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Ficha Técnica Fernanda de Façanha e Campos

Graffiti Queens E-Book Organização


2020 copyright by Editora Caminhar LTDA
Raquel Siqueira Cesar
Impresso no Brasil/ Printed in Brazil Patrícia Aparecida Valentim da Silva
Efetuado depósito legal na Biblioteca nacional Sarah Regina Ferreira de Oliveira
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Fernanda de Façanha e Campos

Filiada à Câmara Cearense do Livro - CCL

Graffiti Queens
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Bairro: São Miguel Paulista - Parque Paulistano – São Paulo
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EDITORA CAMINHAR LTDA


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Conselho Editorial
Prof. Dr. Almerindo Janela Afonso – Portugal
Profa. Dra. Ariana Cosme - Portugal
Profa. Dra. Antonia Ieda de Souza Prado - Brasil
Prof. Dr. Casemiro de Medeiros Campos – Brasil
Profa. Ms Erika Bataglia da Costa - Brasil
Profa. Ms Fernanda de Façanha e Campos - Brasil
Prof. Ms João Álcimo Viana Lima - Brasil
Profa. Dra. Lídia Azevedo de Menezes - Brasil
Profa. Dra. Milena Marcintha Alves Braz - Brasil
Profa. Dra. Raphaela Cândido - Brasil
Prof. Dr. Rui Trindade - Portugal

Coordenação Editorial
Prof. Dr. Casemiro de Medeiros Campos

Secretaria Editorial
Juliana Marina de Façanha e Campos

Projeto Gráfico e Capa


Patrícia Aparecida Valentim da Silva
Revisão de Textos
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Artigo
A Revista Graffiti Queens foi criada com o objetivo de informar e mostrar o trabalho
desenvolvido por grafiteiras de todas as regiões do Brasil. Nesta revista digital apre-
sentaremos a diversidade criativa feminina, trazendo projetos e murais elaborados
por mulheres.
A mulher de onde ela vem, a força que carrega e que move em seu entorno nos ins- Por: Chermie Ferreira
pira a olhar com um cuidado maior. Uma mulher olhando para outra atribui ainda
mais significado ao que é feito e divulgado. Nessa Revista nosso objetivo é divulgar
essas mulheres brasileiras que, pela sua criatividade, dedicação e perseverança são
artistas, mães, grafiteiras e empreendedoras. Para isso elaboraremos matérias, en-
saios fotográficos de projetos e teremos uma entrevista principal em cada edição.
Nossa proposta é buscar a história do graffiti feminino brasileiro e divulga-lo. Para
isso nossa revista será mensal, gratuita e digital para a leitura de todxs.
Editorial Graffiti Queens.

Sumário
ARTIGO GRAFFITI QUEENS ................................................................................................................................................................................5

Garagem Graffiti Shop......................................................................................................................................................................................10

ENTREVISTA: ANA CLARA MARQUES..............................................................................................................................................................11

ALFABETO: Tina Soul............................................................................................................................................................................................16

