava.
— Você não vê que isso tudo é um engano, Homero? Seja sensato, meu
amigo, você conhece o Callum... Meu garoto jamais faria nada contra a sua
neta.
— Está dizendo que a minha neta mentiu? Que os machucados e as
roupas rasgadas são uma invenção dela?
Eu estava encostado na porta da sala do xerife, Dexter um pouco mais a
minha frente, foi nessa hora que vi Homero Foster. O homem parecia uma
muralha diante de Arnold, seus olhos duros e frios, o maxilar travado, os
ombros tensos. Não lembrava de ter visto tamanho ódio em seus olhos, nem
mesmo quando entrou em discussões com Reed. Tinha que tirar o chapéu, ali
sim eu reconhecia a ferocidade de um Foster, tal como meu patrão.
— Homero, você sabe como as meninas são nessa idade...
Só não fiquei ainda mais possesso com as palavras de Arnold, porque
Homero o silenciou com um golpe certeiro no queixo. O velho maldito
cambaleou para trás e se segurou em um dos policias ao redor. Tristan foi
rápido em se colocar na frente e conter Homero, ou a confusão teria sido
bem pior.
— Seu filho é um sujeitinho medíocre e vai receber o que merece. Ele
vai aprender a nunca mais colocar um dedo em mulher nenhuma contra a sua
vontade, ainda mais uma menina menor de idade. Agora suma da minha
frente ou vai fazer companhia para aquele pedaço de lixo no hospital.
— Não vai fazer nada, xerife? — Se exaltou Arnold, recorrendo a sua
única opção, quando não tinha coragem de peitar Homero. — Ele acaba de
me agredir e ameaçar!
— E você acabou de minimizar uma tentativa de estupro, com falas
asquerosas e jogando a culpa na vítima. Devo colocar Homero em uma cela
e você na cela ao lado?
Tristan era um homem correto, mas ele estaria morto e enterrado antes
de se deixar dobrar por homens como Arnold Dunham. O sujeito ainda
estava descontente e não escondia sua raiva, agora também direcionada a
Homero, mas não continuou a confusão. Ele saiu de lado e resmungou sobre
garantir que eu não me safasse do que tinha feito ao seu filho.
De fato, preocupação era o último sentimento que carregava comigo
quando Dexter me instruiu a voltar para a sala do xerife e o esperar lá. Nessa
hora, Homero me olhou diretamente, ele não disse uma só palavra, nem
tentou vir em minha direção. Apenas me encarou com intensidade, fazendo
com que fosse eu o primeiro a desviar o olhar e me afastar.
As horas seguintes foram preenchidas por muita conversa e mais alguns
gritos do lado de fora da sala do xerife, principalmente quando um dos
advogados de Reed chegou para me representar. Meu patrão não deu as caras
na delegacia, mas eu bem sabia que ele estava dando as cartas por baixo dos
panos. Não só por minha causa, como também por sua sobrinha, a grande
vítima da história.
— Você pode ir, Rob. Sua fiança foi paga, não acredito que precise te
lembrar de não deixar a cidade enquanto as investigações procedem. Uma
queixa de agressão foi aberta contra você, preciso que entenda isso.
Acenei com a cabeça, já me erguendo e agarrando meu chapéu que
estava de lado até o momento. Eu sentia todo o meu corpo doído desde que
passei a noite em claro, sentado em uma cadeira desconfortável. Minhas
mãos estavam doloridas e tinha sangue seco nelas, assim como em minhas
roupas. Eu não tinha saído daquela sala nem mesmo para me limpar, só
queria ir para casa, e se possível, dormir um pouco.
— Sei como isso tudo funciona, xerife. Não é a primeira vez que sou
preso.
Tristan fez uma careta descontente, revirando os olhos e me mandando
sair. Não esperei que ele dissesse mais uma vez, segui para fora passando
por alguns policiais e pela desagradável senhora que trabalha na recepção.
Ela foi a única que me olhou com cara feia.
— Precisa de uma carona, Rob? — questionou Edgar Flatters, ele era
um homem quase da minha idade. Morava na cidade vizinha e era muito
bom no que fazia, junto de dois outros advogados, Jemie Laurence e Rachel
Delaney, formam o batalhão sempre a postos para defender os interesses
legais do meu patrão.
— Não sei onde meu carro está — resmungo, olhando em volta como
se minha caminhonete fosse aparecer magicamente diante dos meus olhos.
— Tenho certeza de que Reed cuidou disso — respondeu, dando um
tapinha em meu ombro. — Vamos, eu estou de carro e vou te deixar na
fazenda.
Estava pronto para aceitar sua oferta quando um grande carro de quadro
portas parou diante de mim. Eu bem sabia a quem pertencia aquele SUV
preto. Bastou que a janela do passageiro descesse e pude confirmar isso.
— Prefeito — cumprimentei sem muito interesse, o homem me ignorou
e abriu a porta.
— Entre, vou te dar uma carona.
Estranhei suas palavras, mas não deixei isso transparecer.
— Já tenho carona. — Aponto para Edgar, que caminhava mais à
frente, em direção ao estacionamento.
— Entre, Robert. Precisamos conversar.
Em circunstâncias normais eu estaria bem disposto a mandá-lo à merda.
Contudo, me vi fazendo exatamente o que o prefeito pediu. Homero não
disse uma única palavra depois disso até que estávamos fora da cidade, em
uma das diversas estradas de terra que cortam as grandes fazendas da região.
— Se o que tem para mim é um xingamento ou um agradecimento, eu
dispenso os dois.
Sou o primeiro a falar, ele aperta o volante, uma expressão irritada em
seu rosto.
— Não tome em ânimo leve o que você fez, rapaz.
Soltei um riso baixo pelo rapaz, já não sou um rapazinho há muito
tempo, por mais que Homero Foster tenha cabelos brancos.
— Não espero nada com isso, teria defendido a garota independente de
quem ela fosse. Independentemente de quem fosse a vítima — completei
quase em um sussurro. Jamais esperei qualquer agradecimento, eu não
queria um agradecimento.
— Pode não fazer diferença para você, mas faz para mim e a minha
família. Você salvou a minha neta de uma violência terrível, posso te garantir
que Arnold e Callum Dunham serão tratados como se deve e nenhuma
represália caíra sobre você. Em breve a acusação de agressão vai ser retirada.
Tomo um minuto de silêncio para absorver suas palavras, nesse meio
tempo o carro passa pelos portões da fazenda Miracle.
— Não pense que quero te dever um favor — falo.
— Do que está falando? Não espero nada de você depois disso. Se
ainda não percebeu, nesse momento sou eu quem estou em dívida com você,
e não podemos deixar assim, não é mesmo?
Com um arquear de sobrancelhas, Homero estende uma mão em minha
direção. Abro a porta do carro parado diante da casa de Reed, mas antes de
deixar o veículo faço algo que jamais me imaginei fazendo em minha vida,
aperto a mão de Homero Foster e aceito o que ele está oferecendo.
CAPÍTULO 7
Não era raro ver peões da fazenda Miracle juntando o gado ao final
tarde, sempre que voltava para casa mais cedo via a cena de longe. Algumas
vezes chegava a reconhecer Robert Durango, gritando com a boiada,
enquanto permanecia imponente em cima de seu belo cavalo de pelagem
negra. Até aquele momento não tinha parado para pensar no quanto reparava
nessas cenas.
Mas naquela tarde, alguns dias depois dos acontecimentos com Nana,
eu voltava mais cedo para casa quando ouvi o grito do capataz. Parei o carro
ao lado da cerca de madeira pintada de branco, e ao descer do veículo avistei
ao longe alguns peões tocando a boiada. Entre eles estava Robert, ele tinha
seu chapéu nas mãos e o balançava de um lado para o outro enquanto
gritava. O sol estava alaranjado no céu me fazendo lembrar de uma cena de
filme ou uma pintura.
— Robert! — gritei chamando sua atenção depois de um minuto
inteiro. Ele desviou sua atenção para mim, cobriu os olhos com a mão e
parece ter me reconhecido. Posso dizer que os dois minutos que ele levou
para dispensar os outros peões que seguiram com o gado, foi o tempo que
ele relutou antes de vir até mim.
Nem mesmo eu sabia ao certo o que pretendia chamando o homem, ele
devia se sentir da mesma forma. Robert parou rente a cerca, me encarando
de cima de seu cavalo, ele estava suado, com o rosto avermelhado e puxando
o ar pela boca. Tudo em sua figura mostrava poder, confiança e desagrado
por estar em minha presença.
— Senhor prefeito — me cumprimentou, antes de devolver o chapéu a
cabeça de cabelos castanhos e encaracolados.
— Podemos conversar, Robert?
Desconfiança saía em ondas de seu corpo, mas ele acenou que sim.
— Sobre o que seria?
As palavras deixaram minha boca antes que meu cérebro pudesse
pensar direito, até eu me surpreendi com o que estava dizendo:
— Reed, eu quero falar sobre o meu filho.
CAPÍTULO 8
Ao ouvir Homero Foster chamando o meu nome não pensei que ele
tivesse algo para me dizer que fosse do meu interesse, isso foi confirmado
pelo prefeito dizendo querer conversar sobre o meu patrão. Como se eu fosse
algum garotinho de recados, ou pior, como se fosse trair Reed e passar
informações para um adversário.
— Receio que não temos nada para conversar sobre, Reed — respondo
depois de alguns segundos, faço uma leva curvatura com a aba do meu
chapéu e já estou conduzindo Zorro para longe da cerca quando sua voz me
faz parar.
— Você está próximo do meu filho, é uma das pessoas mais próximas
dele atualmente. Além disso, parece saber muita coisa sobre ele... Você
mesmo falou com tanta confiança outro dia, por que não pode fazer isso
novamente?
Encaro o homem mais uma vez, tentando entender o que ele quer. Por
que agora? Foi o que Reed fez diante da situação com Anelise? Isso mudou
o coração do velho Foster de alguma forma?
— Não tenho que te dizer nada.
— E por Reed?
Solto um riso carregado de sarcasmo.
— Em que eu estaria ajudando o meu patrão ao falar dele para você?
Me parece que estaria fazendo exatamente o contrário.
E sejamos sinceros, eu gosto muito de estar entre os aliados de Reed.
Depois da situação com os Dunham, esse sentimento apenas se fortaleceu.
Reed é bom para quem está do lado dele, mas pode ser ainda pior com quem
está contra ele.
— Quero entender meu filho um pouco melhor. Você enche tanto a
boca para falar de mim e da nossa relação, então por que está tão relutante
em ajudar?
— Não preciso e não quero fazer nada por você, simples assim.
E sem qualquer peso na consciência dei as costas e galopei para longe.
Já tenho problemas demais para aceitar qualquer confraternização com o
inimigo.
Talvez fosse os novos ares, fazia tempo que eu não deixava Cross Ville.
Seja o que for, me sentia energético mesmo depois de uma viagem que durou
horas. Apenas fiz o check in no hotel que Noah havia reservado para mim,
deixei minha pequena mala e saí ao encontro de Carson Rybak. Ele era um
velho amigo da minha esposa e meu, além de ser o contato que me ajudaria a
fazer bons negócios durante a feira de gado.
Inicialmente marcamos de nos encontrar em um café próximo ao
espaço onde estava acontecendo a feira, e foi para lá que eu segui. Carson já
esperava por mim enquanto tomava um café tardio, o homem estava muito
ocupado com os preparativos para a feira. Ele mesmo tinha levado alguns de
seus animais para a venda.
— Homero! — Fui recebido por um forte abraço e tapinhas nas costas.
— Quanto tempo, Carson. Vejo que está ocupado — comento,
apontando para a papelada que dividia a mesa do café com a comida pedida
por ele. O homem riu e me convidou para sentar com ele.
— Os dias por aqui são agitados, mas não se preocupe eu já selecionei
alguns potenciais animais para você dar uma olhada. Se não me engano você
comentou que também queria um bom touro reprodutor, certo?
Aceno com a cabeça, ao mesmo tempo em que ergo uma mão
chamando o garçom para fazer um pedido de café e alguns pãezinhos. Era
quase meio dia eu ainda não havia tomado café da manhã.
— Minha fazenda ainda está dando os primeiros passos nesse ramo de
leite e derivados. Temos feito um bom progresso, principalmente no último
ano, mas nada que bata de frente com nossos principais concorrentes.
— Entendo, e por isso já separei um bom touro também. Praticamente a
melhor oferta que tem na feira atualmente, eu diria que você deve começar
por ele se quer ter alguma chance de o levar para casa.
— Hum, então é por ele que vou começar. Obrigado pela ajuda, Carson.
O homem da minha idade, com barba grisalha e cabeça careca, fez um
gesto com a mão como se dispensasse meu agradecimento. Pouco depois um
garçom veio até nossa mesa e pegou meu pedido. Pela próxima hora
comemos e conversamos sobre as vacas e o touro que Carson havia
encontrado para que eu desse uma olhada.
Empolgado com tudo que ouvi, nem mesmo esperei até que a noite
chegasse, pedi para que Carson me acompanhasse até o local da feira e me
apresentasse aos proprietários dos animais, começando pelo touro.
— O nome dele é Calamidade.
Ouvi ao ficar de frente para o cercado onde o animal gigantesco estava.
Ele demonstrava estar estressado em um lugar tão pequeno para seu enorme
corpo, por isso não me aproximei muito, mesmo de uma distância segura era
possível ver cada detalhe do majestoso animal. Fazia tempo que não via um
touro como aquele.
— Devo me preocupar com o nome? — questionei brincalhão. Os
rapazes que trabalham na área, cuidando e alimentando os animais, riram.
— Ele tem esse nome por causa de sua aparência e pelo fato de ser o
melhor reprodutor que meu patrão já possuiu.
— Então, o que acha, Carson?
Meu velho amigo se aproximou com uma expressão apreciativa.
— Te digo, você deve fazer uma oferta o quanto antes. Não existe um
animal melhor em toda a feira, me atrevo a dizer que ainda não vi um touro
melhor em todo o estado.
— Muito bem. — Vou em direção ao atual dono do touro, o homem era
mais velho do que eu, e tinha um grande sorriso no rosto. Sabia bem que eu
pagaria uma pequena fortuna pelo animal. — Dê seu preço, o touro é meu.
Estava decido, Calamidade iria comigo para Cross Ville!
Satisfeito era pouco, eu estava exultante. Depois de fechar negócio com
o dono de Calamidade, nem mesmo quis continuar olhando os demais
animais na feira. Me despedi de Carson e voltei para o hotel, queria
descansar pelo rosto da tarde e nos encontraríamos no começo da noite. Só
então eu daria continuidade a compra de gado.
Devo ter dormido por algumas horas porque quando acordei já era noite
e em meu celular haviam várias ligações perdidas de Carson. Tomei um
banho rápido e deixei o hotel em direção a feira. Nesse meio tempo tentei
retornar as ligações de Carson, mas quando ele veio atender eu já estava na
entrada do local.
— Por que insistiu tanto em me ligar? Combinamos de nos encontrar
aqui — falo, guardando o celular no bolso já que Carson estava parado
diante de mim com uma expressão de poucos amigos.
— Eu tentei te avisar, não sabia em qual hotel você está ficando.
— O que houve?
— Calamidade, foi isso que houve.
— Ele se feriu? Machucou alguém? Eu bem pensei que aquele espaço
era muito apertado para um animal daquele tamanho.
Começo a caminhar em direção ao recinto de Calamidade quando
Carson me segura pelo braço.
— Você o perdeu, Homero.
— Perdi? Como assim? Eu dei uma boa oferta no touro, até ofereci
mais do que o vendedor pediu. Nós estamos certos, e...
— E quando você saiu alguém apareceu e ofereceu o dobro do valor. Os
olhos gananciosos daquele maldito fazendeiro quase saltaram para fora de
sua cara. Ele não pensou duas vezes antes de aceitar. No final do dia,
Calamidade estava em um caminhão deixando a feira.
Xingo alto, tirando meu chapéu da cabeça e bagunçando os cabelos.
Não posso acreditar em uma coisa dessas, eu até mesmo transferi um sinal
em dinheiro para garantir a compra. Desgraçado sem palavra!
— Foi a fazenda Miracle quem comprou o touro.
Mesmo em meio a raiva consegui entender as palavras de Carson, se
possível, fiquei ainda mais puto com elas.
— Reed fez isso? Ele está na feira?
— Seu filho não, foi um homem que trabalha para ele, um tal de Rob...
— Durango. Robert Durango! — Meus dentes trincaram de raiva ao
lembrar do homem arrogante que sempre está jogando merda em minha
direção. Me tirando do sério, me enchendo de raiva. Desconheço sujeito
mais insuportável. — Onde ele está? Você sabe?
— Acho eu que no lado sul da feira, ele estava fechando outras compras
de gado.
Não esperei que Carson terminasse, tampouco esperei que ele me
acompanhasse. Como um furação raivoso segui em busca de Robert.
Perguntei para algumas pessoas no caminho e segui cada passo a caça do
desgraçado. Tal afronta não seria facilmente perdoada.
Levei pelo menos uma hora e meia para rastreá-lo. Maldito
escorregadio. E rapidamente entendi o porquê de ainda ter conseguido pegá-
lo no estacionamento.
— Robert! — gritei enfurecido, ele me encarou e de trás dele saiu um
figura magra e pequena. Demorei para perceber que era um homem.
Contorci o rosto em desagrado ao perceber que os dois homens estava
se esfregando em um lugar público onde todos poderiam ver. Nem mesmo o
carro de Robert os escondiam dos olhares alheios. O sujeito agiu com uma
naturalidade que me irritou ainda mais. Teve ainda a audácia de sussurrar
algo no ouvido do homem menor, que assentiu e saiu praticamente correndo.
Só então o capataz me encarou diretamente.
— Vocês planejaram isso? — soltei, ele franziu as sobrancelhas.
— Depende do que está falando.
Dei alguns passos em sua direção, nossos corpos praticamente se
encontrando. Robert não deu um passo para trás, eu também não cedi.
Jamais daria o braço a torcer por um sujeito como aquele.
— O touro era meu!
Ele teve a audácia de rir.
— Fiz uma oferta melhor.
— Jogou sujo, mas não que seja uma grande novidade vindo de alguém
como você. — Deixei transparecer todo o meu asco. — Um sujeitinho que
se arrasta por aí, acatando os mandos e desmandos dos outros...
Minhas palavras foram cortadas no meio da frase, ao mesmo tempo em
que meu corpo se chocou contra a lataria dura de um carro. Robert tinha um
olhar cheio de fúria quando se chocou contra mim, cada parte de seu corpo
forte prendendo o meu ao veículo. Foi impossível conter o som surpreso e o
resmungo de dor.
— Coiote, você parece um coiote. Sempre rondando, olhando de longe,
tão sujo quanto qualquer outro homem, mas nunca vai em busca do
realmente quer. Não me culpe por chegar por último, isso é culpa
unicamente da sua covardia.
— Seu!
Tento o afastar, mas sou vergonhosamente contido por suas mãos
calejadas, elas agarram meus pulsos e batem com eles na lateria do carro.
Como se fosse pouco, seu quadril bate para frente, se chocando contra o meu
e mostrando que nem mesmo nosso pequeno embate foi capaz de diminuir a
rigidez de seu pênis. Não vou negar, isso me assustou, em toda a minha vida
jamais toquei outro pau que não fosse o meu, ou sequer encostei em um
daquela forma. Meu desagrado deve ter sido muito evidente, pois ele sorriu
com escárnio e roçou de forma bruta seu pau no meu.
— Se quer mesmo entender o seu filho, talvez deva começar entender
quem ele é e como se sente... — Maldito, o desgraçado estava sentindo
muito prazer em me torturar daquela forma. Sua boca se aproximou do meu
ouvido, e mesmo com a minha luta, não fui capaz de fugir do seu aperto
quando Robert disse: — Como ele se sente quando tem um belo e gordo pau
enfiado no rabo!
— Já chega! — Consegui o empurrar para longe de mim, minha
respiração era profunda e apertada. Eu estava imerso em raiva e confusão.
Robert não disse mais nada, sequer olhou em minha direção quando deu
as costas e voltou para a feira. Quanto a mim, permaneci preso a lataria do
carro. Suas mãos não me mantinham mais cativo, era a fraqueza estranha em
minha pernas... e não que eu vá admitir em voz alta, mas também tinha o pau
lutando para ganhar vida em minhas calças.
CAPÍTULO 9
Sentia um gosto ruim na boca quando retornei para a feira, tinha pouco
a fazer, mais alguns acertos e as últimas vacas leiteiras estariam no caminhão
em direção a Miracle na manhã seguinte. Ainda assim, estava irritado como
poucas vezes antes estive. Aquele coiote teve a coragem de me chamar de
sujo.
Quantas vezes já ouvi isso? E quantas dessas vezes eu acreditei nas
palavras daquelas pessoas?
— Aí está você, cowboy! — A fala alegre vem acompanhada do corpo
esguio que se choca com a lateral do meu. O nome do homem era Justin, ele
não tinha mais do que 25 anos.
Justin tinha ficado impressionado com tantos chapeis e botas de
cowboy, praticamente estava orbitando em volta dos homens na feira. Isso
me divertiu e chamou a minha atenção, junto com o fato de o rapaz ser muito
bonito. Eu estava tendo um bom tempo com ele no estacionamento quando
Homero apareceu com suas merdas.
— Você se resolveu com seu amigo?
Apenas acenei com a cabeça, não queria falar sobre nada daquilo. Justin
deve ter percebido isso, pois não insistiu no assunto, ele logo mudou o rumo
da conversa.
— Que tal uma cerveja para fechar a noite?
Talvez tenha sido o fato de ainda estar abalado com o que aconteceu
pouco antes, seja o que for, acabei deixando escapar:
— Não bebo nada alcoólico. — O rapaz contorceu o rosto em
desagrado, mas rapidamente disfarçou sua expressão.
— Tudo bem, vou conseguir uns sucos pra gente!
Antes que eu pudesse o impedir, Justin saiu correndo por entre as
pessoas. Eu fiquei pensando que desejava ir embora, terminar minha noite
sozinho em meu quarto de hotel. Contudo, fui interceptado antes que
pudesse ter sucesso nessa missão.
— É de laranja, espero que goste.
Não fazia ideia de onde o rapaz tinha tirado as garrafas de suco,
também não perguntei. Tomei a garrafa que me era oferecida e bebi um
enorme gole, minha garganta estava seca nesse momento.
— Então, cowboy, em que hotel você está ficando?
Abri a boca sem realmente querer dar uma resposta, meu humor tinha
sido azedado. A última coisa que eu queria era uma companhia. Mas tinha
certeza de que o rapaz bonito conseguiria outro parceiro sem grande esforço.
— Tem um banheiro por aqui? — questionei ao invés de ir direto ao
ponto, pela sua expressão ele não tinha gostado do meu esquivar a sua
pergunta.
— Tem alguns perto do estacionamento.
Ótimo! Apenas o último lugar que eu queria estar no momento, mas se
quisesse voltar logo para o meu quarto de hotel, então aquele era o único
caminho possível.
— Preciso usar o banheiro.
— Eu vou com você! — Justin se agarrou ao meu braço me causando
irritação e desconforto. Ainda assim segui em direção aos banheiros, minha
bexiga realmente estava cheia e não faria mal parar no caminho para o meu
carro.
— Aqui nos separamos, eu posso mijar sozinho — falo, me desfazendo
do aperto do rapaz em meu braço. Ele fez uma careta descontente e se
encosta do lado de fora do banheiro químico. Reviro os olhos, pensando na
má sorte que tive essa noite e entro para me aliviar.
Enquanto abria o zíper da calça me senti um pouco aéreo, o gosto
amargo tinha desaparecido da minha boca graças ao suco doce, mas agora
sentia uma certa dormência na língua. Achei estranho, contudo, continuei
com meu serviço e foi só quando precisei fechar o zíper que percebi que
meus dedos também se encontrava um pouco dormentes. A sensação da
cabeça pesando, a mente obscurecida... Eu já tinha me sentido assim outras
vezes e só de pensar nisso sentia vontade de vomitar.
Passei tanto tempo anestesiado pelo álcool, que hoje só de pensar nisso
me sinto mal. Mas eu sobrevivi, passei por isso e faz anos que não coloco
uma só gota de álcool em meu corpo, então por que me sinto assim?
