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O Guia de exploração definitivo do

maior universo de fantasia do brasil


Uma criação de

Guilherme Dei Svaldi

J. M. Trevisan

Leonel Caldela

Marcelo Cassaro

Rafael Dei Svaldi

Tornada possível pelo

apoio de milhares

de heróis artonianos
A Cidade-Muralha de Villent, sempre vigilante,
frente à Garganta do Troll e às terras da Supremacia Purista
Créditos
Desenvolvimento: Dan Ramos, Davide Di Benedetto, Glauco Lessa,
Guilherme Dei Svaldi, J.M. Trevisan, Karen Soarele, Leonel Caldela,
Lucas Borne, Marcelo Cassaro, Rafael Dei Svaldi, Thiago Rosa.
Texto Adicional: Alice Priestly, Camila Gamino, Elisa Guimarães,
Felipe Della Corte, Jadir Dei Svaldi, Marielle Zum Bach,
Marlon Teske, Momo Soares, Victor Lucky, Vinicius Mendes.
Arte da Capa: Dan Ramos.
Arte: André Vazzios, Claudio Pozas, Dan Ramos, Danilo Martins,
Danilo “Meowchado” Moraes, Diego Sá, Dora Lauer, Eduardo Pires,
Erica Awano, Giih Costa, Guilherme Santana, Henrique DLD, Janio Garcia,
Joaquin Silva, Juaum, Julio Rocha, Lorenzo Hernandes, Mariana Livraes,
Matheus “Birbo” Rocha, Pablo Souza, Pedro “Staztho-Art” Mattos,
Poliane Almeida, Rafael Pen, Rainer Petter, Rebirth Studio, Ricardo Mango,
Rod Reis, Rodrigo Lopes, Samuel Marcelino, Vitor Louzada, Walter Pax.
Cartografia: Bruno Müller.
Heráldica: Danilo Martins.
Projeto Gráfico e Direção de Arte: Dan Ramos.
Diagramação: Guilherme Dei Svaldi, Karen Soarele.
Revisão: Christiano Linzmeier, Emerson Xavier, Leonel Caldela.
Revisão Sensível: Alice Priestly, Naomi Maratea.
Editora-chefe: Karen Soarele.
Equipe da Jambô: Guilherme Dei Svaldi, Rafael Dei Svaldi, Leonel Caldela,
Ana Carolina Gonçalves, André Schwertz, Andrew Frank, Cássia Bellmann, Dan Ramos,
Daniel Boff, Davide Di Benedetto, Elisa Guimarães, Freddy Mees, Gislaine Alves, Glauco Lessa,
J. M. Trevisan, Julia Rosiello, Karen Soarele, Marcel Reis, Marcelo Cassaro, Marlon Vernes,
Matheus Tietbohl, Maurício Feijó, Priscilla Souza, Tatiana Gomes, Thiago Rosa e Tiago Guimarães.
Tormenta é Copyright © 1999-2023 Leonel Caldela, Marcelo Cassaro,
Guilherme Dei Svaldi, Rafael Dei Svaldi e J. M. Trevisan. Todos os direitos reservados.

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a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios existentes ou que
venham a ser criados, sem autorização prévia, por escrito, da editora.
1ª edição: novembro de 2023 | ISBN: 978658863453-0
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

S969a Svaldi, Guilherme Dei


Atlas de Arton / Guilherme Dei Svaldi [et al.]; ilustrações
por Dan Ramos [et al.]. -- -- Porto Alegre: Jambô, 2023.
480p. il.
1. Jogos eletrônicos - RPG. I. Svaldi, Guilherme Dei. II.
Ramos, Dan. III. Título.
CDU 794.021
Sumário
A primeira lição............................8 Aslothia..................................... 192 Os Três Mares............................ 355
Repúblicas Livres...................... 206 Ubani......................................... 362
Introdução:
Boas-vindas a arton............10 Salistick..................................... 218 Deserto da Perdição................... 372
Uma Breve História de Arton...... 12 Svalas......................................... 230 Tamu-ra..................................... 384
Tempo & Calendário................... 30 Feudos de Trebuck..................... 234 Moreania................................... 394
Linha do Tempo........................... 34 Triunphus.................................. 246 Doherimm................................. 406
Sckharshantallas........................ 250 Éter Divino................................ 418
Capítulo 1: Montanhas Sanguinárias........... 262
O Reinado...........................................44 Capítulo 4:
Deheon........................................ 52 Montanhas Uivantes................. 267 Organizações.........................422
Valkaria........................................ 68 Ermos Púrpuras......................... 272 Exércitos & Mercenários........... 424
Bielefeld....................................... 78 Floresta de Tollon...................... 277 Ordens & Igrejas....................... 431
Namalkah.................................... 94 Império de Tauron..................... 282 Guildas & Irmandades.............. 439
Wynlla....................................... 106 Nova Malpetrim........................ 300
Capítulo 5:
Ahlen......................................... 118 Smokestone............................... 306 Vida em Arton...........................446
Zakharov................................... 134 Ruínas de Tyrondir.................... 312 A Sociedade Artoniana.............. 448
Pondsmânia............................... 146 Catacumbas de Leverick............ 317 Viagens & Estradas................... 450
Academia Arcana....................... 160 Capítulo 3: Dinheiro & Comércio................ 453
Vectora....................................... 165 Além de Arton.........................322 Arte & Cultura.......................... 456
Lamnor...................................... 326 Lei & Ordem............................. 465
Capítulo 2:
Além dO Reinado....................170 Khalifor...................................... 338 Vida de Aventureiro.................. 468
Supremacia Purista.................... 174 Khubar....................................... 342 Apêndice:
Conflagração do Aço.................. 186 Galrasia...................................... 350 Origens Regionais.............470
A Primeira Lição
Sente-se, jovem. Sei que você tem muitas perguntas. Não se preocupe, eu tenho
as respostas. Não é preciso ter pressa. Se há alguma coisa que aprendi ao longo dos
séculos é isso: tudo que vale a pena ser sabido merece ser aprendido com calma.
Como deve me chamar? Meus alunos me chamam de Mestre Luriel.
Se acredita que tenho algo a lhe ensinar, pode me chamar assim também.
Terei prazer em chamar você de estudante.
Então, estudante, vamos começar pelo começo.
Arton faz parte de uma Criação maior. O início de tudo é uma história longa,
que mais tarde você conhecerá. Por enquanto, o que precisa saber é que Arton
possui vinte deuses, que formam o Panteão. Cada uma dessas divindades
possui um reino divino, também chamado de “mundo” ou às vezes “Plano”. São
dimensões místicas, à parte do mundo material, mas com manifestações físicas.
E é isso que torna Arton especial: os mundos dos deuses, incluindo o sol e a lua,
orbitam ao redor do nosso.
Estamos, eu e você, no centro da Criação.
Divindades são fascinantes e poderíamos ter toda uma conversa sobre elas,
mas são assunto para outra aula. O tópico de hoje é Arton.
O que move este mundo, mais ainda que seus deuses, são seus aventureiros.
Nem todos em Arton são aventureiros, claro. A maioria dos habitantes
leva vidas simples: são fazendeiros, artesãos, servos. Andando pela vastidão
dos reinos, você verá muita gente que não deixa os limites de sua aldeia, que
nunca ultrapassou os portões de sua cidade murada. Mas, em meio a esses, há
os que anseiam por mais, ou que são obrigados a sair da vida cotidiana. Tudo de
importante que acontece em Arton tem a participação de aventureiros.
O Reinado, a maior coalizão de nações do continente, só existe por causa
desses heróis. Essa aliança foi formada por um propósito nobre: garantir que
seus habitantes sempre tenham um lar. Já foi muito maior, sendo composta de
quase todos os povos civilizados de Arton Norte. Mas precisou lutar contra os
escravistas e conquistadores minotauros nas Guerras Táuricas. Eu mesmo fui um
escravo dos minotauros, estudante. A partir desse conflito, formou-se o Império
de Tauron. Mais tarde, a odiosa Supremacia Purista se ergueu para exterminar
todos os não humanos e o Reinado mais uma vez pegou em armas. A Guerra
Artoniana provocou a saída de outros membros da coalizão, incluindo Aslothia,
que se tornou uma terra sombria de mortos-vivos governada por um Arquilich.
Em todos esses casos, houve a interferência de heróis. Sem aventureiros, as
práticas de escravidão dos minotauros nunca teriam sido enfrentadas. Sem
aventureiros, a Supremacia Purista teria triunfado.
Aventureiros fazem muito mais do que lutar em guerras e resistir a tiranos.
Mesmo em suas áreas civilizadas, Arton é perigosa. Vastas extensões de terras
selvagens escondem monstros vorazes, cultos profanos, masmorras cheias de
armadilhas. Um aventureiro pode passar décadas vagando por Arton sem
enfrentar o mesmo tipo de ameaça duas vezes.

8
É claro, existem muitas terras além do Reinado,
além até mesmo deste continente.
A Grande Savana, com sua orgulhosa civilização
arcana. O Deserto da Perdição, com
suas tempestades de areia que trazem estranhos
de outros mundos. Galrasia, a terra
esquecida pelo tempo. Tamu-ra, o Império de Jade
. A Ilha Nobre, com seus habitantes
herdeiros de animais.
E precisamos discutir algo que ameaça Arton inte
ira. Algo que todo aventureiro
teme ou anseia enfrentar — em geral ambos. Esto
u falando da Tormenta.
Para alguém como eu, parece que tudo começou
há meros instantes. A Tempestade
Rubra chegou poucas décadas atrás. Mas, depois
de sua chegada, tudo mudou. E, eu
temo, nada nunca mais será como antes.
Áreas de Tormenta são as mais terríveis máculas
sobre nosso mundo. São regiões de
chuva ácida e sangrenta, paisagens de pesadelos
tomadas por demônios. Talvez um dia
você enfrente a Tormenta, estudante… mas não hoje
. Essa é uma lição mais avançada. E
você já sabe: tudo que vale a pena ser sabido mer
ece ser aprendido com calma.
Se você realmente almeja uma vida maior que as
fazendas, aldeias e castelos das
pessoas comuns, deverá decidir como fazer isso.
E, se existem infinitas ameaças, tenho a
felicidade de lhe dizer que também existem infin
itas formas de enfrentá-las.
Existem armas, armaduras e força bruta. Existe furt
ividade e esperteza. Existe
magia arcana misteriosa, e magia divina que cana
liza o poder do Panteão. Existe ciência
revolucionária, engenhocas que rivalizam com os
mais potentes feitiços. Cada aventureiro
escolhe sua forma de proteger Arton ou é escolhido
por uma delas. Isso porque Arton é
mais que um mundo mágico — é um mundo maravilh
oso. É um mundo de variedade quase
incompreensível… e seus habitantes sabem disso.
Sei que o que estou falando parece contraditório
. Eu mesmo, quando cheguei a Arton
tantos séculos atrás, tive essa sensação. Mas ouça
minhas palavras e lembre-se delas.
Em Arton, o fantástico existe todos os dias, em todo
s os lugares. E nunca se torna
banal. Sabendo disso, você realmente poderá conh
ecer este mundo.
E assim concluímos sua primeira lição, estudant
e. Agora começa a segunda.
Eu poderia passar sua vida inteira falando. Talv
ez até minha vida inteira. E talvez
pudesse assim esgotar meus conhecimentos sobr
e este mundo.
Mas você não iria entendê-lo.
Arton não pode ser apenas recebida, deve ser conq
uistada. Essas terras não podem
ser apenas aprendidas, devem ser exploradas. E o
mundo que você descobrir será muito
diferente do meu. Quando descobrir o que é Arto
n para você, notará que já a ama.
Então a segunda lição é por sua conta, estudante.
Abra a porta. Dê o primeiro passo.
Desbrave Arton.

9
Introdução
A
rton é um mundo de cidades agitadas e Mas, se o tempo se estende para trás além da
masmorras sombrias, de aventureiros memória dos mais antigos deuses, se cada fase dessa
ousados e vilões cruéis, de alianças história parece transcorrer com a lentidão das forças
honradas e guerras inclementes. Mas, primordiais, tudo fica mais rápido e imprevisível à
antes de conhecer as terras, as pessoas e a medida que os mortais se desenvolvem.
política de Arton, é preciso saber sua história. Reinos são fundados e destruídos dentro da
mesma geração. Nobres se enfrentam, fazem trégua
A trajetória da Criação é repleta de heroísmo,
e voltam a guerrear. Alianças são firmadas e dissol-
horrores, eventos fantásticos e sacrifícios. É uma
vidas, inimizades se acendem e se resolvem. Porque,
saga épica em que deuses e mortais passam por
enquanto os povos artonianos crescem e se espalham,
perigos e provações — e nem sempre saem ilesos,
multiplicam-se aqueles que fazem a história se mover:
ou mesmo vivos. Forças cósmicas deram início a
tudo que existe, mas não podem controlar aquilo Heróis.
que criaram. Divindades deram vida aos mortais e A história de Arton é uma história de aventuras.
os guiam, mas ao mesmo tempo são modificadas, Desde a saga primordial, quando algo passou a existir
desafiadas e até vencidas por eles. A história de Arton onde antes não havia nada, até a busca mais recente,
é a história de suas entidades mais poderosas e de quando uma jovem acabou de pegar uma espada e
suas criaturas mais humildes. Todos têm seu papel a deixar sua fazenda.
desempenhar… E muitas vezes os papéis se invertem.
O início da história artoniana está escrito, mas
Ao longo da história de Arton, não seu fim.
houve eras brutais e violentas —
Porque, enquanto houver heróis, nunca haverá
épocas em que apenas os mais fortes
um fim verdadeiro.
prosperavam —, assim como idades
utópicas, cheias de maravilhas, em que a
ciência e a arte floresceram. Impérios pare-
ciam eternos, mas acabaram. Povos passaram
séculos em desgraça, mas se ergueram.
Uma breve história de Arton

N
arrar toda a trajetória artoniana, com é que alcançá-los envolve segredos, portais místicos
suas complexidades, contradições ou jornadas longuíssimas — nunca fáceis e quase
e redemoinhos de eventos, seria sempre mortíferas. Mas mesmo as moradas do próprio
impossível — ao menos em poucas Panteão são deixadas de lado pelos imortais diante do
páginas. Este é um resumo conforme os estudos verdadeiro alvo de seus desejos.
mais atuais dos escribas da Caverna do Saber. Arton, o centro da Criação.
Pesquisas escolhidas para registro especial no O que antes era disforme foi moldado pelos deuses.
Helladarion, o Artefato Vivo, preservador das E os deuses, por sua vez, descobririam que a fé dos
memórias de todos os devotos que dedicaram habitantes deste mundo era capaz de aumentar ou
vidas inteiras a buscar conhecimento. diminuir seu poder e até mesmo de fazê-los ascender
ou cair. Segundo contam os antigos, a vida surgiu em
Arton com uma lágrima de Lena, a Deusa Criança,
O Início de Tudo quando ela se entristeceu ao contemplar a superfície
estéril e desolada desse mundo. Oceano foi o primeiro
(7 bilhões de anos AE a 1007 CE) criador, tomando a lágrima e moldando-a habilmen-
te em uma miríade de seres para povoar as águas.
De antes da Criação até a queda de Sszzaas Allihanna, a Mãe Natureza, fez com que parte deles
deixasse os mares e habitasse as terras emersas. Foi
A origem do Panteão então que o bestial Megalokk usou seu poder para
No princípio, havia apenas o Nada e o Vazio. corromper as criações de sua irmã e, a partir dos
animais, criou os primeiros monstros.
Entidades cósmicas inatingíveis, alheias a tudo,
de poder sem limites. A opressão de suas feras titânicas sobre Arton
durou até 65 milhões de anos antes da chegada dos
Do encontro dessas forças, nasceram as divindades elfos, quando o restante dos deuses se uniu e resolveu
maiores, conhecidas como o Panteão. Capazes de exterminá-las. Khalmyr, o Juiz Supremo, decretou:
moldar o universo à sua vontade, comportavam-se a partir daquele dia, grandes predadores conhecidos
de maneira bem diferente dos pais. Eram criaturas como lagartos-trovão deveriam habitar apenas regiões
imperfeitas, movidas por paixão e fúria. Eram, em extremas, dando chance para civilizações crescerem e
suma, indivíduos. Ao longo das eras, alguns deuses prosperarem. E assim aconteceu.
maiores ascenderam; outros caíram. Seu número,
entretanto, jamais mudou: vinte. Sempre vinte. Até hoje, pouco se sabe sobre o que despertou
no Panteão a vontade de criar. Alguns dizem ter sido
Antes de o próprio tempo existir, cada membro vaidade, o impulso de repetir o feito do Nada e do
do Panteão ergueu para si um domínio planar, um Vazio. Outros, que sua motivação foi o simples tédio
reino dos deuses. Um mundo espelhando sua de uma existência eterna. Seja como for, as coisas
natureza, seu caráter, onde a destruição final não nunca mais foram as mesmas.
poderia tocá-lo. Tais lugares se tornariam o descanso
final para os mortos de Arton, nobres ou plebeus,
heróis ou vilões. Dizem que, exceto quando um O nascer
deus demonstra interesse especial por alguém, a das civilizações
destinação de cada alma é decidida ao acaso. Se será Arton, tal qual vista por uma criatura voando
paraíso ou inferno, isso depende das crenças que nas alturas mais remotas, assemelha-se a um mar
alimentou enquanto viveu. interminável cercado por um céu com um sol e uma
Os reinos são Planos flutuando no espaço entre lua. Da sua imensidão oceânica despontam duas
as realidades ou esferas viajando através do éter enormes massas de terra, além de incontáveis ilhas.
divino? É um problema teológico complexo, assunto Os continentes irmãos são chamados de Lamnor — ou
de discussões acaloradas e infindáveis. A única certeza Arton Sul — e Ramnor — ou Arton Norte. Já foram

Introdução
12
interligados por uma ponte natural conhecida
como o Istmo de Hangpharstyth, mas ela foi
destruída pela fatídica queda de um cometa.
Mesmo antes do fim da Era dos
Monstros, as paragens artonianas foram
habitadas por seres inteligentes, como
as crias de Kallyadranoch, o Deus
dos Dragões. Dragões eram as
únicas criaturas capazes de rivalizar
com bestas gigantes, mas no fim
sofreram o mesmo destino e
foram exilados. De qualquer
forma, eram individualistas
e, até onde se sabe, nunca
formaram sociedades.
Após o declínio dos filhos
de Megalokk, diversos seres meno-
res, mas inteligentes e capazes de se
unir, começaram a surgir. Primeiro,
Glórienn, a Deusa dos Elfos, criou o
povo élfico em seu próprio reino divi-
no. Depois, já em Arton, surgiram as
fadas, de um sonho louco de Wynna, Aqueles que viriam a dominar
a Deusa da Magia, ao ouvir os Arton foram criados por Valkaria, a
sussurros de Nimb, o Deus Deusa da Ambição e da Aventura,
do Caos, da Sorte e do sempre insatisfeita. De acordo com
Azar. Os anões, filhos algumas histórias, ela só ficaria
da paixão de Khalmyr contente quando seus filhos supe-
e Tenebra, a Deusa rassem os deuses. A humanidade teve
das Trevas. E diversos um começo humilde, em tribos primitivas se
outros povos, até… escondendo de predadores em cavernas enquanto
Os humanos. aprendiam a dominar ferramentas. Mas, desse começo
modesto, os humanos cresceriam e realizariam faça-
nhas incríveis — para o bem e para o mal.
Qual foi o primeiro reino a existir? A resposta
para essa pergunta se perdeu no tempo. Houve muitos
falsos começos de civilizações de todo tipo e por todo
lugar. Em ambos os continentes existem vestígios de
sociedades que foram destruídas pela fúria da natu-
reza, pelo duelo de deuses menores ou por maldições
terríveis. Desses precursores restaram apenas ruínas.
Mas, nas verdejantes terras de Arton Sul, muitos
povos encontrariam um berço fértil onde crescer.
A verdade é que, apesar do banimento dos lagar-
tos-trovão, muitos monstros continuaram a existir.
Embora não mais dominassem o mundo, tais criaturas
eram abundantes no norte, limitando o crescimento
da população e deixando vastidões de terras ermas
e despovoadas. Em Lamnor, essas ameaças eram
O Nada e o Vazio, como representados relativamente mais brandas, mas isso não significa
pelo pintor élfico Alantharir Edhallas em que as culturas locais tenham levado uma existência
afrescos na Catedral de Valkaria pacata ou livre de privações.

Boas-vindas a Arton
13
Por meio de fogo, ferro e feitiçaria, os humanos Nhardmaran, a Cidade Dourada,
iluminou a antiguidade artoniana
lutaram e ergueram algumas aldeias muradas, que ao receber a bênção da escrita
mais tarde dariam origem a imponentes cidadelas-
-estado. Mesmo nessa época, contavam com um
generoso número de heróis, característica empres-
tada a eles por sua deusa padroeira. Outros povos
lamnorianos, como os hobgoblins, não seguiram
de maneira diferente das crias de Valkaria. Através
de suas dádivas únicas, encontraram soluções para
lidar com as ameaças: cidades subterrâneas, quartéis
fortificados e seus próprios campeões.
Crescer dessa maneira confinada levou a popula-
ções pequenas e concentradas em centros urbanos. A
longa distância entre cada cidade, somada aos perigos
no trajeto, levou a um lento espalhamento de saberes
e uma cultura isolacionista, que se manteve como
uma característica dos reinos sulistas por várias eras.
Por um longo período, as histórias dessas civilizações
foram um amontoado de lendas e tradição oral,
constantemente perdidas com a morte dos últimos
anciões a conhecê-las. Nada era registrado ou deixado
para a posteridade.
Até que foi.
Dois milênios antes dos elfos, Tanna-Toh, a Deusa
do Conhecimento, abençoou as civilizações com a
palavra escrita.
A heroína responsável por conquistar essa dádiva
foi Sirrannamena, a Rainha Barda. Nessa época,
ela governava a Cidade Dourada de Nhardmaran,
usando sua voz mágica para inspirar seu povo a
grandes feitos. Contudo, essa gloriosa civilização era
assolada pelos ataques de K’Athanoa, um deus menor
horrendo e indestrutível. A abominação hibernava
nas profundezas oceânicas por longos períodos e,
quando despertava, trazia caos e destruição. Poucos
sobreviviam a suas investidas e, mesmo que alguém
descobrisse alguma fraqueza da criatura, esse conhe-
cimento se perdia com o tempo. A própria civilização
de Nhardmaran regredia a cada ataque de K’Athanoa,
sendo forçada a redescobrir muitas de suas inovações.
Sob a sombra do deus menor, a Cidade Dourada
estaria para sempre estagnada.
Quando o monstro despertou durante o reinado
Acompanhada dos maiores heróis da Cidade
de Sirrannamena, ela partiu para enfrentá-lo. Do
Dourada, Sirrannamena desbravou as florestas mais
topo da muralha mais alta de Nhardmaran, a Rainha
Barda cantou e espantou K’Athanoa, mas não antes densas, escalou as montanhas mais altas, desceu às
de sofrer um corte terrível na garganta. Um ferimento cavernas mais profundas. Na gruta mais escura, após
que roubou dela sua maior dádiva: a voz. Quando nem enfrentar e derrotar uma cria das sombras, encontrou o
mesmo o mais hábil sacerdote foi capaz de curá-la, que buscava. Ao deixar as profundezas, a Rainha Barda
Sirrannamena se desesperou. Sem sua voz, temia não trazia consigo o maior tesouro, a dádiva de Tanna-Toh:
conseguir mais conduzir seus súditos. Por isso, partiu um pergaminho com as primeiras letras. Sirrannamena
em busca de iluminação. poderia continuar inspirando seu povo, agora usando

Introdução
14
essa nova forma de comunicação. Mais do que isso, a Império Nardmyr. Orientadas pelos auspícios de
escrita permitiu que a sabedoria fosse preservada entre clérigos ambiciosos, suas legiões passaram décadas
cada cataclisma, possibilitando o avanço da civilização. anexando as cidadelas-estados do continente, como
Sob a liderança da guerreira-poetisa, centenas de uma máquina de guerra precisa e eficiente. O segredo
templos a Tanna-Toh foram erguidos. Atuando como do sucesso nardmyr foi a revolucionária construção de
escolas, esses locais ajudaram a difundir a alfabetização. portais arcanos. Eram usados para manter o controle
Dos descendentes dessa heroína lendária nasceu dos territórios conquistados, permitindo que tropas
a dinastia sirranniana, governantes que lideraram e mercadores se teletransportassem pelas regiões
a primeira tentativa de expansão humana no sul: o sob domínio. Seus manadutos enviavam energia para

Boas-vindas a Arton
15
abastecer as maravilhas arcanas. No auge do império,
diz-se que seus entrepostos alcançavam o continente
ao norte ou mesmo outros mundos.
Mas a ferramenta revolucionária se
mostrou um ponto fraco.
Sagas ancestrais relatam que
Lathzira, a Magimoldadora-Mor
do Império por séculos, devota de
Wynna e responsável pela cons-
trução dos portais, em algum mo-
mento teria se cansado do mundo
material. Transcendeu a cor-
poreidade para habitar
um Plano de existên-
cia mais elevado. Dei-
xou para trás Hermonice,
Tuznaem e Vargroud, seus três
aprendizes, para cuidarem dos portais, mas eles não
seguiam o altruísmo pregado pela Deusa da Magia.
Organizaram um golpe, eliminando a família real e
o clero e se apossando da capital Nhardmaran. Por
fim, voltaram-se uns contra os outros.
Energias canalizadas pelos pode-
rosos arcanistas durante suas bata-
lhas afetaram os manadutos nard-
myr, responsáveis por manter
os portais. As impressio-
nantes construções ru-
íram e, sem a uni-
dade garantida

“Dos céus desceram as mãos gentis de Glórienn,


depositando seus filhos preciosos aos cuidados de
seu irmão, Oceano.”
— Taralar Silanthis, historiador élfico

16
por eles, o império deixou de existir. Suas principais Foi denominado Narlaruen, a “Vida Veloz”. A suas
províncias, Gordimarr, Ylloran e as Terras de Ghon- margens, os elfos transplantaram um pedaço de seu
driann, declararam independência, dando origem aos mundo natal, dando origem a uma cidade que se fundia
futuros novos reinos do sul. Lamnor mergulharia em de maneira harmoniosa com a vegetação ao redor.
um longo período de descentralização política, gover- Lenórienn, o Novo Lar.
nado por senhores da guerra, e as artes arcanas deixa-
riam de ser livremente praticadas, sendo vistas com Antes mesmo que a cidade fosse terminada, sábios
maus olhos. Por anos, tudo permaneceu assim. élficos foram enviados para todos os cantos de Arton
Sul para anunciar a fundação de um sublime centro de
Até que visitantes inesperados surgiram. arte e conhecimento, e espalhar os avanços da cultura
élfica. Por trás dessa fachada de altruísmo havia uma
A chegada dos elfos arrogância atroz.
Lendas falam sobre a jornada do povo élfico de O local escolhido pelos elfos para erguer a cidade
Nivenciuén, seu paradisíaco reino divino, até as terras pertencia aos hobgoblins, povo guerreiro que domi-
artonianas — as mais fantásticas falam da travessia do nava os bosques e já havia entrado em conflito com
éter entre os mundos a bordo de navios voadores. Já humanos incontáveis vezes. Os elfos enxergavam os
sobre as motivações por trás dessa peregrinação, pouco hobgoblins como primitivos, pouco mais que animais.
se sabe. Alguns sábios acreditam que os elfos vieram Em vez de tratá-los como uma civilização vizinha,
a esta terra para educar e instruir os demais povos, resolveram simplesmente ignorá-los. Pagaram o preço
em uma mistura de altruísmo e arrogância. Outros de seu engano.
afirmam que seus objetivos eram mais diretos e que
Embora as primeiras incursões goblinoides para
os elfos planejavam dominar o mundo em nome de
retomar o território tenham sido massacradas com
Glórienn. Seja como for, o contato da civilização élfica
chuvas de flechas mágicas disparadas por arqueiros
com os povos do sul alterou para sempre o equilíbrio
élficos, ao longo de anos os hobgoblins desenvolveram
do poder em Lamnor.
táticas capazes de fazer frente ao inimigo: novas e
Muitos elfos dessa era sucumbiram a mortes cruéis armas, máquinas de cerco sofisticadas e até
violentas ou ao simples contato com o mundo material mesmo táticas que reproduziam e aperfeiçoavam a
e transitório de Arton. Poucos sobreviveram. Menos técnica dos invasores.
ainda lembram com exatidão da travessia e quase
Logo os habitantes de Lenórienn se viram acuados
nenhum tem desejo de falar sobre isso. Quaisquer
na capital, incapazes de se expandir. O conselho regen-
que tenham sido seus motivos para vir, os elfos
te lennoriano se recusou a voltar atrás e o governante,
experimentaram uma realidade diferente neste mun-
o Rei Khinlanas, sentiu-se traído pelos povos que
do. Descobriram que sua suposta perfeição não era
pretendia ajudar, fechando-se então para todos
reconhecida universalmente, viram sua “ajuda” ser
os artonianos. O conflito entre elfos
rejeitada e, em vez de serem saudados como
e hobgoblins se arrastaria por sé-
benfeitores, enfrentaram resistência armada.
culos e passaria a ser conhecido
O primeiro lugar que visitaram teria sido como a Infinita Guerra.
a enorme e verdejante Floresta de
Myrvallar, um nome que em élfico
significa “Paz na Alma”. O título parecia
perfeito, pois a floresta aparentava ser
um lugar tranquilo, o fim da jornada
para os viajantes. Um rio
rugia atravessando a mata.

17
Durante certo tempo, houve entre parte dos Darsic os detestava desde que seu pai morrera lutando
goblinoides a esperança de uma aliança com a huma- contra eles, em uma escaramuça sangrenta décadas
nidade. Apesar do seu histórico de contendas, ambos antes. A única tentativa tensa de negociação entre
pertenciam ao mesmo continente, enquanto os elfos Ghondriann e os goblinoides acabou em um banho
eram forasteiros e, portanto, podiam ser vistos como de sangue que causaria retaliações um ano depois,
um inimigo em comum. levando à morte do monarca. Essa tragédia selaria
Enquanto isso, cidades-estados nas terras hu- qualquer chance de conciliação entre os dois povos.
manas passavam por um período de unificação. O A humanidade teve contato mais pacífico com
honrado cavaleiro Darsic II passara anos vivendo os elfos, chegando a receber deles conhecimento
no deserto e voltara trazendo os ensinamentos de sobre magia e outras artes sofisticadas. Contudo,
Hedryl, como era conhecido o Deus da Justiça. Darsic isso nunca se traduziu numa aliança verdadeira, pois
desafiou os cobiçosos tiranos das cidades-estados o Rei Khinlanas mantinha sua política isolacionista.
de Delphradiann, Leokann e Quiell na campanha Os elfos nunca entenderam por que suas dádivas
militar que recebeu o nome de Prélios da Pedra não foram recebidas com gratidão eterna e por
Preciosa. Criou um reino unificado, sob uma mesma que povos “selvagens” não se curvavam ante sua
fé e lei, chamado Ghondriann. civilização. Os humanos se mantiveram afastados de
Parte dos feitos de Darsic eram mérito do artefato Lenórienn e, com o tempo, passaram a se ressentir
que emprestou nome ao conflito e que ele usava da condescendência com
em sua coroa: a Joia da Alma. Dizem que, graças que eram vistos. Firmaram
a ela, o monarca trazia gravados em sua mente o Tratado de Lamnor,
os ensinamentos aprendidos em seu tempo jurando não interferir em
de exílio e por isso era um juiz de sabedoria assuntos élficos.
inigualável, sua reputação respeitada mesmo Assim a história do sul seguiria,
entre os inimigos. embebida em divisão e sangue.
Talvez o reino pudesse ter sido um aliado
dos hobgoblins contra os elfos. Contudo, a
Joia da Alma não deixava o Rei Darsic
II esquecer nada — inclusive seu
ódio. Mesmo que estivessem naquele
momento defendendo suas terras,
os hobgoblins eram um
povo militarista e violento.

Glórienn, a Deusa dos Elfos, pronta para


enfrentar qualquer inimigo, exceto o fracasso

Introdução
18
Guerras divinas Tilliann contribuiu com curiosidade ilimitada e
criatividade absoluta.
Por volta do sexto século depois da chegada dos
Kallyadranoch lhes deu poder puro e desmedido.
elfos, as conspirações do Panteão estavam prestes a
mudar tudo mais uma vez. Tilliann, o Deus dos Gno- Os Três preferiram não se revelar a seus novís-
mos, também considerado o Deus da Criatividade, simos filhos, criando vinte pseudodivindades para
nunca havia colocado seus filhos em Arton, nunca regê-los em seu lugar e servir como futuro alvo de
completara seu propósito divino. Mesmo assim, não rebeldia. Em vez disso, eram conhecidos somente
deixava de se jogar a outros ímpetos criativos. Em como uma trindade de conceitos filosóficos: o Cora-
mais um desses devaneios repletos de entusiasmo, ção, a Mente, a Chama.
sua curiosidade infinita o levou a buscar por algo novo. Os lefeu evoluíram mais rápido do que qualquer
Esse algo foi encontrado. um, mesmo seus criadores, poderia prever. Em vez de
apenas superar seus falsos deuses, eles os assassinaram
Outra Criação.
assim que tiveram chance. Eram seres de ambição e
Não uma dimensão ou Plano, mas um universo in- maldade incontroláveis. Tilliann tentou se revelar
teiro totalmente separado do que se conhecia até então. a suas crias, mas quando viu aquilo que haviam se
Um não lugar onde o Nada e o Vazio jamais haviam tornado, enlouqueceu. Os Três recuaram de volta a
consumado seu amor. Não se sabe se Tilliann revelou seus reinos divinos, mas era tarde demais. O Panteão
a Valkaria essa Criação ou se a Deusa da Humanidade havia descoberto o terrível segredo e as abominações
soube de sua descoberta por seus próprios meios. que Valkaria, Tilliann e Kallyadranoch haviam criado.
Contudo, sabe-se que ela imediatamente desejou o Os atos dos Três desafiavam a lei de Khalmyr, e
não lugar para si. as criações resultantes eram horrendas e perigosas
O que outras mentes poderiam enxergar como um demais para que lhes fosse permitido continuar a
infinito estéril e sem atrativos, aos olhos de Tilliann existir. Mas as três divindades continuavam a amar
e Valkaria era um pergaminho em branco, repleto de seus filhos aberrantes, fruto de suas qualidades
possibilidades. Ali, Criatividade e Ambição poderiam mais intrínsecas. Valkaria, Tilliann e Kallyadranoch
explodir como nunca antes. resistiram à ordem de extermínio e houve guerra.
Os maiores campeões humanos cavalgaram dragões
Mas aquilo não seria só dos dois por muito tempo:
ancestrais e máquinas mecanomágicas contra os
logo, Kallyadranoch, o Deus dos Dragões, descobriu
exércitos divinos. Em vão.
a informação que ambos mantinham oculta do resto
do Panteão. Entre os teólogos e devotos, aqueles que No fim, a derrota foi absoluta. Não só os lefeu
acreditam na benevolência de Valkaria afirmam que foram erradicados, como a própria lembrança de que
Kally chantageou os conspiradores, exigindo participar haviam existido foi apagada, pois mesmo lembranças
de seu estratagema em troca de guardar segredo. Mas dos deuses tinham poder. Os conspiradores receberam
também existem aqueles que veem em Valkaria, acima castigos de acordo com suas crenças.
de tudo, sede de aperfeiçoamento. Estes dizem que Valkaria perdeu sua liberdade. Foi reduzida ao
Kallyadranoch foi convidado a se juntar aos dois, para que lhe era doloroso, uma mera vítima em perigo, com
que contribuísse com o Poder. Seja como for, havia sua essência aprisionada em uma imensa estátua.
agora mais um deus envolvido no segredo. Mas houve clemência: foi permitido que mantivesse
seu posto enquanto cumprisse a pena e, um dia,
Eles eram os Três.
poderia ser resgatada pelos humanos que havia criado.
Quando o trio colocou em prática seu experimento, Nunca teve dúvidas de que eles conseguiriam tal feito.
cada divindade seguindo os passos determinados
Tilliann perdeu sua capacidade de criar.
por sua natureza, nem mesmo eles podiam prever o
Khalmyr o golpeou e sua essência divina sangrou
tamanho do horror que desencadeariam. Alimentaram
no mundo material. Nimb o mastigou e, quando o
um sonho: criar o povo perfeito. Seu verdadeiro nome
cuspiu, era apenas um humanoide. Em seu lugar,
não pode ser pronunciado por artonianos ou mesmo
ascendeu Hyninn, um astuto semideus trapaceiro.
ouvido sem causar danos à sanidade, mas passariam
A divindade do antigo Deus dos Gnomos foi usada
a ser conhecidos como os lefeu.
para criar uma muralha que separaria totalmente os
Valkaria deu a eles o dom da ambição, a fome dois universos, para que nunca mais se tocassem.
constante por mudança e aperfeiçoamento. Eram uma Criação e uma Anticriação.

Boas-vindas a Arton
19
Kallyadranoch perdeu seu orgulho. Foi removido vital, seu plano foi descoberto. As conexões com as
da existência e, assim como acontecera com seus filhos joias foram cortadas a tempo e ele recebeu a pior das
lefeu, seu nome foi esquecido por todos. Durante punições. Todos os povos que havia criado seriam
séculos seria lembrado apenas como o Terceiro. O caçados pelos demais, ele acabaria aprisionado em
vácuo que sua queda criou permitiu a elevação do Arton em uma forma corpórea, privado de seus
brutal Ragnar, o Deus da Morte dos Goblinoides. poderes. Caso fosse destruído, encontraria a morte
final, a inexistência absoluta. A noção mais horrenda
Os lefeu, apesar de todos os esforços divinos, não
e o maior medo dos imortais.
deixaram de existir. Sem que nenhum deus soubesse,
ressurgiram na Anticriação e, sem controle ou vigilân- Jamais retornaria ao Panteão.
cia, evoluíram a patamares muito superiores a tudo Ou assim se acreditava.
que haviam alcançado antes. Os demônios em certos
reinos divinos conheciam lendas e boatos sobre os
lefeu, temendo-os como um aldeão artoniano teme
um demônio. Os lefeu conquistaram todos os lugares
História Antiga
de seu universo, destruíram tempo e espaço, acabaram (1007 CE a 1364 CE)
com os conceitos de vida e morte. Venceram os limites Da queda de Sszzaas à coroação
entre os indivíduos, ocuparam e substituíram sua do Rei-Imperador Thormy
Anticriação. Do outro lado da barreira, tudo era lefeu.
Mais tarde, eles se tornariam a maior ameaça a Arton.
A Revolta dos Três foi apenas um dos conflitos
Formação
que abalaria o Panteão nesta era conturbada. Khalmyr
dos reinos do sul
desejava garantir que nunca mais pudesse ocorrer A despeito das intrigas divinas, em Arton a
algo tão grave a ponto de causar uma guerra divina. civilização continuava sua marcha. Nos séculos
Era preciso obrigar os vinte deuses a confiar uns nos seguintes, assumiu as mais diversas formas — dos
outros — e essa foi uma das raras ocasiões em que lordes guerreiros do arquipélago de Tamu-ra aos
todo o Panteão concordou em algo. sauroides da ilha de Galrasia; dos nômades sar-allan
Nimb então sugeriu um plano a seus irmãos. Um no Deserto da Perdição aos primeiros potentados
plano arriscado, ousado e potencialmente caótico, dos extremos de Ramnor.
mas eficiente. Cada divindade deveria depositar seu Em Lamnor, mesmo sem as bênçãos de sua deusa
poder em uma gema indestrutível e indetectável — criadora, a humanidade seguiu. Haveria um segun-
os Rubis da Virtude. Trocariam então os artefatos do império, dessa vez não mais impulsionado por
entre si, como uma garantia. O Deus do Caos rolou artifícios mágicos, mas por estradas e caravanas. No
seus dados para definir qual divindade ficaria com espaço de alguns anos, tanto graças a seus honrados
qual gema. Não sabendo quem detinha a pedra paladinos quanto a hábeis espiões, a antiga província
contendo sua essência vital, os deuses não poderiam de Gordimarr se expandiu militarmente por rotas de
jamais ameaçar uns aos outros sem correr o risco comércio e entrepostos. Gordimarr clamou para si
de serem também destruídos.
o posto de sucessor espiritual das legiões nardmyr
Sszzaas, a Serpente de Muitos Olhos, era co- do passado, conquistando diversos territórios e
nhecido como o Deus da Sagacidade e dos Mistérios, ultrapassando outras potências lamnorianas.
mas sempre foi o Deus da Traição. Consoante com
Seu auge se deu nos tempos de Protas III que,
sua natureza divina, aguardara pacientemente até
embora jamais tenha ocupado formalmente o posto de
que um complô abalasse a confiança do Panteão e
uma medida drástica fosse necessária. O Grande Rei-Imperador, foi aclamado dessa forma pela nobreza.
Corruptor fora na verdade responsável pela ideia de Sob seu comando, o reino alcançou uma prosperidade
Nimb. Tudo havia sido um plano, todos os deuses que financiou uma verdadeira renascença cultural.
haviam sido manipulados. Inúmeros templos e bibliotecas foram erguidos sob
a orientação de guildas de engenheiros e arquitetos.
Sszzaas conseguiu o impossível: roubou todos
os Rubis da Virtude. Sua horrenda intenção era O monarca também apadrinhou aventureiros,
destruir quase todos eles, preservando apenas o seu entre eles o famigerado Khalil, que passaria à história
próprio, para aniquilar os outros deuses e se tornar como Khalil de Gordimarr. Entre os maiores feitos
a única divindade de Arton. Contudo, enquanto de Khalil está a expedição ao norte, ainda indômito
tentava descobrir qual deles continha sua essência e desconhecido aos povos sulistas, para que fosse

Introdução
20
desbravado e mais tarde conquistado. Centenas de O palco principal da guerra foi o diminuto país de
guerreiros o acompanharam na jornada, mas apenas Tarid, massacrado e saqueado pelos exércitos estran-
quarenta retornaram. geiros. Esse triste período ficou conhecido como os
Anos da Forja. Tal qual disse um sábio neridianno da
As canções dos bardos variam muito quanto ao
época, o Triângulo era o martelo, as forças de Solavar,
que Khalil de Gordimarr teria encontrado naquelas
a bigorna, e Tarid, a espada, a única a sofrer os golpes.
paragens, mas todas concordam em algo: monstros.
Do encontro com dragões a uma nação governada por Foi no ano de 950, nas planícies de Yugarrth,
gigantes, os relatos dessa expedição ensinaram aos que o Príncipe Renngard finalmente derrotou Coru-
lamnorianos que as terras do norte eram selvagens lann. Esse evento, um dos mais sangrentos embates
e perigosas, escondendo apenas a ruína e a morte. da humanidade até então, foi batizado de a Grande
Khalil receberia o controle de terras no istmo que Batalha. A punição aos derrotados não se estendeu
dava acesso a Ramnor. Ali seria construída uma das apenas aos nobres causadores da guerra — a população
maiores fortalezas de todos os tempos, equipada com inteira dos reinos derrotados foi considerada inimiga.
balestras, catapultas e centenas de torres de vigia. Foi Os habitantes de Ghondriann, Cobar e Sidarid foram
batizada em sua homenagem: Khalifor. expulsos pelos vitoriosos, perdendo tudo que tinham.
Banidos de suas terras para além dos muros de Khalifor,
O fim do sonho de conquistar o norte significava
deixaram seus lares, suas vidas, tudo que conheciam
que agora a nobreza faminta por terras poderia voltar
até então, procurando refúgio no único lugar que lhes
seus olhos apenas para os domínios vizinhos. Durante
restava: o temido continente norte.
anos, tudo permaneceu em relativa paz, mas a morte
de Protas levou ao esfacelamento do império gordiano,
que foi dividido entre seus herdeiros e deu origem a
A saga da caravana
uma miríade de reinos menores. Um palco propício A história da Caravana dos Exilados fala sobre
a conflitos nasceu das novas políticas de alianças por pessoas em busca de refúgio. Gente que acordou um
meio de casamentos entre famílias nobres. dia sem ter mais nada, pois assim fora decretado pelos
vitoriosos. Mas, acima de tudo, fala sobre redenção.
O estopim da primeira guerra total entre reinos
Os povos ghondrianni, cobarianos e sidur rece-
humanos foi a fatídica morte da Princesa Yllia. A
beriam uma oportunidade dos deuses. Lamnor estava
herdeira de Corulan VI, soberano do já consolidado
fadado a cair por suas intrigas palacianas e desunião,
Ghondriann, o Reino dos Justos, foi assassinada por mas a grande maioria dos exilados não teve voz nas
bandoleiros ao fugir de casa num arroubo juvenil. Ao decisões tomadas por seus reis durante a guerra. Essas
ver frustradas todas as tentativas de ressuscitá-la por pessoas comuns ganhariam a chance de recomeçar em
meios arcanos ou divinos, Corulan VI decidiu pousar outro continente, onde poderiam se juntar ao restante
a culpa sobre os ombros de Renngard, jovem príncipe da humanidade, para no futuro salvar sua deusa e
do reino de Mortenstenn. provar que eram tudo aquilo que ela havia defendido
Essa nação resistiu ao ataque das imbatíveis neles. Antes, entretanto, precisariam passar por uma
série de provações.
armadas ghondrianni durante anos, em parte graças
a seus aliados, os países de Cobar e Sidarid. Contudo, Foi por volta de 960 CE que um menino chamado
os ardilosos reis Wynallan I e Trovadir acabaram Roramar Pruss ouviu os sussurros de Valkaria em
traindo Mortenstenn e se aliando a Ghondriann, sonhos, ainda que não a conhecesse por esse nome. A
formando a facção denominada Triângulo de Ferro. O voz da deusa trazia uma mensagem: os povos expulsos
precisavam seguir para o norte.
motivo da traição é nebuloso, mas alguns historiado-
res especulam que os três monarcas haviam planejado Esses exilados se juntaram em uma marcha
o conflito desde o princípio, por interesses políticos de milhares e milhares de pessoas, uma nação
e econômicos. De qualquer forma, Mortenstenn caiu. improvisada em movimento, feita de carroças, ani-
mais e penitentes a pé. Sofreram ataques de feras,
Sem um lar e destronado, o Príncipe Renngard monstros e humanoides hostis, provaram fome, frio
fugiu para o rico reino de Ylloran. Lá, convenceu o e pestilências. Testemunharam tentáculos de bestas
Rei Solavar VIII a se preparar contra uma invasão marinhas emergindo ao longo da costa e cruzaram
vindoura. Solavar fez bem mais. Trouxe seus próprios as ruínas abandonadas de palácios gigantescos.
aliados para o conflito: o reino remanescente da antiga Viveram aventura atrás de aventura em uma odisseia
Gordimarr e o estado mercenário de Nortramid. de sessenta longos anos.

Boas-vindas a Arton
21
A viagem em si nunca duraria tanto tempo, mas
foi também uma peregrinação mística, um período
de purificação em que mais de uma geração nasceu e
morreu. Milhares de refugiados passaram suas vidas
inteiras em migração, sem nunca conhecer um lar fixo,
continuando em frente com uma esperança: havia um
destino final. Durante a Saga da Caravana surgiram
nomes de futuros heróis e vilões hoje lendários,
como o intrépido batedor Cyrandur Wallas, o
ambicioso cavaleiro Thomas Lendilkar, o
paladino do sol Morkh Amhor e o arquimago
Karias Theuderulf.
Por fim, os exilados conseguiram chegar a
seu destino, seguindo as diretrizes de seu líder
profético, agora já um sábio venerável. Encontra-
ram sua deusa esquecida, na forma de uma imensa
estátua com as mãos levantadas para os céus. Era
Valkaria, a Mãe da Humanidade. Ali Roramar
descobriu que podia operar milagres, tornando-se
o primeiro clérigo de Valkaria lamnoriano em mais
de três séculos. Aclamado como um salvador, ele
foi coroado rei e decretou que, em volta da estátua,
deveria ser erguida uma nova cidade.

A Caravana dos Exilados,


guiada por Roramar Pruss até os pés
da Deusa da Humanidade

Introdução
22
A estátua do tamanho de uma pequena montanha aos pés de sua deusa, eles alcançaram redenção pelos
não passara despercebida dos povos humanos que atos de seus senhores décadas atrás.
habitavam o continente. Alguns deles consideravam Houve alguns conflitos no início. Durante a jornada,
aquelas cercanias como uma terra santa que nunca os refugiados travaram contato com inúmeros povos do
deveria ser maculada pelo estabelecimento de co- continente norte — às vezes de forma pacífica, às vezes
munidades. Outros temiam que a estátua da deusa agressiva. Comércio, casamentos, pequenas guerras,
pudesse despertar a qualquer momento, pisoteando e alianças… Os exilados de Lamnor não eram estranhos
destruindo tudo ao redor! Outros ainda diziam que era às populações que já habitavam sua terra prometida.
um local onde os mortos deveriam ser enterrados, mas Ao chegar à estátua de Valkaria, foram acolhidos por
que os vivos não deveriam tocar. E havia aqueles que, alguns, atacados por outros e ignorados pela maioria.
ao longo dos séculos, haviam erguido povoados mais Sem escolha e sem como voltar
ou menos longevos nas proximidades da estátua. En- atrás, os refugiados defen-
quanto os nativos tinham suas próprias sagas, Valkaria deram seu novo lar quando
representava o fim da Saga da Caravana precisaram, travaram alianças
dos Exilados. Finalmente chegando quando foi possível.

Boas-vindas a Arton
23
Como todas as populações humanas na história de cas de fadas, aldeias lideradas por druidas, tropéis
Arton, os povos do sul e do norte continham altruísmo nômades sempre em movimento, clãs de guerreiros
sublime e maldade horrenda, coragem desmedida e endurecidos e mesmo enclaves abrigando sociedades
covardia abjeta. O contato entre recém-chegados e avançadas nas artes arcanas.
nativos foi tão variado quanto a experiência humana. Ainda assim, até mais do que em Lamnor, essas
Com o passar do tempo, ao notar que o assentamento eram ilhas remotas de segurança e previsibilidade, em
prosperava sem ser vítima de ira divina e vendo que meio a uma vastidão de ermos selvagens, resquícios
os forasteiros cultuavam a mesma deusa da qual eles de uma era primordial quando bestas gigantescas
eram devotos, muitos nortistas passaram a peregrinar andavam sobre a terra. Nas palavras dos sábios nativos,
ao local e realizar comércio com os lamnorianos, logo o norte era uma orgulhosa “colcha de retalhos”. Esse
se mesclando ao povoado. termo ainda seria usado atualmente para descrever
A nova comunidade atraiu atenção de outros seu fascinante mosaico de culturas.
grupos. De pradarias ao norte vieram as Amazonas Da mesma maneira que a chegada dos elfos no sul
de Hippion, um destemido povo nômade. Dizem marcara a trajetória dos artonianos, a sociedade surgida
que, após terem se unido aos sulistas na luta contra em torno dos exilados trouxe mudanças e acelerou
um gigante que assolava aquelas terras, as amazonas outras já em curso. Por volta do ano 1000, o número
concederam a eles a dádiva de uma aliança perene. Sua
de monstros já havia diminuído o bastante para que
líder, Yvanna, se casou com Roramar, dando origem
fosse possível dar início a um povoamento efetivo.
à tradição de casamento entre monarcas desses dois
povos. Seu conhecimento do território e mediação com Nesse contexto, as políticas de expansão em
outros povos do continente se mostrariam decisivos busca de terras e comércio, lideradas pelo sucessor
no processo de povoamento dos ermos. da dinastia roramariana, tiveram um papel decisivo.
Foi na regência do Rei-Imperador Wortar I que
Na cidade de Valkaria nascia uma cultura única,
novas caravanas deixaram as cercanias da estátua
que ostentava as tradições políticas lamnorianas, os
sagrada e se espalharam por todos os cantos de
costumes ramnorianos e uma espiritualidade ainda
Arton Norte, buscando outros povos humanos.
sem dogmas, redescoberta por uma humanidade que
Apesar da mediação do clero de Marah, a Deusa da
se religava pouco a pouco com sua criadora. Em sua
Paz, com seus sacerdotes versados na diplomacia,
regência, o Rei Roramar ainda travaria os primeiros
e dos sacerdotes de Tanna-Toh especializados no
contatos com os anões do reino subterrâneo de Dohe-
aprendizado de novas línguas e culturas, esse contato
rimm, atraindo arquitetos, ferreiros e construtores
nem sempre foi pacífico.
após o decisivo Tratado da Forja. Também realizou
concílios com clérigos de Valkaria nativos e mapeou Alguns lugares sofreram colonização brutal e
os limites de onde o poder da deusa alcançava, uma declarada, como as regiões onde hoje ficam os reinos
área circular centrada na estátua. Fora daquela área, os da Supremacia Purista, Bielefeld e Ahlen. Houve
devotos da aventura não recebiam bênçãos. Esse limite mescla pacífica de diferentes populações, como em
marcaria a estranha fronteira do reino de Deheon. Petrynia e Lomatubar. Em alguns casos, foi a cultura
autóctone que absorveu os migrantes, como nos casos
Mas, fiéis aos preceitos e à natureza de sua di-
dos reinos de Namalkah e Sckharshantallas. Houve
vindade, os humanos não permaneceriam somente
ainda uma grande quantidade de locais que nunca
ali. Criados em uma cultura de pioneirismo, com o
tiveram uma penetração significativa de lamnorianos,
tempo seriam tomados pelo desejo de descobrir o novo
como Ubani e Khubar.
mundo que os recebia.
Existiram também conflitos que uniram os filhos
de Valkaria em alianças contra povos considerados
O povoamento monstruosos ou que competiam com eles por recur-
do norte sos vitais. Mas de igual maneira essas escaramuças
Ramnor era uma terra de civilizações e vazios. não tiveram um único desfecho conclusivo e variaram
Sua população de monstros predadores e todo de reino para reino.
tipo de ameaça natural e sobrenatural nunca deixou Em meio a essa diversidade de situações e
muito espaço aos povos inteligentes. Eles precisaram cenários, os hábeis sucessores políticos de Wortar
conquistá-lo. Havia nações intrépidas erguidas em conseguiram ao longo do tempo costurar as novas
volta da proteção de dragões-reais, revoadas caóti- nações que nasciam. Criou-se uma federação de

Introdução
24
livre intercâmbio comercial e cultural, além de uma
aliança militar contra possíveis ameaças externas. História Recente
Alcançava-se uma unidade inédita no continente: (1364 CE a 1420 CE)
o Reinado.
Da coroação do
Apesar do papel natural de Deheon como líder Rei-Imperador Thormy à era atual
na coalizão, nem todos os reinos aceitavam isso com
facilidade, principalmente no Reino de Yudennach (as A chegada
terras que se tornariam a Supremacia Purista), cuja
família real guerreava continuamente para anexar
da tempestade (1364 a 1406)
Aos poucos, o Reinado se moldou e se tornou uma
novos territórios. O título “Rei-Imperador”, origi- coalizão política de leis e instituições sólidas. Quando
nário de Lamnor, era contestado. Afinal, o Reinado o Rei-Imperador Thormy assumiu o trono em 1364,
era uma aliança ou um império? Os demais reinos esperava um governo estável. Apesar disso, dedicou
estavam subordinados a Deheon? Uma mesma dinastia sua juventude a ser aventureiro, esperando ganhar
descendente de um único clérigo deveria governar o experiência e sabedoria ao lidar pessoalmente com os
continente inteiro? problemas enfrentados por seus súditos. Essa decisão
se mostrou acertada, pois os anos que se seguiram
Quando o Rei-Imperador Wortar I morreu de
trariam guerra e destruição.
causas misteriosas e seu filho, Roramyd, também
encontrou um destino semelhante logo após assumir Nesse mesmo ano ocorreu um eclipse total do
o trono, uma crise sucessória jogou Deheon ao caos e sol, evento profetizado que marcou o nascimento
de Thwor Khoshkothruk, um bugbear que viria
ameaçou a ainda frágil coalizão. Muitos especulavam
a se tornar um dos maiores líderes militares da
que os dois monarcas tivessem sido assassinados por
história de Arton. Nascido em Lamnor, Thwor foi
seus adversários expansionistas, mas mesmo assim
capaz de unir os povos goblinoides do continente
a nobreza deheoni lutou entre si numa guerra civil. sul, formando a Aliança Negra, um enorme im-
Quem pôs fim ao conflito foi Wortar II, o último pério-exército de conquista e libertação das raças
descendente da linhagem de Roramar. chamadas “monstruosas”, sob as bênçãos macabras
Numa decisão ousada mas sábia, o nobre propôs de Ragnar, o Deus da Morte. A Aliança Negra atacou
que a monarquia de Deheon e o título de Rei-Imperador e destruiu Lenórienn, acabando com a Infinita Guerra.
não fossem puramente hereditários, mas eletivos. Na última batalha, Glórienn desceu a Arton em forma
de avatar e enfrentou Thwor em combate pessoal,
Quando um rei de Deheon morresse, os principais
sendo vencida. As políticas isolacionistas dos reinos
nobres poderiam votar em seu sucessor, escolhendo
do sul possibilitaram que Thwor derrotasse um por
entre uma curta lista de candidatos com direito dinás- um, acabando por dominar o continente e detendo
tico e político. Esse monarca seria o Rei-Imperador seu avanço apenas ante as muralhas de Khalifor.
do Reinado… se fosse aprovado pelos demais reinos.
Em 1387, Arton recebeu a visita do primeiro
Antes de morrer, o Rei-Imperador poderia indicar um
batedor lefeu desde o suposto extermínio dos filhos
sucessor, mas este não ascenderia se não fosse eleito.
malditos dos Três. Disfarçado como um estranho
A proposta agradou à nobreza de Deheon e acalmou humano e ficando conhecido como “o albino”, esse
os medos dos demais regentes. desbravador aberrante levou de volta à Anticriação o
Isso resultou na eleição de Wortar II como Rei conhecimento de que Arton oferecia um novo desafio
de Deheon e Rei-Imperador. A linhagem de Roramar para o povo que já havia conquistado tudo: a chance de
continuou no poder, mas agora sem acusações de ascender à divindade. O albino foi caçado e finalmente
tirania e com o apoio de todo o continente. Essa linha vencido por aventureiros, mas o estrago estava feito.
Os lefeu tinham um novo objetivo e também uma
sucessória só seria quebrada muito tempo depois,
motivação por vingança. Um deles, uma parte de sua
com a ascensão da Rainha-Imperatriz Shivara. Com
realidade senciente, havia sido destruído. Em troca,
todo o Reinado lhe dando apoio, Wortar II conteve a eles ocupariam e corromperiam toda a Criação. Tudo
expansão dos Yudennach. seria lefeu. Em 1390, a Tormenta surgiu pela primeira
O último Rei-Imperador da dinastia roramariana vez no mundo de Arton.
foi Thormy, que sucedeu seu pai após uma juventude A trajetória do albino e o próprio ataque da Tor-
como aventureiro. Sua coroação marca o início de um menta levaram muitos a questionar a passividade dos
dos períodos mais conturbados da história artoniana. deuses. De fato, as divindades foram omissas, deixando

Boas-vindas a Arton
25
“Quando os terrores mais pérfidos de
Arton têm pesadelos, é o Dragão da
Tormenta que ruge em seu sono.”
— Lahra Aristas, barda valkariana

Introdução
26
que o pior acontecesse sem notar as consequências Yadallina revelou-se o receptáculo da essência de
de suas ações. Anos antes, Glórienn havia embarcado Kallyadranoch, que retornou a Arton para impedir
numa jornada em busca de vingança, após falhar em a Tormenta de ascender ao Panteão, após Glórienn
proteger Lenórienn dos povos goblinoides. Ela teceu cair e se tornar uma deusa menor.
uma trama dentro do Panteão, permitindo que os Em 1406, ocorreu a Marcha de Arsenal, quando
até então esquecidos lefeu encontrassem Arton. Sua o infame arquivilão, colecionador de itens mágicos e
intenção era usá-los como arma contra seu maior sumo-sacerdote do Deus da Guerra finalmente ativou
inimigo, Ragnar. Porém, a ameaça era poderosa demais seu golem gigantesco, o Kishinauros. O plano de
para ser controlada. Arsenal era desestabilizar o Reinado, mergulhando o
A ilha de Tamu-ra foi a primeira a pagar o preço. continente em conflito eterno. Esse destino foi evitado
Nuvens rubras, chuva de sangue corrosivo, demônios quando a máquina bélica foi enfrentada pelo Colosso
insetoides e paisagens de pesadelos tomaram o Império Coridrian, invenção criada no reino arcano de Wynlla,
de Jade. Apenas uma pequena parte dessa orgulhosa e o próprio Arsenal foi derrotado por aventureiros.
civilização sobreviveu à invasão aberrante, sendo Porém, as perdas no Reinado foram numerosas.
teletransportada até a cidade de Valkaria pelos esforços Nesse mesmo ano, após uma série de desavenças
do Imperador-Dragão Tekametsu. Desde então, outras políticas e conflitos de fronteira entre Tapista e o
áreas de Tormenta surgiram por Arton, transformando resto do Reinado, as Guerras Táuricas eclodiram.
regiões inteiras em reflexos da Anticriação, locais onde Fragilizado pelos ataques da Tormenta e pela Marcha
quase nenhum artoniano sobrevive e ainda menos de Arsenal, o Reinado não pôde conter o avanço das
escapam com a sanidade intacta. Em 1398, uma área legiões, perdendo vastos territórios e proporcionando
de Tormenta caiu sobre Trebuck, sendo a primeira a o surgimento do Império de Tauron. O conflito poderia
surgir no Reinado. Em 1400, a então Rainha Shivara ter sido ainda mais calamitoso, se não fosse pela
de Trebuck liderou os mais poderosos campeões do sabedoria de Thormy. O Rei-Imperador se entregou
mundo na Batalha de Amarid, para expulsar de seu como refém em troca da paz. Usando do sistema
reino as forças aberrantes. Essa foi a primeira grande sucessório estabelecido por Wortar II, abdicou de
investida artoniana contra a Tormenta, mas terminou seu trono em favor da heroica Shivara, que passou
em fracasso, com a revelação de Gatzvalith, o primeiro a ser a nova Rainha-Imperatriz.
Lorde da Tormenta conhecido. Muitos artonianos
Essa época será lembrada para sempre como um
morreram e Shivara escapou por pouco.
dos períodos mais conturbados da história artonia-
A década seguiu turbulenta, com um número na. Foi palco de algumas das sagas mais épicas e
acentuado de guerras e catástrofes sobrenaturais. O também de algumas das maiores tragédias de que
amanhecer do século presenciou a busca pelos Rubis da se tem notícia. Os primeiros ataques da Tormenta.
Virtude, uma saga que envolveu a queda e destruição O retorno de três divindades ao Panteão. A cisão
do herói conhecido como o Paladino de Arton e no do Reinado. Desse tempo remontam heróis como
fim se mostrou ser um plano de Sszzaas para retornar Orion e Vanessa Drake, Lisandra de Galrasia, Sandro
ao Panteão. Mas não havia apenas calamidades. Valkaria Galtran e Niele. Grupos notórios como a Companhia
foi enfim libertada de seu cativeiro, o que fez com que Rubra, os Libertadores de Valkaria e o Protetorado do
os poderes de seus devotos não mais ficassem restritos Reino. Vilões como o Camaleão e Mestre Arsenal. E
às fronteiras de Deheon. até mesmo personalidades obscuras mas decisivas,
Em 1403, a Tormenta voltaria a atacar. O caçador como os membros do Esquadrão do Inferno, Vladislav
de recompensas Crânio Negro, um servo dos Lordes Tpish e o centauro Trebane.
da Tormenta, corrompeu exércitos inteiros dos Ermos
Púrpuras com simbiontes lefeu, causando diversas A calmaria (1406 a 1412)
batalhas contra as tropas do restante do Reinado. Em Cronistas atuais consideram o período que se
1405, surgiu o temível Dragão da Tormenta, um ser inicia com a coroação da Rainha-Imperatriz Shivara
capaz de criar áreas inteiras de profanação com seu como uma das causas daquela que viria a ser conhecida
sopro. A criatura foi detida apenas pela união dos como a Guerra Artoniana, ou Guerra Purista. Não
arquimagos Vectorius, Talude, Reynard e Yadallina que a heroína, conhecida por ter reunido as maiores
com o Dragão-Rei Sckhar. Crânio Negro foi derrotado lendas de Arton para lutar contra a Tormenta, tenha
e a ilha de Tamu-ra foi liberta da tempestade, quando alguma culpa pelo conflito em si. Mas sua ascensão
o cavaleiro Orion Drake reuniu um exército de deuses foi o estopim necessário para que forças que há muito
menores e partiu com eles em batalha. A própria conspiravam tomassem o poder.

Boas-vindas a Arton
27
Em 1403, Shivara, que governava o reino de o General Supremo Hermann Von Krauser, líder
Trebuck, casou-se com o Príncipe Mitkov, regente da secreto dos puristas, se revelou e atraiu Shivara e
nação mais militarista do Reinado. Foi um casamento os Campeões de Svalas para que o capturassem.
político — Mitkov queria aliados para conquistar o Contudo, isso era uma armadilha.
Reinado, enquanto Shivara aceitou a união apenas para
A Rainha-Imperatriz foi entregue ao povo sub-
reunir tropas para lutar contra a Tormenta. Porém,
terrâneo finntroll, que realizou um ritual profano
quando Mitkov foi destituído de seu posto ao perder
para aprisioná-la em Chacina, o reino divino de
um duelo contra o Rei-Imperador Thormy, Shivara se
Megalokk. Feito às escondidas, o hipócrita Pacto
viu regente de dois reinos. Quando Thormy abdicou
de Kannilar-Trollkyrka previa, além de um acordo
para acabar com as Guerras Táuricas, nomeou Shivara
de não agressão entre puristas e finntroll, uma via de
como sucessora. Isso criou uma liderança forte e con-
mão dupla. Os puristas forneceriam heróis e outros
solidada para governar o Reinado, pois Shivara passou
prisioneiros de valor aos trolls para serem usados
a comandar ao mesmo tempo três nações — Trebuck,
como sacrifícios e escravos de luxo. Já os trolls
o Reino de Yudennach e Deheon.
cumpririam sua parte na barganha compartilhando
Os seis primeiros anos de seu governo, embora tecnologia arcana para a construção de armas de
marcados pelas recentes catástrofes, transcorreram guerra na superfície e auxiliando no deslocamento
em relativa paz. Como seria de se esperar de uma de tropas por túneis subterrâneos.
legítima heroína, a Rainha-Imperatriz adotou uma
Durante o rapto de Shivara, um gigantesco desmo-
postura esclarecida, principalmente no que se
ronamento criou um desfiladeiro separando Deheon do
referia ao país que de maneira tão altiva chamava
reino que se tornaria a Supremacia Purista. Causado
a si mesmo de “Exército com uma Nação”. Shivara
afastou lideranças militares corruptas, que viam com pelos finntroll, o acidente geográfico ficou conhecido
maus olhos o governo de uma rainha estrangeira, como a Garganta do Troll e foi parte dos planos de
e promoveu a inclusão de outros povos além dos Von Krauser para sua campanha de invasões — ao
humanos no exército e na burocracia administrativa. fechar a fronteira de suas terras com Deheon, impediu
Em outras palavras, abalou as fundações de ódio que o Reino Capital as invadisse antes da hora. Para
que sustentavam a ideologia e o poder do reino o povo, o surgimento da Garganta marca o início da
desde sua fundação. Guerra Artoniana, conflito que tomaria boa parte
do continente. Outros cronistas preferem o registro
Isso era tudo de que os puristas precisavam para
documental que é a carta endereçada pelo General
dar um golpe de estado.
Supremo às lideranças do Reinado, contendo sua de-
Uma antiga facção dentro do Reino de Yuden- claração de guerra. De todo modo, o desaparecimento
nach, ainda mais intolerante do que o comum para da Rainha-Imperatriz e a omissão de muitas nações
a população local, os puristas seguiam uma doutrina do conflito permitiriam aos puristas concretizar seus
político-religiosa que aos poucos passou a ser usada planos e avançar contra o mundo livre.
como ferramenta ideológica para justificar a insur-
reição. Sua crença se fundamentava na supremacia
da raça humana diante de todas as outras e pregava o
Os anos
extermínio dos demais povos. do maremoto (1412 a 1417)
Os puristas reuniram os nobres e oficiais Chamada assim tanto pela guerra total que varreu
do reino descontentes com Shivara e usaram de o continente norte quanto pelo cataclisma causado pela
chantagens e assassinatos para acabar com aqueles queda de um cometa que produziu imensas ondas e
fiéis à Rainha-Imperatriz, até terem toda a nação redesenhou o litoral artoniano, essa época ocorreu
sob seu comando. Um desses movimentos iniciais durante um vácuo de poder no Reinado, sendo por
foi impedido no ano de 1411 por um grupo de isso também conhecida como “o Interregno”. Esse
heróis a serviço da Rainha-Imperatriz, formado pelo período só terminaria com o retorno triunfante da
cavaleiro Lothar Algherulff, pelo pirata Nargom, Rainha-Imperatriz Shivara de seu exílio dimensional.
pelo bárbaro Klunc e pelo bardo Kadeen. Por seus Durante a ausência da monarca, o reino de Trebuck
esforços na luta contra a dominação purista do se fragmentou em diversos feudos e Deheon — a
Reino de Yudennach, esse grupo ficou conhecido nação mais rica e poderosa do Reinado — passou a
como os Campeões de Svalas, terra que viriam a ser governado pelo Pequeno Conselho de Valkaria.
libertar do jugo dos vilões. Infelizmente, isso seria A atitude inicial dos deheoni quanto à invasão de
apenas o prelúdio de algo maior. No ano seguinte, outros reinos foi de passividade e indecisão. Havia até

Introdução
28
mesmo simpatizantes da causa purista entre a nobreza
valkariana. Mas a ação de heróis na corte deheoni
A era da aventura
garantiu que a nação finalmente se armasse para a (1417 até a época atual)
guerra, sob a liderança do Arquiduque Marechal Sir Ao fim da Guerra Artoniana, abaladas com a
Bradwen Lança Dourada. instabilidade política das últimas décadas e, em alguns
As forças de Von Krauser se uniram às nações de casos, desconfiadas da utilidade de uma aliança conti-
Portsmouth e Ahlen, formando a coalizão conhecida nental, diversas nações abandonaram o Reinado. Hoje,
como o Triângulo Autocrático — referência à facção a coalizão conta apenas com sete integrantes: Deheon,
do Triângulo de Ferro, das antigas guerras do sul. Bielefeld, Namalkah, Wynlla, Ahlen (que, fazendo
Enquanto isso, os reinos de Namalkah e Bielefeld, jus a sua alcunha de Reino da Intriga, mudou de lado
visados diretamente pelos puristas, somaram seus antes do fim da guerra), Zakharov e a Pondsmânia.
esforços aos de Deheon, formando a Aliança do Rei- Outras nações não estão mais protegidas por acordos
nado. Graças à ação de aventureiros, o reino mágico de e, de agora em diante, precisarão erguer suas próprias
Wynlla se juntaria a essa aliança. Pouco antes do final defesas em caso de guerra ou invasão.
do conflito ainda haveria o auxílio de tropas vindas Ainda em 1417, Mestre Arsenal derrotou Keenn
de Sckharshantallas, o Reino do Dragão, embora o em seu torneio, tornando-se o novo Deus da Guerra.
motivo para isso seja um mistério. Talvez impulsionada pelos triunfos dos mortais frente
Outros eventos marcantes aconteceram simul- aos deuses, Valkaria assumiu a liderança do Panteão,
taneamente à guerra em outros pontos de Arton. abrindo caminho para uma nova era em Arton.
Em 1414, o Império de Tauron foi tomado por uma Em 1418, duas novas nações surgiram — uma
rebelião de escravos e, mais tarde, por um ataque da envolta em vida e a outra, em morte. No oeste, na
própria Tormenta, que resultou na morte de Tauron, pré-histórica ilha de Galrasia, as dahllan cultivaram a
o Deus da Força e então líder do Panteão. Seu cadáver cidade viva de Lysianassa. Não se sabe qual o objetivo
protegeu a capital Tiberus de ser destruída, mas levou das meias-dríades, mas o lugar se tornou um centro
ao esfacelamento político e a rebeliões nas províncias fervilhante, visitado por heróis vindos da cidade por-
táuricas do oeste. Aharadak, um Lorde da Tormenta, tuária de Nova Malpetrim em busca de aventuras. Já
usurpou o seu posto, fazendo com que a Tempestade no leste, o pérfido Conde Ferren Asloth realizou um
Rubra enfim chegasse ao Panteão. ritual terrível, sacrificando a nação de Portsmouth
Em 1415, a profecia que falava sobre a morte de para se tornar um lich poderosíssimo e, no processo,
Thwor Khoshkothruk enfim se realizou. A Aliança criando o reino morto-vivo de Aslothia.
Negra atravessou o Istmo de Hangpharstyth e invadiu o Além dessas mudanças, os últimos anos não tiveram
continente norte, enquanto o cometa conhecido como grandes eventos, tendo sido no geral uma época de
a Flecha de Fogo surgiu nos céus. A Flecha caiu sobre reconstrução. Depois de tantas guerras e catástrofes,
Arton, esfacelando o Istmo de Hangpharstyth e arrui- uma época de paz parece impensável. Não à toa, nem
nando o sul de Ramnor, enquanto Thwor enfrentou seu mesmo os devotos de Thyatis, o Deus da Profecia,
próprio deus, Ragnar, em combate individual. A queda concordam em suas previsões sobre o futuro!
do cometa destruiu ambos, mas a batalha continuou E talvez “paz” não seja o melhor termo, mas
nos reinos divinos. Os planos que Thwor pusera em “oportunidade”. Sem grandes conflitos políticos ou
movimento e o enfraquecimento de Ragnar levaram o crises em escala mundial, diversos grupos de aven-
bugbear à vitória. Thwor ascendeu à divindade e Arton tureiros começaram a surgir, voltando-se a missões
ficou sem um Deus da Morte, levando a um período heroicas e pontuais, como explorar masmorras,
de um mês em que nenhum artoniano morreu. resgatar relíquias, caçar monstros e combater vilões.
Em 1417, a Rainha-Imperatriz Shivara retornou Seja uma trupe no interior das colinas de Zakharov
do éter divino, resgatada pelos Campeões de Svalas. investigando mistérios sobre a origem da Tormenta,
Após a decisiva Batalha da Fortaleza Errante, eles um bando tentando impedir um coronel da Supre-
derrotaram o General Supremo e encerraram um macia de obter o controle de terras em Khubar ou
longuíssimo cerco à capital Valkaria pelos puristas. caçadores de monstros vagando pelos desfiladeiros das
Von Krauser sobreviveu, mas teve sua espinha partida Sanguinárias, incontáveis grupos combatem ameaças
por um golpe do cavaleiro Lothar Algherulff, usando que estavam impunes em meio ao caos e resgatam
Carthalkan, a espada cristalina de Shivara, e precisou artefatos que haviam se perdido nos cataclismas.
recuar. Sem a liderança do General Supremo, os Com os antigos ícones mortos ou aposentados, uma
puristas aceitaram um armistício com o Reinado. nova geração de heróis está surgindo ante os olhos
Foi o fim do pandemônio político e da guerra. da população artoniana.

Boas-vindas a Arton
29
Tempo & Calendário
Desde eras imemoriais, os povos artonianos (outono), Pharstyth, Véu e Pyra (os últimos meses
desenvolveram métodos de contagem de tempo, seja do ano, no inverno). Além disso, existem os dias de
para saber a época do plantio, seja para saber quando Nimb, que não fazem parte de nenhum mês e cuja
pegar em armas e saquear as tribos vizinhas. Entre quantidade e posição dentro do calendário variam
os humanos, o primeiro calendário surgiu na Cidade anualmente. Por conta deles, considera-se que o ano
Dourada de Nhardmaran, após a mítica Rainha Barda artoniano tem, em média, 365 dias.
trazer a dádiva de Tanna-Toh, a escrita, a seu povo. O calendário artoniano usa como marco zero a che-
Esse calendário era extremamente complexo, gada dos elfos a Lamnor. Anos anteriores são contados
levando em conta o movimento de corpos celestes, de forma decrescente e marcados como AE (“antes dos
enchentes e secas de rios, migrações de animais má- elfos”). Assim, um evento que ocorreu dez anos antes
gicos, variações nos fluxos de mana da terra e outros da chegada dos elfos ocorreu no ano 10 AE.
fatores, e hoje pouco se sabe sobre ele. A única certeza O ano atual do calendário artoniano é 1420. Datas
é que, após a queda do Império Nardmyr, os reinos que específicas podem ser representadas de forma culta ou
surgiram desenvolveram seus próprios sistemas para coloquial. A primeira começa com o nome do dia da
controlar a passagem dos dias, estações e anos, alguns semana, seguido pelo número do dia do mês, “sob”
derivados daquele criado na Cidade Dourada, outros o nome do mês, e o ano por extenso “da chegada dos
completamente novos. Na época da Grande Batalha, elfos”. A segunda simplesmente traz o número do
havia uma profusão de calendários, o que isolava ainda dia do mês, o nome do mês e o ano. Por exemplo, a
mais as diferentes nações. Nesses tempos antigos, o data 10/01/1420 pode ser escrita como “Valk 10 sob
próprio tempo era uma bagunça! Caravana, mil quatrocentos e vinte anos da chegada
Após a formação do Reinado, o Rei-Imperador dos elfos” na forma culta, ou “10 de Caravana de mil
Wortar I se esforçou para estipular padrões, a fim de quatrocentos e vinte” na forma coloquial.
lembrar a todos sua origem compartilhada e evitar a Apesar de o calendário ser bastante difundido entre
desunião e as intrigas que levaram à Grande Batalha. a nobreza e em grandes cidades, boa parte da população,
Assim, o valkar se tornou o idioma comum; o tibar foi especialmente nos feudos, não o usa habitualmente.
institucionalizado como moeda e aceito em toda parte, Para os camponeses, a vida é mais ligada a Allihanna
e um novo calendário foi elaborado. Era o surgimento do que a Tanna-Toh — em outras palavras, mais aos
do calendário artoniano. ciclos dos dias e das estações do que a documentos
criados por escribas. Datas são lembradas de forma

O Calendário vaga, relacionadas a fenômenos da natureza (“no


verão”, “quando as noites se fizeram mais longas”)
Artoniano ou a grandes eventos (“na época do Rei-Imperador
Thormy”, “durante as Guerras Táuricas”).
Criado pela Igreja de Tanna-Toh sob decreto do De forma similar, a contagem das horas é realizada
Rei-Imperador Wortar I, o calendário artoniano foi apenas por clérigos, arcanistas, inventores e outros
desenvolvido para ser o mais simples e exato possível. sábios. No Reinado é costume que templos controlem
Desde sua elaboração, passou por diversas mudanças a passagem do dia e soem sinos a cada três horas,
e correções, sempre visando maior precisão e a menor de modo que o povo tenha ao menos uma noção
quantidade de ajustes periódicos. Em sua forma atual, aproximada do horário. Os métodos de marcação de
é usado em todo o mundo conhecido. tempo incluem ampulhetas, clepsidras (relógios de
O calendário divide o ano em 12 meses de 30 água) e outras engenhocas, mas tais dispositivos estão
dias, totalizando 360 dias. Cada dia possui vinte e disponíveis apenas aos mais ricos — ou a aventureiros
quatro horas e cada conjunto de sete dias forma uma sortudos. Em templos pequenos, são usados simples
semana. Os meses são: Caravana, Pomo, Keenvia obeliscos ou relógios de sol. Como esses funcionam
(primeiros meses do ano, na primavera), Sirravia, apenas de dia, o transcorrer do tempo à noite é medido
Vigília e Prussvia (verão), Ceifa, Contenda, Clausura pela duração da chama de uma vela. Normalmente, são

Introdução
30
consumidas três velas por noite, de modo que é hábito Calendários de Outras Raças
dividir a noite em “primeira vela”, “segunda vela” e
“terceira vela”. Por fim, nos subterrâneos, conta-se o Além dos humanos, outros povos tiveram
tempo através dos ciclos do fungo athmmarr. seus próprios métodos de contagem de
tempo. Ao chegar em Arton, os elfos
Os Meses do Ano criaram um calendário elegante, baseado no
movimento das constelações — para este
O ano começa com o mês de Caravana, assim
povo longevo, não fazia sentido usar um
chamado em homenagem aos refugiados de Lam-
ciclo tão curto quanto o solar. Após a queda
nor, que terminaram sua longa jornada no início da
de Lenórienn, esse calendário se perdeu e
primavera. Muitas caravanas partem em suas rotas
hoje os elfos usam a contagem humana, até
neste mês. Alguns consideram essa época sagrada
por sua longevidade ter se reduzido.
para viajar, enquanto outros a escolhem simplesmente
por oferecer um bom clima para enfrentar a estrada. Sem acesso ao sol ou às estrelas, os anões
Pomo é o segundo mês da primavera, quando as criaram um calendário único, baseado nos
plantações começam a crescer. A estação termina ciclos de crescimento e decomposição de
com Keenvia, em honra a Keenn, antigo Deus da certos fungos abundantes no subterrâneo.
Guerra. Esta é a época em que exércitos partem para Porém, devido ao comércio com o Reinado
suas marchas e batalhas. e outros povos da superfície, hoje muitos
Sirravia começa o verão e é uma homenagem a anões usam o calendário artoniano.
Sirrannamena, a Rainha Barda, considerada a primeira Outras raças também desenvolveram seus
grande monarca da humanidade. Vigília é o segundo calendários, alguns mais complexos, como
mês do verão e tem esse nome pois nesta época Az- os dos minotauros e qareen, outros mais
gher, o Deus-Sol, fica alto no céu, observando tudo. simples, como os dos goblins e hynne. Um
Prussvia encerra a estação mais quente. O nome é caso peculiar é o das fadas da Pondsmânia.
uma menção a Roramar Pruss, fundador do Reinado. Nessa terra mágica onde o próprio tempo
Originalmente, o mês se chamaria Roravia, mas o obedece aos caprichos da Rainha Thantalla,
Rei Profeta, humilde, não aceitou isso. Os clérigos não faz sentido registrar a passagem dos
de Tanna-Toh então sugeriram mudar o nome para dias. Isso não impede as fadas de terem
Prussvia, em homenagem a toda a família real, proposta seus feriados — um detalhe bobo como a
que teria feito Roramar se “render”. falta de um calendário não é motivo para a
O próximo mês, já no outono, é Ceifa, que leva falta de festas! Desses, o mais popular é o
este nome por ser o início da colheita — uma época Gatal, que aos poucos está sendo conhecido
de muito trabalho nos campos do Reinado e além. e adotado pelos humanos do Reinado.
Após Ceifa, há Contenda. Antigamente um mês
dedicado a duelos e resoluções de conflitos, hoje recebe
importantes julgamentos em castelos e tribunais. O
outono termina com Clausura, período em que os Os Dias de Nimb
camponeses se preparam para o inverno, recolhendo Além dos doze meses do ano, o calendário arto-
comida e lenha para suas casas. niano inclui os Dias de Nimb, período cuja duração e
Os ventos frios do inverno começam a soprar em posição dentro do calendário variam anualmente. No
Pharstyth. O nome alude à mítica arquimaga que início de cada ano, a Rainha-Imperatriz recebe em seus
habitava o estreito que une os dois continentes. Por aposentos uma carta com o símbolo sagrado do Deus
que uma vilã seria homenageada, porém, permanece do Caos e duas informações: quantos dias de Nimb o
um mistério… O mês seguinte, Véu, tem esse nome ano terá e no fim de qual mês irão ocorrer.
tanto por ser uma época de noites longas quanto como Durante os Dias de Nimb, eventos estranhos
homenagem a Tenebra, que se encontra mais poderosa acontecem: tibares caem do céu como chuva; árvores
nesse período do ano. O inverno (e o ano) termina levantam suas raízes e se colocam em marcha, destruin-
com Pyra. O nome é uma alusão a Thyatis, o Deus das do tudo em seu caminho; vacas dão gorad quente em
Segundas Chances — pois é isso que muitos esperam vez de leite… Além disso, clérigos de Nimb vagam pelo
ter em um ano novo — e também ao costume artoniano Reinado fazendo decretos malucos que, nesse período,
dessa época, de se queimar coisas antigas e se fazer carregam peso de lei (no resto do ano, as sandices dos
profecias em piras divinatórias. devotos do Caos tendem a ser ignoradas). Por isso tudo,

Boas-vindas a Arton
31
muitas pessoas passam esses dias fechadas em suas
casas, simplesmente esperando que essa época acabe!
Datas Especiais
A seguir estão alguns dias importantes do ano
Os Dias de Nimb são um enigma que desafia os artoniano. De modo geral, entre os camponeses não
astrônomos de Tanna-Toh. Já houve diversas tentativas há dias sem trabalho, exceto quando algo é dito
de prevê-los, mas até hoje nenhum cálculo funcionou. em contrário. Já nas cidades, a maioria das datas
Ignorá-los é desastroso, pois deixa o calendário des- comemorativas inclui pausas no trabalho de artesãos
sincronizado com os ciclos naturais das estações, o e comerciantes.
que é prejudicial ao plantio, colheitas, viagens e outras
atividades. A única coisa que se sabe sobre eles é que 01/01 – Dia do Reencontro
sua quantidade varia de dois a oito. Assim, cada ano
O primeiro e mais importante dia do ano. Foi no
artoniano tem de 362 a 368 dias — na média, 365 dias.
Dia do Reencontro, há exatos 400 anos, que a caravana
de refugiados de Lamnor chegou aos pés da estátua de
Dias da Semana Valkaria, iniciando a era atual de Arton. Nesta data,
Os dias da semana homenageiam divindades do grandes festas são celebradas por todo o Reinado — em
Panteão. Ao contrário dos meses, os dias não mudaram especial em Valkaria, que fica com suas ruas, tavernas
no calendário artoniano estabelecido por Wortar I, e estalagens lotadas.
continuando os mesmos desde a época dos reinos do O primeiro dia do ano também é o equinócio da
sul. Por isso, os nomes dos deuses podem soar estra- primavera. Nesta data, povos silvestres, como elfos,
nhos aos artonianos modernos — são aqueles usados sílfides e centauros, cantam e dançam ao redor de
em eras passadas ou por raças antigas. A exceção é o fogueiras para comemorar o fim do inverno e o início
primeiro dia da semana, que antes honrava um obscuro de um novo ciclo.
deus menor, mas passou a se chamar Valk por conta
da Deusa da Humanidade. 15/01 – Cerimônia do Plantio
Os dias são Valk (Valkaria), Hedryl (antigo nome Este feriado, popular entre camponeses, celebra
de Khalmyr), Luna (antigo nome de Lena), Astar (o o início do plantio. Costuma-se plantar uma semente
nome feérico de Azgher), Dallia (o nome élfico de simbólica no solo, para afastar o inverno e permitir a
Wynna), Haya (Marah para as fadas) e Leen (antiga chegada da primavera. Também nesta data a Ordem
faceta de Ragnar, o Deus da Morte). Haya é considerado de Lena realiza a cerimônia que ordena suas jovens
um dia de festas e diversão, enquanto Leen é reservado clérigas (diz-se que é neste dia que Lena desce dos
ao repouso — como os camponeses dizem, o dia do céus para fecundá-las).
“descanso dos mortos”.
20/03 – Sckharal
Sete dias de festividades em Sckharshantallas.
Meses do Ano As ruas são tomadas por enormes dragões feitos de
vime, dançarinos, mágicos e companhias teatrais.
Mês Nome Estação O último dia do Sckharal é reservado à execução
1 Caravana de criminosos.
2 Pomo Primavera
3 Keenvia
4 Sirravia Dias da Semana
5 Vigília Verão Dia Nome
6 Prussvia 1 Valk
7 Ceifa 2 Hedryl
8 Contenda Outono 3 Luna
9 Clausura 4 Astar
10 Pharstyth 5 Dallia
11 Véu Inverno 6 Haya (dia de festejos)
12 Pyra 7 Leen (dia de descanso)

Introdução
32
Mesmo o dia mais comum em Arton
é tudo, menos comum

06/04 – Dia da Memória todos usam máscaras e as roupas que quiserem — é o


único dia do ano em que não há distinção entre nobres
Uma cerimônia recente, celebrada no Reinado
e plebeus. O ponto culminante das festividades é o
para comemorar o fim da Guerra Artoniana e honrar
baile que acontece nos salões do Palácio Rishantor,
aqueles que caíram frente às tropas puristas.
sede da corte ahleniense.
12/05 – Cerimônia de 07/10 – Noite das Sombras
Admissão da Ordem da Luz
Nesta temida noite, espíritos nefastos vagam pelo
Nessa época, Norm fica lotada de jovens nobres,
mundo arrastando quem puderem para seus reinos de
escudeiros e aventureiros almejando entrar na pres-
trevas, seres feéricos cavalgam pelos campos e magias
tigiosa ordem de cavalaria.
nocivas têm seu poder dobrado. Dizem que a primeira
Noite das Sombras aconteceu quando a ancestral maga
01/07 – Exposição de Inventos goblinoide Hangpharstyth enlouqueceu e morreu em
Criado por Lorde Niebling, este evento é uma uma explosão mística em seu castelo no istmo que
grande mostra de engenhocas no Palácio Imperial de separava Arton Norte e Sul. Os ecos de seu último grito
Valkaria. Recebe inventores de todas as raças, incluindo atravessaram os Planos de existência e, uma vez por
goblins — para desgosto de nobres conservadores. ano, todo artoniano se encolhe em sua casa, mantendo
suas portas e janelas fechadas e orando aos deuses
11/08 – Grande Feira por proteção.
Esta semana de festividades atrai milhares de
aventureiros e visitantes para Nova Malpetrim. 03/12 – Dia da Profecia
Neste dia, o povo busca orientação de seus clérigos.
17/09 – Noite das Máscaras Dizem que, nessa data, as profecias costumam ser mais
Comemoração da fundação do reino de Ahlen. Du- precisas e informativas; ou, ainda, que as profecias
rante as festividades que ocorrem na capital, Thartann, desse dia falam de eventos importantes.

Boas-vindas a Arton
33
L inha do Tempo
O Início de Tudo 65 Milhões de Anos AE. Os deuses se unem
contra Megalokk, fulminando seus monstros.
7 Bilhões de Anos AE*. O Nada e o Vazio se K’Athanoa se recolhe no mar profundo.
unem para gerar Arton e os vinte deuses maiores que
formariam o Panteão.
6 Bilhões de Anos AE. O gigante Gormaggor
Criação dos Povos Mortais
desperta na região que muito mais tarde seria 57 Milhões de Anos AE. Em seu mundo,
conhecida como Colinas Centrais. Logo se cansa, Nivenciuén, a deusa Glórienn cria os elfos, primeiro
passando longos períodos adormecido desde então. povo inteligente.

5 Bilhões de Anos AE. Azgher, o Deus-Sol, e 56 Milhões de Anos AE. Tilliann revela aos
Tenebra, a Deusa das Trevas, lutam entre si. Khalmyr, demais deuses que tinha ideias incompletas para
o Deus da Justiça, decreta um empate e Arton recebe a criação de um povo inteligente muito antes de
doze horas de luz e doze horas de escuridão. Glórienn, mas se distraiu.
1 Bilhão de Anos AE. Uma lágrima de Lena, a 22 Milhões de Anos AE. Nimb sussurra nos
Deusa da Vida, preenche os oceanos com as primeiras ouvidos de Wynna. Ela tem sonhos bizarros. Desses
criaturas vivas. O Grande Oceano molda essa vida em sonhos, nascem as fadas.
incontáveis seres. 2 Milhões de Anos AE. Prevendo que no futuro
700 Milhões de Anos AE. Impulsionados por Arton será dominado por povos inteligentes, Sszzaas
Allihanna, a Deusa da Natureza, os seres vivos se cria as raças ofídicas zarkhassianos e nagah.
arrastam para a terra firme. 890 Mil Anos AE. Khalmyr e Tenebra se
650 Milhões de Anos AE. Laan, o Deus Menor apaixonam. De sua união nascem os anões.
das Viagens, surge espontaneamente — segundo 800 Mil Anos AE. Nas profundezas, os anões têm
alguns, impulsionado pela grande jornada dos seres seu primeiro contato com as medusas, enterradas ali
vivos para fora do mar. por Megalokk para destruí-los. Porém, uma amizade
300 Milhões de Anos AE. Surgem os dragões, entre os dois povos surge.
esculpidos por Kallyadranoch. 500 Mil Anos AE. Tilliann finalmente cria seus
filhos, os gnomos. No entanto, nunca dá sua criação
A Era dos Monstros por terminada e continua fazendo ajustes.
260 Milhões de Anos AE. Começa o reinado 230 Mil Anos AE. Sob o olhar de desdém
de Megalokk, o Deus dos Monstros. Lagartos-terror e do Panteão, Ragnar, um deus menor, cria os
outras bestas gigantes dominam Arton. bugbears. Seus irmãos Hurlaagh e Graolak criam,
respectivamente, os hobgoblins e os goblins.
230 Milhões de Anos AE. K’Athanoa, um
monstro abissal, passa a ser cultuado por criaturas das 180 Mil Anos AE. Hyninn, um deus menor, cria os
profundezas e se torna um deus menor. hynne, ludibriando Khalmyr.
200 Milhões de Anos AE. Tarso se torna o 160 Mil Anos AE. Valkaria cria a raça humana,
primeiro necrodraco. destinada a desbravar Arton e desvendar os mistérios
dos próprios deuses.
180 Milhões de Anos AE. Tarso arranca as asas
de Mzzileyn, o Dragão-Rei das Trevas. 155 Mil Anos AE. Wynna permite que o sangue de
criaturas mágicas se misture ao dos mortais. Nascem
100 Milhões de Anos AE. Enfadado com a
selvageria da Era dos Monstros, Tarso decide dormir os primeiros qareen.
um longo sono até que alguém o desperte. 150 Mil Anos AE. Tenebra cria os trogs.

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145 Mil Anos AE. Surge a ilha de Galrasia, 4 Mil Anos AE. Hydora, o Dragão-Rei das Nuvens,
arrancada de Vitalia, o Mundo de Lena. Ali surgem os se apaixona por uma exploradora élfica e a toma como
primeiros povos-trovão. esposa, originando os elfos-do-céu.
140 Mil Anos AE. Allihanna dá vida aos centauros. 2 Mil Anos AE. Sirrannamena, a Rainha Barda,
afasta K’Athanoa com uma canção, mas perde a voz.
120 Mil Anos AE. Invejosos da influência dos
Parte então em uma busca, trazendo de volta o dom da
outros povos mortais, Tenebra e Megalokk se unem
palavra escrita de Tanna-Toh. Os darash se instalam
para criar os finntroll, destinados a erguer um império
em Moreania.
monstruoso.
1500 AE. Descendentes de Sirrannamena conquistam
100 Mil Anos AE. A Dragoa-Rainha Beluhga é Arton Sul. Com o desenvolvimento de manadutos
aprisionada por Khalmyr em uma cordilheira. A região
ligando inúmeras cidades, surge o Império Nardmyr.
congela ao longo dos milênios, formando as Uivantes.
É transcrita a versão mais antiga do Shahirik-Lokhût, o
90 Mil Anos AE. Tauron, o Deus da Força, que até livro que reúne toda a tradição oral milenar de Khubar.
então desprezava os fracos mortais, enfim decide criar 1000 AE. O dragão Morte Branca destrói os darash
seu povo. Surgem os minotauros. em Moreania. Allihanna e Megalokk transformam os
85 Mil Anos AE. Oceano firma um acordo com Doze Animais em moreau.
Tanna-Toh, permitindo que os mortais criem veículos 800 AE. Primeiras habitações fixas perto da
capazes de singrar os mares. Em retribuição, Tanna-Toh Montanha Invencível. Origem daquela que seria a
concede a inteligência a tritões, sereias e elfos-do-mar. cidadela de Giluk.
500 AE. Lathzira, a Magimoldadora-Mor do Império
O Nascer das Civilizações Nardmyr, abandona o mundo material. Seus três
aprendizes, arcanistas de grande poder, organizam um
65 Mil Anos AE. Surgimento do Império
golpe contra a monarquia milenar e assumem o reino.
Zarkhassiano.
55 Mil Anos AE. Fundação do Império Trollkyrka. 490 AE. Os três arcanistas se voltam uns contra os
outros. Durante os conflitos internos, os manadutos
40 Mil Anos AE. Início da exploração do são destruídos, causando a queda do Império Nardmyr.
subterrâneo pelos anões. Suas cidadelas e províncias, como Ghondriann, Ylloran e
30 Mil Anos AE. Fundação da Cidade Dourada de Gordimarr, se tornam independentes.
Nhardmaran. 200 AE. Gigantes escravizam os minotauros.
28 Mil Anos AE. Devido ao crescimento de
Nhardmaran, K’Athanoa desperta. Começa o ciclo de
apogeu e queda da Cidade Dourada.
A Chegada dos Elfos
0. Uma frota élfica chega a Lamnor, o continente sul.
12 Mil Anos AE. Nômades humanos ocupam o Os elfos expulsam os hobgoblins de seu território e
arquipélago de Khubar. fundam a cidade de Lenórienn, dando início ao conflito
11 Mil AE. O ritual zarkhassiano para abrir um portal entre as duas raças que ficaria conhecido como a
a Venomia fracassa, causando a destruição da capital e Infinita Guerra.
a queda do império sszzaazita. 300. Assinado o Tratado de Lamnor, estipulando
10 Mil Anos AE. Começa o povoamento humano que nenhum reino humano interferiria nos assuntos
da ilha de Tamu-ra. élficos, para o bem ou para o mal.

9 Mil Anos AE. Próximo à Montanha Invencível, 380. Fundação de Luncaster, em Moreania.
caçadores nômades se deparam com o Grande Chifre, 427. Darsic I, governante da cidadela-estado de
um animal lendário, parte de uma numerosa manada Ghondriann, ataca uma tribo de hobgoblins, mas
de rinocerontes lanosos, e passam a segui-la. Origem é vencido e morto. Seu filho, Darsic II, parte em
do povo de Korm. peregrinação para o Deserto sem Retorno.
6 Mil Anos AE. Fundação da cidade de Doher, 432. Darsic II regressa de sua longa peregrinação
futura capital de Doherimm, o reino oculto dos anões. trazendo palavras de iluminação de Hedryl.

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439. Darsic II desafia os cobiçosos tiranos das 830. Unificação de Tamu-ra, o Império de Jade, sob o
cidadelas-estados de Delphradiann, Leokann e Quiell. dragão Tekametsu.
441. Com a ajuda do artefato que usava em sua coroa, 841. Fundação de Khubar.
a Joia da Alma, Darsic II vence os tiranos, unifica as
869. No norte, nasce o minotauro Goratikis.
cidadelas-estados e funda o reino de Ghondriann.
873. Em Sidarid, nasce Karias Theuderulf, futuro
473. Hobgoblins oferecem um tratado aos humanos. arquimago.
Por usar a Joia da Alma, Darsic II é incapaz de esquecer
a morte de seu pai e ataca os emissários goblinoides. 890. O minotauro Goratikis inicia uma revolta contra
os gigantes que escravizaram seu povo por séculos.
474. Por vingança, hobgoblins emboscam Darsic II e
matam o rei humano. A Joia da Alma se perde. 900. Goratikis vence a revolta, liberta os minotauros e
parte em peregrinação mística.
500. O Dragão-Rei Sckhar funda o reino de
Sckharshantallas. 901. Goratikis retorna de sua peregrinação e funda
Gorakis, iniciando o Reino de Tapista.
632. Ocorre a Revolta dos Três. Os deuses Tilliann,
Valkaria e Kallyadranoch criam os lefeu, os demônios 920. Em Ghondriann, nasce Yllia, filha do Rei
da Tormenta. Corullan VI.
633. Os deuses revoltosos são descobertos e punidos. 921. Em Mortenstenn, nasce Renngard, filho do Rei
Tilliann e Kallyadranoch perdem seus status divinos. Richlard I.
O primeiro enlouquece, o segundo é esquecido. Por 937. A princesa Yllia apaixona-se pelo Príncipe
fim, Valkaria é aprisionada em Arton na forma de Renngard. Ao fugir de casa para vê-lo, é assassinada
uma gigantesca estátua de pedra. Hyninn e Ragnar por bandoleiros. Corullan VI culpa o jovem príncipe,
ascendem ao Panteão.
iniciando uma guerra que toma todos os reinos
700. Sszzaas, o Deus da Traição, arquiteta um plano humanos de Lamnor.
para tomar o controle do Panteão, convence os outros
939. Richlard I é traído por seus aliados de Cobar e
deuses a criar os Rubis da Virtude e os rouba.
Sidarid e morre envenenado. Seu filho, Renngard,
705. Em Gordimarr, nasce Protas III, futuro regente escapa para Ylloran, onde pede asilo. Formado o
do reino. Triângulo de Ferro entre os reinos de Ghondriann,
728. Ragnar dita e Thyatis escreve a profecia bugbear Cobar e Sidarid.
que, séculos mais tarde, daria origem a Thwor 944. O Triângulo de Ferro toma o pequeno reino de
Khoshkothruk. Tarid. Formada a aliança entre os reinos de Ylloran,
731. Protas III se torna regente em Gordimarr, clama Gordimarr e Nortramid. As tropas de Renngard e
para si o papel de resgatar o legado da antiga Nardmyr da aliança atacam o Triângulo de Ferro em Tarid.
e começa a expandir seus domínios, não através de Começam os Anos da Forja, marcados pelos conflitos
portais mágicos, mas de estradas e entrepostos. entre os reinos humanos.
750. Khalil de Gordimarr organiza uma expedição ao 950. Em Lamnor, ocorre a Grande Batalha. Renngard
continente de Ramnor (mais tarde conhecido apenas vence e mata Corullan VI. Os derrotados de Cobar,
como Arton). Tem início a construção da cidade Sidarid e Ghondriann são exilados para Ramnor.
fortaleza de Khalifor. 951. Goratikis adoece. Antes de morrer, muda o nome
793. Morre Protas III. Sua segunda esposa, Naida, se da cidade de Gorakis para Tiberus, em homenagem a
torna rainha de Gordimarr por um curto período. seu companheiro, e confia a regência do reino a ele.
795. Naida abdica do trono em favor dos filhos. O 953. Em Lamnor, nasce Roramar Pruss.
Império Gordiano é dividido entre os descendentes, 960. Roramar Pruss, uma criança na caravana de
dando origem a vários reinos menores. exilados, começa a ter visões e convence os líderes a
804. Fundação de Brando, em Moreania. segui-lo na colonização do novo continente.
809. Após uma visão de Wordarion Thondarim, os 969. Por ordem de Tiberus, tem início a construção do
anões se recolhem aos subterrâneos. Labirinto de Tapista.

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970. Grupos humanos vagando pelas Sanguinárias 1028. Primeiros rumores sobre a Floresta de
encontram um refúgio não tocado pelos monstros. Greenaria, um lugar de grande fertilidade. Vários
Início do povoamento de Katiaskh. colonos seguem para a região, liderados por Morkh
972. Morte de Tiberus em Tapista. Nenhum dos Amhor, um paladino de Azgher.
anciões se considera digno de governar o reino. Início 1030. Fundação do Reino de Yudennach, por Larf
do Século do Luto. Yudennach. Fundação do reino de Petrynia, por
991. Entre os exilados, nasce o lendário aventureiro e Cyrandur Wallas.
explorador Cyrandur Wallas. 1031. Morte de Roramar Pruss. Ainda criança, seu
1007. O plano de Sszzaas é descoberto pelos demais filho sobe ao trono de Deheon como Wortar I e se torna
deuses. O Deus da Traição é aprisionado por Khalmyr o primeiro Rei-Imperador do Reinado.
na forma de um avatar. Começa uma caçada aos 1032. Fundação dos reinos de Sambúrdia e Kor Kovith.
devotos de Sszzaas. 1033. Folk Steelheart dá seu trabalho como concluído
e deixa Zakharov, voltando à vida de aventureiro.
O Reinado Sua amiga e companheira de grupo, a arcanista
Olava Roggandin, assume a regência, dando início à
1020. Os exilados de Lamnor encontram a estátua linhagem nobre do novo reino.
de Valkaria e fundam a futura capital do Reinado a
seus pés. Roramar Pruss conhece Yvanna, uma rainha 1035. Início e fim das batalhas entre a caravana de
amazona do norte, e ambos se apaixonam. Os dois se Jeantalis Sovaluris e os bárbaros das florestas a oeste
tornam os primeiros regentes da nação de Deheon. das Montanhas Uivantes, culminando com a vitória
dos primeiros. Fundação do reino de Tollon.
Várias caravanas menores se formam, rumando para
colonizar outros pontos de Ramnor. O aventureiro Folk 1037. Thomas Lendilkar tenta invadir Khubar. Os
Steelheart parte em uma delas. Ocorrem os primeiros xamãs desta nação invocam o Dragão-Rei Benthos,
contatos entre humanos e anões ao norte de Arton. que destrói a costa de Bielefeld. A cidade de Lendilkar
Como símbolo de amizade entre os povos, surge a afunda no mar, com toda a nobreza da família. Raissa
cidade de Zakharin e o reino de Zakharov. A caravana Janz é escolhida como rainha de Bielefeld.
de Thomas Lendilkar e seu grupo rumam para o leste. 1040. Tratado de paz entre o Reinado e Khubar.
1021. Nasce Wortar I, filho de Roramar e Yvanna. 1042. Nasce Roramyd I, filho de Wortar I.
Thomas Lendilkar funda uma cidade com seu nome e Rhond, o Forjador Imortal, interrompe sua jornada
a proclama capital do novo reino de Bielefeld. Jakkar e se estabelece junto aos seus seguidores para forjar
Asloth funda o Condado de Portsmouth. As famílias sua obra-prima: a Espada-Deus. Origem da cidade
Balium, Ystamen, Aghmen e Acetos viajam até as de Rhond.
margens do Rio Vermelho, onde planejam as bases
1045. Fundação de Nova Ghondriann.
daquela que seria a capital do reino de Salistick.
1050. Wortar I envia as famílias nobres Schwolld,
1022. Forma-se a vila de Palthar, futura capital de Rigaud e Vorlat para colonizar o território a sudoeste.
Namalkah. Surge o reino hynne de Hongari.
Alguns colonos liderados pela família Hogarth se
1023. O célebre Cyrandur Wallas parte de Valkaria separam e fundam o reino de Collen. Surgem histórias
com uma caravana e inicia uma viagem exploratória sobre uma terra de fadas nos confins de Sambúrdia.
pelas Montanhas Uivantes. Neste mesmo ano, alcança 1051. O grande mago Karias Theuderulf descobre
Giluk, onde alguns de seus integrantes se estabelecem. fenômenos causados por áreas de magia selvagem na
1024. Fundação do reino de Svalas. costa a sudeste de Deheon.
1025. A família de Wynallan I, antigo rei de Cobar, 1056. O surgimento da cidade de Sophand marca a
assume as terras ao sul de Deheon, fundando o reino fundação de Wynlla, o Reino da Magia, regido por
de Tyrondir. Karias Theuderulf.
1026. Fundação do vilarejo de Triunphus. 1063. Nasce Wortar II, filho de Roramyd I.
1027. Os Janz, contrários aos ideais conquistadores de 1069. O Labirinto de Tapista é concluído, protegendo
Thomas Lendilkar, partem para novas terras. o reino de invasores físicos e extraplanares.

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1070. Tratado da Espada e da Forja assinado entre 1094. A família Hersh organiza uma caravana e
o Rei-Imperador Wortar I e Rodir Hammerhead II. parte de Petrynia, indo mais longe do que qualquer
Início das tensões entre os Yudennach e os reinos que outro antes. Fundação do pequeno reino de Hershire.
fazem fronteira com seu território, principalmente Primeiros contatos do Reinado com Tapista.
Deheon, Svalas e Kor Kovith. 1095. Fundação da Grande Academia Arcana, em um
1072. Colonos fugindo dos conflitos entre Deheon e o semiplano oferecido a Talude por Wynna. Também
Reino de Yudennach se estabelecem em uma região ao acontece a fundação do Colégio Real de Médicos, em
norte. Surge o vilarejo de Trokhard. Salistick, por Dozaen Aghmen.
1074. Os territórios ocupados pelos Schwolld, Vorlat e 1101. Início da Rebelião dos Servos em Sambúrdia.
Rigaud enfim se encontram, impedindo sua expansão. 1103. Fugindo de Sambúrdia, muitos colonos entram
Começa a guerra silenciosa entre as três famílias. em conflito com bárbaros que adoram a imagem de um
1075. Morre o Rei-Imperador Wortar I. Seu filho, dragão. Intervenção de Sckhar, destruindo duas vilas e
Roramyd I, assume o trono, mas falece repentinamente. a maioria dos colonos invasores.
A sequência de mortes causa uma guerra civil em 1107. A Ordem de Sszzaas é extinta, mas os Rubis da
Deheon. Os Yudennach se aproveitam do vácuo de Virtude continuam desaparecidos. O fim da Rebelião
poder para começar uma campanha de expansão, e dos Servos em Sambúrdia leva à fundação de Trebuck.
conquistam os reinos de Svalas e Kor Kovith.
1109. Concessão do futuro território de Callistia
1077. Clérigos de Tanna-Toh e de Wynna fundam a a nobres de Namalkah. Primeiro uso do nome
Ordem do Sacro Grimório em Wynlla. Pondsmânia para se referir às terras das fadas.
1079. Fim da guerra civil em Deheon. Wortar II, filho 1110. Sambúrdia concede independência ao Reino
de Roramyd, é coroado Rei-Imperador no Dia do das Fadas, para alívio da população. A Pondsmânia é
Reencontro. Com a ajuda da Igreja de Marah, o novo oficializada como integrante do Reinado.
regente integra a maior parte dos reinos à coalizão.
Após anexar os reinos de Svalas e Kor Kovith, a 1112. Tellos usa de sua força e prestígio para tornar o
expansão dos Yudennach é contida. cargo de princeps vitalício.

1082. Fim do Século do Luto, com a formação do 1113. Fundação da cidade de Malpetrim, em Petrynia.
Senado. Início da república em Tapista. O Príncipe Druthar morre enfrentando Mzzileyn.

1083. Surge o vilarejo de mineradores que se tornaria 1114. Callistia se separa de Namalkah.
Yuvalin, em Zakharov. 1117. O Deus Menor dos Cavalos passa a noite em um
1085. Fundação do reino de Lomatubar. Início das velho rancho. O lugar santificado se torna Hippiontar,
Guerras de Lomatubar, entre humanos e orcs, uma a Baia de Hippion.
raça antiga e decadente, de origem misteriosa. O reino 1122. Intrigado pela política humana, Sckhar decreta
de Namalkah é reconhecido como parte do Reinado. que Sckharshantallas agora faz parte do Reinado. A
1086. A família Hogarth conquista o reconhecimento entrada do reino é aprovada com rapidez inédita.
de Collen como um reino integrante do Reinado. 1126. Primeiro ataque do Moóck a Triunphus,
1088. Talude, o Mestre Máximo da Magia, chega a Arton. devastando a cidade. Concedida a bênção-maldição
de Triunphus.
1089. Após décadas de conflitos, as famílias Schwolld,
Vorlat e Rigaud entram num acordo pacífico. Início da 1148. Morte de Wortar II, após um longo reinado.
construção da cidade de Thartann. Roramira I, sua neta, assume o trono como a primeira
Rainha-Imperatriz.
1090. Dozaen Aghmen, rei de Salistick, tem seu filho
e esposa salvos por um médico. Dozaen começa a 1177. O mago Vectorius se aposenta de seus tempos de
procurar mais médicos e pesquisar o ofício. aventura.

1091. Com a primeira Noite das Máscaras, é inaugurado 1178. Fundação de Coridrian, a capital dos golens.
o Palácio Rishantor. Setlick Schwolld e Fidgett Vorlat 1189. O lendário caçador kliren Mon’han Galldo’han
são assassinados durante a festa. Rickard Rigaud se cria a Guilda Mon’han de caçadores de monstros na
torna regente do novo reino de Ahlen. cidadela de Trag’Merah.

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1202. A família Harringer encontra minas de pedra- 1286. Thallen Devendeer e Arthur Donovan II formam
de-fumaça em Petrynia. Início do povoamento da um grupo de aventureiros.
futura cidade de Smokestone. 1290. Fundação da Ordem de Khalmyr e da Ordem da
1203. Os finntroll de Trollkyrka atacam Doherimm. Luz.
1204. Devido a um incidente diplomático envolvendo 1292. Início da construção do Palácio Imperial de
o machado Zakharin, arma pessoal do lendário Valkaria.
Zakharov, os anões cessam acordos comerciais com o
1298. Ideki, samurai de Tamu-ra, visita a cidade de
reino, proibindo o acesso às cidades de fronteira.
Trokhard em Zakharov e ajuda a protegê-la de um
1205. Ocorre o Chamado às Armas. Início da guerra ataque de gnolls, mas comete seppuku em seguida,
entre Doherimm e Trollkyrka. por não conseguir cumprir a missão designada por seu
1211. A cidade de Kharadantur, em Doherimm, é mestre ao se deter na cidade. Nascimento de Philydio,
completamente arrasada pelos finntroll. neto de Vallanna.

1215. Fim da Guerra dos Trolls em Doherimm, com a 1300. A família Asloth incita a tensão entre tribos
vitória dos anões. bárbaras e o reino de Bielefeld. Deheon intervém,
resultando na formação do reino da União Púrpura.
1221. Em Wynlla, morre Karias Theuderulf. Nenhum
dos magos se considera digno de assumir seu lugar como 1306. Nascimento de Nielendorane, em Lenórienn.
regente. É estabelecido um conselho de governantes. 1307. A construção do Castelo da Luz é concluída.
1222. Morte de Roramar II. Vallanna, sua filha, 1312. Sartan, um antigo deus maligno, tenta
assume o trono. voltar ao mundo, mas é impedido por um grupo de
1252. Os magos Talude e Vectorius se encontram em aventureiros. A Praga Coral é liberada sobre o reino de
Malpetrim. Desafiado, Vectorius começa a construção Lomatubar, exterminando os orcs locais e encerrando
de Vectora. as Guerras de Lomatubar.

1254. Nascimento de Thallen Kholdenn Devendeer. 1322. Nasce Philipp Donovan, filho de Arthur Donovan II.
1256. A morte da Rainha-Imperatriz Vallanna I dá 1325. Morte de Vallanna II. Seu neto Philydio assume
início ao período conhecido como Praga dos Reis, o trono de Deheon.
marcado por sucessivas mortes de monarcas de Deheon 1328. Fundação de Laughton, em Moreania.
e do Reinado. Phévio, seu filho, assume o trono.
1338. Em Warton, nasce Hermann Von Krauser. Em
1259. Morre Phévio. Thoran, seu filho, assume o trono. Cosamhir, capital de Tyrondir, nasce Balek III.
1262. Morte de Tellos em Tapista, em um duelo de 1339. Nasce Yorvillan Vorlat, primogênito da família
honra. Guerra civil em Tapista. Vorlat.
1264. Morte de Thoran. Seu irmão, Roramar III, 1340. Morte de Arthur Donovan II, fundador da
assume o trono. Ordem da Luz.
1266. Morte de Roramar III. Sua filha Vallanna II 1342. Lorde Niebling, o gnomo, chega a Arton, após
assume o trono, colocando fim à Praga dos Reis. Tendo aparecer no Deserto da Perdição.
sobrevivido ao período de instabilidade, o Reinado é
considerado mais forte do que nunca.
1343. Nasce o futuro Rei-Imperador Thormy.
1268. O conde Brondar Asloth de Portsmouth inicia 1345. A meia-elfa Loriane é abandonada nas
proximidades de Khalifor, sendo acolhida por humanos.
um plano para desestabilizar o controle de Bielefeld
sobre as regiões mais afastadas do reino. 1346. O General Pretorius vence seus oponentes e é
nomeado princeps de Tapista.
1275. Thallen deixa sua vila natal e parte para se tornar
um aventureiro. 1348. Em Ahlen, nasce Thorngald Vorlat.
1279. Fundação de Vectora, o Mercado nas Nuvens. 1349. Os primeiros piratas chegam à ilha de Quelina.
1285. Arthur Donovan II é nomeado clérigo e parte em 1350. Concluído o Palácio Imperial de Valkaria.
jornada por Arton para pregar a palavra de Khalmyr. Primeiros contatos formais entre o Reinado e Tamu-ra.