A RUA É DAS MINAS


Direito à cidade é a pauta um incêndio. No de correr por direitos te-
REPORTAGEM: NÓS PODEMOS TUDO (MINAS DE MINAS CREW) .........................................................................................................17 em debate do momento nos mo- mos milhões de fato que marcaram a luta
vimentos de esquerda, da juven- das mulheres, por direito a voto, reivindicar
GALERIA BOMB, GRAFFITI, PIXO/GRAPIXO ,COLAGEM/STENCIL ........................................................................................................22 tude e culturais. Ocupar, intervir, por direito a maternidade, ao corpo e outros
estar na cidade, sempre foram milhares de direitos sempre nos foi negado.
CREW: FREEDAS CREW ......................................................................................................................................................................................26 papéis ligados ao gênero mas- Fazendo recorte atual, essa luta vem
culino. Por histórias mal conta- dos anos 2000, onde foi criado a Mar-
STEP BY STEP: NATHÊ...........................................................................................................................................................................................27 das que diziam “mulher é sexo o cha Mundial das Mulheres. Uma articu-
frágil” e o patriarcado introduziu lação mundial de mulheres que pensam
BOMBA GRAFFITI SHOP .....................................................................................................................................................................................28 isso na sociedade. Criou-se tare- em se colocar como sujeitos políticos.
fas domésticas que até hoje são Marcha é bem forte nos BUZAR-
direcionadas às mulheres. Com CA (Batucada Feminista feito com Mate-
isso, as mulheres sempre foram riais Reciclados), seus lambes anti-ma-
criadas para o privado, como a chista, anti – racista, antis-lgbtfóbico. O
criação dos filhos, cuidar da casa.
Direito à cidade pelas mulhe-
res já vem desde de sempre, mas
um dos fatos mais marcantes foi
quando houve a greve das operá-
rias no dia 8 de março de 1975.
Nessa ocasião, elas reivindicavam
por melhores condições de traba-
lho, por licença maternidade en-
tres outros direitos. Infelizmente,
o fato em maior destaque nessa e
foi a morte de 126 operárias, por
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grupo possui muitas ações politizadas. é um direito de ocupar, mas o que ocorre é car que os homens respeitem as mu-
Esse grupo vem para ocupar as ruas uma troca de valores. O opressor passa a lheres que estão nesse mesmo espaço.
e intervir na cidade com lambes feminis- ser o oprimido e oprimido passa ser opres- Essa frase acaba sendo um estímu-
tas da MMM, as vendedoras de frutas, sor. Para que oprimir mais essa classe? E lo para muitas MINAS que, por causa do
acarajés, ambulantes, pixadoras, ativis- na visão das mulheres ocorre, pois essa machismo, não começam a ocupar a ci-
tas, poetizas, jornalistas livres, graffitei- opressão vem acompanhado do machismo. dade com suas intervenções. Outro fator
ras, trabalhadoras, estudantes. Milhares Graffiti e o pixo são vertentes de um de fortalecimento são as crews, coletivos
de mulheres circulam pelas ruas, pelas intervenção muito próxima e muito mi-
cidades. Mas, a cidade foi feita pras mu- sógino, como qualquer outro ambiente
lheres. Mesmo lutando por direitos, não da sociedade patriarcal. As MINAS, assim
nos sentimos no direito de estar nas ruas. como colocada no Hip-Hop, são bem atu-
Principal e melhor, o fato de não estarmos antes e estão juntas em grande quantida-
intervindo na rua é o cruel MACHISMO. de em todo território brasileiro, com qua-
O machismo é o principal inimigo das lidade técnica. Mas, ainda invisíveis, pois
mulheres, machismo que oprime, ma- se trata de disputar a cidade com outros
chismo que mata, que inviabiliza. Quando homens as empresas privadas, propagan-
as mulheres passam a se colocar como o das, machismo. Analisando o graffiti e o
sujeito que tem direito, de não se opri- pixo brasileiro, em geral, temos poucas
mir e vai pra ruas pra lutar, pra intervir, mulheres nas ruas. Isso por que é o fator
empoderam-se essas mulheres e outras que colocamos lá em cima que somos cria-
mulheres. A representatividade dá força. das pro espaço privado. Esse fator impede
A rua é um espaço de disputa e a muitas mulheres em estarem nesses es-
nova geração de mulheres está vindo paços. O medo de não sentir capaz, medo
com essa energia de mudança. Mulheres de estar na rua e de sofrer vários tipos de
ocupando a cidade nas lutas trabalhis- violências. Só o fato de ser mulher, estar
tas, em movimentos sociais, em políticas na rua já trás um medo a qualquer mulher.
e nas artes urbanas (graffiti e pixação). Hoje tem um frase muito comum
A intervenção urbana, seja ela qual for, entre as mulheres da street art que
é: RESPEITE AS MINAS. Para se colo-

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crews. Analisando vemos que temos mui-
tas minas ocupando e intervindo nas ruas
sendo elas ativistas, feministas colando
lambe ou fazendo batucadas, as jornalis-
tas livres ocupando as ruas como ninas.
Pixadoras ou graffiteiras intervindo com
suas escritas ou personagens. As ambu-
lantes que são figuras que representam
o que é ocupar as ruas, como forma de

sobrevivência, na luta do sustento de sua


família, na guerra contra o RAPA, entre
tantas de nós, que ocupa essa cidade as
ruas que por muitos anos nos foi negada.