— Você está bem aí dentro? — A voz de Justin foi seguida por ele
tentando abrir a porta do banheiro.
O mundo ficou ainda mais turvo diante dos meus olhos, ao mesmo
tempo em que desespero tomou conta de mim. Me sentia preso e assustado
de uma forma que jurei nunca mais me sentir. O que estava acontecendo?
— Abra a porta, cowboy, eu posso te ajudar.
Minha visão estava tão comprometida que não sei ao certo se consegui
abrir a porta ou se caí por cima dela e ela se abriu. Tudo que lembro é de ter
despencado no chão duro, a dor no lado do meu corpo foi quase ignorada
pela forma como me sentia dormente.
— O que houve? — Podia jurar que não era Justin falando.
— Ele... — Não entendi a resposta. Não entendi mais nada que foi dito.
Quase não podia sentir, ouvir ou ver nada. Sentia minha boca se
movendo, mas não escutava som. Estava com medo, talvez estivesse
chorando, tinha algo quente em minhas bochechas.
“Putinha suja”
Não, por favor, não.
Eu não quero ficar aqui, eu venci isso.
— Calma agora, rapaz.
Eu me agarrei a mão que tocou meu ombro, ou pelo menos acredito que
me agarrei a ela. Tudo ficou tão escuro depois, eu estava com medo
novamente. O medo nunca tinha me abandonado. Por quê? Por que eu?
— Não me deixe... Estou com medo.
— Você vai ficar bem.
Até onde isso é real? De quem é essa voz que me acalma. Está tudo tão
escuro, tenho tanto medo, mas ela me acalma quase tanto quanto o toque
suave em meus cabelos. Não tem como ser real, eu nunca senti isso.
Ninguém tem esse tipo de toque reservado para mim. Ninguém se preocupa
tanto comigo.
Real ou não, eu me agarrei a isso. “Segurei” na voz que me acalmava e
deixei que minha mente relaxasse no toque suave em meus cabelos. Pode ser
tudo coisa da minha cabeça, mas conseguiu me salvar... Pela primeira vez
senti como se tivesse sido salvo ao invés de me arrastar na lama e me salvar
sozinho.
— Por favor...
— Rob! — Salto da cama com o susto, minha cabeça desorientada o
suficiente para que eu quase caia da cama. — Você está aí, Rob? Eu estou
quase ligando para a polícia!
Me arrasto pelo quarto até alcançar a porta, quando abro, uma figura se
apressa para entra sem ser convidado.
— Cara, eu pensei que você estivesse morto. Juro que esperava
encontrar o seu corpo em uma vala!
— Do que está falando? — questiono, uma mão bagunçando os meus
cabelos enquanto tento me situar. Estou em meu quarto, ainda com a calça
jeans, mas sem camisa e botas. O que houve?
— Você sumiu do nada ontem à noite, eu te liguei umas vinte vezes! —
respondeu, Casey, o peão que tinha vindo comigo para Cine City. — Te vi
conversando com um carinha, depois você sumiu e no final da noite, quando
eu pensei que você tinha se dado bem, eu vejo uma confusão acontecendo no
meio da feira. Aquele homem com quem você estava foi preso depois de
dopar um dos fazendeiros, o cara tinha um cúmplice e os dois estavam
aplicando golpes desde o começo da semana quando começaram a montar a
estrutura para a feira. Depenavam os caras, achei que você tinha sido uma
vítima deles.
As palavras de Casey demoraram para fazer sentido para mim.
Dopavam? Será que isso aconteceu comigo?
Me apresso a olhar minhas coisas, só para encontrar tudo no lugar.
Celular, chaves, dinheiro e cartões, nada havia sido levado. Então como?
Minha mente está confusa, lembro de Justin me dando um suco, depois tudo
é tão estranho e confuso. Alguém me trouxe para o meu quarto de hotel? Eu
tinha um cartão chave comigo, mas ele ainda está na mesa de cabeceira. Que
tipo de ladrão é esse que me dopa, me traz para o meu quarto de hotel e vai
embora sem levar nada?
— Você está bem, cara?
Ignoro a pergunta de Casey e ligo para a recepção. O hotel é pequeno,
duvido que sequer tenha câmeras de segurança que funcionem, no entanto,
alguém deve ter visto alguma coisa.
— Bom dia.
— Aqui é do quarto 202, Robert Durango. Gostaria de saber quem
entrou comigo no hotel ontem à noite? Vocês têm algum sistema de
vigilância?
— Sinto muito, senhor. Só temos uma câmera na recepção, mas ela está
em manutenção. E não vi o senhor chegar acompanhado. Tenha um bom dia.
Encarei o telefone com estranheza, não era preciso ser um gênio para
saber que a senhora na recepção estava mentindo. O porquê eu não sabia ao
certo.
— Isso é estranho, você não foi roubado. Não se lembra de nada? —
Obviamente Casey tinha ouvido minha conversa.
— Tudo muito vago, acho que alguém me trouxe para o hotel.
— Que estranho.
— Não foi mesmo você?
— Não!
— Hum...
Se eu acreditasse nessas coisas diria que tenho um anjo da guarda por
aí.
— Amanhã o senhor tem uma reunião pela manhã. Sua agenda da tarde
está livre.
— Ótimo, tenho que supervisionar algumas coisas na fazenda —
comento, vestindo meu casaco por cima da camisa. Já era tarde e estava
encerrando meu dia de trabalho na prefeitura.
Ricco iria até a cidade vizinha no dia seguinte, ele tinha uma consulta
marcada com um médico especialista que o acompanhou de perto depois do
acidente. Meu filho anda muito adoentado, então depois de muita insistência
acabou marcando uma consulta. Sendo assim, vou ter mais trabalho na
fazenda pelos próximos dias também.
— Se é só isso, você pode encerar por hoje, Noah. Nos vemos amanhã
cedo, quero que repasse comigo as informações sobre a obra da ponte. — O
assunto da reunião em questão.
— Certo, prefeito. Tenha um bom descanso.
— Você também.
Guardo alguns documentos, desligo o computador e com meu chapéu
na cabeça deixo a prefeitura. Era final de tarde, as luzes da rua já estavam
acendendo aos poucos, o céu ficando escuro e as atividades noturnas se
iniciavam pela cidade. Foi difícil não pensar no poço. Robert, eu não via o
homem há dias. Mas o que faria se o visse? Ele agiu como se não quisesse
repetir o que fizemos, disse com todas as letras que eu deveria buscar outra
pessoa.
Estou pronto para isso? Quero isso?
— Sou um idiota mesmo! — resmungo, caminhando até meu carro. Ele
estava parado uma rua abaixo da prefeitura.
Eu nem mesmo precisava passar pela rua do poço quando estaria indo
para casa. Então por que o fiz? Poderia dizer que estava considerando o
“conselho” que o peão me deu. O que seria uma grande mentira. Em
momento nenhum cogitei a possibilidade de entrar no local.
— Meus olhos estão me pregando uma peça?
Paro o carro do outro lado da rua. Estou próximo ao bar, assim como a
caminhonete preta estacionada não muito longe. Eu sei quem é o dono dela,
e se ainda tivesse alguma dúvida, o homem robusto de braços cruzados que
se encontra encostado na frente da caminhonete, é a confirmação que
precisaria para ter certeza.
Robert está pensativo, observando a entrada do poço, enquanto algumas
pessoas começam a entrar no local. Se tivesse acesso aos seus pensamentos
poderia descobrir que ele está relutando se deve ou não entrar no
estabelecimento.
— O que eu faço? — questiono, mesmo que já tenha desligado o motor
e aberto a porta do carro. — Tem tanta coisa pronta para dar errado.
Caminho em sua direção sem que ele ao menos note a minha presença.
O homem está perdido em pensamentos. Até parece verdadeiramente
surpreso quando me encosto no carro ao seu lado, chamando assim sua
atenção.
— Normalmente as pessoas vem para entrar no bar, mesmo que ainda
estejamos no meio da semana.
— Vai fiscalizar a vida dos outros agora, prefeito?
Sorrio.
— Estou fazendo uma pergunta legítima a um amigo.
Robert me encara com estranheza.
— Desde quando nós somos amigos?
Coloco a mão por cima do peito.
— Assim você me magoa. Entendo que nunca estivemos exatamente do
mesmo lado, mas achei que estávamos seguindo por um caminho mais
estreito. Se não é uma amizade o que estamos construindo, o que é?
Robert suspira alto, balança a cabeça e se desencosta do carro.
— Meu caminho para a Miracle e o seu para sua fazenda, é quase o
mesmo.
Não entendi em um primeiro segundo o que ele queria dizer. Saí da
frente de seu carro quando ele o ligou, e então uma ideia passou pela minha
cabeça. Eu poderia estar pensando besteira, poderia ser uma grande loucura.
Ainda assim o fiz, caminhei até meu carro e segui Robert de perto para fora
da cidade.
Se tinha alguma dúvida sobre as intenções de homem, elas foram
sanadas ao encontrar seu carro parado em um trecho da estrada, já na parte
rural. Era tarde e estava escuro, quando desliguei os faróis apenas a luz da
lua iluminava o ponto onde estávamos. O lugar era deserto o suficiente para
não sermos vistos a menos que alguém passasse pelo local. Já que estamos
cercados de pastos de ambos os lados.
O peão me esperava do lado de fora do seu carro, escorado na cerca de
madeira. Novamente seus braços estavam cruzados sobre o peito, uma
expressão séria no rosto.
— Então, aprendeu um pouco mais sobre o seu filho nesses últimos
dias? — questionou, arqueando uma sobrancelha de forma petulante. Eu
parei em sua frente e estendi cada um dos meus braços de encontro a cerca
de madeira, deixando-o preso entre mim e ela.
— Descobri mais sobre mim mesmo — respondo. Seus braços sendo
“jogados’ de forma desleixada por cima dos meus ombros.
— Hum, e o que descobriu?
Como olhos castanhos poderiam brilhar tanto no escuro?
— Bissexual. Eu sou bissexual.
— E está aceitando isso tão facilmente?
Solto um riso alto.
— Eu estou surtando por dentro. Nunca tinha considerado certas coisas,
olhe o lugar onde vivemos. Estive cercado de certezas praticamente
impostas, considerar outras possibilidades nunca foi possível até agora. Mas
sabe de uma coisa? Eu não poderia encarar meu filho de frente, como tenho
dito que desejo fazer, quando não posso encarar a mim mesmo.
Robert considera minhas palavras, respira fundo, olha para o lado.
Enquanto isso lhe dou tempo para pensar, apenas observando a forma como
seus cabelos cacheados estão voando com a brisa fresca da noite. É raro ver
esse homem sem seu chapéu. Ele é bonito, realmente bonito de perto.
— Isso é uma idiotice sem tamanho, você sabe, né?
Assinto.
— Não tenho nada para te oferecer. Não quero te dar nada. Então, se
você é daquele tipo de pessoa que sempre espera um pouco mais, recomendo
que volte para o seu carro e finja que nós nunca nos encontramos dessa
forma.
— A outra opção era o quê? — questiono com minha boca a míseros
centímetros da sua.
— Fique e termine fodido de todas as formas possíveis. Eu não sei amar
ninguém, não fui feito para isso.
Era doloroso, não suas palavras, mas a forma como eu via a alma
quebrada daquele homem através de um único olhar. Ele sabia que estava me
deixando ver tanto?
— Estou te pedindo isso? — retruco. Ele sorri.
— Você parece o tipo de homem que espera ensinar os outros a amar.
Vejo a carência em seus olhos.
“Você não ensina alguém a amar, você ama e talvez a pessoa te ame de
volta.” Obviamente não disse isso a ele, pois também via a carência em seu
olhar. Robert fugiria se eu dissesse qualquer coisa, sabendo disso guardo a
maior parte das coisas para mim, tenho feito isso há um tempo agora.
Invés de respondê-lo, fecho a distância entre nós e tomo sua boca na
minha. Sou prontamente correspondido por uma boca voraz, quente,
esmagadora. Ele tinha me avisado para fugir e eu fiquei, será que nesse jogo
eu sou realmente um coiote ou uma presa?
As mãos em meus ombros ficam mais exigentes, apertando mais,
trazendo para mais perto. Era ele quem estava encostado na cerca, mas era
eu quem se encontrava cativo. Beijei até ficar sem ar, e voltei a beijar
novamente. Sua boca era tão macia e convidativa. Até a pele do seu pescoço
era assim, além de ter um perfume gostoso, afinal, o peão tinha se preparado
para ir a um bar. Esse pensamento me irritou e na mesma hora voltei a beijar
seus lábios com profunda intensidade, não querendo pensar em mais
complicações.
— Abra as pernas, coiote — sussurrou contra meus lábios, eu fiz o que
ele pediu e uma de suas mãos veio até minha calça. Quando percebi suas
intenções tratei de abrir o zíper de sua calça também.
Nós dois gememos juntos quando nossos paus saíram para fora, sendo
recebidos pelo vento frio. Não demorou muito para que os arrepios em meu
corpo passassem de causados pelo frio para terem a causa na mão grande e
calejada que segurou ambos os nossos paus juntos, esfregando-os.
— Isso é bom — deixo escapar, deitando minha cabeça em seu ombro.
Escuto seu riso sem ar e o aperto em nossos paus fica mais firme. Começo a
impulsionar meu quadril em direção ao dele, ao encontro de sua mão.
— Você gosta de ter seu pau tocado? Como se sente sabendo que sou eu
quem está fazendo isso? Que seu pau está se esfregando no meu?
— Porra!
Ele ri.
Até parece que tenho condição alguma de pensar racionalmente com
tantos estímulos de uma única vez. Ainda mais quando a boca habilidosa
volta para a minha em mais um beijo enlouquecedor. Como eu me sinto?
Louco!
— Abra bem as pernas, Homero.
Tremi por inteiro com seu comando, e me vi obedecendo. Ele apreciou
isso, pois logo sua mão livre estava agarrando uma das minhas nádegas nuas
e puxando assim meu corpo para mais junto do seu. Passei a tentar me
agarrar nele de alguma forma, uma mão firme em seus ombros e a outra
embrenhada nos fios castanhos de seu cabelo. Queria mais, mais pele, mais
beijos. Contudo, tinha muita roupa no caminho, o local não era dos mais
indicados e eu estava quase gozando.
— Você está tremendo... Fica assim quando vai se desmanchar de
prazer. Estou certo?
— Hum!
Novamente ele está rindo, eu ficaria ofendido se o riso não fosse tão
sexy quanto a voz rouca sussurrada em meu ouvido.
— Eu também estou quase lá. Hoje você vai voltar para casa com seu
pau sujo do meu gozo.
— Maldito. Você vai ter o mesmo prazer.
Seu olhar faminto quase me desmontou. Foi então que eu me perdi, não
percebi o que ele pretendia até ter um de seus dedos longos deslizando por
entre a fenda da minha bunda. Meu corpo saltou para cima, não conseguindo
ir muito longe. Robert não tentou me penetrar, ele acariciou meu cu com seu
dedo ao mesmo tempo em que massageou nossos paus juntos e mordeu com
força meu pescoço.
— Ahh! — gritei alto, gozando entre nossos corpos. Ele fez a mesma
coisa, abafando seus gemidos na pele do meu pescoço. — O que está
fazendo?
Consegui perguntar, ainda com o ar escasso em meus pulmões. Ele
sorriu, as pálpebras caídas, as bochechas vermelhas. Engoli em seco antes
mesmo de ouvir uma resposta.
— Por hoje, nada de mais, mas quando você estiver pronto para me dar
sua bunda, então a conversa vai ser outra.
Soltei um riso incrédulo e nervoso. Eu não era um puritano de forma
alguma, contudo, mesmo em todos os meus anos de casamento o meu cu
nunca sequer esteve em jogo. O que mais me chocava não era a confiança no
rosto diante de mim, mas sim a forma como meu rabo se apertou diante de
tais palavras.
CAPÍTULO 15
“Sim”
A resposta monossílaba de Robert para a mensagem que mandei mais
cedo, não serviu para acalmar meus nervos. Ainda mais porque cheguei
antes dele e precisei esperá-lo, sentado na varanda de sua casa. Eu tinha
perguntado mais cedo se poderia passar para vê-lo, estávamos muito
ocupados nos últimos dias e mal consegui conversar com o homem por
telefone. Tinha receio de estar sendo invasivo demais, grudento, como diria
minha neta.
Estou enferrujado para essas coisas, e não ajuda que o peão repita com
frequência o quanto não quer nada sério. Sinto que estou investindo em um
negócio sem futuro, mas não consigo evitar, se passo muito tempo sem vê-lo
sinto sua falta. Se não posso visitá-lo, quero mandar uma mensagem ou fazer
uma ligação. Ele sempre me atende e demonstra estar receptivo, por mais
que sua boca fale outra coisa.
— Te fiz esperar?
Ergo a cabeça para encarar o homem bonito, mesmo em suas roupas
simples e sujas de um dia longo de trabalho. Quero tanto beijá-lo nesse
momento que preciso agarrar com força o braço da cadeira onde estou
sentado.
— Não, cheguei tem pouco tempo — respondo, sem muita certeza.
Para falar a verdade nem sei ao certo quanto tempo esperei. Passei o dia
na fazenda resolvendo uns últimos detalhes de uma viagem para o dia
seguinte. Quando terminei tudo segui para casa e no banho pensei que
precisava fazer uma visita a Robert, queria que ele pensasse em mim mesmo
quando eu estivesse longe. O final de semana se aproximava e eu sentia um
revirar incômodo no estômago todas as vezes em que pensava no peão indo
ao poço, e se divertindo com algum rapaz que conhecesse por lá.
— Pela cara que está fazendo, tem más notícias para mim?
O peão sobe os degraus da frente e passa pela cadeira onde estou. Me
levanto a tempo de entrar na casa junto dele. Robert descarta seu chapéu na
entrada e caminha pela pequena sala com uma tranquilidade que até parece
que ele está sozinho. Ele não se incomoda em ser educado, me oferecer
alguma coisa ou me pedir para sentar no sofá e o esperar. O peão segue
andando diretamente para o banheiro, e eu o sigo de perto.
— Só estava pensativo, na verdade não vim para te dizer nada. —
Encosto na porta aberta do banheiro e me deleito com a visão da pele
bronzeada que surge quando ele tira a camisa, de costas para mim. Sua pele
está suada e coberta de sujeira, nem isso tira a beleza do homem.
— Estava com saudades? — brinca. Eu fico em silêncio. Afinal, ele
aguentaria a verdade nesse ponto da história?
— Vou fazer uma viagem amanhã, nada muito demorado. No domingo
já devo estar de volta. Preciso ver uns fornecedores em Cine City, vou
aproveitar para resolver algumas questões referentes a festa da cidade.
A festa anual da cidade seria em poucas semanas, é o maior evento que
temos em Cross Ville, mas eu nunca soube o trabalho que dá para organizar
tudo até que me tornei prefeito. Esse ano ainda tivemos os prejuízos
causados pela tempestade. Foi preciso muito planejamento junto aos demais
políticos da cidade para decidirmos manter a festa. Chegamos em comum
acordo a decisão de mantê-la, pois vai animar as pessoas da cidade, mesmo
aqueles mais prejudicados pela tempestade. Além de movimentar a
economia local graças as barracas de comida, artesanato e outros produtos
produzidos na região.
— Cine City, hum?
Ele deve ter pensado na última vez que estivemos lá ao mesmo tempo.
Não foi exatamente uma experiência muito memorável, apesar de ter
aprendido muito sobre mim mesmo e esse homem. A começar pelas reações
que meu corpo tem ao vê-lo completamente nu, entrando no box. Tive que
desviar os olhos e sair de perto antes que acabasse de pau duro.
Caminhei pela casa pequena e cheguei na cozinha. Fui abrindo os
armários e geladeira como estivesse em casa. Se Robert não me tratou como
uma visita comum, também não vou ficar cheio de receio. Notei as olheiras e
o cansaço do homem, o dia deve ter sido difícil. Por isso começo a fritar
alguns ovos enquanto coloco para esquentar uma sopa que encontrei na
geladeira, também tinha bacon e café fresco. Meus dotes culinários estão
longe do ideal, mas dá para o gasto.
— O que está fazendo? — Me arrepiei todo com o som de sua voz rente
ao meu pescoço. O peão tinha chegado por trás, de fininho, enquanto eu
fritava o bacon. Seu torço estava nu e ainda tinham gotas de água
escorrendo.
— Você parece cansado.
— Tivemos que separar o gado e preparar alguns para o transporte. Vai
ter feira de gado em Cine City esse final de semana também.
Desligo o fogo antes de virar em sua direção. Hum, sua barba estava
grande, ele não cortou nos últimos dias. Sem falar nas olheiras profundas, o
homem estava se segurando em seus pés.
— Você também vai para Cine City?
— Reed e eu, na verdade.
Essa informação freou um pouco da minha animação. Além da minha
própria tentativa de compreender meus sentimentos e sexualidade, tinha
Robert avesso a que qualquer pessoa soubesse sobre nós, qualquer que seja a
coisa que está acontecendo entre nós dois. Ter Reed por perto impediria uma
potencial aproximação.
— A comida está cheirando bem. — Nesse momento seu estômago
roncou, e eu ri.
— Sente-se à mesa, vou colocar um prato para você.
Robert não relutou, o homem se sentou com um bocejo demorado. Eu
deixei de lado todos os pensamentos sobre Cine City e o servi com a sopa, os
ovos, bacon e café. Mesmo cansado, o peão devorou toda a comida em
poucos minutos.
— Por que não me espera no sofá, eu já estou indo.
Se ele percebeu que eu estava dando “ordens” em sua própria casa, não
disse nada. Pois levantou-se e saiu da cozinha. Rapidamente limpei a sujeira
deixada pela janta, guardei tudo em seu devido lugar e segui até a sala. O
peão me esperava sentado no sofá, os olhos mal estavam abertos.
— Tenho que viajar cedo amanhã.
— Hum — respondeu com um resmungo quando me sentei ao seu lado.
Então escorregou pela distância que nos separava e montou em meu colo. —
Você sentiu a minha falta, não é? Por isso está aqui.
Ele falava com a boca a centímetros da minha. Acenei que sim, receoso
de que essa confissão fosse irritá-lo ou afastá-lo. Coisa que não aconteceu,
Robert veio para um beijo profundo que eu não hesitei em corresponder,
estava com saudades da sua boca, do gosto único do homem. As mãos
calejadas massageando meu pescoço faziam uma corrente elétrica percorrer
todo o meu corpo e parar no pau duro escondido pela calça. Suspirei em seus
lábios. Queria mais, sempre queria mais de Robert, isso era assustador.
O peso de seu corpo ficou todo por cima de mim, o hálito quente indo
de encontro ao meu pescoço quando sua cabeça encontrou refúgio ali,
esperei por beijos, lambidas, sugadas, mas nada disso veio. Em seu lugar,
escutei um resmungo, seguido por um barulho característico de ronco.
Esperei alguns segundos antes de rir.
— Você estava cansado mesmo, hein, cowboy? — sussurrei,
acariciando os fios cacheados. Ele resmungou, mas estava longe de acordar.
A essa altura meu pau estava desperto dentro da calça, eu não poderia fazer
nada quanto a isso, o que tornava a situação ainda mais inusitada. — Por que
me esperou acordado se estava tão cansado?
Olhei para o teto, enquanto ele permanecia roncando em meu ombro.
Robert tinha pensado que só o procurei para me aliviar? Não duvido que
tenha pensado isso, afinal, nem mesmo tenho coragem de falar a respeito
disso com ele. Nunca fui um homem de casos e aventuras, sempre busquei
um tipo de estabilidade que Robert já disse com todas as letras que não pode
me dar, então por que insisto em procurar isso nele?
— Devo ir embora e não olhar mais para trás? — pergunto para o ser
adormecido.
O curioso em minha pergunta é que pensei nisso enquanto me esforçava
para carregá-lo até seu quarto. Não queria atrapalhar seu sono, nem ir
embora deixando-o dormir em um lugar desconfortável. Até mesmo quando
minha mente insistia em ser racional, meu corpo estava agindo segundo
outros princípios, cuidando, buscando mais do homem em meus braços.
