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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


BACHARELADO EM ARQUITETURA E URBANISMO

JOYCE KETLLY SOARES DA SILVA

ANÁLISE DE PROJETO DE INTERVENÇÃO EM ÁREA DE VALOR


PATRIMONIAL
Edificação nº 240, Rua da Imperatriz

RECIFE
2022
JOYCE KETLLY SOARES DA SILVA

ANÁLISE DE PROJETO DE INTERVENÇÃO EM ÁREA DE VALOR


PATRIMONIAL
Edificação nº 240, Rua da Imperatriz

Relatório apresentado à professora Natália Vieira


de Araújo, como avaliação final para conclusão
da disciplina de Teoria VIII, do Curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
de Pernambuco.

RECIFE
2022
1. INTRODUÇÃO

A análise a ser desenvolvida trata-se da Padaria Imperatriz, um ponto


comercial presente no nº 240 da Rua da Imperatriz Teresa Cristina, no bairro da Boa
Vista, no Recife, e na memória de muitos recifenses. A padaria está inserida numa
das ruas de comércio mais tradicionais do centro do Recife, localiza-se perto da
Praça Maciel Pinheiro, do Teatro do Parque e da Rua do Hospício, pontos
importantes na região.

Imagem 1 - Mapa de localização da Padaria Imperatriz.

Fonte: Produzido pela autora, 2022.

A Padaria Imperatriz ocupa, atualmente, um lote que atravessa a quadra e


possui apenas um pavimento, diferente de sua configuração original. Inserida na
Rua da Imperatriz, conhecida inicialmente como Aterro da Boa Vista, teve sua
criação e consolidação a partir da construção da Ponte da Boa Vista na metade do
século XVIII. A ocupação da rua se deu desde o início por comerciantes, possuindo
no térreo os pontos comerciais e nos pavimentos superiores suas residências,
característica que se manteve até pouco tempo, inclusive na edificação que a
Padaria ocupa.
A Rua da Imperatriz por seu longo tempo de existência passou por diversas
mudanças de acordo com os estilos de época, portanto várias camadas foram se
sobrepondo no desenho urbano e nas fachadas das edificações, definidas, por fim,
em sua grande maioria como edificações ecléticas, utilizando-se de elementos que
caracterizam diversos estilos. Infelizmente, existem edificações que fogem
completamente do padrão da área, alteradas de forma irregular ou antes da
implementação das regulamentações que direcionam as construções e
modificações na área para que as fachadas não sofram descaracterizações
excessivas.
O projeto a ser analisado visa trazer soluções para essas questões e resgatar
a história que a Padaria Imperatriz nos conta.

2. LEGISLAÇÃO

A Padaria Imperatriz está inserida no conjunto histórico da Macrozona de


Ambiente Natural e Cultural (MANC), na Zona Especial de Patrimônio
Histórico-Cultural (ZEPH) 8.1, no Setor de Preservação Rigorosa 1 (SPR-1), que
reconhece a área como de importância histórica e cultural que demanda
manutenção, restauração ou compatibilização com o conjunto do entorno e, no
Setor de Preservação Ambiental 2 (SPA-2) que trata-se de uma área de transição
entre a SPR e as áreas circunvizinhas (Lei 18.770/2020 e Lei 16.176/96, Recife).
A edificação de número 240 que comporta a padaria está entre a SPR e a
SPA, é uma construção do final do século XIX e não está entre os edifícios
tombados da região, nem está no grupo de Imóveis Especiais de Preservação (IEP).
A Padaria Imperatriz traz consigo duas fachadas que traduzem a história mas que
passaram por alterações durante os anos de funcionamento que as desvalorizaram,
em especial a fachada de estilo classicista imperial da Rua Martins Junior. De todo
modo, se faz necessária a restauração e conservação dessa história.
Imagem 2 - Localização de acordo com o zoneamento do Plano Diretor 2020