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1354. Hermann Von Krauser inicia o treinamento 1383. Fundada a Irmandade Pirata na ilha de
como soldado do Exército com uma Nação, em um Quelina. Nasce Hybald Roggandin, primogênito de
batalhão na região do Monte Kovith. Walfengarr Roggandin.
1357. Em Zakharov, nasce Walfengarr Roggandin. Thwor retorna a Lamnor, toma o controle de algumas
1358. O Príncipe Thormy sai pelo mundo em busca de tribos goblinoides e conquista a cidade de Farddenn.
aventuras. 1384. Mestre Arsenal derrota o sumo-sacerdote de
Keenn, Destrukto, e assume seu posto. Em Lamnor,
1362. Em uma tribo dos Ermos Púrpuras, nasce Alenn
a princesa élfica Tanya é raptada por Thwor. Isso leva
Toren Greenfeld.
à formação da Aliança Negra dos goblinoides, sob a
1364. O mais recente eclipse total do sol. Nasce Thwor liderança do bugbear. Niele encontra o Olho de Sszzaas.
Khoshkothruk, o futuro general bugbear. Morte de Beldrad Isontorn assume a regência de Sambúrdia.
Philydio, o Tranquilo. Thormy assume o trono de Deheon.
1385. Thwor derrota o avatar de Glórienn com as
1365. Em Sambúrdia, nasce Vladislav Tpish. próprias mãos. Cai a nação élfica de Lenórienn,
1369. Jedmah Roddenphord se torna rei de Hershire. encerrando a Infinita Guerra. Fundação de Rarnaakk
pelos goblinoides sobre as ruínas da cidade élfica.
1370. Nasce Arkam, futuro líder do Protetorado do Reino. Razlenthandillas parte para Arton Norte.
George Ruud inaugura a Estalagem do Macaco Caolho.
Corcoran Schwolld, regente de Ahlen, é deposto,
1371. Tilliann, um mendigo louco, é visto chorando aos vítima de uma conspiração dos Vorlat. Yorvillan Vorlat
pés da estátua de Valkaria e passa a viver na cidade. assume o trono. Meses depois, é envenenado e morto
1372. Nasce Arthur Donovan III, filho de Philipp por seu irmão Thorngald.
Donovan. Philipp sai em peregrinação, para honrar
uma promessa a Khalmyr.
Morte de Pretorius em batalha. O senador Aurakas,
A Tormenta
descendente de Tellos, faz manobras políticas e obtém 1387. O batedor lefeu conhecido como o albino chega
o título de princeps de Tapista. a Arton. Loriane estreia na arena de Valkaria, após
um acordo com a maga Raven Blackmoon. Em Ahlen,
1374. O tamuraniano exilado Turukuto Desu conquista nasce Nonato Vorlat, filho de Thorngald Vorlat.
uma imensa fortaleza, derrota seu antigo líder e se
torna sumo-sacerdote de Keenn, assumindo o nome de 1388. O grupo de aventureiros chamado Esquadrão do
Destrukto. Hermann Von Krauser chega ao posto de Inferno confronta o albino. Mitkov Yudennach se torna
Lorde General do Exército com uma Nação. regente. Arkam recebe o artefato que lhe renderia a
alcunha de Braço Metálico.
1375. Nasce Shivara, princesa herdeira de Trebuck.
1389. O Esquadrão do Inferno elimina o albino na
1376. Alenn Toren Greenfeld se torna chefe de sua tribo. Anticriação. A primeira área de Tormenta se forma em
1377. Thwor abandona sua tribo para explorar o mundo, Tamu-ra. O Imperador Tekametsu teleporta parte da
peregrinando oculto através dos reinos do norte. capital, salvando parte de seu povo.
1380. O Conde Ferren Asloth aumenta as tensões entre O condado de Portsmouth se torna independente de
o condado de Portsmouth e a Ordem da Luz. Bielefeld após uma sangrenta guerra civil. Ferren
Asloth impõe altas taxas de pedágio aos viajantes
1381. Mestre Arsenal chega a Arton com sua máquina vindos de Hongari. O hynne Boghan e o elfo Thalin
de guerra, o Kishinauros. Ocorre o Dia dos Gigantes
salvam da morte uma menina elfa chamada Laessalya
em Valkaria, quando uma luta entre o construto e um
nas proximidades de Khalifor. Tork, o troglodita anão,
estranho gigante extraplanar arrasa parte da cidade.
nasce e é expulso de sua tribo. O aventureiro Arkam
Nasce Sandro Galtran, filho do lendário ladrão Leon ingressa no Protetorado do Reino.
Galtran. Em Galrasia, nasce Lisandra, a primeira 1390. Thwor termina de subjugar Lamnor e ordena
dahllan de Arton. o início da construção de Urkk’thran, a capital
1382. Philipp Donovan luta contra Alenn Toren duyshidakk. A primeira manifestação completa da
Greenfeld. Ambos se tornam amigos. Mais tarde, o Tormenta destrói Tamu-ra. O sábio Khulai-Hûk é
líder bárbaro parte para o Castelo da Luz. eleito para governar Khubar.

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1391. Primeira aparição do caçador de recompensas Surgem relatos sobre um gigantesco exército
Crânio Negro. O grupo de Leon Galtran e Vladislav goblinoide ao sul de Khalifor. Balek III desdenha
Tpish invade um dos covis de Sckhar. Morte do Paladino das comitivas da Cidade-Fortaleza e não comunica o
de Jallar na batalha. Pouco depois, o grupo encontra os restante do Reinado.
Rubis da Virtude em um antigo templo sszzaazita. Em Collen, nasce Vinala Hogarth, filha de Lorde
1392. O necromante Vladislav Tpish implanta os Rubis Godfrey Hogarth. Sua mãe, Otília, sofre um mal súbito
da Virtude no companheiro caído, criando o Paladino e falece poucos meses depois. Lisandra recupera o
de Arton. O Paladino mata Heart, o corpo do Paladino e o leva para Galrasia.
Dragão-Rei das Montanhas. Zadbblein se torna a Rodleck Leverick inicia a construção das Catacumbas
Dragoa-Rainha das Florestas. de Leverick.
Vladislav Tpish e Leon Galtran invadem uma 1400. O Paladino de Arton ressurge, corrompido por
masmorra e despertam Tarso, o Dragão-Rei dos Sszzaas, e assassina Beluhga. O Panteão é forçado a
Mortos. Shivara parte para se aventurar. aceitar de volta o Deus da Traição, para que juntos
1393. Loucura e destituição de Arthur Donovan III. consigam destruir o Paladino.
Morte de Philipp Donovan por desgosto, ao ver o que o A Tormenta avança sobre Trebuck e toma o Forte
filho havia se tornado. Alenn Toren assume a liderança Amarid. Shivara cria o Exército do Reinado e marcha
da Ordem da Luz. O jovem Tork é aceito no Forte contra a Tormenta. O ataque fracassa, mas revela a
Hedryl, perto de Malpetrim, após provar seu valor existência dos Lordes da Tormenta. Crânio Negro se
rechaçando um ataque de elfos-do-mar. torna o primeiro algoz da Tormenta.
1394. Tork parte do Forte Hedryl, decidido a Primeiros contatos com os moreau, vindos do mar do
abandonar o mundo dos humanos, e navega até leste. Thwor toma Khalifor, consolidando seu domínio
Galrasia. James K. chega a Quelina, mata o pirata sobre Lamnor. Morte de Ghellen Brightstaff, sumo-
Melikos em um duelo e ingressa na Irmandade Pirata. sacerdote de Valkaria.
1395. Ocorre a Rebelião dos Insetos em Sambúrdia. 1401. Valkaria é resgatada de seu cativeiro por heróis
Com a ajuda de Andrus, o Aranha; Raven Blackmoon, e que viriam a ser conhecidos como os Libertadores. O
Mestre Arsenal, um grupo de aventureiros põe um fim samurai amaldiçoado Koi liberta a vila de Aqvarivm da
à ameaça de Lorde Enxame. tirania de Lorde Betta.
Tork chega a Galrasia e encontra Lisandra, tornando- Rodleck Leverick rouba de Severus o título de sumo-
se seu pai adotivo. sacerdote de Hyninn e o mantém aprisionado em sua
1396. Em Zakharov, nasce Eric Roggandin, filho mais masmorra. Hennd Kalamar assume o posto de sumo-
novo do casal real Walfengarr e Tallya. sacerdote de Valkaria.
1397. A Praga Coral de Lomatubar começa a afetar 1402. Formação da área de Tormenta de Zakharov.
humanos e outros humanoides. Tork parte de Galrasia Descoberta dos lefou. Surge Ahar’kadhan, a Cidade na
e passa a viver como mercenário em Malpetrim. Tormenta.
Khalifor solicita entrada no Reinado. Balek III de Uma caravana de minotauros é atacada por bandidos
Tyrondir nega. em Hershire. Quando a coroa do reino não consegue
capturar os culpados, as legiões táuricas cruzam as
1398. Uma área de Tormenta se forma ao norte de
fronteiras e tomam o assunto em suas próprias mãos.
Trebuck, trazendo pânico ao Reinado. O Rei Althar,
Início da ocupação táurica em Hershire.
soberano de Trebuck, é morto pelos lefeu. Shivara volta
para casa e é coroada rainha. Mestre Arsenal derrota o 1403. Os Ermos Púrpuras são infectados por milhares
Paladino de Arton. de simbiontes lefeu. O Príncipe Khilliar Janz de
1399. Primeiros ataques dos tiranos das águas em Bielefeld perde a visão num estranho “acidente” em
Callistia. Rhumnam, a espada de Khalmyr, é roubada uma justa. A cidade de Norm é atacada por cavaleiros
de Doherimm pelo assassino Camaleão. Sandro da Luz corrompidos pela Tormenta.
Galtran se torna aventureiro e, em passagem por A Rainha Shivara de Trebuck se casa com o Príncipe
Malpetrim, causa a adição da palavra “Empalhado” ao Mitkov Yudennach, na esperança de obter auxílio
nome da Estalagem do Macaco Caolho. contra a Tormenta.

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Guerra Artoniana
Liderados pelo cavaleiro da Luz Orion Drake, o Exército
do Reinado enfrenta guerreiros dos Ermos Púrpuras
corrompidos pela Tormenta, triunfando. Vallen Drake, 1410. Os puristas, uma facção dedicada a exterminar
filho de Orion e Vanessa Drake, é raptado pelo Cavaleiro não humanos, conspiram para tomar o poder no Reino
Risonho. Revelada a identidade de Crânio Negro. de Yudennach. Lady Ayleth Karst convoca um grupo de
Após uma carreira longa e impecável, Hermann Von aventureiros para investigar o paradeiro de seu pai, o
Krauser pede dispensa do Exército e desaparece da Barão Abelard. Os aventureiros descobrem que o barão
vida pública. havia sido capturado por puristas.
1404. Fundação de Urkk’thran. O Reinado é atacado Lisandra assume o posto de sumo-sacerdotisa de
pelo Dragão da Tormenta. Allihanna. Outras dahllan começam a surgir por todo
o mundo. O príncipe Eric Roggandin, de Zakharov, é
1405. O Dragão da Tormenta é derrotado pela sequestrado por cultistas de Sszzaas, mas é resgatado
união de heróis épicos. Durante a batalha, Vectora é por um herói solitário.
arremessada sobre a criatura, sofrendo graves danos.
1411. O mago Eukhitor Umbra tenta usar a Joia da
O Rei Mitkov é desmoralizado e deposto pelo Alma para trazer o Nada a Arton, mas é impedido por
Rei-Imperador Thormy. Shivara assume o trono do um grupo de aventureiros.
Reino de Yudennach. O mundo de Glórienn é tomado
pela Tormenta. Um grupo de aventureiros formado pelo cavaleiro
Lothar Algherulff, o pirata Nargom, o menino mágico
Comandado por sir Orion Drake, um exército de Kadeen e o bárbaro Klunc derrotam o Coronel Reggar
deuses menores destrói a área de Tormenta de Tamu- Wortric, líder público dos puristas. Svalas conquista
ra. Glórienn é rebaixada ao posto de deusa menor e se independência e Lady Ayleth é coroada sua rainha.
torna escrava de Tauron. Kallyadranoch, o Deus dos
Dragões, retorna ao Panteão. 1412. Shivara é sequestrada pelos finntroll com
a ajuda dos puristas e enviada para sacrifício
1406. Mestre Arsenal ataca o Reinado com o em Chacina, o Mundo de Megalokk. Um
Kishinauros, mas é derrotado por aventureiros desmoronamento colossal na fronteira entre Deheon
armados com o Colosso Coridrian. e a futura Supremacia cria a Garganta do Troll e
Uma rebelião em Hershire inicia uma série de separa os dois reinos. O verdadeiro líder dos puristas,
incidentes diplomáticos entre Tapista e o Reinado, Hermann Von Krauser, autodenominado General
que culminam com as Guerras Táuricas. Os Supremo, se revela, toma o poder no Reino de
minotauros conquistam diversos reinos, formando o Yudennach e inicia a Guerra Artoniana.
Império de Tauron. O Rei Igor Janz de Bielefeld é assassinado pelo pirata
Malpetrim resiste aos minotauros e se declara uma Espinha. Seu filho, Khilliar Janz, se torna o novo rei de
cidade livre independente. Valkaria é sitiada pelas Bielefeld. Os puristas invadem Namalkah.
legiões táuricas. Para evitar mortes, Thormy se rende Ocorre a Batalha do Baixo Iörvaen, na qual Von
e se entrega como refém a Aurakas. Shivara assume Krauser derrota a Aliança do Reinado e mata o herói
como Rainha-Imperatriz. Tauron assume o posto de Kadeen. Os puristas dominam a região sul de Bielefeld,
líder do Panteão. anexando o território.
Início do repovoamento de Tamu-ra e fundação da 1413. Lothar, Nargom e Klunc, com a ajuda do
nova capital Shinkyo. professor de magia Aeripharian, partem em uma
1407. Com o caos gerado pelas Guerras Táuricas e jornada pelo éter para resgatar a Rainha-Imperatriz.
pela marcha de Arsenal, Callistia, Nova Ghondriann Klunc é m3orto durante uma chuva de meteoros,
e Salistick se separam do Reinado, formando a Liga mas sua essência perdura em um golem. Os heróis
Independente. resgatam Shivara, mas ao retornar acabam presos em
um estase temporal.
1408. Para manter os territórios conquistados,
Aurakas retira recursos do Labirinto de Tapista e os Formado o Triângulo Autocrático entre Ahlen, a
destina às legiões. Alenn Toren Greenfeld se torna Supremacia e Portsmouth. Sem liderança, Trebuck se
sumo-sacerdote de Khalmyr. O destino de Thallen fragmenta em vários feudos menores.
Devendeer é incerto. A cidade de Sternachten é vítima de um massacre.

42
1414. Uma rebelião de escravos eclode em Tapista. Diversas nações deixam o Reinado. O clero de Marah e
Uma área de Tormenta se forma em Tiberus. Tauron o Pequeno Conselho do Reinado fazem um acordo com
desce a Arton para proteger seus filhos, mas é traído os puristas, segundo o qual a região conquistada de
por Glórienn e morto pelo Lorde da Tormenta Bielefeld é considerada território neutro.
Aharadak, que ascende ao Panteão. Glórienn perde Mestre Arsenal derrota Keenn em seu torneio,
sua divindade. Sem seu deus, o Império de Tauron se tornando-se o novo Deus da Guerra. Valkaria assume o
enfraquece. A província de Tollon é abandonada. posto de líder do Panteão.
Após a morte de Aurakas, o título de princeps é A chanceler wynllana Arlianne Broubaut propõe o
extinto. O poder volta ao Senado, encabeçado por Tratado da Centelha, uma aliança comercial entre
um triunvirato que declara o fim da escravidão. Os Vectora, Wynlla e a Academia Arcana visando a
duyshidakk invadem Tyrondir. recuperação de Arton após a guerra.
Walfengarr Roggandin falece. Seu primogênito, Vinala Hogarth, filha de Godfrey Hogarth, atinge a
Hybald Roggandin, assume a regência de Zakharov. maioridade e se casa com Nonato Vorlat, tornando-se
1415. A Flecha de Fogo, um enorme cometa, cai rainha de Ahlen.
sobre Arton. Seus fragmentos causam destruição em O Forte Cabeça-de-Martelo, um posto avançado do
Lamnor e Ramnor e criam a Ossada de Ragnar. Exército do Reinado, é construído nas Colinas Centrais
Thwor mata Ragnar e ascende ao Panteão. A Aliança de Zakharov.
Negra se fragmenta.
Tyrondir é destruído pela Flecha de Fogo. Com a
destruição da capital Cosamhir, morre Balek III. A Era da Aventura
Começa a construção de Nova Malpetrim. 1418. Ferren Asloth completa o ritual que o transforma
Os puristas sitiam Valkaria. A Comandante Aurora em arquilich e transforma Portsmouth em Aslothia.
Solbringger, uma oficial desertora da Ordem Fundação de Lysianassa. As constantes batalhas na
Magibélica, dá início ao Bastião da Alvorada em região contestada por Bielefeld e a Supremacia dão
Wynlla. origem à Conflagração do Aço.

O rei de Namalkah, Borandir Silloherom, luta para A Rainha Zallia de Namalkah restabelece a tradição
retomar terras do reino, mas morre em combate. ancestral da Corte Errante. Onde quer que a hoste
guerreira da monarca decida acampar se torna a
1416. Sambúrdia se desliga do Reinado e se torna uma capital namalkahniana.
liga de Repúblicas Livres, englobando nações vizinhas.
Thorngald Vorlat, regente de Ahlen, morre de causas 1419. Surge em Zakharov a igreja unificada de Arsenal
naturais, um caso inédito no reino. Seu filho, Nonato e Khalmyr, a Ordem das Armas Austeras.
Vorlat, assume o trono. Sob as ordens do coronel purista Zubov Grazomir,
Em Collen, morre Godfrey Hogarth. Nonato Vorlat se prisioneiros começam a construção da Fortaleza
declara protetor de Collen e anexa o território da ilha. Grazomir.
Zallia Silloherom, filha do rei Borandir, é eleita por 1420 (ano atual). Ezequias Heldret assume o
aclamação pelos chefes dos tropéis de Namalkah como posto de sumo-sacerdote de Aharadak, absorvendo o
nova rainha. poder da Tormenta e eliminando a área de Zakharov.
Ahar’kadhan se torna seu domínio.
1417. Shivara e os aventureiros Lothar, Nargom, Klunc
e Aeripharian retornam a Arton. Shivara retoma a Vectorius conclui a reforma e expansão de Vectora.
coroa do Reinado. Ocorre a batalha principal do cerco Talude abdica do posto de reitor da Academia Arcana
a Valkaria. Soldados afirmam ver Thormy lutando no e o necromante Vladislav Tpish se torna o novo Mestre
campo, mas isso jamais é confirmado e o antigo Rei- Máximo da Magia.
Imperador nunca mais é visto. O General Supremo é Ocorre a Batalha do Forte Cabeça-de-Martelo, na qual
gravemente ferido. um grupo de aventureiros, junto de uma guarnição do
A Guerra Artoniana termina com uma trégua e Exército do Reinado, derrota uma horda de zumbis
redefinição das fronteiras dos reinos envolvidos. O da Tormenta. Um grupo de aventureiros expulsa uma
Reino de Yudennach se converte na Supremacia Purista. célula purista de Svalas.

43
CAPÍTULO 1
O
Reinado de Arton já reuniu quase Estavam convictos de que sua jornada tinha inspiração
todas as nações do norte e parecia divina, pois seguiam as visões de Roramar Pruss. Por
ser uma potência incontestável fim, tinham a determinação e a humildade de quem
no continente. Hoje em dia, após passou por uma provação e alcançou a redenção. É claro
guerras, ataques de vilões, manifestações da que havia vilões entre os refugiados, desde nobres ainda
se agarrando a suas intrigas até senhores da guerra
Tormenta, cataclismas naturais e conquistas de
que aproveitavam a falta de estrutura para tiranizar
reinos inteiros, o Reinado é apenas uma fração
pequenos grupos. Contudo, no geral a caravana estava
do que já foi. Mesmo assim, permanece como a disposta a trabalhar duro e abraçar tudo que era novo.
principal força de lei, igualdade e civilização no
Foi essa mentalidade que se difundiu por Arton
continente. Sob o comando da Rainha-Impera-
quando os refugiados encontraram a estátua de
triz Shivara I, o Reinado continua orgulhoso,
Valkaria, estabeleceram-se ali e se espalharam pelo
determinado a defender os povos de Arton — e, continente. Encontros pacíficos com as nações já
mesmo com perdas pesadas, ergue-se vitorioso existentes traziam uma mensagem de união: apenas
de novo e de novo. juntos os diferentes povos poderiam defender seus
lares; apenas laços firmes evitariam que mais uma

O que é o Reinado? vez populações inteiras fossem banidas. Embates


violentos com os habitantes do continente traziam
O Reinado é uma coalizão de diferentes reinos essa mesma união, mas na forma de conquista:
com governos autônomos, para proteção mútua e era preciso angariar cada vez mais poder, para que
defesa de ideais em comum. Antes da chegada dos nunca mais houvesse um oponente capaz de roubar
refugiados de Lamnor ao continente norte, cada tudo de um povo. Por altruísmo, por terror ou por
povo, reino ou nação era totalmente independente. ambição, os refugiados propagavam o mesmo ideal:
Havia grandes civilizações, como Khubar, as Amazo- um continente unido.
nas de Hippion, as nações dos Ermos Púrpuras e a Por isso o Reinado é mais do que uma aliança — é
República de Tapista, mas as relações diplomáticas um conjunto de princípios. Ainda que esse ideal nunca
entre elas eram tênues, sem grandes alianças ou tenha sido atingido totalmente, em sua essência o
costumes em comum. Qualquer ameaça deveria Reinado representa a crença de que todos os povos,
ser enfrentada isoladamente, qualquer infestação independente de raça ou procedência, têm direito a
de monstros era problema exclusivo do povo local. um lar e devem prestar auxílio mútuo contra aqueles
É impossível dizer como essas civilizações se de- que venham a ameaçar esse direito.
senvolveriam sem o influxo de refugiados. Talvez Originalmente, o Reinado estendeu a aliança
uma coalizão fosse criada sem influência de Lamnor, ao Dragão-Rei Sckhar, às misteriosas fadas da
talvez algum reino se erguesse como um grande Pondsmânia, aos minotauros de Tapista e a todos os
conquistador, talvez o isolacionismo só aumentasse demais povos, por mais diferentes dos lamnorianos
com o passar dos séculos. que fossem. Talvez esse pensamento tenha sido ingê-
Mas a chegada da caravana de Lamnor mudou tudo. nuo — por exemplo, como confiar em um maligno e
Os refugiados traziam algumas ideias fundamentais: poderosíssimo dragão ancestral? Mesmo assim, após
estavam à procura de um lar, não de um simples o pedido (ou exigência) de Sckhar, Sckharshantallas
território que pudessem ocupar, já que nunca mais foi tratado como um membro igualitário da coalizão.
poderiam voltar à terra que conheciam. Tinham perdido O Reinado nunca baniu raças ou mesmo modos
quase toda noção de suas antigas nacionalidades, pois de governo. Firme na crença de que todos eram
passaram anos convivendo e se misturando, sem bem-vindos e nenhuma maneira de existir seria
divisões estritas e sem fronteiras às quais se apegar. proibida, o Reinado acolheu monarquias, repúblicas,

A Genealogia dos Reis-Imperadores


Roramar Pruss, Wortar I, o Roramyd, o Ligeiro Wortar II, o Sagaz
o Rei Profeta (953-1031). Caravaneiro (1021-1075). (1042-1075). Morto de (1063-1148). Criança quando
Clérigo de Valkaria, guiou Primeiro a ter o título de causas misteriosas logo da morte de seu pai, foi
os exilados. Casou-se com Rei-Imperador. Enviou após assumir o trono. Sua coroado apenas quatro anos
a Rainha Amazona Yvanna, caravanas por Arton morte causou guerra civil e depois. Político hábil, integrou
a Matadora de Gigantes. para explorar o novo lar. instabilidade no Reinado. diversos reinos à coalizão.
Regência: 1020 a 1031. Regência: 1031 a 1075. Regência: menos de 1 ano. Regência: 1079 a 1148.

Capítulo Um
46
magocracias, até mesmo tiranias mal disfarçadas. pode gerar insatisfação entre a nobreza. O rei também
Talvez isso tenha enfraquecido a coalizão, mas o pode indicar algum nobre fora de sua família, como
ideal permanecia o mesmo: ainda que o governante foi o caso de Thormy. Antes da ascensão de Shivara,
fosse maligno, o povo merecia proteção. O Reinado todos os governantes eram da dinastia Pruss e nativos
representava a tentativa de influenciar e mudar de Deheon, mas a Rainha-Imperatriz provou que nada
esses sistemas injustos. Não através da guerra, disso é uma exigência. Além do indicado, há outros
mas da diplomacia. candidatos: altos aristocratas, pessoas com ligação
Os minotauros se aproveitaram disso durante as tênue com o Rei Profeta, heróis aclamados. Então um
Guerras Táuricas, quando um incidente diplomático conselho de nobres (chamados apropriadamente de
se avolumou, resultando na conquista de grandes “eleitores”) vota para decidir quem será o rei. O “voto”
partes do território do oeste. Possivelmente, a do rei atual (ou seja, sua indicação em vida) tem peso
agressão dos minotauros abriu as portas para os maior do que o de qualquer outro eleitor, mas uma
demais desligamentos e até mesmo a trágica Guerra aristocracia unida contra o sucessor indicado poderia
Artoniana. Pois a antiga nação de Tapista não apenas eleger outro candidato.
se ergueu contra seus vizinhos — ela abandonou os Contudo, isso diz respeito apenas a Deheon, não
princípios de ajuda mútua. Antigamente, era raro que sendo garantia do posto de Rei-Imperador. Uma vez
alguma nação expressasse o desejo de se separar do que um novo rei de Deheon tenha ascendido, os demais
Reinado. Talvez de dominá-lo ou de usurpar o posto reis e governantes do Reinado votam para aceitá-lo ou
de Rei-Imperador, mas a noção da coalizão continuava rejeitá-lo como Rei-Imperador, responsável por toda a
forte. Foi a partir das Guerras Táuricas que a ideia de coalizão. Até hoje, o governante de Deheon sempre foi
dissolução se espalhou. Subitamente, os ressentimen- aprovado no trono do Reinado, mas já houve ameaças
tos e diferenças que existiam dentro do continente a essa estabilidade.
ganharam uma nova solução: o rompimento total, na
crença de que independência e individualismo eram Existe pelo menos uma forma de destronar um
melhores do que cooperação. Rei-Imperador já coroado: o conselho do Reinado. O
conselho do Reinado é convocado pelo Rei-Imperador
Com apenas sete reinos restantes, o Reinado apenas em casos graves, para tomar alguma decisão
permanece forte — sinal de que seu poder não estava muito importante. Todos os reis comparecem (ou ao
apenas em armas e números, mas em princípios. E, menos mandam representantes com poder de decisão)
enquanto existir um Reinado, esses princípios serão
e atuam como conselheiros para o monarca superior.
sempre os mesmos.
Normalmente o conselho do Reinado acontece em
Deheon e segue as leis dessa nação. Dessa forma, não
O Reinado É Livre é possível destronar o Rei-Imperador — ele está em
O Reinado é governado pela Rainha-Imperatriz território onde é soberano.
(ou Rei-Imperador, quando um homem senta no Mas, em raras ocasiões, o território onde o
trono). No entanto, cada reino da coalizão mantém conselho do Reinado se reúne é considerado neutro,
autonomia e o posto de monarca supremo não é independente de onde esteja fisicamente. Nesse caso, é
puramente hereditário. possível votar para derrubar um Rei-Imperador. Mesmo
Desde Wortar II, descendente do Rei-Imperador assim, presume-se que as leis de Deheon estejam
original, o sistema de governo e sucessão permanece valendo. Contudo, o Rei-Imperador (e apenas ele)
o mesmo. Primeiro há a questão do rei de Deheon, pode decretar que as leis de outro reino governem o
o Reino Capital. Antes de morrer, o monarca atual território neutro. Essa manobra inusitada dá margem
indica um sucessor. Normalmente esse sucessor é seu para truques legais e políticos. Thormy, por exemplo,
descendente direto (filha ou filho), mas pode ser um usou esse estratagema para fazer com que as leis do
parente mais distante. Contudo, quanto mais distante o Reino de Yudennach governassem o conselho e permitir
parentesco, menos direito o candidato possuirá, o que que ele desafiasse seu rival, Mitkov Yudennach, em

Roramira I, a Sentinela Roramar II, o Escudo Vallanna I, a Víbora que


Príncipe Druthar (1111-1180). Conhecida por Arcano (1139-1222). Mestre Ri (1173-1256). Uma
(1088-1113). Partiu em suas superstições e temores, abjurador e lutador conhecido mestra da intriga e das
uma busca para matar foi uma grande mecenas tanto por seus formidáveis conspirações palacianas, que
Mzzileyn, o Dragão-Rei das das artes mágicas, vivendo feitiços defensivos quanto seus detratores acusavam
Trevas, mas foi devorado rodeada de magas da corte. por seu físico de ferro. de ser uma sszzaazita.
pelo monstro. Regência: —. Regência: 1148 a 1180. Regência: 1180 a 1222. Regência: 1222 a 1256.

continua na página 50…

O Reinado
47
combate individual. Isso fez desmoronar toda uma teia Hoje em dia, intolerância, escravidão e outras
de intrigas que ocorria há anos e ameaçava derrubar práticas similares são consideradas crimes em todo
o Rei-Imperador. o Reinado, independente de acontecerem dentro ou
fora das fronteiras de um reino. A história já provou
Caso o rei de outra nação assuma o posto, essa
que passividade frente a isso não é garantia de paz,
nação se torna o Reino Capital. Na prática, é muito mais
muito menos de mudança. Assim, a coroa do Reinado
fácil e vantajoso para os demais reinos manter o rei de
exerce maior poder sobre cada nação.
Deheon no trono do Reinado. Caso o Rei-Imperador
viesse a se tornar o rei de outra nação, seria preciso Embora cada reino mantenha sua forma de go-
vernar seu próprio povo, existem algumas diretrizes
transferir toda a corte de Valkaria para uma nova cidade,
universais. Cada reino possui um rei ou governante,
que não contaria com a mesma estrutura e segurança
que está subordinado por um juramento de lealdade
do Palácio Imperial. Além disso, estrategicamente
à Rainha-Imperatriz. Todo o poder dentro do reino
é interessante que Deheon continue sendo o Reino
emana do rei — embora na prática isso seja ques-
Capital. É uma nação rica e militarmente poderosa —
tionável. Por sua vez, o rei conta com juramentos de
sem a obrigação moral de se manter justa e neutra em lealdade de seus nobres, que são senhores de nobres
disputas, poderia usar esse poder para oprimir outros menores e assim por diante. Todas as pessoas do
reinos. Paradoxalmente, Deheon fica sob controle Reinado estão ligadas a alguma outra pessoa por um
enquanto sua rainha é também Rainha-Imperatriz. juramento de lealdade, que pode ou não ser formal.
Apenas por nascer em um determinado local um
O Reinado É Igualitário plebeu automaticamente está jurado a obedecer ao
senhor da terra, enquanto o senhor automaticamente
Os reinos participantes da coalizão mantêm suas
faz um juramento de proteger seu novo súdito. Os
próprias leis, seus próprios costumes e seu próprio
plebeus mais humildes simplesmente juram lealdade
sistema de governo, o que inclui sucessão. Embora
a um baronete local, ao burgomestre de sua aldeia
o conjunto de regras que governa a relação entre o ou às autoridades de sua cidade. Nobres contam com
Reinado e cada um de seus membros seja extenso, uma cadeia complexa de lealdades (prestando jura-
há um princípio básico que guia tudo: o que acontece mentos a altos nobres, sendo servidos por cavaleiros
dentro das fronteiras é jurisdição do próprio reino. O e plebeus etc.). A Rainha-Imperatriz não se submete
que cruza fronteiras, ou que afeta outros reinos, fica a ninguém, mas tem um juramento de lealdade para
sob controle do Reinado. com todo o povo do Reinado. Em troca de seu posto,
Esse não é um sistema perfeito e sofreu modi- ela jura defender cada cidadão e liderá-los frente a
ficações recentes. Antigamente, quando Tapista era grandes ameaças e desafios.
membro do Reinado, isso significava que a escravidão Todos os juramentos são voluntários, ao menos
era tolerada pelos Reis-Imperadores, desde que ficasse em teoria. Isso significa que ninguém pertence a nin-
dentro das fronteiras. Essa atrocidade gerava incômodo guém no Reinado. Da mesma forma, os plebeus não
e revolta em muitos cidadãos do Reinado, mas seria estão presos às terras de seus senhores e os habitantes
impossível bani-la sem uma guerra. Inevitavelmente, de uma cidade podem deixá-la quando quiserem. Na
foi um conflito gerado pela prática da escravidão prática, esse tipo de mudança radical é muito difícil
que levou às Guerras Táuricas e à saída do reino dos para a maior parte das pessoas, sejam plebeus ou
nobres. Nem mesmo cavaleiros ou comerciantes
minotauros da coalizão.
ricos têm facilidade para abandonar tudo e começar
Outro exemplo eram as leis odiosas do antigo de novo em outro lugar, com novos juramentos.
Reino de Yudennach. Dentro de suas fronteiras, Apenas aventureiros costumam fazer isso. Assim, é
pessoas não humanas eram perseguidas e podiam comum que pessoas que desejam conhecer o mundo
até mesmo ser caçadas e assassinadas sem razão escolham uma vida de aventuras.
alguma. O reino era a principal ameaça ao poder de Aventureiros em grande parte estão fora do
Deheon e havia grande medo de que, no caso de uma sistema de lealdades e juramentos do Reinado. Tec-
intervenção do Reinado, Deheon perdesse o posto de nicamente estão jurados aos senhores e autoridades
Reino Capital e a intolerância se alastrasse pelo con- dos locais de onde vieram, mas logo se envolvem
tinente. Mais uma vez, um confronto era inevitável. A em novos juramentos (escolhendo morar em outro
Guerra Artoniana começou com a transformação de lugar, aceitando missões de nobres etc.) e podem
Yudennach na Supremacia Purista e o desligamento ascender para governar plebeus, recebendo seus
de seu território do Reinado. próprios juramentos. Em geral, isso é um processo

Capítulo Um
48
A Heráldica do Reinado
Gonfalão Coroa Imperial
Estandarte usado em Coroa da Rainha-Imperatriz
barra transversal que exibe Shivara enquanto
o brasão do Reinado. governante do Reinado.

Brasão de Deheon Símbolo Sagrado


O Rei-Imperador sempre As seis faixas entrelaçadas
foi o regente de Deheon, são um antigo símbolo da Igreja de
portanto o brasão do reino Valkaria, usado desde quando o rei
também é representado de Deheon também era o sumo-
no brasão da coalizão. sacerdote da Deusa da Humanidade.

Coroa Real Pavilhão


Coroa da Rainha- O pavilhão é
Imperatriz constituído de um
Shivara enquanto dossel do qual sai
governante de um manto bordado
Deheon. e franjado de ouro
que se abre como
cortinas. Ele é
usado em brasões
Suportes de soberanos como
a Rainha-Imperatriz
Figuras que Shivara e o
sustentam o escudo Dragão-Rei Sckhar.
de um brasão.
A bárbara e
o cavaleiro
representam
Elmo Real
uma parcela da Reis e príncipes
variedade dos usam um elmo
humanos criados dourado de viseira
por Valkaria e aberta e visto de
a extensão do frente em seus
território do brasões, enquanto
Reinado. os demais usam
elmos vistos a
três quartos de
perfil, abertos ou
fechados, de prata
ou de aço.
Medalha
da Ordem de As Sete Espadas
Wortar II do Reinado
A Imperial Ordem de Wortar II
foi criada pelo Rei-Imperador de As espadas representam
mesmo nome para consolidar as sete nações do
a expansão dos humanos Reinado: Deheon,
iniciada por seu avô, Wortar I. Bielefeld, Namalkah,
A condecoração é entregue a Lema de Deheon e do Reinado Wynlla, Ahlen,
grandes heróis do Reinado. Zakharov e a Pondsmânia.
A frase representa a ambição dos humanos em
superar os próprios limites e a vontade de levar o culto
de Valkaria para além das fronteiras de Deheon.

O Reinado
49
A Hospitalidade pois corrigem falhas no sistema de juramentos, já que
tiranos não estão sendo leais a seus senhores (por
Um costume amplamente praticado, mas descumprir os acordos ancestrais) ou a seus súditos
não codificado em leis, é a hospitalidade. (por não os proteger).
Ao encontrar uma fazenda ou taverna
Dentro de um reino, as mesmas leis valem
de beira de estrada perdida no meio das
para todos, ou deveriam valer. Um nobre não
extensões desabitadas do Reinado, um
pode assassinar um plebeu, da mesma maneira
viajante pode pedir abrigo ou pagar por
que um plebeu não pode assassinar um nobre. Um
uma noite sob um teto. Fazendeiros ou
aristocrata que simplesmente tome a propriedade
taverneiros podem se negar — mas, uma
vez que aceitem, entram num acordo tácito de um camponês será tão criminoso quanto um
de não fazer qualquer mal a seu hóspede. gatuno apanhado na sala do tesouro. A desigualdade
O hóspede, por sua vez, deve respeitar e que impera em muitas regiões faz com que esses
proteger o anfitrião e todos que estão sob o crimes nem sempre sejam punidos, mas a lei existe.
mesmo teto. Existem histórias de grandes Na verdade, caso todas as leis do Reinado fossem
inimigos que se encontraram por acaso cumpridas o tempo todo, a coalizão seria quase
na mesa humilde de um anfitrião e foram uma utopia. É irônico que muitos aventureiros que
forçados a conviver pacificamente. Afinal, se consideram “fora da lei” (pistoleiros, bárbaros,
nenhum deles seria tão desonrado a ponto ladinos…) em geral estão fazendo cumprir a lei,
de quebrar a tradição da hospitalidade e apenas porque corrigem injustiças!
erguer armas contra outro hóspede. Habitantes do Reinado têm diferentes razões para
cumprir a lei e obedecer às autoridades. Nos lugares
mais ermos e afastados, isso depende de ligações
informal — um aventureiro que está há meses pessoais entre povo e senhor de terras. Um nobre deve
morando numa aldeia e resolvendo os problemas sair de seu castelo e ser conhecido por seus súditos,
locais é considerado “parte da aldeia” sem que pois seu poder é baseado na confiança que emana de
precise se ajoelhar para alguém. Dentro de um sua pessoa ou de sua família. Quanto mais perto de
Reinado onde todos são livres, os aventureiros são grandes centros se chega, mais o povo respeita as
os mais livres de todos. instituições em si. O camponês que vive numa aldeia
isolada se considera súdito de um barão, mas um
O Reinado É Justo valkariano fala orgulhosamente de sua ligação com a
cidade, com o reino e com o Reinado como um todo.
Todo esse sistema de lealdades pode parecer um Alguns podem não gostar da Rainha-Imperatriz, mas
pesadelo opressor para pessoas que vêm de lugares respeitam seu posto e sua autoridade.
mais anárquicos, como Galrasia ou as Sanguinárias. No
O reconhecimento das instituições é especialmente
entanto, a lealdade mútua garante algo fundamental
importante em reinos e regiões que recebem muitos
para o Reinado: ninguém está acima da lei.
não humanos ou estrangeiros. A força dos brasões, das
Embora tenham privilégios e a força das armas, leis e da coalizão em si deve ser suficiente para garantir
nobres não podem fazer o que quiserem com seus que nenhum estranhamento superficial ameace os
súditos. As vidas dos plebeus não pertencem a eles e direitos de qualquer cidadão. Uma vez que seja aceito
abusos tirânicos podem ser denunciados a nobres mais como cidadão do Reinado, um recém-chegado tem
altos ou a heróis. Não é incomum que aventureiros todos os direitos daqueles que nasceram e cresceram
sejam contratados por plebeus para derrubar condes ou aqui, mesmo que seja um dragão, demônio ou alguém
barões que oprimem seu povo. Mesmo agindo contra o ainda mais esquisito. Obviamente, sendo uma coalizão
sistema de nobreza, esses aventureiros são aclamados, fundada por refugiados, o Reinado tem a política de

Phévio I, o Portador da Praga Thoran I, o Afogado Roramar III, o Rei de Vallanna II, a Rainha
(1198-1259). Um rei indolente (1225-1264). Um Alabastro (1229-1266). que Ouvia (1251-1325).
e pouco lembrado, exceto por beberrão e apostador Muito pálido e sempre Nascida cega, governava
sua estranha morte, após uma compulsivo. Boa parte de enfermo, passou a vida de uma biblioteca, ouvindo
crise interminável de soluços. seu governo foi executada entrevado em seu quarto livros narrados por servos
Iniciou o período agourento por conselheiros. e mal durou dois anos e notícias fornecidas
conhecido como a Praga dos Morreu em uma taverna. após assumir o trono. por seus fiéis bardos.
Reis. Regência: 1256 a 1259. Regência: 1259 a 1264. Regência: 1264 a 1266. Regência: 1266 a 1325.

Capítulo Um
50
aceitar todos os refugiados que pedem asilo. Em áreas A maior parte dos habitantes não vive em grandes
ermas, não há nenhum controle — as fronteiras não cidades, mas em fazendas e aldeias que se formam
são fortemente vigiadas e ninguém faz um censo. ao redor de castelos. Com raras exceções, os castelos
Nas capitais existe uma burocracia para conceder a dos nobres são abertos à população. Em seu pátio se
estrangeiros documentos de cidadania e acolhê-los realizam feiras e o povo é incentivado a vir prestar
como parte da rede de lealdades que une todos. homenagem a seu senhor, além de fazer solicitações
a ele. Apenas a parte mais interna dos castelos, onde
O posto de Rainha-Imperatriz não é ordenado
vivem o senhor e sua família, é fechada ao povo. Em
pelos deuses. Assim, a autoridade moral vem da
caso de grandes ameaças, o povo abandona as fazendas
crença da população no próprio Reinado. Para que e aldeias, reunindo-se sob a proteção das muralhas
essa crença continue existindo, o Reinado precisa do castelo. Isso não é garantia de sobrevivência —
continuar valendo a pena. Proteger todos e fazer valer muitas vezes essa fortificação está distante demais
as leis não é apenas idealismo — é algo fundamental ou inacessível por outra razão. Também há nobres
para a sobrevivência da coalizão. covardes e mesquinhos que fecham suas portas e
renegam suas responsabilidades. Além disso, muitas
O Reinado é perigoso aldeias se formam tão longe dos domínios de seu
senhor que seus habitantes nem mesmo pensam
Todos os princípios de justiça, igualdade e to-
em recorrer a ele, preferindo contratar grupos de
lerância que existem no Reinado significam apenas
aventureiros errantes. Mas, no ambiente ermo e rural
uma coisa: vale a pena lutar por ele. E é preciso lutar
da maior parte do Reinado, um castelo é um bastião
muito, pois o Reinado está sempre sob algum tipo de
de civilização e um farol de liderança.
ameaça. Na verdade, sob vários tipos!
A primeira linha de defesa da coalizão é o Exército
Com toda sua vastidão, o Reinado não é plena-
do Reinado, a força reunida por Shivara para enfrentar
mente civilizado. Muitas vezes a viagem até a aldeia a Tormenta. No entanto, o exército é apenas isso —
mais próxima é uma jornada de dias ou semanas. um exército. Suas batalhas gloriosas e seus triunfos
Existem estradas com marcadores de distâncias épicos são apenas parte das histórias contadas por
e até mesmo postos de guarda, mas a maioria do bardos. As outras são sobre heróis aventureiros. Sem
território é composta de planícies intocadas, florestas a interferência de heróis, o Reinado desmoronaria…
densas e montanhas inclementes. Nesses lugares, e, com ele, a ideia de que diferentes reinos podem
qualquer colina pode esconder monstros, criminosos se unir na defesa do que é correto. Ironicamente, a
ou vilões. Viajar é arriscado. Plebeus solitários só diminuição do Reinado significou que quase todas
empreendem grandes jornadas em último caso. Mais as nações contrárias a esses valores se desligaram,
comum é que as pessoas se juntem a caravanas e/ tornando a parte ideológica da aliança ainda mais sólida.
ou contratem grupos de heróis para escoltá-las. A
Seja um nativo da coalizão, um imigrante ou
primeira missão de muitos aventureiros iniciantes apenas alguém de passagem, todo aventureiro dentro
é acompanhar um comerciante até o mercado mais do Reinado sente sobre si um peso, uma responsa-
próximo… E eles quase sempre descobrem que não bilidade e uma honra. A Rainha-Imperatriz Shivara
há nada de simples nessa tarefa. está, direta ou indiretamente, contando com heróis
Viajantes se deparam com locais e fenômenos que acreditem no Reinado. E, em troca, o Reinado
estranhos o tempo todo. A torre de um necromante, acredita neles.
uma área de magia selvagem descontrolada, um
templo sszzaazita, um lago ácido ou uma floresta
tomada por fungos hipnóticos podem existir em
qualquer lugar. Há muito espaço para que o mal e a
selvageria se escondam.

Philydio I, o Tranquilo Thormy I, o Último Pruss Shivara I (1375-).


Príncipe Phévio II (1298-1364). Regente (1343-?). Enfrentou todo Princesa guerreira de
(1276-?). Herdeiro do justo e ponderado, tipo de problema, da queda Trebuck, liderou o Exército
trono, abandonou suas governou durante um do Paladino de Arton à do Reinado na primeira
obrigações para viver nos período de relativa chegada da Tormenta. batalha contra a Tormenta
ermos, como um druida tranquilidade. Teve Entregou-se como refém para e derrotou os puristas no
de Allihanna. Seu destino apenas um filho, Thormy. encerrar as Guerras Táuricas. Cerco a Valkaria. Regência:
é incerto. Regência: —. Regência: 1325 a 1364. Regência: 1364 a 1406. 1406 até o momento.

O Reinado
51
Deheon O REINO C APITAL

A História
Terra da Bem-Aventurança. Mãe das
Mil Caravanas. O Coração de Arton.
Inúmeras são as alcunhas da nação Deheon é um país acolhedor, mas repleto de
fundadora do Reinado. Dentro da contradições. Contém desde centros urbanos super-
atípica fronteira circular que a delimita, seu povoados até aldeias em ermos perigosos. Viver em
território é cortado por estradas e aquedutos seu território vibrante e colorido pode ser muitas
indo em direção à sagrada metrópole de coisas, menos monótono. E, como qualquer nação que
enxerga a si mesma como centro de poder e riqueza,
Valkaria. Tanto feudos fortificados quanto
este é um lugar repleto de segredos.
aldeias independentes saltam aos olhos, entre
bosques, colinas, campos de grãos e pastos O passado do reino se confunde com o do Reinado
verdejantes. Graças à importância político- e de sua capital. No centro de um fértil vale entre dois
rios, hoje chamados Fortitude e Nerull, foi erguida
religiosa da capital no meio do reino, além da
a cidade sagrada de Valkaria. O local escolhido pelos
forte economia baseada em agropecuária e na refugiados do continente sul para fundá-la teve uma
produção de todo tipo de manufatura arcana, motivação religiosa: ali ficava a colossal estátua da
Deheon é considerado o centro do mundo para Deusa da Humanidade com os braços erguidos ao
as muitas culturas que o habitam. E um bom céu, abençoando todos que desejassem abrigar-se
lugar para morar. sob sua sombra.
Aqui, mesmo o mais pobre camponês não passa Embora os peregrinos não soubessem disso, aquela
por grandes privações, existindo em segurança. Ou era a forma pétrea da própria deusa que os criara.
pelo menos com a maior estabilidade possível em A estátua servia como âncora para uma masmorra
um mundo onde exércitos marcham sobre a terra, interdimensional onde a essência de Valkaria fora
vilões criam planos malignos e mesmo os deuses não aprisionada após a trágica Revolta dos Três. No futuro,
têm suas vidas garantidas. Essa opulência mudou caberia à humanidade encontrar uma forma de acessar
durante a Guerra Artoniana, quando a capital foi esse labirinto e resgatar a própria criadora, provando
sitiada e o interior, saqueado. Ainda assim, o padrão ser capaz de vencer seu desafio.
de vida deheoni costuma ser superior ao da maioria A primeira noção de um reino no novo continente
dos reinos artonianos. Acima de tudo, este é um surgiu quando, aproximando-se de Valkaria, Roramar
lugar de oportunidades e esperança — tendo sido por Pruss descobriu que era capaz de operar milagres.
séculos a morada da própria Deusa da Aventura, algo Como o primeiro clérigo lamnoriano da Deusa da
na terra de Deheon parece impulsionar as pessoas Humanidade em séculos, ele foi exaltado e coroado.
a ser mais ousadas e valentes, a partir em busca de Ainda não se sabia qual seria o reino, mas todos
seus sonhos e desejos. A ir mais além. gritavam o nome do Rei Roramar I.

O Reinado
53
Mas como Valkaria passou de uma estátua e um os tabrachi, um povo-sapo que vive no peçonhento
local de peregrinação a uma metrópole? Dizem que Pântano dos Juncos, o culto matriarcal das medusas
Deheon começou com “uma fonte e um templo”, na Floresta dos Basiliscos e os míticos soldados
as primeiras construções simbólicas de um povoado. mortos-vivos vagando pela sombria Desolação.
A fonte foi um dos muitos milagres realizados Sem ainda ter travado contato direto com todos
pelo lendário Rei Roramar. O líder dos exilados teria os nativos dessas terras e desconhecendo sua cultura,
conjurado uma coluna de água gélida das entranhas os membros da Caravana dos Exilados foram conside-
da terra, que logo se converteu em uma nascente para rados invasores por alguns destes povos e atacados.
saciar milhares de exilados lamnorianos assentados Sem ter como voltar atrás, precisaram se defender.
próximos à estátua. Nas décadas seguintes, os povo- Como já vinha acontecendo, tiveram relações pacíficas
adores tomariam para si a missão de construir canais com outros. Houve também povos que preferiram
e aquedutos a partir dos rios vizinhos, regando com evitá-los e ignorá-los.
vida a cidade predestinada a superar todas as outras.
Após os primeiros anos do assentamento, graças
Já o tal templo — erigido de frente para a divin- aos esforços diplomáticos dos clérigos de Marah, Tan-
dade e consagrado em seu nome — seria a semente na-Toh e Valkaria, as hostilidades de ambos os lados
do que viria, séculos mais tarde, a ser reestruturado cessariam. Ao ver que o assentamento nas proximida-
por anões e convertido no Palácio Imperial. Foi ao des da estátua não despertava a ira divina, muitos clé-
redor desse templo que partiram com timidez os rigos nativos interpretaram isso como um bom sinal.
muros primordiais da vila: toscas e rudimentares O fato de um povo vindo de um continente longín-
paliçadas. Este início pode não ter sido uma visão quo cultuar uma deusa local também serviu para fazer
tão impressionante. No entanto, foi assim que, sob uma ponte entre as culturas. Comércio já tomava lugar
a proteção de Valkaria, a Deusa dos Heróis, nascia entre nortistas e sulistas, e muitos ramnorianos, com
Valkaria, a Capital do Mundo. o tempo, acabaram se mudando para junto da está-
Um lugar tão importante merece ser apresentado tua e fundindo-se ao núcleo de povoadores. Com a
em detalhes. Assim, a cidade de Valkaria é descrita expansão constante do povoado, aldeias mais distan-
em sua própria seção (veja a página 68). O reino, no tes foram englobadas, tornando-se então bairros e
entanto, não se resume à capital. distritos. Surgia a multifacetada identidade deheoni.
Não se sabe a origem da palavra “Deheon”. Alguns
De acampamento de especulam que seria um termo num idioma local,
refugiados a reino-mor outros garantem que era o nome de um antepassado
de Roramar. Um dos boatos mais interessantes diz
Relatos de antigos cronistas podem fazer crer
que é uma palavra sem significado, algo que apenas
que Deheon era um lugar vazio, no meio do nada,
soa como pertencente a vários dialetos do norte e do
apenas esperando para ser clamado pelos povos do
sul — mais uma manobra genial do primeiro rei. Seja
sul. Embora a capital realmente tenha sido erguida
como for, o termo nunca parece ter sido contestado.
do zero e boa parte do vale fosse despovoada, havia
Ainda durante a vida de Roramar, tanto refugiados
um motivo para estar assim.
quanto habitantes originais passaram a usar “Deheon”
Humanos nativos da região cultuavam a deusa para descrever a terra onde agora viviam.
petrificada Valkaria, mas seus costumes e crenças eram
O Rei Roramar delimitou os limites de seu domínio
bastante diferentes entre si. Alguns, como os antigos
segundo o poder divino da deusa que o guiara desde
palídoros, acreditavam que aquelas terras deveriam
a infância. O novo reino teria uma fronteira circular,
ser deixadas para sempre intocadas. Outros, tais quais
marcada pela distância onde o próprio rei e os demais
os gormaor e os houhynn, enxergavam a estátua como
sacerdotes de Valkaria perdiam o contato com sua
o cárcere de uma força que poderia um dia despertar,
padroeira. Assim, Deheon nascia como uma nação
pisoteando tudo em seu caminho. Melhor ficar longe!
predestinada, uma terra desenhada pela vontade divina.
Os orgulhosos odassi usavam as colinas próximas à
O novo lar que os lamnorianos buscavam e uma grande
estátua para seus cemitérios destinados a combatentes
transformação na vida dos povos originais de Ramnor.
de valor vencidos em batalha, enquanto clãs como
os dohanni, os neruscos, os selenitas e os villeus Uma nova contribuição valiosa ao assentamento
não hesitavam em atravessar os rios da região para viria das Amazonas de Hippion, uma nação de
caçar, pescar, orar ou travar guerras com outros povos, humanas guerreiras das pradarias do norte. Perseguindo
acabando por estabelecer entrepostos temporários seu mito de origem, elas peregrinavam a cada cinco
no terreno. Havia ainda tribos de humanoides como anos de volta a Deheon para rever sua terra mãe.

Capítulo Um
54
A rainha das Amazonas, Yvanna I, casaria-se com
Roramar, após ajudar o monarca clérigo a derrotar um
ataque de Teldiskan, o Gigante Máximo. Selaria assim
uma aliança com os deheoni. O gigante acabou banido
para as montanhas que receberiam seu nome, onde até
hoje existe um templo erguido por essas peregrinas.

Mais além
Seguindo sua natureza insatisfeita, os humanos
na cidade de Valkaria não permaneceram todos aos
pés da estátua da deusa. Muitos partiram em busca
de novas terras e aventuras.
De Deheon saíram diversas expedições que cos-
turaram a tênue união entre as nações humanas do
norte. Daqui partiram as caravanas de heróis como
o desbravador Cyrandur Wallas, que atravessou as
Montanhas Uivantes, e a do ávido cavaleiro Thomas
Lendilkar, conquistador das terras do futuro reino de
Bielefeld. Também foi o ponto de origem de facções Deheon
descontentes, como aquelas lideradas pelo honrado
paladino do sol Morkh Amhor, a pérfida família Nome Oficial: Sacro Reino-Capitânia
Yudennach ou a trágica e desafortunada Caravana de Deheon.
sem Deuses. As políticas do filho e herdeiro político Lema: “Mais Além”.
direto de Roramar, o Rei-Imperador Wortar I, tiveram
Brasão: de prata a estátua de Valkaria
papel decisivo nessa expansão, levando ao contato com
de sua cor.
outras sociedades do continente de Ramnor.
Gentílico: deheoni.
Sobre as mesmas antigas trilhas do norte que
essas incursões seguiram, surgiriam depois as estradas Capital: Cidade de Valkaria.
que se tornaram o principal itinerário comercial do Forma de Governo: monarquia eletiva.
continente. Ainda hoje os caminhos centenários
Regente: Sua Majestade Real Imperial
continuam vendo uma boa quantidade de trânsito,
Shivara I do Reinado.
com comboios de carroças protegidos por heróis. Por
esses trajetos são encontrados os múltiplos vilarejos População: 6.450.000.
e feudos que compõem aquele que hoje é um dos Raças Principais: humanos, goblins,
reinos mais prósperos de Arton. anões, elfos, hynne.
Longe delas, Deheon continua abrigando monta- Divindades Principais: Valkaria,
nhas e bosques profundos, ocultando monstros e ruínas Khalmyr, Tibar, Azgher, Hyninn, Lena,
misteriosas da era pré-povoamento. Vale notar: mesmo Lin-Wu, Marah, Thyatis, Tanna-Toh, Wynna.
aquele que é chamado de centro da civilização por
muitos habitantes do Reinado tem até hoje territórios
onde existem ermos indomados e famintos. Mas esses
lugares passariam a coexistir com a ruidosa metrópole
pulsando como um coração no centro do reino. Com deheoni em uma guerra civil — o triste prenúncio
o explosivo crescimento do centro populacional de daquilo que viria, séculos mais tarde, a ser o maior
Valkaria, no decurso do tempo, novos muros eram conflito já visto pelos artonianos. Este primeiro con-
erguidos, cada vez mais grandiosos, impenetráveis e fronto foi estancado, mas não seria nem a primeira
distantes da estátua da deusa.
nem a última atribulação tumultuando o Coração de
Deheon cresceria junto. Mas tampouco seria o Arton. Em 1381 aconteceu o infame Dia dos Gigan-
único a se expandir. tes, a batalha de dois colossos vindos de outra dimen-
O Reino de Yudennach, liderado pela família de são, que se digladiaram por Valkaria, destruindo edi-
mesmo nome, começou uma campanha de conquis- fícios e pisoteando transeuntes! Este evento não só
tas militares em 1075, culminando na imersão dos marcaria a primeira aparição do vilão Mestre Arsenal,

O Reinado
55
As Amazonas de Hippion como deixaria uma marca funda no caráter deheoni:
por fora, a imagem de gente aguerrida, acostumada a
Separados do resto da sociedade, grupos lidar com catástrofes e dar de ombros diante de situ-
de mulheres guerreiras treinam e vivem ações absurdas. Por dentro, as feridas emocionais de
sob suas próprias regras. São as Amazonas quem sofreu inúmeras perdas e tem a certeza de ser
de Hippion, um dos povos originários de uma mosca em meio a toda sorte de entidades pode-
Ramnor, hoje conhecida como Arton Norte. rosíssimas que povoam a Criação.
Foram uma das primeiras civilizações a Quando, em 1401, a Deusa da Humanidade foi
receber a Caravana dos Exilados que veio de finalmente solta de seu cativeiro, houve euforia. Um
Lamnor, estabelecendo um contato pacífico grupo de heróis conhecidos como os Libertadores
com os recém-chegados. recebera uma pista encontrada pelo sumo-sacerdote
Não se sabe quando este povo se originou, de Valkaria, Hennd Kalamar, após salvá-lo de cultistas
mas sua história remonta a tempos sszzaazitas. O devoto descobriu como adentrar a está-
míticos. Os registros mais antigos já tua da deusa e o grupo prosseguiu para lá, vencendo
falam de uma sociedade reclusa, composta os desafios de vinte labirintos arquitetados pelas
unicamente de mulheres que caçavam e divindades do Panteão. O que encontraram no último
guerreavam sobre cavalos. As amazonas deles até hoje é objeto de histórias e especulação, mas
sempre tiveram um grande vínculo com a verdade é só uma: Valkaria estava de volta.
esses animais e sempre prestaram respeito Com o retorno da Deusa da Humanidade, seus
a Hippion, o Deus Menor dos Cavalos, clérigos estavam livres para viajar aonde quisessem,
em conjunto com sua mãe e padroeira sem perder seus poderes. Naquele momento,
Valkaria. Embora o povo original conhecido o otimismo do povo deheoni era ilimitado, as
como “amazonas” seja humano, estas pessoas acreditavam em um amanhã no qual tudo
guerreiras sempre aceitaram mulheres de era possível. Só com a futura ascensão de Valkaria
todas as raças que buscassem segurança à liderança do Panteão, 16 anos depois, voltariam
e liberdade, especialmente as que fogem a experimentar tal sentimento.
de sociedades opressoras. Ultimamente,
A verdade é que a mudança de dogmas com a
dahllan órfãs têm sido comuns entre
libertação significava que agora uma boa parte do
aquelas que buscam abrigo neste povo. clero, antes dedicada a vigiar dentro de Deheon e
As amazonas não fazem distinção entre ajudar a população comum com suas curas mágicas,
tipos de mulheres — todas podem ser agora precisava se deslocar continuamente, pregando
aceitas em seu meio, mesmo as que a palavra em lugares distantes. Um alento para os
demoraram para perceber que o são. fiéis, mas uma perda sentida pela população comum.
Quando uma delas tem um filho homem, E mais tragédias estariam por vir.
entrega-o para ser criado pelo pai ou
deixa-o em templos de Valkaria. Não
obrigam meninas nascidas entre elas a ficar, Dois cercos
mas cobram excelência e coragem daquelas Tempos sombrios trouxeram um obstáculo à
que escolhem fazer parte. Ser uma amazona prosperidade de Deheon. Embora desde sua fundação
é uma honra a ser conquistada, não apenas a capital tivesse testemunhado eventos grandiosos, até
um acaso de nascença. aquele momento nunca havia de fato experimentado
os horrores de um conflito prolongado.
Hoje, as amazonas vivem em povoados
temporários ao redor de Arton, onde Em 1406, uma série de incidentes diplomáticos
sobrevivem da agricultura e da caça. São com a República de Tapista, que então era membro do
nômades, existindo em um lugar por algum Reinado, levaria as legiões dos minotauros aos portões
tempo, então partindo em seus cavalos para de Valkaria sob a liderança do princeps Aurakas
outro povoamento vazio e permitindo que e, após um curto período de cerco, essas tropas
outro grupo de amazonas ocupe o território venceriam os muros. O Rei-Imperador Thormy,
que acabaram de deixar. último descendente da orgulhosa dinastia roramariana,
se entregou como refém para impedir uma guerra
total e um banho de sangue. Abdicou em favor de
(Continua…) Shivara Sharpblade, então rainha de Trebuck, que
foi apontada como sua sucessora e eleita.

Capítulo Um
56
Seguiria-se a desintegração parcial do Reinado, As Amazonas de Hippion (cont.)
com os reinos do oeste anexados pelo Império de
Tauron — ou, como dizia a infame profecia da Flecha Isso é tradicionalmente uma tática de
de Fogo: “Um rei partirá sua coroa em duas”. Mas isso sobrevivência, já que várias amazonas
era apenas o prenúncio de um conflito maior. Pois, de eram fugitivas de suas terras de origem
acordo com essa mesma premonição, um dia, a guerra — fixar raízes em um lugar soa como
tomaria a tudo e a todos. vulnerabilidade para elas. Isso também as
torna perfeitas devotas de Valkaria, a ponto
Foi o que aconteceu com o advento da Guerra
de algumas sacerdotisas afirmarem que o
Artoniana.
nomadismo foi incutido profeticamente
Estes foram os Anos do Maremoto, quando o neste povo, em preparação à libertação da
trono deheoni permaneceu vazio. Com o desapareci- deusa. Todas as amazonas são treinadas
mento da Rainha-Imperatriz, Deheon foi governado em combate, pois sua sociedade ensina
pelo Pequeno Conselho de Valkaria, um grupo que devem estar prontas a lutar por sua
de nobres e cortesãos. Eram regentes, mas não liberdade e seus costumes a qualquer
governantes imbuídos de legitimidade. momento. Podem combater com qualquer
A nação inicialmente hesitou em avançar contra tipo de arma, mas são particularmente
a ameaça do Exército Purista. Quando o fez, foi boas com arcos, azagaias e lanças,
tarde demais. Atraída para uma armadilha junto aos defendendo seu território à distância
cavaleiros de Bielefeld, teve um imenso número de quando atacadas.
tropas massacradas na Batalha do Baixo Iörvaen. A tradição de casamento entre a rainha
Após esse revés, os puristas ganharam território. O que amazona e o rei de Deheon faz com
outrora parecia impensável aconteceu uma segunda que tenham status especial neste reino,
vez: a capital foi sitiada. sendo consideradas cavaleiras (ou seja,
Esse cerco não durou dias nem mesmo meses: parte do nível mais baixo da nobreza)
arrastou-se por anos. A capital só sobreviveu devido automaticamente. Isso provoca asco nos
à presença de heróis épicos que conjuravam milagres nobres mais arrogantes de Deheon, mas
para sustentar a população, enquanto mantinham as quase nenhum tem coragem de contradizer
armas de guerra inimigas sob a mira de poderosas uma doutrina tão arraigada — ou de expor
magias e golpes avassaladores. Ainda assim, muitos suas opiniões frente a uma amazona.
setores da cidade foram danificados.
O interior sofreu ainda mais. Habitantes de vilas
e feudos que não conseguiram recuar até a seguran-
ça dos muros de Valkaria foram presos e torturados.
Anões, elfos, goblins e membros de qualquer povo
Geografia
não considerado “puro” pelos supremacistas foram A maior parte do reino possui clima subtropical,
executados ou entregues a seus aliados finntroll para bastante propício a lavouras e pecuária — o motor
serem escravizados. A mesma pena valia para quem econômico do interior de Deheon. No oeste, porém,
ajudasse esses prisioneiros. a proximidade com as Uivantes torna a região
sujeita ao frio mágico que emana dessas montanhas.
Uma verdade incômoda é que alguns nobres e
Nessa região, há florestas temperadas e os invernos
burgomestres deheoni se aliaram ao invasor purista,
costumam ser rigorosos, com a presença de nevascas
seja por conveniência, seja por partilharem de sua
que mantêm os habitantes trancados em casa por
crença herética. Os campos foram queimados e
salgados quando a Supremacia foi vencida e recuou. longos períodos. A atividade rural cessa, mas, quando
As terras só voltaram a florescer graças à interferência precedido por colheitas fartas, isso não costuma ser
direta de Lisandra, a sumo-sacerdotisa de Allihanna, um incômodo aos camponeses, que têm nessa época
e outros druidas poderosos. do ano mais tempo para dedicar à família.

Hoje, com o retorno da Rainha-Imperatriz A fronteira do reino é algo único. Demarcada por
Shivara I ao trono, políticas de reocupação e monólitos patrulhados por cavaleiros, ela possui o
reconstrução dessas terras têm sido colocadas em formato de um círculo (exceto por uma pequena re-
andamento. Aos poucos, o reino está voltando a ser gião irregular). Esse era o ponto onde, antes da liber-
verde e próspero, embora as cicatrizes dos últimos tação da deusa, o Rei Roramar perdia seus poderes de
conflitos ainda marquem os campos de Deheon. clérigo, por se afastar demais da estátua de Valkaria.

O Reinado
57
“O casamento do Rei Roramar I com a Rainha deparar com seres como goblins ou trogs bandoleiros,
Yvanna das Amazonas marcou uma amizade não é raro avistá-los vivendo em meio a aldeias
eterna entre as duas nações, que ainda assim bucólicas construídas em volta de rodas d’água. Com
sempre mantiveram sua independência. a devastação causada pela ocupação purista, muitos
Vários descendentes da linhagem roramariana têm optado por se mudar para o campo, aceitando
desde então casam-se com chefes amazonas. incentivos em terras e ouro, oferecidos pela coroa para
Isso, além de reencenar a batalha contra o o repovoamento do interior.
Gigante Máximo, cumpre um objetivo mais
Mesmo em pequenas aldeias os habitantes de
pragmático: demonstrar que Reis-Imperadores
Deheon são pouco provincianos ou supersticiosos.
e Rainhas-Imperatrizes, ao desposar
Magia ou seres exóticos podem ser tratados com certa
governantes de um povo nômade, não estão
curiosidade, mas dificilmente enfrentarão qualquer
ligados formalmente a nenhum outro reino.
tipo de comportamento hostil. Mesmo criaturas
Evitam assim demonstrar favoritismo a
uma das outras nações que fazem parte da como golens e osteon são hoje cidadãos protegidos
coalizão, adotando uma posição conciliatória pela lei da Rainha-Imperatriz Shivara I. Apesar dessa
que os manteve no poder durante muitos anos, tolerância, existem setores mais sectários em algumas
mesmo dentro do sistema monárquico eletivo camadas da população, especialmente entre nobres
proposto por Wortar II. De fato, embora não com alguma ligação com a Supremacia ou Zakharov.
arbitrem sobre a soberania de outros membros E os lefou — os filhos da Tormenta — ainda lutam
do Reinado, monarcas-imperiais desempenham para encontrar lugar e aceitação, mesmo dentro dessa
o papel de mediação dos diversos membros sociedade cosmopolita.
da aliança, e em tempos de guerra lideram os Os deheoni valorizam a independência e priorizam
reinos signatários do pacto…” o trabalho. Casamentos, além de afeto, têm motivações
— Aelia de Ridembarr, cronista econômicas e práticas, como dividir despesas ou fazer
e autora de A Linhagem Roramariana alianças entre as famílias dos cônjuges. As cerimônias
costumam ser celebradas pelas igrejas de Khalmyr,
Lena ou Marah, ou de acordo com as devoções dos
Ao nordeste, em tempos atuais essa fronteira noivos. Curiosamente, como devotos de Valkaria
também é abruptamente cortada pela Garganta do não podem se casar, a igreja da Deusa da Ambição
não costuma se envolver nessas cerimônias. Os
Troll, surgida durante a última grande guerra e um
casamentos ocorrem normalmente entre pessoas de
dos marcos históricos desse conflito. Além dela ficam
qualquer sexo ou gênero, podendo englobar dois, três
as terras da Supremacia Purista, uma potência militar
ou mais noivos, embora os tradicionalistas clérigos
hostil. Ao norte, Deheon faz fronteira com Zakharov,
de Khalmyr ainda torçam o nariz para casamentos
o Reino das Armas. Ao sudeste, com Wynlla, o Reino
entre mais de dois participantes.
da Magia. Ao sudoeste, com Ahlen, o Reino da Intriga.
Ao oeste, com as Uivantes. E, ao sul, com as Ruínas O povo demonstra comportamento reservado
de Tyrondir. Em teoria, apenas essa última fronteira e apressado no dia a dia. Um deheoni dificilmente
é perigosa — das Ruínas, eventualmente surgem interrompe seus afazeres para oferecer ajuda a alguém,
batalhões duyshidakk ou bandos de saqueadores a menos que lhe peçam. Permitem-se relaxar apenas
humanos. Contudo, nenhum deheoni sensato confia durante o frio, em casa ou bebendo em tavernas,
muito em seus vizinhos de Ahlen e mesmo de Wynlla o centro da vida social e comunitária. Em tais
pode surgir alguma ameaça mágica. estabelecimentos, cartazes com ofertas de trabalho
(incluindo missões para aventureiros) são comuns
nas paredes e murais.
Povo & Costumes Devido à enorme quantidade de eventos históricos
envolvendo Deheon e à presença de incontáveis
Deheon tem enorme diversidade: gente pertencen-
heróis na capital, quase todo deheoni tem alguma
te a qualquer raça, povo e cultura pode ser encontrada
história épica envolvendo a si mesmo ou sua família.
aqui. O reino conta tanto com centros urbanos agitados
Talvez sua mãe tenha vendido uma carroça cheia de
quanto com povoados em ermos remotos.
presuntos a Klunc, talvez seu avô tenha morrido
Há monstros errantes que se reproduzem como na vila de Kham. Os deheoni adoram impressionar
praga em fazendas e bestas atrozes longe das rotas estrangeiros com esses relatos, agindo como se tais
principais. Mas, ao viajar por estradas, em vez de se acontecimentos fossem “normais” no reino.

Capítulo Um
58
Os jovens costumam deixar seus lares aos 15 entre as nações e assuntos envolvendo a aliança
anos para “se aventurar”. Seja isso entendido como como um todo. Sendo assim, o interior do reino é
perseguir a carreira de um herói andarilho, seja administrado pelos Cinco Grandes Duques, altos
conseguir trabalho como aprendiz nas guildas das nobres e vassalos diretos da rainha. Há um Grande
grandes cidades. Duque para cada ponto cardeal, mais o Grande Duque
do Vale, responsável pela região central de Deheon,
Sem grandes surpresas, Valkaria é a principal
entre os rios Nerull e Fortitude (mas sem autoridade
divindade venerada no reino. Em segundo lugar vem
sobre a capital). Abaixo dos Cinco Grandes Duques
Khalmyr, o Deus da Justiça, seguido por Lena, a Deusa
há pequenos nobres (barões ou condes de pouco
da Vida, e Tibar, o Deus Menor do Comércio. São
poder) que lideram terras habitadas por plebeus, ou
comuns ainda devotos de Azgher, Hyninn, Lin-Wu,
burgomestres de vilas e pequenas cidades.
Marah, Thyatis, Tanna-Toh e Wynna. Seguidores de
Allihanna, Arsenal, Thwor, Megalokk, Kallyadranoch
e Tenebra são incomuns, mas podem ser encontrados
em pontos isolados. Cultistas de Sszzaas e Aharadak Um jovem aventureiro
são muito raros, mencionados apenas em boatos e deheoni parte em sua
temidos pela população geral. primeira busca

Governo
Quem governa Deheon por tradição também
governa a capital Valkaria e o próprio Reinado,
embora o monarca quase nunca exerça seu poder
sobre a cidade e não necessariamente seja aceito
como Rei-Imperador. A autoridade emana da coroa
da Rainha-Imperatriz cercada de vassalos, que por sua
vez têm seus próprios vassalos e assim por diante.
Em tese, quem senta no trono detém todo o poder.
A verdade é um pouco mais complexa.
A Rainha-Imperatriz atual é Shivara I, natural
do antigo reino de Trebuck, nascida na família
Sharpblade. Considerada uma das maiores heroínas
do mundo, Shivara foi aventureira e assumiu o trono
de seu reino natal ainda jovem. Quando Trebuck foi
atacado pela Tormenta, Shivara intercedeu com o então
Rei-Imperador para criar o Exército do Reinado,
uma das maiores forças de união e estabilidade
do continente. É impossível imaginar o que teria
acontecido ao Reinado sem a iniciativa de Shivara. A
rainha se casou com o Príncipe Mitkov Yudennach,
travando uma aliança crucial, apesar de odiá-lo. Quando
este foi banido, Shivara passou a governar também
o Exército com uma Nação, embora por um curto
período. Quando o Rei-Imperador Thormy abdicou em
seu nome, nenhum nobre ousou contestar a decisão.
Arton como um todo gritava o nome de Shivara.
Mas Shivara não é onipresente e decisões
envolvendo Deheon muitas vezes acabam
tendo baixa prioridade, enquanto ela
lida com ameaças ao continente, ao
mundo ou aos reinos dos deuses… A
Rainha-Imperatriz se ocupa, na maior
parte do tempo, de missões diplomáticas

O Reinado
59
Locais Importantes A cidadela é governada pelo Arquiduque Mare-
chal Sir Bradwen Lança Dourada, comandante
do Exército do Reinado. Porém, devido às inúme-
Valkaria (Capital) ras obrigações do Arquiduque, ele muitas vezes não
A metrópole no coração de Deheon é a maior está no local e deixa a administração a cargo do cas-
cidade do mundo conhecido, onde tudo pode existir. telão Lovhar Vorillo Ghastis, seu homem de con-
Veja sua descrição completa na página 68. fiança. A Condestável Liamenor também pode ser
encontrada aqui em certas ocasiões, quando não está
Villent, patrulhando o restante da fronteira.

a Cidade-Muralha Pequena Colina


Villent situa-se na fronteira com a Supremacia
Purista e é a primeira e principal linha de defesa contra Uma das maiores comunidades hynne fora das
os batalhões puristas. Repúblicas Livres de Sambúrdia, abriga cerca de 2.000
desses seres e fica a poucos dias da capital. Pequena
Construída por engenheiros anões, Villent nasceu
Colina fica no trajeto de quaisquer viajantes que venham
como uma cidadela mineradora. Mas, por conta de
de Valkaria pelo sul e, antigamente, poucos deixavam
sua localização estratégica, ao longo dos anos recebeu
de aproveitar a hospitalidade hynne, relaxando em
muralhas cada vez mais altas e espessas. Durante
suas confortáveis estalagens, deliciando-se com sua
a Guerra Artoniana, foi sitiada, mas jamais caiu.
Após o conflito, grandes esforços foram dedicados comida farta e divertindo-se em suas festas. O topo da
à expansão dos muros, que cresceram mais e mais, colina abriga o Templo da Alegria, onde louvam-se
até engolir a cidadela! Villent se tornou uma cidade- as deusas Lena e Marah.
muralha — todas as casas, tavernas, oficinas, templos Porém, desde a guerra há poucas notícias do lugar.
e outros prédios existindo dentro das paredes, em A verdade é que Pequena Colina está presa em um
túneis claustrofóbicos. feitiço planar poderoso, removida do fluxo do tempo. O
Apesar de sua geografia peculiar, Villent é a responsável teria sido Hyninn, o Deus da Trapaça: ele
segunda maior cidade do reino, atrás apenas da capital. protegeu os hynne durante uma incursão de soldados
Abriga uma grande guarnição do exército, o que atrai puristas, mas então vingou-se por nunca ter sido a
muitos mercadores e outras pessoas interessadas em divindade principal do lugar! Como resultado, todos
oferecer serviços aos soldados. Além disso, as minas os habitantes estariam agora presos para sempre na
originais continuam funcionando e extraem boa parte mesma data: o chatíssimo aniversário do prefeito. O
dos metais utilizados no reino. dia sempre termina com o ataque dos puristas e, na
manhã seguinte, não importa o que aconteça, tudo
Villent fica próxima à Garganta do Troll. Assim,
volta à estaca zero e os eventos se repetem.
além de defender a superfície contra a Supremacia,
as tropas da cidade vigiam passagens subterrâneas Um avatar do próprio Deus Trapaceiro perambula
do gigantesco desfiladeiro. Por isso, têm procurado pelo lugar na forma de um hynne mascarado e só
grupos de heróis para lidar com essas ameaças. O terminará com tudo quando alguém ajudá-lo a pregar
pagamento é bom, mas envolve acomodações rústicas a maior das peças: converter todos os moradores
junto a mineradores que jamais veem a luz do sol e locais a seu culto…
cultuam Tenebra, a Deusa das Trevas. Além disso,
muitas seções da cidadela danificadas durante a guerra
ainda não foram consertadas e há trechos inteiros em
Ridembarr
ruínas, assombrados por espíritos de soldados mortos Uma profusão de aldeias e cidades menores cerca
e ocupados por todo tipo de monstro. a capital, tão minúsculas que nem constam nos mapas.
Ridembarr está entre as mais típicas.
Por sua importância histórica e sua segurança,
Villent muitas vezes é palco de reuniões entre nobres Fica a alguns dias de Valkaria, viajando a pé pela
de diferentes reinos, acordos diplomáticos e outros estrada. É composta por uma hospedaria e vinte ou
encontros de figurões. Como o espaço dentro das trinta casas. O estabelecimento para descanso de
muralhas é reduzido, não é raro encontrar um herói viajantes pertence a Éster Heremill, atual regente e
épico nos corredores ou dividindo a mesma mesa filha do antigo prefeito, morto na guerra. A cidade vive
num refeitório qualquer. O ambiente de militares e do comércio e da hospitalidade, abrigando viajantes
mineradores acaba com as formalidades e deixa todos que rumam para a capital. Por sua posição elevada, dali
mais próximos uns dos outros. pode-se ver a gigantesca estátua da deusa ao longe.

Capítulo Um
60
Um pintor recluso de nome Grigori, que os ele mesmo! A guilda, além de ser uma corporação de
ridembarianos dizem ter sofrido uma maldição, ofício de vidreiros, também funciona como conselho
costumava ter um ateliê onde guardava retratos de local e regulamenta o trabalho de heróis.
criaturas estranhas, jamais reconhecidas por ninguém. Uma recente adição à vila é o Empório de Elagor,
Um dia, aos gritos, simplesmente ateou fogo em tudo um honesto paladino aposentado que abriu um arma-
e passou a morar na hospedaria. Sobre o que acontece zém em busca de sossego. Tem sido visitado recente-
ele nada diz, mas por alguns tibares ele pode pintar mente por Logan, guarda da capital também alçado
seu retrato! à condição de guerreiro sagrado, tentando convencer
o veterano a deixar sua aposentadoria para cumprir
Selentine uma missão santa em um reino distante. Ninguém em
Selentine conhece os detalhes dessa tarefa.
A vila de Selentine fica a cinco dias de viagem
de Valkaria, nas margens do Rio Nerull. É conhecida
por seus trabalhos em vidro e cristal. Os vidreiros Gorendill
locais descendem de antigos colonos do reino de Situada na fronteira oeste de Deheon, essa cidade
Cobar e conseguem esculpir esses materiais de forma fica à margem do Rio Panteão e próxima às Uivantes,
quase mística, produzindo as mais belas e resistentes tendo um clima temperado. Outrora um vilarejo pacato,
peças de Arton atualmente. Copos, frascos, jarros, Gorendill cresceu muito nas últimas décadas, graças
vitrais… Até espadas de vidro que nunca se quebram a Guss Nossin, seu já lendário — e controverso —
e nunca perdem o fio! prefeito. Logo que se elegeu, Guss estabeleceu uma
Há alguns anos, um inventor local, já falecido, série de empreendimentos comerciais, fortalecendo
criou aquele que foi supostamente o primeiro golem a economia local… E dissolveu o conselho, tendo
vítreo do mundo. Apelidado pelos jovens de Vitrúvio, governado sozinho desde então.
hoje esse construto é mestre da guilda que comanda Ao longo de seu mandato, o prefeito ignorou
o local e tem uma série de “filhos” construídos por decretos vindos da capital, sob pretexto de “garantir

O Reinado
61
a independência da região” e, durante a Guerra podem ser encontradas ao longo de suas encostas.
Artoniana, não enviou tropas para as batalhas, Devido ao terreno ruim para plantio, a economia
concentrando-se em defender sua própria cidade e costuma ser baseada na criação de cabras, carneiros
fazendas, especialmente aquelas responsáveis pelas e outros animais montanheses.
frutas locais que são a base das exportações da cidade.
As montanhas têm esse nome porque, conforme
Gorendill acabou não sendo atacada pelos batalhões
antigas histórias, abrigam o deus menor Teldiskan,
puristas — talvez por estar longe da capital, talvez
o Gigante Máximo. Dizem ter sido banido por
justamente por ter mantido sua guarnição.
ousar atacar Valkaria, quando a cidade ainda era
Para alguns, Guss Nossin é um déspota ganancioso. um assentamento. Acabou derrotado, poupado
Para outros, um visionário que melhorou a vida de e expulso definitivamente pelo Rei Roramar e a
seus conterrâneos. Um covarde que não participou da Rainha Yvanna. Alguns dizem que ele se arrependeu
guerra ou um herói que colocou a segurança de seu e cumpre sua pena, ajudando os pastores locais
povo acima da glória pessoal, Guss é muitas coisas, como uma divindade menor benevolente, trazendo
dependendo de para quem você pergunta. Em apenas bom tempo. Os menos otimistas suspeitam que seu
uma coisa todos concordam: sendo prefeito há mais aprisionamento foi realizado por magia: ele agora
de 20 anos, Guss está ficando velho. Alguns dizem estaria angariando fiéis para reunir poder divino
que está procurando um sucessor em segredo e que suficiente e romper seu confinamento.
observa grupos de aventureiros em busca de alguém
Nas montanhas também existe um templo a
digno do cargo. Já outros dizem que Guss está na
Hippion, o Deus Menor dos Cavalos. Há um labirinto
verdade atrás de rituais necromânticos — para seus
detratores, o prefeito estaria disposto a renunciar à subterrâneo no interior do templo, mas ninguém sabe
vida, mas não ao cargo. o que ele esconde.

Begrond A Desolação
Este povoado modesto fica a uma semana de Uma área vasta e completamente erma no
caminhada a nordeste da capital. Pouco mais que nordeste de Deheon. O terreno é plano, mas rochoso,
uma rua cercada de propriedades rurais, é uma típica contendo pedras de todos os tamanhos. O plantio
cidadezinha artoniana, visitada por quem ruma para e a criação de gado são impossíveis, de modo que o
Valkaria e pelos fazendeiros das redondezas. lugar logo foi esquecido pelos fazendeiros. A lenda
diz que, no passado distante, o Panteão se irritou
O lugar foi fundado por Kyle Bek, um clérigo com um exército que passava pela região e fez chover
de Khalmyr, há quase dois séculos. Hoje possui uma pedras sobre os infelizes. Devido à alta incidência
estalagem, uma forja, um pequeno templo a Valkaria
de mortos-vivos que vagam por aqui, é bem possível
e Khalmyr… e uma singela ponte de pedra, onde, nas
que seja verdade…
palavras dos moradores locais, “tudo que não tem
chance de dar errado, dá, e tudo que não tem como Notícias mais recentes falam sobre como viagens
dar certo funciona!”. constantes de arcanistas a outros mundos teriam
deixado escapar espectros sombrios, que por algum
A origem dessa anomalia está em Hit, uma
motivo misterioso foram atraídos para o lugar.
clériga de Nimb residente. A jovem claramente
insana bate na cabeça de qualquer infeliz transeunte
com sua maça em forma de punho fechado — por Colinas de Marah
motivos variados, como querer passar pela ponte Localizadas a algumas semanas de marcha da
ou não querer passar pela ponte. Certa vez, porém, capital, estas colinas são assim chamadas porque, de
a clériga teve a honra de enfrentar aventureiros acordo com seus habitantes, a própria Deusa da Paz
épicos durante a Libertação de Valkaria. Então teria sido vista aqui. Na forma de uma dama vestindo
retornou à sua ponte, tão imprevisível quanto antes, um manto de pura luz branca, ela surgiu durante
senão mais. um duelo entre dois inimigos mortais. Comovidos
com a presença da deusa, ambos jogaram fora as
Montanhas Teldiskan armas, fizeram as pazes e fundaram uma aldeia que
existe até hoje.
Embora sejam parte da mesma cordilheira que
forma as Uivantes, estas montanhas ficam dentro de Seus descendentes veem hoje essa história de
Deheon, ocupando boa parte da região noroeste. O forma nostálgica e não sem certa ironia. Atualmente,
clima não chega a ser tão rigoroso e muitas aldeiazinhas o lugar é um antro de criminosos fugitivos da capital.

Capítulo Um
62
Rixas sangrentas entre duas grandes gangues rivais
são comuns, com execuções acontecendo a céu aberto
Monte Palidor
e em plena luz do dia. O ponto mais elevado de Deheon, com 4.600
metros de altitude. Não faz parte de nenhuma das
O famigerado bandido Peter Korda procurou formações rochosas do reino e não se sabe como
abrigo temporário em dois templos locais, depois ocorreu sua formação. Sabe-se apenas que aqui teria
de um trabalho fracassado. Bastante versado nos sido o covil de um dragão, que em eras longínquas
assuntos do submundo, pode prover informações assolava todos os assentamentos da região, até ter sido
sobre ambas as facções, pois observa ambas de longe derrotado por aventureiros. Boatos falam sobre um
com curiosidade profissional. clérigo de Kallyadranoch que estaria tentando trazer
de volta à vida esse monstro… na forma de um dragão
Floresta morto-vivo! O antigo covil da fera estaria sendo usado
como um templo profano pelo vilão. As cavernas do
dos Basiliscos lugar são habitadas por outras criaturas, como orcs,
Essa floresta pantanosa ficou conhecida por ser ogros e revoadas de grifos selvagens.
habitada por basiliscos — tipo perigoso de lagarto
mágico que pode transformar pessoas em pedra com
seu olhar. Não obstante, estudiosos da Academia
Quedas de Hynn
Clérigos de Hyninn contam que um dia o Deus
Arcana dizem tratar-se apenas de uma espécie
da Trapaça tentou pregar uma peça em Nimb — que,
assemelhada, sem poderes mágicos. As verdadeiras
de acordo com alguns estudiosos, seria seu pai.
responsáveis pelas petrificações seriam aquelas que
Nimb não apenas evitou o truque como ainda fez o
domesticam esses animais: medusas clérigas de próprio Hyninn tropeçar e cair. Na queda, Hyninn
Escamandra, a Deusa Menor da Permanência. deixou cair parte de seu nome, que foi prontamente
Talvez essas medusas sejam vilãs, talvez queiram escondido por Nimb. Frustrado, o Deus da Trapaça
apenas ser deixadas em paz pelos humanos, vivendo passou meses tentando encontrá-lo, enquanto chorava
em seu santuário de árvores fossilizadas e jardins copiosamente. De suas lágrimas teria surgido a queda
de estátuas… d’água e, da peça pregada por Nimb, o nome do lugar.
A floresta também esconde uma torre imensa Como Hyninn teria achado o resto de seu nome não
que teria pertencido a Tolian, um dos maiores magos parece fazer parte da história.
de Arton. Aqui ele teria desenvolvido grande parte As Quedas de Hynn — também chamadas Cataratas
das magias e dos rituais hoje bem conhecidos. Ainda de Hynn por aqueles mais eruditos — têm quase
hoje, as ruínas da torre atraem aventureiros que duzentos metros de altura. Em suas proximidades
tentam descobrir os preciosos segredos do mago. existe uma grande caverna, que dizem ser o covil de
A torre é protegida por gárgulas, que patrulham o um dragão. Outras histórias afirmam que ali seria
interior e arredores. Até agora nenhum grupo relatou uma das entradas secretas para o reino de Doherimm;
encontros com Tolian — ou seu fantasma. mesmo sendo verdade, apenas um guia anão poderia
conduzir o grupo com segurança a partir deste ponto.
Bosque dos Trolls Dois arcanistas humanos chamados Goordir
Cohticenom e Tore-Van passam seus dias supos-
Todo tipo de troll parece habitar essa mata
tamente estudando a cachoeira, por requisição da
e, apesar dos maiores esforços de caçadores para
Grande Academia Arcana. Mas andam procrastinando
controlar sua população, estes se mostraram
demais! O primeiro tem se dedicado apenas a seu livro,
impossíveis de exterminar, sempre voltando em
uma biografia de Talude, o Mestre Máximo da Magia,
grandes números. Isso se deve a um segredo tão enquanto o outro vive escapando da tenda mágica onde
terrível quanto impossível: o bosque inteiro é o dormem para passar a noite em estalagens confortáveis.
corpo adormecido de um troll gigantesco. A única
maneira de impedir novos monstros de nascer é
cortar o suprimento de água fornecido pelo Rio da Mata dos
Fortitude, despertar a colossal criatura e derrotá- Galhos Partidos
la. Esse mistério foi descoberto por um grupo de Esta pequena mata fica ao sul do reino, no ponto
aventureiros — mas, gananciosos, esses mercenários onde se encontram as fronteiras de Deheon, Ahlen e
preferiram guardá-lo para manter seus contratos as Ruínas de Tyrondir. É difícil viajar entre Valkaria e
de caça no local. qualquer região ao sul sem passar por aqui.

O Reinado
63
A Mata não é habitada por monstros ou ani- No centro do pântano há um templo dedicado a
mais particularmente perigosos, mas oferece riscos Inghlblhpholtsgt, a Grande Divindade Anfíbia. O
para viajantes desacostumados à vida silvestre. É templo é vigiado por uma espécie única de catoblepas,
infestada de plantas tóxicas, cobras, linces, insetos um descomunal monstro quadrúpede semelhante a um
venenosos, javalis furiosos e alcateias de lobos. bovídeo chifrudo, com uma cabeça pesada que sempre
Os únicos moradores da região são também seus olha para baixo. Porém, quando a criatura consegue
vigias: o druida Neldor e seu amigo, o caçador elfo erguê-la, qualquer um contemplando seus olhos é
Thandour. Costumavam contar com a ajuda de um imediatamente transformado em sapoide!
urso marrom chamado Teodoro, animal falecido
há alguns anos. Não obstante esse fato, dizem que
“Teddy” continua a existir como fantasma, assom-
Estalagem do
brando viajantes que desrespeitem o território. O
Velho Malcolm
que seria “desrespeitar” na opinião de um urso O velho que dá nome à estalagem é uma figura
espectral, porém, é bastante subjetivo. estranha. Gastou todas as economias de uma vida e
construiu seu estabelecimento — um prédio de madeira
e alvenaria de três andares — a muitos e muitos dias de
Pântano viagem de qualquer cidade, no meio de parte alguma,
dos Juncos perto da fronteira norte com Zakharov. Nenhuma
Lugar ermo, malcheiroso e cheio de detritos, estrada ou rota comercial passa por perto. Diz a lenda
o Pântano dos Juncos é úmido e quente. Situado que Malcolm morreu ali mesmo, esperando durante
próximo à fronteira de Deheon e Wynlla, sua ca- anos que um cliente aparecesse.
racterística mais marcante é ser habitado por todo A estalagem está em ruínas, mas se você entrar,
tipo de anfíbios monstruosos: batráquios gigantes, será recebido pelo Velho Malcolm — um pouco
pererecas peçonhentas, rãs carnívoras, salamandras mais velho e um pouco mais morto, mas ainda um
camaleônicas — e tabrachi, um povo sapo inteligente. bom estalajadeiro!

Capítulo Um
64
Cidades vibrantes, estradas
movimentadas e monumentos
colossais formam o interior
do Reino Capital

Guildas & seus lacaios em missões por todo o Reinado para que
encontrem os raríssimos ingredientes para o ritual. O
Organizações dia em que conseguirem todos os itens necessários…
Será o último dia de Arton.

A Sociedade Patrulheiros
da Noite Eterna da Deusa
Nem todos os devotos de Tenebra, a Deusa das
Trevas, são malignos ou sinistros. Muitos cultuam Uma das maiores ordens de cavalaria em Deheon
a deusa como sinônimo de liberdade, ou apenas reúne centenas de cavaleiros, clérigos e paladinos de
apreciam o alívio que a escuridão proporciona. Mas Valkaria. Liderados pelo paladino Jeremias Hallegor
existem devotos da deusa que são perigosos… A II, são encarregados pela coroa de proteger as
Sociedade da Noite Eterna é uma organização secreta fronteiras do reino contra qualquer ameaça.
de cultistas de Tenebra que trabalha para impedir Os Patrulheiros se revezam na tarefa de ocupar
o sol de nascer! postos na fronteira e cavalgar por toda sua extensão,
A Sociedade se espalha por várias cidades e aldeias circulando o reino muitas vezes e cuidando dos marcos
de Deheon e abriga uma espantosa variedade de que assinalam o fim de seu território. Esses marcos
pessoas: nobres e cavaleiros, mercadores e artesãos, são grandes pilares de mármore, cada um trazendo
criminosos e mendigos, além de diversos mortos-vivos, uma estátua da deusa no topo. Além de ajudar na
incluindo fantasmas e vampiros. Todos os membros da vigilância contra movimentações de monstros e
Sociedade trazem uma estrela negra tatuada em alguma inimigos, os cavaleiros também ajudam a exercer a
parte do corpo. A própria líder da ordem, Jasmira, é lei na fronteira. Porém, sua jurisdição vai exatamente
uma vampira, além de sacerdotisa de Tenebra. Esta até esse limite — eles nunca perseguem fugitivos além
poderosa clériga descobriu um ritual capaz de con- desse ponto, muitas vezes contando com aventureiros
cretizar o objetivo da Sociedade e, desde então, envia para fazer cumprir a lei além da fronteira.

O Reinado
65
O Pequeno Conselho por um gato grande como um lobo. Apreciador de
partidas, torneios, enigmas, orquestras e caçadas,
Este aglomerado de nobres sempre foi um conselho, em geral vive alheio ao resto do mundo e considera
mas nem sempre foi pequeno, em nome ou tamanho. seu lazer uma espécie de religião.
Até o ano de 1111 CE o reino de Deheon possuía A Duquesa de Blangis é uma mulher com
um vasto conselho de nobres, em sua maioria vassalos o rosto todo pintado, sendo difícil discernir suas
de poderosos senhores feudais, incumbidos de repre- feições. Seu vestido tem múltiplas camadas e joias
sentar os interesses de seus respectivos suseranos na (em quantidade generosa o bastante para acabar com
corte imperial. Dizem que este costume derivava em a miséria de um pequeno reino). Sua imensa riqueza
parte de antigos conselhos tribais dos povos nativos, e propriedades lhe concedem prestígio entre seus
mas com o tempo a instituição foi se tornando cada
pares. É uma competidora agressiva nos jogos da
vez mais corrupta e menos eficiente.
alta nobreza, sempre pronta para arriscar tudo para
Na regência da Rainha-Imperatriz Roramira I, alcançar sucesso e reconhecimento.
obrigou-se os líderes das casas mais ricas e prósperas
O Duque Verbam Maliq é um humano impreg-
a habitar a capital e compor um conselho menor para
nado de tédio e cinismo, que irradia desprezo pelos
“auxiliar o poder regencial”. Um pretexto que, na
demais nobres e através de seu semblante sombrio está
prática, se traduzia a ficar sob supervisão direta da
sempre tecendo comentários mordazes. É conhecido
coroa, ter seus destinos pessoais conectados com o
por patrocinar festas suntuosas, banquetes e torneios
da metrópole e pagar seus impostos.
repletos de violência.
Esses poucos líderes formaram o “pequeno”
Callista Il-Sharat é uma qareen alegre e altruísta,
conselho, em comparação ao “grande”, formado
vinda de terras longínquas. Destaca-se entre a nobreza
pelos enviados dos senhores feudais. Com o tempo,
emperiquitada ao redor por seus trajes despojados
o grande conselho foi desfeito, restando apenas o
e minimalistas. Curiosa e cativada pela sociedade
“pequeno” — que, claro, hoje poderia ser chamado
valkariana, Callista tem a sincera intenção de auxiliar
apenas de “Conselho”, mas o nome já havia pegado.
grupos de heróis novatos. Sua natureza benevolente e
O Pequeno Conselho é de fato pequeno, formado ausência de malícia a tornam imprevisível, evocando
por uma minoria absoluta: a alta aristocracia do reino. apreensão nos demais aristocratas.
Nobres que, passada a época da guerra, preferiram
voltar a disputar intrigas palacianas entre si — o Grande Por fim, o Arquiduque Marechal Sir Bradwen
Jogo, como o chamam — em vez de governar. Deixam Lança Dourada, o atual comandante do Exército
isto a cargo de quem quer que esteja sentado no trono, do Reinado, ocupa o quinto assento — pelo menos
pois enxergam na figura monárquica o papel de um em teoria. Na prática, ele raramente participa das
criado pessoal, alguém que contrataram para fazer as reuniões, estando mais preocupado em treinar e
tarefas chatas. revistar as tropas do que em participar dos jogos da
alta aristocracia.
Atualmente, o conselho possui cinco membros.
O Marquês Thibault é um humano pálido,
de rosto fino e comprido, adornado por um bigode
Os Pastores
lustroso e muito torcido. Veste um manto cravejado de Teldiskan
de diamantes e quase sempre anda acompanhado Este clã de habitantes das montanhas pode ser
visto vagando por todo o interior do reino. Os
montanheses sempre terão uma explicação
perfeitamente plausível para suas andanças,
como estarem levando suas cabras para pas-
tagens mais verdes ou indo a um leilão de
animais. Para outros clãs, isso poderia
ser verdade. Porém, este grupo especí-
fico apenas adota o disfarce de viajantes
nômades… Seu objetivo real envolve
arregimentar outro tipo de rebanho.
Os Pastores de Teldiskan podem
ser encontrados pregando em fazendas
e aldeias. No início, com uma mensagem

Capítulo Um
66
de esperança, sobre como a divindade que cultuam, druida ou caçador experiente para evitar incidentes
Teldiskan, é um deus menor do clima que trará chuvas mais graves. Nos verdadeiros ermos, numerosas
e colheitas abundantes. Quando já estão familiarizados montanhas, florestas e pântanos podem abrigar es-
com os locais que visitam, esses pastores começam conderijos de serpes, mantícoras, dragões e outros
sermões mais ousados, falando sobre culpa, morte e monstros. Muitos vivem em ruínas e labirintos que
uma inevitável destruição, quando seu deus deixar datam desde a era pré-povoamento.
as montanhas para devorar Deheon. Entre os mais É comum que aventureiros testemunhem al-
receptivos às suas pregações, recrutam novos membros guma missão ou ameaça já em andamento. Muitas
para a seita. E, entre os mais fanáticos, pessoas dispostas sagas de Arton passaram por Deheon ao longo dos
a servir de sacrifício em rituais que têm como objetivo séculos. Cada canto do reino esconde algum plano
despertar o Gigante Máximo que cultuam. maligno ou ato heroico. Por isso, muitas aldeias
Para piorar, o líder dos Pastores — um homem ou mesmo castelos não possuem uma guarda, ou
alto, calvo, com barba branca longa e sobrancelhas contam apenas com um contingente mínimo. Aldeões
muito espessas chamado Gunnar — tem como cos- e nobres simplesmente presumem que, se houver um
tume abordar grupos de aventureiros com mentiras problema, mais cedo ou mais tarde algum aventureiro
sobre deuses menores. Falará enigmaticamente so- irá aparecer! Esses lugares são apelidados de “poços
bre como a divindade Inghlblhpholtsgt trans- de aventuras”: na boataria dos aventureiros, são
formou seus companheiros em sapoides, fontes de onde sempre se pode tirar alguns tibares
sobre como Escamandra petrificou uma em troca de um serviço arriscado. Grupos
aldeia inteira, sobre como Hippion des- residem num desses “poços” por alguns
truiu o solo de fazendas com seus cas- meses ou anos, até que sua experiência ou
cos… Sempre aproximando-se de ambições ultrapassem o que o local tem
grupos poderosos o bastante para a oferecer, então recomendam outros
abater essas entidades. O objeti- grupos iniciantes, numa rotatividade
vo final de Gunnar é destruir os eterna de tipos aventurescos.
pequenos deuses de Deheon, Um fenômeno tipicamente deheoni
para que seu próprio deus é a competição entre grupos de
possa devorar a energia di- aventureiros. Mesmo com uma infini-
vina deles. dade de missões e ofertas de trabalho,
Os verdadeiros po - Deheon conta com tantos heróis que
vos das montanhas não muitas vezes dois ou mais bandos se
veem com bons olhos as veem atrás do mesmo prêmio ou
ações desse grupo. Uma caçando o mesmo vilão. Isso pode
druida chamada Ahlin- gerar tanto rivalidade amistosa
na tem vagado por Deheon tentando quanto rixas amargas. E tudo fica
desmascarar os supostos pastores, mas tem enfrenta- mais difícil quando ambos os lados são heroicos.
do problemas para ser ouvida pelo exército deheoni. Afinal, será que um paladino de Khalmyr teria coragem
de sabotar os esforços de uma clériga de Thyatis? Em
aldeias com históricos longas de aventuras ou antigos
Aventuras boatos sobre tesouros, os plebeus chegam a apostar
sobre o sucesso de grupos rivais.
A incidência de feras e monstros em Deheon
Na capital Valkaria há oportunidades infinitas,
ao longo das principais rotas é pequena, tornando o
desde ofertas para aventureiros iniciantes dispostos
reino uma das regiões mais seguras de Arton. Ainda
a controlar pragas nos esgotos até heróis épicos que
assim, as estradas que ligam as cidades podem reservar
queiram adentrar uma área de Tormenta para ajudar
surpresas ao viajante incauto, na forma de bandoleiros
os pesquisadores da Academia Arcana. Mas não é
e salteadores. Os alvos mais visados são viajantes
preciso ir até a cidade grande — o interior guarda
solitários ou comerciantes sem escolta. Grupos de oportunidades para todo tipo de peripécia! De tarefas
aventureiros só costumam ser atacados quando estão mundanas, como ajudar uma viúva a conter uma in-
enfraquecidos ou se encontram em desvantagem. festação de glops em sua fazenda, a façanhas míticas,
Os ermos de Deheon abrigam feras territoriais, como participar de uma briga de taverna contra um
como lobos e ursos, que podem atacar aqueles inva- deus menor, mil histórias diferentes são vivenciadas
dindo seu território. Em geral, basta a presença de um todos os dias dentro das fronteiras de Deheon.

O Reinado
67
Ilustração
Valkaria A CIDADE SOB A DEUSA

V
alkaria. Em Arton, o próprio nome A maioria dos habitantes de Valkaria nunca
evoca a ideia de aventuras, insatisfa- moraria em outro lugar. Acostumados à variedade,
ção, ambição e criatividade. Valkaria é ao mundo se apresentando em sua própria vizinhança,
a Deusa da Humanidade, da Ambição e os valkarianos amam sua cidade. Mesmo aqueles que
dos Aventureiros. Punida após a Revolta dos Três, a amaldiçoam não toleram que estrangeiros falem
libertada por seus campeões, celebrada como a mal — apenas os verdadeiros filhos de Valkaria podem
líder do Panteão. Também a capital do Reinado, esbravejar contra seu lar.
onde os primeiros colonos começaram sua nova Embora possam ser esnobes, os valkarianos têm cer-
civilização, aos pés da gigantesca estátua de sua ta razão: não existe lugar mais cosmopolita no Reinado
padroeira — na verdade, aos pés da própria di- e talvez no mundo todo. As ruas de Valkaria são repletas
vindade suplicante! Não existe nenhum artoniano de pessoas de todas as raças, cheiros pungentes de espe-
que não tenha opinião sobre Valkaria. ciarias exóticas, idiomas estranhos misturando-se numa
Muitos sonham em viver na maior cidade do mundo colcha de retalhos capaz de atordoar um recém-chegado.
conhecido, desfrutar de seus luxos e maravilhas… Mas, Imigrantes de reinos vizinhos, de terras distantes ou
ao tentar construir uma vida na cidade, deparam-se mesmo de outros mundos e dimensões convivem na
com uma realidade de pobreza, violência urbana e capital, inserindo um pouco de sua cultura no grande
indiferença. Outros sabem que nunca suportariam caldeirão que abriga todos. O clima em Valkaria é sempre
morar em uma aglomeração tão grande e falam de frenético: centenas de coisas acontecendo ao mesmo
Valkaria como de uma ferida na face de Arton. tempo, notícias chegando de todos os lados, nobres e
No entanto, os sonhos dos imigrantes também aventureiros famosos transitando pelas ruas, ameaças
são verdadeiros. Valkaria possui beleza incompará- de todos os tipos surgindo e sendo derrotadas, novos
vel, festivais toda semana (ou todo dia!), prodígios deuses sendo descobertos e angariando seguidores.
mágicos, heróis e deuses menores transitando pelas Os habitantes de Valkaria estão acostumados ao
ruas, arquitetura mirabolante, grifos e ornitópteros extraordinário — na verdade, estranham quando algo
voando pelos céus… Além de oportunidades infinitas. importante para o Reinado acontece em outro lugar!
Diz-se que, em Valkaria, qualquer um pode ser um Parece óbvio que o grande plano de Mestre Arsenal en-
aventureiro e todo valkariano já viveu alguma aven- volvesse marchar com seu construto gigante até Valkaria.
tura. Não é incomum que exista uma masmorra cheia É evidente que os minotauros atacaram Valkaria. Não
de tesouros sob o porão de uma casa razoavelmente havia dúvida de que o grande objetivo dos puristas
antiga ou a torre de um necromante oculta no meio fosse Valkaria. Da mesma forma, aparições do Paladino
de uma vizinhança normal. Todas as histórias são ou passagem de figuras famosas como Niele, Nargom,
verdadeiras, todas as representações são fidedignas Crânio Negro e Vectorius são eventos esperados. Para o
— em Valkaria, tudo existe. povo de Valkaria, o mundo gira em torno de seu quintal.

O Reinado
69
Há um ditado que afirma que “se existe em Arton, autoridade governa determinado local. Quando a
existe em Valkaria”. Praticamente tudo que o mundo torre de um mago é ocupada por aventureiros, está
tem a oferecer, seja bom ou ruim, pode ser encontrado sob a jurisdição do Lorde das Construções Similares
na capital. Tudo em Valkaria também é superlativo, a Castelos ou do Lorde das Habitações Arcanas?
exagerado. Um comerciante valkariano ganha dez Some-se a isso vários secretários e administradores
vezes mais ouro que outro em um reino pequeno. Em públicos (o Supervisor das Escolas Não Aventurescas,
contrapartida, também gasta dez vezes mais. Não existe o Guardião das Estradas Leste-Oeste, o Alcaide dos
uma ameaça a Valkaria que não tenha repercussões Becos Considerados Perigosos) e Valkaria se torna
no resto do mundo. Se a capital é atacada, toda a um labirinto de burocracia.
civilização artoniana é atacada! A recíproca também é
Embora isso possa ser um pesadelo para os
verdadeira: para que algo tenha repercussão no mundo
funcionários públicos e quem depende deles,
todo, em geral deve passar por Valkaria. Um herói
aventureiros e tipos empreendedores acabam tendo
não pode afirmar ser realmente lendário a menos que
grande liberdade na capital — porque muitas vezes
tenha passado por Valkaria. Um bardo não é famoso
ninguém tem certeza sobre quem deveria controlar
no mundo todo enquanto não tiver se apresentado
suas atividades. Não é um sistema perfeito. Embora
aos nobres da cidade. Um gladiador não será o maior
vários desses administradores sejam honestos e
campeão se não for campeão da Arena Imperial.
dedicados, outros querem apenas tirar vantagem de
A imensa deusa de pedra no centro de Valkaria seu cargo. Mesmo que houvesse um grande esforço
inspira todos os habitantes. Esta é uma cidade em para reformar essa estrutura, ninguém saberia
eterna evolução. Quando a Deusa da Humanidade por onde começar… Ou como delegar toda essa
foi libertada, muitos de seus devotos lamentaram ter responsabilidade para uma só pessoa.
de deixar a querida capital para pregar a palavra de
O processo de escolha dos Lordes Urbanos
sua padroeira mundo afora. Esta é Valkaria, centro da
também não é unificado. Alguns são literalmente
civilização. Valkaria, onde uma deusa é visão comum.
lordes: senhores de terras cujo cargo é hereditário.
Valkaria, que dita os costumes, desejos e ambições
Outros Lordes Urbanos são eleitos por um grupo
de todo o Reinado. Dizem que, se você não está em
específico (cidadãos da região, nobres, funcionários
Valkaria, não está vivo… Mas em poucos lugares
da cidade, crianças de determinadas famílias, donos
existem tantas chances de ser morto.
de animais numa área específica, membros de certas
guildas…). Isso significa que quase sempre há algum
O Poder na Capital tipo de eleição acontecendo em Valkaria. Ainda há
Lordes que ascendem por meio de testes, torneios
Toda essa aglomeração e variedade (sem falar ou por escolha do Lorde anterior (ou de um nobre
no tamanho descomunal de tudo) são um pesadelo específico). Muitas vezes um Lorde Urbano muda sem
administrativo. Embora Shivara resida em Valkaria e que os cidadãos sequer fiquem sabendo. Enquanto
teoricamente governe a cidade, é impossível acumular alguns Lordes Urbanos gastam todo o tempo de que
controle direto da capital com a soberania de todo dispõem em suas funções públicas, outros têm cargos
o Reinado. Apenas administrar Valkaria já seria menos exigentes. Existem até mesmo aventureiros
equivalente a governar um reino de médio porte! que ocupam cargos de Lordes Urbanos.
A Rainha-Imperatriz tem a palavra final sobre
quaisquer decisões, mas raramente exerce esse direito,
exceto nos tópicos mais importantes. A administração Anatomia de
diária fica a cargo dos Lordes Urbanos, cada um
encarregado de governar e supervisionar uma parte
uma Metrópole
da cidade. Há muito tempo, os Lordes Urbanos eram Talvez seja possível descrever com detalhes cada
apenas quatro: o Lorde do Norte, do Sul, do Leste ruela e prédio da maior cidade do mundo — mas se-
e do Oeste, dividindo a cidade em partes iguais. No riam necessários diversos volumes, que ficariam ob-
entanto, logo mais Lordes se fizeram necessários. soletos em pouco tempo. De fato, nenhum mortal
Hoje em dia existem incontáveis Lordes Urbanos com pode afirmar com absoluta certeza que conhece cada
funções específicas: o Lorde dos Esgotos do Bairro ponto de Valkaria. Existem tantos becos, praças, hos-
do Recomeço, o Lorde dos Templos de Deuses em pedarias, passagens subterrâneas e pontes que ape-
Observação, o Lorde das Passagens Subterrâneas sem nas um verdadeiro explorador poderia mapear todos,
Monstros… Muitas vezes suas responsabilidades numa expedição tão longa e perigosa quanto uma jor-
se sobrepõem e ninguém tem certeza sobre qual nada pelo Deserto da Perdição.