— Você leva uma vida inteira para descobrir que também gosta de
homens, e acaba em uma situação como essa. Deve ser alguma reparação do
universo diante de todos os meus erros do passado — falo, ajeitando o corpo
adormecido em sua cama. O cubro com o lençol, acaricio seus cabelos e só
depois apago a luz e saio.
Queria ficar ao seu lado, mas havia tantos inconvenientes para isso.
Começando pelo fato de que não fui convidado e com certeza não seria bem-
vindo em sua cama.
— Descanse, cowboy. Amanhã é outro dia, e talvez eu descubra como
fazer o que você quer, me afastar e não voltar mais.
Dito isso, saí tendo o cuidado de fechar a porta e empurrar a chave por
debaixo dela. Olhei mais uma vez para a pequena casa silenciosa, antes de
entrar em meu carro e seguir para casa. Já era tarde e eu tinha que viajar
cedo no dia seguinte. Tendo a oportunidade de me encontrar com Robert em
Cine City, ou não, ainda precisava fazer aquela viagem.
A viagem de volta para Cross Ville foi tranquila, a única coisa que
tivemos que ficar atentos foi a Hope, ela ficou estressada por ser uma
viagem longa e por isso fizemos algumas paradas apenas para que a cadela
esticasse as patas, caminhando um pouco do lado de fora do carro. No resto
do caminho tudo foi muito tranquilo, quase não acreditei em como abri mão
do volante por todo o trajeto, adormecendo no banco do carona sem ao
menos perceber.
Homero não me acordou até que passamos dos limites de Cross Ville, a
paisagem ficando mais rural nos arredores da cidade e depois voltando para
a aparência urbana das ruas e prédios da pequena cidade. Nesse ponto eu já
estava bem desperto e fui conversando com o prefeito sobre a festa que
aconteceria em alguns dias. Era o aniversário de 112 anos da cidade, eu
estava animado e não consegui esconder isso. Minha animação arrancou um
sorriso de Homero que ele carregou pelo resto da viagem. Dessa vez não
fiquei em choque, estava nervoso ao notar o carinho do homem através
daquele gesto.
— Você pode assumir o volante agora, cowboy — sua frase me pegou
de surpresa, eu estava distraído e quase não notei o caminho que estávamos
percorrendo. Homero havia parado minha caminhonete na beira da estrada,
pelo menos um quilometro antes de chegar à fazenda Foster.
— Tudo bem... — Parei, vendo-o tirar o cinto e descer do carro, ele
bateu a porta bem no momento em que pulei para o banco do motorista e se
curvou em direção a minha janela.
— Obrigado pela carona.
— Eu... O que está fazendo?
O homem mais velho riu, me pegando de surpresa novamente quando
se curvou até alcançar meus lábios em um beijo rápido. Nem tive tempo de
corresponder antes que ele se afastasse, acenando com a mão.
— Vou ficar aqui, assim não corremos o risco de sermos vistos juntos
por alguém em minha fazenda.
Ele não me deixou responder, não esperou por uma resposta e saiu
andando. Eu queria ter tido a coragem de gritar, pedindo que esperasse, dizer
que o levaria até sua fazenda, e que parasse de besteira. Mas tudo que fiz foi
o observar até que ele desaparecesse de vista em uma curva na estrada
alguns metros à frente. E só lembrei que estava parado encarando o nada
quando Hope ganiu no banco de trás.
— Sim — disse, suspirando ao mesmo tempo em que a olhei pelo
espelho retrovisor. — Eu sei que sou um grande idiota. Não precisa me
lembrar disso com esses grandes olhos azuis.
Ela ganiu novamente, baixando a cabeça em cima das patas, os grandes
olhos azuis ainda me encarando cheios de julgamento.
— O que eu deveria fazer? Aquele homem é só problemas, nós não
somos namorados nem nada do tipo.
Resmungando, ligo o motor e saio dali. Minha cabeça já me julgava o
suficiente, não precisa, ainda por cima, do julgamento da minha cachorra.
— Que lindo! — Pobre Hope, nem teve chances. Bastou que eu a
tirasse do carro quando estacionei na frente da casa de Reed, para que Zac
corresse em nossa direção. — Ele morde?
— Sim, ela morde! Principalmente garotos magrelos e intrometidos.
Ele fez uma careta para mim e voltou a se aproximar de Hope. Ela
devia ser a garota mais boazinha do mundo, pois se animou toda ao receber
o carinho de Zac. Seu rabo abanando de um lado para o outro, mesmo que
Hope estivesse um pouco receosa. Não era para menos, depois de sofrer
tanta violência, minha garota tinha medo. Esse tipo de medo é como uma
cicatriz invisível, por mais que você não veja com os olhos, ela sempre
estará lá.
— Reed está em casa? — pergunto.
— Sim, ele estava verificando o Calamidade. Vão tirá-lo do
confinamento, ele está pronto para ser introduzido a outros animais.
— Hum, vou falar com ele. Vamos, Hope!
— O nome dela é Hope? Que linda! — Hope veio ao meu lado,
trotando quase colada à minha perna enquanto Zac vinha mais atrás,
tagarelando sem parar sobre Hope e como ele a queria. — Eu posso cuidar
dela melhor do que você, não é garota?
— Vai sonhando — debocho, vendo mais a frente Reed e alguns peões
da fazenda. Calamidade, o touro reprodutor, estava se adaptando bem a
fazenda. Era um belo animal, e em breve Miracle estaria cheia de belos
bezerros filhos dele.
— Rob, você chegou! — Reed me vê e vem em minha direção. Hope
ao meu lado não passa despercebida. — Foi por causa do cachorro que você
demorou?
Desviei meus olhos, eu estava mesmo sentindo meu rosto aquecido?...
Mas que porra.
— Ela estava sendo maltratada por seu antigo dono. Agora Hope é
minha, não é garota? — pergunto, me abaixando ao lado dela, para fugir do
olhar de Reed. Ele percebeu a mudança sutil do meu comportamento.
— Hum, então tá. Correu tudo bem com os últimos animais para serem
embarcados na feira?
— Sim, tudo perfeitamente bem! — Novamente, Reed me encara com
estranheza. Minha sorte é que nessa hora um dos peões perto de Calamidade,
chama o nosso patrão. Reed deixa o meu lado e vai ver o que o homem quer.
Eu respiro fundo e posso me colocar de pé de novo.
— O que aconteceu com você? — Zac ainda estava aqui? E por que o
pirralho me encara com esses olhos apertados?
— Quando eu descobrir... — Faço uma careta. — Não te conto nada,
seu fofoqueiro!
— Ei! — Recebo um tapa no ombro que dói menos do que a picada de
um inseto. — Eu só estava preocupado, mas nem ligo mais. Faça o que
quiser! Vem comigo, Hope? Eu te mostro a fazenda, você não pode ficar ao
lado desse chato o dia todo, vai acabar como ele.
— Vá cuidar do seu trabalho, moleque! — Dou um tapa em sua cabeça,
o chapéu ali quase caí no chão. Ele salta para longe, reclamando. — Vamos
garota, eu vou te mostrar a sua nova casa. Depois podemos ir juntos
trabalhar, tenho certeza de que você vai gostar da vida na fazenda.
Para a minha felicidade, Hope não parecia pensar que sou um chato, ela
me seguiu com animação, rabo balançando e tudo. Algo me diz que seremos
bons amigos.
Não tinha uma outra ocasião do ano em que mais pessoas se reunissem
no centro da cidade. Praticamente todos os moradores querem participar da
festa anual de aniversário de Cross Ville. Até mesmo visitantes são vistos,
principalmente famílias e jovens universitários. Afinal, em uma cidade
pequena qualquer festa se torna um vento, e um evento com esse tamanho só
tem um.
É claro que as barraquinhas vendendo os mais diversos produtos e o
parque de diversões que vem para a cidade chamam a atenção. Isso sem falar
no palco montado ao centro de tudo, onde cantores locais e algumas bandas
encontram espaço para se apresentarem.
— O que posso fazer primeiro? — pergunto para mim mesmo, como se
já não estivesse comendo um cachorro quente, logo depois de tomar um
sorvete. — Acho que vou dar uma olhada nos brinquedos do parque. Sempre
tem alguém vomitando e passando vergonha.
Caminho por entre as pessoas e logo escuto uma série de gritos
apavorados/animados, era um daqueles brinquedos que te viram de todos os
lados possíveis na tentativa de fazer você vomitar as tripas. Ele para de girar
no momento em que me aproximo e quando os funcionários do parque
liberam as pessoas dentro do brinquedo, uma das primeiras que vejo sair de
lá, todo cambaleante e vomitando, é Zac. O garoto ergue os olhos a tempo de
me ver.
— Rob, me ajuda.
Viro de costas rapidamente e saio de perto. É melhor fingir que nem
conheço. Ele que vá vomitar em seus amigos. Andando mais um pouco vejo
outros conhecidos, alguns peões da fazenda e suas famílias. Dexter e Juno
que estavam na barraca de tiro ao alvo, com o policial tentando impressionar
sua namorada. Também vi meu patrão e o seu xerife em uma barraca de
comida, e Nana andando com um grupinho de amigos, a garota me viu e
acenou com uma expressão sorridente. Eu acenei de volta, feliz por vê-la se
recuperando tão bem, quem diria que justamente eu ganharia seu carinho?
Por falar na garota Foster, será que a pessoa que eu mais quero ver esta
noite já chegou? É claro que sim, ele é o prefeito da cidade!
Paro de repente quando tenho meu ombro atingido com força, na
mesma hora me preparo para a luta. É instinto natural, sempre tem um
engraçadinho querendo briga nessas festas. Contudo, basta poucos segundos
e um olhar mais atento para perceber que esse não é o caso. Tenho que ser
rápido para segurar o corpo grande e impedi-lo de cair no chão.
— Você está bem? — pergunto, olhando para aqueles olhos azuis que
me lembram tanto os de Homero.
— Sim, só fiquei tonto de repente. Desculpe. — Ricco recuperou o
equilíbrio, mas não soltei o seu ombro, o homem estava pálido como se
pudesse desmaiar a qualquer momento.
— Tem muita gente em volta, quer que eu te leve para um lugar mais
calmo?
Ele me olha com uma leve estranheza, como se não entendesse meu
interesse em ajudá-lo. Não é como se eu fosse um monstro, o homem está
passando mal. Além disso, ele é o irmão do meu patrão e filho do Homero.
Eu o ajudaria sem pestanejar.
— Obrigado, mas eu estou bem. Deve ter sido apenas uma queda de
pressão. Como você disse, tem muita gente em volta.
Não sabia se acreditava nele, Ricco estava recuperando a cor em seu
rosto, no entanto, ainda demonstrava certa palidez. Ele quase desmaiou há
pouco. Contudo, antes que eu pudesse insistir, uma voz chega até nós e logo
a reconheço como uma das professoras da cidade, Joana é seu nome, ela
também é namorada de Ricco.
— Amor, você está bem? — Ricco desvia da minha mão que ainda
estava em seu ombro e sorri para a namorada.
— Sim, só estava conversando com... — Ele me olha. — Rob.
Joana parece estranhar esse fato, ela deve saber que Ricco não é
exatamente amigo de qualquer pessoa relacionada a fazenda Miracle. Ainda
assim, a mulher sorri para mim, me cumprimentando antes que seu
namorado a conduza em direção a algumas barracas de comida. Deixo que
os dois se divirtam, Joana pode muito bem cuidar de Ricco caso algo
aconteça. Com isso resolvido volto a aproveitar a festa, ainda tem muita
coisa que eu quero comer até o final da noite.
Cerca de meia hora depois, quando eu estava parado em uma barraca de
tiro ao alvo, testando minha pontaria, a voz que eu tanto queria ouvir se fez
presente, arrepiando cada pelo do meu corpo.
— Finalmente te encontrei, cowboy!
Viro em sua direção, quase engolindo a língua diante da figura
imponente. O homem estava lindo, sem falar no cheiro gostoso do perfume.
Alguém caprichou para esta noite. Sorte a minha.
— Estava me procurando? — pergunto, fingindo naturalidade ao voltar
minha atenção para a barraca de tiro ao alvo. Homero se apoia na lateral da
barraca, ao meu lado, e responde:
— Claro, eu senti a sua falta.
Disparo meu último tiro, e obviamente erro o alvo. Como acertaria
depois de uma declaração dessas? Ele quer me desconcentrar, mexer
comigo. Agora ele sabe que não sou indiferente e quer me provocar, tenho
certeza disso. Então por que esses olhos tão inocentes e cheios de confiança?
Um homem dessa idade não poderia me olhar assim!
— Você não deveria estar se preparando para o seu discurso, prefeito?
— zombo, ele sorri e começa a caminhar ao meu lado. Acho que quero um
outro sorvete.
— Tenho tempo, queria ficar um pouco com você.
Suas declarações sempre tão espontâneas me enchem de vergonha. Não
estou acostumado a expressar meus sentimentos dessa forma. Assim como
não tenho o costume de ter alguém mostrando tantos sentimentos para mim.
“Ah, prefeito, sou realmente eu quem está tentando você?”
Paramos no primeiro carinho de sorvete que encontramos, Homero se
junta a mim para fazer um pedido e depois insiste em pagar pelos dois
sorvetes. Eu deixo para não criar caso, mas quando nos afastamos do
vendedor de sorvete, eu tenho que provocá-lo.
— Sei que você está enferrujado para essas coisas, mas eu não sou sua
namoradinha para quem você tem que pagar um sorvete na festa da cidade.
— Ele tem um olhar brincalhão e ao mesmo tempo sério quando responde:
— Sei muito bem que você não é minha namoradinha, é o meu cowboy.
— Uma piscada de olho depois, e ele completa. — Apenas aceite, continue
sendo o cowboy e não o cavalo. Eu sou um cavalheiro e vou pagar sempre
que achar que devo.
Meu corpo estremece com o riso, chego a sujar meu queixo com o
sorvete e pelo olhar em seus olhos, ele queria limpar o sorvete em meu rosto
com sua língua. Eu estaria de acordo com isso se não estivéssemos em um
lugar público, cercados de pessoas.
Abro a boca para falar sobre isso, brincar mais um pouco com ele,
contudo, nessa hora sinto um arrepio em meu pescoço. Parece que todos os
pelos do meu corpo se erguem de uma única vez. Giro de um lado para o
outro tentando ver se tem alguém nos observando. Apesar do “mar de gente”
a nossa volta, todos parecem ocupados com suas próprias vidas, ninguém
nos encara diretamente.
— Algo errado? — Homero pergunta, colocando uma mão em meu
ombro. Dou mais uma olhada em volta, as sobrancelhas franzidas.
— Pensei ter sentido algo estranho. Um arrepio pela nuca, mas não vejo
ninguém estranho. Deve ser algum engraçadinho querendo briga. Sempre
tem desses nas festas.
Sua carranca se aprofunda, dessa vez mostrando também preocupação.
— Devemos avisar a polícia? O xerife está por perto? — O impeço
quando ele tenta procurá-lo.
— Calma, eu já estou acostumado. Sei lidar muito bem com essas
coisas...
— Não deveria, pode ser perigoso. E se em uma dessas alguém acaba te
ferindo gravemente? — Sua preocupação me confunde por um momento,
antes de acertar em cheio um ponto especifico em meu peito. O calor que
sinto no local começa a se tornar familiar.
— Devo ter imaginado coisas — tento reverter a situação, Homero
estava determinado a levar isso adiante quando eu estou acostumado com
esse tipo de coisa e sei lidar muito bem com elas. — Não se preocupe, caso
eu perceba alguma coisa depois, prometo que falo com o xerife.
Sabia que ele queria insistir, que não acreditava em mim. No entanto,
fui salvo por um rapaz, que eu sabia ser o assistente do prefeito. Ele veio
apressado em nossa direção. Acho que seu nome é Noah, ele estava à
procura de Homero, e tinha uma expressão irritado quando o encontrou.
Não foi o velho coiote quem disse que tinha um tempo livre? Eu queria
rir de sua cara por estar sendo repreendido por um rapaz que tinha idade para
ser seu filho.
— Estou te procurando por quase uma hora, onde o senhor estava?
Quer saber? Esqueça! — O homem baixinho começou a empurrar Homero
pelos ombros. — Vamos, o senhor precisa fazer um discurso no palco central
antes que as bandas comecem a se apresentar.
Homero me encarou como se eu pudesse salvá-lo disso. Ignorei
totalmente seu olhar suplicante e apenas segui os dois homens até parar
próximo ao palco. O prefeito e seu assistente subiram no local onde outras
pessoas os esperavam. Tinha um microfone que foi entregue ao prefeito e ele
conversou rapidamente com seu assistente antes de vir para a frente,
chamando toda a atenção do público. Vendo-o assim de perto em um
momento atuante como prefeito de Cross Ville, quase posso sentir que ele
nasceu para isso. O homem domina a plateia, consegue que fiquem em
silêncio e sorri todo conquistador enquanto fala.
— Sejam todos bem-vindos, hoje comemoramos os 112 anos da nossa
amada Cross Ville...
Se prestei atenção no discurso do homem, não saberia repetir uma só
palavra que foi dita, mas também não desviei os olhos. Percebi cada mover
de lábios, cada ruga e repuxar nas bochechas causados pelo sorriso
persistente. Ele estava orgulhoso do seu trabalho, e eu estava orgulhoso dele.
Esse sentimento também era novo e estranhamente satisfatório. Eu realmente
me importava com a felicidade de outro ser humano que não fosse eu.
— E para encerrar esse primeiro momento da nossa festa. — A certa
altura, Noah, o assistente, tomou posse do microfone. Nesse momento o
prefeito tinha encerrado seu discurso e recebido uma salva de palmas. Eu
ainda batia palmas quando Noah começou a falar. — Nosso prefeito tem
uma surpresa para vocês!
Isso ele não tinha me dito, e pela expressão em seu rosto, nem Homero
estava de acordo com a ideia de Noah. O prefeito tentou deixar o palco e foi
impedido pelo rapaz que trazia um violão consigo. Meu interesse foi
totalmente desperto a esse ponto, cheguei a dar alguns passos me
aproximando ainda mais do palco. Homero disse algo para Noah,
provavelmente tentando o dissuadir da ideia em sua mente, o rapaz o
ignorou e voltou a falar no microfone.
— Quem aí sabia que nosso excelentíssimo prefeito também tem outros
talentos? — Ouvi alguns gritos e assovios de incentivo. Ri, mas não desviei
os olhos de Homero. Um banco tinha sido trazido para ele, que se sentou
com o violão em mãos. — Sim! Ele é um ótimo músico, então aplaudam,
pessoal. Não é todos os dias que temos um show desses.
Homero estava rindo e negando com a cabeça no momento em que um
microfone foi colocado em sua frente, ainda assim, ele respirou fundo e
encarou a plateia diante dele. Posso dizer que soube o exato momento em
que nossos olhos se encontraram, foi quando o primeiro acorde do violão se
espalhou através das caixas de som. Com seu chapéu branco de cowboy,
aquela imensidão azul que carregava nos olhos e uma voz rouca, Homero
Foster começou a cantar.
E por mais que ele tentasse desviar os olhos dos meus, eles sempre
voltavam, principalmente quando chegava em um certo trecho de I Swear,
do John Michael:
E eu juro pela Lua e pelas estrelas no céu
Eu estarei lá
Eu juro, como a sombra que está ao seu lado
Eu estarei lá
Ainda não acredito que Noah me fez fazer aquilo. Gosto de tocar
violão em casa, com a família, sou tão desafinado cantando. Como ele pode
preparar tudo aquilo pelas minhas costas? Eu não conseguia desviar os olhos
de Robert, ele sabia que eu estava cantando para ele. Será que meu cowboy
se irritou com a minha pretensão de falar de amor? Espero que não, pois está
sendo muito difícil guardar para mim o que venho sentindo. Aquele cowboy
não roubou apenas os meus pensamentos e o ar do meu corpo, ele vem
roubando espaço em meu coração.
— Se divirta também, Noah. A vida não é só trabalho — falo para o
homem que desceu do palco ao meu lado. Ele estava frenético a noite toda,
organizando cada pequeno detalhe da festa. Tinha sido difícil escapar dele
mais cedo para poder encontrar Robert.
— Ainda tem muito a se fazer...
O interrompo, segurando seus ombros e fazendo-o olhar para o palco
onde a primeira banda da noite começava a sua apresentação. Todos os
contratados para a noite eram músicos talentosos que viviam pela região, em
Cross Ville e cidades vizinhas. Nossa intenção era aproveitar as festividades
para incentivar o trabalho deles.
— Olhe para isso, está tudo correndo bem. Todos se divertindo, tire
esse peso dos seus ombros e vá se divertir com seus amigos. Você ainda é
muito jovem para ter tantas preocupações.
Ele relutou por alguns segundos, olhando entre o palco e a multidão.
— Vá, é uma ordem. Eu também vou me divertir um pouco. Estamos
em festa, aproveite isso.
Noah suspira, depois sorri e assente.
— Obrigado, prefeito. — Deixo que ele siga seu caminho em busca dos
amigos e faço meu próprio caminho por entre as pessoas, muitas insistindo
em me parar para falar da festa ou me parabenizar pela apresentação de
poucos minutos atrás. Dei atenção a todos, mas tentei ser o mais rápido
possível em me afastar. Tinha outras prioridades, queria estar a sós com
alguém.
A rua não estava tranquila e deserta como de costume, apesar de ser
noite. Na rua lateral a praça, onde Robert disse que seu carro estava, haviam
vários outros veículos estacionados e pessoas circulando de um lado para o
outro. Várias me reconheceram e acenaram, sorri e acenei para cada uma
delas. Quando avistei o carro de Robert fui até ele e o cowboy já esperava
por mim. Eu estava louco para beijá-lo, tinha desejado isso desde que o
encontrei no início da noite, mas estávamos em um lugar público onde
qualquer pessoa poderia nos ver.
— Aquela música foi para mim? — Robert me recebeu com essa
pergunta quando entrei em seu carro, tentei observar seu rosto em busca de
reações. Como ele se sentia a respeito?
— Por que pensa assim?
Um sorriso desponta nos lábios que tanto quero beijar.
— Então é verdade que você tem uma “senhora” para quem queria
dedicar a música? — Reviro os olhos. Que pretencioso.
— Eu poderia não estar dedicando música a alguém.
— Que pena. — Suspirou com uma tristeza que eu poderia dizer, era
falsa. Essa certeza só me fez constatar o quanto já conheço desse homem em
tão pouco tempo. — Devo ter me enganado com você cravando seus olhos
em mim a cada trecho daquela música. Sinto-me decepcionado agora. O
tempo todo só conseguia pensar no quanto queria beijar você em cima
daquele maldito palco.
Engulo em seco, olho em volta e decepcionado percebo que tem mais
gente na rua. Seu riso vem mais forte do banco do passageiro.
— Ainda tem compromissos por hoje, senhor prefeito? Ou pode sair
com o seu cowboy?
Minhas mãos formigam, queria agarrá-lo. Em breve.
— Apenas dirija, e pare de fazer perguntas tolas — respondo. Ele me
dá uma piscada de olhos cheia de promessas, que eu espero que sejam
cumpridas, em seguida liga o carro e saímos dali.
Ninguém parece estar atento a nós, talvez algumas pessoas nos vissem
saindo juntos. É possível que mais boatos se espalhassem já no dia seguinte.
Mas eu não poderia ligar menos, se Robert quisesse, eu teria coragem de
segurar sua mão em público, por mais que isso fosse me encher de pânico no
segundo seguinte. É assim que me sinto por esse homem, eu teria mais medo
de perdê-lo do que de mostrar para o mundo o quanto ele me conquistou.
O peão tinha uma mão em minha coxa durante todo o percurso, ela
apertava a carne com força, quase desmentindo a tranquilidade e seriedade
em seu rosto, concentrado na estrada. Ele estava me provocando sem o uso
de uma única palavra, eu sabia disso.
O carro parou em frente à sua casa, coisa que ele não costumava fazer,
pois sempre deixava o veículo em frente à casa de Reed, só mudando sua
rota por minha causa. Os faróis foram desligados e ficamos em completo
escuro, as luzes da varanda estavam desligadas, apenas uma luz podia ser
vista do lado de dentro, já que Hope estava em casa sozinha, mas essa luz
não chegava até o carro.
