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INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Por
Rio de Janeiro
Julho/2011
P
asseando pelas diversas páginas que se encontra facilmente na Internet hoje em dia,
me deparo com uma citação feita pelo filósofo empirista John Locke: “Sempre
considerei as acções dos homens como as melhores intérpretes dos seus
pensamentos." O filósofo, seguidor do Empirismo, que atribuía grande importância à percepção
humana na produção da sabedoria e portanto, considerava o sujeito uma tabula rasa, preenchida
conforme suas experiências singulares no mundo que o rodeia, é perfeito para começar este
trabalho.
Kaspar Hauser era um jovem de cerca de quinze anos quando foi encontrado em
1928 numa praça em Nuremberg portando apenas uma carta endereçada anonimamente ao
capitão da cidade explicando a sua história e alguns outros objetos que viriam a lhe caracterizar
como um membro da nobreza. O rapaz não sabia pronunciar qualquer palavra e muito mal
conseguia andar. Nessas condições, sem saber falar ou andar, é impossibilitado de articular
raciocínios, pois estes seriam produzidos através da linguagem, ainda que em pensamento.
Conseqüentemente, também estava sendo privado de interagir fisicamente com o novo ambiente.
Segundo a carta que estava em sua mão, o rapaz desde o nascimento foi mantido
numa espécie de cativeiro onde nunca teve contato com outro ser humano. Basicamente mantido
a pão e água que lhe eram deixados durante a noite, enquanto dormia, por um senhor. No filme,
seu pai.
Kaspar não pôde participar dos acordos lingüísticos acerca do mundo e se nossa
capacidade de conhecer o mundo estaria ligada à nossa capacidade de interagir, Kaspar também
não pôde conhecer o mundo antes de ter acesso à linguagem. Ele só pode percorrer um caminho
inverso: a interação sempre precária depois do cativeiro o leva a um processo de conhecer
sempre turvo por se basear em fatos que não pôde experienciar apriori. Sem passar pela práxis,
Kaspar Hauser passa a conhecer o mundo através da linguagem, mas, mesmo assim, este mundo
lhe parecerá sempre estranho, sempre envolto em uma cortina e é assim inclusive que Herzog
inicia seu filme.
Pouco tempo após sua chegada à Nuremberg, Kaspar sofre um primeiro atentado
que é precedido de outro, que culminaria em sua morte. No filme somos levados a acreditar que
seu próprio pai seria o autor de tais atentados devido à fama conquistada, sendo esta perigosa em
consideração da atenção que Kaspar trazia de todos para sua origem enigmática. Kaspar Hauser
foi assassinado com uma facada no peito e na realidade, o autor desta facada nunca fora
encontrado, se tornando o fato mais um dos vários mistérios que a vida deste personagem trazia.
Após sua morte, seu corpo se tornou objeto de estudo na busca de correlações entre seu
comportamento e sua biologia. Seu cerebelo foi identificado como parte mais desenvolvida de
seu cérebro assim como o hemisfério direito. Isso poderia nos esclarecer sua habilidade musical
desenvolvida, como mostrada no filme.
O filme relativiza a situação de Kaspar Hauser: estaria ele num déficit intelectual
para com a sociedade, já que não teve a oportunidade de aprender sobre o mundo e amadurecer
conceitos em sua mente? Ou teria ele uma percepção mais aguçada da realidade, pelo fato de não
ter limitado suas idéias a palavras e imagens que sacrificam o sentido dos conceitos? Ouviria ele
os "gritos amedrontadores" que nós não ouvimos, conforme Herzog coloca no início de seu
filme: "Vocês não conseguem ouvir esses gritos amedrontadores que habitualmente chamam de
silêncio?"