e ganga auto organizadas que as MINAS


que fortalece uma às outras com a SO-
RORIDADE. Grande exemplo dessas cons-
truções é a articulação dos anos 2006 à
2009 AS GRAFFITEIRAS BR, que ocorreu
encontro em vários estados brasileiros.
Hoje em dia a rede NAMI, tem grande for-
ça organizando a oficinas para mulheres
negras e a luta contra violência domésti-
ca na figura de Panmela Castro. Em Mi-
nas Gerais, temos a crew de mulheres
MDM (Minas de Minas) que hoje são uma
referência em crew de mulheres no Bra-
sil. No nordeste, podemos citar Donas do
Rolê, crew feminista de graffiti na Bahia,
o Coletivo Cores do Amanhã em Recife e
no Norte, a crew Trakinas. Na minha ge-
ração havia a crew de graffiti, Só Calcinha
Crew, e a de pixadoras, Donas do Paraná.
Figuras de MINAS que intervém na ci-
dade pixadora: Deza de Sergipe, graffitei-
ra Drika Chagas da cidade de Belém, graf-
fiteira Mika do Rio de Janeiro que organiza
evento Cores e Valores, Zi Reis de Minas
Gerais e, das grandes referências do graf-
fiti feito por mulheres, Nina Padolfo, Tikka
Meszaros e Dninja. Esses são alguns no-
mes citados, mas temos mais coletivos / Fotos: Fernanda de Façanha
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Entrevista
Com: Ana Clara Marques