Fonte: ESIG - Informações Geográficas do Recife alterado pela autora, 2022

3. HISTÓRIA

O início do funcionamento da Padaria Imperatriz é datado de 1897 mas


apenas a partir de 1970 ganhou a significância que tem até os dias de hoje. O
estabelecimento nem sempre possuiu o nome da rua que ocupa, rua esta que
recebeu o nome da Imperatriz Teresa Cristina, esposa de D. Pedro II, em 1850,
devido sua visita ao Recife. E, após este marco, a rua mudou de nome diversas
vezes, mas “Rua da Imperatriz” se tornou tão popular que em 1923 tornou-se
novamente a nomenclatura oficial. A padaria, por sua vez, possuía o nome de
Padaria Japonesa até o ano de 1944, quando mudou por conta dos conflitos da
Segunda Grande Guerra e a padaria adotou o nome da rua em que está localizada.
A edificação que comporta a Padaria Imperatriz, não obstante, passou por
diversas modificações até chegar ao estado atual. Para que a propriedade fosse de
um lado ao outro da quadra, dois lotes foram incorporados: um com edificação de
fachada na Rua Martins Júnior no estilo classicista imperial e um com casa de
fachada eclética na Rua da Imperatriz, assim como a maioria dos edifícios da rua.
Ao fundo das duas edificações existia um quintal que, atualmente, foi anexado como
área de produção da padaria.
De modo mais específico, as duas edificações foram integradas pelo quintal,
perdendo suas modulações internas originais. A face que se mostra à Rua Martins
Júnior ganhou a função de entrada de serviço, enquanto a fachada da Rua da
Imperatriz é comercial. Algumas áreas estão subutilizadas ou sendo ocupadas de
maneira incorreta. Essa nova modulação agregou prejuízos funcionais relacionados
ao desconforto térmico, lumínico e visual, além de operacional, sem contar com os
prejuízos relacionados à conservação histórica do edifício.

Imagem 3 - Fachada Rua da Imperatriz Imagem 4- Fachada Rua Martins Junior

Fonte: Autoral, 2022 Fonte: Autoral, 2022

O comércio da Rua da Imperatriz a caracteriza desde sua criação, o que


perdura até os dias atuais. Em 1990 a prefeitura da Cidade do Recife trouxe um
projeto para padronização dos térreos dos edifícios da rua através da pintura, dos
letreiros com o nome das lojas e as aberturas nas entradas, acentuando ainda mais
a característica comercial da área. Com essa padronização apenas os pavimentos
superiores mantiveram suas características históricas, além dos edifícios já
“modernizados”. A Padaria Imperatriz, portanto, possui seu térreo com um vão
contínuo de entrada em sua fachada principal e na de serviço.
As duas edificações que compõem a padaria foram construídas no sistema
de alvenaria estrutural com telhado de quatro águas. São estreitas e longas
ocupando inteiramente o lote, como os outros edifícios ecléticos da área. A
edificação que se volta à Rua da Imperatriz possuía originalmente dois pavimentos,
o qual foi completamente alterado e hoje em dia possui apenas o pavimento térreo
com pé direito duplo. Quanto a edificação que se volta à Rua Martins Junior,
originalmente possuía somente pavimento térreo, no entanto, atualmente foi
construída uma laje técnica com sistema independente de pilares e vigas de
concreto armado que suportam a caixa d’água do estabelecimento.

Imagem 5 e 6 - Edificação R. Martins Júnior internamente

Fonte: Autoral, 2022

Ainda é possível ver algumas estruturas que restaram das edificações


originais no seu interior, como a presença de arcos nos fundos dessas edificações,
que remonta historicamente a passagem de cavalos.
Sua planta baixa atual não está de acordo com os moldes a qual foi
destinada originalmente. O pavimento superior servia de residência e o térreo
comércio, com o tempo e a decadência da área muitos moradores migraram para
outras áreas da cidade e a rua foi perdendo sua característica mista,
transformando-se numa área quase inteiramente comercial. A edificação da Rua
Martins Junior ainda possui modulações antigas, no entanto, a edificação da Rua da
Imperatriz não possui muitos vestígios de como era antigamente, além da
configuração do layout do comércio no térreo.

