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4.3. Arquitetura tradicional e inspirações de tendência Eclética e Art déco em Pedro II

O ecletismo foi um estilo arquitetônico que se originou na Europa no final do século


XVIII e se estendeu até o início do século XX. A princípio, caracterizou-se por ser uma
corrente que criticava a reprodução dos estilos passados, procurando interpretá-los
livremente. A produção industrial em larga escala fez surgir novos materiais, técnicas e
necessidades funcionais diferentes. Aos arquitetos era preciso ter o domínio sobre o maior
número de estilos possíveis para atender o gosto da nova classe social, a burguesia, que
poderia a tendência que mais lhe agradasse (MELO, 2012). Dessa forma, esse estilo
apresentou-se como um movimento em que os arquitetos reuniam várias tendências e as
utilizaram de maneira livre, misturando em um mesmo edifício influências bastante distintas.
A burguesia desejava mostrar que possuía o poder financeiro daquela época, transformando
suas residências em símbolos de ascensão social (LEMOS, 1989).
No Brasil começou a ser praticado nos fins do século XIX, influenciado pelo grande
número de imigrantes que se deslocaram para o país, tornando-se a arquitetura apropriada
para expressar toda a diversidade de costumes existente. A influência cultural vinha da
Europa e os materiais e técnicas, em sua grande maioria, eram importados (LEMOS, 2003).
Sá (2002) afirma que começaram a ocorrer mudanças nos programas, nas plantas das
edificações e nas distribuições dos cômodos das residências. Segundo Reis Filho (2010),
inicialmente, com relação ao lote, o edifício é implantado recuado de um limite lateral e
alinhado à via pública. O jardim como elemento paisagístico é inserido nas residências
maiores, possibilitando arejamento e iluminação, demonstrando maior preocupação
higiênica. A entrada principal desloca-se para a lateral.
Os telhados eram em duas ou quatro águas, podendo ser recobertos de telhas
cerâmicas francesas ou telhas canal. Surgem as platibandas, que em pouco tempo passam
a ser repletas de elementos decorativos e curvas sinuosas. A fachada frontal é a que mais
se destaca e as cores são fortes. As vergas podem ser retas, em arco pleno ou arco ogival e
os gradis de ferro estão presentes quase que obrigatoriamente nos prédios da época. As
linhas são mais assimétricas e a verticalidade é acentuada pelas platibandas e torres,
valorizando o pavimento superior. Outra característica é a existência de porão elevado com
a presença de óculos para ventilação (MELO, 2012).
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Quando ocorrem dois pavimentos, o térreo é voltado para a parte de serviços e o


primeiro pavimento, mais privativo, destinado à área social. No início, o interior não
experimenta muitas modificações, ficando na frente da casa a sala de visitas; os quartos em
torno de um corredor ou sala de refeições na parte central; e a cozinha e banheiros ao
fundo. Os hábitos de higiene mudam, sendo introduzidas primárias instalações hidráulicas.
Com o passar do tempo, a construção fica totalmente solta dos limites do terreno e a antiga
uniformidade dos edifícios deixa de ser utilizada (REIS FILHO, 2010).
No Piauí, de acordo com Silva Filho (2007), o surgimento da navegação a vapor no
rio Parnaíba propiciou a entrada de mercadorias industrializadas, como mobiliário e
materiais de construção, favorecendo a multiplicação das casas exclusivas de comércio.
Esse intercâmbio comercial permitiu a disseminação do ecletismo no começo do século XX.
A inovação era desejo da população da época e a arquitetura passou a exigir novas
soluções, em uma renovação cuja tendência era seguir os padrões das regiões mais
desenvolvidas do país.
Assim como no restante do estado, a cidade de Pedro II, em uma primeira tentativa
de renovar os antigos edifícios, passou a utilizar platibandas, como um elemento decorativo
que escondia os beirais e, de certa forma, modernizava a edificação. Nesse momento, os
interiores quase não são alterados, sofrendo poucas modificações em relação às plantas da
prática arquitetônica colonial.
Um imóvel exemplo disso na cidade é o edifício sede da Prefeitura Municipal, cujo
uso de origem era residencial e possui planta baixa na configuração da tipologia morada
inteira da arquitetura tradicional do período colonial. A implantação, da mesma forma que
nas casas mais antigas, continuou sobre as divisas laterais e frontal do terreno. Localizado
no entorno da Praça Domingos Mourão (Rua Tertuliano Brandão Filho, 345), foi construído
na primeira metade do século XX (Figuras 119).
Nesse edifício, a utilização do ecletismo ficou restrita somente à sua fachada, que
conta com a presença de molduras e frisos e onde foi construída uma platibanda com
elementos decorativos característicos da arquitetura eclética. Ademais, novos materiais
construtivos foram incorporados, como em suas janelas rasgadas por inteiro, que receberam
peitoris entalados de ferro batido (Figura 121).
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Figura 119: Prefeitura Municipal de Pedro II.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