A entrevista com Ana Clara Marques da periferia para o centro, comecei a ter
- Só calcinha crew e GRIF contato com o trabalho de algumas mu-
(Grupo revolucionário feminista) lheres como Nina Pandolfo, Valeska No-
Maçãs Podres mura e na seqüência, com a internet nas
minhas mãos, depois de muito “googlar”
Graffiti Queens (GQ): Conta para mulheres e graffiti e encontrar somente
as nossas leitoras seu nome, se você pornografia durante dois anos, dei de cara
tem alguma tag, e de onde você é? com as minhas referências de vida Fernan-
Ana Clara: Ana Clara Marques – Santo da Sunega (Nada Fragil) e Marcela Zaroni
André – SP. Só Calcinha Crew e GRIF (Gru- (Prima Donna – TPM crew). Depois fui na
po Revolucionário Feminista) Maçãs Podres arte acadêmica buscar e me deparei com
o mesmo problema, pouco registro de mu-
GQ: Como você iniciou no graffi- lheres. Hoje eu tenho uma pesquisa so-
ti? Quais suas influências? bre a mulher na arte e um material bom
Ana Clara: Tudo que estava nos mu- sobre o graffiti de mulheres pelo mundo.
ros das ruas, não tinha muita noção das
autorias, isso veio com o tempo. Mas a GQ: Quando você iniciou na arte
minha busca sempre foram as mulheres, urbana, tinha outras mulheres?
buscava incansavelmente. Nessa cami- Ana Clara: Sempre tem mulheres fa-
nhada fui incluindo outras amigas e saindo zendo coisas incríveis, mas o isolamen-
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mos mulheres antes de sermos graffiteiras Mas, quando os próprios grupos que ferências de outras redes feministas nesse
e em grande maioria pobres. Uma questão sofrem exclusão criam a mesma dinâmica campo, mas uma coisa que tínhamos que
importante de nós três é que cada uma já para criar suas frentes, nós não estamos era um processo muito potente era a auto-
tinha um histórico de luta, tínhamos uma criando frente e sim estamos criando no- gestão, a gente articulava encontros sem
noção da desigualdade econômica, do ra- vas regras, novas burocracias, novas es- ter que depender tanto do Estado, sem
cismo e da política, isso foi importante trelas e acirramento. É isso que vejo hoje, criar listas de exclusão, sem curadoria.
para iniciarmos pautas que unisse a ga- um acirramento de forças que acaba forta- Enquanto reproduzirmos a mesma
rantia de direitos para além dos muros. A lecendo aquilo que nos exclui. Era algo que lógica masculina de articulação e estética
cidade era um campo cheio de exclusão e existia na época também, mas como está- estaremos isoladas e pior, tendo mais atri-
a apropriação do mundo público demanda- vamos muito a margem, nossa luta era por to entre mulheres do que o acolhimento,
va da gente a inclusão de outras pautas. sobrevivência e registrar história. Isso não além das violências recebi mensagens de
A palavra feminismo na época era um é “privilégio” do graffiti, essa criação de graffiteiras que conheci que ficam nessa
terror! Ser feminista era meio que um xin- privilegiados se dá no campo político bem tensão gerando atritos, hoje existe uma
gamento, ainda temos esse olhar mas sa- amplo, afinal estamos num sistema de disputa sim por um lugar no topo e para
bemos quem são, ou é analfabeto político exclusão,em que para você passar numa se lutar por uma sociedade não exclu-
ou é um alienado, protofascista/fascista/ entrevista de emprego outras centenas de dente essa lógica nos impede de avançar.
bolsonarista. Mas na época as próprias pessoas não passarão, essa lógica se ins-
mulheres não tinham esse entendimento e tala em nossos corpos. Esse é o neolibera- GQ: Seus trabalhos durante toda
o acesso a isso era bem precário. Tivemos lismo, temos espaços para todos e todas, sua trajetória no graffiti teve mudan-
to e a solidão dificultou esse encontro. muitas conversas sobre racismo, a ques- desde que você se adapte, passe de fase. ças e outras influências?
Será que tinha mulheres? Nunca digo tão da violência doméstica, a xenofobia e Vem com a propagando que é para todas e Ana Clara: Eu acho que toda artis-
que não tinha mulheres na minha época a estética do graffiti, além do próprio ma- todos, mas é seu desde que você passe de ta, escritora, desenhistas e graffiteira
e nunca mais vou dizer que tinham pou- chismo. Esse papo sobre estética era mui- fase, desde que vc mereça. A meritocracia com o tempo vai se aperfeiçoando na-
cas, com certeza tinham muitas mulhe- to interessante, pois existia uma busca da é algo muito presente em tudo na vida. quilo que ela quer dizer pro mundo. Tive
res, mas todas estavam isoladas e fazen- estética que era muito pautada pelo mas- Penso que se não estudarmos, se a mudanças e as influências são incontá-
do isso de modo escondido e solitário. culino e nós já estávamos falando sobre gente não entender o que é toda essa rede veis, desde escritoras até pintoras, o