Imagem 7 e 8 - Padaria Imperatriz, imagens do ponto comercial R. da Imperatriz

Fonte: Autoral, 2022

4. PROJETO

O projeto idealizado gira em torno, principalmente, da história, da


funcionalidade e do conforto. A partir dessas palavras-chave foi definido o passo a
ser dado em relação ao blocos que compõem o estabelecimento, atualmente
apenas um bloco contínuo aglutina os três espaços diferentes que ali existiam:
edificação de dois pavimentos, quintal e edificação térrea. Essa configuração foi
então restabelecida. A nova modulação traz três espaços bem definidos: edificação
de dois pavimentos, uma área de transição ao ar livre no espaço do antigo quintal e
a edificação térrea. Essa nova conformação reorganiza as funções de cada espaço,
leva conforto aos ambientes e relembra a composição original desses blocos.

Imagem 9 - Esquematização dos blocos da Padaria Imperatriz

Fonte: Autoral, 2022

A Padaria Imperatriz é um estabelecimento comercial presente há mais de


século na Rua da Imperatriz e na memória do recifense, inclusive sua pizza foi
reconhecida como patrimônio afetivo da cidade. Nos dias de carnaval, em especial,
a padaria é muito procurada, gerando até filas para conseguir atendimento. Os
foliões passam na padaria para comer pizza e ganhar energias para curtir as ruas
do Recife. A padaria expõe diariamente cerca de 2.500 produtos em suas vitrines,
entre bolos, pães, tortas, pizza, salgados e outros, mas não oferece refeições.
Fatos como esses encaminharam-se para definir diretrizes no projeto que
melhorassem sua funcionalidade e acomodação do público que tanto reclama da
falta de estrutura para comportá-los no ambiente.
Definiu-se portanto que a edificação voltada à Rua da Imperatriz voltaria a ter
dois pavimentos e comportaria toda a operacionalização da padaria. Sua produção
que antes estava entre as duas edificações no térreo, passa a ser no pavimento
superior, concentrando a mesma numa área mais controlada e provida de luz e
ventilação; e a área de atendimento rápido se mantém como originalmente no
térreo. A área de transição (quintal) entre as duas edificações deverá ser um espaço
ao ar livre comportando árvores e mesas de atendimento, um ambiente confortável
e calmo em meio ao vulco-vulco da Rua da Imperatriz. E, por fim, a edificação que
se volta à Rua Martins Júnior ganha o caráter de café, um espaço da padaria para
sentar com calma e apreciar um bom café com bolo ou se reunir com os amigos e
família para comer a tradicional pizza; essa nova função se dá em detrimento do
uso que hoje se estabelece: entrada de serviço, depósito de madeiras, área técnica
e banheiros.
Toda a nova estrutura necessária à intervenção será metálica e anexada. Os
telhados seguem as formas históricas de duas e quatro águas, ganhando novas
estruturas de composição.
Houve no projeto a retirada da marquise, a mesma poderá ser substituída por
toldo, muito utilizado nos comércios da rua no século XX, possui uma boa
funcionalidade e sem riscos estruturais.
As fachadas foram remodeladas fazendo alusão ao que um dia existiu nas
fachadas históricas, trazendo de volta as portas que foram abertas em um único vão
na década de 90. Portanto, as duas fachadas da padaria passam a possuir portas
em quatro modulações e esquadrias em metal e vidro deixando-a mais atual.

Imagem 10 - Planta de coberta e planta baixa atual da Padaria Imperatriz

Fonte: Autoral, 2022

Imagem 11 - Plantas baixas e planta de coberta propostas para a Padaria Imperatriz


Fonte: Autoral, 2022

Imagem 12 - Corte longitudinal e cortes transversais propostos para a Padaria Imperatriz

Fonte: Autoral, 2022

Imagem 13 - Fachada Edificação Rua da Imperatriz e Rua Martins Junior respectivamente