O estado de conservação do exterior do prédio é considerado bom, mas inúmeras


foram as modificações internas que o mesmo sofreu a fim de adequar-se ao novo uso. As
paredes que separavam os dois primeiros aposentos de cada lado foram suprimidas,
transformando o que antes eram quatro ambientes em apenas dois com dimensões
maiores. Na antiga varanda de refeições, assim como na ala lateral, várias paredes foram
edificadas e portas acrescentadas para a criação de novos cômodos. Além disso, houve a
construção de uma edícula com três salas de função administrativa na lateral oposta à
puxada (Figura 120).
Apresenta alvenaria mista de adobe, tijolo queimado e pedra, com pintura hidráulica
verde e frisos em branco. A cobertura é formada por telhas cerâmicas industriais modelo
colonial em meia cana sobre ripamento e caibros de madeira serrada e platibanda cega com
ornamentos em argamassa corrida. O piso em ladrilho hidráulico encontra-se preservado
nos espaços originais do edifício, enquanto os recentes fazem uso de cimentado. O corredor
de entrada e boa parte dos cômodos receberam forro em placas de gesso, enquanto outros
se mantiveram em telha vã. As vergas são retas e as esquadrias possuem almofadas,
vedações de calha e pintura esmalte cinza claro. A pavimentação do passeio é realizada por
blocos de pedra.
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Figura 120: Planta baixa atual da Prefeitura Municipal de Pedro II.


Fonte: Arquivo 19ª Superintendência Regional do IPHAN.

Figura 121: Detalhe das janelas rasgadas por inteiro dotadas de


peitoris entalados de ferro batido e da platibanda cega ornamentada.
Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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Figura 122: Aspecto da Prefeitura Municipal de Pedro II em 1970.


Fonte: Arquivo do Professor Ernani Gentirana Lima.

Figura 123: Aspecto do imóvel no ano de 1987 integrando o conjunto da Rua Tertuliano Brandão Filho.
Fonte: SILVA FILHO (2007, v. 2, p. 40).
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O segundo imóvel analisado que se utilizou do ecletismo apenas para composição


de sua fachada é o antigo edifício sede da Associação Rural de Pedro II. Sua planta baixa
também é proveniente da arquitetura tradicional do período colonial, na tipologia “casa
exclusiva de comércio”, e sua implantação, do mesmo modo que nas construções mais
antigas, permaneceu sobre os limites laterais e frontal do lote. Localizado no entorno da
Praça Domingos Mourão (Rua Antônio Benigno, s/n) foi construído provavelmente no final
do século XIX (Figura 124).

Figura 124: Antigo edifício sede da Associação Rural de Pedro II.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

Como visto em momento anterior, as casas exclusivas de comércio se distinguiam


das moradias pelo predomínio de portas em relação às janelas das habitações e também
através do arranjo interno, adaptado para a instalação de prateleiras e balcões.
Preferencialmente, se alojavam nas esquinas e com menor frequência nos centros dos
quarteirões. Sua formatação básica consistia na existência de um ou dois cômodos aos
fundos reservados para depósito de mercadorias e de um espaço maior destinado à
loja propriamente dita, com quase todos os vãos externos constituídos por portas (SILVA
FILHO, 2007).
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Apesar da tipologia do edifício relacionada à atividade comercial e de uma


consequente conclusão que ele foi originalmente utilizado por uma casa de comércio,
a Associação Rural de Pedro II instalou-se no imóvel ainda em tempos longínquos, fazendo
dele sua sede própria como atesta a grafia na fachada principal e alterando sua ocupação
para o uso institucional. Diante dos muitos anos em que serviu para tal atividade,
presume-se que essa tipologia também poderia se adequar a outras funções. Atualmente,
mesmo não pertencendo mais à Associação Rural, a grafia frontal foi conservada e
a edificação ainda possui uso institucional. Propriedade do Instituto Nacional de Seguro
Social (INSS), encontra-se sob administração da prefeitura e abriga uma secretaria
municipal (Figura 125).
Quanto às características da arquitetura eclética, os destaques são a platibanda
cega dotada de elementos decorativos na fachada principal e a empena lateral arrematada
por frisos em argamassa corrida. O detalhe mais interessante na platibanda é o ornamento
alusivo à bandeira da República Federativa do Brasil. Além disso, chamam atenção também
a grafia mencionada anteriormente e os buzinotes metálicos em chapa de zinco para o
escoamento das águas pluviais (Figura 126). Uma modificação mais recente no edifício não
passa despercebida: as portas da fachada frontal foram parcialmente vedadas com
alvenaria, transformando-se em janelas.