esse tema que rendia muitas reflexões. de exclusão não vamos avançar em mui- que tem em comum é que são mulheres.
GQ: Nesse período, você teve in- Da cena de hoje eu vou falar de outro ta coisa, só criaremos regras e lugares de
fluências de outras mulheres no seu lugar, falo sobre um olhar mais afastado disputa de espaço e reproduziremos esses GQ: Quais os desafios que você
trabalho? que a princípio estava empolgada em ver modelos. E com tanto lugar para pintar enfrentava para ser reconhecida e
Ana Clara: Nina, Valeska, Fada, Tami muitas mulheres se juntando e promo- essa lógica que nos auto sabota, regras que respeitada no movimento do graffiti?
e no decorrer da caminhada encontrei vendo eventos, mas que hoje já olho com nos impede de sermos autônomas. Houve Ana Clara: Eu fico sempre intrigada
Fernanda Sunega e Marcela Zaroni, como um olhar não tão ingênuo assim. Antes o várias questões bem complexas e erros na com essa pergunta, porque isso está em
mencionei acima. Na rede Graffiteiras BR nosso problema era o isolamento e a falta cena das mulheres no passado e sem re- vários campos da vida, infelizmente não
encontrei Rosas Urbanas Crew, de Reci- de acesso, hoje os problemas podem ser
fe, que também me deram muita referên- mais o próprio campo de disputa. Parece-
cia de arte e luta . -me que tem um choque de potências, vá-
rias movimentações de mulheres e grupos
GQ: Como que era a cena femi- e até outras redes potentes se formando,
nina quando você iniciou no graffiti e porém não dialogam. Isso já era algo no
como está hoje na sua visão? graffiti, na cena geral, tem uma disputa
Ana Clara: Como disse, a cena fe- por esse hall of fame, por ser protagonis-
minina era tão underground como o pró- ta, os old school, os eventos, estar na lista
prio graffiti. Além de estarmos fazendo daquele evento nacional, ir para a gringa,
uma arte que em seu nascimento era ile- até trabalhos comerciais e etc. Quando
gal também éramos a própria ilegalidade, essa lógica chega em nosso modo de agir
sendo mulheres na rua pintando. A cena na rua as coisas mudam, comissões de
estava acontecendo de modo isolado, bas- graffiti são criadas, listas para pintar, re-
tou três dessas várias se encontrar que gras de conduta, o graffiti legalizado, cura-
surgiu uma forma de derrubar essa bar- dorias, lugares demarcados pelo estado e
reira, criar uma rede que fosse de mulhe- etc. Essa lógica acaba suprimindo outras
res, que não limitasse a apenas ao graffiti, demandas, se seu objetivo é estar nesse
pois nossas demandas eram várias, éra- meio, sua caminhada será por essa via.
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é o graffiti em si somente. Claro que em para dimensionarmos a estrutura exclu- ma, mas repito que o motivo foi à ex- ção coletiva, não dá para ficarmos somen-
maiores e menores graus, pois uma mu- dente. Ter pautas que tragam essas ques- clusão por várias vias, e incluindo prin- te falando de eventos e marcando nossas
lher negra vai enfrentar uma opressão tões a tona é importante, vejo o graffiti cipalmente o fato de sermos mulheres presenças em grandes eventos e revistas
muito mais pesada nesse sentido. Ter que como uma das ferramentas de expressão num ambiente majoritariamente mascu- se não levarmos em conta essa ação co-
lidar com o racismo e o machismo, ou mu- e também de luta, nós nos expressamos lino. O isolamento nos fez ir atrás uma letiva para nossos problemas estruturais.
lheres que não estão dentro de um padrão de diversas formas e o graffiti é uma delas das outras e nos achamos e isso cresceu. Se não estaremos reproduzindo a lógica
estético mais palatável para este mundo e ela ter esse conteúdo faz uma diferença. As Graffiteiras Br, quem esteve no masculina de que para cada fala tem o lu-
masculino. Os desafios que eu enfrenta- Infelizmente não tem dados estatísti- primeiro encontro presencial em 2004 gar certo e cena de graffiti é só graffiti.
va era na vida como um todo e o graffiti cos sobre a violência nesse meio, mas sa- no Fórum Social Mundial pôde presen- Estamos muito machucadas, sofremos es-
foi um desafio enfrentado que me fortale- bemos de amigas e mulheres que sofriam ciar um momento único na tenda do Mo- tupro, assédio, violências de vários lados.
ceu, pois era a rua, lugar público em que sim nesse meio e ainda sofrem, mas digo vimento Hip Hop, junto com a galera do Se entre nós não podemos contar para
meninas não são bem vindas. O graffiti foi que isso está na estrutura das nossas rela- MST e tantos outros movimentos sociais uma rede ao menos de apoio estaremos
uma das ferramentas para lidar com isso, ções, portanto vamos nos deparar com ela importantes na luta por direitos. Nosso fadadas a ficar na vitrine sendo expostas