Capítulo Um
70
Valkaria possui uma grande muralha, assim como
quase todas as cidades de grande porte. A muralha
já foi demolida várias vezes, para ser reconstruída
mais à frente, expandindo os limites da cidade. Sem-
pre houve uma preocupação dos governantes em não
deixar que se formasse um ajuntamento grande de-
mais de construções encostadas à muralha do lado
de fora, mas nada foi capaz de deter o inchaço e o
desenvolvimento de Valkaria, principalmente depois
da Guerra Artoniana.
O grande influxo de refugiados e o caráter cada vez
mais permanente de acampamentos militares cons-
truídos logo fora da capital durante a guerra deram
origem a pequenas comunidades que deveriam ser
aldeias… Mas que logo se tornaram parte de Valka-
ria. Os prédios construídos nesses novos povoados
não eram rurais ou típicos de vilas, mas influencia-
dos pela arquitetura valkariana. Muitos dizem que
isso é causado pela proximidade da deusa. Outros vão Cidade de Valkaria
além, afirmando que a explosão de desenvolvimento
em Valkaria é efeito da ascensão da Deusa da Huma- Lema: “Nossa Origem, Nosso Destino”.
nidade à liderança do Panteão. De qualquer forma, a
Brasão: de prata um frete de vermelho e
cidade explodiu em poucos anos, espalhando-se pe-
bordadura de púrpura.
las planícies ao redor e engolindo aldeias próximas.
Hoje em dia, Valkaria é a única megalópole conhe- Gentílico: valkariano.
cida em Arton, ocupando o espaço de um pequeno Regente: Lordes Urbanos.
reino. Muitos garantem que, um dia, Valkaria ocupa-
População: 2.000.000.
rá todo o território de Deheon.
Raças Principais: humanos.
Boa parte da cidade é dominada por prédios de
apartamentos. Essas construções quase desconhecidas Divindades Principais: Valkaria,
em Arton se erguem em torno de um pequeno pátio Khalmyr, Tibar, Marah.
comunitário e possuem um negócio (como um açou-
gue ou loja) em seu andar térreo. Nos andares superio-
res há habitações para famílias. Em caso de incêndio,
revoada de dragonetes, chuva de meteoros ou outro
Existe uma dicotomia estranha entre a área in-
desastre, os andares superiores são muito menos se-
tramuros (dentro da muralha) e extramuros (fora da
guros e seus moradores demoram muito mais tempo
muralha). Vários bairros extramuros são ricos e bem
para descer e fugir à segurança. Assim, os apartamen-
desenvolvidos, mas mesmo os habitantes de partes
tos superiores são muito mais baratos. De início, os
humildes intramuros às vezes são um pouco esno-
edifícios tinham quatro andares ou menos. Mas a fal-
bes com seus vizinhos. Tudo que é intramuros é con-
ta de espaço na capital fez com que passarelas e plata-
siderado mais tradicional, sólido, “mais valkariano”.
formas fossem construídas para ligar os andares mais
Muitas pessoas preferem morar intramuros, mes-
altos de diferentes prédios. Então novos prédios fo-
mo que sejam obrigadas a ocupar prédios precários.
ram erigidos sobre algumas plataformas, dando ori-
gem a torres muito altas e instáveis. Os pontos mais A maior parte das ruas é estreita, entre fileiras
movimentados de Valkaria contam com vários “níveis” de prédios altos. Durante o dia, essas passagens es-
de calçadas, entre os quais transitam tanto veículos tão repletas de transeuntes, mendigos, punguistas,
e animais terrestres quanto criaturas aladas, tapetes vendedores de rua, pregadores e outros. Para adi-
mágicos e engenhocas voadoras… Além de pedestres, cionar ainda mais caos, é permitida a entrada de
é claro! Recentemente passaram a existir prédios al- animais e carroças na cidade — muitas vezes, um
tíssimos que são verdadeiras cidadelas por si só, pro- cavaleiro atropela os pedestres nas ruelas ou uma
jetados para este tamanho. Nesses casos, os anda- carroça fica entalada entre duas construções. Exis-
res superiores abrigam arquimagos, ricaços e nobres. tem avenidas largas, levando aos pontos principais

O Reinado
71
Só Mesmo em Valkaria família Karmel, notam a ingressam como patrulheiros e
futilidade dessa existência e a ascendem a detetives. É o caso do
A capital do Reinado é uma abandonam. Outros, como o guerreiro Joba, um órfão criado
cidade única. Sendo assim, osteon Maneto Serpe Noel, nas ruas da capital, que conheceu
alguns fenômenos acontecem dedicam sua riqueza, sua vida e seu grupo numa guarita e partiu
apenas em Valkaria — pelo até mesmo sua pós-vida a ajudar com eles para se tornar um herói.
menos até onde se sabe. inocentes sem esperar nada em Por fim, em Valkaria existem
troca… Mas a maior parte da aventureiros esquisitos chamados
Valkaria não possui uma guilda
nobreza valkariana vive em um “vigilantes mascarados”. Esses
de ladrões toda-poderosa. Em
mundo à parte, sem conhecer as tipos escondem seus rostos com
vez disso, existem irmandades,
dificuldades das pessoas comuns. máscaras e uniformes, adotam
organizações criminosas cheias
de história e tradição. Veja A Guarda de Valkaria é, até onde codinomes e rondam as ruas e
uma descriçao completa das se sabe, a força policial mais telhados da capital à noite, em
irmandades, seus negócios, seus avançada de Arton. Dividida em busca de criminosos que precisem
líderes e suas rivalidades no guaritas lideradas por xerifes ser levados à justiça e inocentes
Capítulo 4: Organizações. e sob a supervisão do Lorde que precisem ser protegidos.
da Justiça, a Guarda possui Ninguém sabe o que leva uma
A nobreza de Valkaria também detetives que empregam técnicas pessoa a viver dessa forma, mas
é diferente. Embora existam sofisticadas de investigação para os vigilantes mascarados são
nobres “comuns” na cidade, o solucionar crimes. Muitos grupos figuras polêmicas. Alguns, como
termo “nobreza de Valkaria” de aventureiros trabalham em Extinção, são inimigos da Guarda,
denota famílias incrivelmente parceria com a Guarda, recebendo pois acham que a lei é muito
ricas, mesmo para os padrões o posto de detetives temporários. leniente com os criminosos.
nobres! Indivíduos que Esses aventureiros enfrentam Outros, como o Vingador de Val,
tiram férias nos reinos dos um novo tipo de desafio: além parecem respeitar o trabalho de
deuses, compram e vendem de vencer os vilões, precisam patrulheiros e detetives. Outros
artefatos, financiam divindades coletar provas para que eles sejam ainda, como Vendetta, defendem
menores e são bajulados por julgados e condenados! A Guarda os ideais da própria deusa
arquimagos. Alguns, como também abre possibilidades Valkaria, sem tanta preocupação
o paladino Alexandros, da de aventuras para alguns que com o que a lei dos humanos diz.

e situadas nas zonas mais nobres. É impossível para magia, em casos de maior opulência) iluminam as ruas
a Guarda e os Lordes Urbanos vigiar cada ruela; as- à noite. Na maior parte da cidade, apenas algumas
sim, apenas as mais importantes têm aparência de tochas deixadas por moradores ou taverneiros cum-
ordem e limpeza, as demais são cheias de cartazes, prem esse papel. Nas zonas baixas, não há qualquer
bandeirolas, pequenos altares, pichações e lixo, con- tipo de iluminação. À noite, as ruas são tão escuras
troladas por seus próprios moradores. As ruas cal- quanto uma masmorra.
çadas com paralelepípedos são maioria, mas ainda Não existem endereços com números e outros
existem ruas de terra. tipos de localização precisa — nem mesmo todas
Mesmo os moradores mais humildes podem as ruas têm nome! Casas e estabelecimentos são
transitar por (quase) todas as áreas da capital. Não há identificados em relação a pontos de referência.
uma divisão entre pobres e ricos, plebeus e nobres, tão Ninguém fala do “número 100 da Rua A”, mas da
clara quanto em outras cidades. Um tratador de cavalos, “casa vermelha após o Monumento do Anão Caolho”.
lavadeira ou pedreiro visita a estátua de Valkaria, assim Tudo isso faz com que atravessar Valkaria seja
como um lorde ou banqueiro. Mendigos têm espaço uma aventura. Um trajeto que demoraria minutos
na Catedral, assim como qualquer mercador de joias. numa metrópole normal pode levar horas na capital
Isso leva alguns valkarianos orgulhosos a dizer que do Reinado. Muitos grupos de aventureiros vivem em
mesmo os pedintes da capital são mais refinados e Valkaria, visitando seus bairros como quem empreende
cultos que os nobres de outras partes. uma jornada pelos ermos, enquanto cidadãos comuns
Contudo, existem enormes contrastes entre áreas costumam ficar em sua vizinhança, tratando outros
ricas e humildes. Nos bairros nobres, lampiões (ou bairros quase como terras estrangeiras!

Capítulo Um
72
Bairros aqui é baixo. A Cidade da Praia abriga muitas oficinas,
estábulos, curtumes e outros estabelecimentos pouco
agradáveis, além de um bom número de gangues.
Bairro do Recomeço Curiosamente, seus habitantes têm sotaque um pouco
O Bairro do Recomeço é o reduto de inúmeras diferente dos outros valkarianos e existe entre eles um
famílias nobres, descendentes dos primeiros colonos. É forte sentimento de união. Torcem pelos gladiadores
dominado por mansões, pequenos castelos e palacetes. naturais do bairro, resmungam sobre “os empolados
Aqui fica o “dinheiro antigo” da capital, os sobrenomes que moram perto da estátua” e amaldiçoam negócios
mais tradicionais. Várias regiões são barradas extra- que se mudam para outros bairros. Quem vai morar
oficialmente pelos guardas e cavaleiros de algumas em outras áreas de Valkaria é considerado “vendido”
famílias. Isso teoricamente é proibido, então tudo ou até mesmo traidor. Nos últimos anos, o famoso
acontece de maneira velada, com batalhões seguindo os império comercial Metais do Baixote se tornou um
visitantes ou perguntando se eles “precisam de ajuda”. dos maiores orgulhos da Cidade da Praia.
Aqui podem ser encontrados parques, monumentos
bem cuidados, fontes movidas por magia e todo tipo
de luxo que só está disponível para a alta nobreza, mas
Favela dos Goblins
também áreas públicas acessíveis a todos. O bairro Sem dúvida a maior concentração de pobreza e a
é bem próximo à estátua de Valkaria — não é uma parte da cidade que recebe maior descaso, esta é uma
posição tão privilegiada geograficamente, mas conta favela verdadeira. Não há prédios malcuidados ou
com muito prestígio. armazéns abandonados, mas casas feitas de madeira
descartada e outros pedaços de lixo. Originalmente, os
casebres da Favela eram feitos de pedras empilhadas,
Baixa Vila de Lena semelhantes a iglus, mas mesmo esta técnica está
O mais tradicional bairro boêmio de Valkaria, cheio sendo abandonada, pois os goblins não têm mais
de tavernas, teatros, ateliês, guildas de bardos, palcos acesso ao material.
improvisados e todo tipo de construção destinada a
Há uma rede de túneis subterrâneos na Favela
quem respira a vida noturna. Originalmente, seu nome
fazia alusão à Alta Vila de Lena (um bairro logo ao dos Goblins, que leva a outras partes de Valkaria.
norte), mas desde então a Alta Vila se desmembrou Apenas os próprios goblins conhecem toda a extensão
em inúmeras outras vizinhanças. Além dos estabele- dessas rotas; as autoridades estão sempre fechando
cimentos comerciais, a Baixa Vila abriga muitas casas os túneis que descobrem e procurando outros. A rede
antigas — em geral ocupadas por jovens ou artistas, subterrânea causa desabamentos com certa frequência,
que toleram a barulheira que existe nas ruas à noite. quando o próprio chão entra em colapso sob alguma
Diz-se que vampiros, mortos-vivos e servos de Tenebra casa, soterrando inúmeros moradores. A vida dos
espreitam na Baixa Vila de Lena, misturando-se com goblins é curta e brutal, mas há um forte sentimento
os boêmios e os caçando. Este bairro não fica muito de comunidade na Favela. Os goblins cuidam uns dos
longe da estátua de Valkaria, sendo um ponto bastante outros, mas este pode ser um lugar muito perigoso
tradicional da capital. para pessoas de outras raças. O grande protetor da
Favela dos Goblins é o vigilante mascarado conhecido
como Goblin Herói, uma figura mítica que muitos
Cidade da Praia dizem nem mesmo existir. A Favela também é palco de
O nome confunde os estrangeiros, mas os valka- grandes experimentos e testes de invenções inusitadas.
rianos já estão acostumados. Obviamente, este bairro Um de seus maiores inventores é Albert, um goblin
não conta com uma praia — mas diz a história que um de intelecto genial que já recusou vários convites para
mago excêntrico desejava construir uma praia artificial integrar oficinas de prestígio na capital.
em Valkaria e comprou uma enorme quantidade de
terras. O projeto nunca passou de alguns canais
cortando as vizinhanças, mas hoje a Cidade da Praia Mercado
é um bairro famoso. Talvez pelo nome, ou por sua O imenso mercado de Valkaria é um verdadeiro
história, ou pela curiosidade das vias fluviais, existe bairro por si só, uma aglomeração de lojas permanen-
um clima de separação do resto da capital, como se tes e tendas que são montadas e desmontadas a cada
o bairro fosse uma cidade à parte. Seus habitantes dia. Os donos dessas tendas temporárias competem
são considerados menos sofisticados que os outros entre si pelos melhores lugares, chegando cada vez
valkarianos, caipiras dentro do centro urbano. Tam- mais cedo para garantir suas vagas. Quase tudo pode
bém não é um bairro rico, e o preço das propriedades ser comprado aqui. Lojas famosas e tradicionais são

O Reinado
73
o Empório Bélico de Bellantor (loja de armas de pos-
se de um anão), a Sassafrás Artigos Alquímicos (pro- Pontos
dutos de alquimia e componentes mágicos), Legrasse
& Legrasse (irmãos meios-elfos alfaiates), Loja Boca
de Interesse
Cheia (doces, principalmente gorad — agora muito
caro devido às Guerras Táuricas) e a Ponte do Conhe- Arena Imperial
cimento (os copistas de livros mais rápidos do mun- O maior centro de combates de gladiadores e
do conhecido). Obviamente, existe uma infinidade de eventos esportivos no mundo conhecido, rivalizando
lojas e tendas fora do mercado — mas o espaço tradi- apenas com a Arena de Tiberus. Em geral, as lutas
cional ainda é muito valorizado. não são até a morte — inclusive porque treinar
gladiadores é muito caro! A Arena Imperial é fonte
Nitamu-ra de grandes celebridades, como a estrela meia-elfa
Loriane. Recentemente, o golem conhecido pelo su-
O bairro tamuraniano, criado quando o imperador gestivo nome de Triturador vem ganhando fama na
de Tamu-ra transportou os sobreviventes do ataque Arena. Muitos afirmam que um construto fabricado
da Tormenta. É radicalmente diferente do resto de para lutar possui vantagens injustas sobre outros
Valkaria: em vez de gritaria e ruas apertadas, serenidade competidores. Além disso, o Triturador parece não
e jardins bem tratados. Em vez de gente de todas as entender que seus adversários são criaturas vivas,
raças e etnias berrando para vender produtos, um ocasionalmente matando os derrotados em lutas
povo quieto e trabalhador, que se esforça em silêncio que deveriam ser seguras.
para o bem-estar geral. No entanto, cada vez mais
“estrangeiros” (ou seja, aqueles sem ascendência Muitos gladiadores contam com empresários,
tamuraniana) visitam Nitamu-ra, por curiosidade ou patronos e uma verdadeira equipe de apoio: ladinos
para comprar as mercadorias exóticas que só podem ser para descobrir fraquezas dos adversários, clérigos para
encontradas neste local. Muitos tentam conseguir um curar suas feridas, bardos para espalhar sua fama, ar-
mestre que os treine como samurais ou em alguma arte canistas para anular qualquer trapaça mágica… Além
marcial. Alguns habitantes do bairro veem isso com de lutas tradicionais entre os gladiadores da casa,
desprezo, mas outros acolhem os visitantes, apreciando são comuns embates entre grupos de aventureiros,
o interesse por sua cultura. Da mesma forma, muitos batalhas contra monstros e campeonatos amadores.
tamuranianos jovens rejeitam as tradições de seu povo,
passando cada vez mais tempo em outras áreas da
cidade e vestindo-se como os demais valkarianos.
Banco Tibar
Existem inúmeros agiotas e “emprestadores de
Desde a destruição da área de Tormenta de Tamu-ra,
dinheiro” na capital, mas este é um dos únicos bancos
existe um levante para que os moradores do bairro
oficiais. De posse de clérigos de Tibar, o Deus Menor do
voltem à ilha, para começar a reconstrução.
Comércio, e considerado sagrado, este centro financeiro
empresta dinheiro a altos juros, protege os recursos
Refúgio da Felicidade de ricaços e transfere fundos para os mais distantes
Outro bairro nobre — mas dominado pelas famílias locais (algo muito útil para aventureiros em jornadas).
que ascenderam há pouco tempo. Fica próximo à Os cofres contam com proteções mágicas e mundanas,
muralha e é planejado por engenheiros, sendo uma mas isso não impede que haja tentativas de roubo
verdadeira obra de arte, com jardins e estátuas por de tempos em tempos. Uma das mais notórias (e de
todos os cantos. Conta até mesmo com uma minia- maior sucesso) foi realizada pelo espadachim e clérigo
tura da estátua de Valkaria. Tudo a respeito do bairro de Valkaria Haggen Maavis, que foi encontrado e
(incluindo seu nome e decoração) é considerado capturado após deixar um bilhete dentro dos cofres —
brega pelos aristocratas tradicionais. O Refúgio da dizendo que nunca tivera o objetivo de roubar, apenas
Felicidade também atrai aventureiros que enriquecem de desafiar a si mesmo. Alguns acusam o Banco Tibar
subitamente (e que muitas vezes perdem tudo com de colaborar com vilões, aceitando ouro saqueado
igual rapidez). O guerreiro conhecido apenas como ou proveniente de atrocidades. Outros chegam mais
Smarth é notório por abrigar em sua mansão inúmeros longe, dizendo que a instituição, além de dinheiro
“colegas aventureiros” e “parentes desconhecidos” que e riquezas, também guarda em seus cofres almas e
costumam “pegar emprestados” seus itens mágicos, outras moedas de troca profanas de demônios e deuses
joias, baús cheios de tibares… Talvez a gigantesca malignos! Existem casos de aventureiros contratados
fortuna do herói o impeça de notar isso — ou talvez para se infiltrar no banco e descobrir quem são seus
seja seu diminuto intelecto. clientes mais misteriosos.

Capítulo Um
74
A Arena Imperial de Valkaria,
com seus eventos de lutas e
demonstrações

Estátua de Valkaria honesta e, até onde se sabe, o primeiro comércio no


modelo “funil invertido” de Arton. Outro destaque
O ponto de chegada da caravana de refugiados de é o escritório de advocacia Reston & Dubitatius,
Lamnor, que marcou o fim de sua jornada de reden- dedicado a defender acusados que não têm condições
ção. Também o marco zero da fundação do Reinado de contratar seus próprios advogados — e famoso
e o grande símbolo do encontro entre as culturas pelo slogan “um escritório que existe”, típico de seus
dos dois continentes. A área ao redor, muitas vezes sócios, dois devotos de Tanna-Toh.
chamada apenas de “centro”, é repleta de vendedores,
tavernas, guias, teatros e outras curiosidades. É uma
das áreas mais caras do Reinado — um taverneiro Palácio Imperial
aqui ganha muito dinheiro com turistas e peregri- Uma construção monumental, considerada
nos, mas precisa pagar taxas que fariam qualquer uma das maravilhas de Arton. O Palácio Imperial
mercador comum desmaiar! Mesmo assim, este é abriga a Rainha-Imperatriz e sua corte, além de
um dos espaços mais democráticos de Arton, com incontáveis nobres e servos. O palácio é uma das
altos nobres e artesãos humildes transitando pelas estruturas mais seguras de todo o mundo. Conta
mesmas ruelas e bebendo nas mesmas tavernas. com guerreiros, magos e clérigos poderosos, além
Atraindo tanta gente, a zona ao redor da estátua é de magias permanentes em suas paredes e cômodos.
um prato cheio para bandidos e vigaristas de todo Existe uma sala de guerra sem portas ou janelas, que
tipo. De tempos em tempos, há um esforço para só pode ser acessada através de magias protegidas
“limpar” a área, substituindo tavernas insalubres por por senhas e palavras secretas. A área ao redor do
ateliês, templos e lojas de lembranças, e expulsando palácio é a única em Valkaria oficialmente proibida
os aproveitadores. No entanto, eles sempre voltam. para as pessoas comuns. Existe um perímetro
Também é comum ver perto da estátua o mendigo patrulhado por guardas (que contam com magos e
louco Tilliann, além de uma grande variedade de outros especialistas). Apenas convidados e servos
tipos pitorescos, bardos e qualquer um em busca do palácio têm permissão de andar por essas ruas.
de atenção e fama. Recentemente a área próxima Em caso de invasão, os guardas convergem para o
à estátua viu a chegada do Empório Purpúrea, um intruso, soldados são chamados e magias fecham as
fabricante de cosméticos de posse de uma fada muito ruas com muralhas de ferro, portais e outros efeitos.

O Reinado
75
Praça de Diversões são lendárias). A Gazeta é um trabalho de amor dos
editores e redatores que escrevem as matérias e operam
e Maravilhas Grimbo as prensas, conhecidos apenas como “Goblins de
Há décadas, o ilusionista hynne Grimbo Tuluntum Valkaria”. Também há alguns repórteres e correspon-
decidiu construir uma imensa área com brinquedos dentes voluntários espalhados por todo o Reinado, que
mecânicos, diversões movidas por magia ilusória e todo enviam relatos de suas aventuras e de acontecimentos
tipo de maravilhas para as crianças de Valkaria. Seria importantes em outros reinos. Os editores da Gazeta
um “parque de diversões”. No entanto, depois da morte são caóticos, sensacionalistas e exaltados, mas não têm
do fundador, a Praça Grimbo se tornou cada vez mais medo de falar a verdade. Isso rende vários inimigos
decadente — seus filhos nunca se interessaram pelo aos Goblins, mas eles não parecem se importar — ou
negócio. Alguns brinquedos estão interditados, enfer- há sempre outros goblins para tomar seu lugar. A sede
rujados e imóveis. Outros, apesar do estado lamentável, já foi alvo de vários ataques e já houve verdadeiras
ainda são usados (diz-se haver um grande número batalhas em que os Goblins de Valkaria defenderam a
de acidentes, acobertados pela família Tuluntum). Gazeta com armas. A Gazeta por enquanto é apenas uma
“Atores” meio bêbados desfilam em fantasias puídas, folha dobrada e impressa dos dois lados, mas já teve
retratando heróis artonianos em forma caricatural, grande importância para a divulgação de informações,
em meio a imensas estruturas periclitantes de metal principalmente durante a Guerra Artoniana.
e madeira. A “casa assombrada” ilusória hoje em dia,
segundo boatos, é realmente assombrada pelos fantas-
mas das vítimas de acidentes. E a “Roda da Ambição”
Biblioteca
(engenhoso artefato mecânico, que deveria elevar os das Duas Deusas
visitantes até a altura da cabeça da estátua de Valkaria) Este grande prédio é tanto um local de conheci-
conta com apenas metade de suas gôndolas, todas mento e escritório de copistas quanto um templo a
rangendo e pendendo perigosamente. “Engenheiros” Tanna-Toh. Diz-se que, devido à bênção de Valkaria,
goblins são contratados para dar um jeito temporário pesquisas destinadas ao avanço da ciência e a aventuras
nos brinquedos. Mesmo assim, existem famílias que têm especial sucesso quando conduzidas aqui. Embora
visitam o lugar, atraídas pelo baixo preço. monges copistas de Tanna-Toh trabalhem na biblioteca,
reproduzindo tomos sensíveis ou perigosos, o lugar
A Rocha Cinzenta também conta com uma prensa e está começando a
A prisão de Valkaria não fica no subterrâneo do produzir seus primeiros materiais em grande escala.
Palácio Imperial, mas em um enorme prédio lúgubre Diferente da maior parte das bibliotecas em Arton, a
e abrutalhado, na forma de um grande paralelepípedo, Biblioteca das Duas Deusas permite que os visitantes
sem portas e entradas visíveis. Conhecida como “Rocha retirem livros, pegando-os emprestados e devolvendo
Cinzenta”, esta prisão abriga detentos permanentes depois de um prazo estipulado. Os bibliotecários
(que cumprem penas de anos, décadas ou perpétuas) tradicionais consideram essa prática uma heresia.
e prisioneiros temporários, que aguardam deportação, Estranhamente, ninguém nunca conseguiu mapear
envio para a Arena ou até mesmo execução. Existem a biblioteca por completo, mesmo tendo em mãos as
alas especiais para contenção de mortos-vivos e de- plantas originais. Dizem que o arquiteto que projetou
mônios, e toda a prisão conta com um poderoso efeito o prédio enlouqueceu pelo excesso de conhecimento
que bloqueia poderes de todos os tipos. Diz-se que, que adquiriu durante a construção e que os projetos
nos porões da Rocha, há um prisioneiro que está lá há não são precisos. Mas isso não explica a complexidade
mais de um século, na solitária. Ninguém conhece sua da biblioteca e alguns visitantes garantem que parte
identidade, ou mesmo tem certeza de sua existência. do prédio está ligada ao reino de Tanna-Toh ou a
O diretor da prisão é Bartolakk, um golem de ferro reinos divinos mais sinistros, e que há bibliotecários
inteligente construído especificamente para esta função, misteriosos que surgem e desaparecem sem explicação.
que nunca dorme e está sempre trabalhando.
A bibliotecária-chefe é Venera Vettrano, uma
clériga de Tanna-Toh que parece conhecer tudo sobre
Gazeta do Reinado os livros armazenados aqui. Na verdade, sua fascinação
Existem pouquíssimos veículos de informação com tomos perigosos, arcanos, malditos e profanos é
impressos em Arton e a Gazeta do Reinado é decidida- tamanha que algumas pessoas temem que ela mesma
mente o maior e mais importante. Sua sede fica no esteja se corrompendo com conhecimento proibido.
segundo andar de um prédio humilde, acima de um Na biblioteca também existe um Hellaron, um golem
açougue (as brigas entre os dois estabelecimentos que é uma extensão do Helladarion, o artefato vivo e

Capítulo Um
76
sumo-sacerdote de Tanna-Toh. O Hellaron da Biblioteca Alto Clérigo não é o sumo-sacerdote de Valkaria. Cada
das Duas Deusas tem acesso a todas as informações que novo Alto Clérigo é escolhido por aclamação dos fiéis.
o Helladarion conhece, mas sua tarefa aqui é restrita a Arquitetos e engenheiros devotos mantêm a bênção
ajudar visitantes com informações presentes nos livros. da deusa enquanto estiverem realmente contribuindo
Assim, muitos aventureiros se veem frustrados, sendo com elementos novos e ambiciosos ao templo. Assim,
obrigados a procurar alguma pista do conhecimento a Catedral já teve muitos Altos Clérigos e seu estilo
que desejam nas infindáveis prateleiras da biblioteca está cada vez mais irreconhecível.
antes de receber seu auxílio. Uma figura curiosa na Um enorme relógio na parede frontal é só a mais
biblioteca é o detetive-livreiro Vannarian, um paladino óbvia das maravilhas que foram incorporadas à Catedral
de Tanna-Toh que recupera tomos roubados ou nunca de Valkaria nos últimos anos. Também há uma torre
devolvidos, mas que reluta em preservar conhecimen- que parece delgada demais para se sustentar, uma nova
tos que ninguém deveria ter… ala feita de matéria vegetal viva, um saguão situado
parcialmente no Reino de Valkaria e uma câmara
Catedral de Valkaria capaz de amplificar qualquer som até o volume de
O centro de adoração comunitária da Deusa da uma tempestade, entre outras inovações.
Humanidade não é realmente a sede de sua religião — Talvez a adição mais notória seja a catacumba
os devotos de Valkaria precisam estar em constantes abençoada, onde se criou uma nova tradição de sepultar
jornadas e não podem ficar presos a um só templo. aventureiros caídos. Os restos mortais de grandes
Assim, em vez de abrigar os membros mais poderosos heróis já foram trazidos para cá, enquanto grupos
do clero, a Catedral de Valkaria é um local onde todos menos gloriosos realizam peregrinações para conceder
os habitantes da cidade podem se reunir e, mesmo que a seus companheiros mortos a honra do descanso
não sejam devotos, prestar homenagem à padroeira da eterno na Catedral. Apenas aventureiros que tenham
capital. Na Catedral, nobres sentam ao lado de plebeus, morrido no decorrer de uma missão recebem o direito
aventureiros compartilham o mesmo espaço com de estar aqui. Diz-se que a catacumba abençoa todos
artesãos e figuras célebres como heróis e arquimagos que seguirem o legado de um aventureiro sepultado
são deixadas em paz e tratadas como qualquer cidadão. nela — continuando seu nome, levando o grupo adiante
ou completando uma missão deixada pela metade.
A Catedral foi um dos primeiros prédios constru-
ídos em Valkaria, ainda sob a supervisão de Roramar
Pruss, e já era impressionante na época, contando com Casa de Repouso
a tradição dos grandes feitos arquitetônicos de Lamnor.
Outros reis buscaram adicionar ainda mais pompa
Millicent para
ao templo e, com os séculos, a Catedral de Valkaria
espíritos atormentados
se tornou uma das igrejas mais suntuosas de Arton. Algo quase desconhecido em Arton, este é um
Toda nova técnica de engenharia era exibida aqui. Os manicômio, um lugar para tratamento daqueles
maiores escultores do mundo contribuíam com suas considerados insanos. O lugar é administrado até
obras. O espaço amplo abriga milhares de fiéis. Os hoje por sua fundadora, Ellanie Millicent, uma
vitrais trazidos diretamente de Cosamhir filtram a luz clériga de Marah. Embora Millicent tenha as melhores
natural, criando um efeito magnífico e caleidoscópico. intenções, a Casa de Repouso é uma verdadeira prisão,
pois precisa conter os pacientes mais violentos. A
Alguns afirmam que, depois da Libertação de
falta de recursos torna as condições de vida bastante
Valkaria, tudo isso se intensificou ao ponto do exagero.
precárias, quase como em uma masmorra. O local foi
Os verdadeiros devotos não podiam ficar presos à
fundado pouco antes da chegada da Tormenta e recebeu
Catedral. Arquitetos sagrados cuja maior ambição era
uma enxurrada de pacientes quando quase todos os
contribuir com o prédio agora se viam impedidos de
sobreviventes da Tempestade Rubra mostraram estar
supervisionar seus projetos. O paradoxo de um local
insanos — o que também deu ao nome da instituição
estável para adorar uma deusa sempre em movimen-
o ar de um trocadilho de mau gosto. Ainda há muitos
to se tornou insolúvel. Durante mais de um ano, a tamuranianos e veteranos do Exército do Reinado
Catedral de Valkaria ficou sem liderança eclesiástica. enlouquecidos pela Tormenta ocupando os quartos/
Então teólogos, através de contato com a deusa, celas. Vez por outra há uma fuga, principalmente
meditação e estudo, conseguiram desenvolver um de internos com propensão ao crime e à violência.
novo dogma. A Catedral admite que um Alto Clérigo Contudo, não são os únicos. Um dos pacientes mais
a presida durante um ano — depois desse período extraordinários da Casa de Repouso é Jack Flowers,
o devoto mais uma vez seria obrigado a partir. Esse um bufão louco obcecado por matar Nimb.

O Reinado
77
Bielefeld O REINO DOS C AVA L EIROS

M
uitos lugares em Arton possuem terras. Alguns historiadores garantem que ele não
grande população de aventureiros queria nada além de um lar para seu povo. Outros
ou já foram palco de sagas épicas. dizem que não aceitava ser apenas mais um entre
Contudo, nenhuma nação é mais vol- iguais. Queria governar. Queria conquistar.
tada ao ideal heroico que Bielefeld. Chamado de Thomas partiu rumo a leste com seu grupo de
“Lar da Ordem da Luz” e “Reino da Cavalaria”, aventureiros e logo se envolveu em conflitos. Houve
Bielefeld é uma terra de tradições arraigadas interações pacíficas, mas em geral a passagem dos
e história rica. aventureiros foi marcada por fogo e aço. Apesar disso,
Thomas considerou aquele terreno ideal para a forma-
Com grandes e orgulhosos castelos dominando ção de uma nação independente. Havia relativamente
terras povoadas por plebeus e fazendeiros, o reino poucos monstros e muitas riquezas naturais.
depende da relação de confiança e lealdade entre
vassalos e suseranos. Em Bielefeld, honra vale mais Quando chegou à costa, deixando um rastro de
que dinheiro. E neste reino nada simboliza mais a destruição e estandartes fincados, Thomas Lendilkar
honra do que as ordens de cavalaria — em especial a ordenou a construção de um templo ao Deus da Justiça
Ordem da Luz. O jovem rei de Bielefeld, Khilliar Janz, e fundou sua “capital”, que batizou de Lendilkar. O
toma poucas decisões importantes sem consultar o ano era 1021 da chegada dos elfos. Ele se declarou rei
líder da ordem, Alenn Toren Greenfeld. A ordem é do novo reino de Bielefeld. Não há consenso sobre a
ligada ao reino, o reino tem a ordem como seu maior origem do nome. Alguns afirmam que “Bielefeld” era o
símbolo. As tramoias, intrigas e jogos de poder dos nome da casa nobre à qual a família Lendilkar servia no
aristocratas não apagam o espírito de Bielefeld: a velho continente. O que Thomas queria ao batizar seu
crença de que a cavalaria sempre defenderá Arton. reino assim? Afirmar que era o verdadeiro representante
da Casa Bielefeld? Conseguir o favor desses nobres?
Provavelmente nunca se saberá a verdade, mas uma
História identidade nacional se formou rapidamente e, em
poucos anos, os colonos já se consideravam pertencentes
Apesar de sua tradição heroica, as raízes de a Bielefeld, não a suas antigas nações.
Bielefeld são encharcadas de sangue. Talvez tenha sido esse entusiasmo pelo novo lar
Thomas Lendilkar, o fundador do reino, era um que tenha impulsionado o sucesso e a prosperidade
cavaleiro e líder de um grupo de aventureiros na jovem de Bielefeld logo em seu início. Thomas Lendilkar
cidade de Valkaria. Thomas acreditava que o destino concedeu títulos de nobreza a todos que se
dos refugiados de Lamnor não era permanecer sob a dispusessem a pacificar e proteger uma região. Diz-
proteção da deusa para sempre. Assim como muitos se que, independente de seu caráter, o fundador era
outros, empreendeu uma jornada para desbravar novas extremamente carismático, decidido e inteligente.

O Reinado
79
Os nobres que concordavam com suas políticas e os regentes de Khubar. A duquesa Raissa Janz se
sangrentas ficaram concentrados na capital litorâ- destacou nesse acordo, colocando fim aos ímpetos
nea, enquanto aqueles que procuravam distância do guerreiros de alguns que desejavam reparações ou
fundador se espalharam pelo território. Entre esses retaliação. Entre os grandes apoiadores de Raissa estava
destacou-se a família Janz, opositores de Lendilkar, que a família Donovan. A maior voz de dissidência estava
ergueu um forte mais tarde conhecido como o Castelo na poderosa família Asloth.
Roschfallen. Outros fortes foram erguidos por todo
o reino, demarcando feudos. Sem muita relação com
o rei, as novas famílias nobres precisavam defender
Uma Nova Dinastia
suas próprias terras. Independentes, criaram entre Com a paz estabelecida, restava achar um rei.
si laços de suserania e vassalagem que continuariam Arautos e aventureiros procuraram herdeiros de Tho-
para sempre. O novo reino cresceu em velocidade mas Lendilkar; sábios vasculharam tomos genealógicos
espantosa e sua glória inicial foi impressionante. em busca de ligações com outras famílias. Nada foi
Lendilkar despontava como um dos mais ambiciosos encontrado — os Lendilkar tinham sido extintos no
conquistadores, enquanto os outros senhores feudais novo continente. Existe o boato de que já nesta época
exemplificavam o dever protetor dos nobres para com o um grupo de devotos de Hyninn ajudava o reino nas
povo. Talvez até mesmo Deheon empalidecesse frente sombras, fazendo o trabalho sujo que os nobres e
à vastidão que na época englobava o que hoje são os cavaleiros não podiam aceitar, mas os historiadores
Ermos Púrpuras e Aslothia. Por um tempo, pareceu garantem que não passa de teoria de conspiração…
que Bielefeld seria o poder dominante em Arton e Sem um herdeiro, uma assembleia de nobres elegeu
Thomas Lendilkar seria o maior dos reis. Raissa Janz como nova rainha de Bielefeld. Tamanha
era sua aclamação que a lei hereditária se manteve,
frustrando manobras dos Asloth para que houvesse
A Primeira Derrota uma eleição periódica. A nova família real Janz foi
Os olhos de Thomas Lendilkar se voltaram para coroada pelo sumo-sacerdote de Khalmyr, permane-
mais longe. Se a capital era litorânea, fazia sentido cendo no poder desde então.
que Bielefeld fosse uma potência naval. Em 1037, ele O reino nunca se recuperou da destruição de
decidiu que o próximo alvo de expansão estava nos sua marinha. Até mesmo a defesa da costa do reino
mares. Na ilha de Khubar. ficou a cargo da Patrulha Costeira, cujo dever nunca
O que o rei queria com uma ilha, quando havia se estenderia até o alto-mar. A família Janz tem uma
tanta terra para ser conquistada no continente? Talvez desconfiança quase supersticiosa da exploração naval
a riqueza de Khubar tenha atraído Thomas. Talvez isso — acreditam que, sobre um cavalo, vai-se longe. A
fosse só o primeiro passo na formação de uma marinha bordo de um navio, vai-se longe demais. Este dogma não
capaz de invadir Lamnor. Fosse qual fosse sua intenção oficial recebe o apelido de “Doutrina da Ferradura”:
nos mares, Thomas Lendilkar só conheceu a ruína. um nobre de Bielefeld deve interferir apenas até onde
Khubar é protegido por Benthos, o Dragão-Rei dos seu cavalo puder levá-lo.
Mares. Quando as tropas de Bielefeld desembarcaram A capital passou a ser o ducado de Roschfallen, lar
na ilha, os sábios e xamãs se reuniram e convocaram dos Janz, que se expandiu para uma cidade completa.
seu guardião. Mas Roschfallen nunca chegou a ser a cidade mais
A fúria de Benthos foi terrível. Os exércitos de importante do reino — Norm seria seu símbolo mais
Bielefeld fugiram aterrorizados, suas naus foram verdadeiro. Era um arcebispado de Khalmyr, capaz
destruídas como brinquedos. As ondas rugiram num de unir nobres e plebeus, tendo uma relevância que
maremoto incontrolável que engoliu a costa de Bielefeld Roschfallen jamais conquistou. Até hoje Roschfallen
e devastou a capital. Thomas Lendilkar, a família real, é considerada “terra dos Janz”.
quase todos os aventureiros de seu grupo original e A história de Bielefeld seguiu sem grandes revira-
vários nobres morreram. Subitamente, Bielefeld era voltas durante séculos — a cavalaria e a tradição feudal
um reino com forte identidade nacional e relações mantiveram a lei e controlaram a sede de conquista.
sólidas de lealdade… Mas sem liderança. A fundação da Ordem da Luz por Arthur Donovan
Talvez Benthos tenha feito um bem imensurável II em 1290 solidificou o reino como terra de heróis.
ao povo do Reinado. A relação de amizade próxima da família Janz com
Deheon interveio, assumindo o papel de liderança os Donovan afastou qualquer medo de que a sanha
que teria para sempre. Um corpo diplomático inter- expansionista voltasse.
mediou a paz entre os nobres restantes de Bielefeld Mas, em 1300, as tensões aumentaram de novo.

Capítulo Um
80
Irmão Contra Irmão
A família Asloth, invejosa e sedenta de poder,
nunca adotara os valores e tradições da cavalaria. O
Condado de Portsmouth, governado pelos Asloth,
se dizia uma “terra de liberdade”, onde os “pompo-
sos cavaleiros” não dominavam a plebe. Os Asloth
empregavam companhias mercenárias em vez de um
exército estabelecido, afirmando que era a maneira
mais justa de defender suas terras. Na realidade,
estavam formando as bases do que seriam tropas sem
lealdade nenhuma ao povo de Bielefeld.
Os Asloth também recrutaram outro tipo de
“tropas”. Ao longo de anos, cooptaram bardos, espiões
e planejadores em todo o Reinado. Usaram-nos de
forma insidiosa, como agentes infiltrados em caste-
los, tavernas, fazendas, cidades… Inúmeros pontos
do continente, sempre se fazendo passar por gente
comum. Esse verdadeiro exército da intriga foi mais
tarde apelidado em Bielefeld de Ordem dos Covardes. Bielefeld
Usando seus agentes, os Asloth começaram uma Nome Oficial: Reino de Bielefeld.
bem-sucedida campanha difamatória contra a coroa
de Bielefeld e a cavalaria. Até hoje vários artonianos Lema: “Afiada É a Lâmina da Justiça”.
ouvem a palavra “cavaleiro” e pensam em um aristo- Brasão: talhado de prata e azul, uma
crata brutal e autoritário. As próprias ordens foram balança de ouro brocante.
prejudicadas por isso, com vários jovens honrados
Gentílico: bielefeldense.
rejeitando a cavalaria e muitos ambiciosos mesquinhos
se voltando a ela. Capital: Roschfallen.
Os mercenários de Portsmouth atacaram as nações Forma de Governo: monarquia
dos Ermos Púrpuras, usando armaduras de cavaleiros hereditária.
e estandartes de famílias nobres de Bielefeld. A região Regente: Rei Khilliar Janz.
dos Ermos era autônoma, apesar de nos mapas ser
População: 1.600.000.
parte do reino. Com as famílias nobres e ordens de
cavalaria incriminadas pela violência dos mercenários, Raças Principais: humanos, anões,
não demorou para que as vítimas revidassem, iniciando goblins, hynne.
uma série de ataques a cidades de Bielefeld. A intriga Divindades Principais: Khalmyr,
chegou a Deheon: segundo as mentiras de Portsmouth, Lena, Aharadak.
mais uma vez Bielefeld se mostrava um conquistador
sanguinário. Deheon decretou que os Ermos Púrpuras
seriam independentes e, para todo o Reinado, pareceu
que Bielefeld era expansionista e tinha sido derrotado
mais uma vez. O trono estava desacreditado. A Revolta a Pé, apelido de uma série de ataques
de plebeus e pequenos nobres contra cavaleiros em
Foi este poder abalado que enfrentou a sangrenta
Portsmouth, pareceu um movimento espontâneo, mas
guerra civil de 1389.
não passou de uma maquinação de Ferren Asloth — o
O Conde Ferren Asloth, conhecido como “o Velho estopim da guerra civil. Na realidade, as companhias
Abutre”, era infame em Bielefeld. Portsmouth era mercenárias já estavam de prontidão e, assim que
uma terra vasta, mas Ferren se dizia um governante
houve a primeira retaliação por parte dos cavaleiros,
humilde e oprimido. Proibia a magia, afirmando que
atacaram em massa. A justificativa: independência.
era uma forma de “defender os mais fracos”. Implorava
A realidade: mais um passo no plano sinistro do
para que os impostos fossem diminuídos — segundo
Velho Abutre.
Asloth, um condado que nem mesmo possuía fortes
da Ordem da Luz estava sendo obrigado a pagar pela A Guerra Civil de Bielefeld foi triste e brutal.
cavalaria que só existia para pisoteá-lo. O reino não podia ceder, sabendo que uma rendição

O Reinado
81
“Neste dia de luto, juramos que a espada de em 1405 deu início a uma série de eventos que
Bielefeld jamais voltará a se erguer contra as colocou Bielefeld na linha de frente da luta contra
ilhas. Não por temer a força do Dragão-Rei… a Tempestade Rubra. Impulsionado pelo herói, o
Não para evitar um castigo… Mas por sabermos reino mandou tropas para enfrentar um exército
que esta é a verdadeira justiça. Não a justiça de corrompido que marchava rumo a Trebuck. Com
um rei. A justiça de Khalmyr! seu avanço detido na fronteira do reino que hoje é a
A vitória de Khubar é a vitória de Khalmyr. Supremacia Purista, Bielefeld precisou pagar Wynlla
A derrota de uma invasão injusta é o triunfo por um imenso ritual de transporte de tropas. Os
do Deus da Justiça e, assim, também o triunfo cofres de Roschfallen nunca se recuperaram, mas
de Bielefeld. os soldados e cavaleiros chegaram a tempo para se
Sob o julgamento de Khalmyr e sobre a tumba unir ao Exército do Reinado e derrotar as hordas
de nosso rei morto, temos orgulho de oferecer ao aberrantes na beira de uma área de Tormenta. Durante
povo de Khubar nossa rendição incondicional.” esta guerra, o jovem cavaleiro Vincent Gherald se
revelou corrompido e espalhou a corrupção por toda
uma geração de cavaleiros em Norm, resultando
— Trecho do discurso de rendição de numa noite de massacres — veteranos contra novatos,
Raissa Janz a Khubar. pais contra filhos.
As ações de Orion Drake, que incluíram a
destruição da primeira área de Tormenta e a libertação
significaria o abandono de parte de seu povo à crueldade da ilha de Tamu-ra, levaram a cavalaria mais uma vez
do Velho Abutre. Aldeias separadas por um mero riacho ao ápice do ideal heroico. Bielefeld viu um enorme
massacraram-se mutuamente. Familiares lutaram entre influxo de jovens desejando ser escudeiros, inclusive
si, famílias foram dilaceradas. Os mercenários decaíram vindos de outros reinos. Mais tarde, a relação de Orion
para hordas de carniceiros — quando não havia saque e do Alto Comandante da Ordem da Luz Alenn Toren
suficiente nas terras inimigas, saqueavam as próprias Greenfeld com a Rainha-Imperatriz Shivara contribuiu
aldeias de Portsmouth. Muitos morreram, muitos para que o reino fosse o principal aliado de Deheon
perderam tudo. Apesar disso, Bielefeld lutou com na Guerra Artoniana. Como terra de cavaleiros guiada
honra. As mentiras dos Asloth não foram capazes de
por Khalmyr, Bielefeld não guarda rancor contra as
mascarar a realidade de que, mesmo nesse conflito
intervenções históricas e, hoje em dia, está intimamente
horrendo, a Ordem da Luz tomou a frente e nunca
ligado ao Reino Capital. Diz-se que, se Deheon usa a
recorreu às táticas baixas e assassinas do inimigo.
coroa, Bielefeld empunha espada e escudo.
Vários cavaleiros da Luz construíram suas reputações
na guerra civil, fazendo defesas heroicas contra as Bielefeld foi fundamental para a derrota dos
traiçoeiras tropas de Portsmouth. puristas — e sofreu por isso. Após a morte do então
Rei Igor Janz, seu filho Khilliar Janz assumiu o trono.
Deheon interveio uma última vez, com uma
Inexperiente, no meio de uma guerra de proporções
neutralidade que afrontava Bielefeld. A indignação
inéditas, o jovem rei triunfou com o apoio de heróis
ameaçou fazer o reino inteiro se voltar contra o Reinado
aventureiros. A Ordem da Luz assumiu a liderança em
— o que talvez fizesse parte do plano de Ferren. Mas,
no final, a paz no continente era mais valiosa. Seguindo diversas batalhas. O ódio dos puristas contra Bielefeld
orientação (ou comando) da Coroa do Reinado, Bielefeld foi tamanho que o reino chegou perto de se desfazer.
reconheceu a independência de Portsmouth. A capital foi sitiada e recoberta de névoa escura e
mágica. A cidade de Norm foi invadida, tropas inimigas
E foi assim, reduzido a uma fração do que já chegaram aos portões do Castelo da Luz. Nobres
tinha sido, que Bielefeld embarcou numa nova era
ficaram ilhados, a cadeia de lealdade foi ameaçada.
de provações.
Por um tempo, parecia que Bielefeld iria desmoronar
em uma série de pequenos feudos.
O Século Heroico Felizmente, isso foi evitado. A vitória do Reinado
Talvez seja cedo para dizer, mas os bardos já numa batalha crucial foi a força que impulsionou
chamam o período a partir de 1400 de “Século Heroico”. Bielefeld a resistir, mais unido do que nunca. A Espada
A presença do cavaleiro da Luz Orion Drake e o Escudo do Reinado permanecem erguidos. Não
num forte isolado durante um ataque do caçador importa que Bielefeld seja menor em extensão. Sua
de recompensas e algoz da Tormenta Crânio Negro honra é maior do que nunca.

Capítulo Um
82
Geografia A moda em Bielefeld é bastante tradicional. Barbas
bem aparadas, como é usual na Ordem da Luz, vestidos
Bielefeld é uma terra cercada de inimigos. A oeste, longos e um pouco antiquados. É comum ver pessoas
a Supremacia Purista se espalha, vasta e poderosa. Uma trajando armaduras ou portando armas embainhadas,
área que costumava pertencer ao Reino da Cavalaria principalmente entre a nobreza. Nobres em Bielefeld
agora é território disputado entre as duas nações — não vestem casacas refinadas e camisas bufantes —
a Conflagração do Aço. A leste, Aslothia, terra de cobrem-se de aço, preparados para defender a plebe.
mortos-vivos e mercenários cruéis. A norte, os Ermos Pelo menos em teoria.
Púrpuras poderiam ser neutros ou até aliados, mas o Alguém certa vez disse que “por causa de sir
histórico de Bielefeld cobra seu preço. O mar é a única Orion Drake, está na moda ser chato em Bielefeld”.
saída do reino, mas a marinha de Bielefeld ainda não Certamente um estrangeiro poderia pensar isso: o povo
se recuperou de séculos de negligência. parece sério, sisudo, formal. Contudo, aqui seriedade
Assim, simplesmente chegar a Bielefeld é uma e formalidade não são sinal de frieza ou antipatia.
aventura. O reino não passa fome devido a seu terreno Levar a sério o que alguém diz e ser sério em troca,
naturalmente favorável, mas qualquer transporte é caro tratar todos com deferência e esperar deferência em
e demorado. Nobres contratam grupos de aventureiros troca são sinais de respeito e estima. Apenas alguém
para escoltá-los através de Aslothia, enquanto cavalei- que desprezasse outra pessoa poderia tratá-la com
ros buscam heróis para acompanhá-los nessa jornada. intimidade sem primeiro desenvolver uma relação
A coroa do reino também busca aventureiros para ir próxima. Isso deixa os forasteiros enlouquecidos. Um
até Doherimm e negociar a construção de passagens aventureiro pode ser tratado com formalidade pelo
subterrâneas com os anões. cavaleiro cuja vida acabou de salvar… E ver o mesmo
cavaleiro sendo natural e descontraído com o inimigo
A fronteira com Aslothia é especialmente que tentou matá-los! Para o cavaleiro, faz todo sentido:
perigosa — uma divisão tanto política quanto mística. por que se esforçar para tratar bem um crápula?
A Floresta de Jeyfar marca o limite entre os dois
reinos. Enquanto a maior parte de Jeyfar é de um Contudo, na guerra toda formalidade desmorona
verde escuro e profundo, a orla leste apresenta árvores e relações íntimas se formam em questão de dias. Os
ressequidas, sem folhas, o sol surgindo esmaecido habitantes de Bielefeld se abraçam, riem, tratam-se
por entre os galhos. por apelidos e se apegam com extrema rapidez.

Exceto por Jeyfar, Bielefeld não tem grandes áreas “Honra” é uma palavra ouvida constantemente
florestais. Planícies férteis dominam a maior parte do no reino. Mas o que é honra? Cada habitante tem
reino. Não sendo especialmente urbanizado, Bielefeld uma definição própria. Para muitos, é honestidade e
possui horizonte amplo, onde se pode viajar por dias cumprimento das leis. Outros consideram que só é
sem encontrar cidades, castelos ou outros marcos. honrado aquele que não tolera nenhum desrespeito ou
insulto — o que pode levar à violência. Heróis como
O clima é ameno, com estações bem marcadas. Alenn Toren Greenfeld dizem que honra é ativamente
No verão, a região se torna muito viva e vibrante, fazer o bem e combater a maldade, enquanto Orion
explodindo com colheitas fartas e árvores carregadas Drake considera que honra é ausência de soberba e
de frutos. No inverno há nevoeiro e chuva, além de cumprimento do dever a qualquer custo. O conceito é
uma neve fina que no chão se transforma em lama ou parte integral da vida de nobres e plebeus. Em Bielefeld,
gelo. As estradas se tornam escorregadias e traiçoeiras, o mais reles fazendeiro prefere ficar sem comida a
o gelo quebradiço esconde verdadeiros fossos de lodo. ficar sem honra.
A impressão que quase todo viajante tem de Khalmyr é o deus mais popular no reino, mesmo
Bielefeld é a de uma terra bela, cheia de cores. depois de ter perdido o posto de líder do Panteão. Na
Muitos custam a acreditar que tenha sido palco de verdade, isso causou um aumento de fervor. Como um
tantas tragédias. reino agrícola, Bielefeld cultua Lena, a Deusa da Vida,
principalmente longe dos grandes castelos.

Povo & Costumes Quase todos os deuses aliados de Khalmyr são


bem vistos. Deuses menos ligados às tradições,
Humanos compõem quase toda a população de como Tenebra, Allihanna e Wynna, são considerados
Bielefeld. A maior comunidade de não humanos é “esquisitice de estrangeiros” — um jovem devoto
formada por anões, seguidos de goblins, hynne e um de Tenebra ouvirá de seus pais que “é só uma fase”.
punhado de representantes de outras raças. Deuses ambíguos como Arsenal e Thwor são vistos

O Reinado
83
Cavaleiros sem Ordem um papel semelhante ao dos grupos de aventureiros
hoje em dia: eram bandos de pessoas extraordinárias
Bielefeld é um reino tão ligado à Ordem que ganhavam a vida corrigindo problemas grandes
da Luz que é comum imaginar que todo demais para o povo comum. Enquanto grupos de
o contingente de cavaleiros se resume aventureiros sempre foram variados e seguiram suas
a suas fileiras. Isso, porém, está muito próprias regras, ordens de cavalaria adotaram o método
longe da verdade. de luta mais tradicional e longos e detalhados códigos
Além de contar com inúmeras ordens de conduta. Os cavaleiros do velho continente vieram
menores com suas próprias regras e parar aqui, dando início ao modo de pensar de Bielefeld.
condutas, algumas dissidentes de suas Essas várias ordens sempre compuseram a alma
irmãs mais famosas, Bielefeld também do reino. Nenhuma família nobre estava completa
ostenta a figura do cavaleiro sem ordem. sem pelo menos um cavaleiro; os plebeus podiam
Um herói independente, que viaja pelo ser sagrados cavaleiros e assim ascender à nobreza
reino realizando feitos de bravura sem por bravura.
precisar prestar contas a uma instituição.
Um tipo de relação fundamental em Bielefeld é
Acompanhados ou não de escudeiros, entre cavaleiro e escudeiro. Escudeiros servem a
estes cavaleiros errantes costumam tomar cavaleiros para aprender a parte prática e moral da
um tema específico como inspiração para cavalaria. Mais que um mestre, o cavaleiro se torna
suas armaduras e armas. Sua variedade é quase um pai ou mãe. Para o escudeiro, trocar de
imensa: alguns tentam replicar os feitos de senhor não é uma opção — ele pode ser obrigado
um herói lendário, carregando assim seu a servir a um cavaleiro cruel por boa parte de sua
legado, enquanto outros se baseiam em infância e adolescência. O inverso também é verda-
elementos, ou adotam as características de deiro: mesmo frente a um escudeiro preguiçoso ou
uma criatura que admiram. incompetente, nenhum cavaleiro pode largá-lo sem
Assim, por exemplo, sir Deadalus Hanspear, enfrentar vergonha e desaprovação. Já houve casos
o Cavaleiro Morto, veste armadura de cavaleiros expulsos da Ordem da Luz por terem
totalmente negra; traz em seu elmo as asas abandonado escudeiros em lugares perigosos ou sem
de um corvo; em suas ombreiras, mãos outras opções de sustento. O caráter e a habilidade
esqueléticas; em sua lança, trapos amarrados do escudeiro são responsabilidade do cavaleiro.
de sua própria mortalha, e em seu escudo, Essa importância fundamental e o prestígio
a imagem de um caixão. Nem mesmo seu associado levaram a uma certa banalização do papel
rosto macabro de osteon é tão reconhecido dos cavaleiros. Em Bielefeld, muitas vezes “cavaleiro”
quanto sua indumentária! Sem o estandarte não é sinônimo de “herói” ou mesmo “combatente”…
de uma ordem e às vezes sem nem mesmo Alguns cavaleiros se surpreendem com a mera su-
um brasão familiar reconhecível, esses
gestão disso! Para eles, “sir” é só mais uma honraria
cavaleiros se tornam famosos pela temática
na longa lista de títulos que esfregam na cara dos
de sua armadura e equipamentos.
plebeus. Bielefeld enfrenta a praga da intriga e a
cavalaria é onde ela se espalha com maior facilidade.
Há uma luta constante entre cavaleiros honrados e
como malignos. Nem sempre seu culto é proibido, conspiradores ambiciosos.
mas será motivo de desconfiança. Infelizmente, o
culto a Aharadak é presente, devido à influência dos
cavaleiros corrompidos de anos atrás. Hyninn e Nimb Governo
são cultuados de forma sutil, nem sempre agindo
Bielefeld é governado pelo Rei Khilliar Janz,
contra os cavaleiros.
descendente direto de Raissa Janz. Khilliar se mos-
trou um guerreiro competente desde muito jovem e
A Cavalaria treinava para ser um cavaleiro da Luz — o primeiro rei
Existem muitas ordens de cavalaria em Arton pertencente à Ordem. Um torneio mudou tudo isso.
— algumas pouco mais que clubes de nobres, outras Em meio aos eventos da guerra contra a Tormenta,
verdadeiros exércitos de guerreiros jurados a fazer o o então Príncipe Khilliar enfrentou numa justa um
bem. O início das ordens de cavalaria remonta ao antigo combatente misterioso conhecido apenas como o
continente, antes da Grande Batalha. Elas cumpriam Cavaleiro Risonho. Em um horrível acidente, a quebra

Capítulo Um
84
de uma das lanças enviou estilhaços através da viseira
do elmo de Khilliar, perfurando seus olhos e cegando-o Locais Importantes
para sempre. É consenso que esse foi mais um dos atos
do Cavaleiro Risonho para desestabilizar a nobreza e Roschfallen (capital)
a cavalaria em Bielefeld. Roschfallen começou como um castelo, o centro
Khilliar recusou-se a usar de magia para restaurar de poder da família Janz. Quando os Janz assumiram
sua visão, na crença de que isso seria abusar de um o trono de Bielefeld, o Castelo Roschfallen foi
privilégio que os cidadãos comuns não possuem. O expandido e as terras a seu redor foram muradas para
jovem príncipe foi obrigado a se tornar rei quando que se convertesse em cidade.
seu pai foi assassinado pelo espião purista conhecido Mesmo assim, Roschfallen sempre permaneceu
como Espinha. como “o lar dos Janz”. Dizem que não tem cidadãos,
Embora a figura do rei tenha bastante poder em apenas hóspedes. O Castelo Roschfallen foi rebatizado
Bielefeld, esse poder só existe com o apoio dos duques, — hoje em dia, oficialmente é o Palácio Real, mas
que efetivamente aprovam e executam as ordens reais, ninguém na cidade o chama assim. Por incentivo da
repassando as decisões da coroa aos demais nobres. família real, muitos burgueses ricos vieram para cá
A política no reino é intrincada — duques dependem estabelecer seus negócios. Isso criou a impressão
da lealdade e apoio de condes, barões e outros, e de que Roschfallen é um lugar transitório, onde se
muitas vezes a vontade da aristocracia menor acaba compra e se vende, mas não se vive. A capital é grande
bloqueando as intenções do rei. e rica, mas artificial.
A outra grande força política em Bielefeld Talvez por isso o número de estalagens e tavernas
é a Ordem da Luz. Embora o Alto Comandante é enorme. A população tem o curioso hábito de se en-
teoricamente não tenha voz nas decisões do reino, furnar em tavernas no primeiro dia frio do outono. Isso
na prática a influência da Ordem garante que haveria torna esses estabelecimentos superlotados e provoca
revolta entre os nobres se algum dia rei e Alto inúmeras brigas. A mais cara e luxuosa estalagem de
Comandante fossem adversários. Roschfallen é a Espada de Khalmyr, de posse de uma

O Reinado
85
família de anões. Alguns dizem que é lugar para turistas pela armadura brilhante, o rapaz ou a moça insiste
e ricaços sem bom gosto — a “cerveja anã especial” com seus pais. O “cavaleiro” então o leva… E no dia
da taverna seria uma receita rejeitada em Doherimm, seguinte os pais recebem uma mensagem com a quantia
aguada para se adaptar ao gosto dos humanos. que devem pagar como resgate.
A milícia de Roschfallen está sempre em volta das Roschfallen abriga estabelecimentos que quase
brigas de taverna, pois não há muito mais a fazer. A fer- não existem no Reinado, como bancos, casas de chá,
ramenta mais importante de um miliciano é seu apito, empórios de vinhos e lojas de poções. Esses lugares
usado para chamar reforços — o que já levou jovens só se sustentam por seus altíssimos preços, tendo
milicianos a imaginar se em algum momento a milícia visitantes como seus principais clientes. Isso separa
efetivamente fará algo, ou se apenas ficarão chamando ainda mais a capital do resto do reino.
uns aos outros para sempre. Contudo, o crime sempre Também na capital há o Templo da Justiça, um
se esconde nas sombras. Um notório esquema dos mais impressionantes tribunais do mundo conhe-
que vitimiza recém-chegados é o “golpe cido. Um lugar onde clérigos de Khalmyr resolvem
do escudeiro”: criminosos localizam um
disputas comerciais, condenam criminosos, conciliam
visitante rico que esteja acompanhado
famílias rivais, protegem misticamente documentos,
de sua família. Então simulam uma
intermediam acordos, celebram casamentos e deter-
“injustiça” na frente de um filho
minam a veracidade de alegações. O enorme e simétrico
ou filha adolescentes. Se o jovem
prédio é uma cacofonia de orações, discursos e debates.
intervier, “salvando o dia”, surge
O Templo não emprega clérigos-juízes, apenas abriga
um cavaleiro da Luz impressionado
as sessões com clérigos escolhidos pelas partes.
com seu heroísmo e o convida
Assim, o prédio sempre está cercado de
para se apresentar como
jovens clérigos de Khalmyr tentando con-
escudeiro no Palácio
vencer cidadãos a contratá-los como
Real. Tomado pela
juízes e alavancar suas carreiras.
emoção do combate
e impressionado
Norm
Se Roschfallen é a capital
de Bielefeld, Norm é seu cora-
ção. Quando a Ordem da Luz
foi estabelecida aqui, a cidade
se tornou um símbolo das tra-
dições, o lar do orgulho feu-
dal e heroico.
Norm era um arcebispado de
Khalmyr, uma espécie de peque-
na teocracia leal à família nobre
Donovan, que vivia num castelo a
dias de distância. A cidade parecia
destinada a ser uma nota de rodapé.
Quando Arthur Donovan II voltou de
uma peregrinação mística com o dever
de fundar a Ordem da Luz, tudo mu-
dou. O duque não quis que a sede
da Ordem fosse seu próprio cas-
telo, pois não desejava que ela
pertencesse à família. Também
relutou em erguer um castelo numa
região erma — Donovan enxergava a
Ordem da Luz como uma força presen-
Sir Bernard te no dia a dia do povo. Assim, a nova
Branalon,
o Paquiderme ordem de cavalaria fez sua sede numa
Galante cidade. Donovan usou boa parte das

Capítulo Um
86
riquezas da família na contratação de engenheiros e intervenção de um grupo de heróis. Ferida, Norm se
trabalhadores anões, para que construíssem a forta- tornou ainda mais aguerrida e tradicional — mais do
leza que abrigaria os novos cavaleiros. O Castelo da que nunca, o lar da Ordem da Luz.
Luz se ergueu com velocidade estonteante. Em pou-
cos anos, Norm se transformou. Muncy
O Castelo da Luz é uma das construções mais A estrutura feudal de Bielefeld é exemplificada
impressionantes do continente. Suas torres de prata perfeitamente no condado de Muncy. Thomas Lendilkar
e mármore imitam a forma da espada de Khalmyr, deu a um guerreiro a missão de pacificar uma região
visíveis de quase qualquer ponto da cidade. No pátio assolada por monstros. Este guerreiro era Torant
central, o próprio Deus da Justiça surge acima das Branalon, um nobre de uma família deposta no velho
muralhas, na forma de uma estátua com mais de 60 continente. Como recompensa, Torant recuperaria o
metros de altura. A mão divina de Khalmyr se ergue, título de conde. Os registros da época sugerem que
como se estendesse sua justiça para todos. O castelo Lendilkar tenha ficado muito surpreso quando, um ano
brilha à noite, espalhando uma luz prateada e suave depois, o guerreiro apareceu na capital dizendo que a
que não deixa os cidadãos esquecerem que estão sob missão estava cumprida. Também disse que gostaria
a proteção e vigilância de seu padroeiro. de ter seu título oficializado o mais rápido possível,
Como qualquer construção anã, o Castelo da Luz pois estava prestes a ter um filho.
combina beleza e poder. Catapultas e balestras se Assim começou a tradição dos Branalon, leais e
espalham por muralhas e torres, misturando-se com a resilientes condes de Muncy. Ao longo dos séculos, o
arquitetura. A entrada principal é uma ponte levadiça Castelo da Gruta Negra, lar da família, sempre foi
que conduz a uma antecâmara cheia de armadilhas o principal ponto de vigilância de onde os nobres e
e seteiras. Os corredores são amplos e os salões são cavaleiros partiam quando as trombetas soavam. O
vastos — o Castelo da Luz é uma das poucas fortalezas castelo tem esse nome por causa das façanhas de Torant
cujo interior foi pensado para cargas de cavalaria. Branalon: o guerreiro descobriu que a profusão de
A população inchou quando filhos de famílias monstros na região se originava de um único lugar, uma
nobres se mudaram para cá, na esperança de integrar caverna que se abria para um labirinto de corredores
a Ordem da Luz. Não demorou muito para que Norm subterrâneos. Torant venceu a masmorra e construiu
se tornasse mais populosa que Roschfallen. seu castelo sobre a gruta. Ele desejava que, se os
Hoje em dia, quase tudo em Norm existe para monstros um dia ressurgissem, os condes de Muncy
apoiar a Ordem da Luz. Guildas de ferreiros e arte- fossem a primeira linha de defesa.
sãos trabalham unicamente em armas, armaduras e Como todo castelo tradicional, Gruta Negra é
ferramentas para os cavaleiros. Fazendas ao redor um lugar público. Boa parte do povo do condado vive
das muralhas alimentam a Ordem. A presença dos aqui, trabalhando para a família nobre. Outros vêm
cavaleiros estimula a devoção religiosa, multiplicando ao castelo para vender produtos nos dias de feira ou
os templos. para ter com o conde, responsável por impor a lei e
Os habitantes de Norm vivem uma existência arbitrar disputas. O forte do castelo é a única parte
tradicional e guerreira, voltada à manutenção dos privativa, o verdadeiro lar da família.
campeões e nobres locais. Não existe muita noção de O atual conde de Muncy é sir Bernard Branalon,
enriquecimento, mobilidade social ou mudança de vida “o Paquiderme Galante”. Com mais de 60 anos,
— exceto através da cavalaria. Há grandes áreas onde Bernard tem uma longa história de batalhas e glórias,
se organizam justas e torneios. Não se vê ruelas cheias mas é lembrado por ser um dos melhores amigos de
de gente, mas espaços amplos onde transitam cavalos. sir Orion Drake. Bernard é um homem imensamente
As casas são baixas e espalhadas, dando destaque a alto, gordo e forte. Já foi casado inúmeras vezes e
prédios imponentes como os templos — e sempre tem filhos suficientes para preencher um batalhão.
deferentes ao Castelo da Luz. Alguns desses filhos lutaram contra a Ordem da Luz
Quase 20 anos atrás, Norm sofreu um duro durante a Queda de Norm, a noite mais trágica da
golpe. A Queda de Norm, quando jovens cavaleiros vida de Bernard.
corrompidos pela Tormenta queimaram a cidade e Bernard é membro da Ordem da Luz, como é
enfrentaram as gerações mais velhas, é um trauma tradição na família. Os Branalon estiveram entre os
que a cidade talvez nunca supere. A Guerra Arto- primeiros iniciados por Arthur Donovan II, antes que
niana também chegou à cidade. Os cavaleiros foram existisse o Castelo da Luz. Desde então, espera-se
paralisados por uma maldição, salvos apenas pela que filhos e filhas dos Branalon pertençam à Ordem.

O Reinado
87
Highter expulsos por “uma ameaça ainda pior”. Ninguém dá
muita credibilidade a isso, porque orcs nunca foram
Num reino de tradições, Highter se destaca como comuns em Bielefeld e porque a tal árvore nunca foi
algo extraordinário e inusitado: uma cidade flutuante localizada. Mas os mais supersticiosos sussurram que
ligada à terra por uma imensa corrente. a floresta é habitada por um povo antigo — talvez de
Highter foi originalmente construída por um antes do que se pensa serem os habitantes originais
mago maligno que desejava uma fortaleza inacessível. de Arton. Talvez a árvore só se revele para aqueles que
Um grupo de aventureiros o derrotou e tomou o o “povo misterioso” deseja atrair, ou talvez em certas
lugar para si. Com o tempo, os aventureiros e seus épocas do ano… De qualquer forma, Jeyfar parece ter
descendentes desenvolveram uma cidade completa vontade própria, torturando certos visitantes.
a partir da fortaleza. O transporte até a cidade é Dizem os boatos que a floresta é habitada por um
extraordinário: a corrente está presa numa imensa dragão. O Dragão de Jeyfar é assunto controverso.
estrutura de pedra, em volta da qual há inúmeros Desde a colonização de Bielefeld, cavaleiros entram
círculos entalhados. Esses círculos são encantados na floresta jurando que iriam encontrar e matar o
com magias de teletransporte, levando aos principais dragão para provar seu próprio valor. Não há nenhum
pontos da cidade. relato de combates com a fera, mas muitos juram
O prefeito de Highter há mais de um século é tê-la visto. Diz-se que o Dragão de Jeyfar é uma besta
o anão Kevarimm, único sobrevivente do grupo de mística, que só se revela para cavaleiros dignos, e que
aventureiros original e o último que conhece um enfrentá-la e derrotá-la não é uma simples batalha, mas
segredo: os círculos de teletransporte são parte de um uma provação espiritual e moral. Segundo boatos, os
ritual inacabado e, se forem usados da forma errada, cavaleiros que nunca voltaram da floresta na verdade se
podem levar o usuário a dimensões infernais… Ou juntaram à Corte do Dragão, sofrendo punição eterna
trazer coisas de lá. Nem mesmo Kevarimm sabe o que por tê-lo desafiado sem a retidão moral adequada.
seria essa “forma errada”, mas teme que qualquer outro
prefeito se deixe levar pela curiosidade ou ganância. A Cidade Perdida
Também há túneis e passagens no interior da rocha
que nunca foram explorados.
de Lendilkar
Quando Thomas Lendilkar voltou sua sanha con-
Já houve uma comunidade sob Highter, mas ata- quistadora para Khubar, a capital de Bielefeld pagou o
ques cada vez mais constantes de monstros fizeram preço. Contudo, a cidade não foi totalmente destruída…
com que ela fosse abandonada. Hoje em dia, Highter Parte dela ainda repousa sob as ondas.
conta com pouquíssimos habitantes e parece em vias de
se transformar num imenso covil de criaturas perigosas. Lendilkar tinha tudo para ser uma metrópole
Kevarimm se recusa a abandonar seu posto, mas cada capaz de rivalizar com Valkaria: ainda hoje um ex-
vez mais precisa de heróis para manter os monstros plorador submarino consegue encontrar imensas e
sob controle, ou pelo menos atrasar seu avanço… complexas construções cheias de riquezas. Lendilkar
era o centro econômico e estratégico de Bielefeld.
Entre suas ruínas há itens mágicos, baús cheios de
Floresta de Jeyfar pedras preciosas, até mesmo restos de pergaminhos
A maior área florestal de Bielefeld marca a fronteira protegidos magicamente contendo segredos. Saque
com Aslothia e é um reduto de mistérios. Mesmo suficiente para ocupar um grupo de aventureiros
que não seja muito extensa para padrões de outros durante anos.
reinos, Jeyfar é fechada, escura e labiríntica. Vários
As ruínas submersas também escondem perigos:
aventureiros já se perderam em seu interior. Aqueles
sereias e tritões selvagens, tubarões gigantes, mons-
que conseguiram voltar juram que a floresta é muito
tros-caranguejo conhecidos como cancerontes… As
maior do que os mapas mostram, estendendo-se para
histórias mais fantásticas afirmam que um dragão
oeste sempre à frente do viajante. marinho habita as passagens aquáticas. Segundo
Talvez isso seja só conversa de guias incompe- certos relatos, o próprio Thomas Lendilkar ainda
tentes. Talvez seja efeito de algum dos monstros ou assombra o local. A fúria de Benthos teria permeado
criaturas mágicas que vivem entre as árvores. Existe a o espírito do rei, deixando-o preso para sempre
lenda (considerada pouco confiável) de que, em algum numa morte em vida repleta de amargor e raiva.
lugar de Jeyfar, há uma imensa árvore que esconde um Lendilkar seria capaz de comandar as águas e hordas
túnel para um local subterrâneo. Este covil teria sido de espectros submarinos, mas estaria preso a sua
habitado por orcs em tempos antigos, mas eles foram cidade arruinada.

Capítulo Um
88
Agora que Bielefeld tenta retomar sua marinha graças aos seus poderes, para sempre surpreender
com a ascensão da Patrulha Costeira, é mais impor- viajantes incautos.
tante do que nunca garantir a segurança da Costa do
Fiz-grin não é maligno, mas é imprevisível. Assim
Dragão-Rei. As ameaças que surgem da Cidade Perdida
como todas as fadas, vê o mundo dos mortais como
devem ser contidas… Ou o reino pagará de novo.
arbitrário, cinzento e fascinante. Algo a ser imita-
do, mas também ridicularizado e transformado. A
Bosque de Fiz-grin mentalidade feérica de Fiz-grin faz com que ele seja
Quando um viajante adentra um bosque em Bie- brincalhão e trapaceiro, mas também perigoso. Nunca
lefeld, normalmente encontra um lugar de sombras se sabe se uma peça será inocente ou perigosa; se ele se
amenas e córregos frescos, ideal para um descanso da ofenderá com algo ou ajudará um mortal apenas porque
estrada. Porém, em raros casos, pode estar entrando é divertido. O bosque não é habitado por monstros,
nos domínios do dragão Fiz-grin, o Trapaceiro. E mas Fiz-grin povoa seu domínio com ilusões de feras
nesse caso, um descanso tranquilo é tudo que esse e criaturas bestiais. Alguns dizem que essas ilusões
viajante infeliz não terá. são perigosas por si só.
Fiz-grin não é um dragão nor- Durante a Guerra Artoniana, o cavaleiro Lothar
mal, mas um dragão-fada. Di- Algherulff teria convencido Fiz-grin a atormentar
zem que essas criaturas exis- apenas soldados puristas. No entanto, ninguém sabe
tem na Pondsmânia, mas se essa história é totalmente
ninguém sabe se são uma verdadeira ou, caso seja, se o
espécie ou apenas indivídu- dragão-fada não mudou de
os agrupados arbitrariamen- ideia desde então.
te, cada um com características
únicas. Fiz-grin é muito peque-
no, menor que um hu-
Gruta
mano. Tem asas multi- da Morte
coloridas de borboleta e
escamas iridescentes. Seu
Gotejante
Cavernas são elementos comuns
focinho reptiliano sempre
de histórias de heroísmo, mas algumas
apresenta um sorriso ma-
são apenas abatedouros de explorado-
treiro e seus olhos reluzem
res tolos. Uma dessas é a Gruta da Morte
de inteligência. O desenho de
Gotejante.
suas asas sempre forma um nú-
mero de três dígitos que diminui Este complexo de túneis até hoje não é
com o tempo. mapeado, a despeito de inúmeras tentativas.
Segundo uma cantiga infan- Suas paredes e teto gotejam um tipo de ácido
til folclórica, há séculos o dra- que derrete carne, ossos, couro, metais,
gonete pediu para Hyninn que o cerâmica… Até mesmo objetos mágicos!
transformasse num dragão gigantesco e podero- Ninguém até hoje conseguiu coletar uma
so. O Deus dos Ladrões propôs um jogo: se Fiz- amostra do ácido, pelo simples fato de que
-grin enganasse mil aventureiros, o pedido seria con- ele corrói qualquer vasilhame. Já se tentou inúmeras
cedido. Os números em suas asas seriam a contagem vezes extrair pedaços da rocha, para entender como
de quantos truques ainda faltam. Os últimos rela- ela não é dissolvida. O problema é que o ácido parece
tos dizem que ele já está bastante próximo de com- estar impregnado na pedra, como se fosse uma esponja.
pletar a tarefa… A morte que aguarda os exploradores da Gruta é
Antigamente, Fiz-grin habitava um único bosque, cruel: são dissolvidos vagarosamente e é difícil notar
no sul de Bielefeld — região hoje tomada pela Confla- quando estão fracos demais para voltar à superfície.
gração do Aço. Desde a Guerra Artoniana, porém, ele Então é apenas questão de tempo até que não sobre
saiu de lá. Alguns dizem que o dragão-fada não tem nada. Desnecessário dizer, não há formas de vida na
mais moradia fixa, e que qualquer mata, por menor ou Gruta, nem mesmo limo ou fungos. Alguns necroman-
mais singela que seja, pode estar servindo de morada tes querem estudar a Gruta por ser o que chamam de
para ele. Outros dizem que o Trapaceiro mora num “ponto de morte absoluta”: a ausência de vida teria
único bosque, mas que o bosque em si muda de lugar significado místico e propriedades mágicas.

O Reinado
89
Ninguém sabe se as profundezas escondem algum Curiosamente, existe outro labirinto subterrâneo
tesouro, mas a existência da Gruta é motivo suficiente repleto de monstros em Wynlla, também chamado de
para desafiá-la. Um estudioso da Academia Arcana “o Abismo”. Claro, pode ser coincidência. Mas será
certa vez especulou que a Gruta da Morte Gotejante que não há nenhuma relação entre os dois? Existem
na verdade é o tubo digestivo de uma bizarra forma outros “Abismos” em outros lugares de Arton? Quem
de vida. Essa hipótese não encontra muito respaldo… os projetou? Com qual propósito? Dizem que um
Mas, caso se confirmasse, geraria outras perguntas. aventureiro já entrou no Abismo em Bielefeld para,
Que criatura é essa? Ela ainda está viva? poucas horas depois, se ver no Abismo em Wynlla…
Se isso for verdade, pode ser uma alternativa para
O Abismo contornar o difícil acesso a Bielefeld. Cada vez mais
O Abismo é uma estranha formação subterrânea, grupos de aventureiros estão desbravando o Abismo
um túnel praticamente vertical e parcialmente oculto em busca dessa solução.
pela vegetação em volta. A boca semicircular se abre
para uma queda vertiginosa, então para um labirinto
enterrado. Um viajante incauto pode cair no túnel por Guildas &
acidente e, se sobreviver, ficar perdido num complexo
de passagens secretas, corredores traiçoeiros, câma- Organizações
ras… Segundo boatos, existe até mesmo um caminho
oculto para Doherimm. A Ordem da Luz
O Abismo também é um viveiro de monstros: O espírito de Bielefeld encontrou forma e nome há
lagartos gigantes, insetos monstruosos, trolls, orcs, pouco mais de um século, com a fundação da Ordem
kobolds, ogros, mortos-vivos e coisas ainda mais da Luz. Em pouco tempo, ela se tornou a maior ordem
exóticas. Ninguém sabe como ou por que criaturas de cavalaria do mundo conhecido e passou a ser parte
tão diferentes vivem aqui. Ninguém sabe por que não fundamental do reino. A Ordem da Luz é totalmente
fazem incursões à superfície. descrita no Capítulo 4: Organizações.

As justas reúnem os
maiores cavaleiros de Arton.
Ou aqueles que um dia
sonham ser…

Capítulo Um
90
Patrulha Costeira podem soprar para chamar uns aos outros ou mesmo
trazer reforços magicamente.
Nos primeiros anos após o ataque de Benthos, a
nova rainha de Bielefeld decidiu que deveria haver Tudo isso leva à pergunta: como essa força tão
uma tropa responsável por proteger a costa. Essa estupenda é tão pouco conhecida? Alguns dizem que,
decisão não foi simples nem livre de controvér- na verdade, a Patrulha Costeira é eficiente demais para
sias — segundo a assim chamada Doutrina da seu próprio bem. Bielefeld não se vê ameaçado por
Ferradura, um nobre não deveria interferir além nada vindo do mar justamente porque os patrulheiros
de onde pudesse chegar a cavalo. Por isso, Raissa são bons no que fazem. Outros, contudo, afirmam
Janz determinou que essa não seria uma força que tantos recursos e tanto talento são desperdiçados
de simples soldados e que eles nunca deveriam em postos onde nunca há perigo. Contudo, a Patrulha
expandir sua área de proteção para o alto-mar. Costeira mostrou seu valor durante a Guerra Arto-
Clérigos e paladinos de Khalmyr e Tanna-Toh foram niana, quando ajudou a rechaçar uma terrível armada
convocados, juraram não repetir os erros de Thomas pirata financiada pelos puristas.
Lendilkar e se tornaram os primeiros membros da Essa batalha colocou a Patrulha Costeira pela
Patrulha Costeira. primeira vez em evidência no imaginário dos jovens
Apesar de contar com pouca glória em comparação de Bielefeld. Os patrulheiros também tiveram contato
aos cavaleiros tradicionais do reino, os patrulheiros com o herói e nobre dos povos submarinos chamado
são alguns dos combatentes mais extraordinários de Fintan, pela primeira vez sendo parte importante
Bielefeld. Na verdade, a Patrulha é bem mais antiga da diplomacia bielefeldense e talvez possibilitando
que a própria Ordem da Luz! Treinados em navegação uma aliança com esses seres. A marinha de Bielefeld
e sobrevivência no mar, quase todos também são está começando a se desenvolver pela primeira vez a
usuários de magia e muitos possuem itens mágicos partir da Patrulha, apesar das desconfianças do Rei
que os tornam capazes de combater debaixo d’água. Khilliar Janz. Talvez esse seja o início de uma nova
Suas armas e armaduras são tratadas para nunca lenda no reino — ou, alguns especulam, de uma nova
enferrujar e eles possuem conchas encantadas, que e exótica ordem de cavalaria.

O Reinado
91
Os Cavaleiros fornecem dados de todos os tipos. Poderia ser somente
um maluco — se não chegasse a previsões corretas.
Solitários Ninguém (talvez nem mesmo os próprios
Os cavaleiros da Luz prezam a honra, a honestidade Cavaleiros) sabe se eles são devotos de Hyninn, se
e as tradições. Mas existe uma organização secreta que servem a Nimb ou se trocam de aliança conforme as
os ajuda sem se preocupar com nada disso: os Cava- necessidades da Ordem da Luz. De qualquer forma,
leiros Solitários. Eles admiram a Ordem, mas sabem estão a postos para ajudar nas sombras.
que, em certas missões, honra e honestidade devem
ser ignoradas. Atuam nos bastidores, manipulando
eventos, gerando ou roubando recursos, fornecendo ou A Escola
escondendo informações… Fazendo todo o serviço de do Lorde Mago
espionagem, trapaça e enganação de que a Ordem da Quando Aslothia foi tomada por mortos-vivos,
Luz precisa. Ninguém na Ordem da Luz desconfia da Bielefeld aceitou todos os refugiados do antigo reino
existência deles e é vital que isso continue assim — se que pediram asilo, inclusive muitos arcanos. A maioria
a Ordem os conhecesse, rejeitaria sua ajuda. E, se não desses foi acolhida pelo Conde Nathaniel, mais
rejeitasse, estaria abandonando a honra. conhecido pelo apelido de “Lorde Mago”.
Às vezes, eventos conspiram para que as galantes O excêntrico Lorde Mago vive em um castelo
missões dos cavaleiros da Luz deem certo: uma conhecido como Torre de Prata e governa um condado
masmorra “coincidentemente” contém um item tradicional — exceto pelo fato de que sua família não
mágico vital para derrotar um monstro. Um lorde protege o povo com armas, e sim com magia. Toda a
corrupto fica doente logo antes de executar seu
honra, tradição e dever dos cavaleiros de Bielefeld estão
estratagema. O veneno que deveria matar uma cavaleira
presentes entre a família, mas em versões arcanas. Eles
misteriosamente não surte efeito. Certas operações
cavalgam construtos conjurados, usam robes em vez
dos Cavaleiros Solitários parecem tramoias contra a
de armaduras, têm varinhas em vez de espadas. Parece
Ordem da Luz: se a honra de um cavaleiro dita que ele
loucura para os cavaleiros, mas dá certo.
deve embarcar numa missão suicida, ele pode sofrer
incontáveis atrasos e emboscadas, impedindo que Para arranjar o que fazer com os arcanistas
entregue sua vida. refugiados, o conde decidiu uni-los em uma escola.
Grandes áreas da Torre de Prata foram destinadas
Os Cavaleiros Solitários muitas vezes reúnem,
à prática e ensino de magia arcana. Os refugiados
manipulam ou auxiliam aventureiros — até mesmo
recuperam aos poucos seu orgulho e aprendem a viver
contra sua vontade. Vários grupos já narraram terem
num reino onde suas habilidades não são ilegais. Suas
sido pagos para atrapalhar a vida de um cavaleiro e,
famílias conseguem levar adiante o conhecimento
meses depois, descobrir que o salvaram de um perigo
acumulado. E vários filhos de outros nobres já vieram
mortal. Da mesma forma, grupos com pelo menos
ao castelo para aprender com os recém-chegados.
um cavaleiro às vezes passam por terríveis marés de
azar, apenas para obter um triunfo gigantesco logo Alguns cavaleiros, principalmente veteranos da
em seguida. Em Bielefeld, qualquer anão tagarela guerra civil, desconfiam disso. E se houver um agente de
tentando contratar um grupo para uma missão pode Ferren infiltrado entre esses exilados? Alguns afirmam
ter propósitos ocultos. que, ao pisar em Bielefeld, os refugiados deveriam
adotar os costumes de Bielefeld, abandonando a magia
O quartel-general dos Cavaleiros Solitários é uma
para se dedicar às armas. Não percebem o quanto isso
casa de vinhos em Roschfallen. É preciso falar um
chega perto do antigo discurso antimagia de Ferren
complexo conjunto de senhas para ser admitido no
Asloth. Outros acham que os refugiados poderiam
porão secreto onde ocorre o planejamento das opera-
continuar sua prática arcana, mas tantos deles reunidos
ções. O dono da casa é Felix Jannon, um aristocrático
num lugar só podem ser perigosos.
e paranoico viajante, explorador planar e caçador
de curiosidades. O líder é Thulbok Farandrimm, Frente a tudo isso, o Lorde Mago se mantém firme.
um anão que jura ser clérigo de Khalmyr, mas se Ele usa sua fortuna para amealhar heróis que estejam
comporta como sacerdote de Hyninn. Ou, às vezes, dispostos a combater os cavaleiros desonrados que
de Nimb. O terceiro Cavaleiro Solitário é Crawford, ameaçam seus protegidos, o que já colocou alguns
um “especialista em sobrevivência” que vive em uma grupos de aventureiros em conflito com nobres
verdadeira fortaleza. O último membro é Ambrose, importantes e até mesmo com a Ordem da Luz. Mas
um lunático e teórico de conspiração. Ambrose possui os refugiados fazem parte de seu povo. E é dever de
uma vasta rede de contatos e informantes que lhe um nobre defender seu povo.

Capítulo Um
92
Aventuras de interesse quase frenético nas cortes. Um dos mais
notórios cavaleiros misteriosos dos últimos anos é sir
Sem grandes pragas de monstros e com fortes Hielroy Générique Forget, cujo próprio nome parece
relações de lealdade, Bielefeld pode parecer um uma troça com os costumes da cavalaria. Contudo,
reino seguro. Em geral é — mas a segurança existe o cavaleiro já venceu diversos torneios, sempre se
principalmente dentro dos castelos. portando de forma galante e honrada — amealhando
uma grande quantidade de admiradores e de rivais.
Como nação rural, Bielefeld apresenta vastas áreas
Outro fenômeno comum em Bielefeld são
sem sinais de civilização. Cada nobre cuida de suas
cavaleiros errantes que ativamente procuram
terras, sem que um exército real forme perímetros
injustiças para corrigir e maldades para punir. Mesmo
ou estabeleça postos de vigilância. Nesses lugares
que um monstro ou vilão não esteja ameaçando seu
desprotegidos, um único monstro pode ser um grande
feudo, talvez um nobre queira partir para caçá-lo,
perigo. Há muitos casos de ogros e trolls que tomam o
apenas porque é a coisa certa a fazer. E para isso
controle de uma ponte ou trecho de estrada, exigindo
precisa de valorosos companheiros. Aventureiros
algum tipo de tributo. Cabe à família nobre local lutar
podem cumprir uma dessas missões como teste de suas
contra essas ameaças — ou contratar aventureiros.
capacidades e espírito galante. Dentre esses curiosos
Outro risco em Bielefeld são cavaleiros tentando benfeitores, destaca-se atualmente sir Karl-Eisen
amealhar ouro e glória. Alguns são honrados membros Poundmax, que tomou para si a inglória tarefa de
da Ordem da Luz, que desafiam para duelos e defender o povo élfico e uni-lo sob uma nova divindade.
justas guerreiros capazes de se defender. Outros são
Quase todos os aventureiros saídos de Bielefeld
aproveitadores que distorcem essa tradição para roubar
são combatentes. A cavalaria é uma inspiração
os mais fracos sob uma fachada de legitimidade. O perene: guerreiros trajam armadura pesada e armas
vencedor tem direito às armas, à armadura e talvez até ao tradicionais, caçadores escolhem montarias como
cavalo do perdedor. Ignorar esses desafios traz vergonha companheiros. Clérigos de Khalmyr e Lena também são
e fama de covarde a um cavaleiro… E pode render um comuns e o reino é um dos únicos que possui grande
ataque unilateral a um não cavaleiro. Afinal, como um número de paladinos. Outros tipos de aventureiros
“mero guerreiro” ousa recusar o desafio de um nobre? muitas vezes começam como “auxiliares” de cavaleiros
Também há o que se chama de “cavaleiros experientes, formando uma comitiva. Na verdade, um
bandidos”. Não são membros da Ordem da Luz, mas dos mais tradicionais tipos de grupos de aventureiros
baixos nobres que portam o título de sir. Atacam grupos em Bielefeld é um jovem nobre acompanhado por
de aventureiros ou plebeus, roubando tudo que têm e servos e vassalos de sua casa: o aprendiz do mago da
sequestrando alguns. Eles se aproveitam de seu título corte, a cavaleira jurada, a filha da mestra de caça,
para escapar das punições que recairiam sobre um o espião em treinamento, a noviça da capela…
bandoleiro comum. Mas, por trás das armaduras e
brasões, é isso que são. Muitas vezes, quando um
aristocrata é raptado por um cavaleiro bandido, a lei de
Bielefeld não pode fazer nada, pois costumes antigos
ditam que nobres rivais podem ser feitos prisioneiros,
desde que sejam “tratados adequadamente”. Resta à
família pagar o resgate ou recorrer a heróis.
Muitas aventuras em Bielefeld envolvem intriga
palaciana ou o modo de vida da Ordem da Luz. Aventu-
reiros podem encontrar torneios abertos com grandes
somas em dinheiro ou até itens mágicos como prêmio
principal. Esses torneios são centrados ao redor da
justa (competição com lanças entre cavaleiros), mas
também há a liça (uma batalha a pé entre múltiplos
oponentes), campeonatos de arquearia e até duelos
mágicos. Embora a justa seja teoricamente reservada a
portadores do título sir, qualquer um pode se inscrever
como um “cavaleiro misterioso”, escondendo o rosto
e o brasão, desde que tenha cavalo, lança e armadura. A
vitória de um cavaleiro misterioso muitas vezes é causa

O Reinado
93
Ilustração
Namalkah O REINO INDOMADO

N
em tudo é vazio, vento e chão neste um dos primeiros povos a venerar Hippion, o Divino
domínio de planícies infindáveis, Corcel: os centauros, seres quadrúpedes de corpo
mas a pátria dos namalkahnianos não equino e torso humanoide. Detentores de grandes
perdoa. Mais que um lugar, Namalkah rebanhos de bois, búfalos e cabras, não travavam
é uma ideia na mente de seus habitantes. Uma guerra por pastos ou recursos naturais, mas batalhas
ritualísticas para provar sua bravura.
lembrança da qual não conseguem se livrar,
mesmo que cavalguem até o fim do mundo. Outros povos, como migrantes humanos da Grande
Savana, foram sempre aceitos como iguais, desde
Em um passado ancestral, foi o ponto de peregrina-
que adotassem a religião hippionte. Com o tempo,
ção de povos nômades. A cancha sagrada onde galopa
a população humana superou a de centauros. Mas,
Hippion, o Deus Menor dos Cavalos. O nascedouro
emulando seus conterrâneos e em eterna adoração ao
de todos os furacões e tempestades, segundo lendas
Deus Menor dos Cavalos, esses humanos formaram
de uma cultura nativa tão sofisticada quanto rústica,
uma cultura centrada na equitação, na exploração e
incapaz de se curvar aos outros. Aqui os colonos vindos
na união de cavalo e ginete. Os centauros seriam para
de Lamnor jamais conseguiram impor seu modo de
sempre um exemplo. E, se humano e cavalo estavam
vida: eles é que foram assimilados pelo norte indômito.
separados em corpo, o mais alto ideal a ser atingido
E mesmo a aristocracia não controla a vastidão dos
é que estivessem unidos em alma. Antes de ver a si
ermos, povoados em sua maioria por gente livre.
mesmos como pertencendo a um reino, a cidades
Em Namalkah cavalos não são meros animais ou mesmo a aldeias e povoados, ginetes e montarias
dominados pelos humanos, e sim seus irmãos. Ginetes se consideravam parte de grupos viajantes, como os
recebem a custódia de um potro ainda na infância e centauros: os assim chamados tropéis.
formam com ele um laço de lealdade que carregam
Até onde se sabe, Hippion foi o maior fator de
até as portas da morte. Falam com suas montarias em
povoamento da área. Um cavalo cultuado como um
uma língua de sussurros e gestos, incompreensível
deus por animais e seres inteligentes, um dos deuses
a forasteiros.
menores mais presentes e atuantes até hoje, ele
Ainda assim, é uma terra capaz de acolher qualquer ocasionalmente podia ser visto pela população que
pessoa. Desde que não use esporas. percebia nisso uma inerente proteção divina. Já nessa
época ancestral Namalkah não dependia da fé em seres

História longínquos ou arrogantes. Tinha, afinal, sua própria


deidade de carne e osso, o trotar de cujos cascos ecoava
Muito, muito antes de qualquer um vindo de no mundo material e no espírito de seus fiéis.
Lamnor pisar nestas pradarias, elas já eram habitadas. Não que esses primórdios tenham sido uma época
Antes mesmo da humanidade. Aqui viveu, e ainda vive, tranquila. Alguns tropéis de centauros renegados

O Reinado
95
seguiam Megalokk, o Deus dos Monstros, não vendo segundo alguns, vem das palavras nativas namminuyh-
problema em capturar bípedes e usá-los em sacrifícios. nhnm, vento frio que sopra das Uivantes em direção ao
Havia também grupos de humanos cavaleiros de grifos, norte, e amalkhan, um termo intraduzível que descreve
proscritos de clãs bárbaros das Sanguinárias, que se ao mesmo tempo saudade de casa e ânsia por explorar.
assentaram no topo dos Montes Nublados, passando O neologismo descrevia perfeitamente a sensação de
a viver como saqueadores e ladrões de gado. viver na região abençoada por Hippion. Quando as
Esses conflitos internos levaram muitos clãs a se hostes foram finalmente convidadas a se juntar ao
deslocar para outros pontos de Arton Norte. Aqueles Reinado, esta denominação poética foi adotada para
que ficaram para trás continuaram a desenvolver uma o que formalmente passou a ser um reino, com uma
cultura própria, centrada na pecuária e na equitação. monarquia eletiva, mas ainda alicerçada nos antigos
Aprenderam a se defender de seus inimigos e muitos ritos de chefia das planícies.
adotaram um modo de vida seminômade, migrando
dentro das planícies conforme necessário. Ventos da Guerra
Em 1412, a Guerra Artoniana chegou a Namalkah
Sempre em Movimento e a cidade de Hippiontar marcou o ponto de resistência
Após a fundação de Valkaria em 1020, refugiados do reino, permanecendo milagrosamente intocada. O
sulistas descontentes partiram em caravanas para então Rei Borandir Silloherom estava na cidade para uma
explorar o norte. Muitos se sentiram abandonados transação comercial — ou, dizem alguns, porque recebera
pelos deuses em Lamnor, e as agruras da nova jornada um presságio de que sua presença ali seria importante.
reforçaram o pessimismo geral. Esses exploradores Dizem que a conquista de Hippiontar pelo inimigo
obstinados, orgulhosos e amargurados ignoraram foi evitada graças a um grupo de bravos heróis, que
os avisos dos nativos, usaram atalhos perigosos e cavalgou através de todo o reino para avisar o rei
por fim estabeleceram-se onde hoje é Salistick, o de uma invasão simultânea. A Supremacia Purista
Reino sem Deuses. ocupou todo o interior de Namalkah ao mesmo tempo,
Um braço dessa caravana, após divergências usando mobilização rápida de tropas transportadas por
internas, separou-se e escolheu continuar ao norte, aeronaves e túneis subterrâneos dos trolls.
seguindo uma antiga rota nômade. Enquanto os lam- Os mesmos heróis teriam sido responsáveis por
norianos que se assentaram em Salistick renegavam improvisar uma cavalaria alada com grifos, serpes e
totalmente os deuses, essa dissidência estava apenas gárgulas para atacar os transportes aéreos — um feito
decepcionada com a distância e o aparente descaso de totalmente aberrante aos costumes namalkahnianos.
suas divindades tradicionais. Relatos afirmam que a A tática de batalha assimétrica surpreendeu o inimigo.
expedição só parou frente ao intransponível Rio dos Infelizmente, a tropa formidável foi quase aniquilada
Deuses. Muitos lamnorianos teriam se convertido a nesta missão suicida e o Rei Borandir perdeu sua vida.
Hippion naquelas margens, após testemunhar o deus
majestoso galopando pelas planícies. Como ocorrera A batalha decisiva aconteceu no chão. O grosso das
séculos atrás, a presença física do deus foi vista como tropas da Supremacia foi vencido em terra, em grande
um sinal pelos recém-chegados. Considerando o sítio parte graças aos esforços do centauro Rark Cascos
abençoado, escolheram ali permanecer. Sangrentos. O antigo vilão se aliou aos humanos
em uma carga vitoriosa contra os arsenais puristas,
Esse núcleo original de povoamento se espalhou e empunhando seus dois machados imbuídos de magia.
deu origem à vila de Palthar em 1022 — logo se tornando
um entreposto movimentado. Seria a capital do reino Com o fim do conflito, Namalkah tenta se reerguer
por anos a fio, com seu estilo arquitetônico horizontal e das consequências da ocupação, agora liderada pela
construções em estilo nativo. Os lamnorianos acabaram Rainha Zallia Silloherom, filha do antigo rei, eleita por
adotando os valores dos tropéis das planícies vizinhas. aclamação entre os chefes de tropéis do reino.
Em poucas gerações, mesclaram-se ao povo local por
meio de casamentos, integrando-se à sua cultura.
Com a adição desta última e mais recente leva
Geografia
migratória, consolidava-se a comunhão dos vários Namalkah apresenta clima muito quente e úmido
tropéis da crença hippionte. Em 1065 esses bandos próximo ao Rio dos Deuses, mas seu interior é atra-
seminômades que compunham a nação seriam imorta- vessado por uma corrente de ar gélido das Uivantes,
lizados nos célebres versos do infame bardo Tantinbor trazendo ventos cortantes e erosivos. Tornados são
como as Veneráveis Hostes de Namalkah. O nome, comuns, representando ameaça frequente.

Capítulo Um
96
O reino é, em primeira impressão, uma planície
infindável, pontilhada por terrenos irregulares como
ravinas e coxilhas. Além do Rio Amarante que nasce
nos Montes Nublados, outros pequenos afluentes
correm por suas terras, mas poucos são caudalosos ou
amplos o bastante para formar vales ou depressões —
com exceção notável de alguns acidentes geográficos,
como os Desfiladeiros de Dópsia.
Há ao menos uma fronteira clara: o Rio dos
Deuses ao norte, além do qual se localiza a Grande
Savana. Bem menos exata a nordeste é sua fronteira
com um antigo desafeto, o reino de Callistia — hoje
incorporado às Repúblicas Livres de Sambúrdia.
Essa divisão é mais uma convenção histórica do que
geográfica; apenas nativos sabem dizer onde acaba
uma região e começa a outra.
Ao sul, marcada pela reconquistada cidade de Suth
Eleghar, temos a fronteira com a odiada Supremacia
Purista, vigiada por patrulhas de ginetes. A sudeste, além Namalkah
do Rio Vermelho, situa-se Salistick, o Reino sem Deuses.
Nome Oficial: Veneráveis Hostes
A oeste, atravessando diferentes pontos do Rio
de Namalkah.
Lengarim, é possível chegar às Estepes Selvagens,
região fronteiriça com as Montanhas Uivantes; ou a Lema: “Livre como o Vento, Forte como o
Zakharov, o Reino das Armas. Chão”.
Brasão: de verde um cavalo passante de
prata coroado de ouro.
Povo & Costumes Gentílico: namalkahniano.
Hoje a população namalkhaniana é formada em Capital: A Corte Errante.
sua maioria por humanos seminômades, de identidade
Forma de Governo: monarquia eletiva.
muito ligada à vida na planície, o que os diferencia de
reinos vizinhos. Embora existam muitas cidades, aldeias Regente: Rainha Zallia Silloherom.
e paradas de caravanas pelo reino, a unidade social mais População: 1.450.000.
importante ainda é o tropel: grandes grupos de ginetes
Raças Principais: humanos, centauros.
que conduzem gado, cavalos ou outros animais de um
ponto a outro, para comércio ou outros fins. Divindades Principais: Hippion,
Allihanna, Khalmyr, Nimb.
Centauros são presença comum no reino, ainda
que tenham sofrido baixas severas durante a Guerra
Artoniana. Muitos hynne locais abandonaram o reino
em êxodo para as Repúblicas Livres de Sambúrdia.
Humanos nativos costumam usar calças acolcho- A maior parte das forças militares namalkhania-
adas de lã e túnicas largas do mesmo material. Por nas não é composta por servos que juram lealdade a
cima vestem a pênula, espécie de manto que protege senhores em troca de proteção — e sim gente livre que
contra o frio. Botas, chapéus de abas largas e acessórios habita os ermos, vivendo em tropéis errantes lutando
de couro — inclusive armaduras — são frequentes. uns pelos outros. Azul, dourado, marrom e verde são
cores muito valorizadas no país, utilizadas em brasões
A aristocracia local não se veste de maneira tão di-
e uniformes nos tempos de guerra.
ferente da população comum, apenas usando materiais
de melhor qualidade. Com efeito, a nobreza, embora Um dos costumes mais importantes para um
próspera, controla parcas propriedades, considerando habitante de Namalkah é receber seu primeiro cavalo.
o território do reino como um todo. Em vez de terras Crianças aprendem a cavalgar desde cedo, recebendo
ou lavouras, o poder local é medido pela posse de a primeira montaria aos seis anos. É esperado que
rebanhos e ginetes lutando em seu nome. cuidem do animal como um pai cuida do filho. Essa

O Reinado
97
responsabilidade, tênue no início, se torna mais rigo-
rosa na adolescência. Negligenciar a própria montaria Governo
é malvisto; maus tratos são considerados crimes tão A atual rainha de Namalkah é Zallia Silloherom,
graves quanto agredir ou torturar pessoas. filha de uma guerreira amazona e do rei anterior. É
Deixar o primeiro cavalo morrer, mesmo que por a única herdeira de um rico clã criador de cavalos,
acidente ou doença, é sinal de mau agouro, trazendo famoso por organizar torneios. Embora não aparente
estigma social. Uma das piores ofensas a um nativo é por suas vestes simples, é uma das mulheres mais
dizer que este “usa esporas” em suas botas; tal acusa- ricas e poderosas do Reinado.
ção invariavelmente resulta em desafio para um duelo, O primeiro ato do governo de Zallia foi restabelecer
que pode ser uma corrida ou briga de faca. Segundo a tradição ancestral da Corte Errante, retomando
os costumes namalkahnianos, a comunicação entre alguns mitos fundadores do reino para unir a população
ginete e montaria deve ser intuitiva e não violenta. nestes tempos difíceis. Hoje em dia, onde quer que a
Assim, esporas são consideradas uma ferramenta de hoste guerreira da monarca decida acampar torna-se
covardes e incompetentes. automaticamente a capital namalkhaniana. Zallia está
Em geral, a sociedade namalkhaniana é aberta a sempre viajando e recrutando aventureiros para ajudar
outros povos e culturas — mas isso não significa ser a resolver os infinitos problemas afligindo sua regência.
livre de preconceitos. Ser esguio e atlético é considerado Alguns boatos afirmam que o restante da dinastia
padrão de beleza, enquanto os sedentários ou incapazes Silloherom foi vitimado por uma estranha maldição.
de cavalgar são estigmatizados. Também existe forte Seja verdade ou não, a nova rainha parece determinar
hostilidade contra nativos do antigo reino de Callistia,
seu próprio destino e desafiar com pura força de
considerados empolados, preguiçosos e decadentes.
vontade o sortilégio lançado sobre sua família.
Salistick costumava ser considerado um “reino irmão”,
com fazendeiros enviando seus filhos para o Colégio A política local é derivada das tradições do norte de
Real de Médicos. Porém, há ressentimento quanto à Arton. Os habitantes de uma cidade ou acampamento
neutralidade dos salistienses durante a última guerra. costumam se reunir periodicamente, escolhendo seus
chefes com base em bom senso e consenso, após um
debate aberto. Geralmente os escolhidos estão entre
Hippion e as pessoas mais velhas e experientes na comunidade,
Outros Deuses mas combatentes jovens costumam ter preferência em
A principal divindade do reino é Hippion, o Deus tempos de guerra, desde que sigam a religião hippionte.
Menor dos Cavalos, sendo uma das poucas nações Quando surge dúvida, o impasse é resolvido em rápida
conhecidas que tem como principal padroeiro um votação, ou algum tipo de jogo ou disputa. É comum
deus menor. Dizem as lendas que Hippion seria um que corridas em cancha reta ou outras provas de
semideus filho de Allihanna, a Mãe Natureza. Ao longo equitação sejam usadas para solucionar esses casos,
da história de Arton ele teria servido como montaria em vez de duelos ou outros confrontos violentos.
para rainhas amazonas, paladinos e grandes heróis — Chefes eleitos participam de reuniões periódicas
algo provado verdadeiro quando Hippion foi cavalgado na Corte Errante para discutir o rumo da nação. Esse
por Orion Drake em 1405, durante sua batalha final enclave também aponta possíveis sucessores e suces-
contra as forças aberrantes da Tormenta. soras ao trono de Namalkah. Os candidatos devem
Alguns afirmam que Hippion gosta de assumir então vagar pelas planícies até encontrar Hippion:
a forma de cavalos comuns e seus ginetes nem des- quem domá-lo e retornar cavalgando-o prova ter seu
confiam terem sido escolhidos por ele. Encontrá-lo consentimento para governar. Catástrofes naturais ou
cavalgando nas planícies de Namalkah é visão rara, outros fenômenos podem ser interpretados como mau
mas recorrente, sendo considerado um bom augúrio. presságio pelos altos sacerdotes. Nesses casos, os che-
fes podem mais uma vez ser convocados para a Corte
Nimb é uma presença bizarra, mas marcante, no
Errante para discutir a deposição do rei amaldiçoado.
reino. Existem locais tocados pela loucura do Deus
do Caos, onde a própria realidade se comporta de
maneira diferente. A maioria dos habitantes considera
que esses lugares são “amaldiçoados”, “malignos” Locais importantes
ou simplesmente palco de histórias infelizes. Apenas
alguns sábios e aventureiros e exploradores conhecem A Corte Errante (capital)
a verdade e notam que muitas anedotas históricas de Quando se chega às cercanias de uma cidade
Namalkah são efeitos perigosos e alarmantes do Caos. namalkhaniana, ou mesmo enquanto se cavalga em

Capítulo Um
98
meio ao mais completo nada da pradaria, às vezes é qualquer tipo. Isso acontece porque, apesar de ser
possível avistar ao longe um acampamento de tendas um grupo relativamente pequeno, todos os líderes ou
com os estandartes do reino presos a longas lanças. ginetes do acampamento são heróis com suas próprias
Fumaça emana de fogueiras onde ginetes veteranos, salvaguardas contra aço e magia, mais que capazes de
provenientes de diversos tropéis, discutem em debates se defender sozinhos — incluindo a própria rainha.
acalorados ou contam histórias enquanto assam cordeiro
A prática da Corte Errante tornou Zallia muito
e degustam bebidas quentes. Aos olhos estrangeiros
aclamada entre seus súditos, mas também representa
pode não parecer, mas esta é a capital de Namalkah.
um risco. Embora os membros da corte estejam
A Corte Errante é uma tradição antiquíssima, relativamente a salvo de ataques diretos, alguns
remontando ao tempo em que manadas de centauros afirmam que é muito fácil para sszzaazitas ou outros
dominavam as planícies. Os capitães de hoste da época conspiradores infiltrar-se nas decisões políticas do
não podiam demonstrar preferência por nenhum assen- reino. A diplomacia com outros reinos também
tamento, então tinham seu próprio tropel, composto pode ser prejudicada, já que poucos regentes estão
pelos guerreiros e sábios mais proeminentes. Vagavam acostumados a essa prática.
pelo reino, cuidando pessoalmente dos problemas de
Não é incomum que a Corte Errante se depare com
seus súditos. De tempos em tempos, uma assembleia
problemas ou ameaças em suas viagens infindáveis. E,
decidia a próxima parada da corte itinerante, com o
ainda que conte com muitos heróis, eles não podem
fim de debater e resolver problemas.
abandonar seus postos para resolver tudo. Assim, é
Essa instituição foi retomada pela atual Rainha frequente que grupos de aventureiros sejam chamados
Zallia, sentindo que o reino precisava recuperar um para cavalgar com a Corte Errante durante algum
poderoso símbolo nacional, capaz de reerguer o moral tempo, servindo como batedores ou “resolvedores de
ainda combalido pela guerra recente. Mais que isso: problemas”. Essa é uma honraria muito disputada por
uma sede de governo móvel permite à monarca ver com aventureiros namalkahnianos e um prêmio inigualá-
os próprios olhos lugares distantes e negligenciados vel para estrangeiros. Ao contrário do que costuma
da infinita pradaria. acontecer em outros reinos, em Namalkah não são
Qualquer um pode adentrar a Corte Errante aventureiros errantes que são chamados à corte real:
portando armas ou usando habilidades especiais de muitas vezes a corte vai até eles!

O Reinado
99
Hippiontar Palthar
Uma das cidades mais importantes de Namalkah Cidades namalkhanianas são modestas, sem
começou como um mero rancho no meio do nada, até exibir luxo exagerado. Torres e estruturas elevadas
que recebeu a visita de Hippion, que escolheu o estábulo são raridades. Pode fazer parecer que se trata de um
para passar a noite. A família Verimm, proprietária do reino pobre, sem recursos. Na verdade, o próprio povo
rancho, trouxe tudo que tinha de riquezas em oferenda prefere esse estilo de vida, valorizando outras formas de
à divindade. Quando Hippion partiu pela manhã, os conforto. A arquitetura local privilegia espaços abertos
rancheiros começaram a experimentar uma época de e áreas verdes, mesmo nas cidades mais povoadas.
boa fortuna que não acabou até hoje, séculos depois. Quase não se vê casas de alvenaria com mais de um
A fama do lugar se espalhou e o pequeno rancho se andar — poucos em Namalkah gostam de estar longe
transformou na cidade de Hippiontar, também chamada do solo. Esse tipo de estruturação horizontal resulta
de “Baia de Hippion”. em percorrer grandes distâncias para chegar a qualquer
Hippiontar não passa de uma vastidão de estalagens, lugar — o que não costuma ser problema para gente
canchas de corrida, pequenas fazendas e oficinas espa- nascida no dorso de um cavalo!
lhadas numa planície ao redor do rancho. Contudo, os Palthar, o maior assentamento e antiga capital de
tropeiros de Namalkah consideram que em cada viagem Namalkah, é talvez o melhor exemplo do que esse
devem parar pelo menos uma noite em Hippiontar, estilo de vida pode oferecer. Tem amplas ruas de para-
assim como Hippion fez tanto tempo atrás. A “cidade” lelepípedos, imensos (mas baixos!) prédios públicos e
está sempre recebendo visitantes que trazem oferendas, uma elaborada infraestrutura que conta com galeria de
gastam dinheiro nas tavernas, hospedam-se nas esta- esgotos e aquedutos, além de pequenos palácios. Aqui
lagens e, é claro, visitam a lendária baia onde Hippion fica o Mausoléu de Hippion, onde estão enterrados
dormiu. É comum que mais de uma tropa ou caravana alguns dos cavalos mais famosos da história do reino;
se encontre em Hippiontar, resultando em superlotação, o Instituto de Estudos Equinos, instituição influen-
algumas brigas e muita bagunça. Mesmo assim, é raro ciada pelo reino vizinho de Salistick, onde se pesquisa
que exista violência real ou mesmo grandes problemas. e se ensina medicina e teologia centrada em cavalos, e
Todos que visitam a baia onde o Deus Menor dos também os Parques Tranquilos, onde animais velhos
Cavalos esteve relatam boa sorte — bebedeiras épicas e doentes são cuidados por druidas, sendo tratados
resultam em nenhuma consequência ruim, rivalidades como aventureiros ou soldados veteranos.
são resolvidas amigavelmente, acordos comerciais dão Palthar sempre teve ótima qualidade de vida — a
certo… Isso faz com que Hippiontar também seja um família Silloherom considera que proteger a cidade é
ponto muito procurado por comerciantes, nobres e seu dever e há séculos dedica muitos recursos a manter
diplomatas. Desde que se preste homenagem ao deus, a prosperidade local. Isso não mudou, mas hoje em
tudo que tem início aqui costuma dar bons frutos. dia a antiga capital é algo como uma cidade fantasma:
Alguns estudiosos já especularam sobre algo mais a maioria dos habitantes se juntou aos tropéis do
sinistro neste lugar. Hippion não tem nada a ver com exército contra os puristas e permanece de prontidão no
sorte e azar, não deveria fazer sentido que probabilidades caso de uma nova guerra, enquanto muitos guerreiros
fossem distorcidas por sua passagem. Existem lugares e nobres foram integrar a Corte Errante da Rainha
em Namalkah tocados por Nimb e sabe-se que, assim Zallia. Restaram apenas os muito jovens ou muito
como os outros deuses do Panteão, ele pode assumir velhos. Os palácios locais, antes domínio de ricaços
qualquer forma. Alguns sussurram que o cavalo que e nobres, hoje são habitados por famílias modestas,
visitou Hippiontar não era Hippion, mas o Deus do Caos mas não parecem trazer alegria para seus moradores.
disfarçado. Segundo esses estudiosos, toda boa sorte Os cidadãos parecem sempre imersos em nostalgia
gerada em Hippiontar precisaria ser compensada ou e melancolia, sonhando com tempos distantes, quando
“paga” de alguma forma. Talvez com azar extremo para a guerra total ou ameaças como a Tormenta eram des-
algum amigo ou familiar da pessoa abençoada. Talvez conhecidas. Talvez por isso, ou algum outro fenômeno
com uma torrente devastadora de má sorte no futuro. arcano, fantasmas (de humanos e cavalos) perambulam
Alarmado por essas sugestões, o clã Verimm está pelas ruas à luz do dia, ou assombram casarões deca-
convocando aventureiros para desvendar o mistério ou dentes e vazios, sem perceber que morreram. Também
até mesmo localizar o próprio Hippion e tentar arrancar devido a esse marasmo, não é incomum que aventureiros
dele uma resposta. Contudo, como garantir que esses sejam contratados por cidadãos de Palthar com alguma
heróis estariam falando com o Deus Menor dos Cavalos desculpa, mas com a única finalidade verdadeira de
e não com o Deus do Caos disfarçado mais uma vez? ouvir suas histórias e trazer alguma vida à cidade.