Figura 125: Planta baixa atual do antigo edifício sede da Associação Rural de Pedro II.
Fonte: Arquivo 19ª Superintendência Regional do IPHAN.
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Com estado de conservação considerado bom, o prédio apresenta alvenaria em


tijolos de fornalha, com pintura hidráulica rosa e enquadramentos, frisos e adornos em
branco. Sua cobertura é formada por telhas cerâmicas industriais modelo colonial em meia
cana sobre ripamento e caibros de madeira serrada, platibanda e empena cegas com
detalhes em argamassa corrida. O piso original de ladrilho hidráulico foi substituído por
cimentado. As vergas são retas e as esquadrias possuem vedações de calha e venezianas
e pintura esmalte na cor castanho. O passeio é composto por blocos de pedra e ladrilhos de
barro cozido.

Figura 126: Detalhe do adorno alusivo à bandeira brasileira e de um buzinote metálico.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

Mais um exemplar eclético de Pedro II com implantação, estrutura e setorização


ainda referente aos modelos arquitetônicos do período colonial é o Memorial Tertuliano
Brandão Filho. Situada na Praça da Independência (Rua Tertuliano Brandão Filho, 236),
essa edificação de características neoclássicas teve em sua construção, de acordo com
Benício (1986), a presença dos artesãos e mestres de obra cearenses Luís Nunes e João
Umbelino, vindos de Sobral e Ipu, os maiores centros comerciais do Ceará na época,
levando cerca de três anos até ser concluída em 1925. No local eram comuns as
realizações de solenidades importantes e decisões políticas e sociais, já que o edifício
abrigava a residência de uma das famílias mais influentes do Piauí (Figura 127).
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Figura 127: Memorial Tertuliano Brandão Filho.


Fonte: ALMEIDA; MELO (2006, p. 09).

Na Europa, o período entre 1760 e 1830 foi marcado pela Revolução Industrial que
trouxe inúmeros avanços técnicos e materiais. No âmbito da arquitetura, o Neoclassicismo é
o estilo desse momento, iniciando-se na França e na Inglaterra. Ao longo de todo o século
XIX e até o começo do século XX, a arquitetura neoclássica foi marcante nas construções
de outros países, como o Brasil, que aderiu a essa prática após a chegada da Missão
Artística Francesa em 1816. O objetivo principal era transformar o Rio de Janeiro, que agora
abrigava a Corte Portuguesa, em uma cidade com padrões europeus. A Academia de Belas
Artes incentivou as construções neoclássicas por todo o país (REIS FILHO, 2010).
A principal característica desse estilo foi a busca pelo classicismo, pela pureza da
arte clássica. Suas plantas geralmente apresentam formas quadradas, retangulares ou
centradas. Os frontões e as colunatas são muito utilizados, mas não há sobreposição de
ordens arquitetônicas. O exterior procura demonstrar suntuosidade, enquanto o interior
deseja a comodidade, o bem-estar. O templo grego aparece como a inspiração principal, e
as linhas volumétricas dominantes são as horizontais. Há autonomia entre os elementos
decorativos e os principais materiais utilizados eram os tijolos, a pedra, o mármore branco, a
pedra calcária e o granito (MELO, 2012).
Muitos teóricos associam a produção neoclássica no Brasil ao Ecletismo, como uma
espécie de introdução desse estilo no país. Isso decorre do fato de que quando o
Neoclassicismo foi absorvido pela arquitetura nacional, ele acabou perdendo sua
genuinidade, devido às influências locais e às dificuldades de encontrar materiais e mão de
obra especializada, passando a ser interpretado livremente, assim como a arquitetura
eclética.
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De acordo com Reis Filho (2010), a simplicidade das formas e a clareza construtiva
caracterizaram a arquitetura neoclássica no Brasil. Nos telhados, adotam-se soluções mais
complexas, como o uso de quatro águas. Cornijas, platibandas e balaustradas substituem e
escondem os beirais. As paredes eram de pedras e/ou tijolos revestidos e pintados. As
janelas e portas costumavam apresentar bandeiras e vidros transparentes. Foi durante a
incorporação dessa arquitetura que ocorreu o aparecimento do porão alto, com a utilização
dos óculos para ventilar e não deixar a umidade chegar ao piso que frequentemente era
em tabuado de madeira. Muitas vezes, os esquemas rígidos dos tempos coloniais eram
mantidos, deixando o uso do neoclássico restrito aos elementos decorativos das fachadas.
Quanto ao espaço interno, geralmente sua configuração ainda era a mesma da
arquitetura tradicional do período colonial, mas as paredes passaram a receber pinturas em
tons pastéis. O mobiliário passou a ser uma preocupação, tornando-se mais complexo em
busca do conforto. Os objetos passaram a ser mais refinados, como cristais, louças e
porcelanas (MELO, 2012).
Seguindo o aspecto do neoclassicismo aplicado no Brasil, o Memorial Tertuliano
Brandão Filho manteve a rigidez colonial, restringindo quase que totalmente a aplicação da
arquitetura neoclássica aos ornamentos das fachadas mas conseguindo demonstrar a
grandiosidade e força características da prática arquitetônica. Remete ao estilo tradicional
com aplicação do padrão tipológico da “morada e meia”, entretanto adotando planta baixa
de formato retangular. Em tempos mais recentes foram construídos anexos de apoio
independentes da estrutura original. Localizado em um lote de esquina, o edifício apresenta
implantação sobre os limites frontal e de uma das laterais do terreno (Figura 128).