estava lá no encontro de graffiti pintando no ambiente de trabalho, na escola, dentro primeiro encontro foi de muita comoção e tendo que nos debater por um lugar ao
e tentando me concentrar, mas antes de de casa e nos eventos. Essa temática tem e logo iniciamos os trabalhos reivindican- sol que nunca vai nos aquecer de fato,
chegar lá eu já tinha enfrentado uma série que ser tratada com carinho, escuta e res- do pautas. Tivemos diversos erros coleti- porque não foi conquista é só uma vitrine.
de coisas, estava com a cabeça na violên- peito. A situação da violência não mudou vos, mas foco muito no que aprendi com a
cia que havia sofrido, no assédio… estava no mundo, porque existe toda uma estru- rede que sozinha você pode ser forte mas
pensando enquanto pintava “será que foi tura que permite e tenho toda a certeza unidas somos potentes! Que autonomia
estupro?”, ou “será que vou dar conta?”, que isso ocorre em nossas relações e não é a única via para nós mulheres sairmos
“eu consigo fazer isso?”, “mas será que seria diferente dentro do graffiti. Temos da dependência criativa, emocional e fi-
vai ficar bom?”. Como uma pessoa que se que começar a entender o mundo como nanceira. Tentamos dialogar de tudo des-
expressa na arte consegue além de viver algo dinâmico, o graffiti não é uma nave es- de estética até o amor, um fato que para
isso, pintar, enfrentar as piadas que rolava pacial separada da sociedade, ela vai con- nós mulheres pode se tornar um fardo.
por parte dos caras nessas cenas e ain- ter todas as contradições sociais e basta a
da ter que me preocupar como posso agir nós combatê-la. Terá racismo, xenofobia, GQ: Quantos eventos e proje-
para ser respeitada e reconhecida? Pen- violência e etc porque ele faz parte da so- tos as Graffiteiras BR organizou?
sem nisso em outros campos, no campo ciedade. Tem até graffiteiro Bolsonarista? Ana Clara: Foram cinco Encontros Na-
racial, de classe, da diversidade sexual. Que acredita que bandido bom é bandido cionais e tínhamos os encontros locais. Eu
Acho tão complicada palavras como morto! Olha a contradição, somos parte de e a Fernanda Sunega tínhamos facilidade
o reconhecimento e respeito, porque isso um processo que em sua substância ele é em escrever projetos, ajudamos mulheres
remete a aceitação ou fica naquele cam- ilegal e o ser humano que está no meio e pelo Brasil a escrever e fazer seus encontros
po moral, não quero ser aceita no meio viveu anos fazendo graffiti ilegal ele acre- estaduais, em alguns eu nosllós estivemos
dos caras e nem busco respeito, não peço dita nessa idéia! Não estou colando em presente, como o Primeiro encontro femi-
licença para eles. Nossa gana por mu- eventos, se colo é por uma minuciosa sele- nino de Graffiti de Manaus, além de outros.
dança não deve se distrair por essa via. ção minha, estou na busca da autonomia.
GQ: Qual sua opinião sobre os pro-
GQ: Você sempre levantou a ban- GQ: Conte um pouco sobre a Só jetos organizado e feito por mulheres?
deira do feminismo dentro do graffiti Calcinha Crew? Ana Clara: Necessário e potente!
e está visivelmente nos seus traba- Ana Clara: Grupo de mulheres cria-
lhos, qual sua opinião ter essa pau- da em meados dos anos 90. Foi meu pri- GQ: Deixe um recado para as
ta dentro da arte urbana?No início meiro grupo, intimei as amigas para não nossas leitoras.
da história do graffiti, nos anos 70 e ir sozinha mais para os rolês na rua, Ana Clara: Uma frase repetida diver-
80 tem vários relatos de várias ar- elas toparam e passamos a ir juntas pe- sas vezes por várias feministas é que “o
tistas que sofriam assédio e machis- las ruas do bairro para pintar. A crew foi que é pessoal é político”, a frase é de An-
mo dentro do graffiti, você acha que se desfazendo dada a realidade de cada gela Davis, se o pessoal é político então
isso mudou ou as mulheres ainda uma mas continuei sozinha durante anos. tudo entra dentro em um grupo que pro-
passam por esse tipo de situação? move fortalecer mulheres. Suas relações
Ana Clara: Muitas perguntas em uma GQ: Conte para nós sobre a rede afetivas, as desavenças entre nós, sua
só...rsrs O feminismo me corta na vida, Graffiteiras BR, você é uma das fun- insegurança, sua auto estima, o racismo,
na sexualidade livre, na legalização do dadoras da rede, qual foi o motivo de não ter acesso ao básico. Para as ques-
aborto, nos direitos e no graffiti, vou sem- vocês fundarem ela? tões pessoais não há soluções pessoais, o
pre bater nessa tecla porque é importante Ana Clara: Respondi um pouco aci- que existe é ação coletiva para uma solu-
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Reportagem
Tina Soul