Capítulo Um
100
Dizem os boatos que alguns desses grupos envelhecem não pode ser dito da cidade em si. As terras em suas
rapidamente em Palthar, inexplicavelmente “decidindo” cercanias mais imediatas foram quase completamente
se assentar aqui e abandonar a vida errante, unindo-se incendiadas, antes de sua reconquista pelos exércitos
à população de saudosistas e almas penadas… de Namalkah. Grande parte dos cavalos foi roubada
ou envenenada. O fechamento da fronteira também
Yron privou a cidade de seu maior mercado — a cidade de
Drekellar, hoje parte do atual território da Supremacia.
Esta cidade fica situada às margens do Rio Amaran-
te, segundo maior do reino (o primeiro, naturalmente, Felizmente, a Rainha Zallia veio em socorro.
é o Rio dos Deuses). Por sua posição privilegiada, Ordenou a construção de uma imensa fortaleza — obra
atua como ponto de entrada para grande parte das que tem empregado quase toda a plebe local. A nobreza
importações do país — sendo um dos entrepostos também foi atendida: sua produção agora é comprada
comerciais mais notáveis da região norte. diretamente pelos tropéis que formam o exército de
Namalkah. Dizem que o reino não gastou um só tibar
Embora não tão vasta quanto Hippiontar ou de seus cofres públicos na reconstrução: todo o ouro
Palthar, Yron é igualmente rica. Faz parte da tradição veio das reservas pessoais da monarca.
local adornar cavalos com joias e gemas preciosas e usar
adornos melhores que seu cavalo é visto como mau Em homenagem à rainha ginete, o imenso anfiteatro
gosto. Os mais endinheirados equipam sua montaria local, uma das poucas ruínas restantes dos dias pré-confli-
com ferraduras de ouro, prata ou até platina. to, foi restaurado e renomeado Hipódromo Real. Abriga
hoje algumas das mais impressionantes corridas de Arton.
Yron é especializada em serviços: sua pecuária é fraca, Muitos nobres, e suas tropas estacionadas na cidade,
mas compensada pela qualidade de seus treinadores e passam o tempo livre fazendo apostas — o principal
cavalariços. No ramo de aventuras, alguns dos mais hábeis lazer da população, obcecada em saber tudo sobre seus
cavaleiros mercenários podem ser contratados aqui. corredores favoritos. As corridas no Hipódromo são
O Templo de Hippion local tem clérigos especia- verdadeiros festivais, mas às vezes são infiltradas por
lizados em doenças e maldições ligadas a equinos. competidores da Supremacia que atuam como espiões em
Igualmente digna de nota é a Guilda dos Tratadores, busca de informações sobre as defesas do reino ou mesmo
que organiza escolas e tutelas específicas ligadas aos assassinos, tendo como alvo nobres ou campeões locais.
animais. A maioria dos namalkahnianos sabe criar e
cuidar de cavalos, mas apenas os professores yronenses
formam mestres nessa arte — e em combate montado.
Izzileria
Não raro, jovens nobres de outros reinos chegam em Namalkah é um reino simples e rústico — muitos
transportes fluviais para estudar aqui. acusam-no de ser simples demais. Mas Namalkah tem
suas estranhezas, e algumas delas são mantidas em
Alguns namalkahnianos acusam o povo de Yron segredo. Talvez o maior exemplo seja Izzileria.
de ser tudo que tradicionalmente se abomina no reino:
sedentários cheios de luxos vivendo às margens de Situada próxima à Pista do Unicórnio Funesto,
um rio (como os odiados callistienses). De fato, Yron Izzileria era uma aldeia como qualquer outra em Na-
tem sua parcela de empolados e arrogantes. Muitos malkah. Governada por homens e cavalos, recebendo
ricaços contratam aventureiros para escoltar seus filhos periodicamente tropeiros e competidores das carreiras,
e filhas em “missões”, fazendo todo o trabalho para a única coisa que a diferenciava do resto eram ocasionais
que os herdeiros fiquem com a glória. Muitos também fenômenos estranhos, raros demais para provocar grande
tentam pagar heróis para perder em duelos ou corridas, alarde. Vez por outra, um bezerro nascia com duas cabeças
elevando o próprio nome sem precisar de habilidade. ou uma criança nascia com a capacidade de ler mentes.
Uma árvore apresentava folhas azuis ou um córrego
congelava em pleno verão. Esquisitices descartadas pelos
Suth Eleghar ginetes, com sua mente objetiva e tranquila.
Como cidade mais próxima da Supremacia Purista, Quando houve a tragédia na Pista do Unicórnio
esta costumava ser uma grande exportadora de cavalos, Funesto, Izzileria perdeu uma de suas principais
o ponto comercial mais importante do sul do reino. fontes de renda e ganhou um perigo. Mas o povo não
Tudo mudou quando os puristas a invadiram, tomando debandou por completo — em vez disso, os jovens
seus estábulos. Cavalos destinados a corridas e torneios desafiavam uns aos outros para ver quem tinha coragem
passaram a ser usados como montarias de combate. de chegar mais perto do local maldito, os mais velhos
Fazendas nos arrabaldes da cidade permaneceram repetiam de novo e de novo a história de Andhes e
intactas, são ainda um pólo de produção. Mas o mesmo Sooliah. E as esquisitices pioraram. Alguns dizem que

O Reinado
101
“De cima de meu cavalo altivo
Irmão aonde quer que eu vá
Palpita meu coração errante
De saudade de Namalkah.”

— Trecho do poema de Rijad Dallir,


bardo namalkahniano

a região toda ficou marcada pelo caos, a sorte e o azar: de carvão. Já empobrecida, Izzileria caiu na miséria
assim como certas doenças ou venenos podem deixar total, mal subsistindo com a raríssima passagem de
sequelas permanentes em uma pessoa, os eventos tropeiros e as plantações de vegetais que podem ou
deixaram um resíduo caótico que o tempo não apagou. não se transformar antes de serem consumidos.
Já era possível notar que Izzileria não era como as O líder do povoado é Santhell, um cavalo inteli-
outras aldeias. Não nasciam apenas bezerros de duas gente e capaz de falar, coberto por finas minhocas no
cabeças: agora eram bezerros com asas de mosca. Os lugar do pelo. É bem-intencionado, mas já está muito
humanos nasciam com pele transparente, os cavalos velho e pouco pode fazer contra a loucura que existe
eram capazes de voar, as plantas falavam. Mesmo assim, no local. Os habitantes de Izzileria são amedrontados e
tudo esporádico. Os tropeiros de passagem cada vez inquietos, e desconfiam de forasteiros. Apenas Santhell
mais convenciam-se de que não valia a pena chamar faz qualquer esforço para acolher visitantes.
atenção para aquilo: o povo da aldeia devia tomar conta
de seus próprios assuntos, e Izzileria tornou-se um Desfiladeiros
lugar a ser omitido de histórias, ignorado em mapas.
de Dópsia
Houve uma nova piora depois da passagem de Uma das raríssimas áreas montanhosas do reino, e
um cavalo tocado por Nimb, um animal do Caos consequentemente uma das mais famosas (juntamente
chamado Bandido. com os Montes Nublados), os Desfiladeiros de Dópsia
Agora eram raras as pessoas, cavalos, plantas e são resultado da erosão do Rio Ammnes, outrora
construções normais. As mutações ocorriam esponta- vasto e caudaloso. Hoje não passa de um córrego nas
neamente, em indivíduos já adultos. A água do poço profundezas dos estreitos. O que teria causado sua
não congelava: transformava-se em fogo, que crepitava diminuição ninguém sabe.
com música de alaúde. As árvores nasciam de cabeça Os Desfiladeiros estão entre os lugares mais peri-
para baixo, as casas transformavam-se em cristal. Os gosos de Namalkah. Foram tomados pelos finntroll e
habitantes acordavam para notar que seus pés haviam ainda hoje permanecem sob seu controle, protegidos
virado cabeças de cães, e seus filhos agora eram feitos por monstros nativos sob encantamento: ciclopes,

Capítulo Um
102
gigantes, ogros e trolls comuns. Não é incomum cendentes de povos vindos das Sanguinárias. Estes
encontrar esses seres emboscando caravanas, grupos bárbaros teriam sido liderados na guerra contra os
de aventureiros ou tropéis de ginetes. Alguns dizem puristas por uma mulher conhecida hoje apenas
que os finntroll têm uma magia que transforma a água como “Princesa” — notória bandoleira e ladra de
de cantis em óleo escuro, obrigando viajantes a mudar gado. Ela talvez possa ser convencida a encerrar suas
sua rota original para passar por aqui e reabastecer. atividades e trabalhar para a coroa, se receber ajuda
A região seca e pedregosa é também propícia como para derrotar um dragão bicéfalo que aterroriza a
esconderijo de felinos selvagens, quimeras e grifos. região. Mas as autoridades do reino não parecem
Aparentemente não há lobos: caçadores dizem que interessadas em lidar com tal ameaça…
eles foram embora “viver em algum lugar mais calmo,
como uma área de Tormenta, por exemplo!”. Refúgio de Alliah
Com planícies verdejantes cobrindo praticamente
Montes Nublados todo o reino, qualquer tipo de vegetação mais cerrada
Ponto mais alto de Namalkah, os Montes Nublados ou acidente geográfico acaba por se tornar conhecido,
são modestos se comparados às Uivantes ou Sanguiná- por menor que seja. Assim aconteceu com esta floresta.
rias. Para os habitantes do reino mais plano de Arton, O refúgio é na verdade a parte mais interna de
contudo, são vistos com espanto e admiração. Assim um bosque no extremo leste do reino, com árvores
chamados devido aos cumes sempre encobertos, são medianas e espaçadas. Um druida poderia definir o
formados por quatro elevações principais — a maior lugar como não mais que um matagal.
abriga a nascente do Rio Amarante. Sua escalada não Nada haveria de curioso no bosque, não fossem
é difícil com treino e experiência, e cavernas nas partes os centauros que o habitam. De fato, este lugar é
baixas servem de abrigo para viajantes. Isto é, quando proibido para não centauros e costumava até mesmo
não estão ocupadas por animais selvagens. ser protegido por um acordo com a coroa do reino,
Namalkahnianos preferem evitar os montes, garantindo que as outras raças nunca o perturbariam.
por serem habitados por cavaleiros de grifos, des- A única exceção eram os elfos.

O Reinado
103
Durante a guerra, o Refúgio foi impiedosamente uma cidade com construções de pedra e alvenaria, e
atacado pelos puristas, que encontraram uma resis- muralhas repletas de entalhes, pinturas e hieróglifos.
tência liderada por Brahm Crina Negra. Relatos Há tesouros antigos, por isso o lugar costuma ser
diziam que os centauros haviam sido dizimados.
visitado por saqueadores de tumbas e expedições de
Mas, quando tropeiros humanos tentaram entrar no
aventureiros. Estes costumam ser financiados pela
bosque recentemente, foram repelidos por Brahm e
coroa do reino, buscando artefatos. Mas as ruínas são
seus súditos, como se nada tivesse mudado! Ninguém
perigosas, habitadas por tipos únicos de mortos-vivos.
sabe qual a verdade por trás da “ressurreição” desses
seres. Alguns dizem que é uma bênção de Thyatis e Curiosamente, estudiosos descobriram que os
o cumprimento da antiga profecia que falava do “Rei antigos habitantes de Alkav nunca domesticaram
dos Centauros”. Outros afirmam que os habitantes cavalos, considerando-os bestas selvagens. Alguns
do bosque são mortos-vivos. E há quem diga que os sábios suspeitam até mesmo que esse povo os temia ou
atuais “centauros” não passam de hynne ilusionistas, os caçava. Alguns murais retratam cavalos monstruosos
assustando forasteiros com seus truques! destruindo torres e monumentos, o que leva a crer que
esses animais tenham trazido a ruína da tal civilização.
Pista do Certos teólogos chegam a sussurrar a sugestão herética
de que isso teria sido obra do próprio Hippion, mas
Unicórnio Funesto ninguém sabe o porquê.
Outrora usada para sediar torneios entre ginetes,
esta arena de jogos foi abandonada devido a um inci-
dente trágico, ocorrido há mais de 50 anos. Durante Guildas &
uma corrida, a amazona Sooliah e seu fabuloso uni-
córnio Andhes estavam à frente, sem desconfiar que Organizações
um competidor trapaceiro contratara capangas para
colocar armadilhas na pista. Caindo em uma delas, o
unicórnio tropeçou e derrubou sua dona, matando-a
As Amazonas
acidentalmente com o chifre. O Reino Indomado até hoje hospeda tropéis
matriarcais, governados por algumas das melhores
Enlouquecido, Andhes massacrou todos os outros guerreiras do continente. Vários desses clãs já serviram
competidores, incluindo o assassino, e seus cavalos. como guarda-costas a famílias de governantes em todo
Naquele instante o unicórnio — animal mágico de o Reinado. Alguns grupos são formados exclusivamente
bondade e pureza — adquiriu aspecto sombrio, seus por mulheres, que perpetuam seu clã adotando e
olhos se tornaram vermelhos. Transformou-se em uma
treinando novas aprendizes.
fera abissal, corrompida pelo ódio, que ainda hoje ronda
o sítio, galopando em sua pista forrada de cadáveres. Existem inúmeros bandos de amazonas, com
seus próprios valores e leis. Embora sempre voltem
Alguns afirmam que incidente tão trágico deve ter o
a Namalkah de tempos em tempos, estão dispersos pelo
dedo de Nimb, o Deus do Caos — teoria reforçada por
continente. Um dos maiores e mais poderosos bandos
visitas ocasionais de Dee, seu sinistro sumo-sacerdote,
é o das Amazonas de Hippion — algumas de suas
com suas maças cobertas de melado, sangue e moscas.
lideranças já se tornaram monarcas deheoni através do
Embora a maioria dos tropéis evite a todo custo esta
casamento. Outro tropel notório é o da Planície sem
área, alguns afirmam que o Unicórnio Funesto continua
Fim: descendentes da famigerada heroína Duria, não
aceitando desafios e correndo na cancha reta contra
cultuam o Deus Menor dos Cavalos, mas Allihanna.
aqueles que sobrevivem a suas investidas. Qual o
Veem com desconfiança os demais namalkahnianos,
prêmio? Alguns dizem que é o favor eterno de Nimb.
jamais adentrando suas cidades.
Outros, que é a libertação do espírito de Sooliah ou a
redenção do próprio Unicórnio Funesto. Por fim, há
quem diga que o vencedor poderia domar o unicórnio, Cavaleiros
transformando-o em sua montaria para sempre. da Tempestade
Estes misteriosos cavaleiros representam um dos
Ruínas de Alkav maiores mistérios de Namalkah. Quando há inocentes
Nem os centauros sabem dizer quem — ou o em perigo — sejam vítimas de monstros, bandidos ou
que — vivia nestas ruínas. Uma civilização antiga e mesmo desastres naturais — eles surgem com suas
desconhecida habitava o lugar antes mesmo de sua montarias furiosas, combatem a ameaça e partem,
chegada. As evidências de sua presença são restos de sem dizer palavra. Receberam esse nome porque uma

Capítulo Um
104
grande nuvem de pó e areia, levantada pelos cascos
de seus cavalos, ergue-se no horizonte quando estão Aventuras
prestes a chegar. O povo acredita que essa nuvem é O maior flagelo das pradarias de Namalkah são os
de onde eles vêm e para onde vão. grifos: criaturas parte águia, parte leão, com apetite
Não se sabe quantos são, pois seu número muda total por cavalos! Embora individualmente não sejam
a cada aparição: podem ser cinco ou seis, ou então desafio a tropéis de lanceiros atentos, as feras costumam
dezenas. Suas faces também são desconhecidas, pois atacar em revoadas selvagens e famintas. Como lobos,
usam máscaras. No entanto, como notou um forasteiro os grifos tentam isolar e depois atacar em conjunto as
certa vez, todos carregam espadas e escudos similares presas mais fracas. Quase todo namalkahniano conhece
àqueles usados por guerreiros do Deserto da Perdição alguém que perdeu um parente em uma batalha contra
— que fica milhares de quilômetros ao norte, muito um grifo. Quimeras, mantícoras, serpes, dragões ferais
além do Rio dos Deuses. e outros predadores alados já foram avistados a céu
aberto, mas seus ataques são mais raros.
Alguns dizem que os Cavaleiros da Tempestade
são espíritos cumprindo uma missão, ou estariam A outra grande praga das planícies são os sa-
aguardando uma ordem de seu comandante. Outros queadores. Esses bandidos atacam em grupos bem
dizem que são manifestações do poder de Hippion, organizados, sempre liderados por um ginete expe-
encarregados de ajudar seus devotos. riente. Existem inúmeros, alguns com seus próprios
estandartes e gritos de batalha.

Tropel dos Os mais temíveis são a Gangue dos Pistoleiros,


liderada por goblins alquimistas cavalgando mulas
Cascos Sangrentos robustas; os Lacaios de Glórienn Flechicerteira,
Os Cascos Sangrentos eram um bando de centauros, elfos fanáticos ainda seguidores de sua antiga deusa, e
dissidentes e proscritos dos tropéis que habitavam o a odiosa Hoste das Seis Faixas, fundada por proscritos
Refúgio de Alliah. Com o tempo, abandonaram Hippion que colaboraram com os puristas durante a invasão
e voltaram a adorar uma divindade mais primordial: do reino e composta inteiramente por humanos. Há
Megalokk, o Deus dos Monstros. também o Bando do Reino Celeste, integrado por
ginetes de grifo dos Monte Nublados, chefiados pela
São conhecidos desde sempre como tiranos e
famigerada criminosa “Princesa”.
canibais — mas sua sociedade é mais complexa do
que parece. Liderados pelo poderoso clérigo Rark Entre animais selvagens comuns há grandes
Cascos Sangrentos, eles têm seu próprio código de felinos como panteras e leões de pradaria que caçam
honra: tomam como prisioneiros apenas humanos manadas de bestas herbívoras (também bastante
ou finntroll capturados em batalha e se alimentam ferozes). As matas são ricas em variedade de pássaros
somente de oponentes fortes, em uma espécie de ritual e insetos, incluindo versões gigantes e atrozes. Já os
destinado a absorver seus poderes. desfiladeiros costumam abrigar todo tipo de criatura.
Por estranho que pareça, sua intolerância contra Por fim, aventureiros de outros reinos podem ser
os “filhos de Valkaria” os manteve alertas e vivos enredados na teia surpreendentemente complexa de
durante a invasão da Supremacia Purista — enquan- diplomacia e alianças entre tropéis. Na superfície, não
to outros bandos foram expulsos, capturados ou passam de bandos viajantes, mas além de amizades e
massacrados. Os Cascos acabaram relutantemente inimizades entre humanos, também existem as relações
convencidos por aventureiros a lutar do lado dos entre os cavalos. Não é raro que um grupo de heróis
namalkahnianos, em uma aliança de conveniência. seja expulso de uma região porque ousou cavalgar o
Esse fato causou, talvez, uma das maiores ironias de desafeto de um cavalo importante perto de seu tropel,
Arton: Rark foi alçado ao posto de herói! ou porque não deu um funeral honrado o suficiente a
uma montaria caída em batalha.
Hoje, baladas descrevem o clérigo com sua arma-
dura de ferro e seus dois machados mágicos abatendo,
sozinho, milhares de invasores — o que parece exagero,
mas não é. Tais histórias têm levado jovens
namalkahnianos impressionáveis a cultuar
sua figura em segredo, assim como seu deus
bestial. Alguns se desgarram de seus tropéis
civilizados para regredir a um estado selvagem, em
adoração ao Deus dos Monstros.

O Reinado
105
Wynlla O REINO DA MAGIA

E
m Arton, certamente há incultos e su- quaisquer povoações nativas, a região era considerada
persticiosos que temem conjuradores. assombrada, infestada de monstros e assolada por
Mas estes são exceções. Quase todos fenômenos estranhos. Mesmo para os padrões de
concordam, a magia é um presente dos Arton, aquelas paragens eram perigosas demais.
deuses. Aqueles que a aceitam e dominam são Tentativas de colonização foram logo abandonadas.
Aventureiros e exploradores retornavam de missões
iluminados, estão mais próximos da perfeição.
com relatos espantosos, histórias de paisagens bizar-
São respeitados, prestigiados, aclamados. Supe-
ras e feras impossíveis. Ainda, arcanistas inquietos
riores aos mundanos. Tão importantes quanto advertiam sobre uma dificuldade anormal em utilizar
nobres, monarcas e heróis, senão mais. os próprios poderes.
Em nenhuma outra nação essa reverência é tão Para colocar fim ao mistério, Wortar I — regente
pronunciada quanto em Wynlla. Aqui, neste reino de Deheon na época — enviou uma expedição liderada
fabuloso de torres cristalinas, mundano e arcano são por Karias Theuderulf, seu próprio mago da corte,
diferentes como água e vinho. A habilidade de conju- conselheiro e amigo de longa data. Profundo estudioso
rar separa nobres e plebeus, regentes e camponeses, de assuntos místicos, Karias foi um dos maiores
cidadania e gentalha. O imenso abismo social pode arcanistas em todos os tempos. Fazia uso de poções
ser cruzado apenas por meio da mágica. O Reino da miraculosas para prolongar a vida; já praticava artes
Magia é uma nação rica e poderosa, mas nem todos arcanas desde antes da Grande Batalha em Lamnor.
desfrutam de sua prosperidade.
No comando de aventureiros audazes, Theuderulf
percorreu longamente a região agourenta. Suas paisagens
História eram fantásticas, com céus de cores exóticas e monta-
nhas de cumes cristalinos. Também havia monstros em
Wynlla foi fundada no ano de 1056, não muito profusão, sobretudo feras elementais, e até dragões.
depois da própria constituição de Deheon. Diferente Uma grande cidadela de pesquisa foi estabelecida como
de outras nações, nascidas da expansão de povoados base de operações. Dali, novas expedições partiram para
em áreas acolhedoras, o Reino da Magia surgiu em vasculhar tudo em volta. Foram meses de exploração,
terras que outros queriam evitar. aventuras, perigos e descobertas.
Os reinos ainda recém-formados de Bielefeld e Após longa campanha, o arquimago real enfim
Tyrondir buscavam traçar suas fronteiras. Contudo, chegou à verdade. Diferente de qualquer outra região
quando o esperado seria tentarem abarcar mais terri- em Arton, naquele lugar a energia arcana fluía de forma
tório, estas nações faziam o oposto — esquivavam-se estranha, abundante e feroz. Fenômenos místicos
por completo de certa faixa de terra que as separava, raros — como a manifestação espontânea de vida
furtando-se de sua inclusão nos próprios mapas. Sem elemental — ocorriam com frequência. Tais bestas

O Reinado
107
dos elementos praticamente vagavam em manadas! Wynlla teria papel decisivo na proteção do Rei-
Além disso, conjurações arcanas não funcionavam nado em pelo menos duas ocasiões. Quando erigiu
como esperado, sofrendo mudanças imprevistas em o Colosso Coridrian para confrontar o Kishinauros
seus parâmetros: acabavam ampliadas, maximizadas, de Mestre Arsenal em sua investida vilanesca contra
potencializadas, estendidas ou até invertidas, sem os reinos. E mais tarde durante a Guerra Artoniana,
desejo ou controle do conjurador. quando suas forças atuaram em conflitos contra a
Ou não? Seria possível, com habilidade e disciplina, Supremacia Purista.
controlar esse recurso? Utilizá-lo para conjurações muito Após a quase desintegração do antigo Reinado,
mais poderosas? Wynlla permaneceu como uma das poucas nações re-
manescentes na coalizão. Suas perdas na guerra fo-
Aquela terra tão temida e indesejada não era, afinal,
ram poucas, se comparadas a seus ganhos — o conflito
nenhum sítio maldito. Para um arcanista, era o maior
trouxe oportunidade para uma aliança comercial trí-
dos tesouros!
plice com Vectora e a Academia Arcana. Hoje Wynlla
Entusiasmado, o mago relatou ao rei suas desco- não produz apenas itens mágicos, mas também go-
bertas. Pediu permissão para manter seu laboratório lens, veículos e outros engenhos. Seu atual poder po-
como uma base permanente, continuar suas pesquisas. lítico e econômico supera Bielefeld e — dizem — até
Percebendo ali uma solução para seu dilema territorial, mesmo rivaliza com Deheon.
Wortar fez muito mais que isso: comissionou toda a
região ao mago, como um novo reino entre Bielefeld e
Tyrondir. Pois quem mais, senão o grande Karias Theu-
O Tratado da Centelha
derulf, poderia domar as terras de magia selvagem? A Academia Arcana. O Mercado nas Nuvens.
O Reino da Magia. No passado, os três maiores
núcleos arcanos de Arton existiam em desarmonia,
Nasce a Magocracia cada um perseguindo seus próprios objetivos — não
Inicialmente surpreso e honrado, Theuderulf não raras vezes conflitantes. Talude e Vectorius como
demorou a entrar em ação. Como devoto fervoroso, eternos rivais. Vectora e Wynlla em disputas comer-
nomeou o novo país em honra à Deusa da Magia. ciais. Wynlla e a Academia em desacordo quanto a
Trouxe a própria família, assim como colegas arcanis- interferir em assuntos mundanos.
tas e discípulos, para viver em sua cidadela — então
Tudo mudaria em tempos recentes. Durante a
intitulada Sophand — e colonizar ao redor. Também
Guerra Artoniana, Vectora teve participação mínima
trouxe para a região os mais importantes sacerdotes
e a neutralidade da Academia Arcana recebeu críticas
de Wynna, apontando-os como gestores em futuros
pesadas dos governos aliados; fortes contrastes com
povoamentos, sempre erigidos à volta de seus templos.
o exército de Wynlla, que teve atuação decisiva no
Agora sob o devido controle dos magos, o reino se conflito. Aproveitando essa oportunidade, Arlianne
tornaria enfim atraente para outros colonos. Artífices Broubaut, chanceler wynllana e parte do conselho
e alquimistas de todos os tipos imigraram com suas do reino, propôs uma aliança comercial até então
famílias. Aldeias e vilarejos logo se tornaram cidades impensada entre as três potências mágicas.
pujantes, erguidas e mantidas com poder mágico —
Além de educar, a Academia mudaria seu foco
pois as predições de Theuderulf se mostrariam corretas.
para pesquisa e desenvolvimento de projetos — ainda
Em outros pontos do Reinado, um mago se esgotava
preservando a própria segurança. Estes seriam forne-
após poucas conjurações; em Wynlla, com devido
cidos a Wynlla, capaz de produzi-los com sua ampla
treino, o mesmo mago podia erguer muralhas e moldar
força de trabalho arcana. A produção seria então
castelos sem dificuldade!
comercializada em Vectora, que passaria a incluir
Não foi surpresa, portanto, quando os arcanistas cidades de Wynlla em seu trajeto. Graças a esse
acabaram como a classe dominante. A habilidade de arranjo, o acesso geral a itens mágicos simples como
conjurar se tornaria sinônimo de cidadania. poções, pergaminhos e varinhas seria imensamente
Apesar do território e população reduzidos, facilitado. Golens e veículos/montarias construtos
Wynlla se tornaria uma das nações mais ricas de também se tornariam mais comuns.
Arton. Exportava itens mágicos de fabricação própria, Que fique claro, itens mágicos são ainda custosos
mantendo boas relações com os outros reinos. Exceções e nem sempre disponíveis. Não há “lojinha de poções”
notáveis eram a antiga Portsmouth, por sua política em cada aldeia dos reinos. Ainda assim, graças ao Tra-
de discriminação contra magos, e também Vectora, tado da Centelha, o Reinado vem experimentando
principalmente por disputas mercantis. um merecido progresso após a devastação da guerra.

Capítulo Um
108
Mas a relação entre os poderes nem sempre é
afinada, envolvendo altas doses de política e intriga,
sabotagem e espionagem. Contratos são violados,
cargos são cobiçados, preços são superfaturados,
fiscais são subornados, fortunas são desviadas, pro-
jetos são roubados. Levando em conta as quantias
fabulosas movimentadas, sempre existem crimes a
solucionar. Sempre há tarefas para aventureiros de
espírito investigativo.

Geografia
Graças às correntes marítimas e massas de ar
provenientes do Grande Oceano, sem montanhas no
caminho, Wynlla é um reino de clima subtropical —
quase sempre. Note-se que a magia natural ambiente
também afeta o tempo, provocando variações extremas
e imprevisíveis. Aqui ocorrem fenômenos bizarros
como nevascas, tempestades de areia, redemoinhos de Wynlla
fogo, dias e noites de duração irregular e até precipi-
tações de objetos ou animais, algumas vezes por ano. Nome Oficial: Reino de Wynlla.
Exceto por poucas grandes cidades e rotas co- Lema: “Realeza Arcana”.
merciais, a maior parte de Wynlla é selvagem. Suas Brasão: de púrpura uma torre de ouro
paisagens, em alguns pontos e momentos, parecem aberta, lavrada e iluminada do campo
normais: planícies interrompidas por florestas, vales rematada de sete raios de prata. A torre
e colinas, não muito diferentes de outros reinos. De acostada de um octagrama à destra e um
fato, foram descritas assim em relatos anteriores. pentagrama à sinistra, ambos encerrados e
Na maior parte do tempo, contudo, seus horizontes firmados em um anelete, tudo de prata.
afetados por magia são muito mais impressionantes,
Gentílico: wynllano.
provendo céus dourados, esverdeados e/ou rosados.
Suas colinas vítreas são inesquecíveis, suas planícies Capital: Sophand.
são varridas por incêndios fátuos, seus rios de mana Forma de Governo: magocracia.
emanam nuvens faiscantes, suas florestas mergulham
Regente: Conselho de Wynlla.
em abismos planares.
População: 530.000.
Existe a teoria de que Wynlla teria uma ligação
planar permanente com o Reino de Wynna; talvez Raças Principais: humanos, golens,
o lugar até mesmo exista em ambos os mundos ao qareen, hynne.
mesmo tempo. Divindades Principais: Wynna,
Por esses motivos — e também pela incidência Tanna-Toh, Kally, Valkaria, Tenebra,
anormal de feras elementais —, quase todo o territó- Khalmyr, Arsenal.
rio de Wynlla é impróprio para grandes plantações,
criações de gado ou aldeias expostas. Em vez de
castelos cercados de fazendas, as cidades locais são
mais verticais e defensivas, suas populações refugiadas
atrás de muralhas e outras proteções. Devido a essa As fronteiras foram delineadas a partir das áreas
dificuldade para a produção local de alimentos e de ocorrências mágicas, além de utilizar o perímetro
insumos básicos, o Reino da Magia precisa importar circular de Deheon como determinante. Wynlla fica a
imensas quantidades de comida e matérias-primas, leste de Deheon, fazendo divisas (altamente impreci-
transportadas por longas distâncias. Os cofres de sas) com as Ruínas de Tyrondir ao sul e a Conflagração
qualquer outra nação acabariam exauridos em pouco do Aço ao norte. Sua face leste é banhada pelo Grande
tempo, mas a riqueza de Wynlla é mais que suficiente Oceano, e recebe bastante influxo de navios mercantes
para suportar esse estilo de vida. das Repúblicas Livres de Sambúrdia e além.

O Reinado
109
Povo & Costumes Conjuração arcana básica é habilidade tão indis-
pensável quanto a alfabetização ou uso de armas em
Arcanistas são, de modo geral, respeitados em outras sociedades. É ensinada nos templos de Wynna
Arton. Ainda assim, têm fraquezas óbvias e bem e Tanna-Toh, onde a educação pública básica é minis-
conhecidas. Suas técnicas demandam estudo, dedicação trada; estes efeitos são suficientes para trabalhadores e
e uma mente poderosa, muitas vezes em detrimento soldados executarem seus afazeres diários, como levitar
da saúde física. Suas magias são impressionantes, cargas, invocar monstros para tarefas simples ou conter
mas raramente duradouras. Ainda, podem conjurar malfeitores comuns. Conjurações mais avançadas são
poucas vezes antes de esgotar suas energias e precisar ensinadas por mentores particulares.
de repouso. Assim, este reino tão rico e brilhante vive uma
Um mago consegue levitar um bloco de pedra por verdade que muitos acham cruel. Uma vez que trei-
pouco tempo. Não poderia substituir trabalhadores no mínimo em magia está ao alcance de todos, ser
regulares, capazes de transportar esses blocos para incapaz de conjurar é visto como inaptidão, preguiça,
erigir templos. vadiagem — ou mesmo inferioridade. Aqueles que não
Em Wynlla, pode. conjuram são, no melhor dos casos, cidadãos de
última categoria; no pior, nem merecem direitos
Uma vez que se consiga dominar a
de cidadania. Infelizmente muitos wynllanos
temperamental magia ambiente,
acabam sofrendo esse estigma, por alguma
mesmo um arcanista iniciante
consegue feitos formidá- limitação que impede o aprendizado ou ou-
veis. Castelos, mura- tros motivos. Chamados pejorativamente
lhas e portos são de inscientes, são relegados a guetos ou
construídos sem legi- submundos, onde se refugiam por ser
ões de trabalhadores. perigoso demais viver fora das cidades.
Madeira é entalhada, Com tanta mão de obra arcana
vestimentas são costura- disponível, por longos anos a
das e metais são moldados economia de Wynlla foi baseada
por simples vontade. Grandes na fabricação e exportação de
distâncias são percorridas e cargas itens mágicos variados, entre
são transportadas com um esta- poções, varinhas, armas, arma-
lar de dedos. Quando algum tra- duras e acessórios; hoje, sua
balho braçal é realmente neces-
produção também inclui
sário, golens são forjados e
golens e montarias ou
animados para exe-
veículos, entre outros
cutá-lo; construtos
engenhos. Devido aos
existem aqui em
valores altíssimos de
grandes números,
tais artigos, bastam
compondo boa parte
da população. poucas unidades por mês
para prover sustento a uma
Wynlla é uma nação de mente sobre cidade inteira.
a matéria, de inteligência sobre a força.
Se conjuradores são admirados em
outros lugares, aqui eles são Religião Arcana
a nobreza absoluta. Nin- Por influência de seu fundador,
guém questiona serem os e também dos colonos que atraiu,
mais competentes, os mais não causa espanto que Wynna
capacitados a resolver qual- seja a divindade principal do
quer problema, solucionar qual- reino. O próprio nome da
quer crise. Assim, dominar Arlianne Brobaut, o rosto
nação é uma homenagem
público do Conselho de Wynlla
algum poder mágico — por à Deusa da Magia, pois
menor que seja — acaba seria corruptela de uma
sendo visto como requisito antiga palavra significan-
mínimo de civilidade. do “Casa de Wynna”.

Capítulo Um
110
“Magia e saber andam de mãos dadas”, segundo um A energia mágica natural no território de
provérbio local, confirmando também o importante pa- Wynlla fortalece magias arcanas, mas exige
pel do culto de Tanna-Toh. Clérigos de ambas as deusas treinamento especial para ser dominada.
são responsáveis por conduzir a vasta rede de escolas Esse treino é representado aqui.
públicas que ensinam magia básica à população, também
atuando como mentores para aprendizes avançados. Tal
igreja unificada do conhecimento mágico é conhecida
Presente de Wynlla
localmente como Ordem do Sacro Grimório. (Poder de Magia)
Muito embora Kally seja notadamente maligno e Escolha uma magia arcana de 1º círculo que
tirânico, é também um deus da magia, encontrando você saiba lançar. Quando lança esta magia,
bom número de seguidores no reino — as oferendas o custo total de seus aprimoramentos
de tesouros exigidas dos devotos são menos onerosas é reduzido em –1 PM. Quanto está em
para o povo local. Situação similar a Tenebra, temida Wynlla, em vez disso o custo em PM
em outros lugares, mas aqui venerada por sua relação total dos aprimoramentos de suas magias
com a necromancia, e também Arsenal, por ser um arcanas é reduzido em um valor igual ao seu
patrono dos armamentos mágicos. atributo-chave para magias arcanas. Estes
Sendo este até hoje um território perigoso, efeitos são cumulativos com reduções no
Valkaria é exaltada por aqueles que ousam desafiar custo básico da magia. Pré-requisito: lançar
os ermos e as feras elementais. Também é possível magia arcana.
encontrar devotos de Khalmyr, Marah, Lena e Para nativos de Wynlla, este poder é parte
Oceano (na região costeira). da lista de poderes das seguintes origens:
Acólito, Aristocrata, Artesão, Artista,

Governo Assistente de Laboratório, Curandeiro,


Estudioso, Guarda, Marujo, Membro de
Diferente de outras nações do Reinado, com Guilda, Mercador, Minerador, Soldado,
regimes monárquicos, Wynlla é governada por uma Trabalhador.
rígida magocracia.
Nem mesmo as poções de Karias Theuderulf
poderiam mantê-lo vivo para sempre e diz-se que que promovam a pesquisa, estudo e disseminação da
ele hoje repousa ao lado de Wynna. Após sua magia, ou atuem de forma expressiva em algum ramo
morte, outros conjuradores que o auxiliavam na da economia ou indústria. A rápida ascensão da família
administração seguiram com o trabalho, mantendo Broubaut e sua inclusão no Conselho, por exemplo,
as estruturas e procedimentos determinados pelo resultou da habilidade de sua matriarca Arlianne ao
fundador. Ninguém, no entanto, ousou ocupar o cargo negociar o recente Tratado da Centelha com Vectora
pessoalmente; consideravam desrespeito a seu gênio. e a Academia Arcana.
Em vez disso, foi estabelecido um conselho Deixadas pelo fundador, as regulamentações
formado por arcanistas pertencentes às famílias do Conselho são consideradas sagradas, imutáveis,
nobres originais — ou seja, aquelas primeiramente mesmo quando sua burocracia impossibilita decisões
convidadas por Karias para a colonização. São elas: ligeiras. Votações podem se estender por horas ou dias.
Persys, Sakadarar, Dur-Vergiht, Velenarkies e Diz-se que o próprio espírito de Theuderulf retorna,
Focusys, além dos próprios Theuderulf. Outras autorizado por Wynna, para trazer advertências (ou
famílias expressivas mais tarde conquistariam posi- aplicar punições) quando suas leis são violadas.
ções no Conselho, ainda que com influência menor. Quanto à segurança, Wynlla também difere do
Hoje, o Conselho de Wynlla é formado por um sistema feudalista praticado em outros reinos. Em
representante de cada família nobre no reino — vez de proteger o povo diretamente, seus nobres
tipicamente seu conjurador mais poderoso, sob o título coletam impostos que são empregados para manter
Magister. Logo, ser parte de uma destas famílias é um contingente militar reduzido, mas eficaz. Formado
requisito para pertencer à nobreza. Nobres usufruem por Magos de Batalha e golens de guerra, está entre
de consideráveis recursos e privilégios, residindo nas as forças armadas mais temidas de Arton, capazes de
áreas mais luxuosas das cidades, servidos por batalhões dizimar exércitos muito maiores sem dificuldade. As
de servos — mas também têm responsabilidades. cidades, por sua vez, são protegidas por guardas urbanos
Além de votar em decisões importantes, é esperado bem equipados e capazes de conjurações básicas.

O Reinado
111
Locais Importantes Uma das mais imponentes construções na cidade
é a Mansão Theuderulf, que abriga a família do mago
fundador. Outros pontos dignos de atenção: a Biblioteca
Sophand (capital) Livre de Zorus, mantida pela igreja de Tanna-Toh; a
Sophand é a mais antiga cidade do reino e também Grã-Torre, maior igreja de Wynna no reino, e o Jardim
sua capital. Teve início como uma cidadela-laboratório das Fontes Invertidas, que fica diante da sede do
fortificada, para proteção contra as feras nativas, onde o Conselho de Wynna, o Salão das Convergências.
arquimago real Karias Theuderulf sediava seus estudos
sobre a magia caótica ambiente. Kresta
Quando o Rei-Imperador Wortar I o nomeou re- A magia de Wynlla é um grande facilitador de
gente local, Sophand acabaria se tornando algo maior e transportes dentro do reino, e também para outros
mais permanente. Outros magos e suas famílias seriam lugares. O inverso, no entanto, não é verdadeiro. Um
convidados para viver ali. Com o gradual domínio belo problema logístico, pois as limitações agrícolas
da magia selvagem e outros recursos naturais, seus e pecuárias locais demandam importação de alimento
poderes transmutariam a cidadela em algo grandioso, e outros bens em quantidades imensas.
com torres e patamares tão altos que seriam impossí-
Assim, a cidade portuária de Kresta acaba desem-
veis para a arquitetura mundana. Suas estruturas são
penhando papel vital na economia nacional. Todos os
feitas com uma variedade local de granito cintilante,
dias, seus vastos ancoradouros recebem toneladas de
incrustado com minúsculos cristais — que pesquisas
cargas transportadas por via marítima, que então são
posteriores revelaram abrigar colônias de elementais
despachadas para outros pontos do reino por meios
do ar. Devido a esse fato, suas torres estão entre as
mágicos mais eficazes, como barcaças voadoras ou
mais altas construídas em todo o Reinado.
mesmo por teletransporte. Dizem não existir porto
Comparada a Valkaria e outras metrópoles, maior ou mais movimentado em toda Arton.
Sophand tem área territorial bem menor, mas muito
Por ser uma das cidades mais acessíveis no reino
mais vertical. Também é melhor resguardada contra
— sendo possível visitá-la sem percorrer os ermos
ameaças externas, não apenas por sua elevação, mas
perigosos —, Kresta é também muito procurada por
pelas várias camadas de muralhas altíssimas. Esse
mercadores e negociantes, bem como aventureiros. Seus
projeto mais tarde seria replicado em outras grandes
mercados oferecem o que existe de melhor em poções,
cidades no reino, resguardando as famílias nobres
pergaminhos, grimórios e ingredientes para magias,
nos céus, hospedando seus cidadãos legítimos em
além de armas, armaduras e outros itens mágicos.
bairros nobres elevados ou murados — e relegando
os não conjuradores inscientes a distritos pobres, ou Os estaleiros de Kresta são famosos por seus navios
mesmo subterrâneos escuros. Apenas aqueles capazes de qualidade excepcional, mas também procurados
de ascender por magia às áreas mais elevadas podem por aventureiros em necessidade de veículos
acessá-las, criando uma distinção óbvia entre “cidade mágicos especiais — desde batiscafos para explorar
alta” e “cidade baixa”. Mesmo assim, existem arcanis- as profundezas até navios voadores. Não importa
tas preocupados em defender a população insciente. O quão absurdo o pedido, sempre haverá artífices locais
nobre qareen Lendaker é notório (ou, segundo alguns, em busca de um bom desafio! O ricaço Marceleza
infame) por usar seus privilégios para punir aqueles Cavalera Supernova, um feiticeiro e fanfarrão notório
que hostilizam os não conjuradores sob sua proteção. nas tavernas da cidade, tem o hábito de propor projetos
A infraestrutura urbana em Sophand e outros pon- “impossíveis” aos maiores armadores de Kresta e então
tos de Wynlla é fenomenal. Efeitos mágicos conser- assistir enquanto competem pela gorda recompensa
vam as áreas públicas impecavelmente limpas. Magias que ele sempre oferece.
ilusórias produzem música ambiente, assim como avi- Mas o maior porto de Arton não é livre de perigos.
sos, sinalizações e entretenimento. O próprio céu por O litoral de Wynlla é tão perigoso quanto o interior,
vezes se abre em espetáculos exibidos para o delei- assolado por grandes elementais da água, dragões,
te da população. Estações de teleporte local gratuito krakens e outros monstros marinhos. Também não
conectam todos os distritos e edificações principais, faltam piratas atrevidos e dispostos a saquear suas
enquanto pequenas taxas levam a outras cidades, ou cargas. Não sendo possível fortificar uma cidade onde
pode-se apenas falar com pessoas distantes em pos- grandes embarcações entram e saem todos os dias,
tos de vidência. É claro, ativar todos esses serviços Kresta mantém guarnições permanentes para lidar
requer conhecimento mágico mínimo, mais uma vez com ameaças. Quando isso não basta, aventureiros
excluindo os inscientes… poderosos são contratados sem demora.

Capítulo Um
112
Velenara
Por sua alta incidência de ele-
mentais, os ermos de Wynlla são
muito perigosos. E embora alguns
os vejam apenas como “animais es-
tranhos”, elementais são muito di-
ferentes da vida como conhecemos.
Eles não nascem ou se reproduzem;
brotam espontaneamente do poder
bruto dos elementos. São imprevi-
síveis, não se comportam de for-
mas consistentes, nem mostram
qualquer tipo de inteligência. Po-
dem ser pacatos, indiferentes ou
até amistosos por um momento,
apenas para atacar selvagemente
no instante seguinte. Por esse mo-
tivo, Wynlla quase não tem tradi-
ção agrária ou pecuária, nem vilare-
jos desprotegidos; sua população se
concentra em cidades fortificadas.
Por outro lado, embora elemen-
tais sejam perigosos, são também
um recurso valioso — sobretudo
para arcanistas e inventores. São
usados como fonte de energia para
itens mágicos, ou para animar
golens, ou ainda como servos
conjurados, entre outras aplica-
ções. Assim, Velenara se tornaria
uma cidade com uma importante
atribuição: a caça e confinamento
de elementais em cativeiro.
As extensas fazendas de búfalos flamejantes ber-
-baram, contidos por barreiras arcanas, são uma visão
Coridrian
impressionante e assustadora para recém-chegados. Ser conhecida como Capital dos Golens já bastaria
Outros cativeiros mágicos, semelhantes a imensos para tornar esta cidade especial. No entanto, sua
aviários e aquários, preservam demais espécies. fama se elevaria a patamares épicos por sua atuação
Governada pela antiga família Velenarkies, a cidade durante a Marcha de Arsenal, quando parte da cidade
em si — elevada como todas as outras em Wynlla — revelou ser um golem gigantesco, erguendo-se contra o
abriga pesquisadores, tratadores e mercadores. Ali monstruoso Kishinauros em defesa do Reinado. Após
os elementais são negociados com outras cidades sua reconstrução, contudo, tudo voltaria ao normal
ou reinos, também existindo mercados locais onde em Coridrian — ou tão normal quanto uma cidade
compradores particulares podem obtê-los. Não raro, de grande população golem pode ser.
aventureiros trazem feras capturadas, ou buscam eles Devido à farta oferta de criaturas elementais em
próprios alguma nova montaria ou mascote exótica. Wynlla — componente fundamental na fabricação de
Cidadãos de Velenara dizem ter afinidade com golens —, estes construtos poderosos (e caros) se
os elementais, tratando-os como gado comum ou tornariam importante produto de exportação. Contudo,
mesmo animais domésticos. Os mais apaixonados os custos proibitivos de cada unidade impedem sua
até afirmam que tais criaturas são seres vivos. Outros produção em grandes quantidades, bem como seu uso
wynllanos os consideram ingênuos e otimistas demais, para tarefas comuns, ordinárias; usar um golem para
ou imprudentes, ou mesmo perigosos. carregar sacas de trigo ou varrer uma taverna seria

O Reinado
113
Áreas de Caos Arcano como usar uma espada matadora de dragões para
cortar salame. Mesmo em Wynlla, apenas os nobres
Com treino e disciplina, é possível usar a mais ricos empregam golens como guardas ou servos.
mágica ambiente em Wynlla para fortificar
Assim, fundada por um grande artífice de golens,
conjurações. Contudo, existem regiões do Coridrian seria dedicada a essa manufatura tão
reino que afetam feitiços de formas ainda especializada. Aqui também é onde encontramos a
mais imprevisíveis. maior concentração de golens “despertos”, aqueles que
Graças às pesquisas e expedições de Karias adquirem (ou são feitos com) inteligência, consciência,
Theuderulf, essas áreas de instabilidade personalidade e anseios próprios. Nesta cidade
foram mapeadas. Seriam então evitadas própria para atender a suas necessidades (nenhum
para estabelecer colônias, rotas comerciais outro lugar de Arton tem maior oferta de reparos e
ou instalações de qualquer tipo. acessórios para construtos), muitos golens escolhem
Lançar qualquer magia arcana em uma área profissões variadas como guardas, estudiosos, artesãos,
de caos arcano exige um teste de Misticismo taverneiros ou mesmo artífices para outros golens!
(CD 25 + custo em PM da magia). Em caso É importante notar que golens despertos, em
de falha, a magia sofre um efeito colateral. Wynlla, são sempre considerados cidadãos — mesmo
Role 1d8; se o efeito não for aplicável, role quando não conjuram. O Conselho assim decretou por
outra vez: serem obras-primas arcanas, contendo a magia dos
elementos em seus próprios corpos. Desnecessário
1) A magia falha. Pontos de mana são
dizer que isso causa grande ressentimento aos não
gastos mesmo assim.
conjuradores de outras raças, levando a tensões entre
2) A magia funciona normalmente, mas golens e inscientes.
gasta o dobro de PM.
3) Se tiver alvos, a magia afeta alvos
diferentes, aleatoriamente. Se for
Floresta Suplicante
A maior área florestal de Wynlla recebeu seu nome
uma magia de área, o tipo de sua área
agourento muito antes da própria fundação do reino,
é modificado aleatoriamente (por
assim chamada por povos nativos em seus próprios
exemplo, esfera em vez de quadrado).
idiomas. Mais tarde, os primeiros aventureiros deheoni
4) A magia tem efeito oposto (cura em vez a explorar suas profundezas escuras concordaram ser
de dano, por exemplo), se aplicável. uma alcunha merecida.
5) Outra magia aleatória de mesmo círculo Estudiosos de Wynlla constataram que, afetada
é lançada, mesmo não sendo conhecida pela magia caótica ambiente, toda a vida vegetal local
pelo conjurador. apresenta xenomorfismo psicorreativo: em termos leigos, as
6) A magia falha. Uma explosão causa plantas têm formas muito diferentes e mais assustadoras
causa 4d6 pontos de dano de essência do que deveriam. Galhos parecem braços esqueléticos
por círculo da magia ao conjurador e a que terminam em mãos ossudas, troncos exibem
todas as criaturas adjacentes a ele. formações que lembram rostos em agonia, folhagens
mais parecem trapos decrépitos. Não sendo possível tais
7) A magia recebe um aprimoramento formações surgirem por coincidência, acredita-se que a
aleatório, sem custo extra, se aplicável. magia ambiental exerce alguma forma de leitura mental
8) A magia funciona normalmente, sem sobre seres inteligentes que a visitam, encontrando
gastar PM (mesmo de aprimoramentos). imagens que causam desconforto e moldando a vida
vegetal de acordo. O fenômeno funcionaria, assim,
Embora as maiores áreas de caos arcano
como uma forma de defesa contra invasores.
tenham sido mapeadas, existem áreas
menores ainda por descobrir — encontrá-las Para os religiosos, a explicação é muitíssimo mais
e relatar sua posição é trabalho comum para simples: é uma floresta assombrada.
aventureiros. Também sabe-se de áreas sa- Fosse apenas um efeito paisagístico, não haveria
zonais, ativas apenas durante certas épocas; problema. Ocorre que a região é infestada de criatu-
ou áreas espontâneas, que não existiam até ras-planta como trolls, tendrículos e árvores-matilha,
recentemente. Ou ainda, áreas com efeitos assim como clareiras inteiras de grama carnívora.
colaterais muito mais catastróficos. Mortos-vivos e elementais da terra variados também
rondam suas matas escuras.

Capítulo Um
114
Buscando desvendar seus segredos, o Conselho de Táticas dos Magos de Batalha
Wynlla (assim como pesquisadores por toda Arton) en-
via expedições regulares de aventureiros para capturar Magos de batalha são focados em magias
espécimes. Muitos não retornam, passando a integrar ofensivas que afetam grandes números
a população local de mortos-vivos, seus equipamentos de alvos. Suas Bolas de Fogo, Relâmpagos e
valiosos servindo para atrair as expedições seguintes… Sopros das Uivantes esfacelam as formações
inimigas. Oponentes isolados, mas
poderosos, são atacados com Seta Infalível
Serra de Cristal de Talude ou Flecha Ácida. Quando lutam
Apesar de seus perigos, Wynlla oferece paisagens ao lado de forças aliadas, contudo, podem
belas. Estas elevações vítreas estão entre as vistas mais preferir incapacitar seus alvos com Área
deslumbrantes no reino. Escorregadia, Teia e Sono, deixando-os
Concentradas mais ao sul do reino, próximo à vulneráveis aos companheiros.
fronteira com Tyrondir, estas montanhas de picos Sua tática padrão é atuar em pequenos
translúcidos são claramente resultado da magia grupos, oferecendo poucos alvos ao inimigo,
selvagem. Durante o dia, as gigantescas formações mas causando tanto estrago quanto as
cristalinas refratam auras coloridas que preenchem maiores legiões. Suas defesas são reforçadas
os céus — sendo tão belas quanto perigosas. Com o com magias de Armadura Arcana e Campo
avanço de Azgher, feixes de brilho ofuscante podem de Força. Também disfarçam seus números
cegar viajantes incautos, enquanto raios de calor reais com Imagem Espelhada, ou recorrem
concentrado são capazes de assar humanos despro- a Camuflagem Ilusória ou Invisibilidade para
tegidos em instantes. atacar furtivamente.
Sem proteções pesadas contra esses efeitos, ex- A força do grupo está em magias de 1º e 2º
plorar o sítio é possível apenas à noite. Sob o manto círculos lançadas por um bom número de
estrelado de Tenebra, a serra oferece espetáculo conjuradores. Tipicamente haverá também
igualmente esplêndido, cintilando como as próprias um comandante capaz de conjurar magias
estrelas. Ainda assim, elementais de todos os tipos de 3º círculo; este não atua em combate
rondam suas encostas, atacando tudo que se move. direto, usando Vidência para espionagem e
Teletransporte para reposicionamento tático
A maior parte das montanhas é composta por
de pequenos grupos.
rocha transparente, mas sem valor, pois reverte para
pedra comum quando afastada da região. Contudo,
estudiosos suspeitam existir jazidas de cristal com
propriedades especiais. Grupos de heróis são con- Distante de qualquer grande cidade por motivos
tratados para explorar suas vastas redes de cavernas. de segurança, o Internato Taleise Neil foi fundado
pela arcanista de mesmo nome, propondo ser o maior
Diz-se que um bardo elfo de nome Millias está
centro de ensino arcano em Arton, ambicionando
em busca de aventureiros para ajudá-lo na tarefa de
superar até mesmo a célebre Academia Arcana.
fundar sua própria cidade na Serra de Cristal, um
lugar onde seu rosto estaria entalhado em toda parte Sediada em um castelo remoto, a instituição atraiu
e sua voz saudaria magicamente todos os visitantes. bom número de estudantes. Atuou durante quase
Contudo, aqueles que se envolvem nisso encontram um ano, até que um terrível acidente encerrou
alguns problemas. Em primeiro lugar, o senso de suas atividades — e as vidas de todos os presentes,
humor irritante de seu patrono. Em segundo, o fato incluindo sua fundadora.
de que ele apadrinha grupos bondosos e malignos A causa exata até hoje permanece um mistério. A
igualmente. Em terceiro, o boato de que está tentando teoria mais aceita seria alguma improvável combinação
ascender a deus menor… de fatores — uma manifestação espontânea de caos
arcano, afetando alguma conjuração destreinada de
Antigo Internato alto círculo sendo ali executada. Metade do castelo
foi reduzida a ruínas. Seus ocupantes, mortos ou
Embora a Ordem do Sacro Grimório seja bem-
metamorfoseados em monstros de vários tipos.
-sucedida no ensino público arcano elementar, não
existem em Wynlla colégios destinados a conjurações Após o desastre, tentativas de erigir grandes es-
avançadas. Houve, no passado, uma única tentativa colas de magia avançada no reino foram abandonadas;
que resultou em tragédia. simplesmente não há como garantir a segurança. Hoje

O Reinado
115
o Conselho prefere investir em bolsas de estudos e Esta ordem de magos-cavaleiros foi fundada
programas de intercâmbio com a Academia Arcana, durante a Grande Guerra pela Comandante Aurora
além de instrutores particulares em sistemas aprendiz/ Solbringger, uma oficial desertora da Ordem Magi-
mentor mais precavidos. bélica que se negou a servir ao governo purista. A
ordem começou como um grupo guerrilheiro rebelde,
As ruínas do Internato se tornariam foco de
mas encontrou refúgio e aliados entre os contingentes
exploração por aventureiros, muitas vezes contra-
wynllanos que apreciavam suas capacidades arcanas.
tados por patronos para encontrar pistas sobre o
Hoje, a sede da ordem se tornou um escudo contra
acidente, resgatar sobreviventes (mesmo em sua
as investidas da Supremacia, bem como local de
atual forma monstruosa) ou recuperar relíquias.
aprendizado para Magos de Batalha interessados em
Rumores dizem que a ameaça mais perigosa no local
incorporar as habilidades dos temidos Arcanos de
é o próprio fantasma de Taleise, aprisionada ali pela
Guerra e Cavaleiros Arcanos ao seu repertório.
culpa e desespero.
O Bastião da Alvorada é um cubo perfeito de pedra
e metal, intencionalmente imitando a arquitetura da
Guildas & Fortaleza Móvel (é desconhecido se pode mover-se
como a original). Está sempre adornado por enormes
Organizações flâmulas com o brasão de um leão envolto por uma
juba de chamas que lembra o formato do sol — clara
Os Magos de Batalha afronta aos soldados de elite da Supremacia.
O Reino da Magia tem um dos menores exércitos
do Reinado, mas longe de ser fraco! O grosso de A Taça da Centelha
suas forças é formado pelo grupo conhecido sim- Para o culto e disciplinado povo de Wynlla,
plesmente como Magos de Batalha. Menos um grupo entretenimento é algo levado a sério. Quando os
organizado e mais uma “profissão”, estes arcanistas grimórios se tornam cansativos, o típico wynllano
especializados em combate ganhariam fama por todo busca relaxamento em hobbies e projetos pessoais.
o Reinado, especialmente após sua atuação explosiva Poucos praticam esportes físicos, mas muitos os
na Guerra Artoniana. desfrutam como espectadores. Existe também forte
Podem ser encontrados em guarnições por todo tradição local de jogos estratégicos, com grandes
o reino, protegendo suas cidades e rotas comerciais. clubes e torneios nacionais.
São treinados na capital Sophand, no Centro de Nenhum evento, no entanto, é tão grandioso
Treinamento Arcano Militar, coordenado pelo quanto a Taça da Centelha.
veterano Vaal Zerny e pelo elfo Thaelsres Plhinnes, Realizado todos os anos, o torneio teve início
ambos mestres em combate e magias aplicadas. como celebração à assinatura do Tratado da Centelha
Embora magias sejam sua arma principal, Magos de — uma competição esportiva amistosa entre as três
Batalha também são habilitados no uso de espadas, potências mágicas, outrora rivais. Representantes da
machados, arcos e bestas. Academia Arcana, de Vectora e de Wynlla disputam
Um Mago de Batalha deve cumprir dois anos provas de numerosas modalidades, sempre envol-
de serviço militar. Após esse período, pode escolher vendo magos e golens, auxiliados por equipes de
realistar-se ou dar baixa. Muitos acabam se tornando suporte. O campeão de cada modalidade é premiado
aventureiros, mercenários ou agentes livres. com a Taça titular, um artefato elemental que revela
poderes misteriosos a seu conquistador. Mais que uma
competição entre arcanistas ou construtos, a Taça é
A Ordem da uma disputa de perícia, genialidade e inventividade.
Nova Alvorada Artífices de toda Wynlla sonham construir o golem
Uma pequena porção do território norte de Wynlla vencedor do próximo torneio.
está localizada na Conflagração do Aço, a turbulenta Sempre sediado no Coliseu Nacional de So-
zona de conflito ainda disputada entre Bielefeld e a phand, o torneio recebe milhares de espectadores
Supremacia Purista. Apesar de raramente se envolver presenciais, sendo também transmitido por vidência
em combates na região, o exército do reino ergueu para todo o reino — bem como várias grandes tavernas
várias torres e quartéis para patrulhar e defender suas do Reinado. Comentários maldosos de estrangeiros
fronteiras contra possíveis invasores. O mais notório dizem que nada agrada mais um wynllano que ver
dentre eles é certamente o Bastião da Alvorada. outro lutar em seu lugar…

Capítulo Um
116
Coridrian: terra dos golens
e salvadora do Reinado contra
a fúria do Kishinauros

Aventuras suas capacidades arcanas são ainda maiores aqui,


levando dragões adultos a clamar vastos territórios
Por suas criaturas e fenômenos sobrenaturais, — e ocasionalmente ameaçar cidades.
colonizar Wynlla só foi possível pela atuação de arca- Outro risco para viajantes são golens renegados,
nistas poderosos. Ainda assim, a civilização é restrita que fogem ao controle e abandonam seus mestres.
a cidades fortemente protegidas — ninguém pode Alguns o fazem por ganhar consciência e desejar
afirmar que o reino foi “conquistado”. Seus ermos liberdade, outros apenas enlouquecem por algum
seguem ameaçadores como antes. defeito em sua fabricação. Quando confrontam es-
A fauna elemental nativa é tão farta e variada quan- tranhos, podem ter reações variadas — mas quase
to perigosa. Manadas bovinas ber-baram incendeiam sempre são hostis, por insanidade ou temor pela
os campos por onde passam. Bandos simiescos pamgra recaptura. Devido aos custos enormes para forjar
rondam as montanhas e desfiladeiros. Rarvnaak golens poderosos (ou preocupações legítimas por
invisíveis espreitam nas florestas, matando muito seu bem-estar), nobres e artífices podem contratar
antes de serem percebidos. Aranhas cristalinas stagh aventureiros para rastreá-los e trazê-los de volta, de
enxameiam em colinas e cavernas. Nenhum outro preferência sem danos.
lugar no Plano material apresenta tantos elementais Aventuras de natureza muito diferente podem ser
selvagens quanto Wynlla, sendo um dos maiores obs- encontradas nas grandes cidades do reino. Embora
táculos em sua colonização. Por outro lado, é também a sociedade local funcione em relativa harmonia,
a região mais propícia para caçar tais criaturas. tensões entre magos e não magos às vezes resultam
Talvez devido à emanação natural de magia, outros em incidentes violentos, nem sempre com culpados
tipos de monstros também são relativamente comuns. óbvios. Disputas de poder e influência entre famílias
Criaturas como quimeras, cocatrizes e górgonas que buscam posições no Conselho também são co-
existem aqui em maiores números, até formando muns. Ainda, alguns entre os ladinos e piratas mais
bandos. Dragões e monstros aparentados abundam habilidosos do Reinado constantemente tramam golpes
de igual forma; visto que alguns conjuram magia, para roubar os itens mágicos valiosos aqui produzidos.

O Reinado
117
Ahlen O REINO DA INTRIGA

À
primeira vista, Ahlen é um reino seu status. Por sorte (ou azar) dos envolvidos,
discreto cuja história vem se man- boa parte desses planos mirabolantes envolve a
tendo à margem dos grandes eventos participação de agentes externos. Em outras palavras,
mundiais. Tem tudo para ser só mais aventureiros. Assim que se envolvem nesses
um reino qualquer. Suas cidades não têm esquemas, os aventureiros rapidamente descobrem
nada de excepcional, seu povo raramente é que nesta terra os fins justificam os meios, a corrente
sempre se parte no elo mais fraco e tanto as leis
mencionado e a lista de heróis ahlenienses é
quanto a verdade são… maleáveis.
surpreendentemente curta. Enquanto a Guer-
ra Artoniana castigava Deheon e o Reinado, Ahlen não é para os fracos. Ahlen é para os
enquanto Tyrondir e o Império de Tauron espertos.
sofriam eventos cataclísmicos divinos, Ahlen
permanecia alheio. Pouco respingou no reino
da raposa e em seus moradores. Não só o reino
História
não sofreu com essas tragédias, como também A história de Ahlen começou em 1050, quando
recentemente conseguiu expandir suas frontei- os patriarcas de três grandes casas nobres, Ahmed
ras ao incorporar Collen no seu território. Além Rigaud, Gustaf Vorlat e Dominic Schwolld, dei-
disso, também conseguiu se beneficiar com as xaram Deheon com suas cortes inteiras, em busca
tragédias ao receber um pequeno influxo de de prosperidade e uma vida melhor. As três famílias
refugiados e imigrantes. Um oásis de paz em já eram nobres de grande poder no velho continente
e seu espírito de liderança e bravura as impeliu a
um mundo de guerras.
buscar novos horizontes.
Mas, no instante em que puser os pés nesta
Essa é a narrativa oficial.
terra, um visitante vai descobrir que o reino não é
tão pacífico assim, e não tem nada de discreto ou Uma versão alternativa conta que na realidade
ordinário. No centro da capital Thartann, o Palácio os três foram expulsos da corte por tramarem contra
Rishantor brilha como um farol de ostentação o então Rei-Imperador Wortar I, mas essa versão é
desenfreada, lançando seu esplendor sobre um mar amplamente refutada por historiadores ahlenienses.
de ruelas humildes e decrépitas. Uma corte numerosa Na época, as memórias da Grande Batalha ainda eram
que vive imersa em um luxo obsceno e decadente relativamente recentes e o ideal de manter Ramnor
bajula seus superiores ao mesmo tempo em que como um lar para todos guiava as decisões da coroa.
conspira para tomar seus títulos e privilégios. Plebeus Assim, só se pode especular a gravidade dos crimes
e nobres menores vivem buscando e participando de das três famílias para que fossem banidas… Mas, é
esquemas para enriquecer rapidamente ou aumentar claro, isso nunca aconteceu.

O Reinado
119
Venha para Ahlen!
colonos truculentos
Ahlen é um reino idílico.
de Deheon
No norte, as pastagens e coxilhas geladas se Os Schwolld foram os primeiros a se estabe-
estendem por muitas léguas, entrecortadas lecer, fundando a cidade de Colamar aos pés das
por riachos mansos e cristalinos, alimentados Colinas de Danshed. Os Rigaud seguiram mais ao
pelas geleiras das Uivantes. As florestas sul e se instalaram na costa, fundando a cidade de
são frondosas e vívidas, tão belas quanto
Ni-Lodashyr. Por fim, os Vorlat tomaram para si
as de Tollon, e muito mais seguras. No sul,
a parte oeste e fundaram Midron nas margens do
as praias longas de areia branca e águas
Yrlanyadish. Uma quarta casa, Hogarth, seguiu as
límpidas são raramente visitadas por piratas.
três mas preferiu se afastar, instalando-se na ilha
Ahlen é um reino pacífico e seguro. de Collen e deixando de participar ativamente da
Os livros oficiais do reino registram os história de Ahlen por mais de três séculos.
menores índices de roubo em estradas de todo Uma vez assentados, estavam prontos para co-
o Reinado e nunca houve uma reclamação meçar uma era de prosperidade. Mas prosperidade
formal de mau comportamento por parte para alguns significava tragédia para outros. As terras
da guarda. A estadia nas cidades é segura, escolhidas pelas três famílias não eram desabitadas
bastando evitar as poucas áreas perigosas e e cada uma das casas lidou com os povos originais à
confiar nas autoridades. sua maneira. Em comum, as três tiveram ganância,
Ahlen é um reino alegre e contente. crueldade e frieza.
A capital Thartann é famosa por suas Os Rigaud, os mais violentos entre os coloni-
estalagens limpas e seguras, cuja vida zadores, empreenderam um verdadeiro extermínio,
noturna é pujante e irreverente. É o lugar enviando batalhões de soldados com a missão de
perfeito para apostar seus tibares tendo localizar cada povoado e chacinar todos os seus
certeza que o jogo será justo e sem trapaças. habitantes, então queimar seus campos e destruir
Para uma estadia tranquila, não preste seus lares. Nada além de terra devastada restava após
atenção à diferença monetária entre nobres e a passagem de suas tropas. Os sobreviventes desses
plebeus ou às reclamações infundadas destes. massacres fugiram para as terras que estavam sendo
O que um plebeu sabe, afinal? conquistadas pelos Vorlat. Essa família preferiu uma
abordagem estratégica, mas não menos sangrenta. O
Mas, principalmente, Ahlen é um reino de
patriarca estabeleceu alianças com diferentes líderes e
gente honesta e confiável.
chefes, dividindo os nativos e voltando-os uns contra
Confie sempre nas fontes oficiais, famosas os outros. Transformou os refugiados das terras des-
por sua imparcialidade. truídas pelos Rigaud em inimigos, semeou o medo e
Vida longa ao Rei! a desconfiança. Fez com que os povos lutassem entre
si. Por fim, matou ou subjugou os sobreviventes. Já
os Schwolld usaram os exemplos das outras duas
— Trecho do Guia Turístico Ilustrado
famílias para amedrontar os povos que viviam nas
para Ahlen, publicado como caderno
terras invadidas por eles. Apresentaram-se como
especial da Gazeta do Reinado, a
única opção de proteção aos habitantes nativos e os
pedido de Sua Majestade Real Nonato
absorveram, forçando-os a abandonar seus costu-
Vorlat I e produzido pela Comissão
mes, seu idioma, até mesmo seus nomes. Uma vez
Especial de Assuntos Alheios, segunda
incorporados à sociedade que estava se formando no
vice-diretoria do Departamento
território conquistado, os donos daquela terra foram
de Embaixadas e Representações
transformados em cidadãos de segunda categoria.
Diplomáticas
Ao longo de algumas gerações, os territórios dos
colonizadores se expandiram até que eles tivessem
apagado todos os traços de seus habitantes e ocupado
tudo que havia para ocupar. As três casas também
haviam trazido consigo conflitos internos, rixas e
desavenças cultivadas na corte de Deheon. Quando
seus territórios em expansão se encontraram, Schwolld,
Rigaud e Vorlat começaram a disputar o poder entre si.

Capítulo Um
120
Punhaladas e
apertos de mão
As três casas embarcaram em uma guerra silenciosa
de conspirações e tramoias. Espiões e assassinos se
infiltravam em castelos, nobres “sofriam acidentes”,
guardas, oficiais e cavaleiros eram subornados, suspei-
tos de traição eram enforcados em praça pública. Isso
culminou numa única batalha campal que terminou
em um impasse, quando os três exércitos decidiram
recuar simultaneamente.
Os nobres das três famílias sabiam o risco que
estavam correndo. Enfraquecidos e quase arruinados,
temiam uns aos outros, os sobreviventes de seus
massacres e também a coroa de Deheon. Aquela
guerra iria acabar com as três. Durante a reunião
para negociar um armistício, o patriarca Rickard
Rigaud, neto de Ahmed, ousou sugerir a fundação
de um reino chamado Ahlen — “aliança” no idioma Ahlen
de um dos povos que eles haviam acabado de dizimar.
Mais tarde, quando precisassem enaltecer sua própria Nome Oficial: Mui Exaltado Reino de
honra, os nobres ahlenienses usariam esse fato como Ahlen.
prova da “admiração e respeito” que nutriam pelos
Lema: “Astúcia e Soberania”.
povos originais.
Brasão: de prata três raposas passantes
Uma nova capital, chamada Thartann, seria
de vermelho alinhadas em pala.
construída em conjunto pelas três casas e beneficia-
ria a todos. E, para que nenhuma casa ficasse acima Gentílico: ahleniense, colleniano.
das outras, Rigaud propôs que o governo fosse um Capital: Thartann.
triunvirato. Depois de muitos questionamentos para
Forma de Governo: monarquia
se certificar que aquilo não era mais um ardil, Setlick
absolutista.
Schwolld e Fidgett Vorlat acabaram concordando,
assim selando a fundação do reino. Regente: Rei Nonato Vorlat.
Em 1099 o Palácio Rishantor, sede da nova População: 950.000.
coroa, foi inaugurado com uma imensa festa que Raças Principais: humanos, goblins.
selou oficialmente a fundação do reino. Naquela
Divindades Principais: Hyninn,
noite especial não haveria diferença entre nobres e
Nimb, Marah, Tenebra, Valkaria.
plebeus nem entre as três famílias fundadoras. Para
isso todos usariam máscaras, fantasias e as roupas que
bem entendessem. A comemoração ficou conhecida
como Noite das Máscaras e se tornou um evento anual.
Durante a festa, os patriarcas Schwolld e Vorlat monarca absoluto e não previa uma reconstituição
vieram a falecer misteriosamente. O coração de Setlick do triunvirato. Da mesma forma, o conselho do reino
Schwolld explodiu dentro do peito. Fidgett Vorlatt, seria dissolvido, substituído por membros da família
supostamente viciado na droga achbuld, matou a Rigaud. O patriarca exaltou a fibra moral dos dois
esposa e os filhos, então tirou a própria vida. Quando o falecidos, celebrando-os por sua abnegação em centra-
dia amanheceu e as máscaras foram retiradas, Rickard lizar o poder nas mãos de uma só família no caso de
Rigaud estava livre para assumir o trono sozinho. uma série de eventos tão improvável. Alguns nobres
Também naquele dia o novo rei apresentou e cortesãos afirmaram ter visto o documento original
uma cópia do documento que havia sido enviado a e disseram que nenhuma dessas cláusulas existia.
Deheon anunciando a formação do reino. Segundo os Infelizmente, a onda de azar se alastrou para eles e
meandros legais da declaração, e ao contrário do que nenhum sobreviveu mais do que algumas semanas.
todos presumiam, o acordo colocava Rickard como No fim desse período conturbado, toda a nobreza

O Reinado
121
de Ahlen garantia que a carta de formação do reino afirmam que esse atentado teve a ver com a chegada
sempre fora assim. Muitos lembravam dos patriarcas da Tormenta em Arton.
Schwolld e Vorlat sugerindo a centralização. Já idoso, Thorngald fez sua última grande jogada
Embora os Rigaud tenham adquirido enorme traiçoeira durante a Guerra Artoniana, quando se aliou
poder e o triunvirato nunca mais tenha sido imple- à Supremacia Purista e a Portsmouth (hoje Aslothia)
mentado, as outras duas famílias se reergueram. no chamado Triângulo Autocrático — ao mesmo tem-
Entrando em uma aliança temporária, os Schwolld po conseguindo evitar um conflito direto com Deheon
e os Vorlat conseguiram estabelecer que o trono ou Bielefeld. Antes de a guerra terminar, o reino mudou
seria alternado entre as três famílias fundadoras e o de lado mais uma vez. Ahlen voltou a fazer parte do
conselho seria reformulado após as mortes de seus Reinado, como se nada tivesse acontecido.
membros. No fim, a custo de sangue, veneno e ouro,
Ahlen passou a viver num equilíbrio frágil, sempre sob
o comando das três casas nobres originais. Depois da
Os novos monarcas
Em 1416 Thorngald faleceu, aparentemente e
morte de Rickard, os monarcas se sucederam numa
milagrosamente por causas naturais. A morte causou
caótica dança das cadeiras, capaz de confundir o mais
tanta estranheza na corte que fez surgir toda sorte de
dedicado historiador.
teorias conspiratórias. Nonato Vorlat, filho de Thor-
ngald que sobreviveu ao atentado que sua mãe sofreu
A mão de ferro pelo assassino conhecido como “o albino”, assumiu
dos Vorlat imediatamente o trono e mostrou estar preparado
logo nos primeiros dias. O novo rei tem as mesmas
O período de sucessões se encerrou quando
qualidades do pai: é astuto, ardiloso e ambicioso. Só
Thorngald Vorlat assumiu o trono em 1387, depois
não parece ter herdado a feiura do progenitor — é tão
de supostamente envenenar seu próprio irmão. Este belo que um boato corrente afirma que sua aparência
homem magro de barbas e cabelos negros tinha tem origem mágica ou divina. Sua primeira conquista
uma aparência comum, mas era muito inteligente foi a anexação do reino vizinho de Collen, fruto de
e dominava todo tipo de intrigas, conseguindo se um longo plano que culminou em um casamento real.
aferrar no trono de Ahlen por quase 30 anos. Para isso Durante a Guerra Artoniana, Ahlen veio ao resgate da
lançou mão de todos os truques possíveis — talvez sua ilha vizinha quando sua capital foi capturada por uma
maior artimanha tenha sido uma reforma de títulos misteriosa horda de piratas liderada por um nobre col-
e propriedades feudais que colocou a aristocracia leniano renegado. Depois de expulsar os invasores, os
em caos e manteve os nobres ocupados demais para soldados e autoridades de Ahlen permaneceram ali para
conspirar. Além disso, o rei aprimorou e fez uso “manter a paz” e “ajudar na reconstrução”.
extensivo de sua rede de espiões, estendendo-a por Gradualmente, a influência ahleniense
quase todo o Reinado. Também se foi crescendo na pequena ilha à medida
beneficiou por ter conseguido que seus nobres e espiões conquis-
frear o avanço do Império de tavam as mentes e os corações da
Tauron durante as Guerras população. Ninguém sabe o que
Táuricas. Um feito duvidoso levou o nobre renegado a liderar
para um reino mais afeito à uma incursão pirata tão conve-
intriga do que à guerra, mas niente para a coroa de Ahlen.
assim diz a versão oficial. Infelizmente, o aristocrata
Mesmo com todo esse po- morreu em meio a um combate
der, a vida pessoal de Thorngald e seu corpo desapareceu antes
Vorlat parecia amaldiçoada. Alguns que qualquer clérigo pudesse
dizem que sua esposa, Yelka Vorlat, falar com seu espírito…
foi envenenada durante um jantar. Depois de um breve noi-
Há quem diga que ela foi vítima de vado, Nonato casou-se com a
aventureiros que se infiltraram no princesa Vinala Hogarth, única
quarto real. Outros ainda juram que herdeira do trono de Collen.
houve um atentado contra a vida da A princesa perdeu seu pai para
rainha, na qual ela quase perdeu o uma misteriosa doença e sua mãe
filho que carregava no ventre. Os para um mal súbito que ocorreu
mais loucos teóricos de conspiração logo depois que ela nasceu, e foi

Capítulo Um
122
criada por servos da família e nobres amigos. Ela
ficou famosa em Ahlen por usar um tapa-olho, que Geografia
supostamente esconde um olho degenerado que lhe Ahlen está em uma posição geográfica con-
concede poderes mágicos. O casamento ocorreu no fortável, sem grandes ameaças no momento. Na
dia seguinte ao aniversário de Vinala, quando ela região leste, ataques de goblinoides são constantes,
atingiu a maioridade e assumiu o título de rainha. causados pela queda do reino de Tyrondir. Mas são
Os reinos foram unificados e a ilha passou a ser um
grupos pequenos de tribos que ainda não se uniram
ducado de Ahlen.
ou que se desgarraram da sociedade duyshidakk.
Dizem que a relação dos monarcas é tão verdadeira Com o caos no Império de Tauron e os perigos em
quanto as tramoias que Nonato fez para conquistar Tollon, alguns cidadãos das províncias atravessam as
Vinala. Na verdade, apesar da fama de seu reino e de sua florestas densas e buscam refúgio em assentamentos
família, dizem que o rei acabou caindo numa armadilha. ahlenienses. Bandidos realizam incursões para den-
Afinal, o casal teria se unido… por amor! Essa paixão tro do Império e extorquem os assentamentos de
mútua é malvista pela corte, que acredita que o amor refugiados, mantendo esconderijos tanto em Ahlen
pode entorpecer a mente e deixar o rei vulnerável. quanto na Floresta de Tollon. Na área de fronteira
Já os plebeus, especialmente de outros reinos, veem com a imensa floresta, mercenários, contrabandistas
apenas uma linda história romântica. Talvez o carisma e lenhadores entram em confronto a todo momento,
de ambos seja suficiente para lançar o reino em uma algo considerado excessivo até mesmo para os pa-
nova era de relações diplomáticas e influência. drões ahlenienses de criminalidade. Já a divisa norte
Rei e rainha, com sua beleza e sua ambição extra- com Deheon é a fronteira mais estável e segura, mas
ordinárias, estão focados em ter muitos herdeiros para os deheoni não esqueceram da aliança de Ahlen com
servir como base de uma longa dinastia. Enquanto isso, a Supremacia Purista. Sempre que soldados dos dois
os Rigaud e os Schwolld tramam incessantemente sua lados se encontram, existe o risco de uma fagulha
queda, ansiosos para assumir o trono mais uma vez. virar uma fogueira.

O Reinado
123
O Doce Veneno estrada até o estranho passar. Afinal, pode ser apenas
um viajante… Mas é provável que seja um ladrão
Achbuld, uma droga alucinógena de alto ou assassino. Ou que seja apenas um viajante que,
poder viciante proibida em todo o Reinado, frente a condições favoráveis, se torne um ladrão
é produzida ilegalmente em Ahlen, de onde ou assassino.
parte clandestinamente para o resto de
O reino produz um pouco de tudo e não possui
Arton. Um usuário sob efeito do narcótico
nenhum recurso natural que possa ser cobiçado pelos
se torna delirante, letárgico e confuso,
reinos vizinhos. Seu maior produto de exportação é,
em geral tomado por visões agradáveis e
para a infelicidade do Reinado, o perigoso e viciante
reconfortantes que não trazem nenhum
achbuld. Ahlen tem minas e pedreiras concentradas nas
tipo de revelação ou transcendência. Por
Colinas de Danshed e em Thrkodd’mor, mas a produção
esta razão as casas de consumo de achbuld
delas é insuficiente para suprir o reino, levando a uma
costumam ter camas ou divãs para que os
usuários possam ficar deitados aproveitando carência de metais e pedras para construção.
os efeitos. Apesar de serem ilegais, essas Os centros urbanos de Ahlen estão concentrados
casas de consumo são relativamente fáceis no seu longo litoral e nas margens dos três principais
de encontrar em Ahlen, mas extremamente rios: Panteão, Yrlanyadish e Nerull. Thartann é o
raras fora do reino. coração de Ahlen, de onde partem estradas para todas
as outras cidades importantes do reino e do exterior.
Horeen, a capital de Collen, tem experimentado um
progresso espantoso, beneficiada pelos esforços do
As florestas de Ahlen foram muito pouco explo-
rei. As três casas nobres foram convocadas a ajudar na
radas pelos colonos. Exceto por alguns pequenos
tarefa de modernizar a terra anexada. Em contraparti-
entrepostos de caçadores e lenhadores, estão da
da, ganharam direito a terras desocupadas, iniciando
mesma maneira que eram no tempo da colonização.
uma corrida de colonização e urbanização. Os novos
Nestas matas virgens vivem os poucos habitantes
originais que restaram, isolados do restante do reino colonos gostam de comprar materiais em Horeen —
em pequenas vilas. Para eles, manter-se ocultos é além de mais baratos, não obrigam o comprador a
questão de sobrevivência. São extremamente descon- negociar com comerciantes ahlenienses…
fiados dos visitantes, especialmente ahlenienses, mas O clima em Ahlen é dividido em três grandes áreas.
costumam receber muito bem aventureiros de outros O extremo norte tem um inverno rigoroso e é a única
reinos, não humanos e especialmente dahllan. Esses região do reino onde neva. No verão o clima é ameno
forasteiros são sua ligação com o resto do mundo e e o vento das Uivantes torna o local perfeito para se
sua grande fonte de notícias. refugiar do calor do sul, como fazem alguns nobres em
As florestas fechadas têm um aspecto semelhante suas mansões de veraneio. Na costa, o clima é ameno
às de Tollon, especialmente no Vale Thrkodd’mor, o ano todo e tem um verão bem quente. Na parte
ainda que a sua madeira não tenha a mesma qualidade. restante do reino, que vai das Colinas de Danshed até
Nas Colinas de Danshed a mata fechada apresenta o Vale Thrkodd’mor, o clima é ameno o ano inteiro. O
folhas de cor alaranjada ou marrom o ano inteiro. Já verão em Thartann é especialmente insuportável: por
ao norte, a floresta de coníferas é mais gelada devido ter poucas árvores e ficar ao lado de um rio, a cidade
à proximidade com as Uivantes. É a menos explorada sofre com um calor abafado que castiga a população,
entre todas as regiões florestais, por ser distante e enquanto os nobres são abanados por seus servos e
de difícil acesso. Ao sul, a famosa Mata dos Cem se deleitam com bebidas geladas. Já Collen possui
Olhos na ilha de Collen é bem mais quente e cheia um clima ameno e agradável o ano inteiro, mas pode
de perigos inusitados, como monstros cheios de olhos sofrer viradas bruscas de temperatura e tempestades
e outras criaturas de visão mágica. súbitas que surgem do mar.

Além das florestas e colinas, Ahlen não tem


nenhuma outra grande atração natural — o resto
do território é uma enorme planície de terra úmida
Povo & Costumes
e vegetação baixa. Comparado com Deheon, o reino A maior parte da população de Ahlen é formada
tem menos estradas e mais perigos, geralmente por humanos descendentes dos primeiros colonos.
bandidos e guardas corruptos. Não é raro neste Boa parte desses tem uma opinião firme sobre o papel
reino de desconfiados um viajante perceber outro dos humanos na sociedade: mandar nos demais.
vindo na direção contrária e se esconder na beira da Este sentimento tem sua origem na fundação do

Capítulo Um
124
reino e foi sendo perpetuado através das gerações, uma partida de Wyrt contra o magistrado que o julgava
acabando por influenciar na decisão de se aliar com — e perdeu. Mas ambos continuaram jogando dentro
a Supremacia Purista durante a Guerra Artoniana — da prisão e, ao longo dos anos, se tornaram grandes
ainda que Ahlen nunca tenha tido políticas oficiais amigos, até que o condenado aproveitou um deslize e
de extermínio de outras raças. escapou. O magistrado ficou com o coração partido e
As coisas mudaram depois da guerra. Muitos tão triste que se tornou incapaz de exercer seu cargo.
ahlenienses viraram as costas a essa mentalidade
quando ela deixou de ser conveniente, e juram que A maior festa do mundo
nunca concordaram com a postura do reino… Alguns, A primeira Noite das Máscaras foi realizada
principalmente os plebeus mais humildes, foram durante a fatídica inauguração do Palácio Rishantor,
confrontados com uma realidade dura que eles não e o que devia ser uma ocasião única se tornou uma
conheciam, ou escolhiam ignorar. Outros trabalharam celebração anual. A festa começou restrita ao palácio,
ativamente contra o Triângulo Autocrático durante a mas com o tempo se espalhou pela capital e atualmente
guerra, como sabotadores e guerrilheiros. E existem é celebrada por toda a população. Neste feriado, que
aqueles que continuam leais à Supremacia Purista apesar do nome dura o dia todo, os participantes vestem
— mas, ao modo de Ahlen, fazem isso nas sombras, fantasias e máscaras, além de roupas típicas de outras
conspirando e mentindo. Os collenianos nunca
classes sociais. É um dia de entrega e descontrole,
estiveram alinhados com a Supremacia e raramente
onde o único objetivo é a diversão hedonista. Há de
são vilões desse tipo.
tudo: traições entre casais, encontros ilícitos entre
Entre os não humanos, apenas os goblins existem nobres e plebeus, bebida e comida em excesso, dança,
em grandes números no reino. Essa raça versátil e gritaria e violência. Uma das principais características
furtiva abriu um espaço dentro da sociedade ao mesmo da festa é o anonimato. Não há diferença entre nobres
tempo em que conseguiu manter certa identidade. e plebeus. Mesmo que alguém reconheça a identidade
Goblins foram escravizados em Ahlen há não muito de outra pessoa, finge ignorá-la, num acordo tácito
tempo, mas a nobreza vem se esforçando para apagar as que permeia toda a capital. Toda a necessidade de
marcas dessa atrocidade e fingir que nunca aconteceu. extravasar da população é descarregada na Noite das
Outras raças são raras e costumam chamar atenção, Máscaras. E tudo ignorado no dia seguinte, quando a
embora não percam nenhum direito. vida retorna ao normal.
O acesso ao Palácio Rishantor, normalmente
Primeiro a diversão, restrito a nobres, é liberado a todos durante a Noite
depois o trabalho das Máscaras. O lugar se torna um enxame de gente
e seus incontáveis salões são tomados por multidões
A capital Thartann é um bom lugar para os bardos e
de foliões descontrolados. Conta-se de cenas grotescas
menestréis, onde as tavernas costumam ter um pequeno
de sexo e violência entre multidões nos corredores e
palco para apresentação de músicos, atores, dançarinos
aposentos elegantes do palácio. Com a garantia do
e poetas. Além de realizar suas performances, esses
anonimato e a aprovação implícita do reino inteiro,
artistas são procurados para levar mensagens e trocar
ou verificar informações. Entre a corte ahleniense a os ahlenienses deixam aflorar seu lado mais feral.
última moda é a ópera, cujas exuberantes produções
são apresentadas no famoso Theatro Real de Modas e modos
Thartann. Como regra geral, trabalhos intelectuais A moda em Ahlen muda constantemente, influen-
ou especializados são mais respeitados que os serviços ciada principalmente pela alta nobreza do próprio
braçais, considerados indignos. reino e de Deheon. Mas certas coisas são tipicamente
A jogatina corre solta em Ahlen, em todos os ahlenienses: chapéus emplumados, perucas exageradas,
lugares e todas as camadas sociais. Os carteados casacas enfeitadas, corpetes provocantes e joias de
mais populares são o Cavillan e o Wyrt (oficialmente gosto duvidoso. Roupas espalhafatosas e bufantes estão
proibido para plebeus). O jogo de dados Dhagn’dir, sempre na moda, servindo tanto para chamar atenção
herdado dos povos originais, é o preferido nos becos. quanto para esconder adagas ou cartas. Os plebeus
Independente do jogo, apostas são comuns. Uma que não podem pagar por esses luxos usam roupas
curiosidade é que os ahlenienses não se limitam a simples como camisas, batas, saias e calças, todas de
apostar apenas tibares, podendo apostar favores, algodão cru ou com tingimentos rudimentares. Em
segredos ou pequenas humilhações. Um caso famoso cima das roupas singelas são adicionados acessórios
conta que um condenado apostou sua liberdade em descartados pelos nobres, barganhas de brechós ou

O Reinado
125
imitações baratas. Um olhar treinado de um nobre por mentiras e engodos. O importante é que a víti-
pode dizer exatamente qual é a origem e classe social ma só perceba que foi engambelada quando o enga-
da pessoa com base apenas em suas roupas. nador já estiver longe. Quando são confrontados com
Os modos ahlenienses costumam oscilar entre uma situação violenta inevitável, os ahlenienses cos-
nenhuma ou muita formalidade, de acordo com o tumam fugir e pedir ajuda. O conceito de honra não
nível de intimidade. É de praxe tentar projetar uma combina com Ahlen. Sair por cima é mais importante
imagem de sucesso e de classe, mesmo quando não do que sair limpo.
se tem nenhum dos dois. Apenas depois de diversas
interações essa fachada poderá ser quebrada. Esse jogo
de aparências e duelo de palavras teve sua origem na
Religiosos
corte e ao longo de séculos se infiltrou nas camadas
(quando conveniente)
mais baixas da sociedade. Hoje em dia, até mesmo o A divindade mais popular do reino é Hyninn,
estrumador mais miserável tentará fingir prosperidade respeitada e admirada por quase todos os ahlenienses
para aqueles a sua volta. — mas quase sempre às escondidas. Se o culto ao
Deus dos Ladrões é mantido oculto na maior parte
Rudeza e brutalidade são comportamen-
tos desprezados. Claro que essas atitudes dos reinos, aqui ele é totalmente ignorado! Um
ainda têm seu lugar na sociedade, mas po- ahleniense típico fingirá nunca ter ouvido
dem ser manifestadas somente por trás das falar de Hyninn e ficará escandalizado com
cortinas. Portar armas nas ruas é malvisto, a sugestão de que algum conterrâneo possa
pois armas são coisas de guardas de cida- cultuar tal divindade. Ao mesmo tempo, ele
de e guarda-costas. Isso só vale no dis- sempre suspeitou de um vizinho…
curso — na realidade, quase todos têm A população só lembra dos outros
pelo menos uma arma oculta. Quan- deuses quando está em apuros ou pre-
do confrontados, ahlenienses prefe- cisando de um favor. Nimb é invo-
rem achar uma saída pacífica em vez cado durante a jogatina, Marah é
de recorrer à violência. Ao mesmo lembrada na hora do romance e
tempo, tentam sair ganhando. A Tenebra ouve preces quando os
paz não se faz por acordos, mas ahlenienses querem se escon-
der ou descobrir algum segre-
do. Existem clérigos da Deusa
das Trevas no Palácio Rishantor
e diz-se que mortos-vivos contro-
lados por eles auxiliam na seguran-
ça do palácio. Nas raras ocasiões em que
um ahleniense inspirado busca a exce-
lência por seu próprio esforço, lembra-
-se de Valkaria como modelo absoluto.
Uma divindade especialmente malvis-
ta em Ahlen é Khalmyr, tido como
inculto e “inflexível”. Curiosa-
mente, templos a Khalmyr são
muito comuns nas proprieda-
des de famílias nobres, para
manter as aparências.
Já na ilha de Collen o
comportamento religioso é
completamente diferente. To-
das as divindades são cultu-
adas com mais devoção e os
Jogos, trapaças e deuses mais populares são Oce-
bestas engatilhadas:
em Ahlen, a vitória ano, Allihanna e, em masmorras
pertence aos sagazes e templos ocultos, Sszzaas.

Capítulo Um
126
Um reino sem heróis? Na base da pirâmide estão os plebeus, que traba-
lham de dia pra comer à noite enquanto realizam as
Aventureiros nascidos e criados em Ahlen são tarefas mais importantes. O pobre povo tem muitas
uma espécie rara e muito valorizada dentro do reino, reclamações mas pouco pode fazer, já que está na
que geralmente precisa recorrer a heróis estrangeiros mão dos nobres. A principal diferença de Ahlen
quando há necessidade. Como o reino sofre uma com relação a outros reinos é que a classe nobre é
falta crônica, os nobres e comerciantes ricos acabam
mais numerosa e mais parasitária. Os plebeus são
contratando qualquer um. A alta demanda aumenta
mantidos nas rédeas através de muita propaganda
os valores das recompensas e por consequência a
(alguns de fato acreditam que os nobres são melhores
chance de algo errado acontecer com o pagamento
que eles!), promessas de melhoras e uma política
— ou com os aventureiros!
de contenção de líderes populares. Quando surge
Ladinos, bucaneiros, caçadores e bardos são os um líder forte e insatisfeito entre a população,
arquétipos mais comuns entre os aventureiros deste geralmente acontecem duas coisas: ou ele aparece
reino. São considerados ótimos espiões e são famosos com os bolsos cheios de dinheiro e subitamente tem
por encontrar soluções criativas para problemas, uma mudança de opinião… ou aparece inchado e
preferindo abordagens indiretas à violência. Caso boiando nas águas do Yrlanyadish.
sejam obrigados a combater, tentarão sempre obter
uma boa vantagem inicial. Outra força política no reino é a Guilda de
Ladrões de Thartann. Oficialmente não possuem
Um costume raramente expresso em voz alta nenhum cargo ou atribuição, mas se há algo que
mas em destaque na mente de todo ahleniense é que não pode ser conseguido através dos meios legais
praticar um crime não é tão grave quanto ser pego. ou oficiais, poderá ser obtido pela Guilda… por um
A visão de mundo cínica desse povo diz que todo preço. Isso inclui qualquer coisa, inclusive favores,
artoniano tenta se aproveitar de todos os outros. Os
e nenhum pedido é absurdo demais. Tanto plebeus
que não o fazem estão mentindo para si mesmos ou
quanto nobres (que possuem emissários oficiais da
apenas têm medo das consequências.
Guilda) podem fazer uso de seus serviços. E, para
Como regra geral o jeitinho ahleniense, essa habi- orgulho de seus membros, os serviços da Guilda
lidade inata de se adaptar e contornar obstáculos, também têm sido procurados por estrangeiros do
prevalece em tudo. Pode ser percebida nas relações Império de Tauron e de Deheon.
entre os cidadãos, com os estrangeiros e até mesmo
com os deuses.
Locais Importantes
Governo Rishantor,
A organização governamental em Ahlen é uma
pirâmide, cujo topo está tomado pelo casal real Nonato
o palácio dos palácios
Vorlat e Vinala Hogarth. A palavra de ambos é lei e O Palácio Rishantor, motivo de orgulho de todo
deve ser cumprida imediatamente. Abaixo do casal ahleniense, é uma construção colossal e suntuosa
está o conselho real, composto por membros das três que consumiu muitos anos e recursos do reino.
casas e de outros fidalgos. Esses conselheiros auxiliam Com inúmeras torres e fachadas de diversos estilos,
o casal nas tarefas administrativas e diplomáticas, mas o palácio ostenta amplas varandas e janelas com
principalmente em decisões estratégicas. Abaixo do uma vista privilegiada de Thartann. A construção
conselho estão os chefes das três casas reais Rigaud, pode ser vista de fora da cidade, com suas janelas
Schwolld e Vorlat, que ostentam títulos honorários de de vidro cintilando no pôr do sol ou sob a luz do
grão-duques. Depois vêm duques, marqueses, condes luar, como pequenos cristais coloridos. Na sua parte
e vários outros títulos nobiliárquicos. Em teoria, todos mais alta possui muitos telhados e passarelas, todas
esses nobres maiores estão ocupados cuidando da enfeitadas com gárgulas e estátuas. Por dentro, os
administração de suas terras e de seu povo, mas na salões intermináveis são adornados com o que há
realidade nenhum nobre trabalha. Eles gastam seu de mais caro e luxuoso em Arton: tapetes, estátuas,
tempo com intrigas e maquinações para manter e quadros, mármores, divãs, dosséis, flâmulas e outros
conquistar novos privilégios e títulos. Já os fidalgos objetos decoram os ambientes já impressionantes
menores fazem o trabalho administrativo e burocrático por natureza. Algumas peças são mais que deco-
junto a plebeus contratados. A burocracia em Ahlen é ração e escondem passagens secretas e armadilhas
propositalmente labiríntica, ineficiente e interminável. mecânicas ou mágicas.

O Reinado
127
Há salas de todos os tipos e para todas as funções:
de dança, de jogos, de jantar, de descanso, de conversa,
Thartann (capital)
de esgrima, de convívio… Qualquer amenidade que Uma cerimônia solene no topo de um morro deu
possa interessar aos seus frequentadores. Esses salões início à construção do Palácio Rishantor. A partir desse
e aposentos se sucedem um após o outro, às vezes momento, Thartann começou a crescer e prosperar
sem corredores que os conectem, tornando o palácio ao redor do pequeno monte. Antes mesmo de o
um emaranhado de diferentes ambientes e um paraíso palácio ser concluído a cidade já tinha definida sua
para quem deseja conspirar. Oficialmente apenas a configuração urbana: os nobres viveriam perto do
família real, seus servos imediatos e os nobres de maior palácio, os comerciantes depois deles e os plebeus mais
titulação residem no palácio. Contudo, essa lista é tão afastados de tudo. Os bairros nobres têm mansões
grande e cheia de exceções que uma quantidade enorme grandes e pomposas, são murados e patrulhados
constantemente por guardas da cidade. Aristocratas
de gente frequenta seus ambientes, fazendo com que
em liteiras carregadas por servos e carruagens com
suas inúmeras salas estejam ocupadas a qualquer hora
símbolos das famílias desfilam pelas ruas de pedra.
do dia e suas luzes nunca se apaguem.
Thartann foi construída depois da fundação do
Rishantor não é apenas uma edificação, mas
reino, num raro esforço conjunto das três famílias
um complexo do tamanho de uma pequena cidade.
nobres. É claro que tudo não passava de um artifício
Dentro da propriedade murada há o palácio principal
de Rickard Rigaud para assumir o controle, mas os
da família real, três pequenos palacetes (um para
aristocratas fingem não saber disso e a capital perma-
cada casa nobre), a casa da guarda real, a casa da
nece como um símbolo de “cooperação”. Na realidade,
guarda da cidade, jardins e bosques privados, o
é provavelmente o maior antro de intrigas de Arton.
palacete dos servos, os estábulos, as oficinas reais
e muitas outras construções. O complexo inclusive Aqui a dominação da nobreza fica mais evidente
possui uma guilda própria de artesãos para satisfazer do que em qualquer outro lugar. É comum ver grupos
os caprichos dos nobres através de intermináveis de jovens aristocratas vagando pela cidade como bandos
reformas e expansões. de selvagens, desafiando plebeus para duelos (e cha-
mando seus guardas caso o plebeu esteja vencendo),
O Palácio Rishantor não é um local público, não
saindo sem pagar de tavernas e fazendo apostas sobre
recebe plebeus e não funciona como sede da lei em
quem consegue arruinar a vida de uma vítima da forma
Ahlen. Pelo contrário, é considerado propriedade
mais criativa. Esses fidalgos desocupados se organizam
privada do rei — todos os demais residentes estão ali
em clubes ou confrarias, mas na verdade só procuram
pela graça de Sua Majestade. Exceto pelos artesãos,
diversão destrutiva.
guardas e servos, apenas nobres podem entrar no
complexo do Rishantor. Essa regra é quebrada durante A cidade é banhada pelo barrento rio Yrlanyadish
a Noite das Máscaras, quando todos têm trânsito livre, (vulgo Yrlan) do qual foi derivado um canal que se ra-
exceto nos aposentos reais. O palácio é muitíssimo bem mifica em outros canais menores. Esses canais servem
guardado, com soldados patrulhando constantemente para levar água para os moradores, as oficinas e os co-
os corredores e muralhas externas, especialmente mércios. Também são usados para higiene, aumentan-
depois que um mero grupo de aventureiros se infiltrou do sua sujeira, apesar de isso ser proibido por decreto
no palácio e conseguiu chegar até aos aposentos reais. real. A região dos comerciantes e fidalgos, que tem a
Quando aventureiros sem sangue azul precisam ser maior densidade populacional, fica ao redor dos bair-
recebidos no palácio, nobres podem ros nobres e é delimitada ao norte pelo Yrlan e ao sul
arranjar um título provisório que ex- pelo grão-canal. Nela podem ser encontrados o The-
pira no fim do dia e que lhes concede atro Real, que apresenta óperas e peças famosas; o
acesso temporário, burlando assim mercado Panóptico, o maior da cidade; a Freguesia
as próprias regras criadas por eles. Otomar, um bairro boêmio com muitas tavernas, e o
porto velho, onde os barcos atracam trazendo mer-
cadorias que têm o péssimo hábito de “se per-
der”. Para além do grão-canal e mais afasta-
do da zona central, no oeste da cidade fica o
grande lixão e o pequeno pântano, lugares
habitados pelos plebeus mais desfavorecidos. Já ao
sul e sudoeste há bairros residenciais pobres de me-
nor densidade populacional, misturados com fazen-
das, sítios e moinhos.

Capítulo Um
128
Thartann tem um clima lúgubre em meio à osten- maior parte da cidade parece estar feliz com a união
tação. Por ficar numa região úmida e alagada, parece com Ahlen, principalmente por causa da Rainha Vi-
estar sempre no meio de uma neblina molhada. Mofo nala. A rainha é extremamente popular na ilha e seus
e limo crescem em cada parede, misturando-se com apoiadores mais entusiasmados usam um tapa-olho
as estátuas e decorações intrincadas, emprestando a para demonstrar lealdade.
este lugar um ar de decadência. Para chegar a Horeen é necessário pegar uma balsa
em Ciela, Sarmadin ou Jayrdon, ou alugar um barco
Horeen em Ni-Lodashyr ou Ilyria. A dificuldade de acesso
A antiga capital do reino de Collen é a maior cidade da ilha contribui com a sensação de isolamento em
da ilha e capital do grão-ducado de Collen, cujo título relação ao restante de Ahlen e do Reinado.
é ostentado pela Rainha Vinala. A cidade sempre teve
proporções modestas e um aspecto provinciano, mas
essas características estão se perdendo depois da
Shallankh’rom
Esta pequena ilha fluvial era deveras irrelevante,
anexação por Ahlen. Como parte do acordo de união,
exceto como colônia de férias para os nobres ahle-
muitos fidalgos vieram para auxiliar a desenvolver e
nienses, até o momento que foi conquistada por uma
administrar a ilha, junto a comerciantes e plebeus em
poderosa feiticeira-clériga chamada Gwen Haggenfar.
busca de oportunidades. Estes imigrantes e fugitivos
trouxeram recursos, abriram negócios, construíram Gwen, então sumo-sacerdotisa de Wynna apesar
novas edificações e transformaram parcialmente o de ser uma notória vilã, venceu com facilidade a guarda
panorama urbano da cidade. O comércio original, com dos nobres turistas e cercou a ilha com um campo de
suas características lojas feitas de toras de madeira, tem energia. Depois de dominar os habitantes e expulsar
como principais produtos artesanato, peles e troféus de aqueles que não se subjugaram, a feiticeira criou uma
caça, madeira, peixes e frutos do mar. As casas na beira escola de magia única, na qual as artes arcanas eram
do porto pintadas de diversas cores e com telhados ensinadas sem restrições morais. Os treinamentos
reforçados para resistir às tempestades são famosas eram intensos e era comum que os alunos desistis-
em toda a ilha, e ainda se pode encontrar pescadores sem, fugissem ou morressem. Mesmo assim a escola
sentados na frente de suas casas aproveitando o fumo prosperou e ganhou renome, especialmente entre pais
dos hynne enquanto trocam histórias. que queriam ensinar aos seus filhos “o pior” que as
artes arcanas podem oferecer. O domínio de Gwen
A principal característica dos collenianos pode
Haggenfar começou a ruir quando a clériga perdeu
ser vista com mais facilidade em Horeen — de fato,
os poderes de sumo-sacerdotisa, fazendo com que o
alguns turistas vêm para admirar os nativos, como
campo de energia falhasse e retrocedesse até cercar
se a cidade fosse um zoológico. Os collenianos têm
apenas a escola. A coroa de Ahlen agiu rapidamente
olhos de cores díspares e muitas vezes apresentam
e retomou a ilha, sitiando a maga em sua escola e
estranhos poderes relacionados à visão. Já houve
levando a um impasse que durou anos. Somente após
histórias de collenianos capazes de identificar auras
muitas negociações, intrigas e traições de ambos os
mágicas, enxergar nas sombras e até mesmo ver o
lados Gwen concordou em abandonar Shallankh’rom.
futuro. Essa última capacidade supostamente teria
dado origem à canção folclórica A Velha da Taverna, Ou isso é o que os ingênuos pensam.
muito popular no grão-ducado. Um aproveitador conhecido como Jake, o Caolho,
A cidade é um destino popular entre os esnobes se intrometeu no impasse e intermediou um acordo
nobres ahlenienses, que vêm se refugiar da vida agitada entre Gwen e o trono do reino. A maga ficaria escondida
em Thartann e buscar ares mais frescos. Enquanto na ilha e manteria sua escola — mas em segredo. Ahlen
passeiam com suas sombrinhas eles gostam de usar os poderia bradar a plenos pulmões que “lidou com a
adjetivos “pitoresco”, “rústico” ou “mambembe” ao se grande ameaça”, enquanto a vilã continuaria seu legado
referir aos lugares e à população. Turistas ahlenienses de magia sinistra. Quanto a Jake? Ele administra a escola
pioneiros que conheceram a cidade antes do crescimen- clandestina, negocia com candidatos a alunos (invaria-
to reclamam que ela “perdeu a autenticidade”. Alguns velmente criminosos e pretensos vilões que desejam
dos habitantes locais incomodados com os novos usar a magia para os piores propósitos) e “divide” os
vizinhos concordam com esses nobres, e confrontos altos lucros com Gwen, embora nem sempre de forma
entre collenianos e os ahlenienses não são raros. A justa. A antiga sumo-sacerdotisa se sente humilhada por
guarda local, antes sob domínio completo da casa estar à mercê de um mero vigarista, mas por enquanto
Hogarth, já não tem certeza sobre como agir nesta não pode se livrar de Jake sem arruinar a escola secreta
questão complicada. Apesar dos conflitos pontuais, a e atrair a ira da coroa de Ahlen…

O Reinado
129
Kriegerr e Var Raan grande quantidade de oficinas, Ni-Lodashyr por sua
classe mercantil em pé de igualdade com os nobres
Estas duas cidades faziam parte do reino de Collen e Midron, pela decadência e criminalidade alarmante
e permanecem como algumas das mais marcantes e — diz-se que a taverna mais perigosa do Reinado é a
notórias do atual grão-ducado. Kriegerr é o centro Coroa de Ferro, localizada na cidade. As cidades menores
comercial da região noroeste, fazendo bom proveito e vilas do reino seguem o mesmo padrão das capitais
de sua posição privilegiada na tríplice fronteira. Possui dos ducados, apenas em menor escala.
uma clínica de um médico de Salistick, coisa muito
rara no Reinado. Já Var Raan é uma cidade notória por
abrigar piratas e cada vez mais se alinha aos bucaneiros
Colinas de Danshed
do Mar de Flok. A relação começou tímida, quando os As Colinas de Danshed são o principal palco
pescadores começaram a receber presentes e agrados de aventuras em Ahlen — pelo menos de aventuras
dos saqueadores. A Casa Hogarth não conseguiu que não envolvam intriga palaciana e espionagem
combater as artimanhas dos piratas e, depois de eles sórdida. Diz a lenda que muito tempo atrás um jovem
se infiltrarem lentamente, hoje a cidade é um porto casal de príncipes das tribos locais se apaixonou,
controlado pelos fora da lei em todos os aspectos, mas o relacionamento foi proibido pelo pai de um
menos os formais. Resta saber o que Ahlen fará a dos dois. O rei era um xamã poderoso e propôs um
respeito disso — ou se o reino foi responsável por isso! desafio ao pretendente: aprisionou o próprio filho
num enorme cristal e determinou que, se o outro
príncipe pudesse resgatá-lo, os dois poderiam se casar.
Outras cidades Contudo, o príncipe apaixonado morreu na tentativa.
As capitais dos ducados Colamar, Ni-Lodashyr e Allihanna se enfureceu com a atitude do rei xamã e
Midron são parecidas entre si. Extensas mas pobres, o amaldiçoou, privando-o de seus poderes. Incapaz
sem calçamento fora da zona central, com mansões de libertar o filho que ele mesmo tinha aprisionado,
de nobres ou templos como únicas construções de o rei morreu de desgosto. As tribos foram dizimadas
destaque. Um olhar mais atento revela características pelos colonizadores ahlenienses e hoje em dia só resta
únicas de cada uma. Colamar se destaca por ter uma o cristal e o príncipe ainda aguardando seu resgate.

A Mata dos Cem Olhos desafia a lógica


e aqueles que ousam atravessá-la

Capítulo Um
130
Como se esta lenda não fosse fantástica o bastante, necessário que ladrões se unissem contra os clérigos
uma versão ainda afirma que o espírito do pretendente de deuses justos. Antes mesmo que a caravana encon-
morto toma os corpos de aventureiros que tentam trasse a grande estátua de Valkaria, estava formada a
resgatar seu amado. Outras versões falam dos tesouros Guilda de Ladrões.
incríveis que estariam disponíveis para quem fosse Os ladrões na caravana vinham de diversos reinos,
capaz de vencer a prisão imposta pelo rei xamã. Seja cada um com um dialeto diferente. Aproveitando essa
como for, ano após ano heróis desbravam as colinas mistura, começaram a se comunicar usando gírias
na tentativa de libertar o príncipe. que só eles mesmos entendiam e uma gramática
própria. Nascia assim o jargão dos ladrões. Quando
A Mata dos Cem Olhos os colonos de Lamnor começaram a se espalhar por
Localizada no interior da ilha de Collen, esta é Arton, estabelecendo o que seriam os novos reinos,
uma selva densa e abundante, onde animais e plantas os ladrões, unidos sob a liderança dos clérigos de
nascem com estranhas mutações que fogem a um Hyninn, discutiram para onde ir. Eles poderiam ficar
padrão. Estudiosos especulam que poderia ser uma no ponto zero de colonização, mas alguns colonos
área de magia descontrolada, o laboratório de um mago já estavam se organizando para proteger os demais.
ensandecido ou apenas um local onde a vontade de Então observaram as disputas de três famílias nobres
Nimb se manifesta. A mata, portanto, ficou famosa que aos poucos estavam dominando uma área já
como uma zona perigosa cheia de monstros estranhos. ocupada por povos ramnorianos. Parecia terreno
Plantas capazes de falar, misturas de dois ou mais fértil para a vida furtiva. A Guilda de Ladrões fixou
animais, criaturas disformes… Com certeza o maior raízes no que seria mais tarde o reino de Ahlen.
perigo na Mata dos Cem Olhos são monstros bizarros Depois da fundação oficial do reino, os criminosos
e cheios de olhos, capazes de transformar seres vivos se estabeleceram na capital.
em pedra com um mero vislumbre. Alguns, no entanto, Embora muitas guildas de ladrões tenham surgido
duvidam da existência de criaturas tão absurdas. em Arton, a Guilda de Ladrões de Thartann é a mais
Outro grande mistério desta floresta bizarra são antiga e poderosa. Até hoje mantém o domínio na
os rios Lleen e Coraan. Seus cursos deveriam se capital e é impiedosa com quem desafia seu poder.
cruzar em algum ponto dentro da mata, mas por Mantém informantes na guarda da cidade, no exército
alguma razão isso não acontece. Qualquer um que de Ahlen e nas principais casas nobres. Assim, fica
navegue por algum deles atravessará a região florestal sabendo de quase toda atividade ilegal na cidade.
sem nunca avistar o outro rio. Alguns dizem que o Quando acontece um roubo, as autoridades primeiro
cruzamento entre os dois rios se localiza em outro checam se é autorizado pela guilda. Caso contrário,
Plano de existência e que, ao encontrá-lo, um viajante perseguem o suspeito, mas desistem se ele provar
é substituído por uma cópia perfeita (e insana) de si filiação. No caso de roubos realizados por pessoas de
mesmo. Mas existem outras teorias: o mago aven- fora, os próprios ladrões se encarregam da “justiça”.
tureiro Karadhor, por exemplo, está convencido de Para ser membro da guilda, um ladrão precisa
que esse fenômeno é obra de um dragão lendário que primeiro encontrar uma sede — e descobrir que é
se esconde fora do espaço. Obcecado com a criatura, necessário encontrar uma sede para ser aceito. Até
passa a vida dentro da mata, tentando achá-lo e hoje ninguém foi capaz de descobrir sozinho a sede
recrutando aventureiros para a tarefa inglória. principal, em algum lugar nos subterrâneos da cidade,
apenas alguma das inúmeras sedes secundárias. Uma
vez que tenha encontrado uma sede, o pretenso membro
Guildas & passa por alguns testes de lealdade e então acompanha

Organizações um ladrão em alguns “trabalhos”. Durante este estágio


probatório, o novo ladrão deve aprender todas as técnicas
da guilda. Uma vez que seu professor o considere apto,
A Guilda de ele faz um grande roubo, no final entregando todo o
Ladrões de Thartann lucro à guilda. Tendo sucesso, o novo membro recebe
A Guilda de Ladrões de Thartann começou sua uma marca e é um ladrão oficial de Thartann. A marca
história como apenas “a Guilda de Ladrões”. Quan- pode variar de uma pequena tatuagem até o corte da
do colonos vieram de Lamnor, naturalmente havia ponta de um dedo ou outra mutilação menor.
criminosos entre os refugiados e alguns clérigos de Além de roubos, a Guilda de Ladrões se ocupa
Hyninn foram capazes de reconhecê-los. Eles sabiam do tráfico de achbuld, espalhando-se assim por todo
que, se o crime fosse prosperar no novo continente, era o continente, e da organização de jogos ilegais, além

O Reinado
131
de várias outras atividades criminosas. Tudo isso institucional gera um clima de desconfiança e paranoia
é controlado pelos sete membros do Conselho de que permeia as relações entre diferentes famílias ou
Mestres da Guilda, um grupo altamente secreto, cuja mesmo entre nobres com o mesmo sobrenome.
identidade é desconhecida até de seus comandados. A única razão de Ahlen não se dividir em três
Eles se reúnem através de magia, distorcendo sua reinos menores é que todas as casas se beneficiam da
voz e aparência, nunca estando juntos num mesmo proteção mútua enquanto almejam o mesmo objetivo:
lugar. Assim, nem mesmo um dos mestres conhece o Rishantor. Especula-se que o único evento capaz
a identidade dos demais. Uma vez que um mestre da de unir verdadeiramente as três seria uma ameaça
guilda morra, um substituto previamente escolhido estrangeira à soberania do reino, coisa que ainda
automaticamente toma seu lugar, recebendo instru- não ocorreu.
ções através de um item mágico variável. Em geral,
a morte de um mestre da guilda passa totalmente A Casa Rigaud, conhecida como “os Lobos”, é
despercebida. Essa descentralização torna a Guilda regida pelo grão-duque patriarca Radamés Rigaud. É
de Ladrões de Thartann quase invulnerável. Afinal, a casa mais truculenta, tendo como métodos preferidos
não importa quantos ladrões sejam presos ou mortos, coerção e intimidação. O símbolo em seu brasão vem
sempre haverá mais… da lenda de criação da casa, que conta que um fidalgo
menor tinha o dom de falar com lobos. Ele usou seu
dom para atrair outros nobres para um covil dessas
A Rosa de Ahlen feras e forrou os bolsos ao saquear os cadáveres
A outra grande organização criminosa do reino é resultantes. Com o dinheiro, conseguiu aumentar a
a Rosa de Ahlen, responsável pela produção e distri- influência de sua linhagem, efetivamente fundando a
buição de achbuld. Fundada por Holdinnar Ruvtenn, casa. Curiosamente, alguns Rigaud são mesmo capazes
falecido tio do hoje líder István Ruvtenn, “o Belo”, de se comunicar com lobos, o que mostra que deve
esta organização sempre teve como foco o famoso haver um fundo de verdade na lenda. Hordiggard, Estet
entorpecente e como base a cidade de Midron. A erva e Jovignaud são casas menores aliadas.
é cultivada em cavernas no subterrâneo da cidade, A Casa Vorlat, conhecida como “os Mascarados”, é
sendo processada e embalada em lugares afastados regida pela grã-duquesa matriarca Helga Vorlat, sobri-
ou insuspeitos. O produto deixa o reino pelo porto nha do Rei Nonato. É a casa mais dissimulada, tendo
de Midron ou por uma das muitas rotas terrestres, como métodos preferidos furtividade e enganação.
geralmente oculta entre outras mercadorias legais. A torre em seu brasão representa a superioridade da
A Guilda de Ladrões, os Schwolld e os Rigaud casa, as folhas representam os servos abaixo deles e a
acusam a casa Vorlat de se aliar à Rosa ao invés de máscara está no brasão para lembrar seus membros que
combatê-la. Por trás dos bastidores, a Guilda fez uma nunca devem revelar os segredos da família. Tivanor,
oferta “irrecusável” para se aliar à Rosa, mas depois Wardintad e Corlindurr são casas menores aliadas.
de negociações infrutíferas o acordo fracassou. A A Casa Schwolld, conhecida como “os Copeiros”,
Guilda retaliou iniciando uma guerra no submundo é regida pela grã-duquesa matriarca D. Merlina
para destruir a Rosa e tomar seu lugar, forçando-a Schwolld. É a casa mais insidiosa, tendo como mé-
a buscar proteção dos Vorlat, regentes de Midron. todos preferidos corrupção e suborno. A taça do brasão
A intervenção das autoridades conseguiu equilibrar vem da história de origem da casa, que conta que um
as forças até certo ponto, mas o conflito segue até fidalgo copeiro no velho continente usou seu charme
os dias atuais. Embora uma guerra desse tipo seja para seduzir uma nobre maior e casar com ela. Depois
extremamente arriscada, a Rosa de Ahlen é o único que tiveram filhos, ele a matou envenenada com a
grupo no continente que já foi capaz de entrar em mesma taça que haviam compartilhado na noite que
conflito com a Guilda e sobreviver. juraram amor e lealdade. Aschdenn, Livanov, Zinfraud
e Gallivandir são casas menores aliadas.
As Três Casas Nobres Na complicada hierarquia de Ahlen, o rei, a rainha
Apesar de fazerem parte do mesmo reino, as casas e seus herdeiros diretos têm cargos e funções especiais,
Rigaud, Schwolld e Vorlat podem ser consideradas compondo a chamada Coroa de Ahlen. O casal real tem
independentes: cada uma tem seu próprio líder, sua controle absoluto sobre tudo — pelo menos em tese.
própria rede de espiões e seu próprio forte com um Na prática, os dois têm controle absoluto sobre tudo
exército ducal. O rei também tem sua própria rede de que veem ou sabem. Sua atenção está sempre voltada
espiões e exército próprio, além de comandar a guarda ao Rishantor, a assuntos de estado, a seus conselheiros
de Thartann e a guarda real do palácio. Esse egoísmo diretos e aos líderes das três casas.