Eu mal podia ver a figura de Robert ao meu lado, mas isso não me
impediu de agir, tomando a iniciativa de também levar uma mão até sua
coxa. Não parando aí, tateei pelo tecido da calça até alcançar a braguilha e
baixar o zíper. O cowboy não mostrou resistência, sem o uso de palavras e
no escuro, conseguimos nos comunicar muito bem através do toque.
— Erga um pouco os quadris — eu disse, e ele o fez. Consegui baixar
minimamente sua calça e liberar a bela ereção que crescia em contato com a
minha mão. Robert ajustou o banco do motorista, empurrando para trás e
liberando mais espaço para nós dois. Em seguida sua mão veio até meus
cabelos e me conduziram até seu pau.
Sorri, sentindo minha boca cheia de água. De fato, estávamos nos
comunicando muito bem, ele já sabia o que eu queria fazer. Minha barba
roçou primeiramente na carne sensível de seu mastro, ele gemeu de forma
gostosa com seu quadril se movendo para cima, querendo minha boca
também. Passei a língua algumas vezes, testando o terreno, provocando,
sentindo seu gosto, maciez e calor.
— Você tem que escolher — sussurrei rente as suas bolas, ele tremeu.
— Escolher o quê? — Sorri, roçando mais uma vez minha barba na
pele sensível.
— Se vai querer minha boca ou a minha bunda.
Ele riu, o som rouco no espaço apertado do carro. Ao mesmo tempo o
aperto em meus cabelos se intensificou ao ponto que resmunguei de dor.
— Você já deveria saber, prefeito, sou um homem egoísta! De você, eu
quero tudo, e sei que vai me dar.
Maldito convencido!
Mas ele tinha razão, eu abri a boca e recebi seu pau no momento em
que ele assim o quis. Levando-o o mais profundamente que consegui,
deslizando a língua a cada oportunidade. Fazia com ele da forma como ele
fazia em mim, aquilo me deixava louco e pela forma como seu gemidos
ficavam mais altos, Robert também amava. Eu queria ver seu rosto
recebendo prazer, ele era uma tentação tão perigosa.
Meu cowboy.
— Ah! Você ficou tão bom nisso, coiote. Consegue imaginar o que
ainda posso te ensinar?
Impertinente! Como se eu precisasse que ele me ensinasse algo. O
suguei com mais força e apertei suas bolas no processo, rolando-as em
minhas mãos e arrancando o resto de sua sanidade. O que ele poderia me
ensinar nesse momento? Como gozar preenchendo a boca do seu homem de
porra? Acho que isso fui eu quem acabou de dar a ele.
Sua respiração descompassada preencheu todo o espaço do carro, eu
podia sentir o coração batendo acelerado quando levei uma mão até seu
peito, me apoiando nele para alcançar seus lábios e fazer aquilo que eu tanto
tinha desejado por toda a noite. Beijá-lo.
Robert me puxou para si, suas mãos acariciando as minhas costas, sua
boca devorando a minha com uma lentidão louca, como se estivesse fazendo
amor com ela. Eu também não me apressei e aproveitei os minutos que se
seguiram enquanto nos beijávamos sem qualquer preocupação dentro do seu
carro.
Poderíamos ter feito aquilo por horas senão tivéssemos sido
interrompidos por um barulho de algo caindo dentro da casa. Robert afastou
seus lábios com muito custo e olhou em direção a porta da frente.
— Hope deve ter notado a nossa presença — comenta. — Quando
passarmos por aquela porta eu terei que lutar com ela por sua atenção.
Ri, abrindo a porta do passageiro e saindo do carro, Robert veio logo
atrás depois de colocar suas roupas no lugar. Eu tinha me apegado a Hope,
ela era uma garota doce e combinava muito com o peão. Mesmo que ele não
seja alguém doce. A companhia dela lhe fazia bem, trazia um sorriso bonito
para o rosto dele. Eu gostava da cadela ainda mais por causa disso, ela
cuidava do meu peão quando eu não estava por perto.
— Espere!
— Hum? — Dou um passo para trás diante do comando de Robert. —
O que houve?
Ele me empurra para trás de seu corpo, seu braço me impedindo de
avançar. Só então noto do que se trata e os pelos do meu corpo se arrepiam
todos de uma vez. O peão empurra a porta da frente e ela simplesmente abre
sem qualquer resistência.
— Devo entender que você não a deixou destrancada? — Ele nega e
avança para dentro. Vou logo atrás, procurando o interruptor na parede,
quando as luzes se ascendem olhamos em volta, mas as coisas parecem na
mais perfeita ordem.
— Fique aqui! — diz, apontando para mim e caminhado em direção ao
pequeno corredor do quarto. Reviro os olhos, não sou um garotinho
indefeso. Quando ele entra em seu quarto eu escuto um barulho vindo da
cozinha e caminho até ela, também ascendendo as luzes.
Nessa hora noto duas coisas, a primeira delas era a porta de trás
escancarada como se alguém tivesse passado de forma apressada, era a única
coisa fora de ordem no cômodo, assim como tinha sido na sala. O outro
detalhe que notei foi o arrastar em uma das cadeiras da mesa, o que estava
causando o barulho que chamou a minha atenção. Levantei a toalha
lentamente e respirei aliviado ao encontrar Hope toda encolhida e tremendo.
— Ei garota, você está bem? — Ao ouvir minha voz, Hope se arrastou
de debaixo da mesa, soltando sons de lamentos chorosos. — Alguém te
assustou, não foi?
Passei a mão por seu corpo trêmulo, por sorte ela parecia bem e sem
ferimentos, estava apenas assustada.
— Homero?
— Aqui, encontrei a Hope, ela está bem.
Robert entrou na cozinha e a primeira coisa que notei foi uma arma em
sua mão.
— Acho que não tem nada faltando ou fora do lugar, apenas a porta da
frente estava destrancada.
— E a porta da cozinha — aponto para a porta aberta e o cowboy passa
por Hope e eu, saindo para a varanda de trás. Me levanto e o sigo. O que ele
estava fazendo? E se o invasor estivesse o esperando do lado de fora? — É
melhor ligar para o xerife Tristan.
— Não, deve ter sido uma brincadeira.
O cowboy havia desconsiderado a minha preocupação quando
estávamos na festa da cidade e ele sentiu que alguém o observava. Daquela
vez eu deixei passar, mas não farei isso dessa vez. Que brincadeira? Quem
brinca com você arrombando a porta da sua casa, não roubando nada, e
assustando sua cachorra?
— Isso obviamente não é uma brincadeira.
— Mas não roubaram nada. — Era visível em sua expressão o quanto
ele estava perturbado com a situação. Contudo, era orgulhoso demais para
pedir ajuda. Por isso me vi tirando o celular do bolso e procurando o número
do xerife.
— Isso só prova que não foi um roubo, o que me deixa ainda mais
preocupado. Você fez muitos inimigos ao longo dos anos, Robert. Não tome
isso de ânimo leve. Pode ter sido uma emboscada, alguém que estava
esperando você voltar para casa, só não contava que você estaria
acompanhado.
— Xerife Hunter.
Paro ao escutar a voz de Tristan ao telefone, mesmo em um dia de festa
ele atendeu no segundo toque. A essa altura Robert tinha voltado para dentro
e me encara com irritação.
— Desligue — sibilou mais baixo do que um sussurro. O ignorei.
— Xerife, aqui é o prefeito Homero. Eu preciso que você venha até a
casa do Robert Durango, teve uma invasão, ainda não sabemos o que
aconteceu ao certo, se foi um roubo mal sucedido ou outra coisa.
— Estou a caminho! — Podia ouvir vozes do outro lado da linha, o
xerife ainda estava na festa.
— Posso contar com sua descrição, e por favor, não fale ao meu filho
Reed o que aconteceu por hora. Sei que Robert vai querer falar com ele
depois.
A essa altura o peão tinha atirado seu chapéu em cima da mesa e
passava as mãos pelos cabelos de forma desenfreada. Ele estava nervoso e
irritado, nesse ponto eu também estava. Quanto ao xerife, ele levou um bom
minuto antes de responder:
— Certo, farei o que está pedindo, mas adianto logo que nada passa
despercebido pelo meu namorado.
Eu não tinha dúvidas disso, ainda mais quando algo assim aconteceu
perto de sua fazenda e com alguém que ele estima muito. Por hora, se ele
não aparecer aqui e começar a fazer descobertas sobre Robert e eu, já vai
estar de bom tamanho.
Esperamos cerca de trinta minutos até que o barulho de pneus foi
ouvido na frente da casa. Nesse momento, o peão tinha se acalmado e
guardado sua arma de volta no cofre, e estava sentado no sofá com Hope
fazendo companhia. Eu bem sabia que os dois fariam bem um outro. Quando
ouviu o barulho de um carro chegando, ele se levantou do sofá e caminhou
até a janela onde eu estava.
— É o xerife?
— Sim — respondi, vendo o carro do xerife parando e dele saiu três
pessoas. Tristan, um policial que se não me engano se chama Dexter e um
outro que faz parte da perícia, Olavo.
— Rob? Perfeito Homero?
Robert foi o primeiro a caminhar até a porta, abrindo-a sem grande
cerimonia. Eu passei por Hope no sofá e fiz um carinho em sua cabeça, ela
estava assustada de novo com as vozes estranhas.
— Está tudo bem, garota. Dessa vez são amigos.
Cheguei na varanda da frente quando meu cowboy contava sobre
encontrar sua casa aberta, e Hope assustada e escondida.
— Tem certeza de que nada foi levado? — perguntou Tristan, me
olhando de relance. Ele tentava ser profissional, mas eu sabia que sua cabeça
estava cheia de perguntas, começando com o porquê de eu estar ali, sozinho
com Robert.
— Tenho, já verifiquei tudo, nem mesmo mexeram no pequeno cofre
que mantenho no quarto.
— Você recebeu alguma ameaça recentemente?
Olavo, o perito, pediu licença e entrou na casa em busca de digitais,
enquanto o xerife continuou interrogando Robert na varanda da frente. Nesse
momento eu podia ver os olhos do policial Dexter desviando do cowboy
para mim, confusão pintando suas feições. Eu imaginava o que ele poderia
estar pensando.
— Ninguém que consiga lembrar, você bem sabe que não sou um
exemplo de cidadão nessa cidade. Por mim nem te incomodaria com isso,
poderia resolver muito bem caso algum engraçadinho resolvesse se vingar.
Homero que insistiu em te chamar.
— Claro! Você mesmo disse mais cedo na festa que sentiu alguém te
observando, agora isso. — Robert vira sua atenção para mim.
— Eu tinha uma arma.
Reviro os olhos.
— Guardada no cofre, se você tivesse chegado sozinho poderia estar
morto antes de ter a chance de chegar até sua arma.
Ele levanta as mãos para os céus, resmunga algo que eu não posso
entender, deve estar me xingando. Tenho vontade de acertar sua nuca, oh
homem teimoso, ele se acha a prova de balas por acaso? Vou cuidar dele
sim, querendo ou não, porra.
— Eu sempre resolvi minhas coisas sozinho, coiote!
Respiro fundo, nossos ânimos estão exaltados e ele nunca vai dar o
braço a torcer.
— Você não está mais sozinho.
A pose dura se desfaz, ele me olha com mais suavidade e respira fundo
antes de assentir. Queria puxá-lo em meus braços e quase fiz isso, contudo,
fui impedido pelo som de alguém limpando a garganta. Voltei meu olhar
para o xerife e ele tinha uma expressão indecifrável.
— Dexter, dê uma olhada em volta da casa. Verifique se está tudo em
ordem.
— Sim, xerife. — O policial se apressou em nos deixar a sós, isso era o
que Tristan queria, pois, sua expressão se tornou bem mais séria quando
ficamos apenas os três.
— Foi por isso que me pediu para não dizer nada a Reed? — Eu podia
ver acusações em seus olhos. Robert também viu e não gostou disso. Ele
ignorou todo o bom senso e deu um passo à frente. Eu tive que ser rápido e
segurar seu ombro.
— Se está pensando em qualquer tipo de traição ao meu patrão, pode
parar aí mesmo! O que está acontecendo entre Homero e eu diz respeito
apenas a nós. Não é um jogo, não é um acordo e não é uma conspiração
contra Reed e a fazenda Miracle.
Tristan nos encarou por um bom momento, eu ergui meus ombros e
fiquei ao lado de Robert, dando segurança as suas palavras. O xerife pareceu
convencido disso e respirou fundo, negando com a cabeça.
— Não vou dizer aos dois o que fazer, nem estou em posição de fazer
isso. Só vou lembrá-los de quem é meu namorado. Seu filho. — Apontou
para mim. — E seu patrão. — Apontou para Robert. — É uma pessoa que
leva muito tempo para confiar em alguém. E mesmo essa confiança é frágil o
suficiente para precisar ser fortalecida dia após dia. Tomem seu tempo,
decidam o que estão vivendo, mas se possuem algum respeito e apreço por
Reed Foster, não deixem que ele descubra por terceiros o que está
acontecendo.
Por mais que não quisesse assumir, Tristan estava certo. Existe uma
parte da nossa vida que é só nossa. Decisões que devem ser tomadas no
nosso tempo e da forma que desejarmos, é assim que quero viver minha
relação com Robert. Dando um passo em frente sempre que nós dois
quisermos. No entanto, existem pessoas ao nosso redor que não podem ficar
no escuro para sempre, pois elas são importantes, e eu confio que até mesmo
Reed quer o nosso bem. Ser mais ninguém a nos apoiar, ele vai, sinto em
meu coração.
— Quando esse dia chegar, eu mesmo falarei com ele — as palavras de
Robert me surpreendem pela intensidade contida nelas. Pela primeira vez o
meu cowboy estava dizendo a alguém que somos uma realidade forte o
suficiente para ele planejar um “depois” onde contará tudo a Reed.
Tristan sorri mais relaxado.
— Por essa noite vocês ficarão bem, mas se prepare para perguntas
amanhã, Rob. Seu patrão ficará irritado por não ter sido comunicado sobre a
invasão.
— Vou lidar com isso.
Tristan assente, então olha de um para o outro.
— Não vou mentir para ele, mas enquanto Reed não me perguntar nada
diretamente, eu também não falarei sobre o que vi e ouvi esta noite.
O xerife era um homem de palavra, eu sabia que poderia confiar nele.
Sendo assim, nenhuma palavra a mais foi dita sobre o assunto. Entramos
todos na casa e Robert disse o que pode sobre suas últimas desavenças, que
eram muitas, para o meu desgosto. O perito encontrou algumas digitais, no
entanto, não foram de grande ajuda já que pertenciam a Robert e eu. Policial
Dexter também não encontrou muita coisa nos arredores da casa, a pista
mais promissora parecia ser uma marca de pneu de carro na estrada que traz
a propriedade.
Tristan ficou de investigar isso, coisa que todos sabíamos que
dificilmente daria em algum lugar. Infelizmente, a melhor chance de chegar
a um culpado seria se ele tentasse mais alguma coisa. O que eu não gostava
nem de pensar.
Depois que os homens foram embora, eu fiquei na casa me recusando a
partir tão cedo. Temia pela segurança do cowboy, caso ele ficasse sozinho.
Robert insistia em dizer que o responsável pela invasão estava longe e que
ele tinha uma arma e um cão de guarda.
Apenas revirei os olhos para isso, amava Hope, mas ela ainda tremia
encolhida no sofá.
— Se acostume, peão. Eu vou ficar ainda mais atento a você.
Ele teve a coragem de rir, mesmo em meio a situação tensa.
— Isso é mais uma desculpa para não sair de perto de mim?
O segurei pelos ombros e juntei nossos corpos. Depois do susto que
passamos, meu coração ainda não havia se acalmado no peito. Se eu tinha
alguma dúvida de que estou apaixonado por esse maldito cowboy dos
infernos, agora não tenho mais.
— Entenda como quiser!
Apertei seu corpo junto ao meu, pouco me importando se isso inflava
seu grande ego. Eu estava laçando aquele cowboy. Era um laço apertado e
que eu jamais pretendia afrouxar. Demoro para amar alguém, mas quando
amo é para a vida toda.
CAPITULO 23
Depois de contar para Joana sobre a minha relação com Robert, tinha
sido a vez de Nana ficar sabendo. Ela já havia me perguntado uma vez e eu
fiquei em silêncio, uma sensação amarga na boca. Mas na segunda vez eu
pude dizer com todas as letras: sim, eu tenho uma relação romântica com
Robert Durango.
Foi libertador, assustador, eletrizante, feliz. Tudo isso ao mesmo tempo,
então não podem me julgar por ter derramado algumas lágrimas quando
minha menina me abraçou, dizendo:
— Eu te amo, vovô. — Foi tudo que ela disse, talvez na falta de outras
palavras. Mas tinha sido o suficiente. O que mais eu precisaria ouvir da boca
de uma das pessoas que mais amo, que não seja um “eu te amo”?
Ela me ouviu, entendeu e aceitou. Depois de Nana só haviam outras
duas pessoas de quem eu queria ouvir tal aceitação, meus filhos. Os demais,
poderiam me aceitar ou não. Os olhares atravessados que eu recebia na
cidade pouco me importavam. Eu queria ouvir as pessoas que amo e que são
importantes para mim, o resto pode ser muito bem superado desde que eu
tenha Robert comigo.
— Você acha que eu devo ir falar com Reed? Como ele está? Tem dito
alguma coisa para você? — encho Robert de perguntas enquanto ele dirige
para a cidade. — Ele já deve saber dos boatos envolvendo nós dois. Todo
mundo na cidade sabe a essa altura.
O peão coloca uma mão em minha perna, apertando o local como
costuma fazer quando viajamos de carro juntos. Essa mania tem poderes
distintos desde me acalmar, como acontece no momento, até me deixar louco
por ele.
— Ele sabe de alguma coisa, isso é certo. Mas acredito que espera ouvir
de mim ou de você para ter certeza. Ele não gosta de fofocas e não dá muita
atenção a elas.
Respiro fundo. Ricco ainda não veio falar comigo, apesar de que seus
olhares para mim são inegáveis. Aqueles dois irmãos orgulhosos, como pude
criar dois filhos assim?
— Na verdade, estou pensando em falar com ele. Deixar as coisas
claras. — Sua declaração me surpreende.
— Pretende mesmo fazer isso? — Até pouco tempo o cowboy tinha
verdadeiro pavor de que alguém ficasse sabendo sobre nós. Isso só me leva a
acreditar ainda mais nas palavras ditas por ele na prefeitura outro dia.
— Posso esperar até que você fale, afinal, é seu filho e entendo que
queria ter essa conversa com ele. Mas sim, eu quero conversar com Reed,
devo muito aquele homem e quero que ele saiba o quanto o respeito e que
minha relação com você é baseada no que sentimos um pelo outro e não em
qualquer trama para tentar prejudicá-lo.
Penso um pouco no assunto, bem a tempo de Robert estacionar seu
carro em uma rua próxima ao poço. Pela quantidade de carros parados nos
arredores do bar, o lugar estava lotado. Nós estávamos mesmo fazendo isso?
— Você tem razão, falarei com Reed em breve e depois você pode falar
o que seu coração pede. Jamais quero ter que ficar entre os dois. Sei que meu
filho o estima tanto quanto você o estima.
— Não tenho certeza disso — fala, rindo.
— Eu tenho! — respondo, saindo do carro.
Do lado de fora do veículo estava fazendo uma noite fria que arrepiou
os pelos do meu braço, uma vez que eu vestia uma camisa de mangas longas
que estavam dobradas na altura dos cotovelos. Queria estar bonito nessa
ocasião, fazer com que Robert se sentisse orgulhoso por estar ao meu lado,
da mesma forma como estou por ter um homem tão bonito caminhando junto
a mim.
— Por que está sorrindo tanto? — provoca. — Lembre-se que vamos
ao bar, mas você é um homem comprometido, senhor prefeito. Por isso, nada
de parecer tão bonito e sorridente.
Solto um riso mais alto.
— Convencido, eu estou muito bem, obrigado. Agora vamos.
— Apressado? Você sabe que no momento em que entrarmos naquele
bar, todas as fofocas e boatos sobre nós vão ser confirmados. Não tem medo
de que ninguém mais vá votar em você na próxima eleição?
Ele parecia tão preocupado, mesmo que tivesse sido ele a me convidar
para sair esta noite. Será algum tipo de teste? Robert teme que eu não esteja
pronto para dizer ao mundo o que sinto por ele?
— Se chegar o dia da reeleição e eu perder unicamente porque as
pessoas preferem me julgar por conta de com quem eu durmo, e não pelo
trabalho que estou fazendo, então será hora de me aposentar da política. Não
lutarei contra isso. Apesar de que acredito que seu voto eu terei.
Ele ri, move a cabeça de um lado para o outro e arruma o chapéu por
cima dos cachos macios que eu tanto adoro segurar. Então, decidido, ergue
em uma mão diante dos meus olhos.
— Vamos, coiote, vamos fazer isso.
Seguro sua mão com confiança e determinação. Estava trêmulo quando
demos os primeiros passos e entramos no estabelecimento. Todos os olhos
no local se voltaram para nós e cochichos foram ouvidos no mesmo
momento. Eu poderia ter vacilado ali mesmo, entretanto, a mão firme que
segurava a minha também falava de medo, Robert estava sentindo o mesmo
que eu e contava comigo para dar-lhe forças. Eu seria seu porto seguro e ele
o meu.
Caminhamos juntos até o balcão e lá avistamos duas pessoas com
enormes sorrisos. Bem que Robert havia falado, Juno e o policial Dexter
estão em um relacionamento, e pelo que pude ver fazem um belo casal.
— Mas olha só, meu bar hoje está muito bem frequentado com o
prefeito da cidade e seu primeiro cavalheiro.
Ri, enquanto o cowboy ao meu lado fazia uma careta.
— Bebidas, senhores?
— Para mim não — respondo ao mesmo tempo em que Robert aceita
com um gesto positivo de cabeça. Não tenho colocado álcool na boca por
meses, afinal, sempre que estou com meu cowboy quero beijá-lo. Cerveja
nenhuma me tiraria esse prazer.
— Pelo visto vocês resolveram contar ao mundo, pois... — Dexter fez
um gesto com a mão apontando para as pessoas no bar. Éramos o centro das
atenções.
— Se vão falar, que falem de algo real — responde meu cowboy dando
de ombros, como se não fosse grande coisa, quando eu bem sabia que era
importante para ele.
— Sua bebida, cowboy.
— Obrigado — agradece, pegando a garrafa de cerveja com uma mão e
me conduzindo com a outra. — Vamos procurar um lugar para nós, prefeito.
Encontramos uma mesa vazia na parte de trás do bar, as pessoas
gostavam mais de se concentrar próximo ao balcão de bebidas ou a pista de
dança. A área das mesas estava um pouco menos lotada. Era perfeito quando
eu queria estar perto dele, conversar, tocá-lo.
— Estamos mesmo fazendo isso? — questiono, soltando um riso
nervoso. Nunca antes me senti tão exposto e olha que passei décadas casado.
— Podemos ir embora se quiser. — Aprecio a preocupação em seus
olhos quando Robert segura minha mão. Aperto-a de volta e tento passar
tranquilidade, coisa que nem estava sentindo no momento.
— Eu quero poder sair com você, ter encontros, passar o tempo fora e
não me preocupar se estão nos olhando ou não. Talvez isso seja pedir demais
quando sou o velho prefeito de uma cidade como Cross Ville. Apenas me dê
algum tempo e vou me acostumar com isso.
Ele nega.
— Eu ainda não me acostumei com isso, o que faço é mandar todos à
merda em minha cabeça e continuar vivendo a minha vida.
Solto um riso alto, ele sorri também.
— Vou começar a fazer isso...
Nem posso terminar minha frase antes de ser interrompido pela chegada
de um homem jovem e bonito. Uma olhada para ele e senti meu estômago
embrulhar, era algum caso antigo de Robert? Pela aparência eu diria que faz,
ou fazia, seu tipo ideal. Jovem, bonito, com corpo magro. Contudo, bastou
olhar para meu peão e o encontrei com uma sobrancelha arqueada em
direção ao recém-chegado, nada em sua feição mostrava reconhecimento.