Fonte: Autoral, 2022


Imagem 14 - Fachadas voltada ao quintal

Fonte: Autoral, 2022

Imagem 15 - Imagem renderizada utilização arco de estrutura existente, quintal

Fonte: Autoral, 2022

5. ANÁLISE DE INTERVENÇÃO REFERENCIADA

Pode-se dizer que a conservação é uma das intervenções mais sensíveis nas
construções. Estamos manuseando história, memórias, sentimentos. Gerar projetos
de conservação arquitetônica e urbana carece de um embasamento teórico para
saber “onde está pisando”. Além de conhecer a história do objeto a ser trabalhado,
já que ela é sua maior peculiaridade, é necessário estudar a teoria do restauro, da
conservação. Dito isto, alguns teóricos serviram de base para a elaboração de
algumas medidas tomadas para o presente projeto.
A intenção foi alterar o mínimo possível o que de fato caracteriza a edificação
da Padaria Imperatriz, levando em conta que todo o interior foi alterado, sua fachada
principal traz muito de sua essência. Foram acrescentadas algumas portas no térreo
seguindo as mesmas modulações do pavimento superior. Husserl, expressa que
adição de cores e ornatos não revelam de fato a essência do objeto, pois mesmo
sem eles a edificação continua sendo a mesma. No entanto, se retirarmos o que
mais a caracteriza, ela assume outra essência. A padaria é um marco na Rua da
Imperatriz, sua fachada eclética bem ornada expressa muito de sua história.
Mudanças operacionais e estruturais foram feitas a fim de trazer melhorias
para o ambiente, isso, portanto, contrapõe-se com os ideais de Ruskin que defende
a não intervenção no edifício para que mostre as verdades dos materiais e do tempo
na arquitetura. Para ele, mudanças que visem melhorias são uma fraude.
Viollet-le-Duc também está no sentido contrário às ações propostas pois suas
intervenções devem estar limitadas aos saberes da época de sua construção como
os modos de construção e o estilo estético, sem a utilização de artifícios modernos.
Ao chegarmos em Brandi, com As Razões do Restauro, as motivações para
tal devem incluir a funcionalidade, valorização econômica, reutilização,
acessibilidade, adequação às normas de segurança e tantas outras. Ele traz a teoria
que mais fundamenta o projeto apresentado. As estruturas propostas devem se
diferenciar das existentes para não haver confusão a respeito do novo e do original.
Conseguimos diferenciar isso nos materiais da esquadrias com a utilização de metal
e vidro, características mais atuais, por exemplo. O que compõe a essência do
edifício deve ser mantido a todo custo.
A Padaria Imperatriz está carregada de valores patrimoniais dos mais
diversos tipos, histórico, de antiguidade, existência, econômico, de uso, simbólico.
Está presente há tanto tempo na Rua da Imperatriz e na vida do recifense, que
intervenções que visem melhorias mantendo sua essência são muito bem vindas
para que sua existência continue se prolongando. Riegl associa, portanto, o objeto
de restauro como um elemento essencial na memória da sociedade.
6. REFERÊNCIAS

BRANDI, Cesare. Teoria da restauração. Ateliê editorial, 2004.

CARBONARA, Giovanni. Brandi e a restauração arquitetônica hoje, Desígnio, 2006, n.


6, p. 35-47. Disponível em:
<http://www.fau.usp.br/arquivos/disciplinas/au/aui1601105/Carbonara-designio6.pdf>

OLIVEIRA, Rogério Pinto Dias de. O pensamento de John Ruskin. Resenhas Online, São
Paulo, ano 07, n. 074.03, Vitruvius, fev. 2008. Disponível em:
<https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/07.074/3087> . Acesso em: 10 de
março de 2022.

OLIVEIRA, Rogério Pinto Dias de. O idealismo de Viollet-le-Duc. Resenhas Online, São
Paulo, ano 08, n. 087.04, Vitruvius, mar. 2009. Disponível em
<https://vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/08.087/3045> . Acesso em: 4 de março
de 2022.

VIEIRA, Natália Miranda. Integridade e Autenticidade: conceitos-chave para a reflexão


sobre intervenções contemporâneas em áreas históricas. Anais do ARQUIMEMÓRIA 3-
Encontro Nacional de Arquitetos sobre Preservação do Patrimônio Edificado, Salvador, 2008.

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