Capítulo Um
132
Aventuras finais, como missões de investigação ou espionagem.
Para aqueles de moral mais flexível, abundam ofertas
Aventureiros estrangeiros são adorados e muito de “realocação discreta e involuntária” de objetos
requisitados em Ahlen. Não é incomum que mais de ou pessoas e “fabricação” de acidentes. Quando
um nobre dispute os serviços de um grupo, levando um grupo de aventureiros recebe uma oferta do tipo,
a uma competição para oferecer as melhores recom- é porque já está metido até o pescoço em outras
pensas e mordomias. Em casos extremos, um agente atividades ilegais, mesmo sem saber.
misterioso poderá pagar aventureiros para não fazer Os ermos pertencem aos fora da lei. Quase nin-
um trabalho! As demandas oferecidas costumam guém trabalha para que as estradas sejam seguras,
ser dadas de maneira sucinta e direta, contrastando por isso encontros com salteadores são frequentes.
com a grande quantidade de segredos que normal- Caravanas com mercadorias misteriosas e carruagens
mente está por trás delas. Caberá aos heróis des- com passageiros sempre estão precisando de proteção
vendar os segredos — ou sair calados e com os bol- — ou, às vezes, os salteadores são aventureiros atrás
sos cheios, mas sempre com o risco de terem sido de um “fugitivo”. Para além das grandes cidades, as
enganados. Quando há um ou mais ahlenienses no vilas remotas e propriedades de nobres se agarram
grupo, os contratantes são ainda mais cautelosos a qualquer aventureiro que aparecer.
sobre o que revelar. Piratas infestam as águas do Mar Negro e a
Incerteza é a palavra-chave. Mesmo em um serviço ninguém interessa que a situação continue desta
trivial os aventureiros podem estar fazendo algo que maneira… exceto aos próprios piratas. Em 1419 o
é ilícito no reino ou que vai contra o interesse de Rei Nonato declarou com veemência: “Em nome
poderosos. Também podem estar sendo manipulados, do Reinado, os mares hão de se tornar seguros e
acreditando em informações falsas ou ouvindo versões prósperos!”. Mas o que o Reinado ouviu foi “…os
da verdade convenientes para seu contratante. mares vão pertencer a Ahlen!”. Muitos desconfiam
Thartann e o Palácio Rishantor são terrenos férteis que isso seja mera “queima de arquivo” depois que
para aventuras. Os tipos de missões mais comuns são piratas auxiliaram em sua conquista de Collen. Seja
busca, entrega ou escolta de pacotes (pessoas ou como for, a guerra aos piratas foi declarada e já se
coisas), além da segurança de lugares durante eventos iniciou: no mar os navios se caçam mutuamente e
importantes. É comum que nobres escolham contratar estão em modo permanente de destruir, saquear e
guarda-costas que nunca pisaram no reino, pois pilhar. Na terra essa luta se dá principalmente em
é a única forma de garantir que não estão sendo Collen. Não faltam oportunidades para aventureiros
subornados por algum rival. caçarem piratas em nome do rei, protegerem as vilas
e cidades costeiras, explorarem ilhas não mapeadas
Quando o assunto é resolver problemas nos reinos ou se juntarem aos piratas!
vizinhos, aventureiros são a primeira escolha. À medida
que patrono e grupo desenvolvem maior confiança
mútua, os contratantes podem oferecer tarefas que
revelam mais sobre eles, suas casas ou seus objetivos

O Reinado
133
Zakharov O REINO DAS ARMAS

D
urante longos anos, esta nação foi mais Vários ali eram curiosos, inquietos, inimigos do
conhecida pela qualidade excepcional conforto. Assim como tantos humanos, criados pela
de seus armamentos. Infelizmente, a Deusa dos Aventureiros.
história de Zakharov seria mais tarde A primeira de várias caravanas — liderada pelo
marcada por conflitos e tragédias: desde o brusco célebre aventureiro Folk Steelheart — deixou a cidade
e misterioso abandono dos anões de Doherimm, sequer nascida, ainda em construção. Seguiu mais
grandes influenciadores de sua identidade e para o norte durante meses, desbravando aquele novo
cultura, passando pela terrível manifestação da continente, explorando novas terras, buscando novas
oportunidades. O frio das Uivantes a oeste tornou
Tormenta e, mais tarde, o envolvimento intenso
a jornada ainda mais rigorosa. Enfim encontraram
— e atuação decisiva — no combate aos puristas
bom lugar para um acampamento temporário. Teriam
durante a Guerra Artoniana.
permanecido ali apenas brevemente, não fosse um
Foram tempos de provação para o resiliente povo evento extraordinário: o encontro com os anões.
forjador, mas dias melhores chegariam. Com a custosa
Pois os peregrinos não desconfiavam: muito abaixo,
vitória sobre a Supremacia Purista, o atual Reinado sob suas botas, perdurava Doherimm, um vastíssimo
agora é formado por sete nações, sendo Zakharov reino secreto de túneis e cidadelas, habitado e protegido
honrada como uma delas. Ainda, graças à recente pelo povo anão. Por puro acaso (ou obra dos deuses,
atuação de grandes heróis, a área de Tormenta em alguns acreditam), o assentamento humano foi erguido
suas terras seria enfim eliminada — ainda que não por insuspeitamente próximo a uma importante entrada
completo e não sem um preço. É tempo de reconstrução secreta para esse mundo subterrâneo.
e renovação para o orgulhoso Reino das Armas.
Embora tenham habitado a superfície em épocas
anteriores, quase 200 anos antes, naquele tempo os
História anões achavam-se recolhidos — alertados sobre a
futura chegada da Tormenta por seu profeta Wordarion
Como se prevendo as crises em seu futuro, Zakharov Thondarim. Os visitantes não pareciam oferecer
já nasceu pronto para a batalha, de armas em punho. perigo: ainda que precavidos e reclusos, os anões
O reino teve formação similar a outras nações do decidiram fazer contato para conhecer as intenções
Reinado. Em Deheon, logo após o encontro com a dos estrangeiros. Aquele não foi o primeiro encontro
estátua de Valkaria, colonos erguiam as casas, torres, entre as raças, pois havia anões em Lamnor e também
pontes e muralhas que formariam a maior metrópole humanos nativos em Arton. Assim, não houve qualquer
do mundo. Para grande parte dos peregrinos o futuro estranhamento ou hostilidade.
parecia promissor naquelas paragens abençoadas pela Mas houve espanto e assombro mútuos. Mesmo o
deusa — mas não foi esse o pensamento de todos. experiente Folk não imaginava existir nenhum império

O Reinado
135
anão por aqueles lados. E os anões, por sua vez, nunca Chamado às Armas, quando Doherimm foi atacado
haviam visto humanos portando armas metálicas de por Trollkyrka, o império dos finntroll, em uma guerra
fabricação própria; apenas alguns povos sem tamanho que durou 10 anos. Ou assim parecia. Se havia um
domínio sobre metalurgia habitavam aquela região. tratado de assistência mútua, por que cortar relações
Buscando amizade com os forasteiros, os anões por completo? Por que não aceitar ajuda?
ofereceram como presente uma de suas relíquias Uma razão plausível — se não verdadeira — ficaria
— Zakharin, o Machado de Zakharov, um lendário clara quase dois séculos mais tarde. No passado, os
campeão de seu povo. Considerando aquele encontro anões abandonaram a superfície em resposta a uma
um grande presságio, Folk retribuiu a honraria dando profecia sobre a chegada da Tormenta. Agora, em 1402,
aqueles nomes ao assentamento, não mais temporário, a Tormenta chegava.
e à nação erguida em volta. Assim, a fundação de Uma área de infestação lefeu se formou no extremo
Zakharov ocorreria ainda em 1020, menos de um norte de Zakharov, também devorando as estepes
ano após a partida de Valkaria. Seria o primeiro reino geladas das Uivantes. Houve pânico entre os reinos:
instaurado após Deheon, muito antes de quase três pela primeira vez, a Tormenta atacava o próprio coração
dezenas de nações acabarem reunidas no antigo e do Reinado. Era governada por um novo Lorde da
inchado Reinado de Arton. Tormenta — aquele que se tornaria conhecido como
Logo, Folk Steelheart constatou que a vida de Aharadak, o Devorador. Diferente de outros líderes
nobre não lhe servia. Fundar um reino era estimulante, lefeu, este buscava conquistar a adoração divina dos
perigoso e divertido. Governá-lo, por outro lado, era nativos, atraindo-os para seus domínios sangrentos. Ali
tedioso, seguro e insuportável. Steelheart abandonou nascia Ahar’kadhan, a horrenda Cidade na Tormenta,
a corte para voltar a se dedicar à vida de aventureiro. A logo povoada de adoradores e cultistas degenerados.
arcanista de seu grupo original, Olava Roggandin, foi Não bastasse a vermelhidão macabra em seu
aclamada pela parca nobreza de Zakharov como rainha, horizonte norte, Zakharov viu-se forçada a lidar com
dando início a uma linhagem que perdura até hoje. crises mais mundanas, embora não menos mortais.
No Reinado, tensões políticas cresciam, um grande
Ruptura, Guerra, conflito se avolumava. As nações vizinhas cortejavam
Tormenta uma aliança vantajosa com o Reino das Armas. Quando
a guerra explodiu, Zakharov permaneceria aliada de
Durante os anos seguintes o reino prosperou, Deheon — atraindo assim a vingança da Supremacia
uma forte amizade crescendo entre humanos e anões. Purista, com quem dividia extensas fronteiras a leste.
Doherimm e Zakharov assinaram tratados. Visitantes Seus povoados receberam ataques severos, não sendo
eram permitidos em Doherimm (embora apenas em dizimados por completo apenas porque o grosso das
cidades anãs diretamente sob Zakharov). Nesse meio forças supremacistas lidava com outros alvos.
tempo, talvez motivados por esse bom relacionamen-
to, o próprio rei anão Rodir Hammerhead II e sua A Guerra Artoniana devastou nações, dizimou
comitiva diplomática visitaram Valkaria para assinar populações, mudou o mapa político de Arton. O
o famoso Tratado da Espada e da Forja — um pacto Reinado foi desintegrado. Outrora uma gigantesca e
de cooperação entre os povos. orgulhosa coalizão de quase trinta países, hoje restam
apenas sete — sendo Zakharov um deles.
A mineração, arquitetura, joalheria e outras
atividades típicas dos anões tiveram grande influência
na cultura de Zakharov — especialmente suas armas. Coração de Rubi
O primeiro presente dos anões para os humanos foi Indiferente a conflitos políticos mundanos, o
uma arma. A capital do reino, Zakharin, tinha o nome Devorador seguiu seu plano. Agora deus menor, tinha
dessa arma. Portanto, zakharovianos cultivariam seguidores sádicos e cruéis por toda Arton, extraindo
grande apreço pela posse e ostentação de belas armas, poder de adoração e oferendas — mas seu apetite era
mesmo não desejando necessariamente usá-las. Essa insaciável, ele buscava mais. Aharadak desejava se
tradição continua viva, sendo que armas são as peças tornar deus maior, queria um lugar no Panteão. Para
decorativas mais apreciadas no reino. isso, um deus precisava cair. Pois deve haver vinte.
Mas a amizade entre humanos e anões teve fim Longe dali, quando uma rebelião de escravos
abrupto. Um dia, o regente de Doherimm ordenou o abalava a capital do Império de Tauron, a chance se
fim do contato com Zakharov. As passagens conheci- apresentou. Uma nova área de Tormenta derramou-se
das para a superfície foram seladas. Quase todos os sobre a gloriosa metrópole dos minotauros. Aharadak
anões do reino desapareceram — convocados pelo surgiu, gigantesco, macabro, destruidor. O próprio

Capítulo Um
136
Deus da Força e então líder do Panteão foi invocado
em ritual para proteger seu povo. No entanto, Tauron
acabou traído por sua escrava e protegida Glórienn,
antiga Deusa dos Elfos — ela própria responsável pela
chegada da Tormenta a Arton no passado. Perdendo
o que restava de sua divindade, Glórienn se deixou
corromper pelos invasores, desferindo o ataque final
que fulminou Tauron. Assim, Aharadak ascendeu ao
posto de deus maior, agora integrando o Panteão.
Enquanto o horror se instaurava entre os servos
dos deuses, um inventor lefou percebeu oportunidade
na crise. Agora que Aharadak havia se reunido aos
deuses, sua área de Tormenta encontrava-se sem a pro-
teção de um lorde — situação inédita desde a chegada
dos invasores. Isso significava que, pela primeira vez
desde a retomada de Tamu-ra, uma área de Tormenta
podia ser eliminada.
Assim, o astuto professor Ezequias Heldret —
herdeiro de uma das famílias mais ricas de Zakharov Zakharov
— iniciou um empreendimento audacioso. Tornou-se
patrono de um grupo de aventureiros novatos, mas Nome Oficial: Reino de Zakharov.
promissores, fornecendo informações e recursos para a Lema: “Armas do Reinado”.
campanha épica. Após longas e tempestuosas jornadas,
Brasão: de vermelho uma aspa de
percorrendo os pontos mais inusitados de Arton, os
prata carregada de uma águia de negro
heróis enfim conquistaram poder e equipamento
segurando na pata destra uma espada de
suficientes. Podiam agora rumar até Ahar’kadhan
sua cor.
e confrontar seus Cardeais, as quatro aberrações
cósmicas que comandavam a cidade na ausência de Gentílico: zakharoviano.
seu criador. Após a batalha final, Ezequias executou um Capital: Zakharin.
ritual para supostamente expurgar a Tormenta — mas,
Forma de Governo: monarquia
em vez disso, ele a absorveu. Havia feito secretamente hereditária.
um pacto com Aharadak: em troca de livrar Zakharov da
Tormenta, ele se tornaria seu sumo-sacerdote. Buscaria Regente: Rei Hybald Roggandin.
harmonia entre Arton e a Tormenta. População: 2.200.000.
Hoje, o Reino das Armas respira aliviado, o céu Raças Principais: humanos, anões,
setentrional novamente azul. A Tormenta se foi. A minotauros, lefou.
sinistra Ahar’kadhan ainda existe, mas agora em Divindades Principais: Arsenal,
versão mais “branda”, onde o transformado Ezequias Khalmyr, Rhond, Valkaria, Aharadak.
comanda o culto do Devorador. A Supremacia ainda é
uma ameaça nas fronteiras, mas Zakharov se mantém
vigilante. Com sua arte e ofício, segue forjando as
melhores lâminas do Reinado contra o mal.
Zakharov é limitado ao sul pela fronteira circular
de Deheon; a oeste pelo Rio Panteão, que marca sua
Geografia divisa com as Uivantes; a leste pelo Rio Iörvaen,
que assinala a fronteira com a Supremacia; e no
Como ocorre em Deheon, por influência das
extremo norte com Namalkah, também separado
Uivantes, a região oeste de Zakharov é mais fria. Ali
pelo Rio Iörvaen.
encontramos colinas nevadas, florestas de coníferas e
algumas estepes — sendo estas comuns ao norte do Por consequência dos grandes rios, a travessia para
reino. As regiões central, leste e sul apresentam carac- todos os reinos vizinhos é difícil. Numerosas pontes
terísticas comuns para o Reinado: clima subtropical, haviam sido construídas com essa finalidade; quase
com planícies, colinas, florestas, lagos e rios. todas acabaram destruídas durante a guerra, sobretudo

O Reinado
137
aquelas na fronteira com a Supremacia. Apenas Deheon Havia postos avançados dos minotauros ao norte.
oferece fácil acesso aos viajantes, especialmente porque Com a chegada da Tormenta, alguns sobreviventes
grande parte das cidades importantes de Zakharov recuaram de volta ao Império, enquanto outros
fica mais ao sul do reino. Como resultado, o comércio buscaram refúgio nas comunidades humanas locais.
entre Deheon e Zakharov é intenso. Ali, acabaram se estabelecendo como guarda-costas,
O fim da Tormenta é ainda recente. Especialmente soldados ou ferreiros.
em sua região norte, levará algum tempo até que as Por fim, a proximidade da Tormenta levou ao
paisagens retornem ao normal. Isto é, caso aconteça recente surgimento de muitos lefou. Estes são es-
algum dia. tigmatizados e temidos como no restante de Arton;
meios-aberrantes aceitos e bem-sucedidos, como o
próprio Ezequias, são raros.
Povo & Costumes
Zakharovianos são patriotas orgulhosos, recu- Deuses das
sando-se a ensinar os segredos de sua metalurgia Armas e da Guerra
a estrangeiros. Contudo, estão sempre dispostos a No passado, as igrejas de Khalmyr e Keenn eram
negociar suas peças, por preços à altura. as mais populares no reino. Os deuses guerreiros
O culto às armas não significa que zakharovianos costumavam ser vistos como irmãos protetores e
gostem de guerra. Em sua cultura, armas são peças justiceiros, liderando a “guerra justa”, quando as ar-
de arte, provas de talento e civilidade, a real diferença mas devem ser empunhadas para cumprir propósitos
entre humanos e feras. Palácios e templos locais são nobres. Mas isso, claro, mudaria.
adornados com armas. Armas antigas ou mágicas O ataque de uma odiosa nação supremacista devo-
são as mais preciosas relíquias de família. E todas tada ao culto de Keenn levou ao rápido declínio de seu
recebem nomes próprios. culto pelos zakharovianos. Quando este foi derrotado e
substituído por Arsenal — não apenas Deus da Guerra,
É também costume local que todo cidadão traga
mas também um patrono das armas até mesmo em
sempre uma arma consigo — mesmo que não saiba
seu nome —, a nova igreja foi rapidamente abraçada.
usá-la. Portar uma arma finamente trabalhada é o
Embora Arsenal também seja cultuado na Supremacia,
mesmo que usar um vestido de gala ou uma bela
Zakharov o aceita como um deus renascido, digno de
armadura cerimonial. Para tais finalidades estéticas,
suas preces e oferendas. De fato, existe no reino uma
zakharovianos fabricam armas puramente ornamentais,
igreja unificada de Arsenal e Khalmyr, a Ordem das
belas mas pouco efetivas em combate. Elmos e escudos Armas Austeras. Em seu símbolo sagrado, em vez da
também são populares, mas armaduras em geral são Holy Avenger, vemos a espada Rhumnam de Khalmyr
reservadas para cavaleiros e guerreiros. cruzada com o Martelo dos Trovões de Arsenal.
O povo de Zakharov não mostra tipos físicos O terceiro culto favorito em Zakharov pertence a
ou traços particulares dignos de nota, mas tendem Rhond, o Deus Menor das Armas e dos Armeiros.
a ser baixos e robustos. Os homens cultivam barbas Seu templo principal fica abrigado na Cidade de Rhond
cerradas. Diz-se que, séculos atrás, relacionamentos — onde o deus de fato pode ser encontrado, forjando
entre humanos e anões teriam gerado descendência. armas magníficas com seus seis braços. Seus clérigos
Talvez muitas famílias zakharovianas tenham sangue se encarregam de impedir que o trabalho do mestre
anão, embora nativos de Doherimm considerem tal seja perturbado.
afirmação absurda e insultuosa. Por sua origem e proximidade de Deheon, bem
Mesmo nos dias de hoje, anões são comuns no como o fato de ter sido fundado por aventureiros,
reino. Vários deles, após cultivar laços profundos Zakharov também apresenta muitos fiéis de Valkaria
de amizade, lealdade e até amor, desobedeceram à — especialmente após sua libertação, enfim permi-
convocação do regente e permaneceram aqui. Apesar tindo aos devotos locais brandir seus poderes. Mais
de longevos, poucos estão vivos desde aquela época; surpreendente é a popularidade de Marah: como já foi
os anões zakharovianos atuais pertencem às gerações dito, zakharovianos amam armas, não amam guerra.
seguintes. Note-se que essa forte presença anã levou a Também encontramos aqui devotos de Tenebra,
ataques ainda mais furiosos da Supremacia durante a por influência dos anões; Lena e Thyatis, por sua
Guerra Artoniana, considerando o povo de Zakharov recusa em matar, e Aharadak, pela atuação de seu
tão “impuro” quanto outros não humanos. sumo-sacerdote no reino.

Capítulo Um
138
Governo Esse hábito teria começado dois
séculos atrás, quando o antigo Rei Kaius
Zakharov é atualmente governada por Hybald Roggandin passou a ser visto portando
Roggandin, descendente direto de Olava Roggandin. uma réplica do machado Zakharin, feita
Diz-se que seu pai, Walfengarr Roggandin, teria reve- sob medida. A moda se espalhou rápido,
lado ao filho, no leito de morte, um segredo terrível. cópias de Zakharin podiam ser adquiridas
A verdadeira — e humilhante — razão que levou os em todas as grandes cidades do reino.
anões a abandonarem o reino.
Portar armas como se fossem joias é forte tradi-
ção em Zakharov, mas mesmo a tradição às vezes se
rende a modismos. Em certas épocas podem ser mais
populares as bestas; em outras, as lanças, e assim por
diante. Da mesma forma, também
são comuns as réplicas de armas
famosas — como imitações da
espada Rhumnam de Khalmyr,
o Martelo dos Trovões de
Arsenal, a espada Holy
Avenger…

Rhond, o Forjador
Imortal: seis braços e
todos armados

O Reinado
139
Locais
Importantes
Zakharin
(capital)
Próxima à fronteira sul com
Deheon, Zakharin foi fundada no
ponto onde o antigo grupo liderado
por Folk Steelheart fez seu primeiro
contato com os anões de Doherimm.
O acampamento cresceu para se tornar
uma vila e, mais tarde, uma cidade. A
maior do reino.
Construída quando humanos e
anões ainda confiavam uns nos outros,
Zakharin tem muito da arquitetura
anã: estruturas sólidas de pedra, feitas
para durar. Suas muralhas e jardins são
adornados com imagens de Khalmyr,
Tenebra, Zakharov e numerosas divin-
dades menores dos anões.
O machado Zakharin original está
em uma câmara no Palácio Real, onde
repousa aos pés de uma estátua de
Zakharov. Se a arma contém encanta-
mentos, não se sabe. Existe a suspeita
de possa ser empunhada apenas por
um anão (sendo possível que o regente
Kaius tenha falhado ao tentar usá-la e,
frustrado, recorrido a uma réplica).
Os anões teriam recebido a notícia com desgosto Desnecessário dizer, a cidade hospeda um intenso
extremo: consideraram desrespeito a Zakharov, seu comércio de armas — algumas das melhores peças
herói lendário. O então regente de Doherimm exigiu do Reinado podem ser adquiridas aqui, bem como os
que as falsificações fossem banidas. Mas Kaius não serviços dos melhores ferreiros. Ruas e distritos em
apenas recusou-se a se livrar do próprio machado, geral trazem nomes ligados a armas, como o Bairro
como ordenou a fabricação de peças idênticas para Alabarda Magnífica, a Alameda Alfange, o Parque
toda a família real. Os anões, ressentidos, partiram do Tridente Dourado e assim por diante.
do reino — e teve fim a antiga aliança. Aqui também se encontra a oficina de Koldarim
Verdadeira ou não, a história teria sido mantida Ironhide, ferreiro anão, talvez o único ainda vivo da
em segredo, passada de pai para filho na família época em que seu povo abandonou o reino. Quando
Roggandin; a atitude vergonhosa de um ancestral interrogado sobre o motivo, o ancião diz não se lembrar
teria custado, para sempre, a confiança dos anões. (mas o alto preço de suas peças e serviços pode ter
Existe mesmo a suspeita de que o antigo conselhei- sido incentivo para ficar). Hoje ele ensina técnicas
ro-mor do rei fosse um sszzaazita, o que explicaria de forja dos anões para aprendizes de raças variadas.
muita coisa. A cidade é alvo de agentes puristas, que buscam
Hoje, réplicas do machado Zakharin são estrita- eliminar heróis do reino. Um desses heróis é Colin
mente proibidas no reino. O regente Hybald segue Hauk, um sabotador responsável por desabilitar várias
com os esforços familiares para reatar laços com máquinas de guerra da Supremacia, que hoje vive como
Doherimm. Infelizmente, uma vez perdida, a confiança fugitivo nos becos da capital. Sua cabeça foi posta a
de um anão jamais é recuperada. prêmio e vários assassinos estão em seu encalço.

Capítulo Um
140
Yuvalin conseguiu cumprir seu dever a tempo. Por essa falha,
cometeu o suicídio ritual de seu povo.
Situada na região oeste do reino, Yuvalin nasceu
como uma colônia de mineração. Tinha a importante “Imitação é a forma mais sincera de elogio” —
tarefa de prover o reino com as matérias-primas em nenhum outro lugar esse ditado é tão verdadeiro
necessárias à fabricação de armas, ferramentas e quanto Zakharov. O povo de Trokhard se comoveu com
outros utensílios metálicos, função que exerce até a bravura do jovem samurai, que deu a própria vida
hoje — especialmente com a partida dos anões, antes para ajudar estranhos. Desde então, as armas que o
provedores de minério aos humanos. guerreiro carregava consigo — a espada longa katana,
a espada curta wakizashi e o arco daikyu — foram
Apesar do clima frio e mesmo nevascas ocasionais, adotadas como símbolo da cidade.
os mineradores de Yuvalin ergueram uma cidade
gigantesca e magnífica, de arquitetura arrojada e Por décadas os armeiros locais estudaram as
engenhos pujantes, como vagões de minério cruzando técnicas tamuranianas para fabricar espadas, arcos e
trilhos suspensos nos céus e brocas perfurando o solo outras armas de sua cultura. Como resultado, Trokhard
dia e noite. Infelizmente, o interior de suas muralhas é um dos poucos lugares no Reinado onde se pode
é dominado pelo mal: a Guilda dos Mineradores, adquirir uma katana, kama, ninja-to e outras peças
formada pelas famílias mais ricas e influentes da tradicionais do Império de Jade.
região, no passado já foi a fachada para um gigantesco
sindicato do crime. Tahafett
Nessa época sinistra, a Guilda comandou Yuvalin Tahafett, uma das primeiras cidades no reino,
e manipulou o próprio governo como bem entendia. poderia ser hoje uma das maiores metrópoles de
Desde então, as principais lideranças criminosas Zakharov. No entanto, a tragédia caiu sobre seu povo
foram afastadas pela intervenção de heróis. Contudo, poucos anos após sua fundação.
a organização nunca se livrou completamente de seus Como a capital Zakharin abriga o famoso machado
membros inescrupulosos e continua um ambiente de mesmo nome, é costume no reino cada cidade adotar
traiçoeiro. A verdade é que, caso todos os membros que uma arma como símbolo (ou “mascote”). Quanto
se beneficiaram do antigo regime fossem expurgados, mais poderosa e importante a arma, maior o status da
a Guilda acabaria! Assim, embora não seja mais uma cidade. Tahafett adotou como “arma eleita” a Espada
força maligna monolítica, a Guilda é volátil e perigosa. de Tahafett, antigo guerreiro morto enquanto ajudava
O povo de Yuvalin é composto por trabalhadores — a desbravar o selvagem território local.
mineradores, ferreiros e outros artesãos — honestos, Firmemente encravada em um pedestal, a espada
mas desconfiados com a Guilda após muitos anos de mágica parecia uma homenagem justa ao herói e um
exploração. Nem todas as leis cruéis impostas pelos símbolo magnífico para a cidade. No entanto, ninguém
criminosos antigamente no poder já foram derrubadas. suspeitava que a arma era amaldiçoada — o próprio
As autoridades são rigorosas com forasteiros, mas Tahafett foi traído pela espada em um combate decisivo,
ignoram práticas de certos setores da Guilda, incluindo levando à sua morte. Logo, posicionado no centro da
o uso de prisioneiros adquiridos de bandos escravistas. comunidade, o item maldito emanaria sua aura profana
por toda a volta.
Trokhard Assim como o portador de uma arma maldita é
No extremo sudeste do reino, próxima à junção impelido a mantê-la, os habitantes locais agora eram
entre as fronteiras de Deheon e a Supremacia Purista, incapazes de deixar a cidade. Isolados, impedidos de
fica a cidade de Trokhard. Aqui também a tradição das cuidar das fazendas distantes, morreram aos poucos
armas é forte — mas um pouco diferente. de frio e fome — reerguendo-se mais tarde como
Há cerca de 100 anos, a cidade teria sido visitada mortos-vivos. Hoje Tahafett é uma cidade fantasma,
por Ideki, um samurai da distante Tamu-ra. Após infestada de esqueletos, zumbis e carniçais.
ajudar a defender o povo local contra um grande Qualquer ser inteligente que entre na cidade tem
ataque de gnolls, Ideki foi encontrado morto na manhã grande dificuldade em sair — façanha que exige imensa
seguinte, em seu quarto na estalagem, com a própria força de vontade. Supõe-se que o feitiço será desfeito
espada cravada no ventre. Mais tarde, graças a um apenas quando a Espada de Tahafett for removida de
clérigo capaz de falar com os mortos, o enigma foi seu pedestal. Isso é algo que poucos ousam tentar,
desvendado: Ideki estava em missão secreta para uma vez que a maldição seria então rogada sobre o
seu mestre. Detendo-se para proteger a cidade, não novo portador da arma.

O Reinado
141
Cidade de Rhond Esta era uma das menores áreas de Tormenta em
Arton, muito embora mapas sejam inúteis para medir
Esta cidade é famosa não apenas por abrigar o tais lugares. Planícies intermináveis de desespero e
templo central do culto de Rhond, o Deus Menor pesadelo, onde viajantes poderiam andar a esmo por
das Armas e dos Armeiros — mas também porque anos sem encontrar saída — o que nunca acontecia,
aqui vive o próprio Rhond! pois acabavam retalhados pela grama afiada ou devo-
É fato que, em Arton, qualquer criatura com rados por predadores lefeu. Antes inóspitas, agora as
poder suficiente e determinado número de devotos estepes eram absolutamente mortais, governadas pelo
recebe o status de divindade menor. Diz a lenda que abominável Aharadak e suas crias horrendas.
Rhond teria sido um dos mais antigos clérigos de A devassidão rubra ocupou o norte de Zakharov
Keenn no mundo. Após uma vida de aventuras e durante quase 20 anos. Seria expulsa (na verdade, re-
combates, acumulou tanto poder e artefatos mágicos colhida) apenas quando Aharadak partiu, tornando-se
que acreditou ser capaz de vencer o próprio Deus da deus no Panteão. Na ausência de seu regente terrível,
Guerra. Fez uma viagem planar até o reino divino de aventureiros derrotaram as aberrações restantes e pu-
Werra para desafiar Keenn, mas acabou derrotado. rificaram a região, devolvendo-a ao normal.
Como castigo por sua arrogância, Rhond foi Ou tão normal quanto possível. A estepe nunca se
transformado em uma criatura de seis braços e recebeu recobrou por completo: embora os céus sejam agora
vida eterna — seria destinado a forjar instrumentos livres da vermelhidão, ossadas retorcidas abundam
de guerra até o fim dos tempos. Entendendo seu erro aqui e ali, aberrações substituem animais naturais,
em servir a um deus tão injusto, Rhond desistiu do até mesmo lefeu menores ainda rondam em peque-
clericato e passou a viajar pelo mundo, ganhando a nos bandos. Exceto para viajantes abençoados pelo
vida como ferreiro. Suas armas ficaram famosas. Com Deus da Tormenta, todo cuidado é pouco. Um dos
o passar dos séculos, Rhond ganhou seguidores e poucos auxílios com que exploradores podem contar
devotos, até ascender como uma divindade menor. é o mashin Ravel, um construto tamuraniano deixa-
A Cidade de Rhond é onde ele e seus devotos do aqui por seu criador desconhecido, com a missão
decidiram estabelecer o templo da ordem, que hoje obsessiva de ajudar qualquer um que deseje combater
marca o centro de uma cidade média. Seus clérigos a Tempestade Rubra.
atualmente ativos conquistaram esse status após
receber armas especiais do próprio Rhond, jamais
deixando de usá-las em combate. Eles protegem o
Ahar’kadhan
Mais conhecida como a Cidade na Tormenta, por
templo, impedindo que o trabalho de seu patrono
longos anos Ahar’kadhan foi um lugar de pesadelo,
seja perturbado por aventureiros que cobiçam suas
uma chaga aberrante no coração da Tormenta em
armas. Também é trabalho dos clérigos proteger o
Zakharov. Isso mudaria após a saga épica cantada
povo da cidade, que venera Rhond como seu deus.
pelos bardos como Coração de Rubi. Mas não muito.
Rhond trabalha sem cessar em uma caverna, na oficina
que é também seu templo. A forja é um pequeno A área de Tormenta não existe mais, mas a
vulcão, borbulhando de lava, e todas as paredes são cidade, sim. Ainda composta por torres de osso e
recobertas dos mais variados tipos de armamentos. carapaça, mas também construções mundanas de
madeira e pedra. Ainda habitada por cultistas e
Por vezes, Rhond teve vital atuação em grandes
lefou, mas livre de lefeu verdadeiros. Sinistra, mas
eventos contra os lefeu, como a retomada de Tamu-ra
não mais mortal. Seu propósito, determinado por
e a eliminação da área de Tormenta de Zakharov.
Aharadak e seu novo sumo-sacerdote, é oferecer aos
povos um lugar de culto ao Deus da Tormenta — mas
Estepes da Aflição também um lugar onde Arton não deixa de existir,
Antes conhecida apenas como “Estepes do Norte”, onde Arton e a Tormenta conseguem o que parecia
a região setentrional de Zakharov era semelhante ao impossível: coexistência.
norte das Uivantes, com terreno plano e vegetação Estaria Aharadak, após sua transformação em deus,
rasteira de clima frio. Lugar de aridez hostil, ruim revelando uma nova face dos lefeu? Estaria oferecendo
demais para a agricultura, pecuária e mineração. Sem algo diferente de morte, pesadelo e assimilação? Ou
grandes cidades, habitada apenas por nômades. tudo seria apenas um sonho ingênuo de Ezequias,
Pode ter sido uma bênção dos deuses, portanto, buscando paz entre invasores e artonianos? Dizem
que justamente essa região desolada acabou tomada existir outros devotos de Aharadak que, talvez menos
pela Tormenta. alucinados, de alguma forma ousam pregar a aceitação

Capítulo Um
142
pacífica da tempestade. Mas o insondável Deus da Ahar’kadhan: uma
mancha da Tormenta
Tormenta também partilha desse sonho? Ou apenas em Zakharov
quer mais e mais devotos?
Para a maioria daqueles que combatem a Tormenta,
tudo não passa de uma armadilha — e Ezequias, um
farsante ou louco perigoso. Seja como for, a atual
Ahar’kadhan recebe cada vez mais lefou e devotos de
Aharadak, sendo a única grande cidade em Arton onde
são aceitos. Também é um possível lar para aqueles
que foram corrompidos, mas não desejam se entregar
aos lefeu. Um desses é o ex-paladino de Khalmyr e
ex-algoz da Tormenta Merekin, que busca algum
tipo de redenção e oferece seus serviços a grupos de
aventureiros que vêm pesquisar a Tempestade Rubra.

Colinas Centrais
Zakharov é um reino de terreno plano, dominado
principalmente por campos e colinas baixas, sem aci-
dentes geográficos dignos de nota — exceto por sua
região central, conhecida como Colinas Centrais. O
nome insuspeito, assim como a baixa elevação quando
vista à distância, na verdade esconde uma vastidão pe-
rigosa de ravinas, desfiladeiros, paredões e gargantas.
O Rio Lengarim, afluente do Rio Iörvaen, nasce
em vários pontos das Colinas Centrais e fornece água
para boa parte da região centro-norte do reino, de forma
que muitas cidades de médio porte (fora das Centrais)
foram erguidas a suas margens. Recebeu esse nome
de um explorador anão que guiava colonos humanos
através da região, mas morreu afogado ao cair por
acidente em suas águas. Desde então comenta-se que
o rio é assombrado: o fantasma de Lengarim pode ser
visto de tempos em tempos vagando sobre as águas,
à espera de aventureiros para guiar. Se ele de fato os
conduz em segurança, ou apenas os atrai para uma
morte igual à sua, não se sabe.
Com a escassez de grandes florestas, montanhas e
outros bons esconderijos, a maioria dos monstros no
reino adota as Colinas como covil. Aqui encontramos
grifos, hidras e ocasionalmente dragões, mas muitas
vezes em versões exóticas, encontradas apenas na
região. Para os caçadores de monstros do reino, não
há lugar mais indicado para agir.
Contudo, desbravar as Colinas Centrais não é tarefa
fácil mesmo para aventureiros. O povo das Centrais
é caipira, isolacionista e cheio de manias. Vivem em
pequenos povoados ou propriedades que abrigam uma
única família. Ao mesmo tempo em que desconfiam
de estranhos, não se metem na vida de ninguém, o
que significa que não se assustam ou se impressionam
com membros de nenhuma raça. O aventureiro mais
espalhafatoso será solenemente ignorado a menos que

O Reinado
143
Que tipos de
armas estranhas
saem das oficinas
de Zakharov?

crie problemas ou tenha algo a oferecer. Afastados da Em uma fortaleza conquistada no reino de Zakharov,
sociedade normal do Reinado, o povo das Centrais atuava como um senhor da guerra no comando do
também adquiriu predileção por armas de pólvora. Por próprio exército; tinha intenção de governar como os
tudo isso, não é surpreendente que sejam conhecidos antigos xoguns da terra natal. Talvez tivesse sucesso
coletivamente como “os esquisitos das Centrais”. em seu caminho de tirania, não fosse desafiado e morto
por um forasteiro de perícia e armamento insuperáveis:
Nos últimos anos as Colinas Centrais receberam
Mestre Arsenal.
um pouco mais de atenção de “forasteiros enxeridos”,
na forma do Forte Cabeça-de-Martelo, um entreposto Por ser escolhido de Keenn, teve a alma encami-
do Exército do Reinado. Dentro do Forte se localiza nhada para Werra, onde poderia lutar pela eternidade.
a Metais do Baixote Forja & Armazém, única filial do Mas essa segunda desonra era demais para suportar.
império comercial sediado em Valkaria. Diz-se que Turukuto implorou ao Deus da Guerra por um meio
foi descoberto nas Colinas um novo material com de restaurar seu orgulho. Recebeu uma missão sagra-
propriedades de defesa contra a Tormenta, conhecido da; como Guardião do Desafio de Keenn, seria um dos
como metal arco-íris. Em tempos recentes, a região vinte campeões destinados a testar os Libertadores de
Valkaria. Ali, acabou vencido mais uma vez — mas sem
também vem se tornando conhecida como área de
receber a morte honrada que buscava, pois a masmorra
atuação preferida dos Cães das Colinas. Este grupo
o recriava após cada derrota. Percebeu tarde demais: a
de heróis, tão exótico quanto determinado, parece
“bênção de Keenn” era na verdade uma punição terrível.
disposto a lutar por seus objetivos até o fim dos tempos.
Mais tarde, o antigo clérigo seria convocado para
lutar no Torneio do Deus Guerreiro. Mas tudo não
Fortaleza passava de outra crueldade de Keenn: Turukuto acabaria
de Destrukto novamente derrotado por Arsenal, em sua jornada de
Um dos alvos mais visitados pelos caçadores de ascensão como Deus da Guerra.
tesouro locais, este antigo forte teria sido o quar- Hoje, a Fortaleza de Destrukto está em ruínas.
tel-general de Destrukto — na verdade, Turukuto Seus tesouros e artefatos mais poderosos foram
Desu, nativo de Tamu-ra. Ex-samurai do Imperador levados por Arsenal — e o restante, pilhado por
Tekametsu, teria chegado ao Reinado fugindo de um aventureiros. No entanto, acredita-se que o antigo
fracasso vergonhoso, adotando então esse nome pe- clérigo tinha câmaras secretas onde alguns itens
culiar. Acabaria como devoto de Keenn e, mais tarde, importantes ainda podem estar escondidos, assim
seu sumo-sacerdote. como golens deixados para protegê-los.

Capítulo Um
144
Guildas & Os Desarmeiros
Organizações Sendo as armas tão preciosas em Zakharov, é natu-
ral que sejam cobiçadas por criminosos. Os Desarmeiros
são uma antiga quadrilha de ladrões de armas. Com o
A Guilda dos tempo, “Desarmeiro” acabou se tornando um termo
Mineradores pejorativo local para qualquer ladrão.
Sediada em Yuvalin, trata-se de um dos mais pode- Viajar com uma arma valiosa é correr o risco de ser
rosos sindicatos do crime no Reinado. Sua influência atacado por estes bandidos. Sabendo que as melhores
alcança não apenas Zakharov como também se espalha peças estão nas mãos de aventureiros, os Desarmeiros
através de outras nações. incluem indivíduos com habilidades variadas, como
ladinos, magos e até clérigos (tipicamente de Hyninn
A Guilda é secretamente chefiada pelos patriarcas
ou Nimb). Normalmente, usam magias ou poções para
de algumas das famílias mais ricas de Zakharov, sendo
incapacitar suas vítimas e tomar suas armas, para então
que nem todas vivem em Yuvalin. Assim, mesmo com
negociá-las em mercados clandestinos.
suas lideranças criminosas tendo sido expulsas por
heróis, a Guilda continua sendo uma força perigosa Além de roubos e assaltos, os Desarmeiros também
e temida. A família real Roggandin sabe que, desde praticam todo tipo de atividade ilegal ligada a armas.
a partida dos anões e seu fornecimento de minérios, Desde o tráfico de armas ilegais (como peças malditas
a Guilda tem praticamente a economia do reino nas ou falsificadas) até o contrabando (conta-se que têm
mãos. Mais um motivo para que o regente procure fornecido armas para a Supremacia).
desesperadamente restaurar a aliança com Doherimm.
A Guilda enriquece explorando os trabalhadores
das minas de Yuvalin e cobrando preços elevados por
Aventuras
seus produtos. Comerciantes de outros reinos que É razoavelmente seguro viajar entre as cidades de
tentem negociar minério com os zakharovianos são Zakharov, especialmente na parte centro-sul. Exceto
prontamente atacados por capangas e mercenários. O pelas Colinas Centrais, poucos lugares são conhecidos
mais conhecido deles, o assassino Manto da Morte, por abrigar monstros e animais fantásticos.
já eliminou muitos rivais da Guilda. Mesmo assim, existem riscos. Como em Deheon,
assaltantes gnolls são comuns. Nesta região eles não
Os Monges temem grupos armados, uma vez que todos por aqui
de Mãos Vazias usam armas e poucos sabem realmente usá-las. Isso
pode levá-los a atacar aventureiros por acidente — e
No reino das armas, há quem lute contra elas. eles fogem como ratos assim que a verdade for revelada!
Mestre de uma técnica de luta chamada caratê (“mãos
vazias” em tamuraniano), o homem conhecido como Predadores espreitam nas áreas selvagens, atacando
Mão de Aço comanda uma ordem de monges devotada quem entra em seu território. Kobolds e centauros
ao combate desarmado. Através de treino intensivo, podem ser encontrados em pequenos grupos ou tribos,
estes monges conseguem tornar suas mãos tão perigo- mas é raro que tomem atitudes hostis contra forasteiros.
sas quanto armas afiadas. Eles viajam pelo reino para A parte norte do reino é a mais perigosa, mesmo
provar sua força e fazer com que as pessoas desistam de após a partida da Tormenta. Em sua aridez macabra,
suas armas — missão bastante ingrata quando se trata ainda rondam demônios lefeu menores e outras
de Zakharov. De fato, os zakharovianos consideram aberrações residuais.
estes monges extremamente incômodos!
O próprio Mão de Aço é um homem
imenso e ainda mais forte do que aparen-
ta. Não tem problemas em falar de seu
passado: quando jovem, fez parte de um
grupo de aventureiros. Em certa ocasião foram
todos apanhados em uma emboscada, sem
suas armas — e apenas o monge sobreviveu.
Desde então essa preciosa lição tem orientado
sua vida. “Confiar em armas é confiar em pó
e areia”, ele costuma dizer.

O Reinado
145
Pondsmânia O REINO DAS FADAS

D História
entre todas as nações do Reinado, esta
é, aos olhos estrangeiros, a mais estra-
nha, maravilhosa e perturbadora. Suas Para as fadas, a noção de história oficial é estranha,
fronteiras são incertas, entremeadas o conceito de eventos acontecendo de forma linear
pelas florestas que separam as Repúblicas Livres simplesmente não faz sentido. Fadas falam do mundo
de Sambúrdia dos Feudos de Trebuck. Poucos e das pessoas por meio de fábulas, contos e canções.
cogitam entrar por conta própria, mas muitos Por isso, em vez de uma só história, a Pondsmânia
acabam aqui sem querer. Afinal, a Pondsmânia tem uma Antologia.
é a terra das fadas. A Antologia, como o nome já diz, é uma grande
Há todo tipo de história envolvendo a Pondsmânia. coletânea de contos e histórias muitas vezes con-
Das intrépidas missões de grupos de aventureiros até traditórias para os outros povos, mas aceitas pelos
os mais assustadores contos de terror. De anedotas habitantes deste reino. As fadas têm dificuldade para
curiosas sobre duendes excêntricos até relatos bélicos explicar aos mortais um conceito tão básico quanto a
sobre cavaleiros sanguinários montados em cervos. veracidade simultânea de dois relatos que se anulam
Uma história de ninar fantasiosa demais para os mutuamente. Para os estudiosos da Antologia, é
padrões de Arton pode facilmente ser real no Reino útil apenas registrar os diferentes contos, em vez
das Fadas. Da mesma forma, superstições sobre as de tentar colocá-los em ordem ou compreendê-los.
fadas que todo artoniano acredita serem verdadeiras
são motivo de riso entre os habitantes do reino. As Aventuras de Sir
Aqui, o tempo e o espaço funcionam de forma Mihaelett Pondsmith
diferente: um camponês incauto pode passar a vida Talvez o primeiro conto da Antologia tenha rela-
inteira dentro do território feérico até sair e descobrir ção com o próprio nome da Pondsmânia. Ninguém
que só se passou um dia no resto de Arton — ou além das fadas conhece o nome verdadeiro do reino,
vice-versa. Um passeio curto, cortando caminho por que teria sido dado pela Rainha Thantalla-Dhaede-
um bosque, pode se revelar uma jornada de meses lin. Isso talvez seja proposital, já que muitas fadas
através de terreno perigoso e traiçoeiro. Nada disso acreditam que nomes têm poder e, conhecendo o
ocorre por maldade, pois quase nenhuma fada deseja nome de sua terra, um mortal poderia viajar por ela
o mal. Contudo, às vezes este povo tem concepções sem problemas. Alguns estudiosos afirmam que na
únicas, imprevisíveis e inquietantes do que é o bem… verdade esse segredo é um gesto piedoso do povo
A Pondsmânia pode ser o lugar mais divertido de feérico, já que ouvir o nome verdadeiro poderia
Arton, ou o mais letal. E muitas vezes não há como danificar a mente de um artoniano comum. Outros
diferenciar um do outro. dizem que nada disso existe. As fadas simplesmente

O Reinado
147
não possuem um nome para seu lar, achando graça da
necessidade dos mortais para isso. Antes do primeiro
No Meio das Coisas
contato com o Reinado, teriam chamado seu reino Tudo é tão diferente e antigo na Pondsmânia
de “lá em casa”, “atrás da colina”, “na floresta” ou que os fatos ganham um ar atemporal. Há fadas que
outras expressões comuns. Segundo essa hipótese, envelhecem com as eras, castelos que nunca decaem,
qualquer “nome proibido” que as fadas mencionem magia poderosíssima nunca vista em outros lugares…
não passa de uma grande piada. Mas também aldeias bucólicas esquecidas pelo mundo.
As coisas parecem não progredir, até o momento em
A palavra Pondsmânia, como os artonianos que simplesmente acontecem.
conhecem e usam, foi cunhada em homenagem ao
primeiro humano a conseguir entrar e sair do Reino A Antologia não se preocupa muito com o que
das Fadas: Mihaelett Pondsmith, nascido no antigo veio antes da aventura cômica e horrenda de Miha-
reino de Trebuck. elett Pondsmith. Isso leva alguns bardos a crer que a
Antologia existe como um grande espetáculo do povo
As versões artonianas do conto de Mihaelett feérico para os mortais. Há quem afirme que, antes de
envolvem aventuras inimagináveis e mirabolantes, os refugiados do sul povoarem Ramnor, a Pondsmânia
mas alguns conhecem a versão menos glamorosa: o se espalhava por toda a floresta de Greenaria. Os
humano adentrou o reino enquanto caçava. Encon- contos dizem que os primeiros povos da região viam
trou a Rainha por acaso e a desafiou, recusando-se a as fadas com medo e reverência, fazendo oferendas para
amá-la. Indignada, Thantalla o aprisionou até que se deixá-las contentes e rituais para mantê-las afastadas.
apaixonasse. Quando um membro da corte descobriu Apenas conforme as pessoas abraçaram modos de
que o amor de Pondsmith não pertencia a ela porque vida menos fantásticos — como a razão, o dinheiro
estava fora de suas terras, na antiga aldeia do caçador, a e as cidades — a Pondsmânia teria diminuído seu
Rainha ordenou que esse amor fosse trazido. A amada território. Algumas versões invertem a situação: a
de Pondsmith virou prisioneira, o amor dele finalmente própria Thantalla teria perdido o interesse nesses
pertencia a Thantalla e a Rainha perdeu o interesse por súditos, deixando-os servir a seus novos senhores. Há
ele. O caçador reapareceu na aldeia três dias depois, ainda quem inclua o fato de que ninguém sabe a real
completamente louco e muito mais velho. As fadas extensão da Pondsmânia, o que só torna tudo ainda
contam ambas as versões. mais difícil de entender.
De qualquer forma, os registros históricos artonia-
A “Inorigem” das Fadas nos afirmam que Sambúrdia concedeu independência
Menos ainda se sabe sobre a criação dos povos à Pondsmânia em 1110 — o que para as fadas é ge-
feéricos. A versão mais aceita diz que Nimb teria nuinamente engraçado, já que nunca se viram como
sussurrado nos ouvidos de Wynna, a Deusa da Magia, dependentes de algo chamado Sambúrdia.
fazendo com que ela tivesse sonhos bizarros que
deram à luz as fadas. Mas há milhares de outras
versões contadas dentro e fora da Pondsmânia. Ao
A Guerra das Rainhas
Sabe-se de um grande cisma entre a Rainha
que parece, as próprias fadas gostam de inventar
Thantalla-Dhaedelin e uma Rainha Má, governante
histórias diferentes a cada vez que alguém pergunta.
de Sylarwy-Ciuthnach, a Terra das Sombras. Essa
Nimb parece se interessar até hoje pelos habi- rixa atravessa as eras, mas parece ter havido apenas
tantes deste reino. Um dos contos mais populares um confronto direto, quando o domínio das fadas
da Antologia é Aliathnarwyn e o Cetro de Nimb. Na malignas atacou a capital da Pondsmânia. Isso aconte-
história, Nimb teria incutido nas fadas o comporta- ceu há alguns séculos, até onde os estudiosos podem
mento caótico que elas têm até hoje, ludibriando um precisar. Desde então, o conflito parece ocorrer de
jovem mago para que usasse um artefato de poderes forma mais sutil, nas cortes feéricas ou através de
imprevisíveis. Ninguém sabe se algum elemento dessa armadilhas e maldições.
narrativa é verídico.
A guerra também levou ao exílio voluntário da
A Rainha já confirmou e negou essas versões Corte da Rainha das Fadas. Havia cinco casas nobres
em diferentes ocasiões. A versão que parece agradar na capital, mas elas decidiram abandonar Thantalla
mais a ela não faz sentido para os mortais: Thantalla e construir seus próprios palácios depois da batalha
afirma que, como as fadas surgiram com ela mesma, contra Sylarwy-Ciuthnach. Segundo algumas versões,
é absurdo perguntar como e quando foram criadas, esse evento marcou a transição da Rainha para a fase
pois ela não lembra de nenhum momento em que de Donzela, pois a soberana não precisava mais dar
não tenha existido. satisfações a ninguém.

Capítulo Um
148
O Caçador e a Caçada
A Antologia e a história de Arton se encontraram
mais uma vez quando o caçador de recompensas Crâ-
nio Negro invadiu a Pondsmânia com seu exército
corrompido. Crânio Negro era um algoz da Tormenta e
assim representava enorme perigo para as fadas — um
mínimo contato com a Tempestade Rubra pode destruir
completamente esses seres.
Crânio Negro desejava na verdade atravessar o
reino em sua marcha pelo continente, mas sabia que
não conseguiria isso sem luta. Thantalla foi avisada da
invasão pelo cavaleiro humano Orion Drake, que pediu
que ela capturasse o criminoso. Mesmo sem levar o
perigo a sério, a Rainha decidiu enfrentar a Tormenta.
Reuniu forças com a Rainha Má e recrutou o auxílio
de seu marido, o Rei das Fadas. Após um combate
aguerrido, Crânio Negro usou as próprias idiossincrasias
de Thantalla e as estranhas leis feéricas contra ela mesma.
Num jogo de xadrez, convenceu a Rainha de que fora Pondsmânia
o vencedor. Irritada, Thantalla ordenou que ele fosse
embora, permitindo a passagem dos corrompidos. Nome Oficial: impronunciável por povos
não feéricos.

Quer que Lema: “Felizes para Sempre”.

Conte Outra Vez? Brasão: de prata duas dríades adossadas e


unidas pela cintura a uma árvore arrancada
Um consenso entre os bardos e pretensos es- de verde, cada uma sustentando com a mão
tudiosos da Antologia afirma que a “história” das externa, em chefe, à destra um sol em seu
fadas é cíclica, seguindo as fases da vida da Rainha esplendor e à sinistra um crescente de ouro.
Thantalla-Dhaedelin. Isso não condiz com nenhuma
versão da história artoniana. Mesmo assim, é o mais Gentílico: feérico.
próximo que existe de uma teoria unificada da trajetória Capital: Linnanthas-Shaed.
dos povos feéricos. Forma de Governo: incompreensível
Após a última fase de sua vida, a Rainha seria para mortais, pois a Rainha faz parte da
coroada mais uma vez, repetindo a história. Como terra e vice-versa.
a Pondsmânia parece estar intrinsecamente ligada à Regente: Thantalla-Dhaedelin.
Rainha, isso significaria que tudo que “aconteceu” no
ciclo anterior “vai acontecer” mais uma vez no novo População: ninguém tem a menor ideia.
ciclo, incluindo o surgimento da Rainha Má e talvez Raças Principais: fadas de todos os
até mesmo a chegada de Mihaelett Pondsmith. Mas, tipos, humanos, dragões-fadas, goblins.
se esse ciclo envolve um mortal, isso significa que Divindades Principais: Nimb, Wynna.
também afeta o resto de Arton?

Geografia maior parte da paisagem é tomada por árvores, que


Quase toda a Pondsmânia é coberta de florestas,
parecem ser uma parte intrínseca da terra.
embora campos idílicos, montanhas e outros terrenos
interessantes possam surgir às vezes, principalmente Orientar-se aqui é difícil, já que nem todas as
quando isso desperta o interesse da Rainha. Suas di- regiões operam pelos mesmos princípios espaciais. Um
mensões exatas são incertas — uma fada pode viver eras pretenso exército invasor já entrou na Pondsmânia “no
inteiras viajando pelo reino sem ter conhecido todos limite do inverno”, como se a estação fosse um local. Os
os lugares. Mesmo assim, existe alguma consistência guerreiros sobreviventes não eram capazes de explicar
na geografia. Quase todos os visitantes relatam que a o fenômeno, apenas diziam que era daquele jeito.

O Reinado
149
O clima costuma ser ameno, mas varia de acor- Também é possível entrar na Pondsmânia sem
do com os humores e caprichos da Rainha das Fadas. passar por um portal, apenas viajando fisicamente
Nos últimos séculos, enquanto a Rainha é Donzela, pela floresta, embora isso nem sempre dê certo. Longe
varia entre dias ensolarados exuberantes e tempesta- de ser mais amigável para outros povos, isso torna o
des terríveis, com alguns períodos de crepúsculo me- reino ainda mais imprevisível e perigoso, pois pode-se
lancólico. Já em Sylarwy-Ciuthnach o solo é árido, o entrar em suas terras mágicas por acidente.
sol nunca aparece e as tempestades são constantes.
Nos limites da Pondsmânia, em meio à floresta,
há quatro arcos. Esses portais demarcam o território Povo & Costumes
do reino a norte, sul, leste e oeste. A aparência desses Nenhum tipo de censo jamais foi realizado na
arcos varia de tempos em tempos e até de testemunha Pondsmânia, nem seria possível fazer isso, então
para testemunha. Podem ser feitos de ouro, prata,
tudo que existe sobre seus habitantes é observação e
ossos, madeira ou de materiais ainda mais inusitados,
especulação. Aos forasteiros sortudos, pode parecer
como pólen ou suspiros. Essas são as entradas mais
que as sílfides são as principais habitantes do reino,
óbvias para o Reino das Fadas, mas não as únicas. A
mas essas fadinhas são apenas as mais curiosas, mais
floresta está cheia de árvores com marcações estranhas,
interessadas em fazer contato com outros povos.
caminhos que parecem levar a lugar nenhum, belos
Existem muitos outros seres feéricos.
jardins que não poderiam existir sozinhos e outros
sinais sutis de um portal menor. Não há um padrão para a aparência de uma fada.
Os membros da Corte costumam ser semelhantes
Cada portal possui uma senha ou chave especial
a elfos, mas mais esguios, etéreos e delicados. No
— um objeto ou ação de uma lista infinita e aleatória.
entanto, os servos dos palácios e o resto da população
Uma chave pode ser declamar um poema, seguir uma
têm aparência tão variada quanto a imaginação de um
borboleta, enterrar seu bem mais precioso na floresta,
bardo insano — de fato, elas inspiram muitos bardos
jurar algo pela vida de um parente ou apenas sorrir
e enlouquecem vários outros.
olhando para as estrelas. Para dificultar ainda mais as
coisas, esses segredos mudam de tempos em tempos, Algumas fadas, conhecidas como “duendes”,
sem periodicidade definida. Saber a chave de um portal podem se apresentar como um enorme ovo com
para ir à Pondsmânia não garante que a chave ainda pernas e braços muito finos; um mordomo magriço e
será a mesma na volta. pomposo de roupas aristocráticas e pele azulada; um

Capítulo Um
150
bebê com rosto e voz de velho; um boneco feito de deixar sua família inteira morrer de fome a negar uma
gravetos, ou outras formas ainda mais atípicas. Em tigela de mingau a um brownie. Aldeias inteiras vivem
comum, quase todos têm uma aparência que lembra sob normas que podem parecer tirânicas — nunca
rabiscos infantis e é um pouco tola aos olhos humanos. assobiam durante a primavera ou sempre andam
Entre si, dividem-se em inúmeras categorias, como de lado após o meio-dia. Às vezes isso é questão de
brownies, pucks, gorros-vermelhos… Brownies sobrevivência: as fadas da clareira próxima podem
trabalham incansavelmente em troca de mingau e condenar todos à pobreza eterna se quebrarem o tabu.
leite, enquanto que gorros-vermelhos pregam peças Mas em alguns casos é pura superstição. As fadas
muitas vezes mortais e comem carne crua. Pucks são raramente notam a diferença.
brincalhões, melífluos ou mentirosos, mas (quase)
Apenas as fadas de Sylarwy-Ciuthnach são malig-
inofensivos. Outros duendes têm comportamentos
nas ou ativamente cruéis com os mortais. As outras são
ainda mais excêntricos, mas se levam muito a sério.
apenas caprichosas, brincalhonas, exigentes, mimadas,
Se um duende passa correndo, tentando agarrar um
curiosas ou distraídas. Fundamentalmente, fadas e
raio de sol para levá-lo a um pardal, não ria! Para o
outros povos são apenas diferentes entre si. Um hynne
duende, isso é um assunto de vida ou morte.
não entende por que uma fada não pode ouvir o próprio
Também existem fadas monstruosas, grotescas ou nome à noite, uma fada não entende por que um hynne
cruéis. Um exemplo são as velhas bruxas, fadas muito não pode sobreviver sem respirar. As grandes exceções
traiçoeiras que vivem para atormentar os mortais. são as sílfides, que compreendem bem os mortais e
Justificam seus atos com alguma necessidade real gostam de viver entre eles. Mesmo assim, os tabus das
(comida, ouro…), mas isso sempre se revela absurdo outras fadas parecem naturais para elas.
após um pouco de investigação. Já se soube de uma
Já as fadas da nobreza veem os mortais como súdi-
velha bruxa que construiu uma casa de doces, para
tos. Exigem ser obedecidas e tratadas com deferência.
atrair crianças humanas e então devorá-las. Ela dizia
Há um costume ancestral que diz que nunca se deve
que precisava comer para sobreviver — mas não comia
recusar hospitalidade e abrigo a qualquer membro
seus próprios doces, e passavam-se longos anos sem
da nobreza feérica. Uma visita de um nobre das fadas
que nenhuma criança se aventurasse por perto! Outra
é sinal de imensa sorte e os camponeses raramente
envenenou uma princesa para se casar com seu pai,
contrariam a tradição. Em troca da hospitalidade, a
mas nunca pensou em usar suas habilidades mágicas
fada visitante sempre deixa algum presente… Quer
para conquistar suas próprias terras ou riquezas…
seu anfitrião queira, quer não.
Esses tabus e regras aparentemente arbitrárias são
extremamente comuns entre as fadas da Pondsmânia.
Elas simplesmente se comportam assim, mesmo que isso
Maravilhas dos
não faça sentido para outros povos. Não são preferências Deuses numa Terra
ou leis, mas necessidades absolutas. Pedir a uma fada
para contrariar isso é como pedir a um mortal que faça
de Maravilhas
Wynna e Nimb são os deuses mais conhecidos
seu coração parar de bater. Alguns exemplos incluem
na Pondsmânia, inclusive em Sylarwy-Ciuthnach. Por
sempre considerar que uma transação está terminada
serem deuses muito ambivalentes, seres feéricos de
ao ouvir a palavra “obrigado” (um agradecimento en-
ambos os lados admiram essas divindades, inspiran-
cerra uma amizade, um caso de amor ou mesmo uma
do-se em sua forma de agir.
vingança), sentir fúria ao receber um presente, nunca
responder uma pergunta sem receber algo em troca e Allihanna é adorada por algumas fadas que vivem
muitos, muitos outros. Por essas mesmas regras, muitas em florestas. Os locais de contato (o que outros
fadas adotam comportamentos curiosos, como ir morar artonianos chamariam de “templos”) costumam ser
na casa de um humano e ajudá-lo com seu trabalho ou clareiras, árvores peculiares e outros marcos naturais.
roubar os pés esquerdos de todos os sapatos em um As sílfides mais interessadas nos mortais têm forte
castelo. Para as fadas, nada disso é esquisito — é um inclinação a Lena, por entenderem o valor da vida
fato da vida que elas nunca explicam, assim como um desses seres tão frágeis. Por fim, Tenebra costuma
mortal não explica por que anda com os pés no chão. ser admirada pelas fadas mais sinistras ou maliciosas.
Há também seres não feéricos no Reino das Fadas, Mas é raro que uma fada da Pondsmânia seja
apesar de serem minoria. Costumam viver em aldeias e realmente devota de algum deus. Mais comum é que
lugares ermos, sempre obedecendo aos tabus e regras vivam suas vidas de encantamento sem pensar em
de convivência das fadas mais próximas. Um artesão questões transcendentais — pois para elas Arton já
em uma aldeia nos arrabaldes da Pondsmânia prefere representa uma existência fantástica e eterna.

O Reinado
151
Seja a verdade qual for, o consenso
é que a Rainha assumiu o trono quando
criança. Ela passa por cinco fases:
Criança, Guerreira, Donzela, Dama
e Senhora. Atualmente Thantalla se
encontra em sua fase de Donzela. Tem
a aparência de uma linda jovem de pele
macia como seda, cabelos longos com
mechas negras e verdes, os olhos castanhos
quase dourados. Ninguém duvida que seja
a fada (ou até mesmo a criatura) mais bela
de Arton. Há incontáveis histórias de nobres,
plebeus e aventureiros que se apaixonaram a ponto
da loucura pela Rainha.
Como Donzela, Thantalla é uma Rainha muito
mais interessada nas intrigas da corte, em suas festas
e frivolidades do que em governar. Todos os aspectos
burocráticos ou tediosos são deixados por conta
do conselho — mas, na verdade, não há muito a
governar. Boa parte do que acontece na Ponds-
mânia depende da vontade da Rainha e o que
não lhe agrada pode ser modificado com um
suspiro. A única ameaça à paz do reino, as
Cyruthnallach, foi contida após a guerra
séculos atrás — ou assim ela pensa.
Thantalla passa grande parte do tem-
po viajando pelo reino com uma extensa
comitiva de servos. Quando resolve se es-
tabelecer em algum lugar, costuma criar
uma pequena versão de seu castelo ou usar
Se você acha que a tradição da hospitalidade, hospedando-se em algum
fadas só gostam
de travessuras
vilarejo humano. Às vezes gosta de se divertir às cus-
inofensivas, melhor tas de seus súditos, assumindo disfarces antes de en-
pensar de novo trar em vilas e causando inúmeras confusões. Embora
seus atos pareçam irresponsáveis, caprichosos e ima-
turos, costuma compensar por eles. Quando parte, em
geral corrige as mudanças que causou (a menos que

Governo elas lhe pareçam muito estéticas). Deixa valiosos pre-


sentes àqueles que lhe agradaram, mas pune de forma
A Pondsmânia é governada pela Rainha Thantalla- implacável aqueles que a ofenderam de alguma forma
-Dhaedelin. Em muitos aspectos, reino e Rainha são (nem sempre evidente ao “culpado”).
uma coisa só. Algo que ninguém sabe como começou. Quando cansa de viajar, Thantalla simplesmente
Alguns acreditam que Thantalla foi a primeira aproveita o luxo de seu lar. Costuma organizar elaborados
fada e que todas as outras foram criadas por ela ou torneios de xadrez, seu jogo favorito. Jogadora exímia,
por sua causa, apenas para lhe fazer companhia. poucos foram capazes de derrotá-la. A Rainha concede
Outros acreditam que a Rainha teria sido criada para três partidas, cada uma valendo um pedido, mas a sorte
colocar alguma ordem na Pondsmânia, que existia no e o destino do oponente só são decididos na última.
completo caos. Há quem diga inclusive que ela não Admiradores e admiradoras aproveitam essa chance para
foi a primeira Rainha. Segundo essa versão, Thantalla disputar a mão da Rainha no xadrez, mesmo sabendo
derrotou a Rainha anterior em uma competição de que vencê-la é um feito lendário.
arremesso de trevos e assim tomou seu lugar. Muitos A Rainha tem um animal de estimação poderosís-
acreditam piamente que, um dia, Thantalla escolherá simo: Gwadralowín, o dragão-fada. A criatura pode
sua própria sucessora dessa forma. crescer até cento e cinquenta metros de comprimento,

Capítulo Um
152
atuando como montaria para Thantalla em passeios, mágico inteligente Chaethllan. Alguns dizem que o
solenidades e batalhas, além de assumir uma forma machado é o verdadeiro general e que o gigante não
humanoide, atuando como porta-voz em eventos que passa de uma ferramenta.
ela considera monótonos. Ao redor do castelo existe um imenso jardim
O conselho feérico é tanto um conjunto de auxi- labiríntico, mantido pelo jardineiro humano Arionn
liares e ministros quanto uma entidade mágica por si Ghovthuldd. Não só Arionn vive na Pondsmânia por
só, além de uma trupe que vive para entreter a Rainha. vontade própria e consegue existir aqui sem riscos a
Existem assuntos práticos e burocráticos na Pondsmâ- sua sanidade, ele é considerado o maior mestre de sua
nia, embora sejam poucos. Normalmente, Thantalla arte em todos os tempos. O jardim contém todas as
alterna entre controle total de cada minúsculo aspecto espécies de plantas e flores existentes em Arton (além
do reino (quando desperta seu interesse) e descaso de algumas não existentes), incluindo espécies raras
absoluto, permitindo que seus súditos governem a com propriedades fantásticas. Talvez a mais notória
si mesmos. Contudo, quando surge algum grande e poderosa seja a Rosa de Cristal, capaz de conceder
assunto como uma missão diplomática do Reinado ou qualquer desejo a seu possuidor. Caso a Rosa seja
a passagem de um exército, um membro do conselho tirada do jardim, sua roseira morrerá para nunca mais
é destacado para a infeliz tarefa de manter sua atenção florescer, tornando a flor um artefato único.
e fazer com que a governante decida. Outro ponto de interesse é o lugar conhecido
Os outonos cada vez mais ventosos e contempla- apenas como “a Feira”. Uma espécie de mercado
tivos da Pondsmânia têm alimentado rumores de que aberto, a Feira é talvez o único local capaz de rivali-
Thantalla pode estar perto de sua próxima fase. As zar com Vectora em termos de variedade de artigos.
consequências dessa mudança seriam imprevisíveis. Praticamente tudo pode ser encontrado lá — mas é
Por mais caótica que seja, os diplomatas do Reinado preciso ter cuidado, pois muitas vezes as coisas não são
preferem que Thantalla permaneça como Donzela o que parecem. Há incontáveis casos de aventureiros
por muitos séculos ainda. enganados ou aprisionados por não investigar as
minúcias do negócio que faziam. Além disso, a Feira
tem uma particularidade: jamais se usa dinheiro nas
Locais Importantes transações. Tudo é feito com trocas e quase qualquer
coisa pode ser usada como moeda. Um mercador
Linnanthas-Shaed, a pode aceitar dois dedos e uma mecha de cabelo do
Árvore do Céu (capital) comprador, uma colher de sobremesa ou um suspiro
em troca de uma bola de cristal ou uma espada mágica!
Costuma-se dizer que Linnanthas-Shaed foi um Para um forasteiro, nada do que acontece na Feira
presente de Allihanna para Thantalla-Dhaedelin parece ter lógica.
quando esta assumiu o trono. Trata-se de uma árvore
de proporções colossais localizada bem no meio dos Linannthas-Shaed é o foco de poder da Rainha das
Campos de Noryaviidd, na parte central da Pondsmâ- Fadas. Aqui sua vontade é soberana e seus poderes,
nia. O nome “Árvore do Céu” surgiu porque seus mais insuperáveis. Diz-se que, com exceção das Cyruth-
altos galhos tocam as nuvens. nallach, ninguém é capaz de encontrar a capital sem
a permissão da Rainha. Mas também se afirma que,
Dentro de Linnanthas-Shaed encontra-se a capital uma vez por século, a cidade fica visível por um ano
do reino, uma enorme cidade repleta de castelos, torres inteiro e não pode ser escondida de forma alguma.
e casebres amontoados de modo caótico — mas mesmo
assim belo. Embora esteja dentro da árvore, a cidade
vê o céu e a passagem dos dias normalmente, sempre Palácio-Cidadela
com sol e clima primaveril. Isso acontece graças ao de Hayall
poder da Rainha e de um poderoso artefato, um globo Um enorme e suntuoso conjunto de castelos
de pedra esverdeada e reluzente. construídos em espiral na superfície de uma montanha
A população da cidade é composta de centenas chamada Hayall, o Palácio-Cidadela é o centro político
de tipos de fadas, criaturas mágicas e alguns poucos da Pondsmânia. Aqui se localiza a Corte, as cinco
humanos que ganharam o privilégio (ou a infelicida- casas da alta nobreza que teoricamente deveriam
de) de morar na metrópole. No meio de tudo isso, ajudar a Rainha a administrar o reino e tomar decisões
destaca-se o Castelo Daenmhan, morada da Rainha, importantes. Mas, como Thantalla tem uma relação
de seu exército e de seus favoritos. No comando do simbiótica com a terra e muitas vezes está tomada
exército está o gigante Nollyan, com seu machado por fortes vontades ou caprichos, a Corte perdeu boa

O Reinado
153
parte de sua função. Há séculos os nobres deixaram de alunos aprenderam: numa cidade normal de humanos,
realizar qualquer trabalho e se dedicam a seus próprios havia um burgomestre, que ditava leis e comandava a
jogos de poder, inveja e influência dentro de Hayall. população. Havia uma guarda, que vigiava os habitantes
Antigamente a Corte se localizava em Linnan- e proibia certos comportamentos. Havia tavernas,
thas-Shaed, mas depois do ataque das Cyruthnallach, onde pessoas sentavam, comiam o que estava em
os nobres gradualmente migraram para a montanha, seus pratos e bebiam o que estava em seus copos.
sem que houvesse uma combinação prévia. Como o Havia um mercado, onde fregueses entregavam seu
Palácio-Cidadela não foi planejado com antecedência, dinheiro em troca de mercadorias. Havia estábulos
as famílias nobres foram criando seus castelos e cheios de animais de montaria, silos cheios de grãos.
conectando partes conforme a construção acontecia. Nas proximidades quase sempre havia um rio, de onde
Quando perceberam, as várias construções se tornaram os cidadãos voltavam com baldes cheios. As fadas
um enorme e labiríntico palácio fortificado. estudaram com afinco, então ocuparam o território
designado e se puseram a construir a orgulhosamente
A Corte é formada pelas cinco casas nobres: Sylwo-
batizada Cidade Normal dos Humanos.
raan, Adwervaén, Fendaree, Ellyarión e Aghmawor.
Enquanto a Rainha não mudar para a próxima fase, Dentro em pouco, a Rainha enviou um chamado às
os nobres sabem que sua função é quase decorativa. nações do Reinado, convidando para que conhecessem
Alguns tecem manobras políticas e místicas para forçar um local feito especialmente para seus habitantes, uma
a transformação de Thantalla em Dama, mas a maioria dádiva de Thantalla aos mortais. Comitivas de nobres
apenas se dedica a futilidades. Um dos únicos que e diplomatas de todos os reinos vieram. Realmente,
representa algum perigo é o jovem Daelur da Casa em um primeiro momento, a Cidade Normal dos
Fendaree, que sempre foi interessado nos assuntos Humanos parece normal e feita para… humanos. Mas
de fora do reino. Depois da invasão de Crânio Negro, essa fachada desmorona em pouco tempo.
Daelur teve ainda mais certeza de que o mundo exterior Existem tavernas, onde as pessoas sentam, comem
pode afetar a Pondsmânia. Ele já fez algumas visitas o que está em seus pratos e bebem o que está em
a Sylarwy-Ciuthnach e já tentou invocar a Caçada seus copos. Mas o que está em seus pratos? Gravetos?
Selvagem, sempre na intenção de obter aliados em Ferraduras? Um pergaminho com a descrição de um
alguma elaborada manobra contra a Rainha. banquete? Ou até… comida? Mais de um embaixador
já se viu obrigado a percorrer as florestas próximas
A Cidade Normal em busca de frutinhas (tentando descobrir quais são
dos Humanos comestíveis) para não morrer de fome. O mesmo vale
para a bebida. Como o taverneiro pode saber que
Depois dos recentes acontecimentos políticos do
“bebida” não inclui ácido ou veneno? São coisas que
Reinado, a Rainha Thantalla resolveu criar uma cidade
se pode beber, não?
mais afeita às necessidades de viajantes e forasteiros.
Para isso, era necessário pensar de forma enfadonha Todos os elementos “normais dos humanos” foram
como os humanos e os outros mortais. Eles deveriam compreendidos parcialmente pelos construtores da
se sentir seguros, em território amigável e bem-vindos. cidade — no mercado, o dinheiro pode ser desde um
Foi assim que nasceu a Cidade Normal dos Humanos. botão velho até uma gema preciosa e os produtos
podem variar de uma bota furada até um artefato
A cidade foi construída para ser o lugar mais
mágico. As montarias nos estábulos podem ser cavalos,
tedioso e mediano possível. Teria uma sociedade com as
dragões em miniatura ou humanos com selas nas
“incongruentes” leis dos mortais. Haveria um registro
de seus acontecimentos, que os mortais chamam de costas. Os grãos nos silos podem ser trigo, milho ou
“história”. As construções não seriam imponentes as lágrimas petrificadas de amantes saudosos.
como a Árvore do Céu ou coloridas como os Campos Para piorar, muitas das construções não estão
de Noryaviidd — seriam comuns e previsíveis. Nem acabadas. São apenas cenográficas, fachadas feitas de
grandes nem pequenas, nem belas nem feias. Normais. madeira leve, simulando a aparência de prédios. O
A Rainha e seu conselho escolheram “voluntários” mesmo vale para o rio: perto da cidade há um cavale-
para povoar a nova cidade. Esses pioneiros receberam te com a pintura de um rio, onde todas as fadas vão
instrução sobre o modo de vida dos humanos e seus dia após dia, voltando com “baldes cheios” — de ter-
peculiares hábitos. Os professores eram fadas (em geral ra, folhas, canções…
nobres) que haviam tido contato com o restante do A Cidade Normal dos Humanos também tem um
Reinado e mortais que, por uma razão ou por outra, burgomestre. Sempre disposto a ajudar, extrovertido e
habitavam a Pondsmânia. Dedicados a sua missão, os de fácil amizade, é chamado de Ilustre Desconhecido.

Capítulo Um
154
Ninguém consegue descrevê-lo em termos físicos, fadas cruéis que desejam nada mais que o sofrimento de
maneirismos ou outras características. O que verda- todos os seres. Em forma e tamanho, as Cyruthnallach
deiramente o define é a sensação de alguém muito variam tanto quanto as súditas de Thantalla, mas quase
familiar, cujo nome sempre fica na ponta da língua. sempre com elementos perturbadores e assustadores.
Mais estranho ainda: o Ilustre Desconhecido sabe os A soberana dessa terra de pesadelos é a Rainha
nomes de todos com quem interage, às vezes citando Má, um reflexo distorcido de Thantalla. Cercada
e lembrando momentos de um acontecimento passado por um cortejo de fadas altas e esguias, de pelos
em que não esteve presente, desde que tenha havido arroxeados, famintas por carne humana, a Rainha
outras pessoas naquela ocasião. Nem as próprias fadas Má se apresenta como uma Donzela com traços de
sabem dizer quem é o Ilustre Desconhecido, quais são Criança e alguns aspectos de uma velha Senhora.
suas verdadeiras intenções e pensamentos, embora Seus cabelos são longos, feitos de teia de aranha. Sua
pareça definitivamente um ser feérico. As leis impostas pele é pálida como se fosse uma camada translúcida e
pelo Ilustre Desconhecido variam imensamente. Em houvesse brumas sombrias por trás. Não tem lábios,
determinada semana, ele pode decretar que apenas mostrando gengivas roxas, cheias de dentes trincados
criaturas com uma ou menos orelhas têm a permissão de formas muito variadas.
de falar a letra “e”. Em outra, pode decidir que cada
A Rainha Má detesta Thantalla e deseja acima de
cidadão e visitante deve compor um poema épico
tudo sua morte, preferencialmente de forma horrenda
para cada um dos demais, no intuito de incentivar
e dolorosa. Mais de uma vez deu sinais de que odiou
a boa vizinhança. A guarda, que obedece ao Ilustre
ter sido tornada real. As duas já se encontraram
Desconhecido, faz valer essas leis, mas também prende
algumas vezes, sempre em momentos de extrema
pessoas sem razão aparente, apenas porque “guardas
importância. Quando são obrigadas a dialogar, uma
prendem pessoas em cidades humanas”.
chama a outra de “eu”, o que só serve para aumentar
A população feérica da Cidade Normal dos a confusão das poucas testemunhas.
Humanos é tão variada e surpreendente quanto nas Em um gesto aparentemente gratuito de crueldade,
profundezas de qualquer floresta encantada. Duendes, a Rainha Má espalhou rumores de que entregaria sua
sílfides, nobres e fadas de todos os tipos convivem coroa a qualquer um que conseguisse cruzar os portões
aqui. Em geral, são bem-intencionadas, mas podem se de sua torre. Ninguém ainda cumpriu a façanha, então
ofender gravemente quando os visitantes mortais recu- não há como saber se a promessa é verdadeira. Isso não
sam seus presentes (como um chapéu feito de fogo) e impediu aventureiros de se lançarem na empreitada,
convites (como um concurso de pular de penhascos). pelos motivos mais nobres e egoístas.
Elas estão se esforçando para ser enfadonhas, eles não
podem se esforçar também?
A Cortina
Sylarwy-Ciuthnach, Alguns contos mais antigos a respeito da Ponds-
mânia falam de um lugar depois de todos os lugares
a Terra das Sombras — depois até mesmo do fim. Se um viajante andar
Nem tudo são sílfides e dríades na Pondsmânia. por tempo suficiente e seguir as dicas certas, pode
Muito tempo atrás, quando ainda era Criança, Than- chegar a um ponto onde o céu é apenas uma cortina
talla sofria com pesadelos terríveis. Neles, sempre azul, esperando ser aberta. Nesse lugar não há mais
via rochas afiadas, tempestades sem fim, silhuetas vento, nem plantas, nem vida. Apenas o chão e o fim
que se moviam por trás de árvores retorcidas. O que do céu, como os fundos de um palco.
mais a assustava era um vulto similar a ela, que fazia As histórias não explicam o que há do outro lado
todo tipo de atrocidades. Um dia, tomada de pavor, a da Cortina. A única certeza é que o caminho não leva
Rainha das Fadas arrancou tudo isso de seus sonhos. de volta para Arton; não se trata de um portal comum.
Sem saber, trouxe tudo para a realidade. Foi a criação Fadas que passam pela Cortina nunca mais são vistas.
de Sylarwy-Ciuthnach, domínio das Cyruthnallach, Os mortais duvidam que tal lugar exista, acreditando
as fadas malignas. ser mais uma história estranha que as fadas contam
Uma verdadeira mancha na beleza exuberante do para impressioná-los.
reino, Sylarwy-Ciuthnach é um espelho perverso da As fadas discutem a existência deste lugar bizarro,
capital Linnanthas-Shaed. No centro há uma torre horri- mas mesmo assim o temem. Para elas, provas não
pilante na forma de uma montanha, apontando para uma são necessárias. As divergências ficam por conta do
noite eterna sem estrelas, coberta por nuvens sombrias. que é preciso fazer para chegar até lá. Nem as fadas
A vegetação é morta e seca. Não há animais, apenas conhecem todos os segredos da Pondsmânia.

O Reinado
155
Fronteira da Desilusão pobres. Tendo vivido isolado em uma pequena fazenda
em Sambúrdia, Deavin não tinha referências para suas
Outro portal bem conhecido nas histórias do Reino canções, nem coragem o bastante para buscar histórias
das Fadas é a Fronteira da Desilusão. Essa passagem emocionantes. Não sabia se defender. Tinha medo.
só de ida para Arton traz consequências gravíssimas
para quem a atravessa. Uma vez que uma criatura Um dia, andando desiludido pelo bosque, encon-
não feérica a cruze, nunca mais poderá encontrar a trou uma menina gravemente ferida por duas flechas.
Com a pouca força que ainda tinha, a criança apontou
Pondsmânia. Os contos sugerem um destino ainda pior
ao norte e Deavin a carregou para lá, na esperança
para as fadas: ao passar pela Fronteira da Desilusão,
de encontrar seus pais. O caminho foi longo e difícil,
elas se tornam pó, deixando de existir para sempre.
até que foram encontrados por um destacamento
Não há marcas ou rastros evidentes que revelam de cavaleiros esplendorosos vestindo armaduras
a localização da Fronteira — a passagem é invisível, douradas. Daevin havia entrado na Pondsmânia
assim como qualquer fronteira de um reino para outro. sem perceber. A menina era Yarian, uma fada da
Diferente de histórias controversas como a da Cortina, Casa Adwervaén.
a Fronteira é tida como verdade por qualquer habitante
Yarian estava a salvo e Gardillon foi levado até
do Reino das Fadas, ainda que seu acesso seja muito
o Palácio-Cidadela de Hayall, onde foi condecorado
difícil. Alguns acreditam que é necessário seguir o sol
com as mais altas honrarias. Sabendo que o humano
poente (que vive mudando de direção na Pondsmânia)
era um bardo, Yarian o presenteou com um pingente
e estar acompanhado de um pássaro específico para
de cristal singelo. Enquanto Gardillon carregasse o
encontrar a travessia. O viajante só saberá que chegou
acessório no pescoço e não saísse da Pondsmânia,
ao lugar certo quando ouvir a ave cantar uma antiga
teria as mais ousadas e inéditas ideias para suas obras.
cantiga de roda com uma bela voz humana.
O bardo dedicou o resto de sua vida a andar por
aldeias, salões e castelos, levando sua arte. Quando
Guildas & chegou aos 90 anos e não podia mais viajar, começou a
aceitar alunos de maneira informal. Como quase tudo
Organizações que começa sem grandes pretensões na Pondsmânia,
hoje isso adquiriu grandes proporções. Existem mais
Mercado dos Duendes de trezentos Bardos de Gardillon, aprendizes diretos
Na fronteira indefinida da Pondsmânia, uma cara- ou indiretos do grande artista. Deavin morreu aos
vana mercantil de duendes viaja despretensiosamente 162 anos, deixando dezenas de obras que seriam
em busca de fregueses. Eles montam uma feirinha estudadas para sempre.
com barracas, música e vinho, chamando a atenção Os Bardos de Gardillon espalham e reproduzem
dos locais com uma pequena festa. Os curiosos que as obras de seu mestre enquanto as preservam das
são atraídos (normalmente jovens ignorando os avisos intempéries do tempo e criam sua própria arte. Várias
dos pais) acabam comendo e bebendo em troca de das peças e poemas mais famosos da Pondsmânia
poucos tibares. A festança parece um sonho e dura são de sua autoria: A Dura Tarefa do Guerreiro Imortal,
até a manhã do dia seguinte, quando os convidados O Galho e a Flor e, por fim, A Sombra da Lua no Lago de
podem voltar para casa. Cristal, que divide popularidade com a mais famosa
De noite, as pessoas que festejaram ouvem no- história entre as fadas, A Balada do Triste Fim, do
vamente o chamado dos duendes e não conseguem lendário bardo Kirath Farand.
resistir. Amigos e parentes que tentam impedir sua De fato, a admiração das fadas por Gardillon é
partida acabam gravemente feridos ou até mortos. tão grande que algumas delas estão se voltando a
Quando voltam ao Mercado dos Duendes, os recém- suas obras não tão grandiosas, compostas antes de
-chegados jamais são vistos de novo, perdidos para ele receber o pingente. Aparentemente, há algo de
sempre no Reino das Fadas. glamoroso na alma mortal que tenta se expressar e
falha miseravelmente. Entre esses trabalhos duvidosos,
Bardos de Gardillon destaca-se A Morte da Pata Galladrynn.

Talvez o mais prestigiado e numeroso colégio de


bardos de Arton, essa escola de artes itinerante foi A Caçada Selvagem
fundada por um artista fracassado. Deavin Gardillon Um fenômeno pouco compreendido, a Caçada
era um jovem bardo com muita vontade de atingir a Selvagem atesta a imprevisibilidade das fadas. Embora
fama, mas suas melodias eram medíocres e seus versos, sejam vistas como brincalhonas e engraçadas, isso

Capítulo Um
156
cai por terra quando os cavaleiros feéricos montam A Morte da Pata Galladrynn
em seus gamos e cavalgam destruindo tudo em seu
caminho, matando defensores e raptando indefesos. Havia sol e havia brisa
Havia cor e tudo assim
Pior ainda: ninguém sabe por que fazem isso. A
No tempo em que só grasnava
explicação mais provável é que o fazem porque são
A pata Galladrynn
cavaleiros feéricos, e cavaleiros feéricos fazem a Caçada
Selvagem. Assim como os outros tabus e leis das fadas, Havia comida e cama quente
isso não precisa fazer sentido. Apenas é. Havia flores entre o capim
Durante a Caçada Selvagem, o Rei das Fadas No tempo em que brandia a espada
cavalga um gamo maior do que cinco cavalos juntos, A pata Galladrynn
com cascos trovejantes e galhadas imensas e afiadas.
O Rei das Fadas é o marido de Thantalla-Dhaedelin, Havia festa e havia risos
embora os dois pareçam ter pouca convivência e, na Havia roupas de cetim
fase atual, a Rainha praticamente ignore o casamento. No tempo em que governava
Ele se apresenta como um humanoide gigantesco, todo A pata Galladrynn
coberto por armadura de madeira, folhas e fungos,
Foi-se o sol e foi-se a brisa
além de uma capa de musgo e um elmo de casca de
Foi-se a cor e tudo enfim
árvore com galhadas. Brande uma grande lança com
No dia em que caiu dura
cabo de madeira negra e ponta feita de um dente
A pata Galladrynn
farpado, lidera suas tropas em um frenesi de horror
e violência. Os caçadores montam gamos negros, Os bardos atuais discutem quem seria a
carregam tochas, espadas e lanças, acompanham-se Galladrynn da canção. Alguns creem que seja
de falcões também negros. Usam as faces de heróis uma amiga de infância de Deavin Gardillon,
mortos, como se fossem mortos-vivos. À frente de
falecida ainda jovem. Outros garantem que a
todos vêm enormes cães de caça com olhos de fogo.
“pata” é uma metáfora para a transitoriedade
Durante a Caçada Selvagem, todos os cavaleiros da Criação e o aspecto fugaz da experiência
feéricos participantes (essencialmente todos que o dos mortais em Arton. Também há teóricos
Rei das Fadas convocar) perdem sua personalidade, ousados que sugerem que a musa tenha sido
passando a se comportar de forma caótica e destrutiva. uma pata da fazenda em que Deavin cresceu.
Duendes em forma de animais feéricos também são
convocados. Outros cavaleiros parecem existir apenas
durante a Caçada Selvagem, nascendo e morrendo ou da Rainha Má. Tudo isso leva alguns a crer que o
conforme a necessidade ou apenas ficando reclusos e Rei das Fadas é um ser intermediário entre Thantalla
escondidos até o soar da trombeta de caça. Na Caçada e a Rainha Má — ao mesmo tempo um herói altivo
Selvagem, todos se comportam como um só. De fato, e um carniceiro sinistro.
as próprias fadas não se referem aos participantes
como indivíduos, mas apenas como “a Caçada”, como Em raras ocasiões, uma fada avisa uma comunidade
se fosse uma imensa entidade única. que será vítima da Caçada Selvagem. No entanto, é
bem mais comum que ela surja inesperadamente.
Quando o Rei soa sua trombeta, tudo em seu Felizmente, até hoje a Caçada sempre esteve restrita
caminho é considerado uma presa. A Caçada Selvagem
à Pondsmânia e sua passagem foi rápida. Infelizmente,
pode ser convocada contra um grande inimigo, mas
não parece haver como lutar, só fugir ou morrer.
isso é raro. Em geral, fases da lua, dias sagrados ou
profanos, conjunções de estrelas e outros fenômenos Grupos de aventureiros que sejam avisados sobre
provocam a Caçada. Além de massacrar gente “civi- a Caçada Selvagem podem buscar um artefato capaz
lizada” e destruir construções mundanas, a Caçada de aplacar sua fúria. O objeto pode ser desde uma joia
Selvagem arrasta suas vítimas para as profundezas até uma folha comida por traças — em geral é algo
da floresta. Os alvos desaparecem nas sombras entre mundano mas raro, como o cílio de uma donzela que
as árvores, mesmo que nenhuma sombra existisse lá nunca viu uma rosa ou o nome secreto de um velho
antes — alguns sábios especulam que “As Profundezas que não fala com ninguém há 60 anos. Outros apenas
da Floresta” é algum tipo de Plano ou dimensão a evacuam aldeias antes da chegada da Caçada. E, entre
que só a Caçada Selvagem tem acesso. Em geral, os os aventureiros mais curiosos, mais loucos e mais
adultos levados simplesmente somem. As crianças são ferozes, há aqueles que desejam conhecer a Caçada
criadas pela nobreza, perto de Thantalla-Dhaedelin Selvagem de perto e obter seus poderes.

O Reinado
157
As Casas Nobres: fadas são
tão diversas quanto seus humores

Casas Nobres As Aghmawor são conhecidas como a casa guer-


reira da Pondsmânia. Bravas combatentes durante
a batalha contra a Rainha Má, gostam de plantar
Casa Adwervaén e colher a raiva dos súditos. Isso nem sempre tem
Talvez a mais esplendorosa casa nobre da Pondsmâ- finais agradáveis, mas há desfechos mais inofensivos.
nia, a Casa Adwervaén adora a cor verde, as comédias Apesar da tendência perigosa à violência, estas fadas
e os céus limpos. Fadas desta casa gostam de levar são muito diligentes e esforçadas, mesmo que seja
alegria aos súditos não feéricos. Por isso organizam para acabar com conflitos que elas mesmas causam.
grandes festas e banquetes, compõem canções e
buscam melhorar a vida de todos do reino. Casa Ellyarión
Apesar disso, às vezes as Adwervaén ignoram Melancólicas e contemplativas, certas fadas gostam
pessoas em grande sofrimento, pois têm dificuldade de passar tempo remoendo prazerosamente lembranças
de entender sentimentos complexos. Para elas, tudo e situações que podem nunca ter acontecido. São
é festa e nada pode atrapalhar a comemoração da dá- as fadas da Casa Ellyarión. Admiram a cor azul, as
diva da existência! É difícil tolerar a ditadura da ale- tragédias e o tempo chuvoso.
gria que muitas vezes é imposta por aristocratas desta Gostam de disseminar e apaziguar a tristeza dos
casa. Algumas aldeias já foram proibidas de chorar ou súditos. Sempre que uma aldeia se alaga, uma praga
de adoecer até segunda ordem por fadas Adwervaén. acomete um povoado ou um aventureiro tropeça numa
raiz, cai e morre, lá estão elas. Gostam de ouvir as
Casa Aghmawor lamúrias dos mortais, simpatizando e sofrendo junto
Nem sempre as coisas saem como esperado. Às ve- a eles. Muitos súditos preferem as fadas Ellyarión, já
zes um inimigo se mostra. As fadas da Casa Aghmawor que são mais compreensivas e previsíveis.
estão aqui para lidar com isso, por bem ou por mal. Dão Contudo, as Ellyarión são também notórias por
preferência ao vermelho sangue, aos grandes épicos e sua complacência e falta de energia. É maravilhoso e
ao calor ensolarado do começo da tarde. catártico ser ouvido por elas, mas não se deve esperar

Capítulo Um
158
mais que isso. Dificilmente farão qualquer coisa a não
ser se lamentar. Há quem se sinta mais leve depois Aventuras
de ter contato com uma Ellyarión, mas outros ficam Poucos escolhem se aventurar na Pondsmânia.
ainda mais devastados e perdidos. Feliz ou infelizmente, muitos aventureiros não têm
escolha.
Casa Fendaree Alguns vêm em busca de algum item podero-
As fadas também sabem o que é carinho e síssimo ou lenda reveladora. A maioria das lendas e
cuidado. Por isso, a Casa Fendaree é talvez a mais contos ambientados no Reino das Fadas realmente
popular da Pondsmânia. Contam-se muitas histórias aconteceu e guarda alguma verdade transcendental
de seus nobres e cortesãos, dos grandes gestos de ou segredo poderoso. Incontáveis mistérios místicos
generosidade que fazem pelos súditos. Estas fadas se escondem na Pondsmânia. Quando algo é estranho
amam os tons de rosa suaves, as cantigas de amor, ou fantástico demais até mesmo para Arton, talvez
as auroras e os crepúsculos. possa ser encontrado aqui.
As Fendaree gostam de conquistar o afeto dos Cavaleiros adentram a Pondsmânia à procura
súditos e fazem de tudo para obtê-lo. De todas as de renome e reputação. O reino está cheio de vilões
fadas, são as que mais se importam verdadeiramente terríveis, fadas que abusam (mesmo que sem querer)
com os mortais. Querem sempre vê-los bem e isso da bondade de seus súditos e inocentes precisando
acaba tornando o sentimento recíproco. O povo da de salvamento. Muitos desses heróis já tombaram
Pondsmânia em geral acompanha de perto a vida frente à Cyruthnallach chamada Silente, que odeia
cotidiana das fadas Fendaree, afeiçoando-se a seus o som de todas as coisas, congelando, calando ou
dramas e fofocas. matando tudo que existe a sua volta. Invariavelmente,
cavaleiros que assumem o desafio de enfrentá-la
Muitas fadas desta casa fazem amizades genuínas
precisam da ajuda de arcanistas, ladinos e outros
e até se casam com (vários) seres não feéricos, em
que possam ajudá-los a fazer silêncio.
tórridos casos de amor. Contudo, seu carinho pode
cair facilmente em dependência, ciúme e proteção Bardos também vêm à Pondsmânia, mas por
exagerada, aprisionando súditos, amigos e amantes motivos diferentes. Muitos procuram estudar com
em algemas de ouro. os Bardos de Gardillon e aprender suas técnicas
artísticas incomparáveis. Outros apenas estão à caça
de histórias fascinantes e sabem que muitas delas
Casa Sylworaan nascem aqui. Não raramente, encontram outros
Até mesmo fadas podem temer e muitas delas heróis e decidem segui-los com o único objetivo de
não escondem o pavor que sentem desta casa. As registrar tudo que acontece.
fadas da Casa Sylworaan são medonhas e sinistras das
Também existem aventureiros que se veem
formas mais indescritíveis. Na Corte, alternam entre
inevitavelmente vinculados ao reino. Fadas da Casa
sua aparência aristocrática, bela e plena, e visuais
Fendaree têm muitos filhos feiticeiros por Arton; as
macabros que arrepiam a espinha do dragão mais
Cyruthnallach costumam trocar filhos recém-nascidos
destemido. Deleitam-se com tons de amarelo escuro,
de heróis por suas próprias crianças. Sonhos estranhos
contos de terror e noites tempestuosas.
imploram para que grupos de aventureiros venham
De longe, são as fadas nobres mais temidas à Pondsmânia sem explicar muito bem o objetivo. A
pelos súditos mortais. Isso vem bem a calhar, já que maioria dos diplomatas e enviados do Reinado não
se divertem muito ao causar medo a eles. Mestras ousa pisar na Cidade Normal dos Humanos sem a
dos sussurros e da espionagem, as Sylworaan gostam escolta de um grupo de aventureiros.
de descobrir e guardar os segredos mais sórdidos,
Por vezes, viajantes que rumam para os Feudos
compartilhando-os apenas com seus iguais e com a
de Trebuck ou as Repúblicas Livres de Sambúrdia
própria Rainha Thantalla.
adentram a Pondsmânia sem saber, ativando uma
Dominadoras do medo, são as mais corajosas, chave involuntariamente, apenas para descobrir
capazes de grandes atos heroicos, mesmo que sutis que a mesma chave não funciona para a saída.
e ocultos. Dizem as boas línguas que sua principal Outros, mais ousados ou loucos, buscam evitar
função é estudar fraquezas das Cyruthnallach. Já as taxas, inimigos ou acidentes geográficos e decidem
más línguas têm certeza de que a Casa Sylworaan traiu “cortar caminho” pela Pondsmânia. É um atalho
a Rainha Thantalla há tempos, apenas esperando o para sonhos e pesadelos, um trajeto que pode durar
melhor momento para derrubá-la. algumas horas… ou a vida toda.

O Reinado
159
Academia
Arcana
A A Transmutação
história da maior instituição de ensino
mágico de Arton é bem conhecida.
Talude, arquimago lendário, pediu à O objetivo da Academia — permitir o aprendizado
Deusa da Magia por um meio de tornar seguro de magia — sempre refletiu certo excesso de
o domínio da conjuração acessível, sem os riscos zelo por parte de Talude. Ao longo da carreira como
exigidos por perseguir tais segredos. Wynna aventureiro, ele viu arcanistas pagarem preços terríveis
então o presenteou com um educandário planar, para conquistar seus poderes. Sonhou poupar jovens
uma fantástica cidadela construída por gênios, magos de tais perigos. Essa preocupação, porém,
onde esse nobre objetivo poderia ser alcançado resultou em isolamento perante outros problemas de
em segurança. Enquanto residisse na Academia, Arton. Especialmente aqueles políticos, como guerras.
como seu reitor, Talude viveria para sempre. Sua neutralidade durante a Guerra Artoniana teria
Assim, por longos anos, a missão da Academia sido a gota d’água. O Mestre Máximo da Magia foi
Arcana seguiu impermeável às turbulências do mun- criticado por lideranças do Reinado — sobretudo o
dano. Mas isso mudaria. conselho de Wynlla, que sofreu perdas severas no

Capítulo Um
160
conflito. Questionaram o papel da instituição, reunindo
arcanistas e recursos poderosos, mas jamais usando-os
para proteger os reinos. Magia não existe apenas para
ser aprendida e dominada, mas utilizada.
Acusação injusta, Talude bem sabia. A Academia
salvou Arton vezes sem conta, rechaçando inimigos e
monstros sobrenaturais antes que sua existência sequer
fosse notada — sendo esse justamente o problema,
pois nobres e regentes nada sabiam sobre tais amea-
ças. Pressionada pelos reinos, até mesmo por alguns
instrutores e alunos, a universidade mágica mudaria.
Seria mais atuante. Haveria reforma.
Os gênios de Wynna seriam novamente convo-
cados. Outrora uma construção graciosa no centro
de uma planície bucólica, a Academia seria tornada
um complexo de arquitetura arrojada, audaciosa,
utilitária. O ensino teórico em auditórios e salas de aula
seria reduzido, agora intensificando treinos práticos,
simulações e até incursões a masmorras. Academia Arcana
Além disso, parte de seus recursos em pesquisas
seria remanejado para o campo da tecnologia mágica. Tipo de Instituição: universidade
Através do Tratado da Centelha com Wynlla, nação que mágica.
possui a infraestrutura industrial necessária, os projetos Lema: “Transcender o Mundano, Abraçar
concebidos na Academia seriam fabricados no Reino da o Arcano”.
Magia e então negociados em Vectora e outros pontos Brasão: de púrpura um anelete de prata,
do Reinado e além. Desde armas e armaduras mágicas em chefe do mesmo um livro aberto de
até golens, veículos e artefatos variados. ouro, encadernado com cinco correias do
Quanto a Talude, este teria se tornado recluso, campo e carregado dos oito símbolos das
quase inacessível. Em amargura e resignação, decidiu se escolas mágicas do mesmo.
afastar da reitoria — deixando o cargo nas mãos capazes Reitor: Vladislav Tpish.
de Vladislav Tpish, prestigioso necromante. Muitos
Número de Alunos: 5.000.
temem pela saúde do Mestre Máximo, ou mesmo por
sua vida, uma vez que a imortalidade concedida por Raças Principais: todas (poucos
Wynna poderia ser mantida apenas enquanto reitor. lugares em Arton são tão diversos quanto a
Academia Arcana).

Cidadela Divindades Principais: Wynna,


Tanna-Toh.
Universitária
A reforma imposta pelos reinos, e acatada a
contragosto por Talude, mudaria a face da Academia Não há acima ou abaixo. Construções majestosas
Arcana por completo. Outrora uma planície verdejante sobem pelas laterais distantes, ocupam o próprio céu
“cortada” do Reino de Wynna, pontuada por constru- com torres e parques invertidos. Apesar desse aspecto
ções modestas, o lugar se tornou quase irreconhecível. periclitante, toda a área está sob efeito constante de
O espaço planar é agora ocupado por uma densa Queda Suave, sendo quase impossível sofrer ferimentos
Cidadela Universitária, com grandes estruturas em po- sérios por cair (embora colisões às vezes aconteçam).
sições e direções diversas. As ruas são largas, ricamente Pode-se atravessar a cidade voando e, chegando ao
arborizadas e iluminadas, embora não recebam luz do lado oposto, pisar e andar normalmente — algo que
dia: a cidade é ornada com opulentas estátuas da Deusa apenas calouros fazem, pois a oferta de estações
da Magia, lembrando aquelas existentes na arquitetura de teletransporte é farta. Tal arranjo pode parecer
original; eretas, sorridentes, mãos erguidas segurando intimidador e caótico para recém-chegados, mas na
os sóis mágicos responsáveis pela iluminação urbana. prática é extremamente conveniente. Quase todos os

O Reinado
161
Transporte Mágico divisão eventualmente seria abandonada, deixando
tudo mais informal. Todos contam com aposentos
A magia Viagem Planar funciona normalmen- para dois ocupantes, área de convivência, refeitório,
te para alcançar a Academia. Por ser con- sala de jogos e outros. Seus nomes acabariam também
juração de círculo elevado, contudo, existe designando os maiores grêmios estudantis, sempre
a versão muito mais acessível Portal para o envolvidos em disputas e rivalidades. Em geral, isso
Saber (arcana, 1º círculo), que leva apenas a significa competição amigável, mas às vezes sai de
esse destino. É ensinada a estudantes com controle. Uma das maiores rixas atuais é entre o elfo
dificuldade para chegar aos portais fixos, ou mago de combate Rasdalis Risingstar e a também
fornecida em pergaminho para convidados elfa Úrsula Sussurro Noturno, que além de arcanista
ou aventureiros a serviço da instituição. Há é arqueira. As especialidades de ambos fazem com
também o item mágico Chave de Wynna, com que discussões ocasionalmente acabem em trocas de
o mesmo efeito e propósito. golpes, flechas e explosões.
Em meio a tantas mudanças, talvez a única certeza
na Academia seja a onipresença de Rashid. Este antigo
pontos importantes estão bem à vista; lugares estes e poderoso kemooz, como outros gênios da terra,
que receberam nomes de antigos professores sêniores, atuou durante a própria criação de Arton — pois são
hoje ausentes, e outras figuras ilustres. eles os arquitetos, engenheiros e construtores dos
A Praça Nereus é onde surgem aqueles que chegam deuses. Não apenas concebeu e construiu a Academia
original como também comandou a reforma. Por
por magias ou portais de acesso, diante da Administração
considerar a instituição sua obra-prima, escolheu viver
Talude — na verdade um grandioso templo de Wynna,
ali para sempre, como seu zelador e protetor. Paciente
muito similar ao original pré-reforma, incluindo as belas
e bem-humorado, trata professores e alunos como
estátuas gêmeas da deusa guarnecendo suas laterais. Aqui
seus amos, mas é igualmente leal aos regulamentos
ficam o escritório do reitor e outros setores burocráticos.
da Academia, não tolerando trapaças. Velho amigo
Não muito distante está o imenso Anfiteatro Taandus,
de Talude, dizem ser o único que conhece seu atual
capaz de conter qualquer número de espectadores, onde
paradeiro, mantendo segredo absoluto a respeito.
são ministrados cursos, palestras e espetáculos. Salas de
aula mais convencionais (atualmente em número bem A arquitetura sóbria e austera nesta nova Cida-
menor) são encontradas no Templo Blavatsky. dela Universitária é enganadora. Bastam momentos
para que o visitante sinta sua energia e entusiasmo,
Outra construção gigantesca, a Biblioteca Zéphyro
seus estudantes lotando praças e cafés, em debates
contém estantes e prateleiras tão altas que muitos apaixonados e conjurações ainda destreinadas. Jovens
preferem voar para alcançá-las. Perto dali, o Jardim de todas as raças possíveis e algumas impossíveis,
Esplenda contém uma área de estudos silenciosa e dedicados ao caminho da maestria arcana, além de
agradável, com mesas e cadeiras dispostas sob árvores aventureiros convocados para todo tipo de missão.
frutíferas. Quando é momento de executar o que foi Todos os dias são cheios de maravilhas, descobertas,
aprendido, o Composto Neevus oferece câmaras aventuras. Apesar dos pesares, o sonho mágico de
próprias sob efeitos específicos para conjurar com mais Talude segue em frente.
segurança ou facilidade, enquanto o Ginásio Ignatus
inclui pistas e arenas para prática de esportes.
A Casa de Thanatus, embora atue como en- Acesso, atividades,
fermaria e hospital universitário, também acumula
funções como laboratório alquímico e necrotério. Por Período Letivo
insistência do reitor Vladislav, necromante renomado, A Academia Arcana não existe em Arton — isto
estudos sobre os vivos e mortos-vivos deveriam ser é, não no mesmo Plano material. Foi construída com
conduzidos em uma mesma locação — ainda mais uma porção do próprio Reino de Wynna, não podendo
considerando o crescente número de estudantes golens ser alcançada por meios de viagem mundanos. Con-
e osteon. Para quase todos os alunos, contudo, é um tudo, existem formas variadas de chegar, algumas até
excelente incentivo para evitar se ferir! bem simples e acessíveis; manter a Academia fora de
Os alojamentos dos estudantes ficam dispostos alcance para os interessados, afinal, seria contra os
em três grandes edifícios, Brix, Frecta e Gaem, em objetivos originais da instituição.
vértices opostos da cidade. Seriam respectivamente Talvez o meio mais fácil sejam os portais planares
destinados a bruxos, feiticeiros e magos, mas essa fixos instalados em vários pontos do Reinado e além.