— Interrompo? — perguntou o homem sorrindo. Ele tinha cabelos
ruivos, olhos verdes e um sorriso impressionante.
— Na verdade, sim. Poderia ir embora?
Prendo o ar diante da resposta atravessada de Robert. O rapaz ainda
parado ao lado da nossa mesa fechou o sorriso na mesma hora, mas
continuou lá.
— Eu só estava pensando se vocês não queriam companhia para esta
noi...
— Não.
O desinteresse óbvio de Robert, junto da forma como ele virou o rosto e
ignorou completamente o rapaz, fez com que o ruivo bufasse de raiva e
saísse sem dizer mais nada. Enquanto isso eu estava irritado com sua
ousadia, como ele pode vir dar em cima do meu cowboy justamente quando
era perceptível que Robert estava acompanhado? Que rapaz mais mal-
educado!
— Você o conhece? — pergunto, sem conseguir esconder minha
irritação.
— Não, por quê? Você o conhece?
— Claro que não! Aquele abusado, ele veio dar em cima de você
comigo aqui ao seu lado.
O peão solta um riso alto, ignorando os olhares de quem estava em
volta.
— Você pensa que ele estava dando em cima de mim?
Reviro os olhos.
— Eu vi!
O cowboy nega com a cabeça e vem para mais perto de mim, seu braço
passando por cima dos meus ombros.
— Ele queria um ménage. Sexo à três, entendeu? — Engulo em seco,
me sentindo constrangido. Parece que estou mais enferrujado do que pensei,
nem em minha época de juventude havia recebido um convite como aquele.
Robert estava se divertindo muito com a situação. — Uma pena para ele, é
que eu não divido meu coiote com ninguém!
O calor em seus olhos me deixou com a boca ainda mais seca. Era da
mesma opinião que ele. Eu não estava disposto a dividi-lo, e só de pensar em
outro homem tocando o que é meu, enlouqueço.
— Venha, meu coiote, vamos para a pista de dança. Penso que nunca
dancei com você.
Queria negar, não gosto dessas coisas. Mas fui levado antes que
pudesse fazer isso. Estou acostumado com danças lentas e bem mais
contidas. O que farei em meio a uma multidão de corpo quentes se
esfregando em todos os lugares? Sinto que jamais poderia fazer tal coisa em
público.
— Ei, calma. Se não quiser podemos voltar para a nossa mesa.
Respiro fundo, minhas mãos em sua cintura e as suas em meus ombros.
— Você quer isso, disse para mostrarmos que...
— Não leve isso a sério, nós não temos que provar nada a ninguém.
Estamos aqui para nos divertir, dançar, conversar. Podemos ir embora a hora
que quisermos!
Aperto meus olhos, querendo tirar a angústia que tinha se infiltrado
naqueles olhos castanhos. Meus dedos escorregam por seus ombros e uma
mão se embrenha por sua nuca até se afundar nos cachos macios de seu
cabelo. Ele respira fundo, fecha os olhos e sua cabeça vem de encontro ao
meu ombro. Só então percebo que estamos nos movendo, apesar de ser em
um ritmo lento demais em comparação a música sensual que estava tocando.
— Acho que podemos encontrar nosso próprio ritmo — fala rente ao
seu ouvido, o corpo grande colocado ao meu treme de leve. Eu sorrio com
isso e o aperto mais junto a mim. Ele faz o mesmo. Agora já não sinto mais
o incomodo que sentia por ter tantos olhos sobre mim.
Ficamos por um bom tempo assim, nem mesmo chamaria de dança,
apenas nos “balançamos” de um lado para o outro. Mas foi cômodo, quente,
gostoso, confortável. Se possível, dançar com Robert em meio a um bar
lotado foi como expressar publicamente o que sinto por ele, e o que ele me
faz sentir.
— Não pode ser... — Desperto dos meus pensamentos quando seu
corpo fica duro. Me afasto e olho na mesma direção em que o cowboy
olhava com assombro.
— O que aconteceu? — pergunto ao não ver ninguém conhecido por
mim. Não alguém que causasse tal reação em Robert. Ele estava pálido.
— Pensei ter visto alguém... deve ser coisa da minha cabeça.
Seguro seu braço com um pouco mais de força.
— Como assim? Você sabe o que aconteceu no mês passado, acha que
tem relação?
Robert nega, apesar de eu ver incerteza em seus olhos.
— Você não o viu, saberia se tivesse visto. Foi coisa da minha cabeça,
esqueça.
— Robert...
— Vamos voltar para a nossa mesa. — Recebo um beijo em minha
bochecha e um olhar suplicante. Fico preocupado, mas tem pouco que posso
fazer quando o cowboy não aceita a minha ajuda. Inconformado, o sigo de
volta para a mesa e deixo que ele me distraia pela meia hora seguinte.
Acabou sendo uma noite melhor do que eu pensava. Mesmo com a
plateia assídua por fofocas. Consegui me divertir e ter um bom momento ao
lado do meu cowboy. Rimos e nos divertirmos até decidirmos que era hora
de ir embora. Nos despedimos de Dexter e Juno, deixando o bar de mãos
dadas, assim como tínhamos entrado.
Caminhamos de forma distraída pela rua, tinham poucas pessoas em
volta e com isso consegui pensar um pouco mais sobre aquilo que
conversamos no início da noite. Eu iria dar o primeiro passo, precisava ser
franco com meus filhos e falar sobre mim, o que descobri nos últimos meses,
como tenho me sentido.
— O que é isso? — Ergo a cabeça depois de sua pergunta. A primeira
coisa que vejo são seus olhos cautelosos, em seguida olho para a
caminhonete preta estacionada mais à frente. Tudo parecia completamente
normal com exceção de uma caixa de papelão que foi deixada no teto do
veículo. — Fique parado, Homero!
Ignoro sua ordem e vou logo atrás, vendo o exato momento em que
Robert pega a caixa, coloca no capô do carro e abre. Não sei quem de nós
solta o som chocado e enojado, talvez tenha sido os dois. O peão dá um
passo para trás e seu corpo se choca com o meu. Por sorte, mesmo em meio
ao choque e ânsia de vômito, sou capaz de ver os olhos sem vida na cor
preto.
— Não é a Hope, Cowboy. Não é a Hope. — Minha voz está estranha
quando digo isso. Puxo seu corpo para um abraço e o sinto trêmulo. Temo
que ele caia no chão a qualquer momento. — Quem faria isso?
Pergunto, olhando para a caixa sem realmente conseguir ver o que tem
dentro. Isso não foi uma brincadeira. Ninguém manda a cabeça
ensanguentada de um cachorro para você de brincadeira. Ainda mais quando
é a cabeça de um pitbull idêntico a Hope. Aquilo era uma ameaça, dizia
claramente: “Olha o que eu fiz, poderia ter sido ela. E vai ser se assim eu
quiser.”
— Foi ele... — resmungou, chamando a minha atenção.
— Ele quem? — Prendo o ar ao ver seu olhar tomado por um tipo de
ódio que ainda não tinha visto em Robert. — Cowboy...
Ele afasta meus braços com brutalidade. De olhos arregalados dou um
passo para trás. Então, sem dizer mais nada, Robert corre para a porta do
motorista, ele não me espera. É como se tivesse esquecido que eu estava
com ele. O cowboy saí em disparada desaparecendo depois de virar a
esquina enquanto grito para que pare. A caixa com a cabeça do cachorro caí
próximo aos meus pés causando um novo embrulho em meu estômago.
— Droga... O que você vai fazer, peão?
Atordoado, tiro o celular do bolso e disco o número do xerife. Ele era a
única pessoa que poderia me ajudar no momento.
— Xerife Hunter. — Atende no terceiro toque.
— Eu preciso de ajuda, é o Robert...
CAPÍTULO 25
Acordei sentindo meu corpo pesado como se fosse uma reparação pelos
acontecimentos da noite anterior. Ainda estava cansado, mas o meu corpo
acostumado a acordar cedo não me deu descanso. Quando o sol estava
nascendo no céu, eu já estava de pé na cozinha preparando uma garrafa de
café. Homero dormia profundamente em minha cama e deixei que ele
continuasse assim, seu rosto ainda estava meio inchado devido a todo o
choro que cortou a madruga, eu não deveria estar melhor do que isso. Hope,
por outro lado, parecia entender que eu precisava dela, pois acordou junto
comigo e passou a me seguir para todos os lados pela casa. No momento
minha garota estava aos meus pés, encolhida como uma bolinha, quem vê
seu tamanho não imagina como ela é uma manteiga derretida.
— Rob.
Tomei um pequeno susto quando alguém bateu na porta, chamando
meu nome. Além disso, a pessoa escolheu a porta de trás da casa, na área da
cozinha onde eu estava. Teria ido buscar minha arma no quarto antes de abrir
a porta senão tivesse reconhecido a voz do meu patrão.
— Patrão? — Abri a porta vendo a figura calma, mas preocupada de
Reed Foster. Temi o que ele havia vindo dizer, afinal, na noite anterior eu
ateei fogo em uma das suas casas.
— Você está péssimo. — Foi a primeira coisa que ele me disse.
— Quer um café?
— Cerveja.
Não discuti com sua escolha, contudo, enquanto lhe entreguei uma
garrafa de cerveja não vi motivos para pegar uma para mim. Invés disso me
servi com uma xícara de café e o segui para a varanda de trás onde nos
sentamos nas cadeiras que ali ficavam.
— Café? — Ele ergueu uma sobrancelha enquanto tomava um gole de
sua cerveja.
— Eu não bebo álcool. — Minhas palavras foram recebidas por ele
com uma expressão tão “em branco” que eu pensei ser difícil saber se ele
estava surpreso com isso ou se já desconfiava. Homero percebeu esse fato
sobre mim muito rápido e foi o único a comentar sobre isso em todos esses
anos em que parei de beber.
O álcool era uma companhia fiel do meu pai, isso o tornava tão duro e
violento. Jurei para mim mesmo que jamais colocaria uma gota daquilo em
minha boca, entretanto, foi exatamente o que fiz em uma tentativa
desesperada de me anestesiar. Durante todos os anos de sofrimento nas mãos
de Armando e depois os anos que passei jogado de um lado para o outro
como um cão sarnento, foi no álcool que me escorrei. Levou tempo e muita
força de vontade para largar aquilo. Pensei que não seria possível até ver o
buraco em que estava e que só sairia dali se conseguisse vencer meus piores
demônios.
Esses mesmos demônios ainda me atormentam hoje em dia, mas sinto
que aos poucos e mesmo décadas depois estou tendo pequenas vitórias.
Homero é a maior delas, e admitir que não bebo pode ser chamada de uma
também. Afinal, hoje não senti a necessidade de segurar uma garrafa de
cerveja em mãos para me torturar com lembranças do passado, acredito que
isso eu também posso deixar para trás.
— Tristan está um pouco insatisfeito com minhas declarações, mas me
mantive firme e já consegui alguém para falsificar um laudo com as causas
do incêndio.
Passei as mãos pelo rosto me sentindo um merda. Depois que eu destruí
sua casa, Reed ainda precisa limpar a minha barra.
— Sinto muito por isso.
— Fiquei sabendo da história da caixa com uma cabeça de cachorro,
você acha que foi a mesma pessoa que invadiu sua casa e andou te vigiando?
Assinto.
— Armando Contreras, não tenho dúvidas. Eu o vi ontem à noite no
poço, na hora pensei que era coisa da minha cabeça... Agora tenho certeza de
que era ele.
— Hum. — Ele bebe um grande gole de sua cerveja. — Tristan já está
vendo isso, buscando saber com alguns conhecidos se pode localizar
Armando. Por nossa conta vamos ficar de olho, já deixei os peões em alerta.
Acho que é bom contratar reforço também.
Ergo uma mão.
— Reed não faça isso por mim, eu posso resolver as coisas...
— Calado! Você incendiou uma propriedade minha na noite anterior e
me fez virar a noite acordado resolvendo esse assunto. Quero acreditar que
você tem bons motivos para isso, mesmo que eu não vá te forçar a me dizer
nada. Tudo que peço é para confiar nas pessoas que estão ao seu redor.
Ninguém vai foder com a minha fazenda e os meus funcionários e sair
impune disso!
Engoli em seco. Aquelas palavras eram quase uma declaração de amor
vinda de Reed Foster.
— Você está aceitando isso muito bem, eu fiz merda.
— Ah, por favor, eu entendo muito bem o que é “fazer merda”. Vivo
para ter atitudes impulsivas que me colocam em problemas, é por isso que
tenho advogados tão bons e conheço as melhores formas de suborno. Você
não me disse que tinha seus próprios problemas com Armando Contreras, e
eu entendo isso, pois jamais te falei sobre os meus segredos mais profundos.
Basta saber que eu valorizo aqueles que merecem minha confiança. E foda-
se se você é obscuro pra caralho, basta não incendiar outras propriedades
minhas e ficaremos bem.
— Agradeço por tudo... Eu vou resolver isso, prometo.
Diante da minha resposta, ele me encara com um olhar apertado.
Imagino que Reed saiba a forma como planejo resolver isso. Espero que ele
me repreenda ou tente me impedir, Homero com certeza faria isso.
— Hope não deixe que seu pai morra fazendo merda — sua resposta é
direcionada a cachorra deitada aos meus pés. Consigo sorrir com isso. Ele
nem mesmo vai tentar me dissuadir da ideia de acabar com Armando
Contreras. Eu deveria agradecer ou ter medo do meu patrão? — Então, o
meu pai, hein?
Todo o meu corpo fica duro e reto na cadeira. Eu havia esquecido
completamente disso. Queria ter tido uma conversa com Reed a esse
respeito, ontem mesmo Homero e eu falávamos disso. Agora meu patrão
sabe de tudo e não foi exatamente por nossa boca. Que droga!
— Sim, eu queria ter te falado sobre isso antes, só não sabia bem o que
dizer.
— Isso é sério? Nunca soube que meu pai também gostava de homens.
— Estamos em um relacionamento sim, já tem alguns meses e seu pai é
bissexual. Coisa que ele vai querer falar com você e explicar tudo.
Reed solta um som que beira o surpreso, apesar de não ter surpresa em
sua expressão.
— Agora muita coisa faz sentido. Eu bem imaginei que algo estivesse
acontecendo com você, apenas não queria acreditar que tinha relação com o
meu pai!
Prendo o riso diante da careta em seu rosto. Ele está tentando levar tudo
numa boa, contudo é perceptível que pensar em seu pai se relacionando
comigo é algo no mínimo “estranho” para ele. Será que corro risco de vida
se brincar um pouco?
— Alguns meses atrás jamais cogitaria ter qualquer relação com seu
pai. — Dou de ombros. — Agora não me imagino longe dele. Fazer o quê?
Aquele coiote velho me pegou de jeito.
— Pare! — Ele se ergue da cadeira, me entregando a garrafa de cerveja
vazia. — Se quer ter esse tipo de conversa procure outra pessoa.
— Patrão...
— Sério, procure outra pessoa! — Solto um riso baixo e ele me encara
de olhos apertados. — Quando meu pai acordar... Diga que preciso falar com
ele.
Ri alto pela forma como Reed Foster saiu praticamente correndo da
minha varanda. Ele poderia até me fazer pagar por isso em outra
oportunidade, mas tinha sido impagável esse momento. Só posso imaginar o
que ele estava pensando sobre o digníssimo prefeito tendo uma relação
amorosa comigo.
— Vamos, Hope. — Coço atrás de sua orelha e ela se levanta animada
para me seguir de volta para dentro. — Vamos terminar o café, nosso coiote
logo vai acordar.
CAPÍTULO 26
Era estranho entrar pela primeira vez na casa de Homero pela porta da
frente, ainda mais depois de meses invadindo sua janela e quase levando um
tiro em uma das entradas sorrateiras. Eu preferia continuar da forma como
estava, mas ele me encarou com seriedade, dizendo que era besteira fazer
isso agora que nossa relação já não é segredo para ninguém.
— Até que essa situação com Armando seja resolvida, não quero que
você fique sozinho, Robert — ele tinha dito.
— Então vou ficar “acampado” em sua casa de agora em diante? —
Estava insatisfeito. Mesmo assim o prefeito foi irredutível, eu bem que daria
um jeito de contornar a situação e ficar na minha casa onde não preciso
impor minha presença na casa de ninguém, contudo, em um primeiro
momento foi mais fácil ceder ao pedido dele.
E foi assim que acabei, de forma muito desconfortável, indo passar a
noite na casa do meu namorado. Sim, a situação por si só já era de fazer rir
de desespero. Meu eu de meses atrás está se revirando no túmulo que o
coloquei. Como se fosse pouco, assim que saímos de seu carro, com Hope
latindo animada em volta dos meus pés, pude ver uma movimentação nas
janelas da grandiosa casa e fazenda. O lugar era verdadeiramente magnifico
quando não estou entrando sorrateiramente por uma janela.
— Todos devem estar em casa a essa hora. Joana tem passado boa parte
do seu tempo por aqui, ela e Nana estão empolgadas com o casamento.
— Poderiam aproveitar sua festa de aniversário, ela não está próxima?
— falo, olhando em volta. Parece que nessas horas em que sou confrontado
com a vida de Homero é que percebo o quão rico o homem é. Tão ou mais
do que meu próprio patrão. — Vão economizar se fizerem uma festa dupla.
Coiote me encara como se eu fosse louco.
— Poupe sua vida e não fale isso perto da minha neta e nora. Elas estão
pensando em algo grandioso para esse casamento.
“E sua festa de aniversário não é um dos maiores eventos da cidade?”
pensei, mas não cheguei a dizer, pois entramos na casa com Hope correndo
para explorar o novo local e logo chamando a atenção das mulheres que
estavam na sala.
— Como ela é linda! Que fofa! — Nana ficou de joelhos fazendo
carinho em Hope. Minha cadela era tão faceira que não perdeu tempo,
rolando de barriga para cima e pedindo mais carinho. Hope é um daqueles
animais que nasceram apenas para dar e receber amor.
— Cuidado, Nana. Ouvi dizer que esse tipo de cachorro é muito
violento, olhe só para o tamanho da boca dela, pode arrancar seu braço.
Em outra situação eu poderia ter sido bem menos educado, mas como
se tratava da nora de Homero e eu podia ver a que a mulher estava apenas
assustada, decidi esclarecer seu erro. Entretanto, alguém chegou na minha
frente.
— Hope é uma boa garota, Joana. Ela é doce e carinhosa, não tem um
osso agressivo em seu corpo.
Joana ficou com as bochechas quentes diante das palavras de Homero,
que se juntou a sua neta para acariciar a barriga de Hope.
— Oh, sinto muito. Eu não sabia, ouvi que eles eram violentos e...
— Foi um erro sem maldade — intervenho, surpreso com minha
própria suavidade. — O antigo dono dela também pensava assim e quando
percebeu que Hope não é outra coisa que não seja amorosa, ele a agrediu
covardemente.
Essa adição em minha fala anterior teve Joana a beira das lágrimas
enquanto eu tentava entender o que disse de errado. Eu havia até defendido
ela. Por que o choro?
— Está tudo bem, Joana. Não se preocupe, nós entendemos seu erro e
Hope não ficou brava. Certo, garota?
Foi a vez de eu ficar surpreso com a suavidade na voz de Homero, que
acalmou a situação e conseguiu trazer de volta o sorriso ao rosto de Joana.
Ela até mesmo se abaixou e fez carinho em Hope. Fiquei mais atrás vendo
todo o desenrolar da cena, me recusando a admitir como o coiote era bom
com esse tipo de coisa. Me senti enciumado com aquele cuidado todo?
Jamais, jamais admitiria.
A conversa na sala continuou por mais alguns minutos, Hope continuou
sendo o centro das atenções e Homero perguntou onde estava seu filho mais
velho, ouvindo de Joana que o homem tinha subido para o quarto, queria
tomar um banho antes do jantar. Depois disso não demorou muito para que o
prefeito me chamasse para subir também. Ele fez isso de forma muito
natural e calma, sem se preocupar com as mulheres na sala. Não tentou
esconder nossa relação, nem o fato de que eu ficaria para a noite. Joana e
Nana também não fizeram perguntas, o máximo que ouvi foi o pedido da
garota para levar Hope em um passeio pela casa, coisa que prontamente
aceitei antes de subir com Homero para seu quarto.
Não encontramos Ricco pelo caminho e quando entrei em seu quarto
me joguei em uma das cadeiras ali existentes, deixando que a mochila que eu
havia trazido comigo caíssem aos meus pés. Estava exausto depois de um
longo dia de trabalho, pois me recusei a tirar folga quando minha mente
estava cheia graças aos acontecimentos da noite anterior. Pensei que
trabalhar ajudaria a aliviar as preocupações, coisa que aconteceu, agora só
quero um banho, uma boa comida e cama.
— Vamos tomar um banho, o jantar deve estar pronto em poucos
minutos — falou Homero que já desabotoava os botões de sua camisa social.
O homem tinha passado a manhã na fazenda Miracle e a tarde precisou ir até
a cidade para uma reunião com alguns vereadores.
Quando acabei meu trabalho na fazenda era próximo as seis horas da
noite e encontrei Homero esperando por mim com uma intimação para
passar a noite em sua casa. Não descansei, nem tomei banho, apenas juntei
alguns pertences em uma mochila e entrei em seu carro.
— Reed estava pensativo o dia todo, a conversa de vocês foi boa? —
pergunto enquanto me desfaço das minhas roupas, lembrando de pegar cada
peça e levá-las comigo até o banheiro. Seu quarto era tão grande e luxuoso
que me sentia envergonhado de jogar qualquer peça de roupa que fosse pelo
chão. A não ser quando estávamos loucos para foder, nesses casos tinha uma
boa exceção.
— Estamos no caminho certo — respondeu ele que já estava nu
embaixo do chuveiro. Seu banheiro e até mesmo o box eram grandes o
suficiente para caber nós dois. O jato do chuveiro era tão potente que
conseguia molhar nós dois ao mesmo tempo. Nunca dei muita importância
para essa coisa de luxo e riqueza, mas confesso que gosto de certas
mordomias que Homero tem.
— E isso quer dizer? — insisto, chegando por trás de seu corpo largo,
passando as mãos pelas costas pálidas e beijando os ombros nus. Ele estava
cheiroso, mesmo que ainda não tivesse passado o sabonete, era o cheiro de
sua própria pele que havia me acostumado tão mal.
— Abri meu coração, ele disse que não se importava, mas não me
mandou embora.
Sorrio contra a pele do seu pescoço.
— Vindo dele é um bom sinal.
— É sim.
Nossa conversa é interrompida por seu corpo virando em meio ao meu
abraço, seus olhos azuis foram as primeiras coisas que vi. Agora eu tinha
certeza que aquela chama intensa que conseguia ver neles não era apenas
curiosidade e desejo, era amor. Um sentimento curioso, quente e
enlouquecedor. Eu queria me afogar nele com a mesma intensidade que
queria me afundar em seu corpo.
— Por favor, diga que eu posso — imploro com os olhos fechados com
força e a testa unida a sua. Ele passa suas mãos grandes por minhas costas,
acariciando e me trazendo para mais perto.
— O que você quiser, meu amor, estou aqui para você.
Beijei suas bochechas, tracei as maçãs de seu rosto com o nariz,
absorvendo seu cheiro. Deixei de lado seus lábios, mesmo que soubesse o
quanto ele gostava de me beijar. Eu queria mais, queria o que ele estava me
oferecendo, parecia quase bom demais para ser verdade.
Agarrei seu membro endurecido, ele gemeu próximo ao meu ouvido.
Nós queríamos e precisávamos tanto daquilo que nossos corpos praticamente
tremiam de antecipação. Eu o masturbei sem piedade, massageando seu pau,
enquanto o meu carecia de atenção. Logo.
— Sinto muito se for duro demais — falo, deitando minha cabeça em
seu ombro. Minha mão continuava em seu pau e os gemidos de Homero
faziam cócegas em meu ouvido. Eu ainda queria mais dele, pretendia encher
cada vazio dentro de mim com aquele homem.