Foto: Anna Rocha

Minas de Minas levam personalidades Soares (VIBER), Carolina Jaued (KROL),


de mulheres para os muros Nayara Géssyca (NICA) e Louise Lí-
bero (MUSA), dá visibilidade a essas his-
O projeto ‘Nós Podemos Tudo’ tem o tórias que vão além de um rosto famo-
objetivo de contar histórias de diferentes so ou desconhecido. ............
mulheres.
“Olhe dentro dos meus olhos, olhe O projeto possui duas vertentes, uma
bem pra minha cara. de mulheres famosas e outras de mulhe-
Você vê que eu vivi muito res da comunidade. Há dois murais feitos
Você pensa que eu nem vi nada” nas comunidades no bairro Serra na Vila
Alfabeto

Trecho da música “Na pele” de Pitty e Marçola e Taquaril. “Nós temos duas ver-
Elza Soares tentes que é essa das mulheres que são
conhecidas e as que não são conhecidas,
O projeto Nós Podemos Tudo, das que são as mulheres da comunidade que
Minas de Minas Crew (MDM) de Belo Ho- são as que lutam diariamente para fazer
rizonte (BH), Minas Gerais (MG), busca a comunidade girar, fazer a comunidade
desde 2016 contar histórias sobre mulhe- acontecer, que cuidam de outras mulhe-
res fortes, conhecidas ou não, como uma res dentro e que são essas mulheres for-
forma de lembrar dessas personalidades tes que fazem tudo ser notado dentro des-
que exalam força e inspiração para ou- sas comunidades e tem uma diferença pra
tras mulheres. O grupo, formado por Lídia quem está lá”, explicou a grafiteira Krol.
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Foto: Silvi Palma
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Ao todo, o grupo já fez cerca de oito res carregam diariamente do que se pode
murais pelas ruas de Belo Horizonte com ou não fazer. “Sempre foi tudo muito po-
o projeto Nós Podemos Tudo, com as te- dado as mulheres, as coisas que a gente
máticas e locais: Elza Soares feita na Es- poderia ou não fazer, restrições que eram
tação Central de metrô de BH; Taís Araújo e ainda são vinculado ao sexo feminino.
e Carmen Miranda usando a vertente do A frase vem disso, nós mulheres podemos
mix de mulheres também no Centro de tudo, basta a gente querer e acreditar
BH; Teuda Bara, uma atriz de BH conhe- naquilo que a gente quer”, afirmou Krol.
cida no mundo todo pelo grupo Galpão de
teatro; Carolina Maria de Jesus, localizado A crew Minas de Minas existe desde
em um viaduto no bairro Lagoinha, saída 2012, nos estilos de graffiti presente na
do Centro de BH, atras da rodoviária da crew, há duas grafiteiras que fazem le-
cidade; Karol Conká e Audrey Hepburn, tras e outras duas personagens. O proje-
feito em um SESC de Minas Gerais; Iza to, diferencia o que a crew fazia inicial-
e Alcione, painel Gerações, localizado no mente, tendo a proposta de unir todos
bairro Jaraguá; Figura de uma mulher ne- os estilos das grafiteiras em uma ima-
gra fazendo adesão ao cartaz ‘We can do gem só. Assim, Viber teve a ideia de uni-
it’ feito no SESC PalLadium e painel feito -las a partir dos vitrais, que fazem par-
no 1° Batalhão do Corpo de Bombeiros de te dos painéis do ‘Nós Podemos Tudo’.
BH homenageando aos 25 anos da mulher Fotos: Silvi Palma
no corpo de bombeiros em que foi o pri- Para Krol, o projeto contribui para
meiro graffiti em uma corporação Militar. que as pessoas conheçam a história para forma com que as pessoas procurem sa- to, de saber que isso está atingindo di-
Nós podemos tudo ................ além da fama que essas mulheres pos- ber quem são, reconheçam aquela histó- versas mulheres, diversas pessoas, isso
Conforme a crew, o nome do proje- suem. “Trazer essas histórias, trazer essas ria, se reconheçam, fazemos as pinturas sim é a maior resposta, de tudo que tem
to, veio de uma realidade que as mulhe- mulheres, colocar elas no muro de uma e retratamos mulheres para que as pes- que ser feito através do graffiti”, explicou.
soas procurem saber, entendam quem
elas são”, contou. A grafiteira usou como
exemplo o mural feito sobre a escrito- “A gente vê muitas histórias quando a
ra brasileira, Carolina de Jesus, em que gente conta a história de alguém. É mui-
a crew recebeu muitas mensagens pelo to importante pensar que a história dessa
Instagram de pessoas falando que viram mulher não é só a história da fama dela ou
o mural e que buscaram saber mais so- do trabalho dela, é uma história de vida,
bre a história da escritora, sobre os livros
uma história enquanto mulher mesmo, e
publicados e que até começaram a lê-los. os resultados são tudo assim, que apare-
ce pra gente as pessoas falando, procu-
A Minas de Minas Crew nos levou a rando saber quem são essas mulheres.”
entender que retratar sobre a história de
mulheres não é apenas falar sobre fama
ou trabalho, mas principalmente sobre
uma trajetória de vida que, muitas vezes,
não é conhecida. Os murais também pos-
sibilitam aos transeuntes que o vêem a se
sentirem representados de alguma forma.
“Essas pessoas que se sentem represen-
tadas vendo os graffitis na rua, princi-
palmente com relação a mulher negra, a
questão da aceitação, do cabelo, de tudo
que enfrentamos como mulher. Quando
as mulheres homenageadas visitaram
os painéis, as que tivemos oportunidade
de conhecer pessoalmente, o tanto que
isso foi importante, ouvir suas histórias.
Fotos: Silvi Palma Toda essa repercussão de reconhecimen- Foto: Bruno Filipe
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Galeria
Galeria