Capítulo Um
162
Cada grande cidade de Arton tem seu próprio portal,
incluindo a Cidade Suspensa de Prendick nos Reinos Inventos do Caos
de Moreania e a capital Shin’Yumeng no Império de Para aqueles perturbados com o espaço urbano
Jade. Quase todos são elegantes e chamativos, ornados fechado na Cidadela Universitária, sem vista para o
com cristais mágicos, mas existem alguns notoriamente céu, a boa notícia é que esta nova Academia recebeu
discretos (como aquele em um casebre humilde de vários anexos — outros semiplanos, com aparência e
Valkaria, onde uma placa apagada diz apenas “Escola propósitos próprios.
de Magia”). Viajantes desavisados imaginam usar esses
portais como formas rápidas de cruzar o continente; Há todo um conjunto destes lugares conhecidos
porém, para manter as energias mágicas necessárias, apenas como Ermos de Wynna. Se existem de fato, ou
uma taxa de pedágio bastante pesada (T$ 400 por apenas surgem conforme a necessidade, não se sabe.
pessoa) é cobrada para deixar a Academia por um Cada um contém uma ambientação fechada simulan-
portal diferente daquele por onde se entrou. do algum cenário natural, completo com animais e
plantas — ou bioma, como chamam os estudiosos. São
A vida de um aluno da Academia Arcana é tudo, planícies, flo -
menos monótona — principalmente na época atu- restas, mon-
al, enquanto o currículo, a forma de ensino e tanhas, pân-
o próprio espaço da instituição são reformu- tanos, praias,
lados. Mesmo assim, alguns parâmetros se cavernas e ou-
mantêm… ao menos na teoria. O período le- tras regiões sel-
tivo tem duração de quatro anos, com ava- v a g e n s . To d o s
liações semestrais e limite máximo de podem ser obser-
duas reprovações — ainda que sus- vados livremen-
pensões por re- te por magias ou ins-
provação se- trumentos de vidência,
jam raras. mas excursões presen-
Embora ain- ciais são às vezes orga-
da conte com nizadas, como testes prá-
professores e ticos de sobrevivência e
salas de aula, a combate contra feras.
Academia pós-re-
Os Ermos abrigam
forma é mais fo-
fauna comum e mais ou
cada em aspectos
menos inofensiva. O se-
práticos e ex-
miplano chamado apenas
periência de cam-
Cativeiro, pelo contrário,
po. Alunos são regularmente
contém monstros. São lon-
enviados em missões no mun-
gas alamedas flanqueadas
do exterior, ou designados como
por jaulas, fossos, aquários
membros em grupos de aven-
e outros meios de conten-
tureiros (nestes casos a Aca-
ção, onde seres como hidras,
demia também acaba atuando
quimeras e mantícoras po-
como uma provedora pode-
dem ser observados. Cer-
rosa de recursos). Cursar a
tas áreas restritas abrigam
Academia não significa ne-
os únicos espécimes le-
cessariamente passar lon-
feu, aprisionados com
gos meses em internato,
as magias mais po-
apenas manter conta-
tentes. Muito mais
to regular com um pro-
aprazível é a Vila
fessor ou mentor de-
dos Professores,
signado. Ainda assim,
estudantes têm di-
reito a moradia, ali-
Vladislav Tpish:
mentação e outras
mestre necromante,
necessidades básicas ex-aventureiro e atual
durante o curso. Reitor da Academia Arcana

O Reinado
163
Ingressando mangueiras, tubos vítreos encerrando criaturas sobre
na Academia Arcana as quais é melhor não pensar muito.
O caos é indescritível. A cacofonia é ensurdecedora,
Em Arton, ser arcanista já impõe respeito, os cheiros derrubariam um minotauro. O Bureau está
mas ser educado na Academia Arcana traz sempre em mutação, estúdios e oficinas surgindo ou
prestígio ainda maior. A universidade é sumindo, ilhas de genialidade aflorando ocasionais em
procurada todos os anos por jovens que meio ao tumulto — ou por causa dele. O lugar já foi
sonham orgulhar suas famílias ou iniciar descrito pelo bucaneiro Nargom Mandíbula como “uns
carreiras brilhantes, embora as taxas duzentos magos bem loucos tentando amontoar seus
(T$ 20 no ato da matrícula, mais T$ 20 laboratórios secretos em um só lugar”. Assim parece
mensais) acabem afastando o camponês a alguém destreinado em magia e ciência. Ou talvez
comum, ou exigindo grande sacrifício o pirata não estivesse tão distante assim da verdade.
dos pais. Há um programa de bolsas para
estudantes sem recursos, mas com um O propósito do Bureau é pesquisar e inventar. Des-
exame de admissão mais rigoroso. cobrir novos encantos para armas e armaduras. Novos
usos para materiais fantásticos. Novas configurações
Os testes de admissão acontecem uma vez para golens. Novas medicações para venenos, doenças
por ano, pouco antes do Dia do Reencontro.
ou maldições. Novos meios de matar demônios da
As provas são formadas pelo Teste de
Tormenta. Para a magocracia de Wynlla, não importa
Aptidão, exigindo uma graduação mínima
como fazem isso. Só importa que consigam. Então
em conhecimento mágico (basta ser treinado
anotem em algum lugar de forma inteligível.
em Misticismo); o Teste de Moral e Ética,
que raramente leva à reprovação, mas Apesar dos motivos políticos (e gananciosos) que
desencoraja candidatos mal-intencionados; levaram a seu surgimento, o Bureau é um ambiente
o Teste de Perigo, por vezes incluindo de otimismo, euforia e esperança. Seus pesquisadores
uma incursão a uma masmorra (real ou sonham levar vidas melhores para os povos de Arton.
simulada), e o Teste do Reitor, uma Trabalham duro para curar pestes, encerrar guerras,
entrevista com o próprio Vladislav (outrora solucionar crises, afastar o mal. Ignoram demandas su-
realizada por Talude em pessoa). periores para focar em seus próprios projetos pessoais
e inspirações súbitas. Manipulações de Wynlla tentam
influenciar os rumos das pesquisas, mas os gênios do
Bureau não podem ser domados — embora, às vezes,
um bairro pacato com residências pequenas, mas possam ser enganados. Tentativas de espionagem para
elegantes, que qualquer professor ou pesquisador roubar projetos são também constantes.
pode ocupar. Também é comum que moradas vazias
Aquele que atualmente comanda o Bureau (ou
sejam utilizadas para hospedar visitantes ou estu-
faz seu melhor para tentar) é o artífice anão Ingrid
dantes especiais.
Lindhomm. Recepcionar visitantes e delegar missões
Por fim, o anexo mais importante na história estão entre seus encargos, mas nem sempre é fácil
recente da Academia — e motivador central de toda encontrá-lo: na maior parte do tempo está metido
a reforma — é conhecido como Bureau Theuderulf. nas entranhas de algum construto gigante, sua
O nome é uma honraria diplomática ao fundador do grande paixão. É também responsável por negociar
reino de Wynlla. projetos e prazos com emissários de Wynlla, sendo
Quase um bairro à parte na Cidade Universitária, possivelmente a razão de seu mau humor extremo,
este complexo pode ser alcançado apenas através de mesmo para os padrões de seu povo.
um grande prédio administrativo. Muito maior por Estudantes podem se candidatar a estágios no
dentro (por ser outro semiplano), o lugar lembra Bureau, como assistentes para qualquer de seus
um galpão imenso de teto envidraçado, contendo pesquisadores. Não raro, esta tem sido a origem de
uma profusão de mezaninos e estações de trabalho. grande parte dos inventores de Arton. Ou fonte de
Em cada canto, bancadas e prateleiras com frascos poderes estranhos para aqueles que sofreram aciden-
fumegantes, pergaminhos abertos sobre mesas e tes bizarros, ou acabaram como cobaias involuntárias.
presos em quadros, telas mágicas exibindo fórmulas O bruxo Saraphmael teria sido uma vítima desses
e diagramas, forjas operadas por engenhocas com acidentes, pois certo dia surgiu no Bureau totalmente
braços metálicos, aparatos incompletos pendurados sem memória. O mais estranho é que ninguém lembra
nas alturas, macas contendo seres conectados a de tê-lo visto antes…

Capítulo Um
164
Vectora O MERCADO NAS NUVENS

A Cicatrizes
rton pode ter sido forjada pelos deuses,
mas uma de suas maiores maravilhas
veio da determinação e vontade huma-
nas. Elevada aos céus por um dos mais
Orgulhosas
Derrubar uma montanha sobre o maior dragão
poderosos magos vivos, a cidade voadora de
do mundo não foi realização simples. O Dragão da
Vectora não apenas trouxe progresso aos reinos, Tormenta havia triunfado sobre heróis, exércitos,
mas também protegeu Arton da Tormenta. os próprios Dragões-Reais. Poderia destruir Arton.
O Dragão da Tormenta pode ter sido o inimigo Vectorius, pragmático, concordou em sacrificar sua
mais perigoso em todos os tempos. Para detê-lo, o maior obra simplesmente por não existir alternativa.
arquimago Vectorius derrubou sua maior criação sobre A cidade foi evacuada, sua população mercante
o monstro. Salvou o mundo, mas o preço foi alto: a acolhida pelos reinos. Uma vez em posição, o arqui-
Manobra Vectora causou danos incalculáveis à cidade. mago dissipou os efeitos que mantinham a estrutura
Mas, como dizem nos negócios, “crise é oportunidade”. em voo. Com o impacto, suas construções desabaram,
E Vectorius, acima de tudo, é um negociante. suas avenidas racharam em abismos. A própria mon-

O Reinado
165
em restaurar Vectora, bem como em tomar parte em
seus lucros futuros. Entre os maiores interessados, a
magocracia de Wynlla buscava um acordo vantajoso
para comercializar sua produção de itens mágicos na
cidade. O Tratado da Centelha foi assinado.
Fato interessante é que esse pacto implica em
uma sociedade indireta com Talude, rival de Vectorius
pelo título de maior arquimago de Arton: os produtos
fabricados em Wynlla seriam projetados em sua Aca-
demia Arcana. Rumores maldosos dizem que a recente
reclusão de Talude teria sido motivada por esse acordo,
imposto pela regência de Wynlla.
O Mercado nas Nuvens mudou. Com a magia de
Vectorius, sua base montanhosa poderia ser restaurada
como era — mas um artífice de Tamu-ra ofereceu
ao arquimago ideia melhor. Os destroços seriam
emendados através da arte tamuraniana kintsugi, uma
técnica artesanal para reparar cerâmicas e porcelanas,
Cidade de Vectora preenchendo as rachaduras com algum metal precioso.
Sua filosofia é aceitar as imperfeições e a passagem do
Lema: “Oportunidades nos Céus”. tempo como parte da vida: em vez de esconder avarias,
Brasão: de azul dez besantes de ouro em estas são expostas e valorizadas, revelando nova beleza.
4, 3, 2 e 1; uma nuvem de prata movente Hoje, as antigas rachaduras brilham luz dourada contra
do chefe brocante sobre tudo. a rocha escura, eternizando a vitória contra o Dragão
da Tormenta como parte de sua história e tornando a
Gentílico: venturiano.
visão da cidade nos céus ainda mais magnífica.
Regente: Vectorius.
Vectora também foi expandida, buscando amenizar
População: 40.000 residentes, a antiga aglomeração compacta de comércios, bem
mais de 40.000 a 80.000 visitantes a como acolher visitantes com mais conforto. Novos
qualquer dado momento. pavimentos flutuantes foram conectados às laterais
Raças Principais: varia conforme o por pontes suspensas; graças a essas “ilhas”, como
ponto do trajeto. seriam chamadas, a área urbana total praticamente
dobrou. Suas ruas lotadas e bazares tumultuados são
Divindades Principais: Tibar, Wynna.
coisa do passado. Isto é, boa parte do tempo.

Trajeto e Acesso
tanha que suportava a cidade foi destroçada. Para to- A rota de Vectora mudou várias vezes ao longo de
dos os efeitos práticos, Vectora havia sido destruída. sua existência, e segue mudando. Mesmo com cada vez
Dizem que o arquimago vagou melancólico pelas mais pontos de parada, ficando alguns dias em cada
ruas destroçadas, pelas ruínas do antigo lar. Enquan- um, o trajeto sempre faz uma volta completa por ano.
to perambulava, fazia algum tipo de contagem: teria A chegada de Vectora é motivo de algazarra,
sido o tempo que deu a si mesmo para ceder ao pran- mesmo para quem não visita a cidade; sua simples
to. Quando terminou, ergueu a cabeça, os olhos fais- presença é mais que suficiente para tumultuar qualquer
cando propósito. Já planejava a reconstrução. lugar. Ela nunca se atrasa: comunidades em sua rota
Foram meses de planejamento, contabilizando programam colheitas e manufaturas para coincidir com
recursos, reunindo os melhores entre os melhores a chegada da cidade-mercado. Arautos a anunciam com
dos reinos: arquitetos, engenheiros, inventores, tra- antecedência suficiente para que o furor tome conta
balhadores. A maior parte da vasta fortuna pessoal foi de qualquer cidade no itinerário. Alguns povoados
destinada ao projeto. Favores foram cobrados de nações que não são pontos de parada mas estão no trajeto
salvas da destruição. Nobres e regentes de toda Arton realizam festivais pela simples passagem de Vectora
atuaram como investidores: tinham total disposição sobre suas cabeças!

Capítulo Um
166
A cidade viaja a poucos quilômetros de altitude. Eu Acredito que Posso Voar
Vectora nunca aterrissa: ao “atracar”, apenas reduz a
altitude para 200 ou 300 metros, suficiente para ser Atualmente expandido, o efeito de levitação
alcançada com mais facilidade, mas ainda evitando ao redor do Mercado nas Nuvens se estende
colisões com torres. Vectora percorre centenas de 200 metros além das bordas da cidade,
quilômetros por dia. Para alcançar pontos longínquos, abrangendo os novos anexos. Personagens
pega “atalhos” — a cidade é transportada para outro e itens no interior do campo estão constan-
Plano, onde grandes distâncias no mundo material temente sob efeito de Queda Suave, a magia
são percorridas mais rapidamente. Durante essas Voo tem duração indefinida e raças capazes
jornadas, às vezes alcança certos reinos dos deuses, de voar podem fazê-lo sem custo em PM.
com algumas cidades extraplanares no itinerário.
Apesar da dificuldade óbvia em visitar uma cidade Viajando em Grande Estilo
voadora, há muitas formas de chegar a Vectora. O meio
mais fácil são os ancoradouros disponíveis em algumas É permitido viajar a bordo de Vectora:
metrópoles, como Valkaria; gigantescas torres metálicas embarcar em um ponto, permanecer na
onde correm gôndolas em cabos mágicos. Custa apenas cidade e desembarcar em outro lugar. Não
T$ 2 por pessoa, sendo o meio de acesso mais barato, residentes pagam uma taxa de T$ 10 por dia
mas com filas de horas. Para quem não quer esperar de viagem. Os “passageiros” devem comprar
e nem pagar muito, aeronautas goblins literalmente papéis de viagem em postos da Milícia ou
brigam por passageiros, sabotando ou até atacando os estalagens certificadas. Todas as noites,
veículos rivais. Custa T$ 10 (negociáveis) por pessoa, patrulheiros da Milícia percorrem estalagens
mas está longe de ser seguro — em média uma em e tavernas para conferir os papéis. A
cada três viagens resulta em queda, pela própria
fiscalização pode ser evitada (Furtividade CD
precariedade do veículo ou alguma atitude radical da
20) e papéis de viagem podem ser forjados
“concorrência”. Opções mais seguras, como montarias
(Enganação CD 25). Visitantes apanhados
aladas, tapetes voadores e conjuração de feitiços de voo
sem os papéis devem pagar a taxa no ato,
e transporte, variam entre T$ 100 e T$ 400.
além de uma multa de T$ 300. Durante
O Campo de Levitação que mantém Vectora nos visitas a outros Planos a permanência é mais
céus é uma das mais poderosas magias já conjuradas por cara (T$ 100 por dia) e a fiscalização, mais
um mortal. Não apenas faz a cidade voar como preserva rigorosa (CD 30, multa de T$ 600).
sua integridade, incluindo o novo “arquipélago” de
ilhas mantidas sempre nas mesmas posições relativas.
O movimento da montanha nos céus não abala cons-
Vectora visita diferentes reinos e acolhe diferen-
truções, nem sequer é percebido por seus ocupantes.
O clima também é amenizado, evitando que ventos tes povos — e trata de informar todos sobre seus
fortes derrubem mercadorias (e mercadores) da cidade. regulamentos. As leis locais podem ser consultadas
em inscrições espalhadas em monólitos pela cidade,
magicamente legíveis por qualquer ser inteligente. As
Política e Leis mais importantes são:

Apesar da recente aliança comercial com Wynlla, • É proibido causar prejuízo a pessoas.
Vectorius segue como prefeito e autoridade máxima. Em Vectora pode ser difícil saber a diferença entre
Mas ele não comanda sozinho — sob sua liderança pessoa e monstro. Por esse motivo, seres monstruosos
está o Conselho dos Seis, formado por arcanistas (mas que tenham inteligência e saibam se portar) são
de sua escolha, substituídos de tempos em tempos. protegidos pela lei, livres para circular ou até estabe-
lecer negócios. “Causar prejuízo” inclui coisas como
A ordem local é mantida pela Milícia de Vectora.
atacar, matar, roubar ou conjurar feitiços prejudiciais.
Guardas circulam em pequenos grupos, comandados
por um oficial equipado com itens mágicos. Uma • É proibido o porte ou comércio de
unidade especial da Milícia, a Patrulha Celeste, é tóxicos. Drogas, venenos e substâncias semelhantes
formada por cavaleiros em montarias voadoras co- são barrados em Vectora. É a lei mais flexível, confusa e
nhecidas como baleotes. Em grandes emergências difícil de fiscalizar — muitos produtos disponíveis são
os próprios membros do Conselho dos Seis podem inofensivos para alguns seres e venenosos para outros.
intervir. Vectorius raramente se envolve em casos Além disso, tavernas vendem vinho e comerciantes
domésticos, mas atua como juiz quando necessário. hynne vendem charutos…

O Reinado
167
As Regras da Lei
Vectora Renascida
Embora em termos de história a Muito do projeto urbano original foi preservado,
interpretação das leis de Vectora possa mas várias localidades e edificações foram transferidas
variar, é útil para o mestre ter diretrizes para ilhas próprias. Essa medida proporcionou muito
sobre como elas funcionam em termos mais espaço para mercados e bazares na região central.
de regras — especificamente, sobre o que Mesmo assim, com poucos quilômetros de diâmetro,
constitui “prejuízo”, “pessoas”, “tóxicos” e Vectora é relativamente pequena — e densamente
“magias restritas”. construída. São milhares de estabelecimentos, sendo
Prejuízo, além de atacar, causar dano ou impossível visitar todos durante os poucos dias de
hostilizar de maneira geral, inclui lançar cada parada. Alguns aventureiros afirmam ser mais
magias ou efeitos que exigem teste de fácil e rápido adquirir tesouros mágicos explorando a
resistência. Assim, mesmo uma magia como masmorra mais próxima…
Enfeitiçar ou um poder como Postura de Para recém-chegados, normalmente o primeiro
Combate: Provocação Petulante constituem ponto visitado será o Parque de Entrada. Situada no
“prejuízo” e são proibidos. extremo sul da montanha voadora, esta ilha contém
Pessoas são quaisquer criaturas com uma bela planície com árvores floridas, funcionando
Inteligência –3 ou maior. Seres inteligentes como “pista de pouso” para visitantes que chegam de
mas bestiais (por exemplo, humanoides formas variadas. O Campo de Restrição não afeta esta
ferozes com Int –2) são protegidos pela lei, área, permitindo que magias funcionem normalmente.
mas na prática devem refrear suas tendên- Aqui também é onde fica a estação de desembarque
cias violentas ou sofrerão consequências. para as gôndolas dos ancoradouros.

Tóxicos são todas as substâncias com Grandes vias arborizadas, com mais de dez metros
efeitos que exigem um teste de resistência. de largura, cruzam a cidade e delimitam os bairros
Tecnicamente, isso se aplicaria a bebidas principais. Os estabelecimentos mais famosos ou
alcoólicas, mas elas são permitidas. caros — de lojas a estalagens — ficam às suas mar-
gens. Há também uma avenida principal panorâmica
Por fim, magias restritas são aquelas de que circula a cidade inteira, passando por todas as
Encantamento, Evocação, Ilusão e Trans- pontes suspensas para as ilhas. Proporciona uma vista
mutação. Além de ilegais, elas são barradas inesquecível das alturas, sendo a favorita daqueles que
magicamente. O Campo de Restrição visitam Vectora a passeio.
envolvendo a cidade exige um teste de
Misticismo (CD 25 + custo em PM da Para facilitar a missão de encontrar aquilo que se
magia) para conjurar estas magias. Mesmo quer (ou pelo menos torná-la possível), cada bairro é
especializado em um tipo de comércio. Assim, o bairro
em caso de sucesso, o ato ainda é ilegal.
Mucro é famoso por suas armas, armaduras e equipa-
mento de aventura em geral. Numen é especializado
em produtos de origem animal ou vegetal, de ervas
• É proibida a conjuração de magias a animais e monstros vivos. Gal’mi negocia todos os
restritas. Aplica-se a todas as magias que causem tipos de golens e seus componentes, incluindo reparos
ferimentos ou que afetem a mente do alvo — para e aprimoramentos. Magus oferece itens mágicos,
impedir que conjuradores tenham vantagens ilícitas em produtos alquímicos e componentes materiais para
negociações. O porte ou comércio de itens contendo magias, enquanto Bara é especializado em cultura
tais magias não é proibido, mas requer autorização e entretenimento, com bardos, livreiros e tavernas.
especial emitida pela Milícia. Essa divisão não é rígida — há bazares e empórios de
Não existe prisão em Vectora. Crimes são todos os tipos em todos os bairros —, mas certamente
punidos com a apreensão dos bens do criminoso, será mais difícil adquirir uma armadura em Magus, ou
seguida de expulsão da cidade. Quando os criminosos encontrar uma casa de ópera em Mucro.
são aventureiros, costumam ser levados ao Castelo Antes situada no cruzamento entre as avenidas
Vectorius, onde o arquimago pode negociar que principais, a Praça do Conselho fica hoje em sua pró-
realizem alguma tarefa como pena. Um caso famoso é pria ilha. É onde está a Prefeitura, um impressionante
o do ex-pirata aéreo Frogon Celestia, capturado após palácio onde estão sediados o Conselho dos Seis e o
um ataque fracassado e convertido em aventureiro comando da Milícia. Operações de importância vital
de confiança de Vectorius. são realizadas aqui, como a administração do comércio,

Capítulo Um
168
a manutenção dos Campos de Levitação e Restrição Compras em Vectora
e a própria navegação da Vectora. Alguns setores são
abertos à visitação pública, oferecendo exposições Em termos de jogo, todos os itens e
permanentes sobre a história da cidade e relíquias de serviços presentes em Tormenta20, nos
lugares exóticos. No entanto, áreas mais restritas são capítulos “Equipamento” e “Recompensas”,
fortemente protegidas por meios mundanos e mágicos. estão disponíveis em Vectora por seus
Embora muitos pensem em Vectora como uma custos normais, incluindo versões com
utopia comercial, existe aqui o Submundo de Vectora. melhorias e/ou materiais especiais.
O nome é bastante literal: uma rede de cavernas e Porém, nem todos são mercadorias
túneis permeando a montanha, com entradas secretas em prateleiras de lojas comuns. Itens
em vários pontos da cidade. No passado teria sido mágicos, principalmente, são adquiridos
uma masmorra infestada de monstros — algumas como artigos de luxo, de colecionadores
de suas áreas ainda são assim. Hoje, abriga bazares ou mercadores especializados, e podem
sinistros onde tudo que é ilegal na superfície pode ser gerar grandes leilões. Regras padrão para
obtido, pelo preço certo. Por que Vectorius permite barganha (Diplomacia) se aplicam.
sua existência? “Para dar aos aventureiros o que fazer” Itens e serviços mundanos podem ser
teria afirmado certa vez… Alguns suspeitam de algo encontrados sem testes. Itens mais raros
mais sinistro. O feiticeiro sulfure Mider, nascido e exigem testes de Investigação:
criado em Vectora, ronda o Submundo e, segundo
• Armas de fogo e suas munições.
boatos, é líder de um culto sszzaazita.
CD 20.
Por fim, o fabuloso Castelo Vectorius domina a
ilha principal. Foi restaurando com a mesma técnica • Itens superiores (1 ou 2
kintsugi, tamanha a satisfação de Vectorius com o melhorias). CD 25.
resultado; suas torres altivas hoje ostentam grandes • Itens superiores (3 ou 4
rachaduras preenchidas com ouro. melhorias) ou itens mágicos
Embora seus poderes sejam impressionantes em menores. CD 30.
qualquer campo, Vectorius é o maior especialista em • Itens mágicos médios. CD 35.
magia elemental da terra na Criação, como comprova
• Itens mágicos maiores ou
sua capacidade de levitar uma montanha inteira. Esse
armas, armaduras e escudos
fato se reflete em sua morada: as amplas câmaras e
específicos. CD 40.
salões são povoados de estátuas, em todos os tama-
nhos, representando todas as pessoas e criaturas • Artefatos. CD 50. Embora artefatos
possíveis. Quem visita o castelo jura que superam a tipicamente não estejam à venda,
população de algumas cidades! Vectora já sediou negociações de
relíquias muito poderosas, em acordos
O castelo também abriga as habitações do Con-
secretos ou leilões privados — diz-se
selho dos Seis, além de trezentos criados, guardas
que Mestre Arsenal, quando ainda
e assistentes, tesouros incríveis e igual número de
mortal, visitava a cidade para obtê-los.
perigos. Não há ladino em Arton que não sonhou
saquear o lugar. Vários que tentaram, hoje, fazem O valor por uma única destas peças
parte do acervo de estátuas. atinge não menos de T$ 500.000,
podendo chegar a quantias que fariam
Com tantas salvaguardas, é raro que o Castelo falir um pequeno reino. Devido às
Vectorius ou seus ocupantes sejam perturbados. grandes somas e poderes envolvidos,
Dois incidentes são dignos de nota: um ataque da
a presença de um artefato na cidade
arquimaga élfica Nielendorane, que certa vez arrasou
costuma chamar atenção.
parte do castelo — prontamente restaurado momentos
depois; e uma malsucedida tentativa de assassinato Cada teste de Investigação demora
perpetrada por um malabarista hynne com delírios 1d4+1 horas. Em caso de falha, o item
de grandeza, que acreditava ser capaz de destruir não está disponível no momento (o
Vectorius com sua técnica de arremessar projéteis. O personagem não pode tentar novamente
pequeno fascínora foi chutado da cidade e seu atual na mesma aventura).
paradeiro é desconhecido.

O Reinado
169
CAPÍTULO 2
O
Reinado é o coração de Arton, o Sckharshantallas é outra terra que manteve sua
sonho da Caravana dos Exilados de identidade ancestral — porque toda ela vem de apenas
Lamnor e palco de eventos históricos uma figura. Sckhar, o Dragão-Rei do Fogo, considera
nos últimos séculos. Contudo, Arton que o reino é seu covil pessoal. Assim, tudo que está
é muito mais que o Reinado. Nas terras sem lei lá, incluindo o povo, é sua propriedade. Sckharshan-
tallas é povoado por humanos, mas a mentalidade
do decadente Império de Tauron, nos domínios
dracônica é dominante. Além do próprio rei, existem
macabros de Aslothia, nos picos gelados das
seus incontáveis filhos, meios-dragões que ocupam
Uivantes, nos quartéis odiosos da Supremacia
posições de poder em cada cidade e castelo.
Purista, um aventureiro que só conhece o Rei-
nado é visto como um mero aprendiz. A influência dracônica também é sentida nas
Uivantes, que já foi lar e tumba de Beluhga, a Dragoa-
Após dar os primeiros passos nos reinos onde -Rainha do Gelo. Uma terra fria e inclemente com sua
sempre se pode voltar a uma aldeia amigável, onde própria cultura e sua própria fauna, esta cordilheira
as autoridades estão do lado certo, onde inimigos se mostra mais letal que qualquer masmorra para
são a exceção e não a regra, um herói está pronto aqueles que chegam despreparados. Quando uma
para os verdadeiros desafios… Para desbravar as nevasca pode cegar instantaneamente e o chão fofo
terras além do Reinado. de neve impede movimentos rápidos, um aventureiro
experiente pode se ver mais indefeso que um plebeu.
Ainda Mais Humanos também não dominam as Sanguinárias,
diversos outra cadeia de montanhas que desafia os maiores
A civilização não existe apenas no Reinado, é heróis. Este é o território dos monstros, incluindo
claro. Na verdade, quando os refugiados de Lamnor versões gigantescas de criaturas que normalmente
chegaram a Arton Norte, encontraram diversas já seriam perigosas. As pequenas comunidades hu-
civilizações já bastante sólidas — da República de manas se preocupam em sobreviver ante a contínua
Tapista à tirania de Sckharshantallas ou às nações devastação das feras.
orgulhosas dos Ermos Púrpuras. Contudo, para a
maioria dos lamnorianos essas civilizações eram Ainda Mais
estranhas, coloridas, cheias de costumes inusitados
e tradições únicas.
Perigosos
E mesmo as terras humanas além do Reinado são
Em Lamnor, o povo vivia em aldeias e castelos. ameaçadoras.
Senhores de terras lideravam seus súditos e reis
batalhavam por orgulho e poder. Esses costumes Aslothia é o antigo reino de Portsmouth, uma
foram incorporados ao Reinado, embora tenham sido terra onde a magia era proibida e as companhias
mesclados às práticas dos povos nativos de Ramnor. mercenárias patrulhavam cada aldeia. Já tendo sido
Contudo, a maior parte das terras que hoje fica além parte de Bielefeld e se separado do reino numa san-
do Reinado manteve sua identidade mais próxima do grenta guerra civil, esta nação foi manipulada num
que era antes, sem interferência dos refugiados. Em estratagema secular da família nobre Asloth. Quando
muitos casos, sem interferência de humanos! chegou o momento certo, o Conde Ferren Asloth
realizou um ritual que sugou a vida da terra, ergueu
O Império de Tauron, um dos grandes poderes os mortos e afundou o reino numa escuridão lúgubre.
políticos do continente, tem costumes e história Tornou-se um poderoso Arquilich. Seu domínio foi
à parte dos reinos humanos. Seus habitantes, os rebatizado como Aslothia, o Reino dos Mortos.
minotauros, vivem segundo os dogmas do antigo
Deus da Força, numa sociedade guiada pelo lema Já as Ruínas de Tyrondir não têm mais governo,
de que “o forte deve proteger o fraco”. Essa crença pois foram devastadas com a queda dos fragmentos
se traduziu numa república (algo impensável para de um cometa. O que já foi um reino humano, parte
os lamnorianos!), então num império conquistador. integral do Reinado, hoje é uma desolação selvagem
Os minotauros tinham práticas escravistas e mesmo onde bandos disputam recursos escassos, onde aldeias
hoje, quando essa atrocidade foi abolida, em grande feitas de lixo resistem a saqueadores, onde heróis
parte se acham superiores ao resto dos povos. A fazem de tudo para sobreviver.
morte de Tauron foi um dos fatores que levou à quase Aqueles que talvez sejam os maiores vilões de
dissolução do Império e o caos resultante fez com que Arton também estão numa terra humana. Mais do que
muitos pequenos tiranos surgissem nas províncias. isso: são apenas humanos. São a Supremacia Purista.

Capítulo Dois
172
Ex-Membros do Reinado (guiado por um credo de que a de Shivara provocou o
medicina devia estar disponível afastamento e a dissolução de
Até pouco tempo atrás, o Reinado a aliados e inimigos) e Callistia seu antigo reino, Trebuck. E, em
ocupava quase todo o continente (provavelmente apenas para se meio a isso, Portsmouth se aliou
norte. Assim, as terras “além opor a seu rival Namalkah) se à Supremacia e se tornou o reino
do Reinado” já foram parte da uniram na Liga Independente. morto-vivo de Aslothia.
coalizão. Algumas guardam Mas a Liga não duraria —
Por fim, a presença de
simpatia pela antiga aliança. Sambúrdia deixou a coalizão
Sckharshantallas no Reinado
Outras buscam vingança por anos mais tarde, guiado por
sempre foi ainda mais incômoda
ofensas reais ou imaginárias. interesses econômicos, e acabou
e duvidosa até mesmo que a de
por engolir Nova Ghondriann
Tapista foi a primeira nação a se Tapista. Ninguém sabe por que
e Callistia, formando as atuais
desligar do Reinado. Isso não o Dragão-Rei um dia quis fazer
Repúblicas Livres. Salistick
chegou a ser surpreendente, parte da coalizão, mas muitos
se manteve verdadeiramente
já que os minotauros tinham suspeitam que fosse apenas mais
independente.
costumes muito diferentes dos uma maneira de brincar com as
povos humanos. Quando uma A tomada do Reino de vidas dos bípedes. Vários nobres
série de incidentes diplomáticos Yudennach e formação da consideram que o dragão oferece
levou às Guerras Táuricas, Supremacia Purista provocou menos perigo estando afastado da
Tapista anexou os reinos de as próximas saídas do Reinado.
política dos mortais.
O Reino de Yudennach era
Hershire, Petrynia, Fortuna, Muitos veem a união de todo
rival de Deheon e a família real
Lomatubar e Tollon, formando o o continente sob o estandarte
historicamente buscava o posto
Império de Tauron. do Reinado como uma época
de Reis-Imperadores. Contudo,
Durante as Guerras Táuricas, depois que seu rei foi banido dourada, uma utopia que deve
as insatisfações de três reinos e Shivara assumiu o trono, os ser reconquistada a qualquer
levaram ao seu desligamento puristas tomaram o poder. A custo. No entanto, nenhum
do Reinado. Nova Ghondriann instabilidade da guerra fez com dos ex-membros parece desejar
(quase ignorado pelo resto de que nações mais antigas que voltar à coalizão. Talvez
Arton e relegado a um papel o Reinado, como Khubar, se permaneçam, para sempre, terras
secundário na política), Salistick desligassem. O desaparecimento além do Reinado.

Uma ditadura guiada pelo ódio, extremamente Smokestone é uma cidade fora da lei, onde pisto-
militarizada e pregando o extermínio de todos os leiros duelam e pode-se comprar as melhores armas
povos não humanos, a Supremacia quase venceu a de fogo do mundo. Svalas é um pequeno reino cheio
Guerra Artoniana e hoje é um dos maiores desafios de tipos exóticos, muitos refugiados da Supremacia
para heróis aventureiros. Cruzar suas fronteiras Purista, onde a rainha recebe até mesmo aventureiros
significa tornar-se um vilão tão horrendo quanto iniciantes — pois eles podem salvar a nação inteira.
eles, lutar constantemente… ou morrer. As Repúblicas Livres de Sambúrdia são um vasto país
de príncipes mercadores, onde o comércio impera e
Ainda Mais qualquer um pode enriquecer.
Aventurescos E Nova Malpetrim é a capital dos aventureiros
Mas não existe só maldade além do Reinado. de Arton — fora do Reinado, uma cidade por onde
Fora das fronteiras da coalizão também se encontram passaram quase todas as grandes sagas, lar de figuras
algumas das maiores concentrações de aventureiros lendárias e ponto de partida de grandes expedições.
do mundo conhecido. São poucos os heróis artonianos que não beberam
em suas tavernas… e que não saíram da cidade com
Salistick, o Reino sem Deuses, é uma nação de
alguma história extraordinária.
céticos racionais e cientistas obstinados, que avançou
a medicina a ponto de rivalizar com os milagres dos Além do Reinado há desafios com que alguns
clérigos. O que é necessário, já que os salistienses podem apenas sonhar. Muitas aventuras começam
não acreditam em divindades e neste lugar a magia nestas terras… E muitas também terminam, com
divina não funciona! triunfo ou com tragédia.

Além do Reinado
173
Ilustração
Supremacia
Purista O EXÉRCITO COM UMA NAÇÃO

U
ma nação militarizada e movida por um Quando os antigos reinos de Svalas e Kor Kovith
único objetivo — o extermínio das raças se recusaram a servir aos Yudennach, foram invadidos
não humanas —, a Supremacia Purista e anexados. A conquista foi rápida e eficiente, pois
é um dos maiores flagelos de Arton. Larf havia incutido em seus soldados uma doutrina
Sob um governo totalitário, todos os recursos do de violência e crueldade sem igual. Essa ideologia se
espalhou pelo povo, que ao longo dos anos se tornou
país são voltados à expansão da sua máquina de
agressivo e militarista. No resto do Reinado, diziam
guerra, fazendo com que os territórios puristas
que os Yudennach não governavam uma nação com
sejam dominados por fortalezas, quartéis e
um exército, mas sim um exército com uma nação.
acampamentos militares. A marcha incessante
dos batalhões deixa o solo cinzento. A fuligem
das oficinas escurece os céus. Aqui, a própria
Golpes e conspirações
terra é agressiva, o próprio céu é opressor e Nos séculos seguintes, a família Yudennach se man-
teve como grande rival de Deheon, sempre cobiçando
não existem cidadãos… apenas soldados.
a liderança, sempre em busca de uma justificativa para
um ataque. A justificativa surgiu durante o governo do
História Príncipe Mitkov Yudennach. Um descendente de Larf
tão cruel quanto o próprio, mas sem sua genialidade,
A origem da Supremacia Purista remonta à Mitkov arquitetou uma trama para usurpar o trono do
chegada da casa nobre Yudennach ao continente Rei-Imperador Thormy. O plano envolveu uma série de
norte, junto da Caravana dos Exilados. Durante o manobras políticas destinadas a voltar os demais reinos
êxodo, o patriarca da família, Larf Yudennach, havia contra Deheon. Em meio ao estratagema, Shivara se
discordado de todas as decisões do líder Roramar viu forçada a um casamento de interesses com Mitkov.
Pruss, pelo simples motivo de que cobiçava a lide- Porém, o Príncipe subestimou o Rei-Imperador —
rança para si. Apesar de arrogante, era um orador Thormy estava ciente de tudo e, vencendo-o num
implacável e reuniu diversos seguidores a sua causa. duelo, derrubou-o do próprio trono. Pela primeira
Com a fundação de Deheon, Larf foi um dos vez, a família Yudennach perdia o controle de suas
aristocratas que formaram a corte do reino. Porém, terras, que passaram para Shivara.
quando percebeu que não conseguiria tomar o trono Shivara, que logo assumiu o trono do Reinado
para si, partiu com seu clã para formar sua própria — ironicamente conseguindo pela diplomacia o que
nação, na fronteira nordeste. Uma vez nas novas terras, seu ex-marido falhara em conseguir pela conspiração
o patriarca realizou acordos comerciais proveitosos, —, começou a trabalhar para mudar a mentalidade
alianças oportunistas e ataques traiçoeiros, que en- retrógrada do reino, revogando leis injustas e punindo
cheram os cofres de sua casa rapidamente. nobres tirânicos. Hermann Von Krauser, um militar

Além do Reinado
175
“Eu não sou como seu ex-marido. Mitkov e forçaram-no a assinar um armistício, que encerrou a
era um tolo com aspirações à monarquia. Ele Guerra Artoniana e iniciou uma época de paz.
esqueceu do mais importante: Larf Yudennach Porém, mesmo isso não pôs fim à ameaça da
não fundou uma nação; fundou um exército. Supremacia Purista. Dentro de seu território, soldados
Eu não sou rei, nem almejo ser. Sou o General ainda treinam, armas ainda são forjadas e, acima de
Supremo Hermann Von Krauser e, sob a minha tudo, Von Krauser ainda trama — afinal, um armistício
guarda, Arton será uma única hierarquia, nada mais é que uma suspensão das hostilidades.
comigo no topo e fileiras intermináveis abaixo. Um verdadeiro acordo de paz entre o Reinado e a
Será perfeito. Será limpo. Será eterno.” Supremacia Purista nunca foi firmado. E, se depender
— Hermann Von Krauser, para a Rainha-Im- do General Supremo, jamais será.
peratriz Shivara, logo antes de capturá-la e
declarar guerra ao Reinado
Geografia
O território purista é composto por vastidões
reformado e líder secreto dos puristas, percebeu nisso descampadas e esqueletos de bosques, agora só com
a possibilidade de um golpe de estado. Ordenou que os tocos de árvores. A terra é no geral cinzenta e a
seu segundo em comando, o Lorde General Vikras grande quantidade de oficinas de guerra não ajuda a
Klinsmann, reunisse nobres e oficiais ressentidos com tornar a paisagem melhor: expelindo fuligem dia e
os ideais progressistas da Rainha-Imperatriz e criasse o
noite, escurecem o horizonte e matam a já combalida
Estado Purista Independente, uma separação do Reino
vegetação natural.
de Yudennach. Ao fazer isso, atraiu a atenção de Shivara
que, ao viajar até lá para investigar, caiu em uma embos- Apesar de não ser fértil, o território da Supremacia
cada e foi capturada. Com a monarca fora do caminho, é vasto. Com as mudanças após a Guerra Artoniana,
Von Krauser enfim saiu das sombras — declarou-se as fronteiras atuais da Supremacia se estendem até
regente do reino, rebatizou-o como Supremacia Purista e pontos estratégicos. Em caso de um novo conflito, os
mudou o seu próprio cargo para o de General Supremo, batalhões poderiam marchar sobre diversos reinos.
um ditador vitalício com poderes absolutos.

A Guerra ao Reinado Povo & Costumes


e os tempos atuais A vasta maioria da população é formada por
humanos, fazendo da Supremacia uma das regiões
A primeira ação de Von Krauser como General
menos diversas de Arton. Isso não é à toa: histo-
Supremo foi declarar guerra ao Reinado. O conflito se
ricamente, o povo local sempre foi nacionalista e
alastrou por todo o continente e causou destruição e
intolerante com estrangeiros, especialmente de outras
morte em uma escala jamais vista, ficando conhecido
raças. Com a ascensão dos puristas ao poder, essa
por conta disso como Guerra Artoniana. Felizmente,
cultura se tornou radical. Hoje, não humanos são
após cinco anos de batalhas, um grupo de aventurei-
desprezados ou mesmo hostilizados — na melhor
ros formado pelo paladino Lothar Algherulff, pelo
das hipóteses, serão proibidos de comer em tavernas,
pirata Nargom, pelo bárbaro Klunc e pelo mago élfico
hospedar-se em estalagens ou mesmo conseguir
Aeripharian resgatou a Rainha-Imperatriz. Quando a
informações; na pior, serão atacados pela guarda
Supremacia Purista atacou a capital do Reinado, esses
local sob alguma acusação forjada ou exagerada.
mesmos heróis enfrentaram o General Supremo,
derrotaram-no As únicas raças não humanas encontradas na
Supremacia são goblins e golens. Os primeiros
geralmente trabalham como servos de casas nobres
ou operários em oficinas; em qualquer caso, são
tratados com desprezo e não possuem nenhum tipo
de direito civil — são animais, não cidadãos. Já
golens são fabricados pelo exército como armas de
guerra. São propriedade dos batalhões e deles se
exige obediência total. Um golem que mostre
qualquer tipo de autonomia ou pensamento
crítico será destruído a menos que fuja — são
máquinas, não cidadãos.

Capítulo Dois
176
Além do nacionalismo e da intolerância, o outro
traço cultural marcante da Supremacia é a belicosida-
de, que se apresenta de duas formas. Nas aldeias do
interior, a vida gira ao redor dos “salões de guerreiros”,
construções onde a comunidade se reúne e o chefe
da vila toma suas decisões. Os melhores guerreiros
da aldeia habitam esses salões (por isso o nome),
cumprindo as ordens do chefe, protegendo a terra
e partindo para saquear vilas de outros reinos ou da
própria Supremacia. O resto da comunidade trabalha
para sustentar os guerreiros do salão — os fazendeiros
cultivam sua comida, os ferreiros forjam suas armas…
Assim, a única forma de ascender socialmente é através
da capacidade marcial.
Já nas grandes cidades, o centro da sociedade são
os quartéis. Cidadãos são recrutados, recebem treina-
mento militar e começam a trabalhar ainda crianças.
A hierarquia é rígida e a disciplina é imposta sob pena
de punições físicas. Os membros do exército menos- Supremacia Purista
prezam os guerreiros do interior por serem rústicos e
indisciplinados. Já os guerreiros de salão consideram Nome Oficial: Sacro-Suprema
os soldados fracotes que dependem de formações e Hierarquia Purista.
ordens para lutar. Embora seja um militar, o General
Lema: “Pela Pureza de Arton”.
Supremo nunca fez nenhum movimento para mudar a
cultura das vilas — ele sabe que os salões e os quartéis Brasão: de vermelho um besante de
produzem tipos diferentes de combatente, cada um prata carregado de um leopardo de negro
com suas forças, e prefere ter ambos à disposição. lampassado do campo.

Tanto no interior quanto nas cidades, a Supre- Gentílico: purista.


macia é um lugar de leis rígidas e punições severas. Capital: Kannilar.
Nas aldeias, tradições arcaicas podem facilmente fazer
Forma de Governo: ditadura totalitária.
qualquer um ser espancado ou mesmo executado, e a
única defesa contra a palavra de um chefe é enfrentar Regente: General Supremo Hermann
e derrotar seus campeões. Na parte “civilizada” do Von Krauser.
reino, a situação é pior. Para impor a disciplina de População: 5.250.000.
que precisa para seus planos, Von Krauser instituiu
Raças Principais: humanos, goblins,
toques de recolher e orbes de vigilância por todos os golens.
cantos, e a menor das desobediências é respondida
com captura ou invasão domiciliar. Divindades Principais: Valkaria,
Arsenal, Tanna-Toh, Sszzaas.

Religião Estatal
A Supremacia possui uma religião oficial, coman-
dada pelo Templo da Pureza Divina. O Templo é
um caso raro em Arton: uma igreja baseada em dois isso, Aharadak, Hyninn, Khalmyr, Lin-Wu, Marah,
deuses, Valkaria e Arsenal, em vez de apenas um. Megalokk, Nimb, Sszzaas e Thwor são proibidos. A
pena para devoção a essas divindades é a morte.
O credo a outros deuses é desencorajado ou mesmo
proibido. Devotos de Azgher, Lena, Kallyadranoch, A igreja de Tanna-Toh é um caso à parte. Devido a
Oceano, Tenebra, Thyatis e Wynna podem exercer um antigo acordo secreto, conhecido apenas pelo re-
sua fé, mas precisam sempre portar algum tipo de gente da Supremacia Purista e pelo sumo-sacerdote da
identificação visível; caso contrário, serão conside- Deusa do Conhecimento, a nação permite abertamente
rados criminosos. A exceção são pequenos cultos de essa fé. Ainda assim, seus clérigos são atentamente
lavradores no interior, que rezam a Allihanna por boas vigiados por espiões para que não espalhem segredos
safras e são ignorados pelas autoridades. Enquanto táticos ou quaisquer assuntos de estado.

Além do Reinado
177
Governo Locais Importantes
O General Supremo governa a Supremacia de
forma autocrática, acumulando as funções de chefe
Kannilar (capital)
de estado, comandante do exército e líder absoluto Construída sobre um platô, um ponto elevado
dos puristas. Von Krauser é um veterano de incon- escolhido por sua vantagem estratégica de defesa,
Kannilar é uma metrópole protegida por muralhas
táveis conflitos que serviu em todas as patentes do
inclinadas de concreto repletas de canhões. Estradas
exército até atingir o posto de Lorde General — em
largas sobem a elevação até os grandes portões da
sua juventude, era costume que mesmo filhos da
cidade, onde filas de mercadores com suas carroças
aristocracia começassem servindo como recrutas,
aguardam para passar pela vistoria na entrada.
para vivenciar todos os aspectos da vida militar. Após
uma carreira impecável, aposentou-se e desapareceu Por dentro, Kannilar possui ruas pavimentadas
da vida pública, apenas para reaparecer, anos mais e sequer uma pedra parece estar fora de lugar. Um
tarde, como líder dos puristas, no centro de uma visitante tem a impressão de que tudo acabou de
conspiração que culminou com a Guerra Artoniana. ser construído e limpo; não há sujeira, esgotos ou
Mesmo não tendo sido vitorioso no conflito, o pessoas consideradas indesejáveis à vista. Mesmo as
General Supremo mantém controle total entre os feiras são organizadas, com cada tenda ocupando um
puristas — suas ordens são incontestáveis e suas espaço delimitado pela burocracia pública. Apesar
palavras estão acima da lei. disso, a cidade é fria e opressiva, com prédios enor-
mes e cinzentos bloqueando a visão. O povo vive
O líder purista é um homem de idade avançada, em edifícios quadrados e iguais, construídos lado a
fato visível em seus cabelos grisalhos e rosto magro lado, e as únicas construções que se destacam são as
e repleto de marcas. Antes da guerra, demonstrava públicas — especialmente a Fortaleza Dorkenrause.
energia inesgotável, mas desde o fim do conflito suas
Lar ancestral da família Yudennach e atual sede
aparições públicas têm sido raras. O motivo para isso
do governo da Supremacia, a Fortaleza é um prédio
seria um ferimento sofrido durante o cerco a Valkaria.
enorme, quadrado e negro, com escadarias e rampas
O golpe, infligido por Lothar Algherulff enquanto por-
altas, flanqueadas por estátuas gigantes de guerreiros
tava Carthalkan, a lendária Espada Cristalina, jamais
de todas as eras do reino, em pedestais com dez metros
teria curado. Especula-se que Von Krauser esteja em
de altura. As janelas são pequenas e gradeadas, mas
busca de uma combinação de magia necromântica, por dentro há cortinas de veludo vermelho, mobília de
experimentos alquímicos e engenhocas goblinoides madeira Tollon negra e lustres de cristal. É aqui, em
que o permitam lutar novamente. Se conseguir, um um gabinete repleto de encantos de proteção, que o
novo conflito em escala global talvez seja inevitável. General Supremo recebe oficiais de alto escalão, chefes
Abaixo do General Supremo vem a Cúpula guerreiros, os membros da Cúpula Purista e emissários
Purista, formada por um grupo seleto escolhido por estrangeiros. Porém, a maior parte do tempo ele passa
Von Krauser. Os membros da Cúpula recebem suas sozinho, lendo livros sobre batalhas do passado e
ordens diretamente do General Supremo e raramente analisando mapas do presente, ponderando sobre
se reúnem ou falam entre si. Abaixo da Cúpula sua próxima jogada no tabuleiro da guerra por Arton.
está o exército purista. Como esperado, oficiais do
exército têm autoridade sobre todos os militares de
menor patente — e, na Supremacia, isso inclui todo
Warton
Esta cidade abriga o maior centro de treinamento
o povo. Cidadãos da Supremacia são automaticamente purista, razão pela qual é chamada de “O Quartel”.
considerados recrutas do exército e, portanto, estão Ainda mais do que no resto da Supremacia, aqui prati-
dentro da hierarquia militar. A exceção são os chefes camente toda a população está ligada aos militares, seja
das vilas, que não respondem aos oficiais, obedecendo servindo nos batalhões, seja trabalhando em alguma
apenas à Cúpula Purista e ao General Supremo. função de apoio, como armeiros ou curandeiros. Não
As instituições funcionam de forma eficiente. As é à toa que foi nesta cidade que os puristas se revela-
leis são rígidas e elaboradas de maneira precisa. Além ram ao mundo, ainda sob o nome de Estado Purista
disso, o povo da Supremacia é fanaticamente leal a Von Independente e sob comando público de Klinsmann.
Krauser; casos de insubordinação são raros e, quando Warton fica localizada perto da Garganta do
acontecem, são punidos sumariamente. O General Troll, sendo a cidade da Supremacia mais próxima
Supremo comanda seu governo como comanda seus de Deheon. Essa localização é proposital, permitindo
batalhões — de forma firme, brutal e eficaz. que o General Supremo mantenha a maior parte

Capítulo Dois
178
de seu contingente sempre perto do reino inimigo. “Foi a humanidade a raça criada pela Deusa da
Apenas o próprio abismo impede que os batalhões Ambição. Foi a humanidade a raça criada para
marchem sobre o Reinado… Mas rumores dizem superar todas as outras. Nós apenas seguimos
que os puristas estão trabalhando em um tipo de os desejos de Valkaria. E, para isso, usamos as
ponte gigantesca que permitiria que seus soldados armas de Arsenal.”
cruzassem a Garganta e avançassem sobre Deheon. — General Supremo Hermann Von Krauser
O foco militarista de Warton também se manifesta
de algumas formas curiosas. Esta é a única cidade
da Supremacia que abriga um número significativo
de dissidentes da ideologia purista — pois existem
O General Supremo,
aqueles que acreditam nos ideais militares, mas não flagelo da liberdade e das
na doutrina de ódio. O soldado Diago Hammer vem raças não humanas, em seu
tentando encontrar outros que, assim como ele, dis- veículo mecanomágico
cordam da intolerância da Supremacia. Contudo, além
de muito arriscada, a atividade o coloca num dilema:
obedecer a seus superiores ou a seus valores morais?

Gallienn
A terceira maior cidade da Supremacia (após
Kannilar e War-
ton), Gallienn
abriga a Cate-
dral da Pureza, a
sede do Templo da
Pureza Divina, o que
atrai milhares de fiéis e
soldados todos os anos. Esta
é também a cidade mais próxi-
ma da famosa Caverna do Saber, onde
se encontra o Helladarion, o artefato su-
mo-sacerdote de Tanna-Toh.
Antes da ascensão purista, a catedral era
uma igreja de Keenn, o anti-
go Deus da Guerra. A igreja
fora construída em Gallienn
justamente pela proximidade com
a Caverna do Saber, para que os cléri-
gos da guerra pudessem servir de olhos do
regente e como uma ameaça velada aos devotos de
Tanna-Toh. Embora a fé seguida pelos clérigos te-
nha mudado, eles continuam tendo a missão de
dificultar a chegada até o Helladarion.
Quando ainda era um humano, Mes-
tre Arsenal era considerado um herói em
Gallienn. Diversos torneios e exe-
cuções públicas eram realizados
em sua honra e ele prestigiava
muitos deles em pessoa. Des-
de que Arsenal tomou o lu-
gar de Keenn como Deus da
Guerra, a adoração do povo lo-
cal por ele apenas aumentou.

Além do Reinado
179
O bardo e paladino da Deusa do Conhecimento As montanhas também foram usadas como
Rehdra Aefirst vive clandestinamente aqui, com esconderijo por guerrilheiros kovith que lutaram
a missão autoimposta de ajudar aventureiros que contra a dominação de seu reino séculos atrás. No
buscam a Caverna do Saber. Contudo, a presença de entanto, os soldados bem treinados da Casa Yudennach
um “agitador” já chegou aos ouvidos das autoridades conseguiram encontrar e praticamente eliminar essa
e seus dias podem estar contados… resistência. As antigas cavernas dos rebeldes ainda
existem e podem servir de abrigo para viajantes e
Oficina Gavanir aventureiros, mas não sem risco, pois algumas das
grutas hoje abrigam covis de criaturas. Ainda existem
Gavanir era uma cidade pequena, distinta apenas pequenos focos de guerrilha. A arqueira Liudmyla
por possuir a maior concentração de goblins do Zhaich’sev é uma das poucas que mantêm o legado
reino — cerca de três para cada humano. A origem de rebeldia de seus antepassados. Mas, com escassos
disso reside no fato de Gavanir ter sido fundada companheiros e recursos quase nulos, há pouco que
perto do lar de várias tribos goblins. Muitos dos consiga fazer. Além disso, ela é uma lefou e poderia en-
humanoides foram exterminados durante a fundação frentar ódio e preconceito mesmo fora da Supremacia…
da cidade, mas outros foram capturados e seus
descendentes mantiveram a população goblinoide
elevada… com a diferença que não eram mais um Vale do Baixo Iörvaen
povo livre, mas operários mantidos em um regime Iörvaen é o rio que serve, em grande parte de sua
de trabalho forçado. extensão, como divisa entre a Supremacia e Zakharov.
Após tomarem o poder, os puristas aproveitaram Quando se afasta da fronteira, o rio desce através de
essa peculiaridade local para converter a cidade em uma cachoeira e forma um belo vale — uma das poucas
uma gigantesca oficina de guerra. Todos os habitantes regiões férteis do país. Aqui há muitas fazendas e
que não tinham algum ofício relevante (como ferreiros plantações, cujas colheitas alimentam as cidades da
e alquimistas) foram expulsos; da mesma forma, arte- Supremacia. Por sua importância estratégica, a região
sãos e engenheiros de outras cidades foram trazidos é constantemente patrulhada por batalhões puristas.
para cá. Os prédios foram convertidos em usinas, No Vale foi travada uma das principais batalhas da
fábricas e armazéns. E as multidões de goblins foram Guerra Artoniana, ainda no início do conflito. Perceben-
aproveitadas como mão de obra barata e dispensável. do uma oportunidade, tropas de Deheon e cavaleiros de
Hoje, a cidade rebatizada como Oficina Gavanir Bielefeld avançaram unidos para desmantelar as forças
fabrica todos os tipos de armas, de espadas a canhões puristas. Porém, tudo não passou de uma manobra
e colossos. Os céus são sempre escuros de fuligem e do General Supremo, que atraiu os inimigos para
a terra, sempre embarrada pela passagem incessante lutar em seu território, onde com o conhecimento do
de caravanas. O tráfego nas imediações da Oficina é terreno era praticamente invencível. A batalha foi um
intenso, com vagões trazendo ferro, pólvora e outros desastre para a Aliança do Reinado e os combatentes
insumos e levando aquilo que a Supremacia mais de Deheon e Bielefeld foram massacrados. Até hoje
produz — instrumentos de morte. Em laboratórios há relíquias desses combatentes perdidas aqui, assim
secretos, invenções terríveis são desenvolvidas. Des- como fantasmas amargurados vagando pelos campos.
sas, uma das piores é a pesquisa do Doutor Marek
Dralav, que busca criar um soldado perfeito a partir As Charnecas
de uma mistura de humanos e golens, e tem usado Ao norte da Oficina Gavanir existe um grande
como cobaias aldeões capturados de outros reinos. pântano conhecido como “as Charnecas”. Esse terreno
traiçoeiro contém muitas poças de lama e areia move-
Monte Kovith diça, e muitos viajantes incautos já morreram afogados
No centro do território que foi o reino de Kor aqui. Apesar disso, as Charnecas são movimentadas,
Kovith há uma região montanhosa que forma o pois são um fornecedor de piche e outros insumos
ponto mais elevado da Supremacia. O mais alto cruciais para as usinas e fábricas da Oficina.
dos picos, com mais de três quilômetros de altitude, Alguns goblins que conseguiram fugir do trabalho
é o Monte Kovith. Embora não seja tão alto quanto forçado em Gavanir se refugiaram nas profundezas das
as Uivantes ou as Sanguinárias, o Monte Kovith é Charnecas e formaram uma tribo. Eles podem ajudar
íngreme e difícil de escalar. Na Supremacia, diz-se aventureiros que estejam lutando contra os puristas…
“é como escalar o Kovith” quando se fala de uma Ou atacá-los, acreditando que os forasteiros são tão
tarefa quase impossível. cruéis quanto os soldados dos batalhões.

Capítulo Dois
180
A Prisão Hardof Aventureiros novatos tendem a acreditar que a
solução de qualquer problema pode ser facilmente
Esta torre foi construída para ser inexpugnável, alcançada, bastando para isso visitar a caverna e
mas não contra invasores externos. Hardof é uma perguntar ao artefato. De fato, a Caverna do Saber não
prisão, a pior da Supremacia, para onde são enviados tem guardas e os clérigos de Tanna-Toh são proibidos
cidadãos que se ergueram contra o regime ditatorial de esconder qualquer informação. No entanto, ao
ou forasteiros capturados. Apenas prisioneiros im- contrário do que dizem as histórias, o Helladarion
portantes, que os puristas julgam possuir algum valor não sabe tudo; ele apenas possui o conhecimento
— seja como moeda de troca, seja por conhecerem acumulado de todos os devotos da Deusa do Conhe-
informações úteis — são mantidos aqui. cimento já falecidos. Portanto, há muitos mistérios
A propaganda purista diz que ninguém nunca cuja verdade nem mesmo ele conhece.
conseguiu fugir de Hardof, mas isso não é verdade. Outro obstáculo para aqueles que buscam
Anos atrás, dois prisioneiros — Ledd, um guerreiro, respostas fáceis é o governo purista, que restringe
e Ripp, um arcanista da Ordem do Vazio — uniram o acesso à Caverna. Patrulhas percorrem as vizinhan-
forças para escapar, mais tarde testemunhando o ças da Caverna, detendo e interrogando quaisquer
surgimento do exército purista e se envolvendo em viajantes sobre suas intenções, e forjando leis ou
eventos de graves consequências. Desde então, o lugar acusações falsas para tirá-los do caminho. Essas
foi reforçado: além de carcereiros cruéis, rumores patrulhas são quase sempre lideradas por clérigos
falam sobre monstros e demônios trabalhando nos do Templo da Pureza Divina.
corredores escuros da Prisão Hardof.
Os sacerdotes vivem acuados na Caverna, cercados
pela animosidade dos soldados. No entanto, o General
A Caverna do Saber Supremo nunca atacou diretamente o Helladarion,
Próxima à cidade de Gallienn fica a notória Caverna nem cercou completamente a caverna. Isso se deve
do Saber. Este local se tornou conhecido, especialmente a um acordo ancestral feito pelos antigos regentes
entre aventureiros, por abrigar o Helladarion, um Yudennach e o próprio sumo-sacerdote. Os termos
artefato inteligente que também é o sumo-sacerdote desse acordo são um mistério, assim como o motivo
de Tanna-Toh, a Deusa do Conhecimento. pelo qual Von Krauser escolheu respeitá-lo.

Além do Reinado
181
Guildas & O Sargento-Mor Irvan Zogarov é uma arma de
guerra em forma de homem. Com rosto coberto de
Organizações cicatrizes, é um veterano dos batalhões que se recusou
a ser promovido a qualquer posto acima de sargen-
to-mor para continuar lutando no front. Especula-se
Cúpula Purista que Zogarov não seja completamente humano: após
Este grupo seleto conta com apenas sete membros sofrer ferimentos graves em batalha, partes de seu
— o Lorde General Klinsmann, o Sargento-Mor Zogarov, corpo teriam sido substituídas por engenhocas, fazendo
o chefe guerreiro Thurghar Carrasco de Cavaleiros, dele um tipo experimental de meio-golem.
a Sumo-Purificadora Krazden, o Reitor-Comandante Rival de Zogarov pelo posto de maior guerreiro
Dragomyr, a Dama Comandante Lady Mievna e a mis- da Supremacia, Thurghar Carrasco de Cavaleiros
teriosa Tempestade Branca. Todos foram escolhidos é um chefe de salão com força e fúria descomunais
pessoalmente pelo General Supremo para atuar como — e, como o sargento-mor, está na Cúpula para que
conselheiros e agentes de elite, e possuem autoridade Von Krauser tenha os combatentes mais poderosos
plena dentro da Supremacia. Mesmo que não tivessem da nação sob seu comando direto. Thurghar é uma
poder legal, seriam obedecidos pelo puro medo que montanha em forma de homem e ganhou sua alcunha
incutem — tão famosos quanto temidos, os integrantes após uma batalha da Guerra Artoniana na qual matou
da Cúpula estão entre os piores vilões de Arton. pessoalmente mais de cem cavaleiros de Bielefeld.
Um gênio militar e um dos melhores estrategistas A Sumo-Purificadora Izanna Krazden, líder
de Arton, o Lorde General Vikras Klinsmann foi o do Templo da Pureza Divina, é a conselheira de Von
primeiro líder público dos puristas, antes de Von Krau- Krauser para assuntos divinos. É uma mulher de meia
ser se revelar ao mundo, e é o segundo em comando idade, com os cabelos loiros quase brancos, mas ainda
do exército, atrás apenas do General Supremo. Com enérgica. Sua expressão severa combina com suas
seus óculos e cabelos loiros bem alinhados, parece vestimentas — ela está sempre de armadura completa
ser um homem calmo, mas quando seus planos não e com os mantos e estolas de sua posição eclesiástica.
funcionam é tomado por surtos de raiva descontrolada. Já o conselheiro para assuntos arcanos é o Reitor-
Klinsmann foi capturado por heróis durante a Guerra -Comandante Rasvan Dragomyr, o líder da Ordem
Artoniana, mas libertado durante uma troca de reféns. Magibélica. Alto e sempre vestido em trajes formais, é
Desde então, nutre um ódio profundo por aventureiros um temido mago militar conhecido por ter incendiado,
e despacha soldados para exterminar grupos dentro e eletrocutado e desintegrado tanto inimigos quanto
fora das fronteiras da Supremacia. subordinados que falharam em cumprir suas ordens.

A maldade mais pura, destilada


na forma da Cúpula Purista

Capítulo Dois
182
A Dama Comandante Lady Mievna Yudennach é O Exército Purista
a líder da Ordem do Leopardo Sangrento. Descendente
do lendário Larf Yudennach, é tão competente quanto O livro Ameaças de Arton traz informações
seu ancestral, mas ainda mais cruel. Com porte altivo, completas sobre o exército purista,
rosto quadrado e cabelos negros sempre presos em incluindo sua hierarquia e patentes —
um coque perfeitamente alinhado, Lady Mievna é uma além de fichas para diversos de seus
pintura da aristocracia purista. Formada com distinção soldados e oficiais.
na Ordem Magibélica, a Dama Comandante serviu no
exército até o posto de coronel, sendo um prodígio
tanto como arcanista quanto como guerreira. Sua Embora continue exercendo a guarda dos líderes
ascensão à liderança do Leopardo Sangrento foi um puristas, o Leopardo Sangrento expandiu sua área
passo natural em sua jornada exemplar de maldade. de atuação. Hoje, a ordem possui desde pequenos
Por fim, há a líder do Círculo Branco — uma figura grupos de elite, que executam missões estratégicas
enigmática, conhecida apenas como Tempestade de sabotagem e assassinato, a batalhões inteiros, que
Branca. Pelo porte físico e pelo cajado que carrega lutam ao lado do exército. Entretanto, a principal
supõe-se tratar de uma arcanista, mas ninguém jamais função do Leopardo Sangrento é espalhar e manter a
viu seu rosto por baixo da máscara branca. A mando doutrina purista. Para isso, acompanham o exército
de Von Krauser, Tempestade Branca já participou de e, a cada vila, cidade ou reino invadido, tomam para
algumas batalhas, nas quais demonstrou poderes si a missão de caçar e exterminar os não humanos
mágicos que rivalizam com os dos maiores arqui- locais. Fazem disso um esporte macabro. Para um
magos de Arton. Muito especula-se sobre como ela cavaleiro do Leopardo Sangrento, não basta matar
teria conseguido tais poderes. não humanos — é preciso fazer isso de forma pública
e visceral, para espalhar a mensagem de suprema-
cia humana. Por isso, não é de se espantar que os
Ordem do membros da ordem, e a visão de suas capas negras e
Leopardo Sangrento vermelhas, tenham se tornado extremamente temidos
Quando os puristas dominaram o Reino de Yu- por todos os não humanos.
dennach, praticamente todos os cidadãos se tornaram Mas não são apenas os não humanos que temem
membros da facção, seja voluntariamente, seja após o Leopardo Sangrento.
sofrer lavagem cerebral. Os poucos que evitaram essa
Tamanho é o fanatismo dos cavaleiros que, para
conversão tiveram que fugir do reino ou foram mortos.
eles, não basta ser humano; é preciso ser ativamente
Hoje, “cidadão da Supremacia” é um sinônimo para
um purista. Os membros da ordem fiscalizam os
“purista”. Porém, existem aqueles ainda mais devotados
próprios cidadãos da Supremacia para garantir que
à doutrina da facção. Considerados “puristas entre os
estejam seguindo a doutrina da facção e as ordens do
puristas”, estes são os cavaleiros do Leopardo Sangrento.
General Supremo e, principalmente, que não tenham
A ordem surgiu anos atrás como uma guarda de nenhum tipo de contato amigável com não humanos.
honra dos líderes puristas. Apenas os mais fanáticos Para um membro do Leopardo Sangrento, ajudar um
e mais fortes eram aceitos, e pertencer à guarda era não humano é um crime tão grave quanto ser um — e
uma distinção honrosa. Com a ascensão dos puristas, ambos são punidos com a morte.
o Leopardo Sangrento também se expandiu. De apenas
A ordem possui hierarquia própria. Embora aja em
uma guarda, passou a ser uma ordem de cavalaria
conjunto com o exército em diversas missões e siga a
completa. Hoje, possui seus próprios ritos de iniciação
fé do Templo da Pureza Divina, não faz parte nem de
e cadeia de comando; seus próprios recrutas e líderes.
um, nem de outro. Cavaleiros do Leopardo Sangrento
Apenas aqueles nascidos na Supremacia podem se obedecem apenas aos líderes da ordem, e os líderes
tornar cavaleiros do Leopardo Sangrento. O candidato da ordem obedecem apenas ao General Supremo.
deve demonstrar dedicação extrema aos dogmas pu- Entretanto, pertencer ao Leopardo Sangrento não é
ristas e grande competência em seu campo de atuação. necessariamente uma “ocupação de tempo integral” e
Caso seja aprovado pelos líderes da ordem, passa por os cavaleiros também podem ser membros do exército,
um rito de iniciação terrível, presidido por um clérigo do Templo ou mesmo da Ordem Magibélica. Um
do Templo da Pureza Divina, no qual sacrifica um não cavaleiro do Leopardo Sangrento possui autoridade
humano. Após essa cerimônia, recebe uma capa negra sobre outros puristas. Por mais importante que seja,
com o emblema da ordem (um leopardo coberto de qualquer purista que não pertença à ordem medirá
sangue) e se torna oficialmente um membro. suas palavras ao falar com um cavaleiro.

Além do Reinado
183
Templo da Pureza Divina chegaram a um consenso sobre isso. Mas em uma
coisa todos concordam: ambição e guerra são uma
A história do Templo está entrelaçada com a histó- combinação extremamente perigosa.
ria dos puristas. No início, os puristas eram uma seita
de humanos que caçavam membros de outras raças.
Eram perigosos para não humanos que cruzassem a Ordem Magibélica
fronteira do reino, mas pouco relevantes no panorama A origem desta organização remonta a um antigo
mundial. Isso mudou quando um líder purista teve o batalhão formado exclusivamente por arcanistas da
que pensou ser uma revelação divina: os humanos eram Casa Yudennach. Ao longo dos anos, essa tropa de elite
a raça escolhida pelos deuses. provou seu valor em diversos conflitos, despejando
Esse líder compartilhou sua descoberta com outros fogo, gelo e raios sobre os inimigos do reino. Quando
membros da seita, nenhum dos quais se preocupou em a Academia Arcana foi criada em Deheon, o regente
confirmar a veracidade da “revelação”. Pelo contrário, Yudennach decidiu que suas terras deveriam ter seu
o discurso de que os humanos eram naturalmente su- próprio centro de estudos mágicos e ampliou as
periores aos membros de outras raças foi rapidamente atribuições do batalhão. Assim, foi fundada a Ordem
aceito e logo uma religião se formou ao redor dessa Magibélica, uma universidade mágica focada em
ideia. Subitamente, os puristas tinham um propósito arcanistas de combate, com os membros do batalhão
em seu fanatismo, um objetivo para o qual canalizar original atuando como professores.
sua raiva. Não mais matariam membros de outras Hoje, a Ordem é uma das instituições mais im-
raças apenas para satisfazer seu ódio — o fariam para portantes e exclusivas da Supremacia. Os candidatos,
cumprir seu papel perante os deuses. cidadãos recrutados diretamente pelos professores ou
Impulsionados por essa nova fé, os puristas se indicados pela Cúpula Purista (ou mesmo por Von
tornaram mais ambiciosos. Agora, cumprindo um Krauser em pessoa), precisam demonstrar excelência
dever divino, precisariam fazer mais do que caçar em testes de aptidão física e mental. Se aprovados,
não humanos incautos que ousassem pisar em seu ingressam no treinamento básico, chamado Formação
território. Precisariam “purificar” todo o mundo de Magibélica Fundamental, que dura dois anos e abrange
Arton. A partir desse entendimento, o grupo começou a estudos arcanos e treinamento de luta, tática e liderança.
se infiltrar na política local até se tornar uma verdadeira Concluído esse período, os alunos passam por provas
facção e, por fim, dominar o reino. práticas letais. Os que sobrevivem são alocados em um
dos braços da Ordem: a Tradição Magimilitar, focada
Após o golpe de estado, o Templo da Pureza
em magias de destruição em massa, ou a Tradição da
Divina foi oficialmente instituído. Ele possui dois
Lâmina Arcana, cujos alunos aprendem a conjurar e
dogmas básicos: primeiro, que os humanos são a raça
lutar com armas de pura energia mágica. Após mais
escolhida. Segundo, que os não humanos devem ser
dois anos, os alunos se formam com a patente de
exterminados. O primeiro dogma se baseia no fato
capitão-luminar no exército purista (equivalente a
de que os humanos foram criados por Valkaria para
capitão-baluarte) e estão prontos para despejar morte
superar os próprios deuses. O segundo deriva do
mágica sobre os inimigos da Supremacia.
primeiro: se os humanos são os escolhidos, as outras
raças apenas “sujam” o mundo com a sua inferioridade,
atrapalhando o caminho da evolução humana. Por Os Clãs Caçadores
conta desses dois dogmas, os membros do Templo são Antes de ser uma facção com propósitos políticos,
devotos tanto de Valkaria quanto de Arsenal. os puristas eram um grupo de caçadores de não huma-
A religião usa a iconografia dos dois deuses em nos. Nessa época, havia apenas dois requisitos para
seus símbolos sagrados, vestes e construções. Apre- ser um purista: ter nascido no Reino de Yudennach
sentam as divindades tanto separadamente quanto em e odiar membros de outras raças. Como o ódio pode
conjunto, com os dois lutando lado a lado ou o Deus florescer em qualquer coração, havia puristas em
da Guerra atuando como soldado sob as ordens da toda a sociedade: adultos e crianças, soldados e civis,
Deusa da Ambição. Em casos mais raros, apresentam nobres e plebeus. À noite, eles se reuniam nos porões
os dois mesclados, com a figura divina de Valkaria de suas casas ou em bosques escuros e saíam para
empunhando as armas de Arsenal. caçar não humanos. Pela manhã, após cometerem
Como isso tudo é muito recente, ainda há muitas suas atrocidades, despediam-se uns dos outros e
dúvidas sobre essa religião. A principal é: como Valka- retomavam suas vidas comuns.
ria, uma deusa bondosa, poderia abençoar devotos Quando os puristas deixaram de ser uma orga-
claramente cruéis? Estudiosos eclesiásticos ainda não nização secreta e se tornaram uma facção política,

Capítulo Dois
184
suas ações passaram a ir muito além de organizar Quanto aos objetivos de Tempestade Branca, são
caçadas noturnas. Mas velhos hábitos não morrem com tão obscuros quanto ela mesma. Alguns dizem que
facilidade. Os clãs caçadores são grupos que mantêm ela busca reunir um conjunto de artefatos com os
vivas as tradições originais dos puristas e ainda partem quais teria poderes inimagináveis. Outros, que quer
em caçadas, mesmo que dentro da Supremacia suas trazer de volta à vida Larf Yudennach, de quem teria
atrocidades não sejam mais ilegais. Como hoje há sido conselheira ou mesmo amante. Por fim, não são
pouquíssimos não humanos na Supremacia, alguns poucos os que sustentam que o único propósito de
clãs começaram a caçar em outros reinos. Outros, Tempestade Branca é causar tanto sofrimento a ponto
mais covardes, não saem das fronteiras. Para saciar de matar o próprio mundo de Arton.
seu sadismo, caçam humanos e justificam suas ações
dizendo que perseguem apenas simpatizantes de outras
raças, pessoas que “sujam os ideais puristas”. Aventuras
Recentemente, um fenômeno misterioso tem acon-
A Supremacia Purista é um dos lugares mais
tecido. Alguns membros dos clãs têm sofrido mutações
perigosos de Arton. A mera entrada no reino é difícil
à noite, adquirindo garras, escamas, presas, caudas
— entrar escondido exige passar por patrulhas de
e outras partes monstruosas. Talvez, por estarem se
soldados e torres de vigia; entrar abertamente exigiria
comportando como predadores, estejam ganhando
um visto de mercador ou diplomata e mesmo assim
uma bênção de Megalokk, o Deus dos Monstros.
ser revistado e passar por interrogatórios. Uma vez
Embora isso possa fazer com que sejam mortos por
dentro, as dificuldades só aumentam. Forasteiros são
outros puristas, também os torna mais perigosos para
quaisquer inocentes em seu caminho. observados por todos e, caso tomem qualquer atitude
suspeita, serão delatados para as autoridades. Se forem
não humanos, a situação será ainda pior — pessoas
O Círculo Branco de outras raças são automaticamente consideradas
Esta pequena e sigilosa organização é formada criminosas e podem ser presas ou mesmo executadas
exclusivamente por poderosos conjuradores puristas. a qualquer momento.
Seus membros vêm de diversos antecedentes: profes-
Infelizmente, há diversos motivos pelos quais um
sores da Ordem Magibélica, purificadores do Templo
grupo de aventureiros precisaria entrar na Supremacia.
da Pureza Divina e até mesmo bruxos conselheiros de
Roubar planos militares de invasão, resgatar prisio-
salão. Porém, ao ingressar no Círculo Branco, todos
neiros e investigar novas armas de guerra são apenas
passam por um ritual no qual abandonam quaisquer
alguns dos motivos que fariam um regente do Reinado
votos que possuíssem antes, juram fidelidade eterna
contratar heróis para essa perigosa missão. Os próprios
à figura misteriosa que lidera a organização — a ar-
aventureiros podem enfrentar esse desafio por conta
canista Tempestade Branca — e, por fim, aprendem
a canalizar seu ódio para gerar efeitos tão espantosos própria, especialmente para visitar a Caverna do Saber
quanto nefastos. Um membro do Círculo Branco pode em busca da resposta para um mistério.
sugar a alma de uma pessoa pelos olhos, derreter a É claro, o contrário também acontece: assim como
pele de um inocente como se fosse cera quente e estrangeiros podem entrar na Supremacia, os puristas
torcer os ossos de uma vítima para que perfurem podem sair dela. Muitas aventuras envolvendo os
seus próprios órgãos internos. puristas podem ocorrer fora das fronteiras da nação.
São essas capacidades que levam conjuradores até Aventureiros podem ser chamados para proteger uma
a organização. O que os iniciados não sabem é que tais aldeia indefesa de uma incursão militar ou de bandos
poderes têm um preço. O ódio que um membro do guerreiros, mas esse não é o único risco. Puristas
Círculo acumula é tamanho que, aos poucos, corrói e estão sempre atrás de novas armas, e heróis podem
drena sua energia vital. Os conjuradores mais antigos se ver em uma corrida contra agentes da Supremacia
da organização possuem corpos putrefatos, motivo por poderosos artefatos. Nesses casos, ainda há o
pelo qual usam máscaras brancas que cobrem seus perigo adicional dos guardiões dos itens, que podem
rostos completamente. Soldados puristas que já viram não notar a diferença entre os grupos de “intrusos”.
um membro do Círculo se perguntam como eles con- Em especial, os conjuradores do Círculo Branco são
seguem enxergar com essas vestes. A resposta é que muitas vezes enviados para roubar itens ou seques-
esses conjuradores sequer possuem olhos, percebendo trar pessoas específicas, para propósitos que apenas
o mundo apenas através de seus poderes místicos. No Tempestade Branca conhece. Impedir os planos de um
fim, os votos de fidelidade eterna a Tempestade Branca desses conjuradores é tarefa apenas para os heróis
eram mais literais do que eles supunham. mais competentes — e corajosos.

Além do Reinado
185
Conflagração
do
Aço
C
lérigos de Marah dizem que a guerra Quando o armistício foi assinado, os puristas recuaram
nunca muda. Que reis e generais mar- para suas fronteiras — que, na visão deles, incluíam
cham acreditando estar cumprindo um as regiões tomadas do Reino dos Cavaleiros.
dever nobre, quando na verdade estão Os nobres de Bielefeld, naturalmente, não concor-
apenas alimentando seu orgulho. Os devotos daram com isso. Trajaram suas armaduras, montaram
da Deusa da Paz provavelmente estão certos… em seus cavalos e convocaram seus poucos súditos
ainda em condições de lutar para retomar suas terras
Mas nem mesmo eles poderiam imaginar um
ancestrais. Porém, quando as hostilidades estavam
lugar como a Conflagração do Aço. Nessa terra prestes a recomeçar, a política interveio.
cinzenta, a guerra não só nunca muda — aqui,
ela nunca acaba. Um novo tratado…
A Conflagração é um fruto amargo da Guerra O Pequeno Conselho de Deheon não tinha in-
Artoniana. Nos primeiros anos do conflito, a Supre- teresse na continuidade da guerra. Os aristocratas
macia avançou sobre Bielefeld e conquistou territórios. não concordavam com o que a Supremacia havia

Capítulo Dois
186
feito — mais uma vez, aumentara seu território à aqueles que falavam sobre honra ou dever, mas al-
custa dos vizinhos —, mas achavam que o custo de mejavam apenas cobrar impostos dos poucos plebeus
uma nova campanha militar seria alto demais. Mesmo que ainda habitavam a região.
sem a liderança do General Supremo, os puristas ainda A essa altura, o General Supremo já estava de
possuíam um exército poderoso, enquanto os cavalei- volta à liderança do Exército com uma Nação. Von
ros estavam enfraquecidos após anos servindo como o Krauser sabia que, se enviasse todo seu poderio,
escudo do Reinado. Para piorar, o único prêmio seriam forçaria uma resposta da coroa de Bielefeld e do resto
terras em ruínas, que nos últimos anos haviam sido do Reinado — mas, assim como o Pequeno Conselho
saqueadas, pisoteadas e queimadas inúmeras vezes. de Deheon, não queria uma guerra agora, pois preferia
Assim, em resposta ao escalonamento da tensão na esperar até estar pronto para esmagar o Reinado com
fronteira de Bielefeld com a Supremacia, o Pequeno um único golpe certeiro. Porém, tampouco poderia
Conselho não despachou soldados, mas diplomatas. abdicar do território conquistado. Assim, enviou
A Rainha-Imperatriz poderia ter interferido, mas poucos batalhões, apenas o suficiente para impedir
também havia chegado à conclusão de que o custo do os cavaleiros de se assentar em definitivo.
conflito seria insustentável — embora, ao contrário
Escaramuças começaram por toda a região. Os
dos aristocratas, Shivara não tenha calculado em
nobres de Bielefeld não podiam pedir ajuda à coroa,
ouro, mas em vidas.
pois haviam desobedecido o decreto real. O próprio
A proposta do Pequeno Conselho era declarar a Rei Khilliar Janz ficou de mãos atadas; se ajudasse
região contestada um território neutro. Uma zona seus vassalos, estaria descumprindo o tratado. Além
vazia, que serviria para afastar os reinos e diminuir de manchar sua honra, recomeçaria a guerra. Quando
as tensões. A contragosto, a Supremacia e Bielefeld as notícias chegaram a Deheon, houve debates acalo-
enviaram representantes. Do lado purista, a Dama rados no Pequeno Conselho. O Arquiduque General
Comandante Mievna Yudennach, pois nesta época suplicou que se enviasse reforços aos cavaleiros, mas
o General Supremo estava acamado e o Lorde General os demais membros dispensaram o caso. “Se estão
Vikras Klinsmann, preso em Deheon. Do lado dos lutando no território neutro, não são cavaleiros, e
cavaleiros, o Conde de Muncy, sir Bernard Branalon sim bandidos. O Pequeno Conselho de Deheon não
— escolhido pelo Alto Comandante da Ordem da Luz pode interferir em cada pequena rusga de estrada”,
por ser um cavaleiro experiente, que já havia sentido o teria dito a Duquesa de Blangis.
peso da morte e não deixaria sua raiva ficar no caminho
Mas não era uma pequena rusga. Ao longo dos
da paz. Dizem que o próprio Alenn Toren não ousou
meses, os conflitos escalonaram. De escaramuças,
ir: temia ser incapaz de encarar a representante da
tornaram-se batalhas campais. Porém, mantiveram-se
Supremacia sem sacar sua espada. Sob auspícios de
dentro dos limites do território contestado. Os cava-
clérigos de Marah, Bernard e Mievna assinaram um
leiros, almejando apenas recuperar suas terras, não
tratado no qual concordavam em retirar suas tropas e
invadiam a Supremacia. Os puristas, não desejando
jamais marchar naquela região novamente.
uma nova guerra em larga escala (pelo menos por
Quando os documentos foram selados com os ora), não cruzavam a fronteira de Bielefeld. Mas,
brasões pessoais dos dois representantes, os devotos como cães famintos lutando por um osso, nenhum
da Deusa da Paz sorriram. Talvez a dor, a tristeza dos lados abdicava da região.
e as mortes tivessem mesmo terminado. Talvez a Houve críticas aos cavaleiros que partiram para
guerra pudesse mudar. lutar, mas também houve aqueles que argumentaram
Não mudou. que a luta era inevitável — que o Conde de Muncy
pode ter assinado o tratado com o coração honesto,
…Logo quebrado mas Mievna queria apenas ganhar tempo para que
os clérigos do Templo da Pureza Divina curassem o
O plano do Pequeno Conselho funcionou… por General Supremo.
alguns meses. Devido à estrutura feudal de Bielefeld,
muitos nobres ignoraram o decreto real e decidiram No aniversário de um ano da assinatura do tratado,
por si mesmos o que fazer. Assim que reuniram tropas as palavras doces dos diplomatas jaziam esquecidas,
suficientes, cavalgaram rumo ao território neutro. substituídas pelos berros dos comandantes. Os gritos
Muitos fizeram isso por honra; deviam retomar as de batalha, o clangor de espadas e os urros de dor
terras que pertenciam a suas famílias por gerações. haviam tomado a terra. Espalhado-se. Conflagrado-se.
Outros, por dever; alguns camponeses haviam ficado O território contestado já não era mais uma zona vazia.
para trás e precisavam de proteção. Por fim, houve Era a Conflagração do Aço.

Além do Reinado
187
Conflito sem fim Nas profundezas do prédio principal há calabouços
com prisioneiros de guerra e laboratórios com magos
A Conflagração é uma das regiões mais violentas do cruéis, mesmo para os padrões puristas. Esses arca-
mundo conhecido. Oficialmente um território neutro, na nistas usam os cativos como cobaias em experimentos
prática é disputado dia a dia, quilômetro a quilômetro, bélicos, que variam de maldições para matar centenas
por cavaleiros de Bielefeld e soldados da Supremacia. de inimigos de uma só vez a enxertos de monstros para
Outrora, a região era formada por campos fortalecer soldados. Em comum, os estudos possuem
floridos e feudos prósperos. Hoje, os campos são apenas o fato de serem completamente imorais.
lamaçais cobertos de armas quebradas, cadáveres em A Fortaleza Grazomir foi erguida na Conflagração
decomposição e trincheiras que marcam a terra como do Aço pelo interminável fluxo de prisioneiros que
cicatrizes, enquanto os feudos são ruínas calcinadas,
esse lugar fornece. Seu nome vem do comandante do
às vezes vazias, às vezes usadas como acampamentos
lugar, Coronel Zubov Grazomir. Um dos homens
temporários por um lado ou outro.
de confiança do General Supremo, o Coronel é ob-
Com tudo isso, seria de se pensar que ninguém cecado pela vitória purista e não mede esforços para
habitaria esse lugar, mas isso não é verdade. Em- alcançá-la. Quando foi informado da aliança com o
bora a maioria das pessoas tenha fugido durante a Império Trollkyrka, ofereceu-se para um experimento
Guerra Artoniana, algumas ficaram, por teimosia, finntroll no qual recebeu injeções alquímicas e fungos
impossibilidade de viajar ou medo de perder o pouco do subterrâneo. Sua pele ficou cinzenta, seus múscu-
que tinham. Esses camponeses vivem em vilarejos los se tornaram fortes como os de um gigante e seu
escondidos atrás de paliçadas e recebem forasteiros corpo adquiriu uma capacidade de regeneração que o
com flechas em vez de hospitalidade. tornou praticamente imortal. O processo, porém, foi
Além de habitantes, também há riquezas aqui. extremamente doloroso, e tentativas de replicá-lo dei-
Tendo sido palco de diversas batalhas durante a Guerra xaram todas as outras cobaias insanas. Mas os magos
Artoniana, até hoje a região possui planícies repletas puristas não desistem. Sob as ordens implacáveis de
de armas e outros equipamentos — incluindo itens Grazomir, continuam capturando inocentes, em busca
mágicos de heróis caídos. E, claro, não se pode ignorar a de criar mais uma arma para o interminável arsenal
importância estratégica do lugar. Para Bielefeld, manter de atrocidades puristas.
o controle da Conflagração significa ter um caminho Atualmente, o osteon Recsan Etromson está
até seus aliados no Reinado. Já para a Supremacia, recrutando aventureiros na Conflagração. Devoto de
significa ter uma saída para o mar. Gwen, a Deusa Menor da Liberdade, Recsan tem um
Por tudo isso, não é de se espantar que o fluxo plano para resgatar prisioneiros da terrível fortaleza.
de combatentes para a Conflagração nunca diminua.
E, quanto mais combatentes chegam, mais conflitos
acontecem. Isso, por sua vez, faz com que outro tipo
Castelo do Pendor
Assim chamado por estar no topo de uma colina
de pessoa tenha interesse pelo lugar: aquele que luta
suave, este forte de pedra cinzenta era o centro de um
pela luta em si, que não combate por dever ou mesmo
por tesouros, mas para se aprimorar ou provar seu feudo típico do sul de Bielefeld. Formado por terras
valor. Para a maior parte das pessoas, essa região de aradas, pastos e uma aldeia cuja maior construção
batalhas sem fim é um inferno na terra. Mas para quem era um moinho de vento, era um lugar singelo, mas
busca o combate, a Conflagração do Aço é o paraíso. próspero, governado por um casal de nobres justos
— sir Agriass Emour, paladino de renome, e Lady
Alessa, maga formada na Academia Arcana.
Locais Importantes Quando a Guerra Artoniana teve início, o casal
cumpriu seus deveres. Enquanto Lady Alessa ficou
Fortaleza Grazomir para defender as terras e o povo do feudo, sir
Por fora, este lugar parece um típico quartel da Agriass montou em seu velho cavalo de guerra e
Supremacia, formado por um prédio baixo e largo, de marchou para defender as fronteiras de Bielefeld,
paredes espessas e escuras, ao redor do qual espalham- levando seus três filhos — Leyanna, Theodal e
-se campos de treinamento, dormitórios e oficinas, Tyria —, duas dezenas de guardas e uma centena de
tudo cercado por muros com torres de vigilância. Por camponeses recrutados. O nobre era um veterano
dentro, porém, a Fortaleza Grazomir esconde horrores de campeonatos e aventuras, e conseguiu vitórias na
que a destacam de outros complexos militares da forma guerra. Seus filhos, vendo o heroísmo do pai, decidiram
mais sórdida possível. avançar rumo às linhas inimigas. Porém, eram inex-

Capítulo Dois
188
perientes e caíram em uma emboscada de sargentos
puristas. Os três foram mortos. Devastado, sir Agriass
As Liças
voltou para casa. Quando Alessa viu os cadáveres Nas profundezas da Conflagração do Aço, existe
dos filhos, culpou a política do Reinado pelo desastre uma clareira onde campeões se enfrentam em com-
e decidiu que suas terras não mais responderiam à bate corporal dia e noite. Há cavaleiros de Bielefeld e
autoridade dos reinos. Com o coração cheio de ódio, soldados puristas, mas também guerreiros com estilos
conjurou um feitiço muito mais poderoso do que exóticos ou de regiões longínquas. Os combatentes
poderia: uma muralha de espadas com vinte metros chegam, desafiam alguém que julguem digno de suas
de altura que circundava todo o feudo. capacidades e, se o desafio for aceito, começam a lutar.
Ninguém é obrigado a duelar, embora alguém que
A muralha foi conjurada anos atrás, mas continua fique muito tempo sem aceitar um desafio acabe sendo
cercando as terras do Castelo do Pendor até hoje. Tal- expulso pelos outros — ninguém quer covardes ou
vez seja mantida pela dor da mãe, talvez pelas almas bisbilhoteiros aqui. As regras são decididas na hora,
dos filhos mortos. Seja como for, intocado pela guerra pelos próprios duelistas: com qualquer tipo de arma
e sem receber visitantes de fora, o feudo se tornou um ou apenas corpo a corpo; com ou sem magia;
mundo à parte. Não há luxos, mas, com terras fér- até o primeiro sangue, até a rendição ou até
teis, há comida de sobra. O povo vive uma existên- a morte. A única regra imutável das Liças
cia tediosa, mas segura. Os dois nobres ainda não é que, aqui, ninguém luta por um reino,
superaram a dor do luto e vivem em amargura. por um deus ou por qualquer outro
Sentem falta de suas crianças e não têm von- motivo que não a luta em si.
tade alguma de interferir com o mundo exte-
rior. Não percebem que os mantimentos que A origem das Liças
guardam em seu castelo po- é controversa. Alguns
deriam encher as barrigas dizem que foram criadas
de muitos famintos na por desertores puristas
Conflagração que adoravam a vida
do Aço… as-
sim como os
inúmeros ór-
fãos da guerra
poderiam encher o
vazio de seus pró-
prios corações.

Sir Towasson,
o Cavaleiro da
Mantícora, forjado em
Bielefeld para lutar na
Conflagração

189
militar, mas não queriam combater pelos dogmas
da Supremacia; outros, por cavaleiros de Bielefeld
Campo de
cansados de defender nobres que não saíam de seus Experimentos
castelos. A verdade é que não houve um único funda- Conjuradores poderosos podem usar sua magia
dor. Os primeiros combatentes das Liças eram soldados para quebrar as leis da realidade, mas ainda devem
e mercenários que, após experimentar o júbilo da obedecer às leis humanas. Assim, quando um ar-
batalha, não conseguiram mais parar. Em busca de canista quer fazer experimentos ilegais, precisa se
uma contenda sem fim, formaram as Liças. esconder — por isso tantos habitam torres, cavernas
Além da vontade de combater, há outros motivos e masmorras. Porém, existe uma alternativa: em vez
para vir até as Liças: testar suas habilidades, aprender de se esconder da lei, o conjurador pode ir para um
novas técnicas, encontrar parceiros de grupo… Tipos lugar onde ela não exista.
malandros ou empreendedores organizam torneios e O Campo de Experimentos é um lugar onde
apostas, embora a maior parte das lutas ocorra sem conjuradores sem escrúpulos estudam e praticam
organização. Além disso, o lugar está começando todo tipo de magia proibida, como criação de monstros,
a formar uma pequena comunidade, com ferreiros, dominação mental e invocação de demônios. Os arca-
curandeiros e outros prestadores de serviço que alme- nistas não possuem nenhuma aliança ou organização
jam lucrar com os combatentes. Porém, não há indícios formal, mas seguem dois mandamentos: jamais se
de que isso vá evoluir para uma cidade. Isso porque, de envolver nos experimentos dos outros e se unir em
tempos em tempos, os próprios trabalhadores acabam defesa do local caso ele seja atacado.
se juntando a uma batalha, por serem desafiados e não Situa-se em um antigo feudo, abandonado durante
quererem ser expulsos ou por estarem, eles próprios, a guerra e hoje reduzido a uma planície cinzenta
intoxicados pelo desejo de lutar. coberta por círculos de invocação, pedras de sacrifí-
Alguns dos combatentes de destaque nas Liças cio, pilares rúnicos e outros sinais de experimentos
são Dante Socclery, um elfo espadachim que porta mágicos. No centro, um castelo em ruínas, suas torres
uma espada maldita de Sszzaas; Giovanni Nardi, queimadas e derretidas pelas explosões de energia
um paladino que usa as competições para provar a que frequentemente tomam o lugar. Por tudo, vagam
inferioridade dos puristas, e Ziegfried Zezas Loyd, um monstros, mortos-vivos e construtos criados aqui.
misterioso clérigo de Tenebra que parece ter motivos Atraídas pela concentração de energia mística do
ocultos para lutar aqui. lugar, tais criaturas raramente se afastam.

Capítulo Dois
190
A existência do Campo se espalhou como um mágicas capazes de disparar relâmpagos, rajadas de gelo
rumor nos submundos arcanistas, atraindo todos e labaredas infernais. Há pequenas janelas externas,
aqueles que queriam praticar artes malignas sem serem mas todas são gradeadas.
incomodados. Hoje, dezenas de conjuradores habitam Por tudo isso, a Fortaleza Móvel foi escolhida por
o lugar. Muitos são insanos. Quase todos são vilões. Von Krauser para servir como seu centro de comando
E, embora os habitantes do Campo sejam pessoas na batalha final da Guerra Artoniana. Porém, mesmo
asquerosas, o conhecimento que eles possuem pode todas as defesas da base não impediram os Campeões de
ser muito atraente… Svalas de invadi-la e atacar o General Supremo. Quando
ele foi derrotado, os batalhões puristas bateram em
Campina Dourada retirada. A Fortaleza Móvel estava danificada e, durante
Esta aldeia é formada por algumas dúzias de a fuga, foi abandonada na região que viria a se tornar a
casinhas de madeira, cercadas por pomares e pastos. Conflagração do Aço. Os oficiais puristas planejavam
Há uma estalagem, uma forja e uma pequena igreja. voltar para recuperá-la após se reorganizarem, mas,
É uma comunidade bastante típica e, se estivesse em quando enviaram batedores ao local, a base não estava
qualquer outro lugar de Arton, sequer apareceria nos mais lá. Por um tempo, acharam que as tropas do
mapas. Porém, está na Conflagração do Aço — e aqui, Reinado haviam conseguido ocupar a Fortaleza Móvel
um lugar vivo e habitado não é nada típico. e levá-la de volta a Deheon. Mas, quando avistamentos
de uma construção gigantesca começaram a circular,
Por algum motivo, Campina Dourada nunca foi entenderam que este não era o caso.
atacada e é ignorada por todos os soldados e merce-
nários em marcha. Talvez o clérigo local, um lefou Hoje, a Fortaleza Móvel vaga pela Conflagração
devoto de Marah chamado Monroe, tenha conjurado do Aço. Seu trajeto não parece seguir nenhuma lógica
um milagre que evite que exércitos se aproximem. — às vezes, avança contra cavaleiros de Bielefeld,
Talvez Soraya, uma qareen das trevas arcanista que esmagando tudo em seu caminho, apenas para no
está morando na vila, tenha usado seus poderes para próximo dia dar meia-volta e trucidar batalhões
protegê-la com uma miragem mágica. Ou talvez a puristas com disparos de seus canhões e balestras. Às
verdade seja mais sombria… Seja como for, é questão vezes, semanas se passam sem nenhum avistamento
de tempo até que um oficial purista decida investigar o da Fortaleza, mas, invariavelmente, uma nuvem de
mistério de Campina Dourada. E, quando descobrir, a fumaça e um tremor na terra indicam que ela está
pequena aldeia poderá se tornar mais uma entre tantas de volta. A única constante é que a Fortaleza nunca
ruínas da Conflagração. deixa as fronteiras da Conflagração.
Ninguém sabe como ou por que isso ocorre. Talvez
A Fortaleza Móvel um senhor da guerra insano tenha invadido a base e
descoberto como pilotá-la, e agora se divirta usando-a
Outrora a maior arma da Supremacia Purista, esta para derrotar combatentes de ambos os lados. Talvez
construção poderia ser uma maravilha de Arton, se os espíritos dos mortos tenham assombrado a constru-
não fosse uma máquina de morte e terror. Por fora, ção, a raiva deles a guiando contra todos que julgam
parece um gigantesco cubo de ferro, sustentado por responsáveis por seu sofrimento. Ou talvez a própria
esteiras metálicas capazes de fazê-la se mover como Fortaleza tenha adquirido uma consciência sádica.
um enorme vagão de guerra. Lideranças do Reinado gostariam que aventureiros
Um grande portão levadiço no centro de uma das a destruíssem, mas isso é considerado uma missão
faces é o acesso principal à estrutura. Por dentro, é suicida, que até hoje nenhum grupo aceitou. Von
um labirinto de corredores e escadarias que levam a Krauser já tentou retomá-la, mas após perder um
diversos alojamentos e arsenais, além de uma grande grupo de assalto de elite, formado por cavaleiros do
sala de treinamento, uma cozinha com despensa, Leopardo Sangrento, desistiu desse objetivo por ora.
uma oficina, um laboratório, uma prisão, uma ala Assim, a construção continua vagando pela região,
com os quartos de oficiais, a ponte de comando e, por seu avanço tão caótico quanto inexorável. Ao chegar, traz
fim, a sala de máquinas, que contém uma mistura de fuligem e tremores. Ao partir, deixa cadáveres e ruínas.
engenhocas goblinoides e itens mágicos desenvolvidos Os inocentes que habitam essa terra já desistiram de
pela Ordem Magibélica que energizam as esteiras. rezar para que a Fortaleza seja destruída. Em vez disso,
As paredes da construção são blindadas com placas apenas esperam que seu combustível termine antes
de adamante tratadas alquimicamente para bloquear que ela encontre e destrua suas vilas. Mas, hoje, o que
feitiços. Além disso, ela possui quatro torres, uma impulsiona a Fortaleza Móvel é morte e sofrimento — e
em cada vértice, equipadas com canhões e balestras isso nunca está em falta na Conflagração do Aço.

Além do Reinado
191
Aslothia O REINO DOS MORTOS

S
eparado de Bielefeld por meio de men- do reino se fez necessária, nutria expectativas de se
tiras, guerras e da obsessão da família tornar o regente. Afinal, entendia sua própria impor-
Asloth pelo poder, o antigo reino de tância no sucesso da jornada e queria ver seus esforços
Portsmouth se tornou notório pela reconhecidos. Mas não foi o que aconteceu. Em 1021,
perseguição sanguinária à magia arcana e aos Thomas Lendilkar, seu companheiro na jornada, já
na época tido como herói de imensa fama e ambição,
cavaleiros da Ordem da Luz. Apoiado por com-
declarou-se rei sem enfrentar qualquer obstáculo.
panhias mercenárias sem escrúpulos, o Conde
Ferren Asloth solidificou sua posição de poder. Confrontar Thomas diretamente àquela altura seria
Mas suas ambições eram ainda maiores. pouco inteligente, então Jakkar decidiu manifestar sua
insatisfação de outro modo: marchou com sua família
Após anos de pesquisas extremas nas profundezas
e apoiadores rumo ao leste do reino, onde se autopro-
da necromancia e nos conhecimentos extraídos à força
clamou conde. Seu ato coincidiu com a debandada de
de magos capturados, Ferren conseguiu acesso a um
nobres que não concordavam com as ações sanguinárias
artefato arcano ancestral de origem desconhecida, um
de Thomas durante a tomada das terras e o que havia
tomo esquecido e amaldiçoado. Com ele, o monarca foi
sido planejado como uma ação significativa de revolta
capaz de executar um ritual tão poderoso quanto fatal.
se perdeu entre movimentos semelhantes. Para seus
A cerimônia necromântica profanou o governante, o
pares, entretanto, Jakkar bradava que o regente de
povo e a terra em sua essência mais profunda.
Bielefeld havia reconhecido seus novos domínios, o
Morreu Portsmouth, sufocada sob forças incom- Condado de Portsmouth, com medo do poderio dos
preensíveis. De suas cinzas, ergueu-se Aslothia, com Asloth e das possíveis represálias a um ataque. “Sua
suas estruturas carcomidas, sua natureza pútrida e sanguinolência foi contida não pelo bom senso, mas
seus habitantes oprimidos, tornados mortos-vivos ou pela covardia”, teria dito à época sobre seu ex-parceiro.
mergulhados em devassidão.
Ali os Asloth ergueram o luxuoso Castelo Erynia,
Ergueu-se a terra do Abutre de Milothiann. bastião da família nos tempos que viriam, criando
Ergueu-se o lar do Arquilich Ferren Asloth. raízes cada vez mais profundas. Em volta do castelo
viria a crescer a tortuosa Milothiann, uma extensão
História ainda maior de seu poder. Tudo isso fez a influência de
Jakkar aumentar, garantindo um lugar entre as famílias
A história de Aslothia está e sempre estará in- mais poderosas de Bielefeld e estabelecendo-o como
timamente ligada ao passado de seu reino vizinho e figura destacada na oposição. Mas era pouco.
principal rival: Bielefeld. Quando Thomas Lendilkar voltou suas forças
Jakkar Asloth fez parte do grupo que desbravou a contra o arquipélago de Khubar, os Asloth foram os
área que se tornaria Bielefeld e, quando a oficialização primeiros a se isentarem de qualquer posição contra ou

Além do Reinado
193
a favor. Se de algum modo haviam previsto o fracasso clamava que os Janz desejavam, mais cedo ou mais
da marinha do reino sob as garras de Benthos, o tarde, tomar a área de Portsmouth e os castelos de
Dragão-Rei dos Mares, a morte de Thomas, ou até se todos os nobres. Por fim, um ataque orquestrado contra
teriam eles próprios avisado os regentes do arquipélago os povos dos Ermos Púrpuras, feito por mercenários
sobre o ataque, ninguém é capaz de afirmar. O certo é de Portsmouth que trajavam armaduras e estandartes
que, quando o vácuo de poder surgiu e um novo rei de de famílias proeminentes de Bielefeld, serviu para dar
Bielefeld precisou ser escolhido, Jakkar foi o primeiro o mais duro golpe na reputação do reino dos Janz.
a dar um passo à frente. E mais uma vez foi preterido.
Quando houve o inevitável revide, culpou-se o
Na falta de um herdeiro legítimo de Lendilkar, antigo expansionismo de Bielefeld pelo incidente.
uma assembleia de nobres foi reunida e Raissa Janz, A enorme repercussão fez necessária a intervenção
figura fundamental nos tratados de paz com Khubar, de Deheon, decretando a independência dos Ermos.
foi escolhida. Mais que isso, uma lei de sucessão Ainda que Brondar Asloth tenha falecido antes de ver
hereditária foi estabelecida, acabando com qualquer Portsmouth completamente livre, seus feitos seriam
possibilidade legítima de os Asloth assumirem o trono. fundamentais para que o condado se preparasse para
Ninguém tinha ideia naquele momento, mas o seu maior e derradeiro passo.
acontecimento selou não só o destino de Bielefeld, mas
os rumos que Portsmouth tomaria dali para a frente. Independência enfim
Se pouco é dito sobre Thalir Asloth, sucessor e
O espelho distorcido filho de Brondar, é porque, de fato, não há muito a
Ao analisar a história de Portsmouth em 1300, ser falado. Numa linhagem de nobres extraordinários,
parece claro mesmo para o mais simplório estudante o Thalir é visto como pouco ambicioso ou capaz. Nos
momento em que a posição da família Asloth passou do livros de história, consta que seu mérito maior foi ter
desejo de governar Bielefeld para o objetivo obsessivo conseguido manter intocados os feitos de seu pai —
de minar qualquer força ou reputação que o reino dos algo pouco complicado dado que tudo o que Bielefeld
Janz tivesse construído, não importando os meios. O buscava naquele período era estabilidade. Thalir, no
responsável por isso foi o Conde Brondar Asloth. fim, tem como reconhecimento apenas o ato de ter
ajudado a conceber Ferren Asloth.
Apaixonado por intrigas e estratégias e muito
menos propenso do que seus antecessores ao ataque É fato que a calmaria mantida por seu pai auxiliou
armado direto, Brondar transformou Portsmouth, muito o desenvolvimento de Ferren, tão recluso em
de forma muito nítida, em um espelho distorcido de seus estudos e práticas que, como costumam dizer em
Bielefeld. Se no reino os valores da cavalaria mescla- tom de troça os imprudentes, quando surgiu para o
ram-se profundamente aos valores da própria coroa, mundo depois da morte de Thalir, já era velho.
no condado a regra se tornou a ampla contratação de Ao assumir o título de conde já tinha para si o obje-
companhias mercenárias. Vindos de todo lado, esses tivo de ir ainda além dos feitos do avô. Queria, de uma
grupos mantinham-se fiéis ao poder dos tibares que vez por todas, declarar a independência de Portsmouth.
os Asloth eram capazes de despejar, ou às posições O plano era longo, mas ele não tinha pressa. Começou
nas cortes locais que a família era capaz de prometer. oferecendo terras de seu futuro reino para membros
A lógica que se espalhou à época foi que esta era da baixa nobreza, inimigos dos Janz. Também dobrou
a única maneira de garantir que suas terras seriam o incentivo às companhias mercenárias, fortificando
defendidas sem a parcialidade que julgavam inerente suas defesas e traçando novas alianças. Depois impôs
aos cavaleiros, eternamente atrelados aos Janz. Usando leis próprias, muitas contrárias às posições tomadas
bardos e espiões, Portsmouth fez questão de lembrar a por Bielefeld, sendo a proibição da magia a mais po-
todos, o tempo todo, do passado sanguinário de Bielefeld lêmica. Brigou por impostos menores, argumentando
no governo de Thomas Lendilkar. Até hoje se canta na celebremente em um discurso inflamado que “um povo
região os versos de Sir Forthum, em que o personagem-tí- que não precisa de cavaleiros não deve pagar pelas
tulo, um cavaleiro, brada seus feitos bondosos enquanto marteladas que reparam suas armaduras”. Entre seus
cospe na comida de uma taverna, bate no próprio cavalo detratores espalhou-se o apelido de “Velho Abutre”.
e assassina uma vila inteira de plebeus. Quando confrontado, o conde dizia que seu objetivo
Espalhou-se, estrategicamente, que Portsmouth era proteger seu povo. Acolher os mais fracos. Evitar
era uma terra de liberdade, longe dos códigos de que sua família fosse vítima de atentados pérfidos.
cavalaria que supostamente propagandeavam uma O pensamento de Ferren trouxe de volta as laba-
virtude que só existia em nome. Brondar também redas do ódio incitado por seu avô quase um século

Capítulo Dois
194
antes e, em 1389, uma série de ataques perpetuados
por plebeus e nobres de baixo escalão a cavaleiros nos
arredores da cidade de Cambur deu início ao que seria
conhecido como a Revolta a Pé. A resposta ao ataque
e o posterior envolvimento de companhias mercenárias
iniciaram algo que se avizinhava há muito tempo: uma
guerra civil cruelmente planejada.
Das menores diferenças às disputas mais ferrenhas,
de rivalidades ancestrais a desentendimentos recentes,
tudo foi resolvido na lâmina e no sangue. Foi uma época
de tragédias, de famílias e vilas inteiras dizimadas e de
rixas irreconciliáveis. Para Ferren Asloth, entretanto,
era o preço a se pagar por um condado livre. Ou pela
vingança definitiva contra os Janz.
Com a intervenção de última hora de Deheon
e dezenas de reuniões diplomáticas, o combalido
Bielefeld reconheceu a independência de Portsmouth.

Sob as asas do abutre Aslothia


Ferren Asloth tinha o que gerações inteiras de
Nome Oficial: Cadávero Reino de Aslothia.
sua família não haviam conseguido: um reino. Seus
discursos durante a guerra civil e antes dela afirmavam Lema: “Perecer e Perseverar”.
com veemência que tudo tinha em vista apenas o bem Brasão: de negro um crescente encimado
de sua terra e a soberania de seu povo. A verdade, por uma estrela de oito pontas contidos em
entretanto, é que Portsmouth não pertencia a ninguém uma orla e, ao redor, oito estrelas de oito
a não ser seu regente. pontas em orla tudo de ouro.
A perseguição a arcanistas dentro de Portsmouth, Gentílico: aslothianos/filhos de Asloth.
antes vista perigosamente como uma mera excentri-
Capital: Milothiann.
cidade, ganhou contornos mórbidos. Os suspeitos
eram perseguidos e — na melhor das hipóteses — Forma de Governo: necrocracia
enclausurados em prisões desconhecidas. Não raro monárquica absolutista.
a própria população se encarregava de executar a lei, Regente: Arquilich Ferren Asloth.
inflamada por superstições e histórias falsas espalhadas
População: 1.500.000.
por bardos e agentes contratados pela coroa, uma tática
típica dos Asloth. Certa vez Wynlla, reino conhecido Raças Principais: humanos, osteon.
por seus magos aristocratas, ousou encaminhar um Divindades Principais: Tenebra,
protesto diplomático a respeito… e recebeu como res- Megalokk.
posta um convite para que mandasse um representante
para discutir o assunto a portas fechadas no Castelo
Erynia. As tratativas não prosseguiram além disso. Até
a cidade de Vectora foi proibida de passar pelo reino.
O comércio com Sambúrdia e o sufocamento em pouco tempo, pois as próprias vitórias do reino
comercial dos hynne de Hongari, com taxas abusivas serviam de lembrança do que acontecia com os inimigos
sobre o transporte de fumo para o resto do Reinado, de Portsmouth. Ferren Asloth, que ironicamente havia
funcionavam como principal fonte de renda. O ódio escolhido carregar ainda o título de conde, tinha tudo
contra os cavaleiros e Bielefeld foi passado de pai para a seu dispor. Tudo em suas mãos. Menos a eternidade.
filho e permaneceu fresco na mente de todos, marcando Por trás da perseguição a magos, estava um ob-
toda a cultura de Portsmouth. jetivo secreto e nefasto. Velho, de corpo frágil e sem
As companhias mercenárias, mais solidificadas herdeiros, o regente temia que a morte lhe tomasse o
do que nunca, garantiam a ordem nas cidades e nas que sua família havia levado gerações para conseguir.
estradas, fazendo obedecer mesmo o mais tirânico dos Avesso aos métodos divinos, passou a procurar nas ar-
decretos. Os poucos lampejos de revolta eram sufocados tes arcanas um meio de prorrogar a própria existência.

Além do Reinado
195
“Não temais, queridos filhos. O que estou prestes os limites da vida e da morte, achando uma brecha
a vos presentear será entendido pela mente de entre o caminho que leva aos reinos dos deuses e o
poucos, mas sentido pelo coração de todos que têm desconhecido, tomando para si o controle de sua não
em si a semente de nosso reino. morte. Ou, ao menos, é o que dizem.
Amanhã será o primeiro dia em que nos Tudo que aconteceu está mergulhado em uma
ergueremos impávidos perante os frágeis mortais camada densa de segredos e, entre a nobreza que
de Bielefeld e do Reinado. Nada nos destruirá, acompanha de perto o regente, é lei jamais falar sobre
seja mortal ou divino. o ritual, mesmo em conversas de corredor. O que se
Ergue-se o poderoso e infinito Reino Cadávero, sabe pelo Reinado é apenas o que Ferren permite que
do seio de seu senhor absoluto da morte em vida. bardos e bocas frouxas cantem.
Ergue-se Aslothia! Naquela noite, quando o povo de Portsmouth
Pereça e persevere!” começou a se juntar, não havia lua nem estrelas. As
ruas estreitas e serpenteantes de Milothiann, entre-
— Trecho do discurso do Conde Ferren tanto, estavam mais movimentadas que o normal.
Asloth na Noite da Ascensão Profana As hospedarias fervilhavam, pois o boato de que o
regente surgiria na sacada do Castelo Erynia para se
dirigir à nação tinha se espalhado como febre. Seria
Extraía o conhecimento de seus prisioneiros através a primeira vez desde o fim da Guerra Artoniana, um
de tortura e chantagem, ameaçando assassinar seus ano antes. Ao Reinado, tal fato trazia apreensão. Aos
familiares. Passava noites em claro decifrando grimórios cidadãos da capital, trazia expectativa.
apreendidos. Utilizava-se de elixires, poções e itens As praças ficaram abarrotadas. Os salões de fes-
mágicos. Se, para quem observava, Ferren parecia já ter ta, repletos. E aqueles propensos a embelezar suas
ido além do que a vida natural lhe permitiria, era porque histórias contam que até em outras cidades, como
tratava-se da verdade. Mas nada era permanente. Era Ith e Cambur, ou mesmo no campo, houve quem
possível diminuir a marcha do tempo, não estancá-la. soubesse de algum modo que aquele era um momento
Um dia, porém, uma prisioneira de olhar insano de importância, pois Ferren Asloth falaria.
chamada Fizzar Rumariv, gritando impropérios e E, de fato, ele falou.
se debatendo nas paredes da própria cela, exigiu a
Seu discurso repercutiu entre nobres e plebeus.
presença do conde antes de ser torturada. Intrigado, ele
Sua frase inicial — “Não temais, queridos filhos”
desceu pelas escadarias até as masmorras do Castelo
— viria a se tornar um mantra de significado dú-
Erynia e, entre gargalhadas sem propósito, a maga
bio. Acalentador para seus apoiadores, cruel para
sussurrou no ouvido do conde.
seus detratores. As festividades e bailes da capital
“Há um livro, um repositório de conhecimento invadiram a madrugada sem cerimônia e só quando
perdido chamado Tomo da Travessia”, contou Fizzar. estavam todos exaustos e o princípio do dia seguinte
“Nele há o que você procura. Nele você descobrirá surgiu no horizonte, pálido e difuso, é que os efeitos
que vida e morte andam de mãos dadas e seus dedos do ritual começaram a tomar forma.
jamais hão de se desentrelaçar.”
Aos poucos, um processo desordenado de putrefa-
Fizzar foi enclausurada novamente e em meras ção e decadência se espalhou. Em alguns lugares, um
semanas seu corpo sem vida foi jogado numa vala líquido viscoso de um roxo profundo escorreu pelas
oculta com os restos de outros magos. Seu nome se paredes, portas, janelas e solo, degradando objetos,
perderia na história de Portsmouth e ninguém mais se natureza e gente, retorcendo plantas e árvores, apo-
lembraria do que ela havia dito naquela noite. drecendo frutos. Em outros, a morte se fez presente,
Apenas o conde. disseminada pela comida, pelo ar, por um abraço,
levando o que era vivo à quase decomposição… Para
apenas trazer tudo de volta num arremedo obediente
A Noite da apenas a Ferren Asloth e seus comandados.
Ascensão Profana Animais foram transformados, assim como as
Foram anos empregando tudo que tinha à disposi- pessoas. Vampiros e outros mortos-vivos poderosos
ção, até que Ferren finalmente tomasse posse do Tomo. tomaram lugar especial na nobreza, alimentando-se
Em suas páginas, estudadas à exaustão, encontrou sob o olhar permissivo da coroa. A maldade no coração
rituais complexos que, executados em sequência, de muitos fez-se liberta sem amarras. Em um lugar,
lhe permitiriam profanar o próprio corpo e desafiar mestres feudais corruptos exploraram seus súditos até

Capítulo Dois
196
que não lhes sobrasse nada além de ossos, fazendo-os O Tomo da Travessia
levantar e trabalhar mesmo quando a morte lhes
teria trazido liberdade. Em outro, plebeus tomavam De capa ordinária, gasta, arroxeada e sem
castelos, transformando seus senhores em banquete, nenhum adorno, seria difícil prestar muita
pintando seus salões com sangue e carne. Como se atenção ao Tomo da Travessia em alguma
obedecesse a um dos anseios mais antigos de seu biblioteca repleta de outros itens aparen-
mestre, as fronteiras do reino avançaram implacáveis temente mais fantásticos, mas com certeza
sobre Hongari, até então lar dos hynne, numa onda menos poderosos. Talvez por isso tenha
de sombras e destruição, ampliando seu território de permanecido perdido por tanto tempo.
terror. E o próprio Ferren Asloth se tornou um tipo É possível que, em algum ponto, o livro
único de morto-vivo, uma criatura cujo poder ninguém tenha feito parte do acervo da Academia
conhece ao certo. Agora era um Arquilich. Arcana, tenha sido colocado à venda em
Vectora ou passado pelas mãos de grupos de
A Fuga dos Covardes aventureiros incautos. Suas páginas parecem
feitas de sombra pura e o texto só surge se o
A versão oficial dita que tudo que aconteceu na
Noite da Ascensão Profana ocorreu conforme os pla- leitor disser as palavras corretas em voz alta.
nos meticulosos de Ferren Asloth, mas relatos de quem Perseguido por Ferren Asloth durante
esteve lá afirmam que nem tudo foi assim. Segundo eles, décadas, o Tomo foi a última peça do
boatos de que Ferren realizaria seu ritual se espalharam quebra-cabeça que realizou seu maior desejo:
rapidamente pela alta cúpula de Milothiann, escorrendo a imortalidade. Seus rituais intrincados e
em seguida para os escalões inferiores. profanos dificilmente poderiam ter sido
colocados em prática por alguém menos
Parte dos que detinham a informação, incluindo
obcecado ou com menos recursos.
algumas companhias mercenárias de alto destaque
como a Companhia Quimera, decidiram fugir rumo a Sua origem está envolta em mistérios e tem
Sambúrdia e outros reinos, temendo as consequências sido fruto de pesquisa incessante: versões
do ritual desconhecido. Tal movimento não passou dizem que se trata, na verdade, do diário
despercebido, e os que ousaram desafiar o poder do escrito por uma maga qareen chamada
Arquilich foram implacavelmente perseguidos. Os Yavilla, aprisionada por séculos no Reino de
capturados foram transformados em mortos-vivos e Tenebra por puro ciúme de Wynna. Outras
realocados para os fortes que defendem o reino. afirmam que a obra precede a chegada da
caravana de Lamnor e foi escrita pela bruxa
É dito que o Arquilich conta com agentes especiais
louca Hangpharstyth.
espalhados pelo Reinado e que detratores de seu regime
que fugiram de Aslothia são caçados e mortos sem O que parece seguro é que o Tomo é hoje
deixar pistas. Aqueles de maior importância têm o bem mais precioso de Ferren Asloth
abertura para pedir asilo oficialmente a outros reinos. e, dizem, pode guardar não só o segredo
de sua transformação… mas também os
caminhos para sua derrota.
Geografia
Após o ritual, o clima de Aslothia é uma versão
intensa do que se via antigamente: o inverno rigoroso traiçoeiros. As áreas mais ermas e estradas desertas
se tornou ainda mais implacável e, embora Azgher seja sofrem ameaças de criaturas mortas-vivas.
pouco visto nos céus, o calor é abafado e desconfortável Aslothia faz fronteira com as Repúblicas Livres de
nas estações em que ocorre. Sambúrdia ao norte, o Mar do Dragão-Rei a leste e sul,
As florestas entrecortadas por colinas são impre- e os Ermos Púrpuras e Bielefeld a oeste. Seu terreno
visíveis. Algumas são repletas de árvores sombrias aumentou consideravelmente com a anexação de Hongari,
e retorcidas, de tronco acinzentado e aparência de um antigo desejo de Ferren Asloth. O que era um reino
morte, enquanto outras são labirintos verdejantes de alegria e fartura se tornou um terreno de podridão
onde espíritos e fantasmas habitam, na tentativa de e desolação, com hynne mortos-vivos espalhados por
enlouquecer aqueles que ousam adentrá-las. Seus rios todo lugar. A farta produção de fumo foi deslocada para
e lagos têm águas escuras e, não raro, habitadas por outra área do reino e ampliada. Se em outros lugares a
criaturas abomináveis. As planícies vastas e abertas vida ainda continuou funcional, aqui fica nítido que o
são tomadas por névoa baixa, brejos ou pântanos regente só quis exercer seu desejo de vingança.