Figura 128: Planta baixa atual do Memorial Tertuliano Brandão Filho.


Fonte: Arquivo 19ª Superintendência Regional do IPHAN.
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Para se adequarem ao uso institucional, os antigos cômodos residenciais sofreram


algumas mudanças, como por exemplo, a eliminação de uma parede divisória de dois
ambientes a fim de transformá-los em apenas um que abriga o atual auditório. O mobiliário
de época foi totalmente removido e as antigas salas e quartos da casa de moradia
converteram-se em espaços de exposições, secretaria, biblioteca e diretoria.
Na recepção, localizada na primeira metade do corredor de entrada, existe uma
arcada provida de cancela em madeira recortada dividindo o vestíbulo e antes utilizada para
separar física e visualmente o setor social dos espaços íntimos. Destacam-se nessa porta
os torneados delgados e os recortes que formam figuras de flores e pássaros, além do
nome “Terto Filho”, em alusão ao antigo dono da casa, o Coronel Tertuliano Brandão Filho
(Figura 129 e 130).

Figura 129: Cancela em madeira recortada localizada no corredor de entrada.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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Figura 130: Detalhe da cancela em madeira recortada localizada no corredor de entrada.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

A fachada principal possui platibanda trabalhada com pináculos escondendo o beiral,


uso de cimalha corrida, porta de entrada arrematada por um pequeno frontão e janelas
rasgadas por inteiro com parapeitos entalados formados por balaústres. Duas marcações se
destacam nessa fachada: a primeira é a grafia das letras “CMXXV” representando em
algarismos romanos o numeral 925, em referência a 1925, ano de inauguração da
residência; e a segunda é a grafia das iniciais “T. B. F.” de “Tertuliano Brandão Filho”, o
antigo proprietário do imóvel já citado anteriormente (Figuras 131 e 132).
Nas fachadas laterais são utilizadas empenas rematadas por pináculos. As janelas
da fachada lateral voltada para o exterior do lote, localizada na esquina das ruas, também
são rasgadas por inteiro e também possuem peitoris entalados, mas compostos por gradis
de ferro forjado. Outra característica marcante dessa edificação é a existência do porão
elevado com instalação de óculos que permitem a ventilação, refrescando o interior do
edifício. Os óculos podem ser vistos nas fachadas externas (Figuras 128, 131 e 132), como
também de dentro do porão (Figura 133).
Com estado de conservação considerado bom, o prédio apresenta alvenaria
mista de adobe e tijolo queimado, com pintura externa em marmorizado tipo escaiola e
enquadramentos, frisos e adornos em branco. Nas paredes internas há utilização de pintura
hidráulica branca com barrados em cinza e também de revestimentos em estuque, com a
criação de marmorizado, motivos florais e estilizações geométricas. Sua cobertura é
formada por telhas artesanais de barro assado modelo colonial em meia cana sobre
ripamento e caibros de madeira serrada, platibanda vazada e empenas cegas. Os pisos
originais de ladrilho hidráulico e tabuado corrido com motivos geométricos encontram-se
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preservados e alguns cômodos são dotados de forro em tábuas corridas. As vergas são
retas, as sobrevergas em meio círculo e as esquadrias possuem vedações de calha e
venezianas e pintura esmalte cinza. O passeio tem pavimentação executada em blocos de
pedra (Figuras 131, 132, 134 e 135).