— Estou sempre pronto para você, cowboy — foi sua resposta, eu sorri
em meio a um novo tremor que percorreu meu corpo parando na ponta do
meu pau que pingava.
— Segure na parede, coiote. Eu vou foder você — foi meu aviso final,
e de forma linda foi atendido. Ele espalmou as grandes mãos na parede do
box, abrindo as pernas sem que eu pedisse. Isso mesmo, coiote.
Deslizei atrás dele, acariciei suas nádegas e as abri para ter acesso ao
rabo apertado que sempre parecia “comer” o meu pau. Estava ansioso para
entrar nele, todo o estresse deixaria meu corpo e restaria apenas o puro
prazer. Nada poderia ser melhor.
— Droga, preciso pegar lubrificante, não posso levar você a seco —
sussurro, pronto para sair do box, mas sou detido por uma mão ao mesmo
tempo em que seu rosto está abaixado como se estivesse constrangido.
— Armário. — Apontou, fui rapidamente até ele e sorri ao voltar com
um frasco de lubrificante. Desde que eu tinha começado a entrar em seu
quarto, Homero havia montado seu próprio estoque do produto, junto de
camisinhas como as que encontrei também no armário.
— Você já tinha planos, coiote? — não pude deixar de provocar, ele até
tentou responder, mas acabou soltando um gemido longo e surpreso. — Eu
disse que não seria suave — falo de encontro a sua orelha, lambendo-a logo
em seguida. Nesse meio tempo um dedo cheio de lubrificante entrava e saía
de seu cu. O buraco me apertava de forma esfomeada, eu estava louco para
que fosse meu pau no lugar.
— Robert! — Amo a forma como ele me chama nessas horas. É em
mim que pensa, sou eu quem ele sente invadindo seu corpo, lhe dando
prazer.
— Se segure, coiote, isso vai ser duro — avisei, sabia que havia o
preparado mal. Homero balançou seu rabo em minha direção, ele pouco se
importava com isso. Coloquei uma camisinha e despejei o máximo de
lubrificante que pude, em seguida levei meu pau para a portinha do seu cu,
que piscava ansioso para ser preenchido por mim.
Sua respiração era pesada, tal como a minha. A água morna ainda batia
em minhas costas e permaneceu assim enquanto eu invadia centímetro por
centímetro aquela bunda apertada.
— Ah! — ele gemeu alto, temos sorte que as paredes de sua casa são
grossas ou toda a família Foster teria um show.
— Você queria isso tanto quanto eu? — pergunto, fodendo com força,
ele era forte para segurar seu peso e o meu assim não batendo de encontro a
parede do box. — Queria esquecer os problemas do mundo e se deixar ser
consumido por mim?
Eu me sentia preenchido por ele, como se estivesse caindo dentro de
seus sentimentos, sendo envolvido por eles, consumido. Era louco,
selvagem, devastador e irresistível. Eu não lutei, queria aquilo.
“Me ame de volta”, ele tinha dito depois de dizer que me amava. Agora
penso que posso fazer isso. “Espere só mais um pouco, coiote, cada parte
minha, até as mais quebradas, todas vão amar você.”
— Isso, meu amor. Isso!
Bati mais forte em seu corpo, como ele pode me amar com essa
intensidade?
— Me coma com tudo que você tem. Eu quero tudo que você tem.
Encosto minha testa em seu ombro, seguro seu pau duro e o fodo com
força. Ele queria isso, pediu por isso e eu estava feliz em poder dar-lhe.
— Ah, Robert!
Ele me aperta tão gostoso quando está gozando, é tão irresistível que eu
só quero dar mais, enchê-lo com meu gozo por mais que ele seja contido
pela camisinha. Fico apoiado em seu corpo, respirando de encontro a sua
pele e sentindo a água do chuveiro ainda batendo em minhas costas enquanto
sinto meu corpo se acalmando depois de gozar. Nessas horas parece que não
existe uma só preocupação no mundo e com Homero é ainda melhor. O
momento de completo êxtase não é seguido por vazio ou uma saída rápida
sem olhar para trás, Homero se vira de frente para mim, me acolhe em seus
braços, me inunda com o amor que vejo em seus olhos e me beija.
O beijo que tanto queríamos se transforma em vários, eu sinto o sabor, a
maciez, o calor de sua boca ao mesmo tempo em que aprecio a força do seu
abraço. “Céus, se amar for mais do que isso, será que esse meu corpo
remendado será capaz de aguentar tanto?
Cada parte do meu corpo se sentia mais leve depois do banho, parecia
até que parte do meu cansaço tinha diminuído. Pelo tempo que passamos no
chuveiro o resto da família já deveria ter jantado, eu até preferia assim, não
sei se estou pronto para encarar todos juntos. Nesse “todos” falo também de
Ricco, o homem sempre foi tão grosseiro comigo, quero mesmo começar
uma briga com ele na mesa de jantar?
— Eu acho que vou pedir a Nana e Ricco que desistam de fazer minha
festa de aniversário este ano.
Eu tinha vestido uma roupa limpa e estava jogado na cama, enquanto
Homero vasculhava seu closet em busca de uma roupa para si. Ergui a
cabeça com as sobrancelhas franzidas. A festa de aniversário de Homero
Foster é praticamente um evento na cidade, lembro dela existir desde que
cheguei nessa cidade ainda jovem.
— Por quê? Sua neta não já está planejando tudo?
Ele assente, saindo do closet vestido com um pijama de seda na cor
preto. O negócio era chique demais para o meu gosto. Seus cabelos ainda
estavam um pouco úmidos e ele os secava com uma toalha.
— Com toda essa história com Armando, é melhor não nos reunirmos
para uma festa tão cedo.
Me ergo da cama em um pulo.
— E o que isso tem a ver com sua festa? O problema dele é comigo!
— Estou comprando essa briga você querendo ou não. Já te disse, você
não está sozinho nessa, cowboy.
Nego com a cabeça e me sento de volta na cama. Vou resolver essa
história antes que atinja mais alguém, principalmente Homero. Estarei morto
antes de deixar que aquele lixo toque no meu homem e o prejudique.
— Tire essa expressão do seu rosto — ele fala, se aproximando de mim
até ficar em minha frente. Abro as pernas e o recebo com um abraço
enquanto enterro meu rosto no peito coberto pelo pijama de seda. Respiro
seu cheio deixando que meu corpo se acalme ao mesmo tempo em que mãos
gentis acariciam meus cabelos. — Quando você me olha assim parece
disposto a matar qualquer um em seu caminho.
“E é como me sinto”, penso, mas guardo para mim.
— Faça sua festa, te garanto que Armando Contreras não vai chegar
perto dessa casa ou da sua família.
Ele suspira, afasta seu corpo do meu e me encara diretamente nos olhos.
— Quero você aqui comigo no dia da festa. — Agradeço pela mudança
sutil de assunto, apesar de franzir as sobrancelhas com desconforto. —
Combinamos que iríamos deixar nossa relação fluir. Sem a necessidade de
um grande aviso, contudo, também não temos mais porque esconder. Nada
mais lógico do meu o meu namorado comigo no dia do meu aniversário.
Solto um riso incrédulo. Antes de Homero nunca tinha ouvido aquela
palavra sendo direcionada a mim: namorado. Pelos céus, como cheguei a
isso?
— Você está se esforçando para perder o resto dos seus eleitores.
Ele ri, se sentando ao meu lado na cama. Nessa hora noto a leve careta
que Homero faz e me sinto culpado. Peguei muito pesado com ele no
chuveiro. Toco seu quadril e faço um carinho no local.
— Você está bem? — O homem revira os olhos com uma expressão
teimosa.
— Não sou feito de vidro.
— Mas é de carne e osso, e dar o rabo dói.
Ele ri em meio ao choque causado pelas minhas palavras. Também tem
um certo rosado em suas bochechas que fala de constrangimento. Não é a
primeira vez que penso no quanto esse homem é bem resolvido consigo
mesmo, aceitando o que sente com uma facilidade que eu nunca pude fazer
igual. Homero carrega uma experiência em si que fala mais do que sua
própria idade, ele é um homem disposto a encarar de frente o que a vida lhe
mostra.
— Ver você assim me faz sentir egoísta. — Percebo que deixei essas
palavras escaparem em voz alta quando noto o franzir de suas sobrancelhas.
— Do que está falando?
— Quando comecei a fazer sexo por vontade própria, insistia em ser
passivo. Queria me forçar a gostar. Sentia que se não gostasse seria como
admitir que aquele lixo me quebrou para sempre. Levei um bom tempo para
finalmente ceder e foder alguém. Foi a primeira vez que realmente encontrei
alguma satisfação no sexo.
— Porque você se permitiu conhecer a si mesmo, entender e
experimentar seus próprios gostos — disse, me surpreendendo pela forma
como entendeu rápido. Agarrei uma de suas mãos porque precisava tocá-lo
de alguma forma, isso sempre me trazia paz e força.
— Sinto que estou fazendo o mesmo com você, sabe? — Minha voz
estava cheia de angústia. — Você sempre foi “hetero”, sou o primeiro
homem que você deixa te foder. Não estou sendo egoísta? Você nem sabe se
é isso que quer...
Parei quando um dedo foi colocado por cima dos meus lábios.
— Você não precisa me dar a sua bunda para provar nada, Robert.
Entendo e respeito seus gostos e limites. Jamais forçaria uma situação que
você não quer. Isso não é prova de amor porra nenhuma. Eu sinto um prazer
surreal quando você me fode, quando me beija, quando segura a minha mão.
Basta olhar para mim e eu já me sinto queimar.
— Mas...
— Não tem mais, você mesmo disse que experimentou ser passivo e
não gostou. Eu pareço não gostar quando seu pau está socado na minha
bunda?
Solto um riso alto e incrédulo diante de suas palavras tão diretas. Em
seguida nego com a cabeça, sentindo meu peito preenchido pelos
sentimentos que esse homem me faz sentir. E quando aproximo meus lábios
dos seus, sussurro:
— Não, e inclusive, eu quero ver esse olhar no seu rosto agora mesmo.
Um sorriso surge e se expande em seus lábios. Por falar em olhar, o
olhar em seu rosto nesse momento é tudo que eu preciso.
“Eu amo você”, tudo em mim diz, menos a minha boca quando vou até
ele para mais um beijo.
Estava com a garganta seca e me amaldiçoando por não conseguir
dormir em virtude de algo tão tolo. Até pensei em tomar água na pia do
banheiro, então me amaldiçoei mais uma vez pela minha covardia e deixei o
quarto de Homero indo em busca de água. Só devo ter esquecido que a casa
do prefeito nem pode se comparar com a minha, quantos cômodos alguém
precisa ter em sua casa?
— Agora a água da pia não me parece tão mal — resmungo irritado.
Paro no meio de mais uma sala com sofás, cadeiras e até mesmo uma lareira,
coçando a barriga olho em volta. Como voltaria para o quarto de Homero?
— Está pensando em roubar alguma coisa enquanto os donos da casa
estão dormindo? — O susto precede o choque que tal acusação me faz sentir.
Até o momento eu não havia percebido que tinha alguém na varanda da
sala. A pessoa devia estar tomando um ar fresco, observando o céu estrelado
quando me viu entrar. Após fazer sua presença conhecida, Ricco Foster deu
as caras, entrando na casa com uma expressão fechada. Eu sabia que seria
assim, talvez por isso tenha o evitado. O que menos quero é trazer problemas
para Homero justamente quando ele está se acertando com seu filho mais
novo.
— O que disse? — Meus punhos estavam apertados.
— Vou precisar pedir aos empregados que verifiquem suas coisas na
saída?
Dou um passo em sua direção, ele não vacila.
— Por que você mesmo não faz isso?
— Cansado de obedecer às ordens de Reed? Pensa que ao ser fodido
pelo meu pai vai conseguir vantagens aqui?
Engulo todas as palavras que poderia dizer ao homem, de forma alguma
aceitaria suas provocações e cairia na besteira de expor Homero. O que
temos e fazemos é unicamente da nossa conta. Ricco Foster pode muito bem
ir se foder no que diz respeito a mim.
— Se é muito difícil para você me respeitar. — Ficamos cara a cara,
nossos narizes quase se tocando. — Então respeite o seu pai e a relação que
ele está construindo agora.
Parte da raiva que estava sentindo desapareceu magicamente diante da
expressão surpresa que consegui deixar no rosto de Ricco após minhas
palavras. Ele esperava que eu brigasse, xingasse, o atacasse depois do que
me disse. Entretanto, o que recebeu de mim foi muito mais saboroso, eu o
coloquei em seu devido lugar.
Passando pelo homem saí da casa pela porta lateral que dava acesso a
varanda. Em um pensamento rápido percebi que seria muito mais fácil voltar
para o quarto de Homero dessa forma. Bastou que eu andasse em volta da
casa até encontrar a janela do seu quarto, aquela mesma janela pela qual o
observei meses atrás, se tornando meu ponto de entrada sempre que queria
fazer uma “visita”. As luzes estavam apagadas, como as deixei, mas logo
que saltei para dentro ouvi, meu prefeito:
— Robert? — Sua voz estava sonolenta e me fez sorrir.
— Estou aqui, coiote. Volte a dormir.
Ele resmungou e escutei o farfalhar dos lençóis, mas quando cheguei na
cama, Homero dormia novamente. Então deixei de lado a sede e apenas me
enrolei em volta dele, respirando seu cheiro e compartilhando do seu calor.
Não demorou e eu também consegui voltar a dormir.
CAPÍTULO 28
Ele riu, balançou a cabeça, e posso estar louco, mas notei um certo
brilho em seus bonitos olhos castanhos. Aquilo eram lágrimas não
derramadas? Eu tinha conseguido a incrível façanha de emocionar o
cowboy? Era aquele o meu presente de aniversário?
Encerrei a música e quando a banda parou de tocar um enorme silêncio
preencheu todo o jardim que antes da minha apresentação estava barulhento,
cheio de risos e conversas. Mal tive tempo de pensar nisso e Nana se
aproximou de mim, abri os braços e a recebi para um abraço.
— Feliz aniversário, vovô!
— Obrigado, querida. — Ela saiu dos meus braços e Joana segue seu
exemplo. Para minha surpresa, Ricco foi o próximo a me puxar para um
abraço apertado.
— Feliz aniversário, pai. — Engoli em seco, sussurrando um “obrigado,
filho”. E como se as emoções estivessem sendo poucas para uma noite só,
Reed se aproximou com um sorriso bem mais aberto do que eu tinha visto
em seu rosto desde o início da festa. Eu abri meus braços e ele me abraçou
com força. Precisei puxar o ar pela boca antes que começasse a chorar como
um garotinho.
— Feliz aniversário, pai.
— Obrigado, meu filho.
— Eu te trouxe um presente, foi caro.
Sorrio com o rosto em seu ombro, então o aperto mais junto a mim, não
querendo soltá-lo tão cedo, mas sabendo que tinha que fazer.
— Eu sei que é caro. — Faço um carinho em suas costas. — Você me
trouxe um presente inestimável esta noite.
Juro que ouvi um fungado antes que ele se afastasse de mim. Dando
espaço para a única pessoa que não tinha me dado um abraço. Pensei que
teria que ir até ele, entretanto, quando Reed se afastou, Robert vinha em
minha direção. Ele me surpreendeu com um abraço apertado, uma de suas
mãos em minhas costas e a outra se erguendo da nuca até deslizar por entre
meus cabelos. Era um abraço possessivo e quase amoroso. Uma mistura
curiosa e totalmente Robert Durango.
— Você estava incrível, coiote. Feliz aniversário.
— Obrigado, meu amor.
Ele se afasta do abraço com um sorriso, nessa hora o silêncio chega ao
fim e várias pessoas se juntam para me desejar feliz aniversário. Levo uns
bons dez ou quinze minutos para cumprimentar a todos e agradecer pela
presença. O bolo é servido um pouco depois e nessa hora me retirei para o
fundo dos jardins, onde Robert tinha encontrado certo conforto em estar.
Nós nos sentamos juntos em um banco de pedra que tinha ali e
observamos os convidados aos poucos se despedindo e seguindo para suas
casas. Isso deve ter levado pelo menos mais uma hora, até que poucas
pessoas continuavam por ali. Em sua maioria eram peões da minha fazenda,
mas também estava Reed e os convidados que trouxe com ele. Eu estava
disposto a oferecer hospedagem para o grupo, por mais que achasse difícil
que eles aceitassem. Um passo de cada vez, certo?
— Eu te trouxe um presente — as palavras de Robert me tiraram dos
meus pensamentos e me fizeram encarar o homem sentado ao meu lado. Ele
me olhava com aqueles olhos que pareciam enxergar minha alma. Graças a
luz mais fraca no ponto onde estávamos, seus olhos estavam escuros e
pareciam pretos.
— Presente? — perguntei, não lembrava de tê-lo visto com nada
quando ele chegou. Robert sorriu e eu não resisti. Tive que me segurar por
toda a noite, dessa vez passei as mãos em seus cabelos, amando a suavidade
natural de seus cachos. Ele também não estava com seu costumeiro chapéu
de cowboy.
— Aí!
— O que houve? — Estranhei a forma como ele se encolheu por causa
de um simples toque, mas logo meu corpo ficou rígido quando senti uma
elevação suspeita na parte de trás da sua cabeça. — Quem fez isso? Você
está machucado?
— Calma! — Ele segurou a minha mão quando tentei me levantar.
— Como calma? Alguém te machucou quando você estava na minha
casa!
Ele suspirou, entretanto, me deixou levá-lo para dentro enquanto eu
ignorava qualquer pessoa que tentasse falar comigo pelo caminho que
percorremos até estarmos a sós no meu quarto.
— Sente na cama. — Aponto com o dedo. — Vou pegar o kit de
primeiros socorros.
— Nem está sangrando — respondeu. Eu o ignorei e voltei com o
maldito kit, já examinando o “galo” em sua cabeça. Aquilo tinha sido uma
pancada forte e pela forma como ele se encolhia quando eu tocava, estava
doendo. — Só preciso de um analgésico.
— Quem fez isso? — Me sentia um bicho enjaulado. Queria matar um.
— Foram uns peões da sua fazenda. Os covardes me pegaram
desprevenido, mas não aconteceu nada demais — disse, fazendo pouco caso,
o que me deixou ainda mais puto. Eu andava de um lado para o outro
enquanto ele se levantava da cama e seguia para o banheiro em busca de um
analgésico para a dor. — Você nem precisa fazer nada, Ricco apareceu na
hora e resolveu tudo.
Essa revelação me faz tropeçar em meus próprios passos.
— Ricco te defendeu?
Ele saiu do banheiro com um sorriso atrevido.
— Não pareça tão surpreso, eu fiquei surpreso por nós dois na hora em
que aconteceu. Ele apareceu, parou os idiotas, e vou te dizer, o homem os
colocou em seus devidos lugares. Até os demitiu.
Aquilo sim tinha sido uma grata surpresa, além de me deixar muito
feliz pela atitude de Ricco. Ele tinha estado tão distante nos últimos tempos,
que eu temi que uma vez que estava me reaproximando de um filho fosse
acabar me distanciando do outro.
— Eu vou falar com ele.
Robert me para quando tento caminhar até a porta. O cowboy segura
minha mão e me faz olhar para ele, na luz do quarto seus olhos voltaram a
ser castanhos, na verdade estão tão brilhantes que parecem ouro puro. Essa
não é a primeira vez que noto o quanto o meu homem é bonito. Sou sortudo.
— Você pode falar com ele depois, eu ainda não te dei o seu presente.
— Ah... você não precisava se preocupar com isso.
— Eu não gastei nada com ele. — Deu de ombros. — Você é rico pra
caralho, pode comprar tudo o que quiser. Seria inútil passar tanto tempo
escolhendo um presente assim.
Interessado, me viro totalmente para ele. Erguendo as sobrancelhas ao
notar o leve rosado em suas bochechas.
— O que está aprontando, peão?
Robert revira os olhos.
— Tal pai, tal filho. Pare de pensar besteiras. Você pode ter isso
também, mas o seu presente é outro. Eu pensei muito em algo que você
ainda não tivesse, quase desisti até que pensei em algo que eu tenho, posso te
dar e você com certeza deseja.
— Não brinque comigo, cowboy...
Aqueles olhos, aquela boca, aquele rosto. Ele seria cruel de me enganar
daquela forma?
— Eu te disse que não sabia amar, temi falhar com você nesse quesito
até que você me mostrou seu amor e eu percebi que já conhecia aquele tipo
de sentimento. A partir daí tentei entender se o que eu sentia era realmente
amor. Pensei nesse sentimento como algo muito grandioso, uma coisa que
você sente em poucos momentos e é capaz de fazer sua cabeça dar um nó.
Talvez por pensar assim demorei tanto tempo para entender o que, de fato, é
amor para mim. Porque eu te amo com intensidade, com loucura, tem horas
que esse sentimento quase não cabe no peito. Em outros momentos esse
mesmo amor é brando, leve como uma folha sendo levada ao vento. Eu te
amo quando você me enlouquece. Eu te amo quando você apenas fica ao
meu lado. Como um único sentimento pode ser tão grande e diverso se
tratando de uma única pessoa? É por isso que ele é tão apreciado? Pois eu te
amo nas menores coisas como sentar juntos na varanda da minha casa, com
Hope aos nossos pés enquanto jogamos conversa fora. Mas também te amo
nas maiores coisas, como quando você nos defende frente ao mundo. Eu te
amo quando você me ama, eu te amo quando você quer gritar comigo. Eu te
amo quando você está nos meus braços e me amando de volta. Eu posso
ainda ter muitas dúvidas nessa vida, mas se tem algo do qual tenho absoluta
certeza é de que eu te amo.
Minhas mãos tremiam sem parar, todo o meu corpo tremia, incluindo
meus lábios, enquanto eu tentava inutilmente encontrar alguma coisa para
falar. Lágrimas escorriam dos meus olhos, sei disso porque minha visão
ficou embaçada e algo quente escorreu pelas bochechas. Depois de tudo que
passamos até aqui, de suas palavras, de sua certeza de que não poderia amar
dessa forma, é quase inacreditável que tantas palavras tenham deixado a
boca do meu cowboy.
— Eu te disse isso para te deixar feliz, por que está chorando, coiote
bobo? — Tinha um tom brincalhão em sua voz, um olhar amoroso em seus
olhos e as mãos que tocaram meu rosto e limparam as lágrimas, estavam
ásperas do jeitinho que eu lembrava de serem.
Cedi aos meus impulsos e o apertei em um abraço esmagador, ele riu
alto.
— Seu cowboy idiota, o que pretende? Me matar no dia do meu
aniversário? — resmungo por entre as lágrimas.
Estava tão feliz, era uma felicidade que eu não experimentei por muitos
anos. Era a sensação de tudo estar no lugar certo, ou caminhando para isso.
Era a sensação de segurar em meus braços alguém que amo com meu corpo,
mente e espírito. Era a sensação de ser abraçado por uma pessoa que me
ama.
— Morrer? Não, prefeito. Você ainda tem muito o que viver, eu acabei
de descobrir que te amo.
Sorri, ri, gargalhei. Então me desvencilhei de seus braços e levei
minhas mãos até o seu rosto, segurando-o entre minhas mãos. Queria
admirar aqueles olhos que brilhavam como o puro ouro, desejava beijar os
lábios mais doces que já provei, e se não fosse pedir muito, eu queria ouvi-lo
dizer mais uma vez que me amava.
— Eu te amo, eu amo você, Robert.
Ele fecha os olhos, absorve minha declaração e quando torna a abri-los,
tem um sorriso leve enfeitando seu rosto e uma tempestade de emoções sem
igual no olhar. Finalmente Robert estava me deixando ver aquela parte sua.
Era tão preciosa para mim, eu queria cuidar dele na mesma proporção em
que desejava alimentar aquela chama em seu olhar e jamais deixá-la se
apagar.
“Continue me olhando assim, cowboy, continue me amando assim.”
— Eu queria tanto transar com você até não aguentar mais — deixo
escapar, ele ri um pouco surpreso. — Meu corpo está exausto, que droga.
Queria muito foder com você agora.
— Ah, coiote tolo.