Além do Reinado
197
No encontro com o Mar do Dragão-Rei é costu- outros mortos-vivos, guardando o restante da fron-
meira a presença de navios fantasmas, pegos despre- teira. Ferren Asloth sabe que um dia poderá voltar
venidos pela força do ritual e eternamente vinculados a enfrentar uma ofensiva direta de seus inimigos
ao reino. Alguns capitães, entretanto, principalmente ancestrais e está sempre preparado para contra-atacar
no fim da vida, oferecem seus serviços a Ferren Asloth se for necessário.
de bom grado, em troca da imortalidade. Navios fiéis
a Aslothia são costumeiramente combatidos pela
Frota Áurea. Povo & Costumes
Se antes o reino tinha uma relação amistosa A cultura dos habitantes de Aslothia é marcada
com Sambúrdia, hoje o panorama parece nebuloso. por traços sombrios e sinistros, que refletem a natu-
Os tratados antigos de comércio entre os reinos
reza do Reino dos Mortos-Vivos. É difícil encontrar
permanecem válidos de forma cautelosa, e há quem
quem use roupas de cores chamativas em áreas longe
defenda uma relação amistosa com o Arquilich por
da capital, sendo muito comum o uso do preto, cinza,
pura sobrevivência. Entretanto, Angelya Braço Forte,
marrom, ocre e, principalmente, roxo. O ato de fumar
uma aventureira que se dedicou a salvar quem pôde
cachimbos, cigarrilhas e, quando há mais dinheiro,
da destruição de Hongari, lidera uma frente que não
charutos é um hábito cada vez mais frequente — algo
tem medido esforços para defender um embargo
que os hynne de fora do reino veem como uma afronta
comercial contra Aslothia e um julgamento de Ferren
depois do que houve com Hongari.
pela tragédia no reino dos hynne. Mas quem teria
poder suficiente para puni-lo? A morbidez é uma característica comum e a morte
não só é tratada com naturalidade, como celebrada
Na fronteira com os Ermos Púrpuras os fortes
em mais de um aspecto. Os aslothianos têm em sua
foram derrubados e aparentemente não há mais qual-
cultura mais de uma centena de ritos funerários
quer impedimento quanto à entrada dos bárbaros no
elaborados — e o dobro disso para as ocasiões em
reino. Claro, se forem incautos o suficiente para isso.
que um morto volta à vida, qualquer que seja a sua
Por fim, na fronteira com Bielefeld há a Floresta forma. No ritual mais comum, o morto é enrolado
de Jeyfar, cujo aspecto arcano teoricamente dificulta em faixas arroxeadas e enterrado no solo de Aslothia.
pretensões expansionistas aslothianas — ainda que se Considera-se que sua força vital retorna ao reino e
diga que há um avanço lento de árvores retorcidas e assim, ao regente. Se o cadáver volta como morto-vivo
mortas na fronteira e a visão de espectros das guerras é porque Ferren Asloth assim decidiu.
entre os dois reinos seja bastante comum. Membros
das famílias de cavaleiros de Bielefeld que tombaram Mortos-vivos são temidos, respeitados e até
em alguma batalha por ali ocasionalmente se arriscam adorados. Há mais de um caso de habitantes de uma
entre os caminhos labirínticos das árvores para deixar vila que voluntariamente se jogaram sobre uma horda
oferendas a Khalmyr, rogando para que as almas de de mortos-vivos próxima, ansiosos por receber eles
seus entes queridos sejam levadas para Ordine, mas mesmos a dádiva da não vida. Caveiras, crânios,
o risco que o próprio fantasma do parente surja do túmulos e caixões fazem parte da decoração local
lado de Aslothia e tente arrastar quem quer que seja como itens reverenciados. Na ausência de magia,
para o reino do Arquilich é constante. ainda perseguida pelo governo, ossos trabalhados
com inscrições diversas são tipicamente usados como
Aslothia mantém guarnições permanentes de
amuletos. Filósofos errantes dissertando sobre a
forças mercenárias, acompanhadas de esqueletos e
finitude da vida, atraindo seguidores esfarrapados,
têm surgido com cada vez mais frequência. Nenhum
plebeu nega a existência do Panteão e sua influên-
cia no mundo, mas a morte é mais presente que
qualquer deus, e objeto constante de suas preces.
Cultos a Tenebra são comuns entre nobres,
que realizam as cerimônias com pompa quase
exagerada. Em segredo, estes clérigos da Deusa
das Trevas acreditam que Aslothia é um exemplo
da força da deusa, e não do Arquilich. Alguns
mais ousados conjecturam que ela tenha
aprendido com as ações da Tormenta e que
o reino seja só o primeiro passo em seu plano

Capítulo Dois
198
de dominar Arton. Para estes, a presença constante Nas vilas habitadas nem sempre o ar é de de-
de Raz Al-Baddin na corte confirma o fato. solação. Alguns lugares encontram o melhor mes-
A presença da Pata de Megalokk, um lugar sagrado, mo na pior das circunstâncias. Para eles, as condi-
é por si só o suficiente para garantir a presença de ções em que vivem são apenas o fardo que lhes foi
devotos e clérigos do Deus dos Monstros. confiado até que a morte se faça presente e suas al-
mas possam se unir à própria Aslothia… e, por con-
Refletindo o pensamento de seu regente, os sequência, ao próprio Arquilich. Festas são realiza-
aslothianos são rígidos quanto a leis e normas. Quem das quando alguém falece e cada morador divide com
as viola deve pagar. Isso faz eco com o maior dos os outros o pouco que tem. Grupos estrangeiros são
acordos, firmado com a própria Aslothia na Noite bem recebidos desde que respeitem as tradições lo-
da Ascensão Profana: a grande maioria dos cidadãos cais. O desrespeito pode transformar completamente
sabe que sua força vital alimenta o reino e sente-se o comportamento de anfitriões até então amistosos.
grata. A lei máxima, que proíbe a presença de magos
e a execução de magia no reino, também é obede-
cida à risca. Qualquer um encontrado utilizando Saudação aos
magia arcana ou protegendo quem o faz é Filhos de Asloth
prontamente denunciado à autoridade mais Como forma de reconhecimento e
próxima, às vezes atraindo até a presença cortesia, quando se encontram, os as-
de um dos três Sislach, dependendo da lothianos se saúdam com a tradicional
importância do ocorrido. “Saudação aos Filhos de Asloth”,
Por motivos variados, não é feita pela primeira vez pelo pró-
muito fácil encontrar uma prio regente ao término de seu
opinião dissidente contra discurso na Noite da Ascensão
Ferren Asloth. O cidadão Profana. A saudação é ampla-
aslothiano padrão sabe mente utilizada pelas com-
que deixar o reino, panhias mercenárias e não
repleto de mortos-vivos fazê-la diante de um ofi-
em suas áreas mais ermas, cial é considerado um cri-
é uma tarefa impossível. me grave. Estrangeiros tam-
O rebelde mais exaltado bém são obrigados a seguir o
engole suas opiniões mais costume e muitos aslothianos o
duras quando em público, a mantêm mesmo quando longe
fim de proteger a própria vida. de sua pátria.
Companhias mercenárias são vis- O cumprimento con-
tas como o máximo de autoridade abai- siste em cruzar as mãos
xo dos Sislach, da corte e do próprio espalmadas na altura do
Ferren. Truculentos e duros na aplica- peito — numa posição se-
ção das leis, os mercenários são, ain- melhante a como é deitado um
da assim, vistos como um ideal — uma cadáver — e inclinar a cabeça leve-
sombra dos cavaleiros do reino vizinho mente para a frente. Fazer o movi-
— e se tornar membro de uma com- mento sem inclinar a cabeça, fixan-
panhia é uma das ambições comuns do os olhos nos da outra pessoa,
àqueles que conseguem romper a pode ser um sinal de desconfiança
aura de conformismo que cerca ou para chamar a atenção sobre
grandes partes do reino. Pe- uma ameaça direta, principal-
ças satíricas de atores de mente a presença de magos.
rua ou de marionetes,
além da lembrança da
própria Guerra Arto- Condessa Sirissa
niana, ajudam a per- Tarvela, parte da alta
petrar o ódio eterno nobreza de Aslothia
contra Bielefeld e sua
Ordem da Luz.

Além do Reinado
199
Governo Locais Importantes
Não há autoridade em Aslothia que sequer se
aproxime do poder de Ferren. Todos que agem no
Milothiann (capital)
reino o fazem como uma extensão de seu jugo. O A capital de Aslothia não é apenas a cidade mais
Arquilich raramente deixa o Castelo Erynia e sequer há antiga do reino e o grande centro de poder histórico dos
necessidade de fazê-lo: os Sislach se fazem presentes Asloth contra Bielefeld e seus cavaleiros, como também
quando necessário, sem que ele precise interferir. De o ponto de origem do ritual feito por Ferren. E isso teve
fato, quando Roxidrim, uma anã paladina de Khalmyr; consequências nefastas. Se em outros pontos a Noite
o bardo Amrod, e o lefou clérigo Edoom, membros de da Ascensão Profana trouxe metamorfoses bizarras
um promissor grupo rebelde, resolveram organizar um e uma profusão de mortos-vivos, em Milothiann o
levante em um feudo próximo a Ith, Sislach Narsogg resultado trouxe, inesperadamente, vida. Distorcida,
surgiu com sua comitiva de esqueletos e exterminou corrompida, mas ainda assim vida.
todos, sem que qualquer delação tivesse acontecido. Uma grande parte dos corpos enterrados na
Se Ferren Asloth antes se ressentia do apelido cidade voltou de seus túmulos. Mas, ao contrário
“Velho Abutre”, hoje adota a ave como seu símbolo. das criaturas que vagam a esmo nas regiões inóspi-
Empoleirados de cada lado de seu trono há dois abutres tas de Aslothia, estavam todos lúcidos. Despertos.
mortos-vivos que ele trata como animais de estimação. Inteligentes. Desesperados para retomar a vida que
Seus nomes são Zirath e Murath. Quando surgem em lhes havia sido roubada pela guerra, por um amante
algum lugar do reino, nunca é sinal de boas notícias. vingativo, por um acidente de carroça. De mercenários
dos tempos de Jakkar Asloth a crianças vítimas de
Ferren tem em Erynia uma corte muito próxima,
alguma doença semanas antes. Para alguns isso foi
composta pelos primeiros nobres a aceitarem sua nova
uma bênção. Para outros, um problema insolúvel,
ordem, muitos dos quais foram agraciados com dádivas
pois como explicar que a casa de uma senhora morta
profanas. Há também nobres oriundos de partes distan-
há um século não era mais dela? Logo esses mortos
tes do Reinado, que viram ali ambiente propício para
que se erguiam dos túmulos foram apelidados de
seus próprios estratagemas. O estrangeiro mais ilustre
retornados pela população viva.
é Raz-Al-Baddin, que anteriormente dividia a função
de sumo-sacerdote de Azgher com seu irmão gêmeo e O súbito aumento da população acentuou o cres-
hoje é sumo-sacerdote de Tenebra. Seu papel é servir cimento desordenado de Milothiann, tornando-a ainda
como um representante cordial da Deusa das Trevas mais caótica, com casas cada vez mais espremidas,
no reino artoniano que mais carrega seus preceitos. vielas cada vez mais estreitas e a aberração dos vivos
Mas é impossível não pensar que sua presença ali seja sendo obrigados a conviver lado a lado com os mortos.
para garantir que Asloth não tenha pretensões divinas. Mais do que em qualquer outro local, a presença
Sua presença é transitória e o Arquilich não parece se de magos é completamente inadmissível e as patrulhas
incomodar com suas idas e vindas. são instruídas a fazer uma dura perseguição, abordando
Todos os senhores feudais de Aslothia são tratados grupos publicamente e confiscando livros e itens que
como condes, talvez como uma homenagem à forma pareçam estranhos. Os suspeitos são levados a uma
passada de Ferren, e têm sua autonomia vigiada tanto enorme fortificação na ala leste da cidade, chamada
pelos Sislach quanto por companhias mercenárias Khorcova, onde são presos e interrogados. Os que
próximas. Fora isso, cada conde é soberano dentro de conseguem comprovar que não são magos são libera-
suas terras desde que pague tributos. Alguns condes dos. Já os que fracassam desaparecem, provavelmente
e condessas abririam facilmente mão de suas terras e enviados a um destino ainda pior. Diariamente, de
vassalos em troca de uma posição permanente na corte uma das sacadas da Khorcova, um emissário lê uma
de Ferren Asloth, ansiando por suas dádivas profanas. lista com o nome de todos os magos que não voltarão
Por sua vez, certos vassalos são capazes de qualquer às ruas. Não se faz distinção entre quem foi morto e
sacrifício para ocupar o lugar de seus mestres, o que quem foi preso, para que todos tenham em mente que
cria um clima de instabilidade constante. mago nenhum está a salvo.
Ainda assim, tudo é feito de alguma forma se- Companhias mercenárias desfilam pelas ruas, fa-
guindo as leis soberanas de Ferren e novos éditos zendo valer as leis do Arquilich e disputando território.
podem surgir a qualquer momento. Condes costumam Mesmo depois de tantos anos, o principal bando na
participar de audiências solicitando mudanças em leis cidade é o Mantícora, historicamente notório por
ou acréscimo de outras em troca de favores. sua eficiência na caça aos magos. Hoje a companhia é

Capítulo Dois
200
liderada por Jorian Zivillier, filho de Ariann Zivillier, Retornados
que atualmente administra a Khorcova. Duas outras
companhias disputam o poder e a preferência de Os retornados ainda são um mistério
Ferren Asloth: o Bando da Noite Turva, que vem se em Aslothia. Ninguém tem certeza se a
destacando por admitir retornados em suas fileiras e ressurreição de um grupo tão grande de
por sua dedicação ferrenha a Tenebra, e a Companhia pessoas foi algo planejado por Ferren ou o
Sangrenta, liderada por uma lefou especialmente resultado do dedo de Nimb se intrometen-
violenta chamada Mavinah. Suas disputas em becos do onde não foi chamado.
escuros costumam ser brutais, mas raramente outros Para todos os efeitos, retornados são como
mercenários se envolvem. osteon, mas têm o corpo muitas vezes
Milothiann é também o ponto central para aqueles decomposto em algumas partes e susten-
que desejam cair nas graças do Arquilich. É sabido tam as marcas de sua morte, dependendo
que o regente tem agentes espalhados pela cidade, da época em que morreram. Quando
observando cidadãos que possam servir para seus surgiram, muitas companhias mercenárias
planos misteriosos. Quando uma pessoa é escolhida, defenderam que todos deviam ser mortos
acha um pergaminho com o selo do reino inexplicavel- e enterrados novamente. Mas uma nova
mente colocado dentro de casa, no bolso de uma roupa ordem do Arquilich Ferren Asloth decidiu
que usou na noite anterior, entre as ferramentas de que eles eram tão filhos de Aslothia
trabalho ou em qualquer outro lugar. Nele, encontra quanto os vivos. Assim, os retornados se
ordens que devem ser seguidas à risca. Elas variam: viram livres para seguir em frente.
espionar um vizinho, roubar as ferraduras do cavalo Não são imortais, mas revidam ataques e
de um mercenário, ficar parado em uma esquina planejam vinganças de formas ainda mais
específica por dias, assassinar alguém. É provável que sádicas que qualquer aslothiano vivo.
cada pequena ordem seja parte de um plano muito Afinal, ninguém quer morrer duas vezes.
maior, um quebra-cabeça que só faria sentido juntando
cuidadosamente cada peça. O certo é que aqueles que
cumprem as ordens dos pergaminhos podem receber
é irremediavelmente atraído para o fundo e se afoga…
em seguida um anel de metal que traz como marca a
se tiver sorte. Os desafortunados se corrompem e se
lua que faz parte do brasão do reino. Isso os coloca
transformam em criaturas que passam a proteger Ery-
no círculo mais baixo dos favorecidos do Arquilich,
nia para sempre. Quem atravessa o fosso e ultrapassa
mas no primeiro degrau rumo à chance de receber
as muralhas do castelo é recebido por um imenso
uma bênção macabra do regente. Quem sabe onde se
jardim morto labiríntico, em que cada sombra é um
pode chegar obedecendo a todas as ordens seguintes?
pesadelo do passado esperando para ressurgir. Quem
se perde jamais retorna. Nada disso afeta os servos
Castelo Erynia de Ferren Asloth, entretanto.
Em sua obra Os Caminhos Tortuosos do Reinado, o Dentro de Erynia, numa vastidão de corredores
historiador Daruvio Fetanza disse: “Se Milothiann e salões sempre finamente decorados, vive a corte do
é o centro de Aslothia, Erynia é seu coração: feito de Arquilich, mergulhada em intrigas, disposta a fazer o
pedra e morto por dentro”. E, embora a frase de efeito que for possível para ganhar as graças de seu regente.
soe bem quando dita nos bailes e jantares do Reinado, Ali moram e transitam famílias de condes aliados
seu significado pode não estar completamente correto. aos Asloth no decorrer dos séculos, comerciantes
De certa forma, Erynia continua sendo o que abastados, clérigos de Tenebra, líderes mercenários,
sempre foi: um castelo de arquitetura sisuda, prática, nobres em busca de ascensão e os Sislach, quando
um monumento aos tempos em que manter o condado estão na capital. A corte também conta com Patusco,
era uma batalha por si só. Mas hoje é também um um clérigo de Tanna-Toh transformado em bobo da
retrato do poder conquistado pelo Arquilich e um corte, que só diz a verdade, e Cantriel Lliharinn, um
instrumento de adulação pelas conquistas já realizadas. dos maiores escribas e historiadores de Arton. Antiga-
Contornando sua estrutura há um fosso profundo mente, Cantriel possuía uma oficina em que oferecia
de água estranhamente cristalina, mas seu aspecto é seus serviços a aventureiros, mas foi transformado
uma mera armadilha. Encantada pelo próprio Arqui- em osteon por Ferren Asloth e agora é responsável
lich, a água atrai qualquer um que tente atravessar o por registrar a história de Aslothia para a posteridade.
fosso com intenções danosas ao regente. Quem cai ali Para sempre.

Além do Reinado
201
O próprio Arquilich reside na torre central e ali
atende a seus vassalos. Comenta-se, porém, que ele
Aslavi
é capaz de disfarçar sua natureza morta-viva e, assim, Situada sobre uma colina solitária, Aslavi é uma
costuma andar entre os membros da corte em ocasiões cidade pequena que fica ao sul da capital Milothiann
menos formais, certificando-se de que suas alianças são e herdou muito de sua arquitetura e falta de plane-
realmente sólidas. Vez ou outra faz o mesmo viajando jamento, repleta de vielas estreitíssimas, barrancos e
pelo reino, normalmente acompanhado de Sislach becos suspeitos. No sopé da colina há um muro de
Vissanzi, também disfarçada. cerca de seis metros e sua entrada conta com cinco
curiosos guardiões que jamais deixam seu posto:
quatro esqueletos e uma aparição. À primeira vista, é
Ith uma cidade comercial, repleta de barracas e pequenos
Comparada a outras cidades aslothianas, normal- mercadinhos vendendo coisas inofensivas.
mente nascidas da adulação de nobres ao Arquilich ainda
Na verdade, Aslavi foi criada por um casal de
em seus tempos de conde, Ith surgiu como um presente.
trambiqueiros dissidentes de Ith, Lamara e Bawir, que
Harghan Trozik era o líder da Garra da Harpia, resolveram partir quando acharam que o que acontecia
um grupo mercenário famoso por agir na fronteira entre ali estava começando a ficar pesado demais. Afinal,
Hongari e o que então era Portsmouth. Seu papel e o de eles só queriam ganhar uns trocados e viver em paz o
seu bando era interceptar grupos de aventureiros espiões quanto pudessem. Assim, Aslavi se tornou um posto
e hynne contrabandistas que tentavam levar o fumo que de comércio clandestino quase inofensivo e um foco de
cultivavam direto para Sambúrdia, sem pagar impostos. jogatinas ilegais levado pouco a sério pelas autoridades.
Seu trabalho era mais do que competente. Certa Entretanto, seu submundo esconde os famigerados
vez, fez questão de viajar até Milothiann apenas para leilões das sombras, onde itens mágicos, artefatos e
entregar ao Conde, em mãos, as cabeças decepadas outros artigos misteriosos são colocados à disposição de
de seis membros dos Bons Hynne, um grupo que quem puder pagar. Nobres de outros reinos, inclusive,
ousava proteger Hongari e tentava chamar a atenção arriscam a vida para conseguir um convite para esse tipo
do Reinado, reclamando das pressões comerciais de evento ou pagam aventureiros para fazer escolta ou
constantemente tomadas por Portsmouth. O feito representá-los nos eventos. Entre alguns círculos do
lhe garantiu o posto de favorito do Conde, que lhe Reinado, Aslavi é conhecida como “Vectora inversa”,
presenteou Ith, na época uma vila de médio porte tanto por estar sobre uma colina quanto pelo comércio
entre a capital e a fronteira que tanto havia defendido. de itens arcanos de procedência desconhecida.
Harghan ergueu um forte e muralhas. Ith passou a Os lugares mais conhecidos são a taverna Lixo Tran-
abrigar, além de seu povo, mercenários de outras com- cado, administrada por Agatha — que abriga Opritinik,
panhias e criminosos fugitivos do Reinado. Tudo que um hynne procurado, traidor de Hongari — e a Mansão
havia de ilegal e perigoso acontecia ali, incluindo uma Bac Arat, onde não se entra sem um convite explícito.
arena clandestina onde magos eram obrigados a lutar
até a morte. Não era um lugar para os de coração fraco.
Então veio a Guerra Artoniana. Por conta da aliança Cambur
com os puristas, Ferren Asloth solicitou que Harghan Localizada no sudoeste de Aslothia, Cambur já
lutasse em seu nome e deixasse Ith para trás. A cidade, teve mais de um papel na história do reino. Primeiro
de fato, continuaria funcionando como sempre funcio- foi o palco da Revolta a Pé, estopim arquitetado do
nou, equilibrada no respeito mútuo entre criminosos. início da Guerra Civil de Bielefeld. Depois serviu de
Harghan partiu e nunca mais voltou. cenário para a trágica história do sequestro e morte do
jovem Ariek Anthallas por bandidos, depois que seu
A história de seu destino varia: uns dizem que
pai e lorde local, Fandor Anthallas, viu seus pedidos
morreu como herói, outros que foi trucidado por um
de ajuda recusados pela capital.
bárbaro em uma arena, vítima de sua prepotência. O
boato que vem ganhando força recentemente é que a A dor de Fandor transformou Cambur em uma
lealdade do chefe mercenário para com seu mestre era rara semente de simpatia velada pelos cavaleiros da
tão grande que as forças que corromperam Aslothia Luz dentro do território de Ferren Asloth. Acordos
trouxeram Harghan de volta à vida. Por que ele não que demoraram décadas para serem elaborados foram
surgiu e reassumiu seu antigo posto é um mistério, finalmente fechados entre o lorde e Norm, e cavaleiros
mas há quem diga ter visto um guerreiro trajado de passaram a viver em segredo na cidade, aguardando o
armadura completa, de olhos vermelhos flamejantes, momento em que uma resistência fortalecida pudesse
vagando além das muralhas nas noites mais escuras. anexar o território de volta a Bielefeld. Mesmo com a

Capítulo Dois
202
Guerra Artoniana, o disfarce foi mantido em prol de Possivelmente se tratava de um ídolo dedicado a
uma vitória maior. E talvez tudo tivesse dado certo se Megalokk, feito pelos antigos povos nativos do reino.
não fosse a Noite da Ascensão Profana. Depois de muito tempo, aparentemente todas
O ritual realizado por Ferren Asloth transformou a as joias da peça foram arrancadas, levadas por algum
população de Cambur em mortos-vivos — e os cavaleiros ladrão habilidoso. Acontece que desde então uma
ali ocultos em servos do Arquilich. Quem se atreve a criatura horrenda conhecida como Aspecto de Me-
circular pela área se depara com a mais profana das visões: galokk vem rondando a área, protegendo a estátua
corpos carcomidos patrulhando a cidade, envergando e atacando quem quer que se aproxime. Dizem que,
orgulhosamente armaduras da Ordem da Luz. quando morto, o monstro ressuscita uma semana
depois, mas ninguém confirma a informação. Clérigos
Em tom jocoso, comenta-se nas tavernas de As- de Megalokk, que já tratavam o lugar como sagrado,
lothia que Alenn Toren Greenfeld, líder da Ordem da têm feito peregrinações para visitá-lo, enfrentando
Luz, daria seu único olho bom em troca da destruição mortos-vivos e quaisquer outros perigos no caminho.
definitiva de Cambur.
É possível que os ataques acabem se as pedras
forem devolvidas, mas a essa altura elas podem estar
Pata de Megalokk em qualquer lugar de Arton.
A Pata de Megalokk é uma enorme clareira existen-
te desde muito antes da chegada do povo do sul, que
lembra vagamente o formato da pata de um imenso
Castelo Caerilech
No passado, Caerilech foi um ponto de resistência
animal reptiliano. Segundo estudiosos e bardos na
contra Ferren Asloth, comandado pelo mago Caerilech
mesma proporção, esta teria sido a marca deixada pelo
Gotravon. Depois da Noite da Ascensão Profana,
Deus dos Monstros ao tomar impulso para deixar Arton
porém, o lugar foi encontrado surpreendentemente
depois da guerra que deu fim à Era dos Monstros.
vazio. Ninguém sabe se algo aconteceu com Caerilech
Em seu centro há uma estátua de pedra repre- ou se ele simplesmente resolveu fugir por alguma
sentando uma criatura de seis patas e duas cabeças das várias passagens subterrâneas que supostamente
coroadas, decorada com centenas de joias preciosas. existem sob a fortificação e levam para fora do reino.

Além do Reinado
203
Companhias mercenárias e aventureiros dispostos ocorre apenas em momentos de grande necessidade.
foram convocados para vasculhar o lugar e garantir O fracasso em seus deveres pode incorrer em punição
que ele esteja pronto para receber sua nova dona: ou até substituição, pelo que se sabe. Sendo assim,
a Condessa Sirissa Tarvela, uma vampira de uma o cargo de Sislach é extremamente cobiçado, embora
família tradicionalmente muito próxima aos Asloth. não haja nenhum sinal de que a configuração atual vá
Qualquer suposto grupo de resistência também mudar em um futuro próximo.
deveria estar interessado no Castelo Caerilech; é Sislach Narsogg é o responsável pela cobrança
possível que Gotravon tenha guardado em sua morada de impostos, dívidas de sangue e por reforçar diplo-
preciosas anotações sobre as fraquezas de Milothiann, maticamente o poder de Ferren Asloth. É um osteon
ainda que desatualizadas. meio-gigante, de passos lentos e voz retumbante.
Aos que se propõem a trabalhar para Sirissa, resta Suas roupas pesadas e luxuosas, surpreendentemente
procurar por armadilhas, inventariar tesouros, mapear novas e limpas, estão sempre cobertas de colares,
passagens secretas e expulsar quaisquer criaturas que medalhões e pulseiras cheias de joias. Sabe-se que
tenham se enfiado por ali. ao menos parte dos adereços foi tomada de suas
vítimas como lembrança, mas mencionar o assunto
não parece algo muito sábio. Seu rosto cadavérico está
Pilar de Rasthalhur sempre oculto por uma máscara dourada, esculpida
O Pilar de Rasthalhur é uma enorme construção para reproduzir as feições de uma jovem aprazível e
cilíndrica e sólida, na parte norte de Aslothia. É toda sorridente. Sua chegada, sempre acompanhada de uma
feita de uma pedra tão negra que parece engolir a comitiva de esqueletos em marcha, nunca é vista como
própria luz de Azgher. Subindo em forma de espiral, bom sinal. É comum que Narsogg traga de volta os
escritos enigmáticos ornam toda a sua superfície. corpos decompostos de entes queridos ou inimigos
Oficialmente se trata de uma escultura em home- jurados de seu alvo atual como parte da pena pelo
nagem à deusa Tenebra, feita por um único homem, descumprimento das leis aslothianas. Aqueles que
o talentoso e recluso Shikor Rasthalhur, e dada de não sobrevivem aos métodos de tortura do osteon
presente a Portsmouth. se juntam a sua comitiva de esqueletos por toda a
eternidade. Narsogg carrega sempre consigo Avir,
Shikor, entretanto, jamais existiu.
um enorme montante de poderes necromânticos cuja
O Pilar é na verdade uma cruel prisão, construída lâmina foi feita usando o fêmur de sua própria irmã.
magicamente pelos Graath para aprisionar os magos Sislach Vissanzi é a mestra dos sussurros e cons-
e oposicionistas mais perigosos já capturados pelas pirações, um poço de intrigas oculto sob a aparência
companhias mercenárias de Ferren Asloth. Não há de uma jovem. Sua pele é acinzentada e seu cabelo
portas ou janelas e somente os Graath sabem como negro está sempre dividido em três longas tranças.
entrar e sair. Ela viaja por Aslothia em busca de rebeldes, conspi-
Do lado de fora, o monumento é vigiado cons- radores e detratores do regime de Ferren Asloth, para
tantemente, com o pretexto de ser uma obra santa. que sejam punidos. Quando está no Castelo Erynia, é
Ultimamente, porém, muitos mortos-vivos têm sido vista sempre ao lado do Arquilich e considerada sua
atraídos para a área e o lugar parece ganhar um brilho principal conselheira, algo que causa inveja em muitos
especial em noites em que não há lua. membros da corte. Ironicamente, boatos sobre a própria
Vissanzi brotam o tempo todo: dizem que ela é capaz
de se metamorfosear em qualquer pessoa independente
Guildas & de como ela seja, que é filha adotiva de Ferren Asloth,
que é uma criatura invocada por acidente no ritual da
Organizações Noite da Ascensão Profana e que tem a capacidade de se
transformar em um enorme meio-abutre que se alimenta
Os Sislach de carne humana. Para o terror dos aslothianos, talvez
Sislach é o título dado aos três membros da corte todas as hipóteses estejam corretas.
mais próximos do Arquilich, que só estão abaixo dele na Sislach Rawia é o braço forte escolhido por Ferren
hierarquia do reino. Cada Sislach tem o dever de viajar Asloth para conduzir assuntos em que a sutileza se
por toda Aslothia, garantindo os interesses de Ferren faz desnecessária. Uma medusa corpulenta, trajada em
Asloth. Devem ser tratados com extrema reverência uma couraça de metal esverdeado com uma enorme
e têm poder de juiz, júri e executor. Cada um deles cabeça de cobra gravada no peito em alto relevo,
cuida de suas próprias atribuições e a união dos três tem como montaria um enorme gorlogg chamado

Capítulo Dois
204
Quistus. Rawia é também a líder da Companhia das de morte. Nas estradas de Aslothia o encontro com
Serpentes, um grupo mercenário cujo primeiro escalão esqueletos, mortos-vivos e chacais zumbis é certo.
é composto apenas por suas outras filhas medusas, Armar acampamento e se ver atacado por um enxame
Vethara, Calitha e Basthara. Graças ao status con- de garras-zumbi durante a noite é uma possibilidade.
cedido pelo Arquilich, Sislach Rawia pode convocar Vilarejos abandonados, que a princípio podem parecer
os melhores membros de qualquer outra companhia uma esperança de um descanso melhor, podem escon-
mercenária para missões se achar necessário. O pedido, der um morgue’raz sedento por assassinato ou um
obviamente, não pode ser negado. A medusa carrega cemitério vivo pronto para se levantar.
consigo um arco longo e um machado de guerra, mas
As companhias mercenárias de menor prestígio
seu poder mais temido foi uma bênção concedida pelo
são encarregadas de vigiar as partes inóspitas e pe-
próprio regente de Aslothia: Rawia é capaz de apodrecer
rigosas, e seus membros estão sempre procurando
gradativamente o corpo de quem ousa cruzar seu olhar.
algum feito que lhes possa garantir uma posição
Diz-se em sussurros pelo reino que cada Sislach melhor entre os seus. Não é raro que grupos de
tem uma fraqueza particular e fatal. Uma precaução aventureiros sejam insultados até o limite, em busca
caso qualquer um deles decida se voltar contra o de uma reação impensada. Procurar algum tipo de
Arquilich e os seus. É fato que grupos de aventureiros honestidade ou compaixão entre estes mercenários
têm se dedicado a descobri-las. é uma tarefa impossível.
Nenhum retornou vivo até agora. Grupos de caçadores de magos — alguns profis-
sionais, outros compostos apenas de bandoleiros com
Graath armas improvisadas — varrem estalagens e tavernas
em busca de alvos. Entregar um mago vivo pode render
O Graath é um grupo secreto de magos trabalhando
prestígio e dinheiro e, no caso de companhias como a
a serviço de Ferren Asloth. Seus membros são desta-
Asa Ossuda, pode garantir a entrada de um aspirante.
cados para as missões mais delicadas e a captura dos
magos mais poderosos. Missões em que a discrição e Por outro lado, há quem sonhe com dias melhores.
a furtividade são as únicas armas possíveis. O grupo Rebeldes surgem e somem como o apagar de uma
também é responsável pela administração e vigilância vela, esmagados pela ação dos Sislach e dos Graath,
do Pilar de Rasthalhur. Quando necessário, os Graath mas ninguém sabe o que pode acontecer se um dia
também servem de força de apoio para os Sislach. receberem apoio externo mais veemente, seja dos
Os Graath usam sempre trajes iguais: roupas leves hynne endinheirados agora em Sambúrdia, seja dos
e mantos cinzentos. Seus rostos estão sempre encober- cavaleiros da Luz. De vez em quando, pequenos grupos
tos por uma espécie de véu feito de pequenos anéis de de aslothianos juntam o dinheiro de uma vida para
metal até um pouco além da altura do queixo. Alguns financiar aventureiros que os escoltem até a fronteira.
deles contam com armas variadas além dos próprios As cidades de Aslothia são como cadáveres em
talentos mágicos e são extremamente silenciosos. um velório: por baixo da maquiagem e das bochechas
Nas raras ocasiões em que são obrigados a dizer algo, rosadas, todos sabem que há apenas morte e podridão.
o que se ouve é uma voz monotônica, sem emoção. A opulência dos nobres e criaturas da noite domina o
Isso porque os Graath não fazem parte da or- ambiente com intrigas e o desejo de subir cada vez mais
ganização por vontade própria: são ex-prisioneiros nas graças de Ferren Asloth, em busca de suas bênçãos
importantes cujas mentes foram dobradas e deturpadas transformadoras. Todo e qualquer plano ou segredo
por Ferren Asloth através de rituais mágicos nas salas deve ser traçado com extremo cuidado, pois nunca
do Pilar de Rasthalhur. se sabe quem realmente está a serviço do monarca.
Entrar no Castelo Erynia é uma aventura por si só…
e das mais perigosas.
Companhias Mercenárias Embora a entrada de magos em Aslothia seja proi-
Essas organizações são parte essencial do que
bida e muitas vezes letal se descoberta, necromantes
Portsmouth foi e do que Aslothia é. O funcionamento
costumam se disfarçar em grupos de aventureiros — às
delas é descrito no Capítulo 4.
vezes sem que nem mesmo seus companheiros saibam
— a fim de observar de perto seu objeto de estudo. Há
Aventuras quem diga inclusive que existe uma leniência não oficial
quanto à presença de usuários de necromancia. Talvez
Aslothia não é só “o Reino dos Mortos”, como se o Arquilich os veja com o mesmo interesse com que
comenta nos salões do Reinado. Aslothia é um reino eles examinam os mortos que vagam pelos ermos…

Além do Reinado
205
Repúblicas Livres de
Samburdia
´ A TERRA DO OURO

N
ação de dimensões continentais região cheia de animais robustos, onde os pontos de
abençoada pelos deuses com a dádiva trégua da Floresta de Greenaria exibiam campos largos
da fertilidade, Sambúrdia é um lugar ideais para o plantio. A fertilidade da região beirava
onde as plantações florescem com mais o sobrenatural. Ao ouvir tais histórias, grupos de
viço e os animais engordam com exuberância. refugiados que tinham aptidão para as lidas do campo
decidiram trilhar a longa jornada até o que parecia ser
Nessa terra onde até a lua parece mais cheia,
uma terra abençoada pelos deuses. A peregrinação foi
os habitantes têm uma vida próspera — e prós- longa, exaustiva e perigosa. Os colonos sobreviveram
peros também são os negócios. Pois, ao longo apenas graças a um grupo de heróis formado pelo
das várias guerras que abalaram o continente, suraggel Yves-Medhard; por Hanzo, um guerreiro
Sambúrdia se manteve neutra, comercializando de Lenórienn; pela arcanista Maura, e liderados por
sua produção com todos os lados dos conflitos — Morkh Amhor, paladino de Azgher.
afinal, campanhas militares requerem um volume Uma vez às margens do Rio Vermelho, os colonos
de suprimentos que poucos reinos são capazes se dividiram em vários grupos e se dispersaram, a fim
de produzir. Dessa forma, cresceu em território, de colonizar a vasta extensão de terra. Ocuparam desde
população e poder econômico, tornando-se a a região da Bacia de Callistia, onde encontraram nobres
grande potência mercantil do leste. vindos de Namalkah, até as longínquas fronteiras
com Sckharshantallas, onde o avanço foi barrado
Hoje, caravanas e navios mercantes viajam até pelo Dragão-Rei Sckhar. Originalmente, os colonos
os confins do mundo conhecido levando o cultivo se dividiram em três reinos: Callistia junto à bacia de
local e retornando com produtos exóticos. Com tan- mesmo nome, Nova Ghondriann à margem leste do
tas riquezas circulando, essas rotas por terra e mar Rio Vermelho e Sambúrdia cobrindo a maior parte
atraem a atenção de bandidos gananciosos e monstros do território, do Rio dos Deuses até a Baía Dourada.
famintos. Isso, por sua vez, gera um novo mercado: Porém, as fronteiras mudaram diversas vezes ao longo
o de aventureiros dispostos a oferecer segurança em da história até assumir o desenho atual.
troca de sua justa parte do ouro.
O território das fadas
História A primeira grande mudança ocorreu ainda durante
o estabelecimento das colônias. Muitos dos refugiados
Quando as caravanas vindas do sul enviaram seus foram atraídos para certa localidade no coração da
batedores para desbravar o continente, começaram a Greenaria, onde as nuvens se moviam em espirais e
receber rumores sobre um lugar no nordeste longínquo as árvores mudavam de cor. O que a princípio parecia
onde a terra era escura, o clima era ameno e as árvores divertido e belo, no entanto, logo se tornou motivo
vistosas geravam frutos enormes e suculentos. Uma de pavor. Isso porque as expedições que se arriscaram

Além do Reinado
207
a desbravar a região a fundo nunca retornaram. Ao pelos samburs e muitos estão até hoje estabelecidos no
mesmo tempo, episódios bizarros aconteciam nos cultivo das terras férteis. A família Aranth, no entanto,
povoados que ousaram se assentar nas imediações. por muito tempo se ressentiu da derrota sofrida. O sen-
Ventos repentinos traziam chuvas de cogumelos. Dos timento foi transferido às gerações mais recentes, assim
ovos das galinhas nasciam filhotes de ganso. Trilhas já como a fama de serem avarentos e vis. Algumas décadas
bem conhecidas passavam a levar os viajantes para os atrás, os últimos integrantes da família desapareceram
lugares errados. Doces surgiam às portas dos aldeões sem deixar rastros. Não se sabe se foram em busca de
e, ao serem consumidos, geravam alucinações. Crianças uma forma de restaurar sua reputação manchada ou
desapareciam de suas camas e até mesmo o sol às se planejam uma conspiração para retomar o poder.
vezes nascia do oeste. Alguns poucos caçadores que
conseguiram retornar de incursões nas proximidades
trouxeram relatos espantosos de belas criaturinhas,
Os Tiranos das Águas
Com o surgimento da área de Tormenta em
com traços de animais da floresta, que soltavam risadas
Trebuck, a contaminação atingiu as águas subter-
doces ao ouvir os gritos de suplício dos torturados.
râneas onde espécies desconhecidas viviam em um
As histórias sobre as fadas, já bastante terríveis, ecossistema isolado. Afugentadas pela corrupção
tornaram-se ainda mais exageradas cada vez que eram vermelha, muitas dessas criaturas encontraram
repetidas, e inúmeras superstições se criaram ao redor rotas que as trouxeram para a superfície e desceram
dos acontecimentos inexplicáveis. Por fim, o então a correnteza do Rio dos Deuses em busca de um
regente de Sambúrdia reconheceu o território das novo habitat, até chegarem aos inúmeros rios que
fadas — que ainda não havia recebido o nome Ponds- afloram na Bacia de Callistia. Em especial, uma raça
mânia — e o povo sambur abandonou os arredores de humanoides subaquáticos extremamente violenta
daquela área jamais mapeada. entrou em choque com a população ribeirinha devido
à competição pelos cardumes. Esses homens-peixe,
A Revolta de Trebuck que mais tarde seriam nomeados lursh lyins (“tiranos
das águas” em élfico) passaram a surgir na calada da
Outra grande mudança ocorreu durante o governo
noite para aniquilar povoados inteiros, até mesmo
de Wogar Aranth, o tirano. Diante da dificuldade em
crianças e animais, levando embora não mais do que
administrar um território tão vasto, o monarca enviou
os peixes pescados no dia. As histórias sanguinolentas
seu filho, Aggaron Aranth, para representá-lo nos re-
logo se espalharam por toda a região, e desde então
motos feudos do norte e garantir que os senhores locais
não há quem ouse perambular fora de casa durante a
pagassem os devidos tributos. Contudo, a inaptidão
noite. Portas e janelas são reforçadas com madeira e
de Aggaron para governar rivalizava apenas com seu
com o pouco metal disponível na região, mas não são
enorme ego. O resultado foi um período de abuso e
suficientes para impedir a brutalidade das criaturas.
extorsão contra a população local. Fazendeiros foram
destituídos de suas terras e tornaram-se não mais do que Por se tratar de um suplício que afetava apenas
servos nas lavouras confiscadas. Os que se recusaram pequenas vilas de pescadores distantes da capital, por
a obedecer foram mortos, deixando famílias desampa- muito tempo o então regente Planthor Drako ignorou
radas. Crianças tiveram que pegar em enxadas desde os pedidos de socorro da população. Ironicamente,
cedo e o povo como um todo passava fome enquanto durante uma viagem em missão diplomática, Planthor
via as abundantes safras sendo levadas para a capital. se tornou vítima da ameaça que se recusava a com-
bater. Ao receber a notícia do massacre do séquito, a
O comando desastroso levou ao que ficou conheci-
herdeira Amina Drako jurou se vingar das criaturas.
do como Rebelião dos Servos. Insuflados pelo desejo
Para isso, engendrou um arranjo político à revelia das
de liberdade, o povo pegou em armas para expulsar
demais famílias nobres do então reino de Callistia,
Aggaron e seus homens ou morrer tentando. O conflito
que culminou na dissolução do reino e sua adesão às
teve idas e vindas e se estendeu por anos a fio, até que
Repúblicas Livres de Sambúrdia. Sob a bandeira do
Wogar Aranth não teve alternativa a não ser decretar
novo governo central, extinguiu os pedágios cobrados
a retirada das tropas e reconhecer a independência no escoamento de mercadorias pelo sistema fluvial,
de Trebuck. o que atraiu o interesse de mercadores samburs e
Os camponeses dos Feudos de Trebuck e das atuais tornou a navegação local mais vibrante. Em troca,
Repúblicas de Sambúrdia não alimentam nenhum tipo Amina aumentou seu poder político perante os demais
de rivalidade entre si. Tanto que, quando a Tormenta se nobres da região e recebeu um aporte de tibares que
acometeu sobre o reino de origem da Rainha-Imperatriz pretende usar para financiar a contratação de heróis
Shivara, caravanas de refugiados foram bem recebidas para combater os lursh lyins.

Capítulo Dois
208
A marcha da Tormenta
Há quase duas décadas, a corrupção da Tormenta
deixou sua marca em Sambúrdia quando Crânio Ne-
gro, o algoz da Tormenta, marchou com seu exército
maculado. De cavaleiros de Bielefeld a bárbaros dos
Ermos Púrpuras, ninguém escapou aos simbiontes que
transformavam artonianos em anomalias destituídas de
personalidade. Cobertos de carapaça viscosa e armados
com pinças e ferrões, avançaram ora caminhando, ora
cruzando portais de magia profana. Pelo caminho, ficou
o rastro de degradação. Ainda hoje criaturas corrompi-
das se escondem nas entranhas da Greenaria, cercadas
por cultistas que há muito perderam a sanidade…

pós-guerra
Outrora parte do Reinado, as regiões que hoje com-
põem as Repúblicas Livres proclamaram independência
uma a uma. Primeiro, Callistia e Nova Ghondriann se Repúblicas Livres de Sambúrdia
desligaram da coalizão devido à falta de apoio para lidar
com os problemas locais. Junto a Salistick, fundaram a Nome Oficial: Repúblicas Livres
Liga Independente, que teria curta duração. Por fim, de Sambúrdia.
a então Sambúrdia também se tornou independente e,
por meios políticos e econômicos, incorporou Callistia Lema: “Do Verde ao Ouro”.
e Nova Ghondriann em seu território, assumindo Brasão: de verde uma roda de ouro,
controle das melhores rotas fluviais e formando, assim, em uma campanha arqueada de azul e
as Repúblicas Livres de Sambúrdia. Assolado por uma perfilada de prata carregada de um cavalo
sequência de guerras e tragédias, o Reinado nada pôde marinho de ouro; um chefe de azul elevado,
fazer a não ser aceitar a emancipação. contra-arqueado e perfilado de prata.
Enquanto Callistia se tornou uma das Repúblicas Gentílico: sambur.
Livres sob a liderança de Amina Drako, Nova Ghon- Capital: Sambúrdia Capital.
driann chegou ao mesmo feito após anos de manobras
políticas de Erov Kadall. A princípio, Erov parecia ser Forma de Governo: federação de
apenas mais um membro do Conselho Ghondrianni. repúblicas mercantis.
Porém, sua astúcia e eloquência o fizeram ganhar mui- Regente: Beldrad Isontorn.
tos partidários, até ser capaz de depor o antigo rei, Wyr População: 3.600.000.
Thorngrid, e passar a comandar o país. Nos últimos
anos, com financiamento do Principado Mercante de Raças Principais: humanos, hynne,
Sambúrdia, Erov dissolveu o conselho que o apoiou elfos, goblins.
e transformou o país em um território das Repúblicas Divindades Principais: Tibar,
Livres. As opiniões quanto a isso divergem: alguns Allihanna, Nerelim.
dizem que foi a maior traição da história de Nova
Ghondriann, outros defendem que a mudança trouxe
melhor qualidade de vida para os cidadãos. Quanto
a Erov Kadall, ele próprio se tornou um príncipe
mercante e chanceler da região, acumulando poder com todos os lados dos conflitos, o que trouxe ex-
econômico e político. Muitos se perguntam qual será trema prosperidade. Como consequência, receberam
seu próximo passo rumo ao acúmulo de poder. ondas de refugiados, dos quais destacam-se os hynne
As Repúblicas Livres viveram relativo período de da extinta Hongari, elfos do tombado Império de
paz, enquanto o restante do continente era abalado Tauron e goblins das Ruínas de Tyrondir. Sobrevi-
por sucessivos conflitos, como as Guerras Táuricas, a ventes que conseguem completar a perigosa jornada
Guerra Artoniana e a invasão goblinoide de Lamnor. encontram em Sambúrdia uma terra acolhedora, mas
A neutralidade permitiu comercializar sua produção que demanda coragem e trabalho árduo.

Além do Reinado
209
Geografia enorme quantidade de rios navegáveis. Entre eles, o
Rio dos Deuses na fronteira noroeste, o Rio Vermelho
O clima em Sambúrdia é agradável o ano inteiro, cortando de norte a sul, o Rio Bastav que desce das
sem grandes variações de temperatura. Dias de sol são Sanguinárias, o Rio Soupar na área central e o Rio
intercalados com chuvas que regam a terra escura. A Zurdar que, juntamente com uma infinidade de
maior parte do país é ocupada por campos de cultivo córregos e afluentes, compõem a Bacia de Callistia no
extensos e abundantes, capazes de produzir múltiplas oeste do país — incluindo também o Rio Movente,
colheitas em um único ano. A exceção são as áreas de uma anomalia mágica que surge de forma inesperada
floresta, também abundantes e presentes em grande onde antes era terra firme e desaparece mais tarde
parte do reino. Em especial, a Greenaria é uma mata sem motivo aparente. Todos esses rios, assim como
com frutas suculentas e troncos grossos cobertos por o acesso ao Grande Oceano pela Baía Dourada,
musgo e cipós. Suas árvores muito altas bloqueiam ligam Sambúrdia ao mundo inteiro através de seus
a luz do sol e a escuridão profunda atrai aqueles que navegadores mercantes, que empreendem viagens
buscam se esconder: desde criaturas nunca vistas pelos tão lucrativas quanto perigosas. Por fim, a região
povos civilizados até grupos de cultistas da Tormenta e nordeste é de longe a mais perigosa das Repúblicas
outros fora da lei. Outra zona de grande importância é Livres, com a presença esporádica de monstros
a Floresta das Escamas Verdes, que fica no centro do perto da fronteira com as Montanhas Sanguinárias,
reino e é habitada por uma quantidade imensurável de a ameaça da Tormenta trovejando em Trebuck e a
dragões da terra, cuspidores de veneno. Os samburs das imprevisibilidade na demarcação da terra das fadas
aldeias próximas não se atrevem a invadir o território nos arredores da Pondsmânia.
dos dragões e, em troca, também não sofrem agressões.
Apesar de frágil, a trégua é duradoura e há grande
esforço para que continue assim. Povo & Costumes
As estradas mais movimentadas ficam a sudoeste, A região hoje conhecida como Sambúrdia é
próximo às fronteiras com Aslothia, Ermos Púrpu- habitada por povos de inúmeras origens, que já
ras, Salistick e Namalkah, sendo os dois últimos se organizaram em diferentes formas de governo,
importantes parceiros comerciais. Há também uma guerrearam entre si no passado, decretaram a paz,

Capítulo Dois
210
estabeleceram alianças comerciais fortalecidas com o O Amor Tudo Cura
passar dos anos, até que decidiram eliminar as antigas
fronteiras e fundar uma federação de cidades-estados Alvo de uma praga rogada pela antiga
sob um mesmo estandarte. É uma nação diversa, que matriarca dos lulack-nóck, a população
cresceu ainda mais em diversidade com as recentes ghondrianni há décadas vinha diminuindo.
ondas migratórias. Porém, a maldição foi quebrada recente-
Atualmente, a população é formada principal- mente, graças ao poder do amor.
mente por humanos e hynne, mas também por elfos, Isso ocorreu quando Colborn, um taver-
sereias, sílfides, goblins e outras raças. Todos vivem neiro ghondrianni, e Madame Samara, uma
em harmonia, sempre buscando os melhores negócios, bruxa lulack-nóck, desafiaram as tradições
não importa com quem. A exceção fica por conta dos de seus povos para viver um grande amor.
ghondrianni e os lulack-nóck, dois povos humanos que Quando os dois arriscaram tudo um pelo
vivem às margens do Rio Vermelho e nunca parecem outro, o espírito da própria matriarca surgiu
se acertar. Os ghondrianni são descendentes do antigo e colocou fim à maldição. Desde então, as
reino do sul. De olhos azuis e cabelos loiros ou ruivos, casas ghondrianni foram abençoadas com a
têm por tradição manter longas tranças e casar-se fertilidade habitual de Sambúrdia.
apenas com pessoas da mesma linhagem. Por sua vez,
Hoje os dois vivem juntos na Estalagem
os luláck-nóck são nômades que têm muita afinidade
do Esquilo Careca, servindo aos clientes
com artes arcanas ancestrais. Os ghondrianni dizem
a bebida chamada “baba de troll”,
que encontrar um luláck-nóck traz má sorte — um
oferecendo serviços arcanos e criando os
comentário ofensivo, condenado pelos demais samburs.
gêmeos Pírio e Tíria.
A maior parte dos samburs vive nas fazendas
e vilas espalhadas pelo país. É um povo acolhedor,
extrovertido, ousado e trabalhador. Reúnem-se com
frequência para os festivais de colheita que, com
sua música alegre e seus concursos de leguminosas
Governo
gigantes, atraem mascates e turistas. Extrativismo Sambúrdia é uma federação de repúblicas mer-
também é forte, especialmente a coleta de frutos na cantis. As muitas cidades-estados que a compõem
Floresta de Greenaria e a pesca na Bacia de Callistia. variam bastante em importância econômica e exten-
A atmosfera bucólica inspira aqueles que têm vocação são territorial, sendo cada uma governada por seu
para a magia. Sambúrdia é o país natal de Vladislav próprio chanceler, eleito pelos Príncipes Mercantes.
Tpish, reitor da Academia Arcana, e Vectorius, De tempos em tempos, os chanceleres se reúnem na
fundador de Vectora, o Mercado nas Nuvens. Hoje, capital para votar novas leis e, a cada 6 anos, elegem
as famílias mais abastadas enviam seus filhos para o grão-chanceler, que tem por função representar
estudarem magia em Wynlla ou na Academia Arcana. as Repúblicas Livres na política internacional. O
Após se acostumarem com a vida em metrópoles mais atual grão-chanceler é Beldrad Isontorn, que já
refinadas, esses filhos muitas vezes não retornam ocupa o cargo de regente há quase 40 anos, em
após a conclusão dos estudos, e daí a necessidade das diversos mandatos consecutivos, desde antes da
Repúblicas Livres em atrair mão de obra imigrante. unificação das Repúblicas. É um governante astuto,
que dispõe do poder econômico de Sambúrdia para
Allihanna é a divindade mais cultuada, seguida de
fazer frente aos grandes reis estrangeiros e negociar
perto por Tibar, o Deus Menor do Comércio. Outra
acordos vantajosos.
divindade importante é Nerelim, a Deusa Menor das
Águas Doces, com principal concentração de fiéis na Para se tornar um príncipe ou princesa mercante e
Bacia de Callistia. Nas grandes cidades encontram-se conquistar o direito de votar no chanceler local, é pre-
altares dedicados a Wynna, Lena ou Azgher, assim ciso primeiro ser membro de destaque no Principado
como ao Grande Oceano no litoral. Há também mui- Mercante. Príncipes também podem se candidatar,
tos deuses trazidos pelos imigrantes. Existem leis desde que tenham votado na eleição anterior. Uma
proibindo o culto a Hyninn e Sszzaas, pois samburs dança de poder ocorre dentro do Principado a cada
têm negócios honestos. Nem mesmo a lei fala sobre período de eleição, com presentes e tráfico de influência
o culto a Aharadak, como se a simples menção fosse entre aqueles que querem se eleger e aqueles que
amaldiçoada, mas sabe-se que cultistas se reúnem nas desejam trocar seu voto por vantagens econômicas.
profundezas das florestas, sua sanidade tendo sido É difícil distinguir quem luta em benefício próprio
levada pela passagem do exército de Crânio Negro. daqueles que realmente querem servir ao seu povo.

Além do Reinado
211
Locais Importantes Antigamente, para ir de um porto a outro era
necessário empreender uma jornada por terra que
poderia levar meses e corria o risco de ataques de
Sambúrdia Capital monstros, emboscadas de bandidos e outros impre-
A capital leva o mesmo nome da união de repúblicas vistos. Contudo, nos últimos anos o grão-chanceler
e é um populoso centro econômico e cultural. Dividida Beldrad Isontorn concretizou uma obra de proporções
entre a Cidade Velha, com seus prédios menores e extraordinárias, que deverá ser o principal legado de
mais modestos, e a Cidade Nova, de monumentos e sua longa regência: um canal mágico unindo as duas
ruas largas, a capital abriga não só o Fortim Sambur, cidades. Em Mehnat, a estátua titânica do Grande
sede do governo e local de reunião dos chanceleres, Oceano demarca a entrada. Ao cruzar a passagem em
mas também a Biblioteca Sambur; o Templo da arco, uma embarcação se vê dentro de um túnel longo
Justiça, em honra a Khalmyr, e o Salão dos Mistérios, e escuro, com apenas dois pontos de luz, um em cada
um templo dedicado a Wynna onde crianças de rua extremidade. A travessia leva meia hora. Porém, ao
recebem treinamento em magia. A guarda da cidade chegar do outro lado, descobrirá ter viajado centenas de
se aquartela no Centro de Treinamento e Estratégia quilômetros! Do lado de Yukadar, o acesso é demarcado
e é considerada uma das melhores do mundo quando por outra estátua, tão monumental quanto a primeira,
o assunto é defesa de cerco. Quando Crânio Negro mas de Nerelim, a Deusa Menor das Águas Doces.
atacou com seu exército, a cidade resistiu bravamente Para realizar uma obra tão grandiosa, foi necessário
e mesmo a derrota que acabou sofrendo foi tida como contratar uma equipe de engenheiros místicos de
uma vitória. Em geral, é uma cidade segura para seus Wynlla liderados por Morganth, o Misterioso. A
cidadãos, patrulhada com especial cuidado nas áreas forma como realizaram tal feito é um segredo da alta
comerciais, que às vezes são alvo de punguistas. Destas cúpula de Sambúrdia e foram necessárias décadas de
áreas, destacam-se a Praça do Venha-Ver na Cidade expedições arqueológicas. Ao reunir descobertas feitas
Velha, onde os primeiros comerciantes de Sambúrdia em inúmeras ruínas espalhadas por Arton, os enge-
se reuniam para fazer negócios, e o Patium, uma arena nheiros conseguiram recuperar parte do conhecimento
na Cidade Nova, dedicada a feiras, jogos e competições. do ancestral Império Nardmyr, famoso na aurora da
É comum encontrar anões, minotauros e membros de humanidade por seus poderosos portais. A partir dos
outras raças incomuns em Sambúrdia circulando pela princípios nardmyr, os engenheiros criaram rituais
capital, especialmente em se tratando de estrangeiros para completar o conhecimento faltante. Na maioria
em missões diplomáticas ou comerciais. das vezes o canal funciona como esperado. Porém,
Nos arredores da cidade, a zona rural possui a reprodução não ficou totalmente fiel aos portais
produção intensa, contando com técnicas de cultivo originais. Já houve casos de embarcações entrarem por
mágicas e mão de obra numerosa. Há, no entanto, um dos lados e nunca mais serem vistas. Céticos, os
resquícios de matéria vermelha remanescentes da comerciantes de Mehnat dizem que o sumiço é obra dos
passagem do Exército da Tormenta, e tanto os senhores Piratas da Escuridão que se escondem nas sombras
de terra locais quanto o próprio grão-chanceler buscam do túnel. Porém, estivadores de Yukadar contam sobre
aventureiros que possam enfrentar a ameaça. um navio pesqueiro que, após concluir a travessia,
descobriu-se do outro lado do mundo, em meio ao
Canal Místico Mar Negro. Há um pedágio caríssimo para realizar a
travessia. Além disso, rumores dizem que, para ela ser
dos Ídolos Irmãos bem-sucedida, é preciso subornar as pessoas certas.
Mehnat e Yukadar são duas cidades irmãs situa-
das em pontos opostos do país. Mehnat fica na costa
da Baía Dourada e é o principal porto do sul, com saída
Pontal do Pirata Morto
para o Grande Oceano, que permite tanto acessar os No extremo leste das Repúblicas Livres, entre o Rio
mercados de Bielefeld e Wynlla quanto empreender a Bastav e o Grande Oceano, situa-se uma península para-
busca por especiarias no distante Império de Jade. Já disíaca, banhada de águas claras e coberta de coqueiros,
Yukadar é o principal porto de água doce. Localizado chamada Pontal do Pirata Morto. Nela localizam-se três
na região noroeste, às margens do Rio Vermelho, pontos que atraem visitantes: Collarthan, o Balneário
ali as embarcações têm acesso ao Rio dos Deuses Zannar e as Cataratas de Sambúrdia.
e seus afluentes, podendo chegar tanto a Deheon Collarthan é o maior centro urbano da região, uma
quanto à Supremacia Purista — pois os mercadores metrópole calma e cercada de vilas menores, achatada
samburs são livres para negociar com todos os reinos, contra a costa de areia branca. Lá há bebida barata e
independente de coalizões. danças folclóricas promovidas pelo chanceler local, que

Capítulo Dois
212
atraem uma enxurrada de viajantes. Como as estradas o povoado no vale ao sul e defendê-lo do ataque de
não costumam ser seguras, a forma de acesso mais eventuais monstros vindos das Sanguinárias. Mesmo
utilizada é o teletransporte, mas há quem chegue de com a constante vigilância, não é raro que aranhas
navio, especialmente em se tratando de aventureiros gigantes, grifos e outras criaturas invadam e causem
em busca de gastar o ouro que ganharam na última danos. Apesar disso, a maior desgraça que já se abateu
incursão por mar. Há grande esforço para manter a sobre a região nada teve a ver com as montanhas. Alguns
segurança no litoral, especialmente por parte da Guarda anos atrás, o feudo sofreu um ataque de sombras feitas
da Enseada, um grupo de patrulheiros navais liderado a partir das memórias dos próprios moradores. Muitos
pelo tritão Eliodoro Dirathis, que conta também com morreram na época e até hoje o Rio Afejam é enfeitiçado:
o auxílio esporádico de grupos de aventureiros. Os dizem que, ao beber de suas águas, é possível recuperar
desafios mais comuns são surtos de selakos, ataques memórias há muito esquecidas.
de piratas, desaparecimentos de pessoas e tempestades
que podem causar naufrágios.
O Formigueiro
Já o Balneário Zannar é um destino mais seleto. O viajante que tentar alcançar a cabeceira do Rio
Apenas os mais abastados frequentam esse pequeno Soupar encontrará pelo caminho algo que parece ser
povoado de estalagens luxuosas que fica no topo de uma um enorme vulcão. Porém, não existem vulcões em
colina. É possível ver o mar a partir dos mirantes, mas os
Sambúrdia. A montanha incisiva com um enorme buraco
frequentadores não querem se misturar ao que julgam
no cume na verdade é um formigueiro de proporções
ralé. Em vez disso, voltam-se para as piscinas de águas
colossais! Dependendo da época do ano, nas florestas
termais oferecidas em pequenos clubes fechados. É o
próximas é possível encontrar gigantescas formigas
melhor local para encontrar um chanceler ou príncipe
deformadas decepando troncos com suas mandíbulas
mercante em seu momento de descanso — e aumentar
em pinça e levando embora árvores inteiras. Há também
as chances de conseguir deles o que se precisa. Os
insetos voadores e centípedes venenosos nas imediações
cidadãos mais desconfiados não acreditam na idoneidade
— os animais de tamanho normal há muito fugiram
das eleições em Sambúrdia e dizem que a escolha dos
ou foram devorados. Este foi o refúgio final de Lorde
próximos chanceleres locais acontece em meio aos
Enxame, uma figura insana que décadas atrás devastou
vapores do termas. Zannar possui lojas de artigos de luxo
as colheitas da região com seu exército de artrópodes
prontas para atender a quem estiver disposto a pagar.
modificados. Dizem que o lorde foi derrotado, mas suas
Por fim, as Cataratas de Sambúrdia são um criações sobreviveram e têm se alastrado cada vez mais
complexo de cachoeiras no Rio Bastav, que nasce nas para fora do Formigueiro, aterrorizando os povoados
Montanhas Sanguinárias e deságua no mar. Um destino que ainda se mantêm nos arredores.
mais radical para quem gosta de ficar em contato com
a natureza… vez ou outra se deparando com algum
peixe monstruoso que tenha descido com a correnteza.
Fosso de Vectora
Filho ilustre de Sambúrdia, o arquimago Vectorius
criou sua cidade voadora a partir de uma montanha em
Adhurian sua terra natal. Por meio de uma série de rituais, ele
Embora Sambúrdia seja hoje uma união de repú- cortou o cume, virou-o de cabeça para baixo e o alçou
blicas, existem ainda alguns feudos remanescentes da aos céus, deixando para trás nada mais do que uma
antiga estrutura de governo, especialmente aqueles montanha de topo reto. Contudo, há em Sambúrdia um
comandados por nobres de povos muito longevos outro local que foi apelidado pelos moradores locais de
que tendem a viver em um ritmo mais lento. É o caso Fosso de Vectora. Trata-se de um enorme buraco em
de Adhurian, um território que fica na fronteira com meio à floresta impregnado com magia de voo, assolado
as Montanhas Sanguinárias, junto ao Rio Afejam, por versões voadoras de monstros terrestres, como
e é governado pelo qareen Elmir Windward e sua ogros, basiliscos e feras-cactus. Houve no passado uma
irmã, Agatha Windward, ambos poderosos feiticeiros tentativa de responsabilizar Vectorius pela adversidade,
egressos da Academia Arcana. Apesar de o mais velho insinuando que sua cidade teria sido criada a partir
ter herdado o título de conde, os dois governam com do fosso e deixado um rastro de desordem, mas o
igualdade de poderes. arquimago apenas riu da possibilidade. Mesmo sem
O feudo possui um castelo de torres centenárias ligação com Vectora, é fato que o local possui forte
enfeitadas com o estandarte da águia prateada no céu vínculo com a magia de voo. Flores que nascem aqui,
azul que é símbolo da família. Construído no topo de e até a própria terra, são ingredientes valiosos para a
um precipício, possui posição privilegiada para vigiar fabricação de itens alquímicos e mágicos.

Além do Reinado
213
Angelya recebeu a alcunha “Braço Forte”
ao ser amaldiçoada durante a fuga de Aslothia

Torre de Érebo morreram na travessia da Baía Reluzente, mas outros


se organizaram em uma esquadra e, liderados pela
Em meio ao verde intenso da Greenaria, há uma aventureira Angelya Braço Forte, desembarcaram na
região amaldiçoada, onde árvores retorcidas e mortas costa sul de Sambúrdia. Ali encontraram uma terra
assombram o terreno estéril com suas poucas folhas fértil e acolhedora, apropriada para fundar uma colônia
ressecadas. Onde o verde se torna cinza, há uma hynne e reconstruir suas vidas. Deram ao seu novo lar
antiga torre de mago cujas fundações estão cedendo o nome da heroína que os guiou: Vila Angelya.
e a inclinando em direção ao poente, como se tentasse
No início, os hynne se dedicaram à agricultura de
esmagar o sol contra o horizonte para que nunca mais
subsistência, mas logo passaram a produzir e vender os
houvesse luz. Essa torre pertence a Érebo, arcanista
deliciosos bolos e tortas pelos quais a raça é conhecida.
afamado por destruir vilas indefesas com violência
A freguesia cresceu rápido e gente do outro lado do
extrema, tramar assassinatos de figuras de grande
país passou a vir degustar as iguarias. Espertos, alguns
importância política e desenvolver profunda pesquisa
hynne decidiram viajar eles mesmos para vender seus
nas artes necromânticas. Há décadas ele não é visto,
produtos. Assim, misturaram-se à população humana e
e não se sabe se foi derrotado por heróis ou se obteve
acabaram se inserindo em outros setores da economia.
êxito em se tornar um lich. O que se sabe é que a torre
Ao mesmo tempo, novos aventureiros hynne passaram
ainda está de pé, apesar de instável, e é possível subir as
a despontar todos os anos, inspirados pela bravura
escadas em ruínas para explorar o topo ou penetrar nas de Angelya. Alguns ficam na colônia para protegê-la,
câmaras subterrâneas. Tesouros únicos e conhecimento enquanto outros vagam pelo mundo, lutando para
mágico inimaginável aguardam os aventureiros que que nenhum povo seja vítima de algo semelhante ao
ousarem enfrentar as armadilhas, os construtos e as que aconteceu em Hongari.
criaturas extraplanares que protegem o local.
Sejam aventureiros ou mercadores, mesmo
distantes os hynne continuam tendo apreço pela Vila
Vila Angelya Angelya, para onde procuram retornar anualmente
Quando Aslothia se tornou um reino amaldiçoado para o Festival da Torta de Peixe. A própria Angelya
e estendeu seus domínios sobre Hongari, os hynne Braço Forte pode ser encontrada no festival, procurando
que ali moravam tiveram que fugir às pressas. Muitos novos marujos para integrar sua esquadra exploratória.

Capítulo Dois
214
Guildas & é um órfão que aprendeu magia na capital e há ainda
quem diga que ele próprio é um troll. Seja como for, o
Organizações bando conta com diversos membros renomados, como
o caçador Liam Scouse, o aprendiz de druida conhecido
como Jake Deschain e Owlton, o cronomante. As
o Principado Mercante autoridades estão oferecendo uma recompensa pela
Uma das organizações mais poderosas do país, captura de qualquer membro do bando, mas muitos
o Principado Mercante aceita a afiliação de qualquer camponeses os defendem, dizendo que roubam apenas
comerciante de razoável sucesso. No entanto, subir dos ricos para dar para os pobres. Com tantas lendas
na hierarquia é uma missão difícil, que requer talento e canções de bardos surgindo sobre o bando, que hoje
para os negócios e sagacidade política. Conhecidos atua em todas as estradas de Sambúrdia, está cada vez
como Príncipes ou Princesas Mercantes, os líderes são mais difícil saber a verdade.
mestres caravaneiros ou donos de navios que circulam
pelo país e pelo continente. Em grande parte, são
oriundos de famílias tradicionais, embora existam
Legiões da Fortuna
alguns novos ricos. Unidos, os Príncipes são capazes Para manter a neutralidade nas guerras recentes
de pressionar os chanceleres locais a tomar decisões e preservar seu território perante as ameaças estran-
que os beneficiem e influenciar até mesmo a política geiras, Sambúrdia precisou levantar um exército.
externa das Repúblicas Livres. Apesar de não haver Sabendo que seu povo não possui inclinações bélicas,
o grão-chanceler protegeu a federação usando sua
uma liderança formal, todos demonstram especial
melhor arma: o ouro. Assim, Sambúrdia se tornou um
respeito por Leopoldo Valenza, um hynne que fez
importante foco de companhias mercenárias vindas
fortuna vendendo o fumo produzido pelo seu povo
dos mais diversos recônditos de Arton. Enquanto
e hoje possui fazendas e caravanas por todo o país.
outras forças militares prezam pela uniformidade, as
A maioria dos Príncipes Mercantes consegue tropas de aluguel são heterogêneas. Não surpreenderia
o que quer por meio de diplomacia, de forma que ver uma fada da noite, um cavaleiro montado em um
todas as partes se beneficiem de alguma maneira. Há, urso-coruja e um malabarista maltrapilho integrando
porém, aqueles que secretamente se valem de trapaça o mesmo bando. Quem vê um dos acampamentos de
e extorsão para conquistar vantagens indevidas. Sejam tendas coloridas muitas vezes tem dúvida se é um
seus métodos honrados ou desleais, os Príncipes exército ou uma trupe circense.
Mercantes estão sempre em busca de aventureiros
Por anos as Legiões da Fortuna patrulharam as
dispostos a trabalhar em prol da prosperidade do
fronteiras de Sambúrdia, dissuadindo possíveis inva-
bom povo de Sambúrdia.
sões. Com o fim da Guerra Artoniana, espalharam-se
pelas Repúblicas e passaram a servir aos chanceleres
Quadrilha dos Trolls locais, que estão sempre preocupados com a avareza
Sambúrdia hoje vive um momento de prosperidade, das cidades-estados vizinhas. É possível fazer bastante
com grande afluxo de tibares vindos do exterior. Isso dinheiro sendo mercenário e as chances de morrer são
significa não apenas que os ricos multiplicam suas pequenas, pois geralmente o confronto é resolvido
fortunas, mas também que os pobres têm empregos com diplomacia após dois chanceleres compararem
que pagam salários dignos, devido à grande necessi- o tamanho de suas tropas. Muda apenas quem paga
dade de mão de obra. Porém, essa prosperidade não tributos a quem. Para quem procura ação de verdade,
chega igualmente a todas as regiões. Existem vilas mercenários também são contratados para fazer a
entranhadas na Greenaria, longe dos grandes campos escolta de mercadorias ou pessoas importantes.
de cultivo e das rotas comerciais, onde a riqueza é O governo central incentiva as contratações de
escassa e a população é explorada pelos chanceleres mercenários, pois é de seu interesse manter tais
locais. Monteoliva é um desses locais. E foi lá que soldados por perto caso uma nova guerra ecloda.
começou a lenda de Elio Pettirosso, o líder do grupo Essa política atraiu tropas mais bem qualificadas que
de bandoleiros que ficou conhecido como Quadrilha as de outros reinos, principalmente as dissidentes
dos Trolls. Ninguém sabe a origem do nome; talvez o que se recusaram a cumprir ordens do novo governo
criador original do grupo fosse um troll, talvez esse necromântico de Aslothia. Contudo, não se tem no-
nome tenha sido escolhido apenas para assustar os tícias de alguma das legiões ter efetivamente entrado
guardas das caravanas. O próprio Pettirosso é um em combate. Caso o pior aconteça e Sambúrdia seja
mistério: alguns dizem que é um elfo com talento atacada, não se sabe se realmente irão lutar ou se
sobrenatural para a arquearia, outros defendem que trocarão de lado por um inimigo que pague melhor.

Além do Reinado
215
Entre os líderes mercenários mais famosos estão a Uma vez por ano, os cartógrafos se encontram
heroica Ághata Rubravo, com sua espada dracônica; na Biblioteca Sambur, na capital, para a Congregação
o ganancioso Dragol Vertrouwd, com suas tropas Cartográfica. Nesse momento solene, sobe ao púlpito
especializadas em captura; a longeva Maria Breu um por vez para apresentar suas descobertas perante
DeSena, com seu exército abençoado por Thyatis, e Valerianna, a Sábia. Valerianna é uma alta clériga
o sinistro Comandante Zerevadak, que aumenta a de Tanna-Toh com poder de elogiar as descobertas
hoste de mortos-vivos sob seu controle a partir dos em nome da própria deusa, além de ser a pessoa que
inimigos caídos. aprova o financiamento de novas incursões utilizando
investimentos de Príncipes Mercantes. Houve também
Companhia de Explora- ocasiões em que a clériga ficou tão admirada com o
primor do trabalho apresentado que premiou o cartó-
ção da Fronteira grafo com a realização de um milagre. De toda forma,
Seja para buscar uma erva mágica que só nasce aos ao final da convenção todos os cartógrafos copiam os
pés das Montanhas Sanguinárias, seja para investigar mapas uns dos outros, a fim de obter e compartilhar
um caminho de doces que surgiu nas imediações da conhecimento, conforme determina Tanna-Toh. Ironica-
Pondsmânia ou até para escoltar um carregamento de mente, nos dias que antecedem a Congregação, o clima
suprimentos para os Feudos de Trebuck, não é raro que é de mistério. Cada cartógrafo guarda segredo sobre as
alguém precise de ajuda na perigosa fronteira nordeste. áreas mapeadas, para revelar apenas no momento certo
Nesses casos, é possível recorrer à Companhia de e receber o devido prestígio. Como muitos deles são
Exploração da Fronteira, que irá calcular o valor a ser devotos incapazes de mentir, esconder as descobertas
cobrado dependendo do nível de perigo e designará muitas vezes envolve encontrar um esconderijo para
um grupo de aventureiros adequado à complexidade da si próprio. Com muita frequência pedem ajuda de
missão — ficando com uma pequena comissão, é claro. aventureiros, para proteger os frutos de seu trabalho
A Companhia tem representantes ao longo de ou para surrupiar as descobertas alheias.
toda a fronteira, em castelos de antigos nobres ou
nos postos avançados. Para se tornar um aventureiro Os Espadas de Allihanna
agenciado, basta preencher o formulário e pagar a Os agricultores de Sambúrdia estão sempre em
taxa de admissão. Feito isso, é possível se alistar nas busca de expandir a área de cultivo para aumentar o
missões disponíveis, mas apenas uma por vez. O lucro, o que muitas vezes prejudica a preservação da
serviço costuma ser remunerado em ouro, mas alguns Floresta de Greenaria. Porém, há uma força que busca
clientes especialmente satisfeitos podem gratificar um direcioná-los para o crescimento sustentável: são os
trabalho bem feito com itens especiais. Espadas de Allihanna, uma espécie de guarda florestal
composta por druidas, bárbaros e outros indivíduos
Cartógrafos que têm afinidade com a mata. Seja dialogando com
de Tanna-Toh os camponeses, seja perseguindo malfeitores pelos
ermos profundos, os Espadas educam a população
Em meio a tantas organizações violentas, os Car- quanto às melhores técnicas, auxiliam aqueles que
tógrafos de Tanna-Toh se destacam pelo desinteresse porventura se percam na floresta e combatem os que
em lutar, roubar, defender ou conquistar. Em vez de depredam a natureza de forma criminosa. Como o
espadas ou machados, carregam pergaminhos, pena e território a ser vigiado é muito grande, estão sempre
tinta. Em vez de buscar o enriquecimento, sua maior recrutando aventureiros dispostos a ajudar. Embora
cobiça está na descoberta. Dizem os sábios que em não sejam uma guarda oficial das Repúblicas Livres,
Terápolis, o Mundo de Tanna-Toh, existe um mapa
a população respeita a autoridade dos Espadas de
de Arton completo e em tamanho real. O objetivo
Allihanna e daqueles que agem em seu nome.
dos Cartógrafos de Tanna-Toh é criar uma versão
de tal mapa em escala, o mais completo possível, e
disseminar as informações sobre terras distantes. Por
isso, eles se espalham pelo mundo, integrando grupos
Aventuras
de aventureiros ou tripulações de navios. Quanto mais Em um reino baseado em produção e escoamen-
longe chegar, mais satisfeito um cartógrafo ficará. Estão to agrícola, o trabalho mais comum para qualquer
sempre com os olhos vidrados no zigue-zaguear dos aventureiro é escoltar caravanas mercantes. Além
rios, na posição das montanhas mais elevadas ou no de transportar seus produtos, qualquer comerciante
delinear da costa, sempre registrando as formas de que se preze carrega uma boa quantidade de tibares,
Arton em pedaços de papel para passar a limpo depois. para não perder quaisquer oportunidades que surjam

Capítulo Dois
216
pelo caminho. Por isso, precisam de proteção contra alvo de piratas de água doce e pedágios ilegais, além
emboscadas de bandoleiros, senhores de terra co- dos lursh lyins. Além disso, as atividades de pesca,
brando tributos excessivos ou até dragões atraídos canoagem e natação são desafios habituais.
pelo resplandecer do ouro. Outros monstros comuns Como os campos de Sambúrdia produzem vá-
nos ermos incluem cocatrizes, entes, tendrículos e rias safras por ano, são muito comuns os festivais
elementais. Sílfides e duendes também podem “sair da colheita. Com música, dança, feiras e concursos,
para brincar” nas proximidades da Pondsmânia. esses festivais sempre têm muito trabalho a ser feito
Outro trabalho comum é colaborar nas transações. nos preparativos, e podem contar com a ajuda de
Muitos comerciantes estarão dispostos a dar descon- aventureiros para as incumbências mais difíceis, como
tos em troca de pequenos favores, e podem até ficar buscar uma receita secreta ou impedir que fazendeiros
desconfortáveis se um aventureiro não tentar negociar. rivais sequestrem o trobo premiado. Rixas são comuns,
É possível buscar alternativas que agradem a todos ou seja entre comerciantes, seja entre navegadores ou
executar ações que façam oscilar a balança da oferta e colônias de imigrantes. Embora às vezes fique clara
procura, como encontrar outros interessados no acordo, qual a atitude certa a se tomar como herói, nem sem-
persuadir os fornecedores a dar vantagens competitivas pre será tão fácil escolher. Em Sambúrdia não existe
ou até sabotar a atividade dos concorrentes. bem e mal, mas sim lucro e prejuízo. Isso faz com
que aventureiros possam ter dúvidas quanto a qual
A marinha mercante é numerosa e oferece boas
lado proteger — e, muitas vezes, descobrirão que há
oportunidades de aventuras. Há muito que explorar
outro grupo de aventureiros
no oceano, principalmente na busca por novas rotas
protegendo o outro lado!
comerciais e por novos mercados. Inúmeras ilhas no
Grande Oceano nunca foram catalogadas, correntes Os aventureiros ha-
marítimas para terras já conhecidas ainda não foram bituais de Sambúrdia são
mapeadas e dizem que existe um continente intei- exploradores natos e cos-
ro ainda por descobrir do outro lado do mun- tumam ter relação com a
do! Porém, empreender longas jornadas é natureza. Especialmente
perigoso. Piratas e monstros marinhos druidas e outros tipos
dificultam ligar Sambúrdia ao resto do selvagens são muito co-
mundo, sem contar as dificuldades da muns nos ermos, atuan-
viagem em si, incluindo conduzir as do como guardiões das
embarcações e se orientar pelas estre- florestas e tendo Allihan-
las. Inclusive, hoje em dia é possí- na como padroeira. No
vel desbravar a Ossada de Ragnar entanto, aventurei-
para chegar até a porção oeste do ros refinados e urba-
continente, mas é um feito que nos também prospe-
requer níveis elevados de co- ram aqui. Alguns vêm
ragem e perícia. Antes de co- de uma longa linhagem
meçar qualquer uma dessas de fazendeiros ricos ou
viagens, faz-se necessária estão à frente de em-
muita preparação: anga- preitadas comerciais.
riar matéria-prima para Herdeiros de famílias tra-
construir o navio, abas- dicionais muitas vezes es-
tecê-lo com provisões, tudam magia, vivendo da
selecionar mercadorias opulência de seu sobre-
e reunir uma tripulação, nome. Enquanto isso, pi-
enquanto se lida com ratas desbravam as águas
sabotagens feitas por em busca de especiarias
adversários. que possam deixá-los tão ri-
cos quanto todos esses outros.
Incursões por rio
são mais simples, mas nem por isso
seguras. Existem pontos de Sambúr-
Os hynne das Repúblicas Livres:
dia onde as estradas não chegam
exploradores e negociantes
e o único acesso é fluvial. Esses
locais remotos muitas vezes são

Além do Reinado
217
Salistick O REINO SEM DEUSES

U
m país de gente que ergueu seu lar com Embora ainda seguissem Roramar Pruss, esse
as próprias mãos, não contando com a grupo encarava as visões divinas do líder com ceticismo
ajuda de milagres, Salistick é tão icono- cada vez maior. Não desejavam destruir a esperança
clasta quanto intrigante. Pois, aqui, a dos outros milhares de refugiados, mas sua experiência
sugeria que tudo aquilo eram apenas ilusões e fantasias
magia divina não funciona. Os salistienses não
de uma criança. Quando enfim a caravana avistou a
acreditam nos deuses — e, em troca, os deuses
estátua de Valkaria, a maioria dos exilados acreditou
também não parecem acreditar neles. que estava salva, que aquilo era a prova definitiva de
Anatomistas trabalham ao lado de necromantes que Roramar estivera certo. Mas as quatro famílias
para examinar cadáveres e desvendar os segredos da entenderam o exato contrário.
vida. Médicos buscam diagnosticar doenças enigmá- Décadas de peregrinação, sofrimento incalculável
ticas e curá-las sem a ajuda de sacerdotes. Detetives de gerações, apenas para encontrar uma deusa petrifi-
usam a ciência para investigar crimes aparentemente cada. Aprisionada. Derrotada. Onde os demais exilados
insolúveis. Nestas terras de cidades sofisticadas e viam uma salvadora, as quatro famílias enxergavam
pesquisas ousadas, o ceticismo é tão espesso quanto apenas o que estava lá: uma estátua.
a neblina que envolve as ruas… e caminha de mãos
Talvez outras populações tomassem essa dura lição
dadas com perigosas descobertas. Salistick é uma terra
como permissão para desistir, mas as quatro famílias
de pouca fé, mas infinitas aventuras.
e seus súditos eram resilientes. Num conselho impro-
visado, realizado numa tenda afastada das imensas

História comemorações de seus conterrâneos, esses nobres de-


cidiram que não tinham lugar ali. Não iriam disseminar
Embora a história da Caravana dos Exilados seja um sua mensagem realista e pragmática, pois os outros
relato de redenção e superação, nem todos os refugiados não estavam prontos para ouvi-la, mas não podiam
viveram a mesma história. Entre a população expulsa continuar dependendo de supostas “divindades”. As
houve quatro famílias nobres que, por acaso, decisões famílias nobres de Aghmen, Acetos, Balium e Ystamen
partiram para encontrar sua própria terra. Uma terra
ruins ou punição divina, suportaram o que havia de pior
onde os mortais seriam a medida de todas as coisas.
nessa jornada. Esses nobres e seus súditos sofreram
pesadas baixas durante a Grande Batalha. Encontraram
monstros e povos hostis ao pisar em Arton Norte. A Caravana sem Deuses
Sofreram com o frio e a fome. Em uma caravana que Não apenas as quatro famílias estavam descrentes
continha a população de reinos e que viajou durante e decepcionadas com os deuses. A elas se juntaram
décadas, houve milagres e tragédias… mas as quatro outros refugiados que, embora não fossem tão céticos,
famílias não testemunharam nenhum milagre. consideravam que o Panteão era distante demais dos

Além do Reinado
219
mortais. Assim, um grande grupo deixou a terra onde O reino foi fundado num histórico de dor. Mas,
estava se formando a cidade de Valkaria e continuou acima de tudo, num arcabouço de independência,
seguindo ao norte. resiliência, inventividade e liberdade. Sem deuses,
A jornada estendida foi marcada por ainda mais sem mestres.
infortúnios. Doenças desconhecidas levavam grandes
quantidades de peregrinos, acidentes causavam feri- Dos Mistérios da Fé
mentos graves, com poucos clérigos para curá-los. Até
mesmo os truques perversos de um dragão das trevas
à Ciência da Vida
A falta de fé significava falta de milagres. E falta de
teriam recaído sobre a Caravana sem Deuses, como
milagres significava abundância de ideias. Onde não se
a fatídica expedição viria a ser conhecida.
podia orar aos céus em busca de uma solução, os mortais
Tudo isso serviu apenas para confirmar as novas precisavam pensar numa solução própria. Aos poucos,
crenças das quatro famílias. Os exilados não haviam os habitantes adotaram novas maneiras de pensar para
alcançado nenhum grande favor divino. A conclusão preencher o vazio deixado pela falta de deuses. Uma
permanecia: ou os deuses eram muito fracos para importante corrente de pensamento foi a dos Filósofos
ajudá-los ou não se importavam ou, o que parecia Supranaturais. Estes sábios teorizavam não existir
cada vez mais provável, simplesmente não existiam. A distinção entre o mundo natural e o sobrenatural: tudo
divisão que já havia entre os pioneiros cresceu. O grupo poderia ser explicado através do conhecimento das
que se unira aos Aghmen, Acetos, Balium e Ystamen leis mágicas que ditam o funcionamento do mundo.
decidiu seguir uma antiga trilha nômade dos povos As divindades seriam somente forças da natureza, não
nativos, dando ouvidos aos boatos sobre um suposto muito diferentes de um terremoto ou furacão.
deus menor que habitava as planícies logo ao sul do
Outros movimentos posteriores, como o da Escola
Rio dos Deuses. As quatro famílias e seus súditos
Antropoplanar, defendiam insubmissão à “tirania dos
sabiam que essa era mais uma ilusão e continuaram
seres celestes” e que as pessoas não apostassem em
procurando um lugar onde pudessem se estabelecer.
uma segunda existência abençoada após a morte, pois
Finalmente, depois de muitas agruras, as Famílias mesmo a pós-vida era incerta nos reinos dos deuses.
Fundadoras encontraram-se em meio a um pantanal Em vez disso, precisavam aproveitar ao máximo a vida
denso de terras férteis e desabitadas. Mais importante e aprender a aceitar a morte com serenidade, pois é a
de tudo: nesse lugar, os infortúnios cessaram. Esco- finitude que dá sentido às coisas.
lheram se estabelecer ali e descobriram que, além das
A maioria do povo, no entanto, passou a simples-
agruras, o que havia desaparecido era a magia divina.
mente não se preocupar com a existência de divindades.
Os poucos devotos que ainda restavam entre eles se
Na maior parte de Arton, um plebeu só sabe diferenciar
viram abandonados por seus “patronos”.
uma magia arcana de outra divina quando um mago ou
Aqueles que ainda acreditavam nos deuses clérigo as classifica dessas formas. Mesmo os milagres
suspiraram de alívio, pois parecia que as divindades de cura parecem arbitrários. Para um guarda, qual a
mesquinhas que os estavam torturando não tinham diferença entre a cura recebida pelas notas musicais
poder naquele lugar. Os que já haviam descartado de um bardo aventureiro e pela suposta magia divina
essas superstições entenderam que, longe de popu- de um sacerdote? Para um fazendeiro, qual a diferença
lações religiosas, os milagres “coincidentemente” entre a “bênção” divina que faz sua horta prosperar e
não funcionavam mais. Aquele terreno era prote- a magia arcana que faz chover e tem o mesmo efeito?
gido contra os deuses, ou nunca houvera deuses A população do novo reino, começando a se tornar
em primeiro lugar? Fosse como fosse, a realidade mais instruída que a média dos artonianos, passou
era inegável — eles haviam chegado a uma região a questionar essas divisões. O que parecia mais pro-
onde a magia divina era fraca, quase inexistente. vável: um conjunto de seres onipotentes (mas nem
Decidiram batizar o novo reino com os nomes das sempre), eternos (mas que morrem e caem com certa
quatro Famílias Fundadoras. frequência), que distribuem milagres a seus devotos
Com o passar dos anos, haveria um acordo entre (mas nem todos) e que se intrometem nas vidas dos
as lideranças dos pioneiros. A aldeia de Yuton foi mortais (mas nunca de forma direta)? Ou um conjunto
escolhida para servir como sede da regência conjunta. de fenômenos naturais que podem ser explicados e
Durante muito tempo, o país funcionaria como uma compreendidos através da ciência?
tetrarquia em que, a cada quatro anos, o rei nomeado Se os filósofos cuidavam dos assuntos da alma,
por uma das famílias era sucedido pelo herdeiro de alguém precisava se preocupar com os assuntos do
um dos outros clãs, em um sistema rotativo de poder. corpo. Foi a Rainha Euphana, apelidada por seus

Capítulo Dois
220
súditos de Rainha Necromante, que deu o primeiro
passo nessa direção. Magos das trevas já haviam sido
perdoados pela monarca, autorizados a dissecar cadáve-
res, compartilhando seus estudos de anatomia. Durante
a guerra civil de 1075, este conhecimento veio a calhar,
quando ela organizou diversos hospitais de campanha
para tratar refugiados vindos dos antigos reinos de
Svalas e Kor Kovith. Aprendizes de curandeiros e
herboristas aprenderam ali a remendar pacientes às
portas da morte, aplicando e adquirindo conhecimento
na prática. Por observação e experimentos, descobriram
que o hábito de lavar as mãos salvava mais vidas do
que rezar. Que era possível extrair as propriedades
curativas de plantas medicinais e concentrá-las em
elixires. Que pragas não eram fruto de maldições (pelo
menos nem sempre), mas se espalhavam por pessoas
ou objetos contaminados.
Esta foi a origem dos primeiros cirurgiões. A
infância da arte médica no reino, mas também da má Salistick
fama associada a ela. Os primeiros médicos itinerantes
eram vistos com desconfiança pela população, vestidos Nome Oficial: Majestado Único de
em trajes cor de luto e usando estranhas máscaras de Aghmen, Acetos, Balium e Ystamen.
proteção. Suas técnicas eram rudimentares, variavam
Lema: “Com Nossas Próprias Mãos”.
bastante e nem sempre davam certo. Quando um
paciente morria, não era raro que familiares e aldeões Brasão: de prata uma banda de vermelho.
resolvessem se vingar do curandeiro, já que não Gentílico: salistiense.
podiam atacar a doença.
Capital: Yuton.
A medicina daria um salto e passaria a ser o símbolo
Forma de Governo: nenhuma.
do reino apenas mais tarde, sob a regência do Rei Dozaen
e sua rainha, a assim chamada Dama de Porcelana. Regente: nenhum.
População: 445.000.
O Médico Desconhecido Raças Principais: humanos, goblins,
O Rei Dozaen era um monarca querido pelo povo, golens, osteon.
mas a figura pública verdadeiramente idolatrada pela Divindades Principais: nenhuma.
população era sua esposa, a Rainha Gladys. Uma
mulher enérgica e alegre, mas também frágil, Gladys
era pequena e pálida. Ostentava cicatrizes de feridas
que nunca se curavam por completo. Apesar da saúde
delicada, trabalhava sem cessar pelo bem do povo, que Esse homem demonstrou ser um praticante de
a chamava de “Dama de Porcelana”. Gladys considerava medicina. Cuidando da rainha noite adentro e mesmo
sua alcunha uma prova de carinho. depois do amanhecer, ficou sem comer e dormir até
que seus pacientes não estivessem mais correndo
Foram anos até a rainha conseguir engravidar. Um
momento de felicidade, mas também de preocupação, risco. Grato como nunca antes, o monarca ofereceu
pois Gladys sofria para manter a criança viva em seu ao estranho riquezas, terras e honrarias — mas, para
ventre. O jovem príncipe nasceria antes do tempo, seu espanto, ele recusou. Pediu simplesmente para o
provavelmente causando a morte da mãe. Num dia rei cuidar do povo e ajudar os enfermos. Recusou-se
de tensão, enquanto a rainha passava mal e ninguém até mesmo a revelar seu nome. Contudo, registrou
sabia o que fazer, Dozaen já se preparava para a as técnicas que usara e deixou instruções para os
tragédia quando um estranho irrompeu pelo castelo, médicos reais. Especialmente, explicou o método
vociferando ordens. Disse ao rei que salvaria seu filho para fabricar e administrar o remédio que salvara a
e sua esposa, mas apenas caso seus comandos fossem vida da rainha e do príncipe, a partir da erva curativa
obedecidos sem questionamento. conhecida como salistick.

Além do Reinado
221
O estranho foi embora, mas Dozaen jamais o utilizando seus conhecimentos de economia. Apesar
esqueceu, nem as palavras que falou antes de partir: disso, tinha pouca habilidade na área da medicina.
“A maior recompensa é salvar vidas com as próprias mãos”. Costumava desmaiar à visão de sangue, o que o tornava
O rei começou uma busca pelo mais habilidosos alvo de desprezo entre a nobreza acadêmica. O rei
e sábios médicos andarilhos. Reunidos, poderiam também foi um espadachim habilidoso, além de bonito
aprender um com o outro e teriam apoio da casa real. e audaz, considerado durante algum tempo como o
Toda desconfiança com relação aos médicos se desfez maior “prêmio” por todo tipo de nobre do continente.
ante a história da salvação da rainha. Eles passaram a Porém, nunca se casou.
ser vistos como pessoas piedosas, que faziam o possível Certa noite, o Rei Proddian recebeu os membros
para salvar vidas com os meios disponíveis. do Colégio Real de Médicos num jantar no palácio. A
Depois de alguns anos, a pedido dos próprios refeição foi tranquila, com conversas agradáveis, mas
curandeiros, o rei criou o Colégio Real de Médicos, o rei parecia tenso, preocupado. Logo após terminar
um centro de formação que logo se tornou patrimônio de comer, disse aos convidados que precisava de um
do reino. Com o passar das décadas, as artes curativas tempo sozinho e se retirou para seus aposentos. O
evoluíram em muitas direções. Bibliotecas foram monarca trancou a porta e não solicitou nada durante
erguidas para coletar saberes tradicionais e conheci- a noite inteira. Na manhã seguinte, não se levantou
mentos novos. Laboratórios levaram ao surgimento na hora de costume. Os servos não puderam entrar
de técnicas inéditas como esterilização e inoculação. A para realizar a rotina normal. Quando as horas se
coroa passou a investir na saúde do povo, construindo passaram sem resposta aos chamados e às batidas,
esgotos fechados e cisternas tratadas alquimicamente os guardas arrombaram a porta. Encontraram seu rei
para prevenir doenças. morto sobre a cama.

Em meio a isso, dezenas de novas plantas medi- Não havia sinais de luta nem de arrombamento
cinais foram descobertas, dando origem a centenas de anterior. A única janela permanecia trancada. O
remédios. Embora o preparado que salvara a rainha aposento era protegido contra todo tipo de magia,
e o príncipe não fosse nem mesmo um dos mais inclusive barrado para espíritos e criaturas imateriais.
potentes, o povo nunca esqueceu da erva utilizada Aparentemente, Proddian fora morto com um golpe
pelo médico desconhecido. Assim, informalmente de objeto contundente na cabeça enquanto dormia.
entre a plebe, então entre os médicos e por fim entre O único sangramento encontrado foi um pequeno
a nobreza, o reino passou a ser conhecido como “a corte na mão do rei, que parecia recente e não fatal.
terra da salistick”. Ou apenas Salistick. Ainda assim, peritos do Colégio falharam em detectar
qualquer tipo de veneno ou elemento mágico. Os
guardas do castelo não viram ou ouviram nada suspeito
Quem Matou durante a noite e a investigação não encontrou nenhum
o Rei Proddian? sinal de invasão ou saída do quarto. Todos os suspeitos,
Com uma história tão conturbada, não surpreende incluindo os membros do Colégio que jantaram com
que até hoje Salistick mantenha seu espírito insub- o soberano na noite anterior, foram interrogados, mas
misso. Ao fim da regência do antigo Rei-Imperador todos tinham álibis. O mistério continua até hoje.
Thormy, o reino optou por deixar o Reinado e se juntar Mas agora, sem um herdeiro claro para o trono,
à Liga Independente, que havia acabado de se formar. havia a questão da sucessão real. O método de governo
Salistick adotou então novas leis, incluindo a liberação mudara desde a criação do Colégio Real de Médicos. Em
de armas de pólvora. E, quando a Liga Independente vez de rotacionar entre as quatro famílias, o trono agora
se desfez e as Repúblicas Livres de Sambúrdia se permanecia com a família Aghmen, à qual pertencera
formaram, o reino optou por permanecer neutro e o Rei Dozaen, enquanto as outras três controlavam o
não integrar a nova entidade, apesar de manter uma Colégio. Com a morte de Proddian, alguns previram
boa relação diplomática com a nação. A mesma suposta que haveria uma tentativa de tomada do poder pelas
neutralidade também foi bastante questionada durante outras famílias, ou mesmo um levante. Curiosamente,
a Guerra Artoniana, quando Salistick abriu suas fron- nada disso aconteceu.
teiras para receber e tratar feridos de ambos os lados. Os Acetos, os Balium e os Ystamen estavam mais
Mais uma reviravolta aconteceria com a morte interessados em fomentar a ciência. Mesmo os mais
do controverso Rei Proddian. Homem pragmático e ambiciosos nobres viam a pesquisa como fonte de
astuto, o monarca sempre tivera uma visão clara sobre poder e riqueza muito maior que um título. Nenhum
as necessidades da população. Era famoso por ser parente distante dos Aghmen surgiu clamando direito
capaz de prever e resolver diversos problemas do reino à coroa. O reino passou a ser governado “temporaria-

Capítulo Dois
222
mente” por um conselho, que aos poucos deixou de
lado suas responsabilidades para voltar aos estudos. Geografia
E, sem que ninguém decidisse isso, sem um O Reino sem Deuses fica localizado em uma região
momento específico de mudança, Salistick deixou de clima temperado, caracterizado por temperaturas
de ter um governo. amenas e pouca variação ao longo do ano, exceto pelas
mudanças na quantidade de chuvas. O terreno da
Para a surpresa de todos (exceto talvez dos pró-
região é predominantemente pantanoso, de solo escuro
prios salistienses), a população altamente educada
argiloso, muito fértil, ideal para a agricultura. Sua
continuou a prosperar sem uma liderança formal.
paisagem é marcada por planícies ondulantes, com
Ninguém mais sabe quais são as leis do país, ou
poucas montanhas e formações rochosas.
mesmo se há leis. Tudo que antes era mantido
escondido passou a ser encarado de forma natural. O terreno é ideal para o crescimento das inú-
Osteon andam abertamente, sem precisar esconder meras ervas e plantas curativas que compõem a
seus rostos esqueléticos. Suraggel com óbvias caracte- matéria-prima dos remédios e preparados alquímicos
rísticas demoníacas perderam o medo de se mostrar. utilizados pelos médicos. Assim, Salistick é bastante
Cientistas e magos divulgam seus experimentos, por independente do resto de Arton para desenvolver sua
mais “controversos” que sejam. principal indústria. É curioso que um reino tão sofis-
ticado, com cidades tão desenvolvidas, seja também
Em paralelo a isso, crimes contra a vida, ou
tão rural e arborizado. Os salistienses sabem que é
mesmo contra a propriedade, passaram a ser alvo
preciso manter boa parte da terra intocada para que
de investigações de guildas e de cidadãos indepen-
essa valiosa flora continue a prosperar.
dentes. O mistério ainda insolúvel da morte do rei
deu início a uma “febre” que tomou Salistick de As fronteiras de Salistick são definidas pelas
assalto. Muitos estudiosos voltaram sua pesquisa à Repúblicas Livres de Sambúrdia ao norte, pelos Ermos
ciência da detecção, muitos jovens passaram a sonhar Púrpuras a leste e sul e por Svalas e a Supremacia
com a glória através da identificação e captura de Purista a oeste. O reino nunca se preocupou muito
criminosos. Os salistienses já descobriram que cada com defesa de fronteiras ou com um exército forte.
artoniano deixa marcas únicas em superfícies com Mesmo tendo a Supremacia Purista como vizinha (e
as pontas de seus dedos. Uma indústria crescente com o histórico expansionista desse vizinho), Salistick
de vidros e cristais busca aperfeiçoar lupas. E a confia mais em negociações, neutralidade e diplomacia
medicina está se expandindo para estudar a mente, do que na força das armas.
com alguns sábios ousados já traçando perfis dos A Guerra Artoniana teve um efeito duplo em Sa-
mais violentos criminosos. listick: por um lado, reforçou a crença do reino de que
Mais uma vez, Salistick mostra que as tragédias médicos têm o dever de curar todos, até os mais odio-
só servem para impulsionar o progresso. Sem deuses, sos vilões. De fato, o hynne Doc Lagoon ficou famo-
sem mestres. so no reino por tratar de puristas que o amaldiçoavam
assim que recobravam a consciência — muitas vezes
contra a vontade dos pacientes, que prefeririam mor-
rer a ser salvos por um não humano. Por outro lado,
a guerra mostrou a todo o continente que pode ser
mais interessante manter este reino livre do que in-
vadi-lo. Assim, é pouco provável que
Salistick enfrente muitos problemas
de fronteira num futuro próximo…
Ao menos problemas que os sa-
listienses não consigam resolver
com racionalidade.

Além do Reinado
223
Povo & Costumes A vida predominantemente urbana deu origem
a uma moda pouco prática, mas muito elegante. As
Salistick é único em mais de um sentido. Mesmo vestimentas típicas incluem cartolas, espartilhos,
nas áreas rurais, os habitantes têm acesso a “luxos” paletós e suspensórios. Entre os médicos, muitos
como sistemas de esgoto e tratamento de água. O povo vestem casacas e aventais brancos (frequentemente
é saudável e robusto: sua pele raramente apresenta manchados de sangue e outros fluidos), enquanto
marcas de peste e muitos mantêm todos os dentes. outros se orgulham de manter as vestes pretas tra-
O reino também tem mais idosos que qualquer outro dicionais. Os aparatos médicos mais avançados, como
no continente, devido à alta expectativa de vida. instrumentos para auscultar o coração e os pulmões de
Humanos são maioria absoluta, mas há presença de pacientes, têm se tornado moda entre os praticantes da
todas as outras raças — com destaque para osteon, medicina, mesmo quando não estão trabalhando. Vários
goblins e golens. Medusas, suraggel demoníacos, médicos usam máscaras que cobrem a face inteira.
trogloditas, lefou e outros indivíduos discriminados No passado, essas máscaras serviam para esconder
em certos reinos andam livremente aqui. Não são o rosto do médico (evitando a fúria dos ignorantes
muitos, mas chamam atenção. e vingativos) e também para protegê-lo contra maus
cheiros, através de receptáculos de ervas aromáticas no
interior da estrutura. Hoje, são usadas principalmente
por tradição. Muitos médicos aventureiros gostam delas
simplesmente porque são impressionantes.
Contudo, alguém não treinado em medicina
que use roupas ou acessórios ligados ao ofício é
alvo de desprezo, zombarias e até mesmo fúria dos
salistienses. Um dos piores insultos para alguém
deste reino é “farmacopola”, que para eles significa
um pretenso médico charlatão. Alguém considerado
um farmacopola é seguido nas ruas por cidadãos que
grasnam como patos. Não se sabe a origem dessa
prática, mas os sons de “quack!” são usados para
atormentar os curandeiros vigaristas.
A higiene é valorizada na cultura local e os
salistienses têm o peculiar hábito de tomar banho
diariamente. Barbas e unhas são mantidas curtas e
lavar as mãos é o mais próximo que este povo tem de
um rito sagrado. Estrangeiros estranham a distância
que os salistienses mantêm entre si, enquanto os
habitantes deste reino ficam muito desconfortá-
veis com a naturalidade com que outros povos
invadem o espaço pessoal de outras pessoas e
tocam nelas sem necessidade ou permissão ex-
pressa. Nisso os salistienses se assemelham ao
povo de Bielefeld. Já foi dito que a amizade
ideal para habitantes desses dois reinos
envolve ficar em extremos opostos de
uma sala sem nunca falar um com
o outro…

Para os
Elementar
salistienses, Desde o assassinato do Rei
mesmo o maior Proddian, Salistick vem sendo
mistério é tomado pela mania da investigação.
elementar
Alguns já afirmam que, em breve, o
reino será tão conhecido por seus detetives
quanto por seus médicos.

Capítulo Dois
224
Um detetive de Salistick é um estudioso que possui quase nenhum tabu. Pólvora é usada aberta-
resolveu focar seus conhecimentos em um uso prático mente, inclusive em duelos entre nobres orgulhosos.
muito específico. Para estes investigadores, a captura O consumo de achbuld é apenas um hábito pouco
do criminoso é a parte menos interessante, um trabalho saudável. Necromantes erguem os mortos (com a
menor que poderia ser realizado por qualquer um. O devida permissão de seus familiares, por uma questão
verdadeiro desafio está no quebra-cabeça, na junção de etiqueta) para então usá-los em aulas de anatomia
de pistas, na coleta de evidências por meios científicos abertas ao público. Cientistas conduzem todo tipo de
avançados, nas deduções baseadas em raciocínio lógico. experimentos considerados “proibidos” em outras
Uma vez que o culpado seja apontado, muitas vezes terras, incluindo o enxerto de órgãos mágicos em
um detetive de Salistick perde o interesse, deixando corpos humanos e até mesmo testes com a matéria
a apreensão a cargo de aventureiros. É por essa razão vermelha da Tormenta. A polêmica sobre o que é ou
que raramente se preocupam com crimes óbvios e não um crime (e o que fazer com criminosos se não
bandidos comuns. Se um caso não apresenta um há governo) também está impulsionando a ciência do
enigma interessante, não vale a pena ser investigado. direito, com advogados salistienses elaborando teses
Curiosamente, isso vem gerando um fenômeno que não dependem da crença em Khalmyr.
oposto: os “criminosos cavalheiros”. Frente a uma Um salistiense médio é, acima de tudo, cético.
forma tão civilizada de desvendar crimes, certos Frente a uma proibição, invariavelmente vai perguntar
vilões tomam para si o desafio de cometer crimes o motivo. Também não descarta nenhuma ideia, mesmo
cada vez mais complexos, testando o intelecto de seus que venha de um vilão ou criminoso. Salistick já fez
rivais. Não basta matar a condessa com um tiro. Será pedidos formais a sábios duyshidakk para que venham
muito mais instigante matá-la na frente de centenas explicar seu curioso modo de entender o tempo e
de testemunhas, com um veneno indetectável de já recebeu magos finntroll em palestras sobre suas
ação lenta, administrado através do perfume que ela práticas macabras. Há um convite perene para que
só usa uma vez por ano, quando vai à ópera. Esses qualquer sumo-sacerdote venha a Salistick responder
vilões estão começando a surgir em outros reinos, às perguntas dos maiores cientistas locais e submeter
onde não há meios de detecção tão avançados, o que sua magia a testes rigorosos. Por alguma razão, nenhum
gera a necessidade de detetives de Salistick em terras deles jamais aceitou.
estrangeiras, espalhando essa ciência por Arton.