Figura 131: Detalhe da fachada principal.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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Figura 132: Detalhe da fachada principal.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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Figura 133: Pilar de fundação do edifício e vista de óculo a partir do porão.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

Figura 134: Barrado de parede interna em estuque e piso em tabuado corrido.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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Figura 135: Parede interna revestida de estuque e forro em tabuado corrido.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

Outra prática arquitetônica ocorrida em Pedro II remete à utilização de elementos


característicos do Art déco que, com suas formas geométricas, seus escalonamentos e o
uso de linhas retas, acrescentaram elegância às superfícies cristalizadas. O Art déco foi um
estilo internacional, cosmopolita, ligado à produção industrial e à ideia do moderno.
Sua imagem estava vinculada às representações inovadoras do início do século XX. Apesar
de possuir certa proximidade com o movimento Moderno, diferencia-se por não se embasar
em estudos, teorias ou doutrinas. Na verdade, ele é pragmático e define-se como arte,
como decorativo (MELO, 2012). Dentre suas características marcantes, destacam-se
a forma geométrica simples, a simetria, a verticalidade, a valorização da esquina,
os escalonamentos e o uso de linhas retas ou de arcos bem definidos (ALBERNAZ;
LIMA, 2002).
Esse estilo chegou ao Brasil poucos anos depois de seu lançamento em Paris no
ano de 1925, sendo utilizado em todo o país e marcando presença principalmente em
edifícios comerciais, cinemas e obras públicas (ALBERNAZ; LIMA, 2002). Ainda era notável
a presença do ecletismo, ocorrendo assim a prática simultânea dos dois estilos. O Art déco
pode então ser compreendido como uma das últimas manifestações ecléticas brasileiras,
mas também como uma tendência moderna, que preparou a arquitetura para o Modernismo
que apareceria posteriormente.
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Durante a inserção do Art déco no repertório da arquitetura piauiense, da mesma


forma como no restante do país, o ecletismo ainda era bastante utilizado, havendo então
simultaneidade na prática desses estilos também no Piauí. O Art déco praticado nesse
território acaba portanto sendo assimilado como uma manifestação do ecletismo piauiense e
no caso de Pedro II, do ecletismo de fachada já que as edificações continuaram com plantas
baixas configuradas de acordo com os padrões da arquitetura do período colonial.
A aplicação déco no exterior dos edifícios evidenciou esse estilo como uma
predisposição ao moderno. Em Pedro II, o Art déco foi empregado apenas em platibandas
ou em fachadas frontais como um todo (Figuras 136 e 137). De fato, foram constatados
somente dois edifícios que podem ser considerados como exemplares das características
do Art déco, sendo que eles possuem apenas a fachada com aspectos nesse padrão,
ficando o interior configurado de acordo com as setorizações e o caráter dos modelos
arquitetônicos do período colonial.

Figura 136: Aplicação déco em platibanda.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

Figura 137: Fachada déco em Pedro II.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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Somente um desses dois edifícios citados foi analisado por este trabalho, já que
o outro se encontrava fechado. Trata-se da residência do professor Dielson Brandão,
denominada aqui como Casa Art déco. Ela possui planta baixa na configuração da tipologia
morada inteira da arquitetura tradicional. Sua implantação, da mesma forma que nas casas
mais antigas, continuou sobre os limites laterais e frontal do terreno. Localizada no entorno
da Praça Domingos Mourão (Rua Agostinho Pinheiro, 396), foi construída na primeira
metade do século XX, possivelmente no ano de 1939 como atesta a grafia na platibanda
(Figuras 138 e 139).

Figura 138: Casa Art déco.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

Figura 139: Detalhe da platibanda da Casa Art déco.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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A edificação apresenta um estado de conservação satisfatório em sua fachada e,