Me surpreendo com a rapidez com que Robert abre os botões de sua
camisa e a atira longe. Engulo em seco. Eu poderia mesmo vencer o cansaço
de um dia exaustivo como hoje? Ele acabou de dizer que me ama com todas
as palavras, eu só queria estar junto dele de uma forma que ninguém mais
nessa vida poderá. Quero estar com ele e quero que ele esteja dentro de mim
em todos os sentidos.
— Vem... — Sua mão é estendida em minha direção, admiro seu
glorioso corpo nu antes de agarrar sua mão. — Você pensa demais, prefeito.
Apenas se agarre em mim e todo o resto encontrará seu devido lugar.
Confuso, o vejo apagar as luzes do quarto. Travo quando Robert me
guia até a janela, ela está fechada e a noite está tão escura que mal posso ver
o que tem do lado de fora, assim como não enxergo nada no interior do
quarto, apenas algumas sombras.
— O que está fazendo? — pergunto quando ele também passa a tirar
minhas roupas. Alarmado, penso logo que alguém pode nos ver.
— Quietinho, coiote. A festa está do outro lado da casa, quem vai nos
ver aqui?
Estava relutante, mas não o impedi de tirar o resto das minhas roupas.
Tampouco o impedi de juntar nossos corpos de pele quente quando ambos
estávamos completamente nus. Se a lua estivesse brilhando no céu esta
noite, duvido que as luzes apagadas dentro do quarto impedissem que nós
déssemos um show.
— Apenas se segure em mim — ele instrui com uma voz quente que eu
prontamente me vejo obedecendo. Seguro firme em seus ombros, apertando-
os. Estamos tão colados um no outro que eu posso sentir cada vibração em
seu corpo.
— Eu não consigo...
— Eu já estou dentro de você de uma forma que ninguém mais poderá
fazer, estou errado, prefeito? — Como eu poderia negar aquilo? — Então
basta me deixar tomar conta do resto, vou fazer cada parte sua ser minha.
Minha resposta foi um gemido alto quando as mãos calejadas que eu
amo, tocaram meu pau. Depois ainda sou chamado de tolo, esse cowboy
pensa mesmo que existe alguma parte de mim que ainda não foi tomada por
ele?
— Encoste em mim, deixe que eu sinta o calor do seu corpo — digo de
encontro a pele nua de seu pescoço. Eu queria me sentir amado por ele de
todas as formas e começo a entender o que Robert quer dizer. Ele está
tentando me fazer entender que podemos nos amar assim, apenas estando um
nos braços do outro.
Sua mão segurando meu pau, e a minha segurando o dele é apenas um
bônus. Algo muito bem-vindo, devo dizer. Pois tive meus gemidos de puro
prazer devorados por seus lábios quando estes vieram até os meus. E retribui
o favor engolindo seus próprios gemidos e grunhidos. Na posição em que
estávamos, com Robert me prensando na janela fechada, seu corpo quente
contrastando com a janela fria em minhas costas, era uma mistura deliciosa
de sensações.
Chupei sua língua como teria chupado o seu pau, e ele lambeu meu
pescoço como teria feito com qualquer parte do meu corpo. Os movimentos
de nossas mãos ficaram mais atrevidos, mais rápidos e intensos, da mesma
forma foram nossos corpos investindo um na direção do outro, como se
estivéssemos nos comendo. Que sincronia gostosa, que gemidos doces, que
mãos duras.
Eu me desmanchei tão gostoso em sua mão que precisei de sua força
para me manter de pé. Ainda bem que Robert podia me segurar.
— Eu estou quase lá, prefeito — sussurrou em meu ouvido, ele parecia
tão desesperado que eu lutei contra a nuvem de prazer que o orgasmo recente
tinha proporcionado, e me empenhei em masturbá-lo, da mesma forma que
fui de encontro ao seu corpo que investia com força em direção ao meu.
— Venha para mim, você disse que queria me marcar por fora também?
— Mordi seu pescoço, ele gritou, sua testa caindo contra o meu pescoço. Seu
gozo tingindo minha mão e barriga.
Respirações pesadas, corpos quentes e suados nos braços um do outro.
Essa é uma das formas nas quais podemos nos amar. Quem disse que regras
precisam existir? Quando estou nos seus braços dessa forma só existe uma
certeza para mim, e ela se chama Robert Durango. Ele é meu cowboy, meu
namorado, meu homem, a pessoa que amo e...
— Eu amo você, prefeito. Sei que é isso que você queria ouvir. Então se
ainda não ficou claro depois disso. — Seu corpo roçou no meu, arrancando
um gemido profundo. — Eu te amo.
E claro, ele é o homem que me ama.
CAPÍTULO 30
Dirigi para casa sem maiores problemas, o tempo todo minha mente
lutando para tomar o controle. Eu estava movido pela raiva, mas queria sair
vivo disso, então precisava ser o mais racional que pudesse. Por isso segui
minha rotina de todos os dias, como se não tivesse uma única preocupação
na vida. Parei o carro na casa de Reed e segui a pé até minha casa. Hope me
acompanhou em silêncio e quietinha ao meu lado, ela era uma garota tão
esperta, devia saber que algo estava errado.
— Vai ficar tudo bem, garota — falo para ela ao entrarmos em casa.
Hope solta um ganido desanimado e me segue por todos os lados enquanto
eu ligo as luzes. Normalmente, ela correria para sua cama ao lado do sofá e
ficaria por lá até que o jantar estivesse pronto, mas hoje parece sentir a
necessidade de estar ao meu lado.
Seguimos juntos para o quarto e lá vou direto para o cofre. Ele é
pequeno e escondido na parede atrás de um espelho grande. Dentro guardo
alguns documentos e a minha arma. É ela quem eu pego, colocando-a na
cintura, escondida por minha camisa. Novamente Hope latiu chorosa. Eu
sentia que ela estava assustada.
— Vamos, eu vou preparar o jantar.
Faço um carinho atrás de sua orelha, antes de deixarmos o quarto e
seguirmos para a cozinha. A casa como um todo estava tão silenciosa que
faria medo. Eu não liguei a TV, não tentei colocar uma música e Hope não
soltou mais nenhum latido. Ficamos os dois em completo silêncio enquanto
eu tirava alguns ingredientes da geladeira e começava a preparar o jantar.
Quem nos visse de fora poderia pensar que estávamos tendo uma noite muito
comum e despreocupada, mas quem fosse atento o suficiente saberia que
cada parte do meu corpo estava tensa ao limite. Meus dedos formigavam
tamanha era a minha raiva, eu queria colocar um fim naquilo. Estava dando
todas as aberturas para que o covarde viesse até mim, e pretendia que apenas
um de nós vivesse para ver o dia nascer.
Em meio a esse silêncio tenso, percebi o exato momento em que Hope
se ergueu de onde estava sentada aos meus pés. Suas orelhas estavam em pé
e ela se encolhia contra minha perna. Soube que tinha chegado a hora, por
mais silencioso que ele tivesse sido ao abrir a porta da frente.
— Se esconda, garota — sussurrei contra o pelo de sua cabeça, quando
me abaixei para calmar Hope. Ele ganiu baixinho uma última vez antes de se
enfiar embaixo da mesa.
— Eu sei que você está ai, Rob!
Segurei a coronha da minha arma e a tirei da cintura no momento em
que ouvi sua maldita voz. Me esgueirei até a parede próxima a entrada da
cozinha e lá fiquei, esperando por sua chegada.
— Quando você estiver morto, talvez eu ganhe uma medalha por livrar
o mundo de um lixo como você!
Tal provocação funcionou. Armando começou a disparar tiros como um
louco descontrolado. Me espremi contra a parede vendo as balas que
passaram direto pela porta da cozinha, atingindo móveis e paredes. Hope
latiu mais alto, assustada. Minha pobre garota, era melhor que ela corresse
para fora.
— Eu devia ter matado você quando tive a chance! — berrou, eu pude
notar que ele se aproximava da cozinha.
— Digo o mesmo, parece que acabar com você e te jogar na lama não
foi o suficiente, né?
Eu não sabia se tinha sido a única vítima de Armando, dificilmente esse
tipo de gente para em uma única vítima. E ele teve poder, influência e
dinheiro por tempo o suficiente para ameaçar, aliciar e abusar de tantas
outras pessoas. Talvez eu nunca saiba ao certo se teve mais gente, quantas e
quem foram. Mas sei de uma coisa, eu consegui pará-lo, o tirei dessa cidade
através dos meios que achei necessário e ainda garanti que não tivesse
condições de continuar seus atos em outro lugar. Fechei as portas para ele,
espalhei aos quatro ventos o tipo de gente que era Armando Contreras, onde
quer que ele fosse, sua fama o precedia. E pelo visto funcionou, eu posso até
estar puto de ódio com a sua volta, mas ela só prova uma coisa: eu o derrotei
no final.
E agora vou me encarregar de colocar a última pá de terra em seu
caixão.
Após minha fala esperei uma nova rajada de balas, mas ela não veio.
Levei muito tempo pensando nisso e quase não consegui escapar quando
Armando me surpreendeu chutando a porta da cozinha pouco antes de
começar a disparar em minha direção. Eu me joguei no chão, sentindo as
balas passarem a centímetros da minha cabeça. Quase fiquei surdo com o
barulho, meu corpo inteiro em alerta. Da posição em que ele estava,
Armando tinha total vantagem, pois me encontrava tendo apenas o balcão da
cozinha como escudo contra as balas.
— Você gostava, Rob. Gostava de ter a minha atenção e carinho... Nós
poderíamos ter continuado a nos dar muito bem, mas você quis estragar
tudo.
Sinto um bolo se formar em minha garganta, quero vomitar diante de
suas palavras asquerosas. Um dia, muito tempo antes, essas mesmas palavras
me deixaram fraco, assustado. Eu não tive forças para dar um basta e fugir.
Eu não tinha para onde ir e quase acreditei que queria aquilo... Hoje entendo
o mal que esse homem me fez, e o odeio profundamente por causa disso.
“Não vou deixar que ele tenha poder sobre mim outra vez!”
— Precisamos pôr um fim nisso, Rob. Um não terá paz enquanto o
outro viver!
O ignorei totalmente, não respondi as suas provocações. Eu só
precisava de uma chance e acabaria com esse pesadelo. Chega de sonhos
ruins, chega de temer essa escuridão. Eu vou matar o monstro que atormenta
meus piores medos.
— AÍ! Cachorro desgraçado!
Levou poucos segundos entre o latido de Hope, o grito de dor e raiva de
Armando, e o som de um tiro sendo disparado. Eu só percebi o que estava
acontecendo quando o corpo do antigo xerife caiu contra a porta aberta e
quebrada da cozinha. Foi um baque seco, ele não conseguiu se apoiar em
nada quando caiu. Sua arma escorregou para longe, indo parar próximo a
geladeira. Hope saltou para trás, ela parecia assustada com o que tinha feito,
até eu estava surpreso que minha doce cadela tivesse pulado no meu agressor
para me defender.
— Boa garota, boa garota, Hope — entoei, caminhando em direção a
porta onde Armando estava caído e soltando sons de engasgo. A arma ainda
estava firme em minhas mãos e apontada para a frente.
Hope continuou ganindo aos meus pés, queria acariciar sua cabeça e
certificá-la de que tudo tinha acabado, mas não era bem assim. Ainda tinha
vida nos olhos frios de Armando quando me aproximei dele.
— Faça isso, Rob. Mostre ao mundo que você não é tão diferente de
mim, que pode ser um monstro também...
A mancha vermelha crescia a cada segundo em seu peito. Ergui a arma
diretamente em direção a sua cabeça.
— Igual a você? — Ri. — Nós não somos nada iguais. Pensa que vai
conseguir me deixar refém do medo mais uma vez?
Ele me olhou com puro ódio.
— Quando você ultrapassa esse limite, nunca mais consegue colocar a
cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente.
Tombo a cabeça para o lado, o dedo firme no gatilho.
— Eu não durmo em paz faz muito tempo, você deveria saber disso,
pois foi quem começou com os meus pesadelos.
Ele abriu a boca para dizer alguma coisa, mas o único som que foi
ouvido em toda a casa foi o de um tiro. Uma bala certeira que atingiu sua
cabeça, bem entre os olhos. E então depois de décadas aqueles olhos
perversos que me causaram medo e repulsa estavam ali, parados, me
encarando sem um pingo de vida, e eu mais uma vez entendi o que é a
vingança:
Viscosa, opressora, obscura... satisfatória de uma forma que nenhuma
justiça jamais vai ser.
Eu tinha tido um sonho alguns meses antes, foi algo simples, nem
deveria ter me marcado tanto, mas de alguma forma sempre voltava a
lembrar dos acontecimentos vivenciados nesse sonho. Tinha sido um
daqueles sonhos em que você sabe que não pode ser real e ainda assim não
consegue acordar. Se sente angustiado, quer mudar os acontecimentos como
se eles pudessem afetar sua vida real.
Nesse sonho eu estava em casa, estranhamente sozinho apesar de ainda
ser cedo. Eu tinha que sair para o trabalho na fazenda, estava com as chaves
do carro na mão, pronto para ir até as plantações, entretanto, quando saí na
varanda da frente me deparei com um céu escuro. Era como se o mundo
estivesse acabando, e realmente estava. O que se seguiu foi confuso, cheio
de gritaria, não lembro ao certo de todos os acontecimentos, o que lembro
com clareza é da sensação esmagadora que oprimiu o meu peito. Eu sabia
que iria morrer, o mundo estava acabando diante dos meus olhos, e mesmo
que quisesse estar com a minha família nesse momento, tinha uma pessoa
que eu desejava encontrar mais do que qualquer outra.
Foi apenas um sonho, algo muito fora do normal, algo que
provavelmente nunca vá acontecer. Mas não consigo esquecer da sensação
de angústia e desespero que eu senti ao perceber que morreria sem dizer a
Reed que o amava. Pois mesmo sabendo que aquilo não podia ser real, me
fez lembrar de coisas que eu tentava esquecer. Era como se a minha vida
estivesse passando diante dos meus olhos. Eu amava minha filha, meu pai,
Joana, e para eles dei o meu melhor, os enchi de amor por anos. Já Reed,
quase não tinha restado nada. Eu amei quando pensei odiar, quando me
forcei a odiar diante de tudo que ele tinha feito, eu o amei e não demonstrei
isso por mais de uma década. Aquele era o meu único grande
arrependimento quando percebi que iria morrer.
É claro que no momento em que acordei e percebi, era apenas um
sonho, tratei de ignorar aquele peso em meu peito. Mesmo que daquele dia
em diante tenha me tornado menos rancoroso com relação ao meu irmão
mais novo. Passei meses pensando no que aconteceu entre ele e Celina,
aquele dia, aquela semana, era um completo vazio dentro de mim depois que
acordei no hospital. Tive sequelas que jamais poderiam ser revertidas, esse
vazio tinha se tornado parte de mim e eu o preenchi com raiva e revolta
direcionadas para a pessoa que responsabilizei por tudo de ruim que tinha
acontecido naquele dia. Jamais ouvi seu lado da história, ele se recusou a me
contar e isso facilitou o rancor. Então, mais de uma década depois me
encontrava olhando aos poucos, em silêncio, observando sua reaproximação
com meu pai. Reed tentava voltar lentamente para casa, e eu era uma espécie
de muro que o impedia de passar. Contudo, não sabia ser diferente, era
possível consertar nossa relação quando eu preenchi o vazio dentro de mim
com raiva direciona a ele?
— Sinto muito, Ricco. Já refizemos os exames duas vezes. Eles
mostram o mesmo resultado. Você tem um tumor no cérebro.
Naquele dia em que estava sozinho, sentado em frente a cadeira do meu
médico, enquanto ele me dava uma sentença de morte. Novamente vi a
minha vida passando diante dos meus olhos. E dessa vez não me surpreendi
quando ali encontrei o mesmo sentimento esmagador que senti durante
aquele sonho meses antes. Eu não queria morrer sabendo que Reed estava
tão longe. Por mais que eu pouco pudesse dar a ele a essa altura de nossas
vidas, eu queria que ele ficasse com uma parte minha que o trouxesse de
volta para casa.
— Quanto tempo eu tenho? — questionei ao homem que me olhava
com pena. Ele tinha me acompanhado depois do acidente por conta das
graves sequelas que tive. Eu tinha vindo me consultar com ele por
insistência do meu pai e de Joana, eles estavam preocupados com a minha
saúde fragilizada nos últimos tempos. Pensei que era exagero deles até
receber os primeiros resultados dos meus exames.
— Um ano, talvez menos... Nós podemos começar com alguns
tratamentos experimentais que podem aumentar sua expectativa de vida...
Suas palavras entram em meus ouvidos sem que eu prestasse atenção
nelas. Tratamentos experimentais? Não, para isso eu teria que parar tudo, as
pessoas a minha volta também o fariam.
Nunca antes tinha pensado no que faria antes de morrer. Acho que
ninguém para pra pensar nisso até que recebe uma sentença como a minha.
Quando você tem uma data marcada nesse mundo, começa a pensar no que
ainda precisa fazer. Talvez seja isso que te anestesie o suficiente para passar
pelo choque de descobrir: tenho um ano de vida, ou até menos.
— Como foi no médico, filho? — perguntou meu pai assim que
cheguei em casa. Ele tinha uma expressão preocupada que eu vi no rosto de
Joana algumas horas depois quando ela me fez a mesma pergunta. Também
tinha visto isso nos olhos da minha filha, e para cada um deles eu dei o meu
melhor sorriso e respondi:
— Foi tudo ótimo, eu estou perfeitamente bem. O cansaço? A saúde
fragilizada? Tenho trabalhado demais, vou pegar mais leve de agora em
diante e aproveitar meu tempo com as pessoas que amo.
Em troca, recebi sorrisos cheios de vida e percebi que valia a pena ter
mentido para eles. Do que adiantaria dizer que eu estava morrendo? Isso só
faria com que eles morressem um pouco a cada dia junto comigo, pelo
tempo que eu ainda tivesse de vida. Foi por eles, as pessoas que eu amo, que
escolhi não morrer, eu iria viver todos os dias que ainda tivesse e faria isso
tirando do caminho qualquer coisa que me trouxesse arrependimento no
final.
— Joana Villarde, você aceita ser minha esposa? — No meio da festa
da cidade, pedi em casamento a mulher que amava. Ao ver seus olhos
emocionados, a forma como ela gritou que “sim” tão animada e quis logo
que eu colocasse o anel em seu dedo, tudo isso foi a confirmação de que
apesar de estar sendo egoísta, era por um bom motivo.
Havia dito ao meu pai pouco tempo antes que pediria Joana em
casamento. Quando soube que teria menos de um ano de vida, pensei em
descartar essa ideia. Mas bastou algum tempo em sua doce presença tão
encantadora para que eu percebesse o porquê de ter desejado fazer esse
pedido em primeiro lugar. Eu queria passar o resto da minha vida ao seu
lado, é claro que gostaria que essa vida fosse bem mais longa, mas se não era
possível, eu lhe daria tudo que ainda tivesse.
Naquela mesma noite quebrei uma promessa que tinha feito para mim
mesmo e contei toda a verdade para a minha noiva. A segurei em meus
braços enquanto ela chorava e fazia diversas perguntas: “Não tem um
tratamento?” “Podemos fazer algo?” “Eu não quero te perder!”. Foi preciso
muita conversa para que Joana entendesse a minha situação. Eu mais uma
vez reafirmei meu desejo de ficar com ela até o fim, e deixei que ela tomasse
a sua decisão.
A partir daquele dia, eu estava noivo da mulher que amava e ela
carregava junto comigo o peso de saber sobre a minha doença.
— Você está lindo, pai! — Nana tinha um sorriso radiante nos lábios
quando entrou na sala em que eu estava me arrumando e me viu pronto.
— Olha quem f-fala — a voz falhou. Anelise estava tão bonita em seu
vestido azul, os cabelos soltos, salto alto nos pés. Minha menina estava
crescida e parecia uma rainha. — Você está linda, querida.
— Obrigada, pai. O senhor está pronto? Todos estão esperando, o
senhor tem que ir para o seu lugar, Joana também já está pronta.
Assinto, ela me oferece seu braço. Sorrio e enlaço nossos braços,
saímos da casa juntos. Joana e Nana acharam que era melhor realizar a
cerimônia de casamento nos jardins da casa, enquanto a recepção vai ser no
interior. Eu tinha apenas que concordar com as ideias das duas mulheres da
minha vida, não que me arrependa. Os jardins estavam lindos quando saímos
em um final de tarde, caminhando em direção a gazebo que foi construído
especialmente para a cerimônia.
Para a ocasião tínhamos convidado quase a cidade toda, o lugar estava
lotado e fui reconhecendo vários rostos amigos enquanto caminhava para o
meu lugar ao lado padre. Nesse momento, meu pai já estava em seu lugar no
altar, ao seu lado estava Rob, quebrando todos os padrões e a ideia tinha sido
de Nana. Ela adora aquele peão. Na primeira fileira de cadeiras vejo Reed,
eu tinha o convidado pessoalmente, naquele dia pensei que ele cairia morto
antes de mim. Tinha sido uma boa oportunidade para conversarmos, mas não
fizemos muito disso. Apesar de termos trocado algumas palavras, ele
prometeu que viria para a festa, tinha os olhos úmidos de uma forma
suspeita, talvez eu também tivesse quando caminhei até meu carro e deixei
sua fazenda.
— Está tudo pronto — disse a cerimonialista quando assumi meu lugar
no gazebo. Pouco depois uma música começou a tocar, era a escolha de
Joana para caminhar até o “altar”. Alguma música romântica que eu nem
mesmo sabia a letra, mas disse gostar para a agradar.
Ela estava tão linda, tão sorridente quando caminhou até mim. Eu a
amava tanto.
— Eu te amo — sussurrou para mim quando chegou ao meu lado e
segurou minha mão. Eu sorri e disse que também a amava. Então olhamos
para a frente e a cerimônia teve início.
Foi longa, com um grande discurso sobre amor e companheirismo por
parte do padre. Eu fiquei atento a cada palavra dita, e na hora dos votos
repeti aquilo que me motivava a estar ali mesmo sabendo do pouco tempo
que ainda tinha.
— Eu vou dedicar meu amor a você, Joana, por todo o tempo que tiver
a partir de agora. — Seus olhos estavam cheios de lágrimas, ela entendia o
peso daquelas palavras e as aceitou.
— Amar você vale a pena. Estarei ao seu lado até o fim.
Nós recebemos uma benção e estávamos casados. Depois disso
passamos quase uma hora recebendo felicitações e agradecendo a presença
dos nossos convidados. Todos seguimos para dentro da casa onde a recepção
estava esperando. Por causa da quantidade de convidados, mesas também
estavam espalhadas na varanda em volta da casa e com isso todos foram bem
acomodados para o buffet que viria a seguir. Eu estava me divertindo sem
sombra de dúvidas e me sentia bem como não sentia fazia meses.
Meu corpo estava ativo, minha mente funcionava com fluidez, não me
sentia tonto ou cansado. Não havia tido uma mínima dor de cabeça ao longo
do dia, por mais ocupado que tenha sido. Era surpreendente, acreditava que
fosse um presente de casamento. A oportunidade de vivenciar plenamente
esse momento.
Entretanto, tinha algo no fundo da minha mente me dizendo par ir em
frente. Eu tinha algo muito importante para fazer e não podia mais esperar.
Acho que foi naquele momento que eu entendi que não teria um ano inteiro
de vida. Pois senti aquela mesma opressão esmagadora em meu peito,
enquanto olhava meu irmão mais novo sentado à mesa com seu namorado.
Ele estava feliz, sorrindo. Assim como no sonho, sentia a necessidade de
falar com ele antes do fim. E felizmente os meus pés se moveram quando eu
tentei andar.
— Reed, nós podemos conversar? — Ele ergueu os olhos lentamente
em minha direção. Sem conseguir esconder a surpresa e a esperança contida
neles. Então assentiu, e sussurrando algo para o seu namorado, Reed passou
a caminhar ao meu lado para fora da casa.
Tinha um lugar onde eu queria que ele fosse comigo. Nós precisávamos
sair de casa para poder voltar para ela.
Me pergunto se algum dia vou olhar para trás e perceber que eu sabia
para onde estávamos caminhando. Não o “lugar” escondido por entre as
plantações para onde nós dois costumávamos fugir quando crianças. Mas
sim o destino inevitável que nos esperava.