Lara - RJ Alessandra - Ceara Amanda Carol Anne Souza - Pe Ariz - Guatemala Awel - Embu das Artes SP Beca - Limeira SP

Bia Ferrer - SP Carla Bresciani - Equador Carolina Verlanga - Guarulhos SP Chermie - Manaus
Bia Ferrer - SP Carla Bresciani - Equador Carolina Verlanga - Guarulhos SP Chermie - Manaus Fany Magalhães Cifurtado - Guarulhos Cléo - SP DM Tinta - Acre

Eduarda Casal - SP Irie - Guatemala Erica Bastos - SP Ferla Kika Kpuxa-São Paulo Naara - Pe Life - Sto André Lambes coletivo mulherio
Eduarda Casal - SP Irie - Guatemala Erica Bastos - SP Ferla
urbano - Pa

22 23
Galeria
Galeria

Deka Costa -Sorocaba Alessandra - Ceara Jae Alves - Itaquaquecetuba Gugie Florencia Savulsky Julia Torres - Sbc Kakaw - Bh

Lara - RJ Alessandra - Ceara Amanda Carol

Bia Ferrer - SP Carla Bresciani - Equador Carolina Verlanga - Guarulhos SP Chermie - Manaus Fany Magalhães Cifurtado - Guarulhos Cléo - SP DM Tinta - Acre
Nadia-Argentina Lisi - Poa RS Rizka - SP SUN -RN Thaina India - SP Petit - Para Ne Peace cidade Americana SP.

Kindy - Guatemala Kontorno irlanda Shee Lena - SP Morgana-São Paulo Joy - SP Mor - Chile Tina Soul - BH

Eduarda Casal - SP Irie - Guatemala Erica Bastos - SP Ferla

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Crew Step by Step
NATHÊ
Freedas Crew é um coletivo de mulheres Processo da produção da arte “Pausa n. 2”
e uma pessoa trans, que nasceu no final de Colagem, spray e aquarela sob papel.
2014. Esse encontro foi resultado de uma ofi- Nessa quarentena, resolvi voltar às origens quando eu fazia minhas personagens em
cina de graffiti promovida por Michelle Cunha revistas de decoração e panfletos das lojas de eletrodomésticos quando eu era menor.
(artista plástica e grafiteira), que reuniu mu- Cada detalhe amarelamente e minimamente pensado para combinar com a lâmpada
lheres com um só interesse: “aprender a grafi-
tar e usar como instrumento de luta”. O nome Etapas:
Freedas evoca Frida Kahlo, pintora mexicana
que por si só já representa liberdade e luta. Primeiro colei o papel bem firme na parece para pin-
Em constante processo de aprendizado tar com o spray sem bolhas. Adicionei um degradê
nas ruas, nos mantemos em atividade trocan- de tons do Areia pro Amarelo;
do experiências em mutirões, fazendo rolês in- Comecei a pesquisa nas revistas. Móveis, estampas
dependentes, reunindo mulheres e debatendo. de tecido. Me chamou a atenção o amarelo então
Em 2016 organizamos o Motyrõ, pri- foquei nos objetos dessa cor;
meiro mutirão de arte de rua da Grande Be- escolhi as imagens, recortei e fui treinando o que-
lém dedicado às mulheres e as pessoas bra-cabeça pra ver como dispor cada peça;
que se identificavam com as nossas lutas. Depois da sala montada, encaixei as personagens no
Esperamos que a nossa presença nas ruas cenário, como se fossem atores de um videoclipe.
encorajem outras mulheres/pessoas trans a Tracei a personagem e o gato a lapis num papel gro-
ocuparem esse espaço historicamente negado. sinho para aguentar a aquarela. Para interagir com a
Atualmente somos seis integrantes: Isa, Juh, lâmpada da imagem eu fiz um reflexo amarelado na
ka, Luan, Petit e Ster, pintando e colorindo menina.
como gesto de resistência e empoderamento. Pronto! agora só escanear na alta (no minimo 300
dpi) e gerar! O original vendi no leilão do MTST PE
mas como a qualidade fica boa, dá pra vender prints
dele!

Bio:
Nathália Ferreira (NATHÊ)
https://www.instagram.com/desbravandoalemmar/
Grafiteira, arte-educadora e estudante de Artes Visuais (UFPE)
D’Cohab1, Pernambuco, BRA
Integra os coletivos @Pixegirls, @afrontecoletivo e @point.bomb.recife
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