com a manutenção até hoje da função residencial, ela conseguiu preservar quase que
inteiramente sua planta baixa original. Algumas foram as mudanças realizadas, como, por
exemplo, a construção de dois banheiros em uma das extremidades da antiga varanda de
refeições, atual sala de estar. Na puxada o correr foi eliminado e novas paredes foram
erguidas, remodelando o estabelecimento de cômodos no setor. Transformou-se parte da
cozinha em sala de jantar e o espaço da área de serviços passou a ser delimitado por uma
porta. A sala de estar frontal e os quartos permaneceram inalterados. Entretanto, o piso de
ladrilho de barro cozido que existia em tempos anteriores foi totalmente substituído por
cerâmica esmaltada.
Possui alvenaria de tijolo queimado, com pintura hidráulica vermelha e frisos
amarelos. A cobertura é formada por telhas artesanais de barro assado modelo colonial em
meia cana sobre ripamento e caibros de madeira serrada e platibanda cega escalonada. O
corredor de entrada é forrado por tabuado corrido e os quartos por placas de gesso,
enquanto os demais cômodos mantiveram-se com telhas vãs. As vergas são retas e as
esquadrias possuem vedações de calha e venezianas, bandeiras em caixilhos de vidros
coloridos e pintura esmalte nas cores marrom e branco. Na fachada houve a inserção de
buzinotes de plástico do tipo PVC para a defluência das águas pluviais. A pavimentação do
passeio é feita por ladrilhos de barro queimado (Figuras 140, 141, 142, 143 e 144).
Alguns aspectos na fachada do edifício chamam atenção, como a platibanda que se
utilizou de linhas retas e formas geométricas em seus escalonamentos. A presença de
adornos entre as janelas e a platibanda, e também entre as próprias janelas, é outra
característica evidente, adicionando certa elegância à fachada ainda um tanto cristalizada.
As linhas retas sobre as esquadrias são elementos que ajudam a quebrar a monotonia
existente anteriormente, com destaque para a pequena marquise sobre a porta, servindo
como proteção para chuva e sol. As janelas rasgadas por inteiro, com parapeitos entalados
de alvenaria vazada, ganharam uma nova padronização, comum inclusive em edifícios
ecléticos, constituídas de três vãos conjugados com o central mais largo que os laterais.
Tendência essa difundida por toda parte, como uma espécie de prenúncio das fachadas
totalmente abertas que se estabeleceriam posteriormente com a arquitetura moderna.
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Figura 140: Planta baixa atual da Casa Art déco.


Fonte: Arquivo 19ª Superintendência Regional do IPHAN.

Figura 141: Corredor de entrada com destaque para o piso em


cerâmica esmaltada e forro em tabuado corrido.
Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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Figura 142: Sala de estar frontal.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).

Figura 143: Antiga varanda de refeições, hoje sala de estar.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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Figura 144: Sala de jantar localizada na ala lateral.