Ricco mancou por todo o caminho, vi suor escorrer por sua testa e
pescoço, mesmo assim não me atrevi a oferecer ajuda. Ainda percorríamos
um caminho tão incerto que eu temia que qualquer passo em falso fosse
arruinar tudo.
— Nunca foi tão difícil chegar até aqui — ele disse em meio a um riso
sem fôlego. Eu sorri também, admirado com a alegria inegável que tomava
conta de seu rosto. O casamento tinha lhe feito bem. Era quase como se eu
pudesse ver novamente aquele ser humano incrível que eu conheci quando
jovem. O irmão que tanto amei.
— Estamos velhos — brinquei. Ele revirou os olhos e novamente fez
um grande esforço, dessa vez para se sentar no terreno gramado. Tínhamos
chegado em meio a um campo aberto, escondido por quilômetros de
plantações.
Quando mais novos costumávamos fugir durante a noite e vir para cá.
Ao me sentar na grama ao seu lado, uma série de lembranças tomou conta de
mim. As estrelas acima de nós eram as mesmas, sendo impressionante que
fosse assim, já fazia uma vida desde a última vez que fizemos isso. O céu
continuava intacto, firme no mesmo lugar, enquanto na terra as nossas vidas
tinham mudado para além da reparação.
— Acho que nunca perguntei diretamente a você o que aconteceu
naquela noite. Era mais fácil assim, mais fácil te odiar quando não sabia.
Mas hoje, você pode me dizer?
Fiquei muito surpreso que essa fosse a primeira coisa que ele me
perguntou. Ainda mais porque em seu rosto tinha uma espécie de paz tão
grande que desmentia a seriedade de sua pergunta.
— Não, eu nunca vou poder te dizer o que aconteceu.
— Por quê? Você não quer tirar esse peso das suas costas? — Seus
olhos miravam o céu o tempo todo, então fiz o mesmo. Encarando o céu
estrelado, respondi:
— Está tudo bem, eu não aguentei mais de uma década para agora
“jogar o peso fora”.
— Você é orgulhoso — disse com um riso leve.
— Sou.
— Está fazendo isso por quem? Por você ou por mim?
O encarei de relance.
— Me deixe te devolver a pergunta. O que você lembra daquela noite?
Ricco engole em seco e toca sua testa como se sentisse dor.
— Nada, é cada vez mais escuro e distante. Isso me angustia, sinto que
falta algo, uma peça que não se encaixa em tudo isso e ela é sempre você.
Vai fazer diferença para mim se eu souber a verdade?
Dessa vez ele me encara diretamente. Eu penso no assunto. O que
mudaria na vida de Ricco se soubesse? Ele enlouqueceria, meu irmão nunca
teve uma mente tão forte. Ele definitivamente enlouqueceria de dor e
remorso. Então todo o meu esforço para proteger aqueles que amo cairia por
terra. O que será de Nana? E meu pai, o quanto ele sofrerá novamente?
Suspiro e busco aquela dor que guardei durante tanto tempo dentro de
mim. Surpreendentemente ela quase não existe mais. No lugar sinto a
presença do meu xerife, os amigos que conquistei ao longo dos anos. E no
mais profundo, onde as feridas mais dolorosas estão, agora sinto também
como se alguns “remendos” estivessem sendo feitos. Neles enxergo meu pai
e suas últimas atitudes, vejo o olhar cauteloso de Nana, mas já sem ódio, e
agora vejo também o meu irmão com seu rosto sereno e feliz.
— Não mudaria nada — respondo, e Ricco assente.
A resposta que dei não foi para sua pergunta, por mais que ele tenha
entendido assim. A resposta foi para mim mesmo, eu não mudaria nada do
que fiz até aqui. Não importa quantas pessoas saibam do meu sacrifício, até
porque não foi por glória ou reconhecimento que eu o fiz. Foi por amor, esse
amor devastador e por vezes doloroso. Mas que molda o que somos nessa
vida.
Eu sou Reed Foster, um filho, um irmão, um tio. Sou alguém que
afundou para que aqueles que amo pudessem boiar. E hoje mãos firmes me
trazem de volta a superfície. Eu posso ver esse céu estrelado mais uma vez,
então está tudo bem. Eu posso viver com isso.
Uma tossida forte me tira dos meus pensamentos, encaro Ricco e ele
tem o olhar distante mais uma vez, enquanto tosse. Com as sobrancelhas
arqueadas, toco seu ombro.
— É melhor voltarmos, está frio e você não pode ficar doente no dia do
seu casamento.
Ele me olha e tem um sorriso estranho em seu rosto.
— Sabe porque eu te pedi para me seguir até aqui esta noite? — Mesmo
confuso, aceno que não. — Eu deveria ter morrido naquele acidente tantos
anos antes, contudo, Deus quis me dar uma outra chance. Me permitiu ver a
minha Nana crescer, pude receber e dar forças aos nossos pais ao longo dos
anos. E ainda consegui encontrar um novo amor a essa altura da minha vida.
Meu coração quase não cabe no peito de tanta felicidade, poucos homens
podem dizer algo assim em um momento como esse.
Abro a boca para perguntar onde ele queria chegar, e sou interrompido
por um erguer de mão.
— Só tem uma coisa que até pouco tempo eu não tinha conseguido
fazer ainda. Meu coração e minha mente estavam muito machucados. Sinto
muito se demorei tanto tempo, e se o tempo que estou te dando é tão pouco.
Te trouxe hoje aqui porque queria ser aquele menininho outra vez, aquele
garotinho feliz que tanto amava seu irmão mais novo.
Sinto uma dor estranha em meu peito, solto o ar pela boca e sinto-a
tremer. Algo molhado e quente molha as minhas bochechas. Ricco tem um
sorriso grande em seu rosto, ele está quase relaxado.
Com um braço esticado, meu irmão me puxa para junto dele, em um
abraço desajeitado. Como costumávamos fazer quando crianças. Muitas
vezes eu ficava com medo de vir sozinho para o campo, então o meu irmão
passava um braço por cima dos meus ombros e me puxava para junto dele.
Aquele abraço me acalmava e passava confiança. Ele estaria ali para mim,
não havia o que temer.
Seu corpo inteiro tremeu como se ele sentisse frio, tentei me afastar de
seu abraço, mas ele me segurou firme.
— Sinto muito por meu tempo com você ser tão curto. Sinto ainda mais
por ter causado isso de certa forma, eu estava magoado e até hoje não
entendo ao certo o que você fez e porquê fez, mas não é disso que quero
falar esta noite. O que tenho para te dizer é a única coisa sobre mim que eu
quero que você jamais esqueça. Eu te amo. Eu sempre vou amar você,
mesmo quando pensar que te odeio, pois você é o meu irmãozinho, Reed.
Sufoco o som de um soluço.
Eu sentia, sentia em cada célula do meu corpo o quanto o aperto de seu
braço ficava mais frouxo em volta de mim. Ainda assim não me afastei,
precisava ser abraçado mais um pouco, queria ser confortado depois de
tantos anos.
— Não seja tão forte o tempo todo, eu sei que você cresceu... Apenas
olhe em volta, sim? Tem tantas pessoas com você, agora eu vejo, e espero
que você também. Deixe que elas assumam o controle de vez em quando.
Tremo, dessa vez o soluço saí mais alto, ele acaricia meus cabelos.
— Ame todas as pessoas que quiser, jamais permita que te digam quem
você pode ou não amar. E se possível, ame aqueles que eu amo também.
Ame minha Nana, nosso pai, e a Joana. Pois eu sei que se você os amar, eles
nunca estarão sozinhos.
— Ricco...
— E me perdoe por sempre estar te dando trabalho. Olhe só agora, já
estou te pedindo para fazer tantas coisas. Você consegue? Eu sei que sim.
Existem muitas pessoas dispostas a te ajudarem, então basta não querer
carregar tudo sozinho nos ombros. Aceite ajuda sempre que precisar. E se
ainda assim ficar muito pesado, eu prometo que vou te ajudar de onde
estiver.
Faço um esforço para sair de seu abraço e o encaro. Ele esteve tão
pálido a noite toda?
— Por que está dizendo isso? — Ele me encara como se eu já soubesse.
E talvez saiba, apenas não quero dizer em voz alta. — Você não pode...
Meu irmão sorri, mas dessa vez seus lábios tremem e os olhos enchem
de lágrimas. Com os braços abertos pede para que eu me junte a ele. E assim
vou, aceito seu abraço e o abraço de volta. Juntos deitamos no chão gramado
abaixo de nós.
— Você deveria...
— Me deixe dar todo o tempo que ainda tenho a você, te dei tão pouco
ao longo da vida. Hoje vou fazer diferente.
Meu corpo treme novamente. Ele passa suas mãos em minhas costas,
em movimentos de cima para baixo.
— Eu amo você... — as palavras mal saem da minha boca, respirar é
tão difícil. Mas ele escuta, isso que importa. Ricco escuta, e suspira como se
esperasse por muito tempo para ouvir tais palavras. De fato, ele esperou
muito antes de ouvi-las.
O carinho em minhas costas para, percebo o exato momento em que sua
respiração também para. O corpo fica imóvel ao mesmo tempo em que o
meu se move em meio a um choro que prendi por quase uma vida. Todo o
tempo que passamos distantes um do outro.
Algum tempo depois, não sei ao certo quanto, me ergo para encontrá-lo
com os olhos fixos no céu e um sorriso no rosto. Meu irmão nunca pareceu
tão em paz e tão feliz quanto naquele momento. Com a visão turva por conta
das lágrimas, levei uma mão até seus olhos e os fechei, restando apenas o
sorriso no rosto.
— Eu te dei uma parte da minha vida, e você a viveu plenamente.
Meu choro fica mais alto, minha garganta dói ao ponto em que puxo o
ar com força ou não conseguiria respirar. Dor e amor lutam em meu peito.
Olho para o lado e por um segundo que tenha sido, juro, eu a vi, era a minha
mãe. Ela estava olhando para nós do meio do campo gramado. Ela estava lá
e na mesma hora o meu peito desobstruiu, pude respirar novamente.
— Cuida dele — sussurrei para o vento quando não pude vê-la mais. —
Eu prometo que vou cuidar do papai, da Nana e da Joana.
Senti um toque em meu ombro, contudo, ao virar não vi ninguém. Um
sorriso trêmulo tomou conta do meu rosto choroso.
— Eu também amo você, meu irmão — falo, reunindo forças para
pegar seu corpo em meus braços e voltar para casa. Os dois filhos da família
Foster estavam retornando para casa.
Tenho sido um vagante por toda a minha vida
E pensar que tudo isso aconteceu porque meu filho mais novo insistiu
que eu tivesse uma despedida de solteiro. Eu achei a ideia ridícula a
princípio, nem mesmo quando era jovem e me casei com Agnes tive uma
coisa assim. Mas Reed não desistiu. Continuou insistindo até que Robert riu
e disse que os peões da fazenda Miracle, onde ele foi capataz por anos,
estavam organizando algo parecido para ele. Eu fiquei enciumado na mesma
hora, ele demonstrava tanta empolgação para a tal “despedida de solteiro”,
acabei por impulso concordando com a ideia de Reed.
— Certo, organize tudo, meu filho. — Me arrependi na mesma hora em
que essas palavras deixaram minha boca. De um lado tinha um Robert com a
cara amarrada e do outro estava meu filho com uma expressão muito
satisfeita. Só conseguia pensar naquela frase “fazer um contrato com o
próprio diabo.”
Não deu outra, na noite anterior a cerimônia de casamento, fui
“sequestrado” por Reed, e Robert desapareceu logo cedo. As duas
despedidas de solteiro aconteceriam ao mesmo tempo para que um noivo
não se metesse na despedida do outro. Até aí concordei, meio relutante,
sabia que Reed estava aprontando alguma coisa. E estava errado? Óbvio que
não! Bastou que ele parasse seu carro em frente ao poço, para que eu
percebesse, mais uma vez, o grande erro que cometi ao deixar meu filho
preparar minha despedida de solteiro.
— Você não aprontou alguma loucura, não é, Reed?
— Claro que não! — Fez a maior cara de ofendido, eu revirei os olhos.
Até parece que não fui eu quem limpou as fraldas de merda desse garoto. —
Confie em mim, pai. Vai ser divertido e inesquecível... Meus olhos que lutem
para sobreviver a isso... — resmungou ao final.
— O quê?
— Nada! — Desceu do carro. — Vamos lá, o bar está fechado essa
noite, exclusivamente para você.
Não levei em grande consideração suas palavras até que passamos pela
porta do bar, tudo estava estranhamente silencioso. Nada como uma noite
normal e barulhenta no poço. Isso sem falar nas luzes desligadas e no fato de
que éramos as únicas duas almas vivas no local.
— Isso é algum tipo de brincadeira sua, Reed? — perguntei. Ele me
empurrou para continuar andando.
— Está entregue, agora me deixe ir antes que meus olhos queimem com
a visão. Vou fechar a porta quando sair, mas ele está com outra cópia das
chaves. Aproveite seu presente adiantado.
— Reed... Reed! — Meu filho escapou antes que eu pudesse fazer
alguma coisa. Bem que eu sabia, era uma péssima ideia confiar em Reed
para algo assim. — Onde eu fui me meter?
Tomo um pequeno susto quando a luzes de uma única parte do bar se
acendem fazendo um barulho alto no ambiente silencioso. Quase ao mesmo
tempo uma música sensual começa a tocar. Me sobe um arrepio pela espinha
ao olhar para o local em questão e notar uma nova adição ao bar. Era um
palco pequeno, eu tinha ouvido falar algo sobre as noites de sábado e um
novo show que estava sendo oferecido, mas com os acontecimentos recentes
não tive cabeça para vir conferir por mim mesmo.
— Reed não fez isso — murmuro, um tipo diferente de vergonha
tomando conta de mim. Eu tinha ouvido falar desse tipo de show. Meu filho
fechou o bar pela noite para me dar um show de stripper particular?
Como se esperasse por minha pergunta, uma nova luz se acendeu no
centro do palco, ali pude ver uma cadeira, onde um homem grande estava
“sentado”, de costas para a plateia de um homem só. Ele vestia jeans, botas e
chapéu de cowboy. A primeira coisa que notei foi a bunda firme que
começou a se mover de um lado para o outro, seguida pelas costas largas de
pele queimada do sol. Músculos grossos marcavam cada parte daquele
corpo, os que estavam à mostra e os que estavam cobertos pelo jeans.
Depois do que pareceram horas observando os músculos firmes, eu
cheguei à cabeça coberta pelo chapéu de onde escapavam alguns fios de
cabelo castanho e cacheados. Eu conhecia aqueles cachos, da mesma forma
que conhecia o resto daquele corpo.
— Robert? — sussurrei para mim mesmo, caminhando de forma incerta
até parar diante do palco. Se tivesse qualquer controle sobre meu corpo, juro
que teria levado a mão até o queixo e conferido se estava escorrendo baba.
Ele se virou de frente para mim quando a música ganhou um ritmo mais
frenético. Pude ver meu noivo em seu potencial máximo, o torço nu, um
pacote bem marcado em sua calça e uma expressão concentrada enquanto
movia seus quadris ágeis de um lado para o outro. Pelos céus, se meu
coração acelerar desse jeito é capaz de eu ter um infarto faltando um dia para
o nosso casamento.
O peão não falou nada, ele continuou concentrado como se assumisse
algum tipo de papel. Dançou em volta da cadeira, roçou seu corpo por
inteiro nela. Sentou e se ergueu, rebolou no estofado, hora mostrando sua
bunda firme, em outros momentos mostrando seu pau duro, que quase não
conseguia ser detido pela calça. A essa altura eu certamente salivava.
Ainda bem que o bar estava fechado para nós, afinal, que tipo de
prefeito eu seria se arrancasse os olhos dos meus eleitores por terem o prazer
de presenciar tal visão pecaminosa?
Quando pensei que não poderia ficar melhor, Robert desceu do palco e
veio até mim. Ele permaneceu em silêncio quando me empurrou em direção
a uma das mesas vazias, caí sentado em uma cadeira, ele prontamente
recomeçou seu show, dançando ao meu redor, me provocando, roçando
aquele corpo tentador no meu. Eu queria o tocar, mas ele fugia das minhas
mãos e permaneceu assim até sentar em meu colo, rebolando duro e me
fazendo gemer alto. O sorriso satisfeito em seus lábios era inegável.
— O que está fazendo, peão? — murmurei. Ele rebolou mais forte.
— Onde mais eu estaria quando planejaram um show para o meu
prefeito? — Um arquear de sobrancelhas orgulhoso acompanhou tais
palavras.
— Possessivo? — retruquei, querendo seus lábios nos meus, mas ele
fugiu, se levantando do meu colo e pegando meus quadris com um impulso
forte que me colocou sentado em cima da mesa.
— E se eu estiver? Você tem queixas quanto a isso?
Neguei, empurrando o chapéu de seus cabelos, que caiu em algum lugar
do chão, enquanto eu o puxava para cima de mim, beijando seus lábios da
forma como queira fazer. Ele grunhiu em meus lábios, apertou mais duro os
meus quadris e enfiou sua língua em minha boca.
— Segure-se para o resto do show, prefeito.
Eu não queria fazer nada além daquilo, mas a razão continuava lutando
dentro de mim contra aquele tesão louco.
— Alguém pode nos ver... — tentei dizer, suas mãos sendo rápidas em
afastar minha camisa, ao mesmo tempo em que a boca safada descia pelo
meu peito agora exposto. Meus mamilos sendo chupados de uma forma que
me deixava louco. Fui esparramado em cima da mesa de bar antes de receber
uma resposta.
— O local é todo nosso esta noite, as câmeras estão deligadas... É um
presente pelo casamento, podemos agradecer a dona depois e apenas
aproveitar o que estamos recebendo?
— Você vai continuar dançando para mim? — Ele riu contra a pele do
meu quadril, pois já baixava minha calça antes mesmo de ouvir uma
resposta. Tão convencido.
— Mantenha os olhos bem abertos e aprecie, senhor prefeito.
Ele não precisou dizer duas vezes. Com a calça presa nos joelhos,
minha ereção pendendo próxima a minha barriga e um olhar atento nele, eu
estava apoiado nos cotovelos e apreciando seu show. Robert não foi muito
longe, apenas o suficiente para mexer aquele corpo gostoso de um lado para
o outro, agora com seus cachos livres do chapéu e cobrindo o rosto másculo.
Ele passou as mãos ásperas pela pele descoberta de seu peitoral e foi
descendo aos poucos, de forma torturante, demorando muito tempo até
chegar em sua calça e mais tempo ainda para abrir um simples zíper. Eu
quase me ergui para fazer isso por ele, mas fui impedido com um único
olhar, acompanhado por uma voz autoritária:
— Não se mexa, coiote. Você deve apenas assistir.
Gemi descontente, quase engolindo a língua ao ver que o safado não
usava cueca por baixo da calça jeans. Também, a maldita coisa parecia uma
segunda pele. Ela desceu por suas pernas grossas, revelando o pau longo,
escondido atrás de pelos escuros. Porra, por que eu demorei tanto para notar
esse homem?
— Olha só a cara que você está fazendo, amor.
Era tão raro que ele me chamasse assim, que todos os pelos do meu
corpo se arrepiaram, ao mesmo tempo em que consegui “arrancar” os olhos
daquele mastro que se movia de um lado para o outro, junto de seu quadril.
Estava com água na boca.
— Você vai fazer essa mesma cara quando voltarmos a esse bar e você
lembrar o que fizemos em cima dessa mesa? — Engulo em seco, suas
palavras são sempre a primeira coisa a me enlouquecer, antes mesmo de suas
mãos e boca chegarem até mim.
— Depende, cowboy... — murmuro, estalando a língua de forma
“pensativa”, enquanto ele ergue uma sobrancelha e aperta os olhos. Mal
consigo esconder o sorriso provocador quando ergo uma perna, me livrando
assim da calça antes presa nela. Seu olhar segue o gesto, assim como sua
língua que desliza pelos lábios carnudos.
— Depende? — insisti.
— O que mais você tem para mim? Acha que é capaz de tornar
inesquecível?
Eu gostava da forma como “aquele tipo de olhar” me deixava sem ar,
com a garganta seca, as mãos trêmulas.
— Ah! — Dou um pequeno salto na mesa quando ele agarra meu pé,
puxando-o para cima, mordendo-o, assim como morde alguns outros pontos
da minha coxa. A pele clara rapidamente assumindo um tom avermelhado.
— Apenas fique vendo, coiote, e depois me diga se é inesquecível ou
não!
Ele tinha tomado minhas palavras como um desafio, eu não poderia ter
pedido nada melhor. O que era a sua boca me consumindo por completo?
Pelos céus, eu tinha que agradecer por não ter ninguém por perto e por saber
que as câmeras estacam desligadas. Saber disso me permitiu me soltar mais,
me abrir para o receber e soltar todos os sons que seus toques me
proporcionavam. Ao mesmo tempo em que não conseguia fugir do
constrangimento de saber o que estávamos fazendo e onde.
Eu poderia olhar para aquele bar da mesma forma, depois de ter Robert
ajoelhado entre as minhas pernas, chupando meu cu antes de enfiar seus
dedos e me esticar para ele? Jamais! Até mesmo pensar nisso me deixaria
envergonhado. Quando voltasse a entrar nesse bar teria que lutar contra um
pau duro.
— Segure na lateral da mesa, amor — sussurrou contra meu ouvido. A
essa altura a minha mente estava dando voltas e meu quadril se movendo por
vontade própria. Podia senti-lo se colocando contra a minha entrada, pronto
para me invadir com seu pau duro. Meu cu se apertando em expectativa,
sentindo falta dos dedos que até pouco estavam me esticando. — Eu vou
continuar rebolando, dessa vez com meu pau dentro de você.
Engasguei com o próprio ar. Forcei meus olhos abertos e o encarei. Ele
veio por cima de mim, me invadindo, juntando nossos peitos e bocas.
Agarrei seus ombros largos, segurei firme e o puxei ainda mais para mim. A
forma enlouquecida como recebi, deixo-o louco. Ele gemeu alto, a boca
aberta, os olhos se forçando abertos para encarar meu rosto.
— Isso, meu amor, olhe para mim... — pedi, rebolando meus quadris de
encontro aos deles, Robert gemeu ainda mais alto. Os olhos praticamente
revirando de prazer. — Quero que veja o meu rosto, você precisa saber o que
pode fazer comigo.
Ele soltou um riso abafado, o rosto ainda contorcido de prazer enquanto
seus quadris investiam com força contra os meus. Eu estava tão perto, podia
sentir o prazer enlouquecedor percorrendo cada ponto do meu corpo, os
dedos das mãos e dos pés se apertando com força.
— Isso é injusto, coiote. Eu deveria dar um show para você, mas olha
só para esse rosto... — Seus lábios roçaram nos meus, o queixo com barba
roçando na minha pele, ambos estávamos tão quentes, febris. — Você é
quem está dando o melhor espetáculo.
Usei uma das minhas pernas para o puxar impossivelmente para mais
perto, o manter bem dentro de mim enquanto meu corpo tremia em cima da
mesa. Senti o gozo quente escorrendo do meu pau e sujando o espaço entre
nossos corpos. Dessa vez não consegui manter os olhos abertos, mas tive
sorte, pois quando tornei a abri-los, foi no exato momento em que meu
cowboy se desmanchava em puro prazer. Ele gritou com o rosto próximo ao
meu, um gemido longo veio logo em seguida. Eu tive que beijá-lo mais uma
vez e assim ficamos por um bom tempo. Ninguém queria ceder, nenhum de
nós queria se afastar.
— Você aproveitou o show? — perguntou um tempo depois, eu mal
sabia o que responder. Minha mente ainda lutando para recobrar o controle.
— É bom que tenha aproveitado, essa foi sua última noite de liberdade. A
partir de amanhã será um homem casado, e seu futuro marido é bem
ciumento.
Soltei um riso rouco.
— Eu bem sei disso, ele se prestou ao papel de stripper apenas para que
outro homem não o fizesse para mim.
O olhar orgulhoso em seu rosto disse tudo.
— Estou sempre ao seu dispor, coiote.