Fonte: Acervo particular - Pedro Brito (2014).
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto nos capítulos que se passaram, desde os princípios do Período Colonial
brasileiro, os núcleos urbanos que surgiam constituíam-se por um método representativo de
produção arquitetônica praticado em grande parte da extensão territorial, seguindo padrões
básicos e assim concebendo edifícios semelhantes por todos os lados. Com as Ordenações
Reais do século XVIII passando a conter normas sobre a maneira que o urbanismo
e a arquitetura deveriam ser implementados, a situação referente à constância dos
partidos arquitetônicos solidificou-se, com casas edificadas de modo uniforme segundo
padronizações das Cartas Régias que tinham por finalidade garantir aos centros urbanos
uma aparência portuguesa.
Delson (1997) afirma que as experiências lusitanas de planificação urbana no Brasil
e a reconstrução posterior de centros urbanos em Portugal deixaram claro que o governo
real havia compreendido que tal planificação podia servir pata fins administrativos práticos e,
ao mesmo tempo, ser esteticamente agradável, tornando-se um instrumento de política
estatal. Assimilou-se que um programa de construção de vilas abrangia uma potencialidade
de ampliação da autoridade real. Em meados do século XVIII, essa fórmula foi interpretada
pelas autoridades como a condição indispensável do bom governo, acrescentando-lhe o seu
reconhecimento da dimensão sociocultural do programa. O modelo de vila utilizado no Brasil
nessa época era apreciado não só pelo seu traçado ordenado e esteticamente agradável,
mas também porque simbolizava um nível de sofisticação ao qual a regência achava que o
interior do Brasil devia aspirar.
Apesar disso, estudos sobre o Brasil pós-colonial mostram que as tentativas de
enfraquecer a classe latifundiária estiveram longe de lograr êxito, fato que não elimina as
motivações subjacentes a esses esforços, notadamente avançadas para a conjuntura do
século XVIII. Nesse período a Coroa conseguiu estabelecer precedente para o controle da
distribuição de terras pela autoridade real, para a supervisão governamental das subdivisões
urbanas e para a planificação oficial do desenvolvimento interiorano. Atualmente é possível
perceber que a Coroa superestimou as suas possibilidades, contudo, o desafio à ordem
social e econômica colonial vigente estava muitos anos à frente do seu tempo e era sem
paralelo em matéria de política colonial naquela época. O planejamento urbano no Brasil
chegou equivaler à sistema de controle e absolutismo: a configuração urbana
caprichosamente regulamentada que orientou a construção interiorana no século XVIII
desenvolveu-se como uma representação simbólica de “bom governo”, uma indicação de
que a sociedade estava funcionando dentro de limites predeterminados e disciplinados.
Essa fórmula convenceu o pensamento dos administradores coloniais durante toda a
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segunda metade dos Setecentos e as preferências estilísticas pelo traçado urbano regular e
simétrico predominaram até uma época bem avançada no século seguinte.
Em incontáveis casos, o critério para elevar oficialmente uma aldeia à categoria de
vila baseava-se apenas na necessidade de instalar funcionários do governo em uma área
ainda não controlada. Entretanto, em outras conjunturas, a criação legal de uma vila
marcava o início de um grande projeto de planificação urbana, bem como a instalação da
administração governamental. Em um nível mais elevado, quando as vilas eram promovidas
a cidade, com frequência sofriam uma ampla remodelação urbana com a finalidade de lhes
dar uma aparência adequada ao seu novo título. Desse modo, o verdadeiro significado das
cartas régias que conferiam formalmente o título de vila não era necessariamente o
reconhecimento do crescimento físico do arraial ou aldeia, mas sim a percepção pragmática
de que, dentro daquela área específica, era preciso assumir determinadas
responsabilidades administrativas.
Após a Independência do Brasil em 1822, o Império deu seguimento ao método
urbanizador baseado na regularidade dos traçados, declarando que o crescimento por meio
desse aspecto padronizador era não só desejável como verdadeiramente obrigatório. Assim,
a Lei de Organização Municipal, de 1828, que determinou as diretrizes para a expansão das
vilas e cidades no país no século XIX, continha instruções precisas para as prefeituras no
que se referia à configuração urbana. As câmaras municipais deveriam não só zelar pela
conservação e aparência das suas respectivas cidades, mas também procurar conseguir, o
tempo todo, a “elegância” e a regularidade exterior dos prédios e ruas. A supremacia das
malhas urbanas ortogonais estava assegurada. Nas localidades onde, ocasionalmente,
disposições estilísticas tais como a homogeneidade das fachadas foram abandonadas em
favor de um tipo de construção menos pesada, as aglomerações, alinhadas desde o início
segundo as diretrizes modernas, continuaram a apresentar um aspecto regular, a invariável
regularidade da construção urbana brasileira. Os conceitos de ordem e precisão, outrora
ditados pelo programa disciplinar para o interior sem lei, agora haviam se tornado padrões
de bom gosto para toda a nação (DELSON, 1997).
Mesmo que a maior parte dos estudos tradicionais da história latino-americana
descreva os administradores reais portugueses como altamente inábeis, as informações
aqui apresentadas comprovam que a Coroa tinha um plano de modernização de grande
alcance que abrangia o Brasil inteiro e que foi executado por etapas no decorrer do século
XVIII (DELSON, 1997). No âmbito do território piauiense, visto que a liturgia católica, através
das igrejas e de seus adros, formatou os momentos iniciais do processo de urbanização,
com a exceção de Parnaíba, a organização espacial das primeiras vilas precedeu ao ato
político de fundação. Com a norma urbanística apareceram os traçados ortogonais. A
instalação das seis vilas e da cidade de Oeiras, única do Piauí setecentista, foi uma façanha
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política admirável, enquanto polos urbanos movidos pela economia rural. Todas, com maior
ou menor intensidade, são hoje importantes cidades do estado. No século XIX o comércio
prevaleceu como base geradora das nucleações, notadamente à beira do rio Parnaíba, com
a maioria delas ainda seguindo os modelos de traçados ortogonais, definidos na centúria
anterior por meio das ordenações do Reino português (SILVA FILHO, 2007).
Em relação à arquitetura desenvolvida nas nucleações urbanas piauienses desses
tempos, enquanto a estrutura, os materiais e os sistemas construtivos repetiram esquemas
adotados na costa, a forma igualmente mostrou aproximações com o litoral, na distribuição
equilibrada dos vãos sobre frontarias compartimentadas por simulacros de colunas, cornijas
e marcação dos embasamentos. A regularidade das casas justapostas à testada dos lotes,
unidas umas às outras, expressou uma interdependência construtiva e conferiu uma
unidade urbana embasa nas Ordenações Reais, difundidas por todo o período colonial,
como também posteriormente, durante a época imperial, o que possibilitou a abrangência
da cidade de Pedro II. Houve uma coesão espacial ordenando as frontarias e articulando o
interior com os planos das fachadas, coberturas e sistemas construtivos, confirmando a
aplicação de esquemas reguladores. Em algumas cidades, a utilização de estruturas de
carnaúba amarradas por cordas fibras vegetais demonstram as particularidades dessa
arquitetura praticada em solo piauiense. A estética artesanal fica evidente nos frequentes
desaprumos e nas diferenças, por exemplo, entre os tamanhos das telhas e dos vãos das
esquadrias. Mesmo assim, as formas se espelham, os telhados se unificam e os vãos se
correspondem. Nessas casas, a preocupação de acomodação às condições climáticas do
sertão abrasivo, ajustou as varandas internas se abrindo para os quintais e as fachadas se
fechando para o exterior, com poucas aberturas normalmente protegidas por vedações de
calha, resultando em edifícios com o predomínio dos cheios sobre os vazios; fato decorrente
também da utilização de materiais muito pesados na constituição estrutural das edificações.
Normalmente eram isentas de elementos decorativos e quando possuíam adornos, esses se
limitavam a leves saliências de cornijas nas fachadas frontais ou nas molduras dos vãos.
Existiu, entretanto, em alguns imóveis, uma intenção de ordem plástica, sutilmente impressa
nos acabamentos e colorido das alvenarias e esquadrias (SILVA FILHO, 2007).
Alguns aspectos da arquitetura piauiense podem ainda vir a ser discutidos, como a
questão dos beirais esparramados. Prática comum desde os momentos exclusivamente
rurais, em que as construções limitando-se geralmente às sedes das fazendas, as varandas
possuíam pés direitos bastante reduzidos devido à continuação de uma das águas do beiral.
Conservada aos edifícios urbanos, incluindo muitos de Pedro II, consiste na diminuição
drástica da altura das coberturas nos cômodos localizados na parte posterior da casa,
permitindo proteção contra os raios solares que incidem fortemente. Assim, explicou Barreto
(1975), para ser confrontado posteriormente pela hipótese de Silva Filho (2007), que
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acredita simplesmente no fato de resultarem da configuração das coberturas, em que uma


maior altura implicaria em igual elevação das águas mestras, empenas, cumeeira e paredes
de apoio, consequentemente encarecendo a edificação. A limitação econômica seria então a
verdadeira responsável por beirais desse tipo que, em todo caso, desempenharam de
maneira satisfatória a proteção contra o vento quente do sertão.
Em termos de preservação dessa arquitetura, as renovações indiscriminadas já
muito destruíram e atualmente ainda se apresentam como ameaças a esse patrimônio. As
primeiras alterações estilísticas, sobretudo nas cidades do interior, como as ocorridas em
Pedro II, não proporcionaram grandes perturbações à paisagem antiga. A homogeneidade
urbanística foi notadamente afetada na primeira metade do século XX, através de
ajustamentos de novos modelos que se consolidavam na arquitetura das maiores cidades,
especialmente das platibandas, seguidos dos formatos afastados das divisas e alinhamento
(SILVA FILHO, 2007). Pedro II, em virtude do tempo que permaneceu isolada das vias mais
importantes e fora dos principais eixos comerciais, conseguiu preservar muito de sua
arquitetura e de seu urbanismo primários, além de conservar também os usos e costumes
de seus habitantes. A falta de poder econômico condicionada por tal isolamento, não
permitiu aos novos estilos arquitetônicos a eficiência de substituir por completo a arquitetura
tradicionalmente praticada.
Entretanto, em tempos atuais, apesar da demonstração de interesse de seus
habitanteso em preservar o patrimônio edificado da cidade, muitos imóveis têm sofrido
intervenções aleatórias que acabam por modificar principalmente os seus interiores.
Mudanças indiscriminadas em relação aos revestimentos originais, por exemplo, acontecem
continuamente, quase sempre com a substituição de ladrilhos por cerâmicas. No que diz
respeito ao conjunto arquitetônico, a preservação do patrimônio de Pedro II é considerada
boa, com destaque para manutenção periódica das fachadas. O uso de grande parte dessa
arquitetura na função residencial aumenta o interesse de seus proprietários em relação a
sua preservação, de modo que os edifícios viabilizem a melhor habitação possível.
As análises da arquitetura e do urbanismo históricos de Pedro II permitiram a
apreensão de características relacionadas não só ao aspecto físico do seu patrimônio, mas
também acerca das relações sociais que a população local desenvolve com o mesmo,
compreendendo-se que preservação desse patrimônio torna-se um meio de conservação da
história, da memória e da identidade de sua sociedade.

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