Liberdade sem Deuses Governo


Não existem templos em Salistick e devotos são Inicialmente, o trono de Salistick era revezado
praticamente desconhecidos. Não há nenhuma proi- entre as Famílias Fundadoras, cada uma assumindo
bição a respeito — de fato, alguém poderia construir o governo a cada quatro anos. Isso mudou depois
um templo a qualquer deus em qualquer lugar do
da fundação do Colégio Real de Médicos, quando os
reino quando quisesse. E muitos já tentaram, apenas
Aghmen solidificaram seu direito à coroa e as demais
para desistir frente à avassaladora indiferença dos
famílias chegaram à conclusão de que teriam mais
salistienses. O povo deste reino não odeia os deuses,
poder investindo na medicina e na ciência.
não persegue seus fiéis, não se ressente do “abandono”
que os mortais sofreram. Apenas considera que essas Mas hoje em dia não existe rei, a coroa é um
crenças são ultrapassadas. Um devoto é tratado da mero objeto decorativo e o trono não passa de uma
mesma forma que alguém que come carne crua por curiosidade. Os nobres continuam habitando o palácio,
não conhecer o fogo ou que usa um tacape por não administrando seus negócios e apadrinhando diferentes
compreender o funcionamento de uma espada. Tem aspectos da vida acadêmica e cotidiana, mas não há
todo direito a sua ignorância, mas qualquer salistiense um governante. A sociedade salistiense se organiza
estará mais do que disposto a educá-lo se o coitado em diferentes lideranças: mestres regem guildas,
demonstrar interesse em aprender. Estrangeiros que capitães comandam batalhões, reitores encabeçam
passam muito tempo no reino muitas vezes se dão universidades, até mesmo senhores de terras governam
conta de como os deuses simplesmente não fazem sobre seus servos. Mas obedecer a qualquer uma dessas
diferença aqui. Quando percebem, já não pensam em autoridades é um ato totalmente voluntário. O mais
nenhuma divindade há semanas ou meses e começam reles fazendeiro pode se recusar a entregar parte de
a questionar suas antigas crenças… sua produção a seu senhor se isso não for vantajoso.
Exceto por assassinatos, roubos e outros atos Muitos afirmam que, sem uma autoridade central,
considerados “obviamente criminosos”, Salistick não Salistick está fadado a cair frente ao primeiro tirano

Além do Reinado
225
é um centro de negócios e uma
câmara de debates para nobres, aca-
dêmicos e comerciantes. Contudo,
grandes áreas do palácio, incluindo
a sala do trono, o salão de banquetes
e os aposentos reais, estão fechadas,
sendo consideradas “cena do crime”
pelos detetives de Salistick. Como
não há um governo para decidir
quem está autorizado a entrar, esses
investigadores infestam o palácio
dia após dia, uns questionando
o direito dos outros de estar ali,
mas raramente estragando a cena
do crime — exceto para coletar
evidências. Diz-se que o detetive
que solucionar o assassinato será
o maior herói do reino, e muitos
estão dispostos a obter essa glória.
Mas mesmo em outros tempos
esse magnífico edifício não se compa-
rava ao verdadeiro coração da cidade:
o Colégio Real de Médicos. Em
torno desta maravilha arquitetônica
orbita um centro movimentado com
uma miríade de estabelecimentos
diferentes, como pensões para estu-
dantes, tavernas, lojas de alfaiates,
destilarias, farmácias, laboratórios
alquímicos, livrarias, perfumarias,
ringues de pugilato, termas medi-
cinais e outros estabelecimentos de
reputação mais duvidosa.
Uma das formas de entreteni-
mento mais típicas são os gabinetes
de curiosidades, que trazem um
que erguer armas e invadir a capital. Mas o povo pouco das experiências inusitadas do dia a dia de
do reino considera que, nesse caso, a racionalidade aventureiros para a população comum. Entre os
ditaria que se unissem e derrubassem o pretenso mais populares estão o Alcantilado do Conhecimento,
conquistador. Talvez a necessidade de um rei seja a Catacumba das Fabulações Macabras, o Historiódromo
como a crença nos deuses: algo a ser superado por Assombroso, o Vivódromo Rotríquio II… só para citar
pessoas inteligentes e questionadoras. alguns dos mais frequentados! Esses estabelecimentos
exibem desde monstros empalhados até itens mágicos
e amaldiçoados tomados de vilões, restos de heróis
Locais Importantes mortos e seres extraplanares vivos. Alguns gabinetes
contratam aventureiros especificamente para trazer
Yuton (capital) atrações — quanto mais inusitadas, mais valiosas.
Às margens do Rio Vermelho, este é o maior porto Há também o Mirante de Zaalen, a antiga torre
de Salistick. É a cidade mais antiga do reino, tendo de um mago e o prédio mais alto da cidade. Com mais
sido a capital desde sempre, além de território neutro de dez andares, seu último pavimento agora funciona
para os negócios das Famílias Fundadoras. Em uma como uma taverna que oferece vistas panorâmicas da ci-
ilhota fica o Palácio dos Quatro Salgueiros, morada dade. Os andares intermediários foram convertidos em
tradicional dos reis salistienses. Hoje em dia o palácio uma estalagem pelo atual proprietário, o empreendedor

Capítulo Dois
226
Amric Havarddar, um homem simpático e repleto de gramática e retórica. É voltado para órfãos, crianças
charme, que na verdade é um ex-médico criminoso. Ou, carentes e filhos de pequenos comerciantes. Acredita-se
segundo alguns boatos, ainda um criminoso, culpado que a família Balium utiliza a escola como uma forma
de uma série de assassinatos horrendos. de moldar o caráter destes alunos para que sejam leais
Outro ponto turístico interessante é a Praça ao clã, sua visão de mundo e princípios.
da Ninfa. Neste jardim arborizado, uma dríade Na margem oeste fica a Universidade de Ciên-
barda canta ocasionalmente. O lugar é cercado por cias Anatômicas Acetos, que também atua como
quatro bairros diferentes, cada um habitado por hospital. A universidade treina cirurgiões e bacharéis
uma das quatro filhas dahllan da dríade, chamadas vindos de Yuton e exibe na entrada um lema com
Primavera, Verão, Outono e Inverno. Cada filha grafia peculiar: “NESTE LOCAL ENTRÃO MÉDICOS
projeta uma aura climática misteriosa em torno E EGRESSÃO DOUTORES”. A universidade possui
de si, que tem sido estudada pelo Colégio Real em um currículo idêntico ao do Ginásio Balium e alguns
pesquisas sobre doenças relacionadas a diferentes professores em comum, mas é voltada apenas para
ambientes e temperaturas. filhos de nobres e de ricos comerciantes.
Os estudantes das escolas das margens leste e
Ergônia oeste nem sempre são tão aplicados. Muitos preferem
Uma cidade repleta de natureza exuberante e “honrar” as instituições através de brigas de taverna
mágica, Ergônia é cercada pela Mata das Grandes e até mesmo duelos. Agremiações e confrarias de
Sombras, uma floresta habitada por seres místicos estudantes, cada uma com seus próprios brasões e
e gigantes guardiões das árvores. No passado houve tradições, cultivam rivalidades (quase amigáveis ou
tentativas de desmatar a floresta, mas ela sempre abertamente violentas) entre si, gerando uma enorme
avançava de novo, misteriosamente. Os boticários e dor de cabeça para a população.
herboristas locais possuem um pacto com os guardi- Perto da cidade há a Ponte das Almas, um projeto
ões da Mata. Segundo esse acordo, nunca mais houve de construção que atravessaria o Rio Vermelho, unin-
uma tentativa de devastar a floresta e em troca as do Namalkah e Salistick. A Ponte está inacabada após
construções mundanas são deixadas (quase) intactas. décadas de construção, pois incontáveis acidentes,
Os habitantes de Ergônia sabem que não adianta tragédias, atrasos e ataques de monstros impedem
reclamar quando um enorme carvalho começa a que seja terminada e tornam este um dos locais
crescer no meio de sua sala — é melhor se acostumar mais perigosos do reino. A Ponte já foi abandonada
com o novo morador ou se mudar. Em contrapartida, e considerada uma ruína, para depois a construção
a cidade é talvez a maior produtora de ervas e plantas ser retomada… e então abandonada mais uma vez.
medicinais em todo o mundo conhecido. Médicos de Hoje em dia as famílias nobres, diversos comerciantes
todo o reino, além de curandeiros de outras partes ricos e líderes de guildas competem para terminar a
de Arton, vêm até aqui para estudar a flora local. construção, inclusive contratando aventureiros para
Muitos druidas engolem o orgulho e aceitam uma investigar a “maldição da ponte”. Ainda assim, os
desconexão temporária com suas divindades apenas acidentes estão mais frequentes e sérios do que nunca.
para ter contato com tamanha variedade. É claro, nem
todos os visitantes são bem-intencionados. Sabendo
que a Mata das Grandes Sombras sempre resiste,
Pântano dos Vermes
vários caçadores já chegaram à conclusão de que isso Este pântano, situado perto da fronteira de
significa que aqui há infinitas criaturas mágicas para Namalkah, é coberto por uma espessa neblina e por
serem abatidas. Muitos vêm armados até os dentes e gases tóxicos que pairam no ar. O nome faz referência
acompanhados de aventureiros inescrupulosos, em tanto às criaturas rastejantes e asquerosas que se
busca de monstros ou até seres inteligentes para alimentam de carne podre quanto ao temível dragão
transformar em troféus. das trevas que supostamente vive nas sombras deste
charco e controla os mortos-vivos vagando pelo local.
A lenda deste dragão é tão antiga quanto o próprio
Quallist reino e muitos aventureiros tentaram encontrá-lo e
O segundo maior porto do reino. Em sua margem enfrentá-lo, mas poucos retornaram vivos para contar
leste localiza-se o Ginásio de Formação para a Exce- a história. Aqueles que se aventuram por este lugar
lência Balium. É uma filial do Colégio Real, dirigido sinistro correm o risco de se perder por sua mata
pela família homônima. O ginásio oferece um rigoroso densa ou afundar em poços de areia movediça que
treinamento que inclui matemática, alquimia, lógica, parecem surgir sem aviso.

Além do Reinado
227
Guildas & as doenças que os mataram… Todos também são
encorajados a desenvolver suas próprias pesquisas,
Organizações desde o dia em que ingressam na instituição. Não é
incomum ver cabeças reanimadas ou tubos contendo
perigosas doenças e maldições jogados em meio aos
Colégio Real livros nos alojamentos de certos alunos. Os mais ou-
de Médicos sados costumam ser apadrinhados por alguma família
Este é o centro da elite acadêmica salistiense, nobre (em especial as quatro Famílias Fundadoras)
com instituições afiliadas e representantes em todo para mais tarde alavancar seu nome no caso de alguma
o reino. Embora existam outras escolas que ensinam grande e lucrativa descoberta.
a medicina, nenhuma conta com uma fração do Embora a maior parte dos alunos seja jovem, é
prestígio do Colégio Real, nem com professores tão comum que aventureiros veteranos venham estudar no
competentes ou instalações tão completas. No Colégio Colégio Real. Qualquer um pode ingressar, desde que
Real, resultados falam mais alto que nascimento. Não é passe pelos rigorosos testes de admissão, que envolvem
raro que um jovem nobre se torne um pária por não se sabatinas de conhecimentos anatômicos, provas de
dedicar aos estudos, enquanto um filho de fazendeiros resistência estomacal (como passar um dia inteiro
humildes ganhe fama e atenção especial do corpo imerso na bile de monstros do esgoto) e até rápidas
docente. A imensa maioria dos alunos é salistiense, passagens por labirintos cheios de armadilhas, para
com alguns vindos de Namalkah ou das Repúblicas testar o raciocínio e a rapidez de tomada de decisões
Livres de Sambúrdia e raras exceções de outros reinos. do candidato. Cada novo estudante também precisa
O Colégio Real possui quatro níveis de ser aceito como pupilo por um doutor filósofo do
titulação, que servem tanto como distin- Colégio, que será seu mentor principal durante
ção de saber quanto como hierarquia os anos de formação. Isso já gerou histórias
social. Os títulos de “esculápio”, magníficas de amizade e também ódios
“médico” e “doutor” são concedidos épicos que culminaram em duelos mortais
aos formados, de acordo com a profun- entre professor e aluno. O Colégio cobra
didade de seus estudos, com privilégios pesadas taxas de seus estudantes, mas
crescentes à medida que se sobe na escala. qualquer um que se destaque na parte
Há ainda o título de “doutor filósofo”, acadêmica pode receber isenção total.
necessário para fazer parte do corpo docente O corpo docente acredita que os mais
da instituição. Contudo, poucos médicos iti- ricos e menos esforçados devem abrir
nerantes e aventureiros vão atrás da honraria. espaço para os verdadeiros prodígios, o
O título mais comum encontrado em grupos de que também costuma gerar rivalidades.
aventureiros e hospitais de campo é “médico”, Uma das grandes bibliotecas do Colégio desabou há
já que os esculápios costumam assumir funções alguns anos, causando danos e perda de conhecimento.
auxiliares nas próprias instituições de ensino. Já Uma fenda no local, estudada pelo doutor e geólogo
“doutor” é um título almejado por muitos por seu Ivo Pryde, é um poderoso sorvedouro de magia divina,
status no mundo todo. Vários estudiosos sem grande supostamente um portal para o Nada, uma das entida-
interesse por medicina vêm a Salistick apenas para des cósmicas que criaram os deuses. A fenda é mantida
poder ostentar essa honraria com propriedade. protegida por uma redoma, com acesso restrito apenas
Além de formar médicos, o Colégio realiza estudos a doutores filósofos.
sobre os maiores males que ameaçam Arton, como A atual reitora do Colégio Real de Médicos é a
a infame Praga Coral da província de Lomatubar e ex-aventureira Vonnda Ystamen, uma doutora tão
os simbiontes da Tormenta. A instituição também brilhante quanto polêmica. Especialista em diversas
é vanguardista na aplicação de próteses encantadas, áreas do conhecimento, Vonnda é uma das pioneiras no
cátedras móveis e máscaras de reconstrução facial. estudo da mente dos maiores vilões de Arton e costuma
Embora o Colégio Real conte com salas de aula contratar aventureiros apenas para enfrentar alguns
e preleções no modelo mais tradicional de ensino, a desses criminosos notórios e trazer mais informações
maior parte do tempo dos alunos é passada em outros sobre eles, na tentativa de traçar seus perfis. Alguns
lugares. Eles assistem a cirurgias (e mais tarde parti- boatos sugerem que Vonnda não tenha sido exatamente
cipam como auxiliares), atendem pacientes, realizam uma aventureira, mas uma vilã, e que seu interesse
experimentos com mortos-vivos, dissecam criaturas se deva ao contato próximo com figuras como Ellen
mágicas, entrevistam espíritos para saber mais sobre Redblade, Nekapeth, o Camaleão e outros.

Capítulo Dois
228
Ordem da Magia Divina
Perfeição do Corpo Não há clérigos nativos de Salistick e
Os membros desta irmandade acreditam que toda mesmo a magia divina lançada por um
doença deriva do desequilíbrio entre mente e matéria. estrangeiro funciona com o mínimo
Inspiram-se nos ensinamentos de Zuor Vaarnin, anti- de eficácia. O custo de todas as magias
go sábio e médico que se tornou eremita para testar e divinas aumenta em +1 PM, e as variáveis
estudar os limites de seu próprio corpo — alcançando, numéricas de seu efeito (como pontos de
segundo alguns, a imortalidade. vida curados, dano causado e duração) são
A descoberta de seus escritos, 150 anos depois, limitadas ao valor mínimo. Além disso,
revelou um conhecimento poderoso sobre como testes de resistência contra magias divinas
alcançar tanto a cura quanto a imunidade a doenças. são sucesso automático.
No último deles, Vaarnin afirmava que deixou este
mundo voluntariamente “para conhecer outros Pla-
nos de existência”. A ordem tem diversos centros de
estudo espalhados por Arton, mas evita ativamente Aventuras
usar a palavra “mosteiro”, devido à conotação reli-
No terreno pantanoso do Reino sem Deuses
giosa. O maior desses centros encontra-se na cidade
há uma grande diversidade de animais perigosos,
salistiense de Ergônia.
como crocodilos, serpentes constritoras e cardumes
Curiosamente, entre os estudiosos da Ordem da de piranhas voadoras. Além disso, monstros como
Perfeição há muitos especialistas em luta corporal. hidras e serpes representam risco constante para
Isso porque, segundo alguns, uma das melhores ma- viajantes. Há também relatos de dragões das trevas
neiras de obter o equilíbrio pregado por Zuor Vaarnin que supostamente assumem formas humanoides e
é o combate desarmado. Artes marciais tamuranianas manipulam os habitantes do reino. A ausência de
e luta de chão tapistana são muito valorizadas nos magia divina faz com que mortos-vivos sejam comuns
centros de estudo, mas os discípulos mais avançados em Salistick. De fato, existem testes extensos para
já começam a desenvolver seus próprios métodos determinar quais dessas criaturas são monstros e
formais de combate. quais são cidadãos!
Nos últimos anos, aventureiros vêm sendo
Os Arautos da Praga contratados em números cada vez maiores como
Embora o ceticismo e o foco científico de Salistick “assistentes” de detetives — embora, na visão
sejam vistos por quase todos no reino como fatores dos próprios aventureiros, eles façam quase todo
positivos, tudo tem seu lado sinistro. Existe um grupo o trabalho e todos os atos heroicos! Assim que um
de salistienses, presente principalmente nas grandes detetive descobre uma pista, muitas vezes precisa de
cidades, que enxerga a ausência de deuses como falta um grupo para fazer a parte “braçal” ou, no fim da
de sentido na existência. Sem sentido, é melhor não investigação, capturar o culpado. Da mesma forma,
existir. E qual a melhor forma de acabar com muitas aventureiros de outros reinos que desejem estudar
existências em Salistick do que pervertendo a medicina? a ciência da detecção tornam-se aprendizes dos
Os Arautos da Praga possuem células em muitos investigadores salistienses. A Guarda de Valkaria
lugares e, o mais assustador, já conseguiram se já começou a enviar alguns de seus detetives para cá.
infiltrar no Colégio Real de Médicos. Eles roubam Sem dúvida a maior fonte de aventuras (e
amostras de fluidos contendo doenças e focos de aventureiros) do reino é a medicina. Os médicos
maldições, para então transformar tudo isso em armas de Salistick são imensamente procurados por grupos
dentro de seus laboratórios clandestinos. Quando de heróis por suas habilidades curativas. Também é
uma dessas pragas está pronta, os Arautos a liberam comum que aventureiros sejam afligidos por males
sobre a população inocente de alguma cidade, sempre que nenhuma suposta magia divina é capaz de curar
com seu grito: “De volta ao Nada!”. e venham para cá em busca de um tratamento. Dou-
São considerados vilões abomináveis, além de tores filósofos contratam aventureiros para recolher
anátema a todos os preceitos que fundaram Salistick. ervas curativas ou ingredientes ainda mais exóticos
Contudo, mesmo entre os sábios do reino há quem para seus remédios — às vezes, o hipocampo frontal
defenda sua existência. Afinal, nenhuma prática de um oxxdon é exatamente o que faltava para um
científica deveria ser proibida… novo elixir.

Além do Reinado
229
SVALAS O REINO RENASCIDO

Q
uando um artoniano pensa em “reino”, para se proteger de grandes ameaças. Svalas é um
o que vem a sua mente é um lugar berço de heróis, um lugar onde uma espada afiada,
vasto e antigo, com um rei ou rainha uma magia preparada e bastante coragem podem ser
poderosos e distantes. O sonho de a diferença entre triunfo e ruína.
muitos heróis é, com sorte e a bênção dos deuses,
um dia salvar um reino inteiro. Breve Glória
Svalas não é nada disso. Talvez a única ideia preconcebida que se aplique a
Em Svalas, nobres lutam ao lado de cavaleiros e Svalas seja sua história longa. O reino foi fundado no
plebeus. A rainha conhece pessoalmente seus súditos ano 1024, sendo um dos primeiros a serem estabele-
e recebe em sua corte o mais reles estrangeiro recém- cidos no continente norte. Na verdade, a fundação de
-chegado. Um viajante pode cruzar todo o território em Svalas foi anterior à de nações muito mais poderosas
poucos dias. Sem a glória das grandes nações e fazendo e notórias, como Wynlla ou Sambúrdia. É anterior
fronteira com um inimigo, Svalas recorre a qualquer até mesmo ao antigo Reino de Yudennach — o que
aventureiro disponível, mesmo os mais inexperientes, representa uma humilhação nunca esquecida.

Capítulo Dois
230
A família nobre Svalas partiu de Valkaria pouco
depois da fundação da cidade, em busca de um terri-
tório onde construir seu novo lar. Era uma linhagem
de guerreiros, mas com um forte senso de honra. Os
Svalas não entraram em conflito com os povos de
Ramnor e evitaram territórios ocupados, até encontrar
o que buscavam: uma terra fértil em uma posição
estratégica, com uma enorme e densa floresta. A
região era assolada por monstros, mas os Svalas não
temiam isso. As planícies podiam ser plantadas, a
floresta podia fornecer madeira e isso era tudo que
importava. Seguindo os costumes mais tradicionais,
o reino e a floresta foram batizados com o nome da
família. Em pouco tempo já havia um pequeno castelo
e cavaleiros patrulhavam a terra.
Mas, se a honra importava aos Svalas, ela de nada
valia para os Yudennach.
O Reino de Yudennach se estabelecera nas
proximidades de Svalas. Militarista e expansionista, Svalas
Yudennach massacrou habitantes nativos e se espa-
lhou até onde a diplomacia permitia. Nas décadas Nome Oficial: Reino de Svalas.
seguintes, Svalas começou a receber cada vez mais
Lema: “Díspares, Honrados, Livres”.
refugiados de raças não humanas — pessoas que
fugiam das políticas intolerantes de Yudennach e vi- Brasão: de vermelho uma banda engolida
nham procurar abrigo. Ainda era época de construção, por duas cabeças de leões de ouro, sobre
quando a liderança de Deheon era tênue e o Reinado tudo um escudete de verde carregado de
era jovem. Por isso, ninguém pôde ajudar o pequeno três barris de ouro, dois e um.
reino quando ele foi invadido por Yudennach. Gentílico: svalano.
Svalas lutou com bravura, mas não teve chance. Capital: Cidade de Svalas.
Cerca de 50 anos após sua fundação, foi conquistado
Forma de Governo: monarquia eletiva.
e desmantelado. A família fundadora foi caçada e
massacrada até o último parente distante. Registros Regente: Rainha Ayleth Karst.
históricos foram queimados, crianças foram proibidas População: 80.000.
de aprender o nome do reino. Sob o domínio militar
Raças Principais: humanos, goblins,
de Yudennach, a ordem era fingir que Svalas nunca
anões, elfos, hynne.
existira, havia sido apenas um território a ser anexado
ao reino maior. A única lembrança que restou foi a Divindades Principais: Khalmyr, Lena.
floresta, sempre conhecida como Floresta Svalas
apesar dos esforços dos conquistadores.
Mas essa lembrança se provou suficiente.
E o povo de Svalas foi inteligente. Eles agora eram
Resistência Eterna membros do Exército com uma Nação. Faziam parte
Por quase 400 anos, Svalas lembrou. de uma cultura militarista e belicosa, que esperava que
aprendessem a lutar. Assim, nobres de Svalas eram
Não havia a menor possibilidade de uma pe-
quena região rural pegar em armas e conquistar sua educados nas academias militares das grandes cidades
independência. Mas o povo aguerrido manteve viva a de Yudennach e voltavam a suas terras para ensinar
memória dos fundadores e o nome do reino. Geração o que haviam aprendido. Aguçando seu pensamento
após geração, as crianças eram proibidas de aprender estratégico, os senhores de Svalas silenciosamente
sobre sua verdadeira história — mas ouviam-na mesmo transformaram a terra conquistada em um refúgio de
assim, à noite, em sussurros de seus pais. Os registros não humanos. Em suas pequenas aldeias, castelos
não mais existiam, mas a tradição oral foi repassada rústicos e fazendas tradicionais, pessoas das mais
ao longo dos séculos. variadas raças eram acolhidas, passando a viver e

Além do Reinado
231
trabalhar lado a lado com os humanos. Criou-se acaso abrigava alguns aventureiros iniciantes. Eles
uma diversidade estonteante, contrastando com o foram contratados pela herdeira para investigar as
modo de viver simples e antiquado. Quando enviados “atividades estranhas” e acabaram se envolvendo na
da capital se aproximavam, os não humanos eram resistência. O Barão Abelard se sacrificou durante
escondidos e protegidos. uma batalha, deixando a espada de sua família para
O reino existira de forma independente por apenas um dos heróis. Lady Ayleth assumiu o baronato e
50 anos. Mas quatro séculos não foram capazes de assim foi selada uma aliança e uma amizade cheia
destruí-lo por completo. de percalços que resultaria na vitória.
Os aventureiros viriam a se tornar os grandes
A Conquista heróis da Guerra Artoniana — Lothar Algherulff,
Nargom, Kadeen e Klunc. Eles rumaram a Valkaria
da Liberdade e comunicaram à Rainha-Imperatriz tudo que havia
Quando os puristas se ergueram e deram o ocorrido. Como sanção às conspirações puristas,
golpe de estado que transformaria Yudennach na Shivara decretou a independência de Svalas. Os heróis
Supremacia Purista, muitas lideranças resistiram. As então voltaram como arautos da liberdade, apenas
movimentações foram vistas no pequeno Baronato para descobrir que os puristas estavam se retirando.
de Karst. Essa terra, governada pelo Barão Abelard No entanto, os conquistadores banidos deixaram para
com auxílio de sua única filha, Lady Ayleth, por trás um último ato de covardia: despertaram a fúria de
um gigante, que destruiu boa parte
das terras mais civilizadas do reino.
O gigante foi vencido, mas
apenas a um custo terrível. Svalas
foi quase totalmente devastado.
Um elfo heroico tombou frente à
criatura, sendo para sempre honrado
no reino. Lady Ayleth, única nobre da
região, ascendeu a rainha pelo decre-
to de Shivara. Auxiliada pelos heróis,
agora chamados de Campeões de
Svalas, ela se pôs a estabelecer uma
capital e reerguer sua terra.
Mais de 400 anos depois, Svalas
recomeçava. Mais uma vez, livre.

Svalas
Renascido
Hoje em dia, Svalas é um reino
pequeno e cheio de paradoxos. É
antiquado — preserva os costumes
feudais ancestrais que mantiveram a
chama acesa durante todo o período
de conquista. Mas é também muito
cosmopolita. Cidadãos das mais
variadas raças podem ser vistos
em qualquer vilarejo, coexistindo
normalmente com os humanos mais
simples. É uma terra de senhores
feudais, fazendas e tavernas de beira
de estrada, mas aqui o preconceito
contra não humanos é o pior crime
que se pode cometer. Praticamente
qualquer pessoa, mesmo um velho

Capítulo Dois
232
A Floresta Svalas e, mais do que isso, rumores ficaram confinados ao território
sombrios sobre o lugar logo do reino — após a invasão, apenas
Praticamente metade do território começaram a se espalhar. Diziam à floresta!
de Svalas é coberto por uma que a floresta era assombrada Agora que Svalas recuperou seu
floresta densa e escura, que se pelos espíritos dos soldados antigo território, os mortos talvez
estende até os Ermos Púrpuras. svalanos que morreram durante possam deixar a orla da mata.
Quando o Reino de Yudennach a invasão. Amargurados por Se voltarão para ajudar o povo
conquistou Svalas, séculos atrás, terem falhado com seu povo, não ou se estarão enlouquecidos por
a floresta permaneceu intocada. teriam conseguido descansar, séculos de amargura e sedentos
Os recursos naturais de lá não virando mortos-vivos. Porém, pelo sangue dos vivos, só o
interessavam aos conquistadores por serem soldados de Svalas, tempo dirá…

fazendeiro armado com um ancinho, vai se erguer Ao mesmo tempo, quase qualquer ameaça é
contra alguém que demonstre antipatia ou desconfiança uma ameaça ao reino todo. Um único gigante quase
por alguma raça. Em Svalas, os lefou podem andar pôs fim ao ideal de liberdade. Uma infestação de
sem medo, os osteon não precisam esconder o rosto kobolds, um portal mágico ou um feiticeiro com
e os sulfure podem falar sobre sua herança infernal. ideias megalomaníacas são perigos à própria exis-
O grande influxo de refugiados também significa tência do reino. Não há um exército formal, apenas
que quase todos têm uma história interessante. A nobres armados e plebeus recrutados às pressas — e
mulher bebendo ao seu lado na estalagem não é heróis. Aventureiros iniciantes serão aclamados
apenas uma dahllan — ela é uma dahllan que nasceu e recebidos pela própria rainha. Não é difícil que
de uma flor amaldiçoada num campo de batalha e recebam um feudo desabitado como recompensa
tem cabelos feitos de pétalas cor de sangue. O velho por uma missão bem-sucedida.
kliren atrás do balcão não é apenas um kliren — ele A Rainha Ayleth governa em sua capital, também
é na verdade um jovem hynne que trocou de corpo chamada Svalas. Uma estátua do elfo que deu sua vida
por causa de uma magia desastrosa, e está em busca pela defesa do reino domina a paisagem, na praça
do danado que possui seu corpo verdadeiro! Não central. Ayleth é uma nobre firme e decidida, com
faltam exemplos. Gregorydantalas Wallgof, um fama de rabugenta e cabeça-quente, mas valente,
elfo barbado que afirma ter viajado no tempo, pode extremamente leal ao seu povo e dotada de um rígido
ser visto diariamente em busca de remédios para senso de justiça. Ela acabou se casando com o pirata
seus diversos males. Aeon Nukeburn, um mago Nargom, seu aliado e desafeto ocasional durante a
dahllan masculino especialista em artes marciais, Guerra Artoniana. Nargom nem sempre está no castelo,
conta para todos sobre como escapou de um Lorde continuando a singrar os mares, mas a capital toda
da Tormenta apenas meditando. Enod o Done, um
entra em festa quando ele chega.
lefou, é ao mesmo tempo mago e clérigo de Wynna, e
costuma divertir os aldeões quando suas duas cabeças A posição geográfica de Svalas faz com que quase
de personalidades conflitantes discutem entre si. qualquer tipo de perigo possa surgir. A enorme po-
Alguns dizem que Svalas é um reino de histórias pulação de monstros que atraiu a primeira família
infantis, onde tudo que é fantástico ocorre num raio nobre continua aqui: qualquer coisa que se esconda
de poucos quilômetros. em ermos ou cavernas existe em Svalas. Além disso,
a floresta continua misteriosa. Muitas vezes um mago
Não há espaço para pompa ou arrogância. Com
ou sábio precisa de algum ingrediente que só existe
raríssimas exceções, os nobres vivem em fortes e salões
em suas profundezas sombrias. Não é incomum
simples, sendo assessorados por três ou quatro con-
que fanáticos da Supremacia façam alguma incursão
selheiros e tratando com aventureiros pessoalmente.
clandestina, ou que pequenos nobres desafiem a
A história do Barão Abelard Karst marcou o reino e
autoridade de Ayleth.
solidificou a noção de que aqui todos devem lutar
unidos. Se o barão não tivesse confiado em um grupo Mas nenhuma dessas ameaças pode fazer o povo
que incluía um pirata e um bárbaro, a independência desistir de seu reino. Isso eles foram capazes de provar,
nunca teria sido alcançada. século após século.

Além do Reinado
233
Feudos de
Trebuck A TERRA DOS MIL BARÕES

E
sta terra ao norte do Reinado não é Lá, os exploradores se separaram, cada família e cada
uma nação unificada, mas uma miríade clã erguendo suas fazendas e aldeias, distantes entre
de feudos independentes. As relações si por dias de viagem. Sendo comunidades isoladas,
entre eles variam — há alianças sela- cada uma precisava se preocupar com suas próprias
das por casamentos, rivalidades decididas em defesas. Assim, com o passar dos anos, cada uma
ergueu fortes e castelos. Era o início dos feudos.
torneios de cavalaria… E ódio sedimentado
por guerras. Por décadas a vida seguiu, cada feudo cuidando
de seus interesses. A rotina era árdua, mas, graças
De maneira similar, entre os senhores feudais há
ao trabalho dos camponeses, a região prosperava. Tal
todo tipo de pessoa. Alguns são justos e honrados,
prosperidade chamou a atenção de Wogar Aranth, na
preocupados em proteger seus vassalos. Outros são época rei de Sambúrdia. Pelos decretos do Reinado,
cruéis e gananciosos, tentando expandir seus domí- toda a região norte pertencia ao reino sambur — in-
nios a todo custo. Além dos conflitos entre os próprios cluindo as terras dos feudos. Sedento pelas riquezas
barões, as fronteiras da região são ameaçadas por dos senhores locais, Wogar enviou seu filho, Aggaron
todo tipo de inimigo. Do leste, bárbaros e monstros Aranth, para governar a área. Ambicioso e arrogante, o
descem das Montanhas Sanguinárias para saquear e príncipe começou a cobrar impostos abusivos. Aqueles
devorar camponeses. Do norte, o Dragão-Rei Sckhar que não eram capazes de pagar tinham suas terras
cobiça os castelos dos nobres. Do sul, comitivas tomadas e repassadas para algum membro da corte de
feéricas visitam, causando caos e loucura. E do oeste Aggaron. Os que resistiam eram mortos. Tudo isso fez
escutam-se trovões e os cânticos dos cultistas da crescer um sentimento de revolta, até que, liderado
Tormenta. Por tudo isso, esta é uma terra rica em por um fazendeiro e guerreiro aposentado chamado
oportunidades para aventureiros que desejem servir Gareth Friedel, um bando de camponeses pegou
a um nobre… ou ascender eles mesmos à nobreza. em armas. Na vila de Crovandir, fizeram o primeiro
levante contra Sambúrdia, depondo o lorde local e
prendendo-o nas masmorras do castelo. Começava a
História Rebelião dos Servos.
A região dos feudos foi povoada por membros da
grande caravana que partiu de Deheon rumo ao norte, Sangue e Revolta
ainda nas primeiras décadas do Reinado. Embora a Assustado com o ato de seus antigos súditos,
maior parte dos colonizadores tenha se estabelecido Aggaron fugiu para a capital do reino em busca da
nas terras férteis de Sambúrdia, alguns continuaram, ajuda do pai. As más notícias não foram bem rece-
parando apenas ao chegar em uma região de planícies bidas por Wogar. Enfurecido com o filho, o monarca
entre o Rio dos Deuses e as Montanhas Sanguinárias. ordenou que Aggaron conduzisse um destacamento

Além do Reinado
235
de soldados de volta ao território que era de sua Althar já era um monarca velho quando recebeu a
responsabilidade e executasse os desordeiros. Acuado, notícia de um ataque de demônios na fronteira oeste
o herdeiro de Sambúrdia partiu com suas tropas. En- de Trebuck. Mesmo assim, não hesitou — montou
quanto isso, o bando de Gareth já havia se organizado. em seu cavalo e, acompanhado de sua guarda pes-
Os relatos do feito em Crovandir se espalharam pelas soal, partiu para enfrentá-los. Se fossem realmente
outras comunidades, inflando o povo com coragem. demônios, talvez caíssem ante a carga dos cavaleiros.
Aventureiros do resto do Reinado, cansados da vida Infelizmente, eram algo muito pior. Eram lefeu.
errante, foram atraídos pela causa dos aldeões e pela Althar morreu defendendo suas terras, sob as garras
oferta de terras próprias quando o conflito terminasse. impossivelmente afiadas dos invasores aberrantes.
Assim, quando Aggaron chegou, não encontrou Ao contrário do fundador do reino, porém, ele deixou
uma revolta de camponeses. Deparou-se com uma uma herdeira.
verdadeira rebelião.
Nessa época, a princesa real Shivara estava se
O conflito durou anos. Aggaron e as tropas aventurando pelo Reinado como parte de sua edu-
samburs enfrentaram os rebeldes em escaramuças cação. Mas, quando soube da morte do pai, voltou
e batalhas campais. Plantações eram saqueadas e para Trebuck e assumiu o trono. Já rainha, Shivara
queimadas, castelos eram sitiados e tomados. A guerra reivindicou a criação de uma força militar da coalizão
só terminou quando Aggaron foi capturado pelas para enfrentar a Tormenta. A fim de atrair aliados,
forças rebeldes após um ataque fracassado contra conseguir apoio e amealhar poder político suficiente
o Forte Arantar. Gareth enviou um mensageiro a para cumprir seu objetivo, Shivara viajou por todo
Sambúrdia, com uma proposta para o Rei Wogar: o Reinado, mostrando inteligência, capacidade de
devolveria o príncipe… em troca da liberdade de sua persuasão e coragem incríveis para alguém tão jovem.
terra. O coração de pai de Wogar pesou mais do que Por fim, o então Rei-Imperador Thormy aceitou seu
a coroa em sua cabeça e ele cedeu às exigências dos pedido e criou o Exército do Reinado.
rebeldes. Ao receber a resposta de Wogar, Gareth
enviou um novo mensageiro, desta vez para Deheon. Quando a área de Tormenta se estendeu para
O cavaleiro levava documentos assinados por Gareth dentro das fronteiras de Trebuck e tomou o Forte
e por Wogar, acordando a independência da região. Amarid, o Exército do Reinado marchou. Foi a
Com o reconhecimento da Coroa do Reinado, nascia primeira batalha entre Arton e a Tormenta. Infeliz-
o Reino de Trebuck. mente, as forças artonianas falharam em expulsar os
lefeu e tiveram que recuar. O Exército do Reinado
assumiu uma postura defensiva e a área de Tormenta
Calmaria e Tempestade não se expandiu mais, resultando em um impasse
Gareth foi coroado rei, mas não esqueceu as ori- tenso. Suas nuvens rubras continuaram despejando
gens independentes da região. Seu primeiro decreto sangue e ácido sobre a fronteira oeste, fazendo
foi a criação da Assembleia dos Nobres, uma reunião com que Trebuck ganhasse a sinistra alcunha de
que podia ser convocada pelos senhores feudais e “o Reino da Tormenta”.
dava a eles o poder de depor o monarca em casos
de tirania ou incapacidade. Gareth foi um regente
honrado e, durante sua vida, a Assembleia nunca foi
Trono Vazio
convocada. Porém, morreu sem deixar herdeiros. Outra e Dissolução
família assumiu o trono e outras depois desta. Algumas Apesar da derrota, por sua determinação em en-
dinastias produziram bons governantes, outras nem frentar um inimigo que ameaçava toda Arton, Shivara
tanto. Havia escaramuças entre os barões — apesar foi considerada uma heroína no mundo inteiro. Além
de terem se unido sob um rei, ainda possuíam uma disso, mais tarde se tornou rainha de Yudennach por
cultura de independência —, assim como eventuais casamento, consolidando-se como uma figura influente
ataques de monstros. Mas, desde a Rebelião dos Servos, na política artoniana. Assim, anos depois, quando
nenhuma grande guerra. Thormy abdicou da coroa do Reinado como parte do
Séculos após sua fundação, Trebuck era um reino tratado que encerrou as Guerras Táuricas, Shivara foi
próspero, governado pelo Rei Althar, monarca justo, apontada e eleita como nova Rainha-Imperatriz. A
sábio e portador de Carthalkan, a poderosa Espada monarca se mudou para Deheon e, embora ainda fosse
Cristalina. Por toda sua honra e poder, Althar estava regente de Trebuck, na prática não conseguia mais
fadado a uma morte terrível e sua dinastia, a ser a se envolver com o governo de seu reino natal. Ainda
última do reino. Pois uma ameaça diferente de todas assim, o fato de uma bucker ser governante de toda a
as outras estava prestes a surgir. coalizão enchia de orgulho o povo do reino.

Capítulo Dois
236
No trono do Reinado, Shivara governou com
firmeza. Foi sob seu governo que os puristas se
ergueram como uma nova ameaça aos povos arto-
nianos. A Rainha-Imperatriz demonstrou coragem e
determinação, unindo-se a heróis em busca do líder
secreto da odiosa facção. Infelizmente, durante essa
missão desapareceu sem deixar vestígios — havia sido
sequestrada pelo General Supremo. Muitos heróis de
Trebuck foram enviados para descobrir seu paradeiro,
mas nenhum conseguiu encontrá-la. Pelas cortes dos
feudos, começou-se a falar o que ninguém queria ouvir:
Shivara estava morta e, assim como Gareth séculos
atrás, partira sem deixar herdeiros. Houve, é claro,
muitos nobres que queriam continuar as buscas, por
esperança ou lealdade. Porém, a essa altura a Guerra
Artoniana rugia pelo continente. Com os batalhões
puristas marchando por Arton, não era mais possível
esperar — os rumos do reino precisavam ser decididos.
Era hora de convocar a Assembleia dos Nobres.
Os senhores feudais se reuniram em Crovandir,
Trebuck
para debater sobre a guerra e sobre o trono. A res-
Nome Oficial: Feudos Independentes
peito do conflito, houve muita discussão, mas pouco
de Trebuck.
consenso. Enquanto alguns barões queriam atacar a
Supremacia, outros argumentavam que era tolice entrar Lema: “Como um Céu Estrelado”.
em guerra contra a maior potência militar de Arton. Brasão: de vermelho três espadas de
E outros, ainda, lembravam que as nuvens rubras da prata, guarnecidas e maçanetadas de ouro
Tormenta trovejavam em sua fronteira — uma ameaça e empunhadas de negro.
maior que qualquer exército! O único ponto em comum
Gentílico: bucker.
era o ódio que estavam sentindo pelo Reinado: na
visão deles, a coalizão havia causado a morte de sua Capital: nenhuma (mas veja Crovandir).
rainha. Assim, não foi surpresa quando um dos nobres Forma de Governo: feudalismo.
sugeriu que Trebuck deixasse de ser parte do Reinado,
Regente: uma miríade de barões, cada
nem quando os outros votaram a favor da proposta
um senhor de seu próprio feudo.
radical. Em outra situação, Deheon poderia ter evitado
a saída com diplomacia. Porém, ocupado com a ameaça População: 1.850.000.
purista, o Reino Capital nada pôde fazer. Raças Principais: humanos, hynne.
Ainda havia a questão do trono de Trebuck. Divindades Principais: Khalmyr,
Muitos nobres não se julgaram dignos de sentar Arsenal, Allihanna.
em um trono outrora ocupado por Shivara. Outros,
orgulhosos, achavam que poderiam ser tão grandiosos
quanto a rainha que enfrentou a Tormenta e sugeriram
seus próprios nomes como reis — mas nenhum
conseguiu apoio suficiente para ascender. Mais uma
vez, após muitos debates, uma noção aparentemente Geografia
incontestável surgiu. Trebuck nascera como diversos A região dos feudos é composta de planícies e
feudos independentes, sem uma autoridade central. campos ondulados, cobertos de relva e, eventualmente,
Se não era possível eleger alguém à altura de Shivara, bosques e florestas. Embora o solo não seja tão fértil
talvez não devesse mais haver rei nenhum. quanto o das Repúblicas Livres, é o suficiente para
Foi assim que os nobres votaram por retornar às permitir fazendas e pastos vistosos.
origens da região. Quando a Assembleia acabou, os Há incontáveis feudos, dos menores, com pequenos
barões voltaram para suas terras — agora não mais fortes de madeira e aldeias sonolentas, aos maiores, com
regiões de um reino, mas domínios independentes. poderosas fortificações de pedra e vilas agitadas. No geral,
Eram os Feudos de Trebuck. os feudos são isolados entre si, embora alguns sejam

Além do Reinado
237
A Volta de Shivara? ligados por estradas de terra. Mesmo esses caminhos,
porém, possuem pouca manutenção e, durante chuvas,
A antiga rainha de Trebuck, considerada transformam-se em lamaçais esburacados. Já as terras
morta durante a Assembleia dos Nobres entre os feudos são ermas e desabitadas.
que a destituiu do cargo, estava viva, e
Como um todo, a região é menos movimentada
voltou ao Reinado anos depois. Shivara
que o Reinado — é possível viajar dias sem encontrar
gostaria que Trebuck voltasse à coalizão,
outras pessoas, visto que a maior parte da população
mas respeitou a decisão da Assembleia
não deixa suas próprias aldeias. Mesmo o comércio
— a Rainha-Imperatriz é acima de tudo
aqui é incipiente, consistindo de mascates solitários
uma governante justa e a escolha dos
em suas pequenas carroças. As grandes exceções são
barões possuía o peso da lei. os dias de torneios e festivais, quando pessoas de
Em Trebuck, as opiniões a respeito de feudos vizinhos (e amigáveis) se juntam para assistir
Shivara variam. Alguns nobres ainda às justas e participar das comemorações.
se sentem leais a ela e desejariam O sul do reino, perto da Floresta de Sambúr-
que voltasse como rainha. Outros a dia, tem clima ameno, embora às vezes fenômenos
respeitam, mas acham que estão melhor estranhos aconteçam, como neve em pleno verão
sozinhos, cuidando de seus respectivos e tempestades súbitas em dias de céu azul. Todos
vassalos e terras sem uma autoridade colocam a culpa disso nas fadas da Pondsmânia. Já
maior atrapalhando. E outros ainda o norte é mais quente e árido, graças à proximidade
nutrem antipatia ou raiva, por motivos com Sckharshantallas.
variados — desde brigas ancestrais
com sua família a simples inveja — e
sabotariam qualquer tentativa de
restituir uma coroa central. A maior
Povo & Costumes
parte do povo tem carinho pela antiga Desde suas origens, o povo dos feudos é valente
rainha, mas na verdade não pensa e perseverante, mas também desconfiado e arredio
muito nela. Para quem precisa cuidar — embora algumas vilas pratiquem o costume da
de sua plantação enquanto se defende hospitalidade comum no Reinado, outras fecham suas
de monstros errantes, a pessoa que se portas a forasteiros.
senta no trono de um castelo distante A maior parte da população é humana, mas há
não parece importar tanto. Além disso, também anões e hynne. Membros de raças mais mági-
Shivara sumiu por anos e, mesmo cas, como elfos e qareen, são raros — talvez achem os
antes de seu desaparecimento, já estava feudos muito banais… Aqueles de raças exóticas, como
afastada de Trebuck — assumiu como golens e osteon, provavelmente serão considerados
Rainha-Imperatriz e se mudou para monstros, sendo recebidos com cautela, medo ou, em
Deheon há quase 15 anos. Os jovens de casos extremos, hostilidade. A exceção são dahllan,
Trebuck sequer se lembram de Shivara sílfides e outras fadas que, vindo da Pondsmânia,
como rainha! eventualmente visitam a região. Porém, dificilmente
No momento, não parece haver nenhuma se estabelecem aqui e, após se divertirem com os
tentativa de restituir Shivara como rainha camponeses, voltam para sua terra mágica.
de Trebuck nos feudos. A própria Shivara Khalmyr é o deus mais cultuado e representa
não quer se impor como soberana. a autoridade dos barões. A maior parte dos feudos
Porém, ainda se preocupa com sua terra possui alguma representação de seu símbolo sagrado,
natal, em especial em relação à área de normalmente na forma de uma tapeçaria na sala do
Tormenta que existe aqui. Sempre que trono. Arsenal também possui muitos devotos,
pode, a Rainha-Imperatriz usa emissários especialmente entre os guardas e cavaleiros dos
para contratar grupos de aventureiros castelos, e não é visto como um rival de Khalmyr.
experientes dispostos a enfrentar os Já os camponeses cultuam Lena e Allihanna — a
demônios e impedir que a influência primeira em capelas nas vilas, a segunda em pequenos
rubra se alastre. Essa é a maneira que santuários nas cercanias dos feudos. Por fim, em certas
encontrou para proteger os feudos sem comunidades isoladas, cânticos assustadores têm sido
causar um incidente diplomático. ouvidos à noite — a influência corruptora da área de
Tormenta tem feito surgir na região cultos a Aharadak.

Capítulo Dois
238
Os Feudos Em comparação ao Reinado, a vida nos feudos
é relativamente monótona. Camponeses passam a
Distante do centro do continente, esta região maior parte do tempo trabalhando a terra, enquanto os
sempre foi pouco povoada e desenvolvida. Aqui não há nobres se ocupam fiando e tecendo em salões escuros
grandes cidades (com exceção de Crovandir) e a vida e úmidos, ou caçando e patrulhando em bosques
é basicamente rural. A unidade básica da sociedade próximos, também escuros e úmidos! As feiras, que
são os feudos — vilas de camponeses que vivem normalmente acontecem nos pátios dos castelos,
da terra (fazendeiros, pastores, lenhadores…) ao movimentam um pouco a rotina. Mas o evento que
redor de um castelo. O feudo típico é uma sociedade realmente traz vida e cor aos feudos são os torneios.
pequena, com poucos milhares de habitantes, e pode
ser atravessado em um ou dois dias de caminhada,
ou metade disso a cavalo. Governo
O senhor do castelo é também senhor de todo Os Feudos de
o feudo e a maior figura de autoridade da Trebuck não pos-
região. Alguns são justos, outros são tirâ- suem um governo
nicos, mas quase todos são combatentes central. Cada barão é
poderosos, capazes de proteger seus soberano em sua pró-
súditos pela força das armas. O senhor pria terra, e nenhum
de um feudo é chamado de barão renunciaria a essa auto-
ou baronesa e tratado como “meu ridade em prol de um rei.
lorde” ou “milady”. Os feudos Formalmente, ainda exis-
são bastante independentes te a Assembleia dos No-
entre si e quase não há rela- bres, uma reunião que pode
ções de suserania — ou seja, ser convocada por qualquer
barão para debater sobre as-
relações de hierarquia entre os
suntos que afetam toda a ter-
nobres. Assim, títulos como
ra. Porém, a última Assembleia
conde, marquês e duque,
aconteceu há vários anos, justa-
comuns nos reinos mais
mente para decidir pelo fim da co-
desenvolvidos do Reinado,
roa de Trebuck. Desde então, os
não são usados aqui. nobres estão cada vez mais isola-
Os camponeses mais po- dos. Hoje, seria necessário um even-
bres cultivam as terras do to cataclísmico para que um novo cha-
senhor, ficando com uma mado fosse atendido.
parte da colheita para si e
deixando o resto para o ba-
rão. Outros, mais abasta-
dos, possuem terras pró-
prias, pagando impostos
ao nobre em troca de
proteção. Mas mesmo Mago da corte de
os proprietários de ter- um dos feudos de
Trebuck. Seriam as
ras dependem do ba- vestes vermelhas
rão para ter acesso a apenas uma
instalações neces- escolha estética…
ou um indício
sárias para seu de culto à
trabalho, como Tormenta?
um moinho, for-
no ou forja, dis-
poníveis apenas
no castelo ou perto dele. Assim, mais cedo ou mais
tarde todos acabam se encontrando dentro dos mu-
ros, sob a sombra da torre do senhor.

Além do Reinado
239
Locais Importantes Coravandor liderou trinta rebeldes buckers a deter
uma invasão sambur com centenas de soldados. Nos
anos que se seguiram, o forte se expandiu até se tor-
Crovandir nar o imponente castelo que é hoje.
A antiga capital, da época em que os feudos eram Durante algumas décadas, Arantar perdeu impor-
um reino unificado, Crovandir é a única grande cidade tância, tornando-se um “depósito” para os membros
da região. Porém, hoje está esvaziada e decadente. Não menos capazes e mais descartáveis do exército de
faz parte de nenhum feudo e, desde a dissolução da Trebuck. Contudo, após a rápida passagem de Orion
coroa, é governada por um conselho mais preocupado Drake e um fatídico ataque do caçador de recompensas
em encher seus bolsos com os impostos que cobram Crânio Negro, o forte recuperou sua glória e foi
dos mercadores do que em cuidar da população. tomado sob a proteção de um nobre.
Outrora uma pequena vila, Crovandir entrou para Atualmente, Arantar é um feudo próspero. Suas
a história como berço da rebelião contra o regime terras são férteis e, sob a sombra das muralhas do
abusivo do príncipe de Sambúrdia. Assim, quando castelo, seguras. Porém, há quem diga que tal prospe-
Trebuck se tornou um reino independente, Crovandir ridade trouxe indolência e ganância. Em vez de usar
foi escolhida como capital. Ser a sede da corte fez a vila seus guardas e cavaleiros para proteger a região, o barão
crescer e, ao longo dos séculos, se tornar uma cidade de Arantar, Lorde Hurton, os mantém estacionados
próspera e movimentada, que recebia mercadores e em postos de fronteira, onde abordam, interrogam e
dignitários de reinos longínquos. Quando a Tormenta revistam de forma arbitrária os viajantes e mercadores
surgiu em Trebuck, Crovandir se viu subitamente
que passam pelas estradas do feudo. Hurton, hoje um
esvaziada de visitantes externos, o que começou um
homem afeito a banquetes, mas outrora um campeão
ciclo de declínio. Quando a Assembleia dos Nobres
de liças com sua pesada maça de guerra, diz que faz isso
decidiu pelo fim do reino, muitos habitantes da capital
pensando na segurança do feudo. Já os viajantes dizem
rumaram para os feudos em busca da proteção de um
que tudo não passa de desculpa para a cobrança de
senhor, o que deixou a cidade ainda mais abandonada.
impostos abusivos e a apreensão ilegal de mercadorias.
Hoje, a população é uma fração do que costumava
ser e muitas casas estão em ruínas. Ainda assim, é o Arantar tem outra característica notável: uma pas-
principal ponto de comércio da região, e aqueles em sagem subterrânea, que leva por um longo túnel, du-
Trebuck que precisam de itens raros muitas vezes rante vários dias de viagem, até uma caverna próxima
se veem obrigados a encarar as ruas escuras, sujas e ao acampamento do Exército de Arton. Esta pas-
repletas de bandidos de Crovandir. sagem é um segredo — e, embora seja útil, raramen-
te é usada, pois serve de covil para vários monstros.
O centro da cidade é ocupado pelo Palácio Va-
lanya, antiga sede da corte. Outrora um lugar de
salões iluminados e jardins floridos, hoje Prodd
está em péssimo estado de conservação. Este pequeno feudo ao sul
Desde o fim da família real, o palácio não é um lugar pacato, de colinas
tem moradores. Em vez disso, abriga suaves e floridas. Aqui o povo
os funcionários da burocracia urbana e vive vidas tranquilas, cuidando
as reuniões do conselho, cada vez mais de suas plantações e pastos sob a
esporádicas. Embora seja uma visão guarda do barão de Prodd. De fato, o
triste, o Palácio Valanya não é o pior lugar feudo não seria digno de nota se não
da cidade. À noite, dos porões de várias fosse por um detalhe: sua proximi-
casas, é possível escutar cânticos grotescos, dade com a Pondsmânia.
um indício de que Crovandir está repleta
De duendes solitários a grandes
de cultos à Tormenta.
comitivas do Reino das Fadas, visitas
feéricas não são raras aqui. Como e
Arantar quando elas acontecem varia — o
Este castelo de muralhas es- que não varia é o grande impacto que
pessas de pedra branca possui causam nos humanos. De fazendeiros
uma história gloriosa. Nos tem- humildes que recebem a bênção de
pos do conflito com Sambúrdia, um lorde feérico e veem cada grão
Arantar era um pequeno forte de milho de suas plantações se
de madeira, mas aqui o herói transformar em uma moeda de

Capítulo Dois
240
ouro até cavaleiros que se apaixonam por uma fada faz com que Barucandor seja um alvo constante de
e abandonam o mundo mortal, tudo pode ocorrer. bárbaros saqueadores e monstros famintos. Nos últi-
Graças a isso, o povo do feudo tem costumes mos anos, não foram poucas as famílias massacradas
peculiares. Alguns tentam se proteger das criaturas ou devoradas por esses visitantes indesejados. O
Barão Marius Valcanti é um homem nobre, mas
mágicas usando amuletos ou superstições de eficácia
velho, e lhe falta a força para proteger seu povo. Ele
incerta. Outros fazem tudo para atrair a atenção feérica,
possui, no entanto, ouro suficiente para recompensar
em busca de fortuna, amor ou outros desejos.
aventureiros dispostos a manter suas terras seguras.
O barão de Prodd, sir Wyllam, é uma figura pecu-
liar. Um cavaleiro galante, de longos cabelos dourados,
tornou-se senhor do feudo ao derrotar o barão anterior
Akezan
em uma justa à meia-noite. Ninguém sabe exatamente Este feudo fica em uma região rochosa, perto da
por que eles duelaram, mas o carisma de sir Wyllam fez fronteira com Sckharshantallas — do topo das torres
com que fosse rapidamente aceito pelo povo. Um nobre de seu castelo, é possível ver as nuvens de fuligem
honrado, Wyllam tem alguns hábitos estranhos — já do Reino do Dragão. Apesar da terra árida, não é um
foi visto cavalgando sozinho pelas florestas do feudo feudo pobre: minas de pedras preciosas garantem que
e conversando com pássaros e esquilos… o senhor de Akezan, o paladino Bartholomeu Bardy,
tenha dinheiro para comprar comida das terras mais
férteis ao sul, além de erguer muralhas para proteger
Barucandor seus domínios. Porém, o Barão Bartholomeu sabe que
Situado em um vale de terras férteis e verdejantes, a maior ameaça que ele enfrenta — a cobiça de Sckhar
Barucandor possui plantações que se estendem do — não será detida por meros muros. De tempos em
castelo no coração do feudo até o horizonte, além de tempos, filhos do Dragão-Rei invadem as fronteiras
grandes rebanhos de porcos, ovelhas e trobos. O povo para saquear, com o objetivo de impressionar seu pai.
local é bem alimentado e bem-vestido… Mas isso não Lorde Bardy tem enviado seu arauto, o elfo bardo
significa que não tenham problemas. A prosperidade Wongrave, junto de promessas de riqueza, para atrair
local, junto da proximidade com as Sanguinárias, aventureiros dispostos a debelar esses ataques.

Além do Reinado
241
“A Tormenta devora e corrompe o
que encontra, escarrando de volta
um arremedo de vida. Um reflexo
partido do que antes existia.”

— Leykk de Trebuck,
paladina de Khalmyr

Cidade Fortaleza Tyros


de Coravandor Esta cidade mineradora foi fundada por Zarllach
Fariell, um viajante do antigo reino de Callistia, para
A maior fortaleza dos feudos, Coravandor foi
explorar os veios de pedras preciosas das Sanguinárias.
construída por ordens da coroa após o ataque da
Saudoso de sua terra natal, Zarllach batizou seu novo
Tormenta, para proteger a corte bucker. Recebeu o
lar com o mesmo nome da cidade onde nascera: Tyros.
nome de um dos maiores heróis da história do reino
e tudo indicava que seria mais um palco de glórias, A proximidade com as Sanguinárias trazia incursões
ou ao menos um ponto estratégico de importância de bárbaros e ataques de monstros, mas isso não era o
crucial. Com o fim do reino, o lugar foi assumido pior — a proximidade com Sckharshantallas fez com
pelo Barão Alvar, que planejava usá-lo como base que Tyros atraísse a cobiça do Dragão-Rei. A mando de
Sckhar, o lorde da cidade foi assassinado e substituído
para expandir seus domínios. Porém, às vésperas
por um mago que assumiu seu nome e aparência!
de uma campanha militar, foi encontrado morto,
tendo aberto sua barriga e devorado seus próprios Recentemente, o mago infiltrado se mostrou
intestinos. Seu cavaleiro mais proeminente, sir insubordinado. Assim, a mando do próprio Sckhar,
Bridden, tomou a fortaleza para si — apenas para, um grupo de aventureiros o derrotou. Para esconder
durante um banquete alguns meses depois, se atirar a desobediência, o Dragão-Rei ordenou que outro
na lareira do salão principal, morrendo imolado na fantoche assumisse a aparência do lorde, sem que o
povo sequer ficasse sabendo que uma mudança ocorreu.
frente dos convivas.
Contudo, sem saber que o mago fora removido, um
Com suspeitas de uma maldição assolando grupo de rebeldes derrotou e removeu o novo fantoche.
a fortaleza, nenhum outro nobre quis assumi-la e Temerosos da retaliação de Sckhar, instauraram um
o lugar foi esvaziado. É uma construção invejável, lorde que se faz passar pelo fantoche que se fazia passar
mas abandonada. Os últimos viajantes que passaram pelo mago. Contudo, uma facção leal a Sckhar pode ter
por perto dizem ter visto crostas rubras e pulsantes descoberto tudo e instaurado um fantoche que se faz
tomando as muralhas de Coravandor… passar pelo mago, que se fazia passar pelo lorde, que…

Capítulo Dois
242
Área de Tormenta Guildas &
Este local de pesadelos se estende desde o Pân-
tano de Tyzzis, a oeste, até a faixa de terra além da Organizações
margem leste do Rio dos Deuses. No coração da área
está o Forte Amarid, antes um orgulhoso castelo, O Circuito de Torneios
hoje uma fortaleza aberrante feita de carapaça, ossos Afastados do coração de Arton, os feudos são um
e metal enferrujado. lugar pacato — isto é, para padrões artonianos. Há
A área de Tormenta de Trebuck foi a primeira a eventuais ataques de monstros, além dos próprios
conflitos entre os barões… Mas, fora isso, pouco para
surgir no Reinado, décadas atrás. Se naquela época
distrair os plebeus e os nobres de suas rotinas tediosas
de união já representava um perigo para todo o povo,
nos campos ou nos castelos.
agora que os feudos estão isolados a ameaça é ainda
maior. Cada vez mais lefeu deixam os limites da Felizmente, esta terra é o lar do Circuito de Torneios.
permanente tempestade de sangue que marca a região O Circuito é uma série de eventos que acontecem
para atacar feudos próximos. Mais do que isso, a entre os meses de Caravana e Clausura, ao longo de
influência rubra, que alcança os humanos através toda a região. Cada evento dura alguns dias (normal-
de alucinações e pesadelos, tem convertido mais mente três) e é uma mistura de feira, festival e com-
e mais pessoas comuns em cultistas da Tormenta, petições esportivas. As competições incluem luta livre,
que por sua vez se infiltram na miríade de cortes arquearia, justas e, o principal, a liça — uma batalha
dos feudos. Para piorar, aventureiros que ousaram disputada por equipes dentro de uma arena, onde vale
se aproximar da área dizem que ela parece estar se tudo e os últimos a ficar de pé são os vencedores. Es-
expandindo lentamente. Se isso é um plano do Lorde sas lutas são tão caóticas que arautos descrevem para
da Tormenta Gatzvalith ou apenas efeito colateral os espectadores o que está acontecendo, anunciando
da crescente influência lefeu na região, ainda precisa aos berros os golpes mais devastadores e os nomes
ser descoberto. de quem os desferiram!

Além do Reinado
243
Qualquer barão pode promover uma edição do contratados por um nobre como guardas de elite ou
Circuito. Isso exige preparar os campos onde as agentes para resolver um problema específico. Alguns
competições irão ocorrer, as arquibancadas para o competidores de destaque da atualidade incluem o
povo, as tendas para os competidores, a tribuna para paladino errante Hoenheinn Mitternach; Takeda
os nobres e, é claro, a comida para toda essa gente! Sagara, um lutador com estilo exótico, e Konnan,
Pelo seu tamanho, os eventos não ocorrem nas praças um meio-orc bárbaro das Sanguinárias.
de aldeias ou pátios dos castelos, mas em prados nos
arredores do feudo — ou mesmo na fronteira entre
dois feudos, quando são organizados em conjunto
Invicto Culto
por dois barões. Como isso é bastante dispendioso, a Arsenal
geralmente há apenas uma edição por mês (embora Anteriormente chamado de Nobre Culto a Keenn,
já tenha havido casos de barões marcarem um evento esta ordem mudou de nome e objetivos quando o
para a mesma data de um rival, para sabotá-lo). Assim, antigo Deus da Guerra foi derrotado. Antes dedicados
competidores costumam viajar pela região, sempre a erguer campos de treinamento e preparar soldados
atrás do feudo onde haverá o torneio da vez. para batalhas contra outros reinos, os Invictos, como se
Os eventos são anunciados com semanas de autointitularam, agora vagam pelos feudos, convertendo
antecedência, por bardos contratados para percorrer pessoas à fé de Arsenal e as recrutando para suas fileiras.
as praças e tavernas de Trebuck e além. Com isso, O motivo de fazerem isso ainda é desconhecido.
cada edição atrai verdadeiras multidões. Além dos Alguns acreditam que eles planejam erguer um feudo
próprios competidores, há cozinheiros, mercadores, teocrático, onde todos viverão conforme os preceitos de
menestréis, saltimbancos, curandeiros, mendigos, Arsenal. Outros acham que seu plano é mais ambicioso:
ladrões e, claro, todas as pessoas que vêm para assistir quando tiverem reunido um exército, o Invicto Culto
às disputas e aproveitar a festa. Esses eventos são uma planeja atacar a área de Tormenta de Trebuck. Afinal,
das poucas ocasiões em que camponeses deixam suas não há guerra mais importante do que aquela contra os
vilas e fazendas e viajam para outro feudo. invasores aberrantes! Um ataque assim seria a melhor
As competições começam pela manhã e seguem até chance de esses devotos provarem que Arsenal é um
o entardecer. À noite, os espectadores se divertem com estrategista melhor que Lorde Gatzvalith, assim como
comilança, música, dança e apresentações artísticas, de os Invictos colocarem seu nome à prova.
enquanto os competidores descansam e se curam para
o dia seguinte. Na noite do último dia, o nobre mais O Exército de Arton
importante entre os presentes entrega ao competidor Nos anos da Guerra Artoniana, todas as guarnições
mais destacado um prêmio. Pode ser algo simbólico, do Exército do Reinado sofreram grandes baixas, com
como um lenço; algo valioso, como uma joia ou uma soldados desertando para proteger seus próprios
arma de manufatura superior, ou mesmo algo místico, reinos e lares. No acampamento de Trebuck, poucos
como uma bênção ou feitiço. permaneceram… Mas aqueles que ficaram eram os
Em alguns torneios, apenas armas e feitiços não mais leais à missão original. Essas pessoas não só
letais são permitidos (espadas sem corte, magias decidiram continuar enfrentando a Tormenta, como
de ilusão…). Em outros, porém, não há nenhuma passaram a defender todos os povos e todas as terras,
regra assim! Isso já fez clérigos de Marah tentarem não mais apenas a coalizão de reinos. Afinal, muitos
banir os eventos, mas ninguém lhes deu ouvidos. De tecnicamente já não faziam mais parte do Reinado,
qualquer forma, mesmo nos eventos mais sangrentos, devido às mudanças políticas causadas pelo conflito
as lutas são apenas até rendição ou nocaute, nunca até contra os puristas. Deixaram de ser uma guarnição do
a morte. Embora o clima possa ficar tenso, o Circuito Exército do Reinado. Tornaram-se o Exército de Arton.
de Torneios é, acima de tudo, uma festa. O Exército de Arton possui um grande acampa-
Além da diversão do povo (e, em alguns casos, mento permanente no oeste dos feudos. É hoje uma
do próprio barão) há outro motivo para os nobres facção independente, que não obedece a nenhum
patrocinarem esses eventos, ou pelo menos equipes rei ou rainha. Possui uma estrutura militarizada,
de competidores: o Circuito de Torneios é a principal com um General Comandante no topo e um círculo
forma de atrair combatentes valorosos para a região. de capitães abaixo dele. O General Comandante é
Aventureiros de Deheon, cavaleiros de Bielefeld, escolhido pelos capitães e pode ser rebaixado por eles,
ginetes de Namalkah e até mesmo magos de combate caso sua liderança não se mostre adequada. O Exército
de Wynlla viajam até aqui para testar suas habilida- de Arton se sustenta da venda de artefatos lefeu e
des e concorrer aos prêmios, e eventualmente são de matéria vermelha adquiridos durante incursões

Capítulo Dois
244
— soldados específicos são envia- Repente de Arton, ge de problemas. Como a região é
dos para cidades como Valkaria, pelo bardo sulfure cercada por um reino dracônico ao
Vectora ou mesmo Ghallistryx e norte, uma floresta feérica ao sul,
Milothiann, para negociar esses
Ulrich Qvoc uma cordilheira selvagem ao leste
itens valiosos. O Exército de Arton e uma área de Tormenta ao oeste,
Os antigos eregiram
está com um contingente reduzido, é possível dizer que aqui há aven-
A cidade legendária
contando com apenas cerca de mil De heróis e mercadores turas para todos os lados! Para pio-
soldados, mas ativamente busca Estadia temporária rar, essas fronteiras são mal guar-
novos combatentes. Contudo, Ruas cheias sob a deusa necidas, o que significa que mesmo
apenas veteranos são aceitos — o Que a nomeou Valkaria! dentro delas é possível encontrar to-
Exército aprendeu com a derrota dos esses tipos de criaturas — de
que sofreu na Batalha do Forte Se precisas de um herói dragões banidos por Sckhar a fadas
Amarid e não envia mais novatos Arcanista ou espadachim querendo se divertir às custas dos
para enfrentar os lefeu. Todo ouro é bem-gasto humanos, de bárbaros e monstros
O atual General Comandante é Na taverna de onde eu vim que descem das Sanguinárias a cul-
Odgar, um militar alto e feio, com Pague bem e o ajudarão tistas e demônios lefeu trazendo a
nariz demais e cabelo de menos — Lá em Nova Malpetrim! devassidão rubra.
não tem a aparência de um herói, mas Dos prodígios deste mundo Mesmo sem esses “visitantes in-
tem a experiência de um veterano, Minha alma comemora desejados”, a própria dinâmica en-
já tendo lutado ao lado de sir Orion A exemplar diversidade tre os feudos gera problemas. Esca-
Drake e ajudado a treinar a primeira Que mal chega e vai embora ramuças entre barões são comuns, de
leva dos letais Cavaleiros do Corvo. Maravilha da magia: simples saques a fazendas vizinhas
Odgar era o antigo comandante da O mercado de Vectora! até sangrentas disputas territoriais.
Primeira Companhia, um batalhão Tais disputas ocasionam outros di-
de soldados especializados do Reino Se perguntas de onde venho, lemas, como mercadores que preci-
de Yudennach, mas abandonou seu Na resposta não me engano: sam de escolta para passar por uma
antigo lar quando os puristas toma- Nem de reino, nem cidade, zona em conflito e casais filhos de
ram o poder. É duro, pragmático e Sou de guerra veterano nobres rivais que desejam ficar jun-
treina seus recrutas com o rigor Ergo-me contra a Tormenta tos. E, embora haja muitos barões
necessário para que eles tenham Pois eu sou artoniano! honrados, também existem tiranos
chance de enfrentar a Tormenta. que maltratam seu povo, motivan-
Segundo o próprio bardo, a do os camponeses a juntar suas par-
Entre os capitães, destacam-se
última estrofe foi inspirada cas economias e contratar aventurei-
o cavaleiro feérico Nyzarraz e o
no discurso de sir Orion ros para lidar com o nobre maligno.
jovem paladino Vallen Drake.
Drake antes da Batalha do
Nyzarraz é alto, esguio e possui Mais do que tudo, os feudos
Crânio e do Corvo.
grandes asas de mariposa — dizem em si são vivos e dinâmicos. Even-
que é meio fada e meio demônio tualmente, novos feudos surgem —
e que lutou contra as tropas de basta que um fazendeiro próspero
Crânio Negro a mando da Rainha Má da Pondsmânia. erga um forte e ofereça proteção para outros campone-
O sinistro capitão teria aceitado servir num exército ses — e esses nobres novatos muitas vezes precisam de
mortal por ódio e vingança contra os lefeu. Já Vallen é aventureiros para tornar a região segura, expulsando
filho de ninguém menos que Orion e Vanessa Drake. bandidos e bestas. Da mesma forma, feudos antigos
Existem grandes expectativas a seu respeito e ele às vezes desaparecem, por ataques de monstros, mal-
parece disposto a cumpri-las. Um prodígio de 17 anos, dições, pestes e outros motivos, pontilhando a terra
o jovem cavaleiro é valente, galante e tocado pelos de ruínas repletas de tesouros, perigos e talvez anti-
deuses. Muitos soldados afirmam que Vallen Drake gos habitantes que não encontraram descanso após a
possui poderes especiais contra a Tormenta. De fato, morte. Essa dinâmica torna a região ideal para aventu-
ele mesmo se intitula um “guardião da realidade”. reiros que buscam se tornar eles próprios senhores de
suas próprias terras. Aqui basta erguer um castelo —
Aventuras ou conquistar um já existente — para ser considerado
um nobre. Mas que esses pretensos barões fiquem avi-
Os Feudos de Trebuck podem estar longe da agi- sados: embora adquirir um título seja relativamente
tação do centro do continente, mas não estão lon- simples, mantê-lo é outra história…

Além do Reinado
245
Triunphus UM BOM LUGAR PAR A MORRER

T
riunphus. Lar de mistérios insondá- Mas Triunphus é real. As torres da cidadela for-
veis, atrás das imponentes muralhas. tificada se erguem acima das copas das árvores, suas
Grandiosa metrópole, estranhamente bandeirolas coloridas tremulando ao vento, contras-
afastada das principais rotas comerciais. tando com as escuras Sanguinárias ao longe. Estradas
Isolada em algum ponto no leste dos Feudos de terra batida cortam os bosques, onde fazendeiros e
de Trebuck. mercadores perambulam com suas carroças. “Um lugar
onde é bom morrer”, alguns afirmam, soando fatalistas
Inúmeros relatos são contados sobre Triunphus.
aos recém-chegados. Aqueles que a visitam podem
Um deles sugere ser uma comunidade de mortos-vivos,
acabar confirmando isso, ao soar de suas trombetas.
sem que ninguém consiga deixar suas muralhas com
Quando as ruas esvaziam, os soldados tomam posições
vida. Em outra versão, seus habitantes descobriram
de combate nas muralhas e alguns cavalgam grifos.
o segredo da imortalidade, e aqueles que entram
Quando a Horda Moóck ataca.
não desejam mais partir. Há também histórias de
constantes ataques de monstros. Alguns até juram A ave monstruosa de duas cabeças traz consigo o
que a cidade sequer existe neste mundo. inferno em suas asas flamejantes, despejando explosões

Capítulo Dois
246
de fogo sobre a cidade murada. É seguida por outras demia de combate suprema, onde se pode receber
bestas, menores, porém variadas e infinitas. O ataque treino que não existe em nenhum outro local. Aqui,
implacável ocorre regularmente. Nenhuma outra ao brandir espadas ao lado de companheiros, não é
comunidade seria capaz de sobreviver a essa provação. necessário conter os golpes. Aqui você pode se lançar
No entanto, Triunphus sobrevive. Porque aqueles sem medo contra as criaturas mais perigosas.
que aqui morrem retornam à vida. E então usar essa habilidade para tentar o teste
final. Escapar de Triunphus.
Bênção ou Maldição?
O massacre perpetrado pelo Moóck traz pânico Atrás das Muralhas
e destruição, embora poucas mortes reais ocorram. Apesar de sua condição fantástica, os habitan-
Mesmo quando centenas caem a cada passagem da tes de Triunphus se esforçam para levar uma vida
ave incendiária e seu bando, as perdas efetivas são relativamente normal. Conduzem seus negócios da
mínimas. Isso porque quem morre aqui revive. melhor forma possível e tratam os forasteiros com
A estranha bênção/maldição foi rogada há tempos, cortesia, pois há sempre a possibilidade de se tornarem
quando a região ainda era um vilarejo modesto às novos vizinhos. Falam do Moóck com uma casualidade
margens do Rio Morqua, que corre das Sanguinárias. impressionante, como se discutindo o preço do pão
Poucas casas erguidas por colonos, sonhando com ou as últimas tendências de moda em Sambúrdia!
vida nova. Foi quando ocorreu o primeiro ataque dos As incursões da Horda Moóck são consideradas
monstros Moóck. Destruição total, quase todos os parte inevitável da vida — nada agradável, mas também
habitantes incinerados. Kriloskav Hal-kazar, clérigo não há motivo para chorar. O povo é perseverante, não
e fundador do povoado, implorou aos deuses por uma desanima diante da tragédia. Pessoas quase literalmente
nova chance para aquelas pessoas. Ofereceu a própria forjadas a ferro e fogo, acostumadas a cair, levantar-se
vida como sacrifício. O grito de sua alma alcançou e reconstruir. Podem ser altivos e resilientes, jamais
Thyatis, o Deus das Segundas Chances. se deixando abater; resignados e fleumáticos, não
O próprio Krilos nunca voltaria à vida, pois seu se impressionando com nada, ou cheios de atitude
sacrifício era legítimo e não poderia ser negado. No positiva, sempre enxergando o melhor da vida.
entanto, todas as outras vítimas do enxame Moóck A pequena vila que deu origem à cidade ainda
miraculosamente ressuscitaram. Desde então, aqueles existe, hoje conhecida como Parte Velha. Localizada
que morrem nas proximidades da cidade são trazidos no canto noroeste e relativamente isolada pelo Rio
de volta em poucos dias. Morqua, abriga a população mais humilde, com casas
Mas os ataques do Moóck nunca cessaram. A fênix antigas e precárias, em sua maioria feitas de madeira.
e seu exército (suas crias?) ressurgem de tempos em O crime prospera, as ruas são estreitas e perigosas.
tempos, queimando tudo em seu caminho até cansa- Abrigam cassinos e outras formas de entretenimento
rem ou serem repelidos. Os sobreviventes cogitaram ilegal: muitos em Triunphus acreditam que a vida
abandonar a região, deixar as feras entregues à sua eterna deve ser desfrutada ao máximo.
própria fúria, mas logo descobriram não ter mais As três guildas criminosas estão sediadas na
essa escolha — pois Thyatis cobra um preço por sua Parte Velha. Apesar de eventuais desentendimentos
dádiva. Os ressuscitados são impedidos de deixar existe um pacto, cada uma controlando seu próprio
Triunphus; quando tentam se afastar da região, sofrem segmento do crime: Gnaeus (apostas), Stefania
dor e agonia que culminam em morte irreversível. (sequestro e escravidão) e Severus (contrabando
Aceitando a vontade de Thyatis, o povo permaneceu e culto a Hyninn). Ladrões que atuam fora dessas
aqui. Construíram a desejada vida nova, ainda que guildas são perseguidos com igual determinação por
cercada por muralhas imponentes. todos os membros.
Com o passar dos anos, os locais se tornariam cada Na assim chamada Parte Nova as estruturas são
vez mais experientes no combate às feras elementais mais seguras, construídas em pedra. Há tavernas e
— afinal, podiam lutar sem medo da morte. Desen- pousadas, mas sem jogos de azar ou prostituição —
volveram as melhores armas e táticas para enfrentar as patrulhas da Guarda da Fênix se encarregam de
os monstros. Hoje, Triunphus é conhecida como lar restringir essas atividades à Parte Velha. O comércio
de alguns dos maiores guerreiros de Arton. floresce nesta parte da cidade e praticamente qualquer
Clérigos de Thyatis afirmam que a cidade existe mercadoria pode ser encontrada, incluindo alguns
com esse nobre propósito. Ser uma arena, uma aca- itens mágicos, trazidos por aventureiros experientes.

Além do Reinado
247
de Triunphus. Dizem ser um homem doente, com
uma saúde frágil — morreu várias vezes devido a uma
doença misteriosa, resultando na perda considerável
de sua constituição física. Rumores sugerem que o
regente não é mais humano e foi substituído por um
demônio da Tormenta. Existe também a versão de que
ele foi transformado em vampiro, sendo essa a razão
de nunca mais ter sido visto à luz do dia.
Cercando as altas torres do palácio estão os quar-
téis da Guarda da Fênix, tornando difícil distinguir
onde um termina e outro começa. Como defensores
da cidade, a Guarda da Fênix recebe treinamento no
combate a monstros — o que explica sua impaciên-
cia ao lidar com pessoas, julgando e punindo sem
muita conversa. Recrutas são treinados em uma das
guarnições localizadas junto às muralhas; os mais
graduados têm a oportunidade de cavalgar grifos e
outras bestas mágicas mantidas nos estábulos. A lei
é implacável e eficiente: delitos menores, inclusive
Cidade de Triunphus pequenos furtos, são punidos com a morte (o que
pode assustar forasteiros desinformados). De forma
Lema: “Um Bom Lugar para Morrer”.
reversa, apenas crimes muito graves recebem pena
Brasão: de ouro, um pano de muralha fir- de prisão. O próprio conceito de “crime grave” é
mado, ameiado de cinco peças e duas meias- diferenciado aqui, visto que assassinato é apenas um
-peças, cada uma rematada de uma bandei- aborrecimento temporário.
ra hasteada e farpada de vermelho; sainte da A localização exata da cidade é tópico de debate.
muralha em chefe, uma águia estendida de Muitos juram que ela ficava no reino de Hongari,
duas cabeças e, sainte da muralha em ponta, antes de seu destino fatídico como parte de Aslothia,
duas cabeças e pescoços de serpente inverti- existindo até mapas que confirmariam essa posição.
das e adossadas de verde; os bicos da águia No entanto, tudo não passou de uma grande mentira
vertendo chamas do segundo. propagada pelo infame bardo hynne Pimbo Froley
Gentílico: triunphiano. — conhecido como um dos poucos aventureiros a
Regente: Sulhon Therormas. escapar de Triunphus. As histórias exageradas de sua
visita à cidade (ou A Grande Escapada de Pimbo Froley)
População: 55.000. foram espalhadas e coloridas por outros pequeninos,
Raças Principais: humanos, anões, levando a uma crença generalizada de que Triunphus
elfos, hynne. ficaria na antiga nação hynne. Por sua vez, Pimbo se
Divindades Principais: Thyatis, aposentou como aventureiro e estabeleceu uma rede
Khalmyr, Lena, Valkaria. de charutarias nas Repúblicas Livres de Sambúrdia.

O Desafio de Thyatis
A verdade é que existe uma forma de escapar
de Triunphus. Thyatis, como outras divindades de
O Deus da Ressurreição, como não poderia deixar Arton, tem apreço por aventureiros. Aqueles que
de ser, é a divindade mais cultuada. No Templo de desejam ser livres da bênção/maldição devem, antes,
Thyatis, devotos zelam pelos mortos durante os dias ser bem-sucedidos em um desafio.
necessários ao retorno. Não apenas Thyatis é reve-
Um monólito existente na Avenida Central é a
renciado neste local, mas também divindades aliadas,
chave. Ele tem inscrições planares que, em ordem
como Khalmyr, Lena, Valkaria, Tanna-Toh e outras.
correta, formam o nome “Thyatis”. Pressionar os
No coração da cidade encontra-se o imponente símbolos nessa sequência manifesta um efeito
Palácio Municipal, residência do regente, além de pa- mágico, transportando aquele que decifra a charada
lácios menores pertencentes às famílias nobres. Pouco e quaisquer aliados presentes para uma masmorra.
se sabe sobre Sulhon Therormas, atual governante Uma das masmorras mais perigosas em Arton,

Capítulo Dois
248
similar àquela que representava Thyatis durante
a Libertação de Valkaria. Talvez por esse motivo
A Horda Moóck
tenham ambas o mesmo nome. O Moóck lembra uma monstruosa águia gigante
em chamas, intensamente vermelha, com duas ca-
Em todas as câmaras e corredores as paredes são
beças e duas caudas de serpente. O nome foi dado
feitas de rocha liquefeita, incandescente, sempre em
pelos habitantes de Triunphus e vem do guincho
movimento — como lagos verticais de lava vulcâ-
nica, contidos por alguma força invisível. O brilho horrendo da criatura.
cáustico oferece condições de luminosidade normais. O nome também se refere à Horda Moóck, formada
O piso é escuro e coberto de cinzas. Não há teto, por numerosos outros monstros que acompanham
mas sim uma densa camada de fumaça flamejante, a besta-líder. São criaturas variadas, desde kobolds
como uma eterna nuvem incendiária. Lutar aqui é até gigantes, mas principalmente elementais. Em
perigosíssimo, pela possibilidade de ser empurrado comum, todos têm alguma ligação elemental com o
ou cair de encontro às paredes, podendo até acabar fogo. Todos também se originam nas Sanguinárias,
imerso na escória quente. A masmorra também onde terras vulcânicas fazem brotar estes seres em
fortifica magias de fogo e enfraquece magias de frio vagalhões infindáveis.
ou água, de maneiras variáveis.
O Móock ataca a cidade — juntamente com a
O Desafio de Thyatis é povoado por todo tipo de
Horda, mas às vezes solitário — a cada poucos meses.
criatura relacionada a fogo. Não apenas elementais,
O monstro bicéfalo luta até ficar muito ferido, cansado
mas também cães infernais, golens de ferro, demô-
ou apenas sem interesse, então retornando a seu
nios e até dragões. Todos caçam e atacam intrusos
ninho vulcânico. As teorias sobre aquilo que motiva os
assim que os encontram, muitas vezes emergindo
das próprias paredes de rocha liquefeita para ata- ataques são muitas. A mais aceita alude à semelhança
ques-surpresa. Na verdade, diz-se que aventureiros do monstro com o próprio Thyatis e diz que a fera
podem reencontrar aqui seres abissais poderosos teria sido enviada pelo Deus da Ressurreição como
que tenham encontrado e destruído no passado, um tipo de provação para seus servos. Muitas vezes,
aprisionados em Triunphus pela eternidade como são esses ataques que causam a morte de eventuais
punição de Thyatis por seus crimes. visitantes, agora prisioneiros aqui.
Aventureiros mortos aqui são magicamente Aqueles que ouvem estas histórias muitas vezes
transportados de volta à cidade, caídos perto do se perguntam: como a população local poderia se
monólito. São então recolhidos por devotos de alimentar, quando a região e suas lavouras são ataca-
Thyatis e levados ao templo, onde revivem após das por enxames elementais flamejantes a intervalos
alguns dias. Infelizmente nem sempre seus pertences curtos demais para qualquer colheita? De fato, a
retornam com eles, tornando-se parte dos tesouros Horda causa prejuízos extensos aos fazendeiros em
a conquistar na masmorra. cada aparição — mas seus ataques são direcionados
Apenas heróis poderosos, ou especialmente principalmente à cidade. Plantações e criações de
preparados, têm chance de vencer a masmorra in- gado em volta, exceto aquelas diretamente em seu
fernal. Aqueles que encontram o ponto de saída são caminho, são deixadas sem tantos danos.
transportados para além das fronteiras de Triunphus, Rastrear o Moóck até seu covil nas Sanguinárias
livres da bênção/maldição. Mas nem todos os relatos
para abater a fera, ou talvez solucionar seu mistério,
são exatos e nem todos os desafios, iguais. Alguns
pode ser uma das aventuras mais épicas possíveis a
grupos bem-sucedidos descrevem uma batalha final
qualquer grupo de aventureiros. Suspeita-se que, en-
contra alguma criatura poderosa, antes da liberdade.
quanto não ataca, o monstro hiberna em uma caverna
Conforme alguns relatos, esse adversário
vulcânica descomunal — tão ou mais perigosa que
final seria um serpentaar, imenso
elemental do fogo que lembra uma o próprio Desafio de Thyatis. Alguns
serpente feita de piche. Para ou- inclusive acreditam que ambas
tros, a luta decisiva acontece as masmorras são conecta-
contra o próprio Moóck. das. De qualquer forma,
E outros ainda dizem se a bênção/maldição
que o último inimigo terminaria com a
é ninguém menos que destruição da criatura
o avatar de Thyatis, na é uma pergunta ainda
forma de uma invencível fênix. a ser respondida.

Além do Reinado
249
Sckhar
shantallas O REINO DO DRAGÃO

A
o nordeste do Reinado, encravado maioria era mais necessidade que estratégia. Como
entre o Rio dos Deuses e as Montanhas forma de racionalizar os sacrifícios, surgiu a noção de
Sanguinárias, um reino de fogo e fúria todos pertencerem a Sckhar, por viverem no território
é um lembrete permanente aos povos dele. Assim sendo, cada sacrifício era apenas um ritual
humanoides sobre o verdadeiro significado para colocar nas garras do dragão vidas que ele já
do poder. Mesmo com milhares de cavaleiros possuía. Nessa época, por volta do ano 500, o nome
treinados, as mais refinadas magias ou séculos Sckharshantallas foi adotado pelos próprios nativos,
significando “Reino de Sckhar”.
de riquezas acumuladas, nenhum outro reino em
Arton ousa sequer ameaçar as terras quentes e
montanhosas que compõem Sckharshantallas. Uma tentativa
Seu regente é mais que humanoide, mais que de invasão
mortal — Sckhar, o Dragão-Rei do Fogo, é o Séculos depois, um grupo de exploradores fugitivos
maior dragão do continente e uma divindade da Revolta dos Servos chegou a Sckharshantallas,
menor. Sua palavra é lei, fé e chamas. procurando terras para colonizar e ocupar. Tentaram
invadir a região, passando por batalhas sangrentas. Os
nativos eram orgulhosos, determinados e organizados;
História uma resistência muito maior que a esperada. Os inva-
Os historiadores locais afirmam que Sckharshan- sores sofreram mais derrotas do que vitórias. Ainda
tallas é o primeiro reino civilizado de Arton. Embora assim, o resultado do conflito era incerto até Sckhar
essa afirmação seja conflitante com outras abordagens tomar ciência da invasão de seu território.
historiográficas e esbarre na espinhosa definição do Erguendo voo sobre as tropas invasoras, o
termo “civilizado”, é inegável que a ocupação do Dragão-Rei intercedeu pessoalmente e massacrou os
território hoje conhecido como Sckharshantallas é intrusos. Foi o primeiro registro de seu envolvimento
muito antiga, bem anterior à Grande Batalha. em batalhas com humanoides na história de Arton. A
Sckhar, o Dragão-Rei do Fogo, tomou a região visão de sua força e selvageria jamais foi esquecida. Os
como seu covil desde tempos imemoriais. Os humanos exploradores sobreviventes perceberam rapidamente as
presentes, incapazes de exterminar a fera, se submetiam vantagens de se juntar ao séquito de Sckhar, em vez de
ao dragão, oferecendo sacrifícios, tributos e idolatria travar uma guerra sem possibilidade de vitória. Com o
para manter suas vidas. Apesar de a região ser árida, a passar dos anos, esses pretensos colonizadores e seus
fruta treckod fornecia sustento e a presença do dragão costumes foram absorvidos pelos nativos, resultando
afastava outras criaturas. Naqueles tempos hostis, numa mescla de tradições em que o ponto comum é a
sacrificar algumas vidas em prol da sobrevivência da admiração, o respeito e a adoração pelo Dragão-Rei.

Além do Reinado
251
O dragão no Reinado As terras mais ao norte e ao leste, próximas das
Montanhas Sanguinárias, contam com atividade vul-
Pouco mais de um século depois, em 1122, cânica e terreno pedregoso, com chão de terra sólida e
Sckhar ficou intrigado pela política dos humanos. rachada. Mais ao oeste, às margens do Rio dos Deuses,
Sem se importar muito com qual seria a resposta as terras são compostas de campos e savanas, contendo
de Deheon, ele decretou que Sckharshantallas agora basicamente toda a produção agrícola e pecuária do
fazia parte do Reinado. A participação do Reino do reino. O sul do território é onde esses dois tipos de
Dragão na coalizão foi aceita com rapidez inédita. terreno se misturam, com uma cadeia de montanhas
Durante alguns séculos, a situação não se alterou desenhando a fronteira com os Feudos de Trebuck. A
muito. O Dragão-Rei era visto como uma incógnita, área de Tormenta do Forte Amarid se expandiu tanto
um predador observando enquanto a política humana que já ameaça as fronteiras do reino, mas ainda não
se desenrolava. foram tomadas providências quanto a isso.
Quando o Dragão da Tormenta atacou, em
1404, Sckhar participou pessoalmente da iniciativa
responsável por destruir o monstro. Pouco mais de
uma década depois, o Reinado pediu sua ajuda nova-
Povo & Costumes
Quase todos os habitantes de Sckharshantallas são
mente. Dessa vez os inimigos eram os puristas, uma
humanos, mas também há uma quantidade considerá-
força militar odiosa e humana. Enquanto a Tormenta
vel de elfos. Sempre houve algum fluxo de elfos para o
ameaçava toda a realidade, os puristas não eram ameaça
reino, principalmente porque a forma humanoide do
real para Sckhar e assim ele se manteve neutro durante
próprio Sckhar apresenta traços élficos. Mas, desde a
a maior parte do conflito. Só houve mudança com a
queda de Glórienn no Império de Tauron, isso ocorre
intervenção de um aventureiro.
em números maiores. Enxergando no Dragão-Rei um
Lothar Algherulff, membro dos Campeões de novo modelo, esses imigrantes elfos adotam as escamas
Svalas, viajou até Sckharshantallas e conseguiu ser e o vermelho típicos do reino. Mesmo os que não
recebido por Sckhar graças ao seu prestígio como veneram Sckhar como divindade o reconhecem como
arquiduque. O cavaleiro pediu ao regente que honrasse um patrono terreno. Esse padrão de comportamento
seu acordo com o Reinado e enviasse tropas para acontece até mesmo com alguns elfos que vivem em
ajudar na luta contra os puristas. O Dragão-Rei não outros lugares.
demonstrou grande interesse até o herói afirmar ser
Dragões são totalmente proibidos no reino, pois o
na verdade o filho de Shivara, portador do sangue real
rei considera toda a nação como seu covil pessoal. As
e, portanto, um pretendente na linha de sucessão do
únicas exceções são dragões que passam por rituais
trono do Reinado. Dessa forma, Sckhar concordou com
para perder toda a inteligência e a capacidade mágica,
o envio de tropas, desde que o herói consentisse em ter
tornando-se indistinguíveis dos dragões ferais. Esses
um filho com Stridnix, uma das filhas do dragão, dando
dragões são então utilizados no treinamento de novos
a ele a possibilidade de um neto com direito ao trono.
caçadores em Sckharshantallas.
Pouco depois do conflito, porém, Sckharshantallas
abandonou a coalizão. Em um discurso para a nação, A cultura local é toda construída em torno da
Sckhar afirmou: “Somos nosso próprio Reinado”. presença de Sckhar, num misto de idolatria, respeito e
medo, ao mesmo tempo com verdadeiro ódio a outros
Sckharshantallas é um reino pujante, um poder
dragões. Os habitantes são treinados para enfrentar
militar independente capaz de esmagar exércitos
esses seres majestosos, defendendo o território de
muito maiores graças à presença do Dragão-Rei. O
quaisquer invasores. Costumam usar roupas leves e
reino é o tesouro de Sckhar e todo o território é o seu
folgadas, capazes de proteger a pele do sol sem abafar.
covil. Hoje o dragão não tem interesse em expandir
É muito tradicional usar pelo menos uma peça em
suas fronteiras, mas quem sabe quais serão seus
vermelho, como símbolo de orgulho — o resto de
caprichos amanhã?
Arton pode associar o vermelho à Tormenta, mas
aqui é relacionado à cor das escamas do rei. Escamas
Geografia também integram o vestuário, principalmente em
capas e adereços. A classe trabalhadora costuma usar
A presença de um representante vivo do elemento apenas estampas de escamas, enquanto os mais ricos
fogo tão poderoso quanto Sckhar por tanto tempo usam escamas reais, às vezes tingidas. Os riquíssimos
afetou irreversivelmente o clima da região. Sckharshan- exibem capas e vestimentas de escamas de dragões
tallas tem um clima bastante quente, árido, embora verdadeiros, compradas de caçadores sckharjagar ou
ainda adequado para a sobrevivência humana. importadas das Sanguinárias.

Capítulo Dois
252
Os tributos em Sckharshantallas são pesados,
mas a insatisfação do povo é pequena. A esmagadora
maioria aceita esse como o custo a ser pago por ser
protegido pelo Dragão-Rei. Há poucos séculos,
os ancestrais dos sckharjagar pagavam esse custo
sacrificando as vidas de seus filhos. Diante disso,
o dispêndio de ouro, tesouros e itens mágicos não
parece absurdo.
No Reino do Dragão, mesmo o aldeão mais sim-
ples não tem que se preocupar com fome, bandoleiros
ou monstros. O exército distribui treckod, fruta
nativa que sacia como uma refeição completa, para
todo o povo duas vezes por semana. Criminosos
são raros, tanto pelo conforto básico oferecido pelo
regente quanto pela conhecida severidade das leis.
A maioria dos monstros das Sanguinárias evita o
território. Quando algum deles consegue invadir, o
exército real se esforça ao máximo para eliminá-lo o
mais rápido possível. Sckharshantallas
Muito se fala no exterior sobre as leis severas de
Sckharshantallas. As punições por crimes parecem Nome Oficial: Reino Dracônico
desproporcionais aos olhos de estrangeiros, com de Sckharshantallas.
execuções sendo muito comuns. Embora isso fosse Lema: “Aqui Está, Aqui Pertence”.
uma verdade definitiva no passado, foi assumindo um
papel diferente quanto mais o Dragão-Rei delegava Brasão: de ouro, um dragão rampante de
funções a seus filhos. As execuções diminuíram e vermelho coroado do campo.
penas alternativas aparecem cada vez mais, apesar Gentílico: sckharjagar.
de o exército ainda operar de forma implacável como Capital: Ghallistryx.
força mantenedora da ordem dentro das fronteiras. O
único lugar onde a frequência de execuções permanece Forma de Governo: monarquia
é a capital Ghallistryx, sede do poder de Sckhar. A absolutista.
única esperança para criminosos presos na capital é o Regente: Dragão-Rei Sckhar.
Perdão do Fogo. As execuções são feitas por queima População: 1.950.000.
na fogueira e, caso o fogo se apague sozinho de alguma
forma, o criminoso é liberado. Esse fato milagroso Raças Principais: humanos, elfos.
aconteceu apenas uma vez na história. Divindades Principais: Sckhar.
Existem muitas formas de celebrar a figura e o
poder do regente, entre tradições, feriados e festivais.
O mais recente é o Festival da Salvação, marcado por
um desfile militar anual. Além de uma demonstração parecem pequenas diante do Sckharal, um festival
de força, o festival relembra ao povo como Sckhar anual de sete dias, também em Ghallistryx . As ruas
garantiu a vitória do Reinado na Guerra Artoniana
são tomadas por enormes dragões vermelhos feitos
com a intervenção de suas tropas. A data é lembrada
de vime, dançarinos, prestidigitadores e companhias
como “o dia em que Sckhar salvou o Reinado”. Outra
teatrais. Grandes acontecimentos da história de Arton,
tradição anual é o Dia do Tributo, uma data para
como a Revolta dos Três e a Guerra Artoniana,
presentear o regente acima e além dos impostos já
pagos pelo povo. Procissões partem das cidades mais são encenados na enorme Praça da Conquista, no
distantes e filas serpenteantes ocupam as ruas de centro da cidade. O ponto alto é uma representação
Ghallistryx quando os súditos prestam as maiores da fundação de Sckharshantallas, culminando com a
homenagens possíveis a seu rei. Os mais devotos aparição do próprio regente em sua forma de dragão.
vivem o ano inteiro apenas consumindo treckod para Ao fim do espetáculo, fogos de artifício são lançados
garantir que toda a riqueza adquirida seja entregue aos céus, formando imagens de luz, e a festa toma
como oferenda a Sckhar. Todas essas celebrações toda Ghallistryx, com direito a muita música e vinho.

Além do Reinado
253
Treckod apresentada apenas uma vez e apenas para o monarca.
O bardo Saghoranod escreveu uma obra sem nome
Essa fruta é a base da alimentação dos contando a história do amor entre Sckhar e Beluhga.
sckharjagar. É um fruto amargo e polpudo Essa apresentação exclusiva arrancou elogios preciosos
de coloração vermelha, com suco viscoso de Sckhar e algo ainda mais raro: um pedido. Em vez
de gosto forte. Estrangeiros muitas vezes de exigir, o Dragão-Rei pediu ao bardo que nunca mais
sequer percebem o treckod como comestí- tocasse a música. Mostrando prudência incomum aos
vel, já que ele cresce envolto por uma casca músicos, Saghoranod anuiu.
grossa, áspera e seca. A textura lembra
A religião mais forte no reino é o culto a Sckhar.
casca de árvore, mas seus padrões lembram
O culto a Allihanna acontece com mais frequência
vagamente escamas de répteis.
entre os druidas da Casa Oculta e outras divindades
Consumir um treckod inteiro substitui também são cultuadas discretamente, com devotos
uma refeição e, enquanto está na casca, o relativamente comuns de Megalokk, Khalmyr e
fruto pode ser armazenado por meses sem Arsenal. O único culto realmente proibido no reino
estragar. Dentro de Sckharshantallas, não é a Kallyadranoch; só pode haver um dragão em
costuma ser vendido, apenas distribuído Sckharshantallas, mesmo nas orações.
para todos os habitantes. Fora do reino é
extremamente raro, apreciado por nobres e
aventureiros endinheirados e obtido apenas
via contrabando. Um único fruto pode
Governo
alcançar o valor de T$ 50. Contrabandistas Sckharshantallas é uma monarquia absolutista
de treckod costumam ser executados sem governada com punho de ferro pelo Dragão-Rei Sckhar.
chance de perdão. O olhar intenso do único olho do dragão vermelho
paira sobre todos os aspectos da vida no país. Sckhar
é um líder carismático e altamente respeitado entre
seu povo, mas também é temido por sua crueldade
O dia seguinte ao fim do Sckharal é outro feriado, e sede de poder. Suas leis são duras e não podem
o Dia da Execução, quando os criminosos presos jamais ser desafiadas. A proteção absoluta concedida
nas masmorras do dragão são queimados em praça pelo Dragão-Rei é cobrada em tributos e obediência.
pública, diante dos olhos satisfeitos dos sckharjagar. Sckhar é extremamente vaidoso e aproveita-se de
A produção artística local também é fortemente sua imponência para intimidar seus opositores e
influenciada pelo Dragão-Rei. A principal marcha do colocar-se frente a seu povo como um ser literalmente
reino é Sharnollynorath, ou “As Asas do Soberano”. divino. Costuma assumir a forma de um elfo alto
Foi composta por uma barda rebelde, Aryalonthara e esguio, trajando imensos mantos de cor negra e
Sarick, poupada da execução por seu talento. Conta-se vermelho-sangue que, aos mais atentos, lembram
que, na primeira demonstração da música, a barda suas asas imponentes. Em ocasiões cerimoniais,
parou a performance no meio de um acorde. Explicou usa um elmo alongado horizontalmente que lembra
que a obra estava inacabada por essa ser a única for- vagamente a cabeça de um dragão, cobrindo com suas
ma de retratar como a soberania, o poder e o temor sombras metade de seu rosto. Sckhar odeia exibir o que
transmitidos por Sckhar eram infinitos. Aryala adoeceu considera sua única deformidade: seu olho esquerdo
de tristeza e cansaço e faleceu depois de oferecer o é cego e traz três cicatrizes verticais alinhadas que
que tinha de melhor para alguém que odiava. Sckhar cruzam toda a sua extensão. Conta-se que esta eterna
ordenou que outros bardos completassem a melodia marca foi resultado de uma batalha com Beluhga, a
e ela continua sendo tocada até hoje. Também há uma Dragoa-Rainha do Gelo e antiga paixão do rei. Ao
peça chamada Duelo de Dragões, retratando o embate que se sabe, ninguém tem conhecimento exato de
entre Sckhar e o Dragão da Tormenta. Na peça, Sckhar o quais foram os eventos que culminaram no drástico
derrota sozinho e volta para seu reino ileso e vitorioso. (e trágico) desfecho. Perguntar é pouco recomendável.
Embora não seja sobre o Dragão-Rei, a peça Princesa Cada uma das cidades do reino é governada
Guerreira Shivara, escrita pelo menestrel Ulrich Qvoc, por um dos filhos meios-dragões de Sckhar. Esses
tem sido repetida à exaustão nos festivais reais, com governadores têm autoridade significativa em suas
grande incentivo para que companhias a levem para regiões, mas respondem diretamente ao Dragão-Rei,
além das fronteiras do reino. A peça descreve a vida que mantém um controle próximo sobre eles. Sckhar
da jovem Shivara, incluindo o nascimento de seu filho não tem um conselho de assessores, garantindo ter
secreto. A história mais desejada no reino, porém, foi a palavra final em todas as decisões importantes

Capítulo Dois
254
Sckhar não permite outros
dragões em seu reino, talvez
com uma única exceção…

relacionadas ao país. Essa concentração de poder nas seja apenas uma mentira para adquirir um verniz de
mãos de um único líder é considerada natural dentro prestígio. Tendo sangue de dragão ou não, esses nobres
do Reino do Dragão, mas é uma grande fonte de se reúnem no Shirazad, a central política do reino,
preocupação fora dele. Se Sckhar decidisse guerrear na cidade de Durtras. Lá, pleiteiam por suas terras e
contra o Reinado ou o Império de Tauron, as conse- disputam pela atenção dos filhos do rei.
quências poderiam ser desastrosas para toda Arton.
Apesar da perene estabilidade política do reino,
existem disputas entre os filhos de Sckhar, cada um Locais Importantes
ansioso para ganhar o favor de seu pai e assumir mais
poder. Esses conflitos são muitas vezes incentivados Ghallistryx
pelo próprio rei, que enxerga nisso uma forma de O coração do poder do reino e do regente, Ghallis-
manter seus filhos focados e motivados. A mais famosa tryx é uma das maiores metrópoles de Arton. Tudo
é a disputa entre Khaltass, governador de Durtras, e na cidade é grandioso e ornamentado com motivos
Khirollandra, governadora de Khershandallas. En- dracônicos. Construída sob as ordens de Sckhar e a
tretanto, vem chamando atenção a recente predileção supervisão de seus filhos, a cidade é composta por vias
de Sckhar por Stridnix, sua filha mais nova, escolhida amplas e largas, prédios e edificações altos e vastos. Se
para ter o filho de Lothar Algherulff no fim da Guerra Valkaria é o símbolo máximo da soberania humana,
Artoniana. Ela atua como sua principal auxiliar, quase Ghallistryx é um atestado do poder dos dragões sobre
como se ele a estivesse treinando para um dia assumir Arton. Governada pelo próprio Dragão-Rei, a capital
seu lugar, e vem despertando ciúme dos outros. conta com a aplicação mais severa das leis locais. As
Além dos parentes de Sckhar, há nobres menores, execuções são comuns e os perdões, quase inexistentes.
senhores de terras, especialmente em regiões rurais; Entre as muitas visões impressionantes da
muitos desses títulos foram dados como recompensa capital, uma se destaca acima e além das demais.
a servos fiéis. Todos afirmam ser descendentes dis- Shindarallur, o maior dos palácios de Sckhar, é uma
tantes do Dragão-Rei, embora em muitos casos isso maravilha arquitetônica, uma manifestação concreta

Além do Reinado
255
da opulência megalomaníaca e sedutora do Dragão- a ter sucesso nessa empreitada, Leon Galtran. Os
-Rei. Abriga o regente, seu séquito e toda a guarda poucos ousados o bastante para tentar seguir esse
de elite do reino, além das principais máquinas de sonho acabaram aprisionados ou mortos.
guerra. A sacada na torre mais alta oferece uma vista O maior templo devotado à veneração do Dra-
panorâmica da cidade, e é onde Sckhar costuma fazer gão-Rei também fica na capital. O Grande Templo
seus pronunciamentos para o povo, na forma de elfo. de Sckhar é uma construção imponente, com suas
Os ladrões mais bem informados de Arton sussurram dimensões exageradas, janelas de obsidiana e deco-
que o tesouro pessoal de Sckhar estaria escondido rações dracônicas. Logo diante dele existe algo ain-
aqui. Expandido depois de séculos de oferendas, da mais impressionante, um verdadeiro milagre, uma
tributos e sacrifícios, sua verdadeira extensão é des- manifestação permanente de poder divino. O Pilar
conhecida, mas isso só aumenta o interesse dos fora da Chama Eterna é uma estrutura enorme, rivali-
da lei. A invasão de Shindarallur é quase uma lenda. zando com as torres dos maiores castelos, encima-
É alimentada pelo nome do único ladrão conhecido do por uma chama alimentada pela fé em Sckhar. O
fogo do monumento jamais se apaga, mesmo duran-
Stridnix e Khirollandra: te os raros períodos chuvosos da região. Entalha-
filhas de Sckhar e das no pilar estão figuras descrevendo a histó-
ferrenhas rivais ria de Sckharshantallas. A cada ano que passa,
logo após o Sckharal, quaisquer novos fatos
importantes são adicionados magicamente aos
entalhes, aumentando ainda mais sua altura.
A vigilância sobre o pilar é severa; sempre há
guardas protegendo-o. Durante o Sckharal,
porém, é permitido aos fiéis que se apro-
ximem. Embora muitos sckharjagar evi-
tem chegar perto do Pilar da Chama
Eterna, por respeito sincero ou por
medo prudente, os mais devotos ou
corajosos se acotovelam desespera-
damente diante dele, na tentativa de
tocá-lo para obter alguma graça divina.

Allinthonarid
Há muito tempo, antes de os nativos
prestarem homenagem ao Dragão-Rei,
a região onde hoje fica Sckharshantallas
era palco de cerimônias em homenagem
a Allihanna, a Deusa da Natureza. Exis-
tiam vários locais de poder na região,
cada um frequentado por um grupo
diferente de sacerdotes silvestres.
Entre eles estavam o Bosque Sa-
grado de Worq, as Cachoeiras
Nistid, o Círculo de Pedras
de Lophzt e o maior entre
todos, o Lago Allinthonarid.
Quando Sckhar iniciou seu
processo de dominação,
imediatamente desencora-
jou o culto a Allihanna no
intuito de se tornar a úni-
ca divindade local. Com
esse objetivo, destruiu
todos esses refúgios druídicos.

Capítulo Dois
256
Somente um deles resistiu: o Lago Allinthonarid. Todas
as tentativas de destruí-lo foram em vão. Árvores
Durtras
queimadas reerguiam-se da noite para o dia. A água Durtras foi batizada com o nome de um grande
jamais secava, permanecendo cristalina e inalterada. herói nacional. Durtras Quillarion foi o maior
O poder de Allihanna permanecia ativo no lago, vida caçador de dragões da história, com feitos contados
demais para ser ceifada por qualquer mortal — ou até hoje pelos bardos em tavernas agitadas ou mes-
pelo Dragão-Rei. mo como canções de dormir para as crianças. Essa
herança histórica levou ao desenvolvimento das duas
Ainda assim, Sckhar venceu. Já é a principal divin- atividades mais respeitadas na cidade: a caça aos
dade da região há séculos e o culto a Allihanna teve dragões e a política.
de se transformar para sobreviver em Allinthonarid.
Os druidas se afastaram da face exuberante, selvagem Todo sckharjagar nascido em Durtras conhece o
e bela de Allihanna, restando um lado mais lúgubre básico sobre combate com dragões — quando se afastar
de seu sopro, onde as escamas costumam ser menos
da Deusa da Natureza: aquele associado aos vermes
resistentes, quais armas podem ser mais efetivas.
e insetos. A vida que se alimenta da morte. Diante
Os feitos dos caçadores de dragões do passado ficam
da morte propagada por Sckhar, Allihanna surgia na
registrados para sempre no Museu de Durtras, onde
forma de vermes, devorando a “carne” putrefata do
estão expostas ossadas de dragão, dragões empalha-
reino. Durante muito tempo o lago serviu como um
dos, armas de famosos caçadores e outros tipos de
esconderijo, um ponto de vida no meio da desolação.
troféus que exaltam a arte da caça a essas criaturas
Continha uma mansão em seu centro, a Casa Oculta,
tão poderosas e perigosas. Também fica na cidade o
protegida por forte poder ilusório. Lá, os dois druidas
quartel-general das Lanças de Sckharshantallas, a
conhecidos como “o Pai” e “a Mãe” recebiam amigos
unidade de elite do exército dedicada a caçar dragões
da natureza e inimigos do dragão, dando-lhes abrigo,
acima de qualquer coisa.
cura e conselhos. A Casa Oculta se transformou
quando os líderes fizeram um pacto com Khirollandra, Durtras também é o centro político do reino.
uma das filhas de Sckhar, e passaram a ajudar nas Aqui fica o Shizarad, um enorme palácio em forma
plantações de treckod. Em troca disso, a governadora de losango que serve como fórum para discussão
garantiu que qualquer dahllan descoberta no reino entre nobres, sejam da cidade, sejam visitantes. Em
seria enviada ao lago, dando origem a uma nova Durtras, a maior parte das famílias nobres descende
geração de druidas. de caçadores de dragões. Khaltass, governador da
cidade e filho de Sckhar, passa a maior parte do seu
tempo no fórum. Existem acomodações extremamen-
Azolliarathan te confortáveis no local, proporcionando todo tipo
Sckharshantallas tem forte atividade vulcânica, de mordomia e permitindo que nobres visitantes
especialmente na sua região norte. O maior de passem algumas noites; os nobres locais mais atu-
todos esses vulcões é também o maior vulcão de antes fazem do Shizarad sua moradia permanente.
Arton. Azolliarathan tem uma cratera com dezenas Quando um nobre prefere morar com a família,
de quilômetros de diâmetro; em seu interior, a lava entende-se que ele não leva a política a sério. A
permanece sempre ativa. A igreja de Sckhar enfatiza a generosidade de Khaltass tem um excelente motivo: o
profecia de que a erupção do vulcão marcará também meio-dragão gosta de manter seus inimigos próximos
o fim da nação, sendo essa erupção evitada apenas o tempo todo, onde pode observá-los. Através da
pela presença do Dragão-Rei. intriga palaciana, Khaltass elimina seus rivais e
Há um enorme símbolo de pedra incrustado no desafetos de forma discreta. Quando algum nobre
cume da montanha: uma espiral cortada por dois tra- desaparece, costuma-se dizer que ele foi “engolido
ços diagonais. Seu significado foi um mistério por pelo Shizarad”, como se o prédio tivesse vida própria.
eras, até que o arqueiro arcano Jadunan, com a aju- Sckhar raramente se envolve com as discussões do
da das informações pesquisadas por anos pelo aristo- fórum; já se vão décadas desde a última visita do rei.
crata Khersh Rusd, desvendou seu segredo, a serviço Recentemente, Khaltass tem perdido influência para
de Sckhar. Trata-se da chave para um portal, levando sua irmã Khirollandra. A mera menção do nome da
a um complexo de túneis habitado por gênios e ele- meia-dragoa pode fazer o governador literalmente
mentais do fogo governados por uma entidade cha- soltar fogo pelas ventas.
mada Vashtar. Ninguém sabe exatamente o que ou Durtras também é um centro comercial de res-
quem é Vashtar, mas o Dragão-Rei oferece generosas peito, contando com Zharifor, o maior mercado do
recompensas a todos aqueles dispostos a descobrir. reino, batizado assim em homenagem ao mais len-

Além do Reinado
257
Forte
Curanthor
A proximidade com as Monta-
nhas Sanguinárias foi um dos princi-
pais motivos que levaram à ascensão
de Sckhar. Diante dos incontáveis
monstros nas montanhas, todos se
sentiam e se sentem muito mais se-
guros estando sob a proteção de um
monstro maior e mais assustador.
A mera presença do Dragão-Rei foi
suficiente para manter monstros
distantes do reino por séculos, mas
uma área de Tormenta mudou esse
panorama. Fugindo da Anticriação,
os monstros começaram a invadir
o território de Sckharshantallas.
Por isso foi estabelecido o Forte
Curanthor.
A construção foi inaugurada na
fronteira do reino com as Sangui-
nárias com extrema pompa. Uma
unidade do exército composta de
guerreiros de elite especializados
na caça de monstros variados foi
designada para cá. Muitos eram
ex-aventureiros, até mesmo
estrangeiros, recrutados pelo seu
conhecimento diverso.
Curanthor era um lugar dife-
rente de outros centros militares
do reino. Seus soldados não se-
guiam uma hierarquia tão rígida
e este senso de independência
dário mercador de Sckharshantallas. Detratores da fez com que se transformasse praticamente numa
história do comerciante, que era capaz de conseguir organização à parte. Os integrantes disputavam
qualquer mercadoria desejada por um comprador, posições entre si abertamente, negociavam com
defendem que não se tratava de talento, e sim de mercenários externos e tinham leis próprias cada
um artefato poderoso que ele possuía. Políticos lo- vez mais intrincadas. Foi uma situação que evoluiu
cais costumam pagar aventureiros em busca de pro- por cerca de uma década, até que aconteceu o passo
vas da farsa do comerciante, muitos desejando uma em falso: influenciado pelas palavras de Lerok, um
mudança de nome — normalmente em prol de si ladino fugitivo de Fortuna, Pask Tharig, um dos
próprios ou de algum antepassado — mas ninguém comandantes à época, convenceu seus parceiros a
teve sucesso até agora. negociar com Litzz, um dragão dos ventos disposto
Apesar de disponibilizar uma enorme variedade de a tomar parte do território de Sckhar.
produtos e atrair comerciantes vindos de toda Arton, Uma noite, sem aviso, uma divisão das Lanças de
a especialidade do Mercado Zharifor é o comércio de Sckharshantallas foi realocada para o forte, liderada
partes dos corpos de dragões, trazidas pelos caçadores pelo intransigente sir Daran Jamak, um qareen do fogo
locais. Os olhos dos alquimistas brilham ao transitar coberto de cicatrizes de batalha. Todos os traidores
por suas vias abarrotadas de lojas, encontrando in- foram executados e a cabeça de Litzz foi entregue a
gredientes raros como olhos ou dentes de dragão. É Sckhar na manhã seguinte. Lerok não foi encontrado
claro, essas raridades não são nada baratas. e permanece na lista de procurados do reino até hoje.

Capítulo Dois
258
Atualmente, mercenários e aventureiros ainda antes de se contrair novamente e fechar-se até a noite
são contratados como especialistas para lidar com os seguinte. Apenas as ruínas permanecem.
monstros mais únicos, mas jamais são aceitos como
Quaisquer objetos fantasmas adquiridos em
parte da guarnição permanente das Lanças. Esses con-
Hazonnd e Wondaronn permanecem existindo quando
tratos costumam ser tão vantajosos quanto perigosos,
são retirados do local — um lembrete tangível da
com valores generosos e a garantia de manter qualquer
miríade do que poderia ter sido.
riqueza conquistada durante a caçada.

Hazonnd e Wondaronn Khershandallas


As terras mais férteis do reino rodeiam a cidade
As vilas de Hazonnd e Wondaronn foram destruí-
de Khershandallas. Essas terras contêm a maior con-
das durante a formação de Sckharshantallas. Enquanto
centração de treckod do reino. Com a implementação
outras vilas foram reconstruídas ao longo do tempo,
essas duas permaneceram em ruínas e ganharam a da fruta como parte fundamental da dieta da nação, a
reputação de mal-assombradas. Diz-se que “forças cidade cresceu muito nos últimos anos, embora ainda
misteriosas” impediram que qualquer tentativa de esteja longe de Ghallistryx ou Durtras em número
repovoamento fosse bem-sucedida. de habitantes.

Durante o dia, as ruínas não podem ser encon- O cultivo do treckod é difícil, exigindo cuidados
tradas, mas à noite elas surgem, acompanhadas por especiais, o que manteve a fruta como um recur-
uma visão fantasmagórica que se desdobra diante so valioso mas pouco prático por muito tempo.
dos olhos dos visitantes. Gramados verdes, edifícios A mudança aconteceu com a aproximação entre
altos e pessoas saudáveis e felizes preenchem o lugar, a governante Khirollandra, filha de Sckhar, e os
mas tudo isso faz parte da assombração. Todos são druidas da Casa Oculta. Enquanto no passado eles se
fantasmas de um cotidiano que nunca existiu, uma escondiam e temiam ser caçados por cultuar deuses
vez que todas as possibilidades do lugar foram con- diferentes do regente, hoje a situação é diferente. A
sumidas pela chama do Dragão-Rei. Sckhar matou o liberdade de culto no país é uma conquista política
futuro de Hazonnd e Wondaronn; tudo que poderia de Khirollandra, o que possibilitou obter ajuda
ter sido persiste apenas como possibilidades etéreas. dos druidas no cultivo do treckod, aumentando a
São literalmente cidades fantasmas. produção imensamente. Os sckharjagar mais jovens
Os fantasmas de Hazonnd e Wondaronn são não sabem o que é viver sem a fruta vermelha no
amigáveis e os forasteiros são cercados pelas possibi- prato. No passado, o treckod era exportado através
lidades de suas próprias vidas. Os vilões mais pérfidos do Rio dos Deuses, mas a filha de Sckhar também
podem ser ver rodeados de aldeões gratos, os clérigos conseguiu mudar esse panorama. Hoje, o treckod é
mais devotos podem vislumbrar ser parte de igrejas considerado uma riqueza local, distribuída para o
diferentes e os mais habilidosos combatentes podem povo de forma gratuita e plantado por todo o reino.
se ver como completos fracassados. Somente aqueles Khershandallas talvez seja a cidade mais pacífica
que nunca tiveram escolhas escapam dessas visões. do reino. Khirollandra tem uma postura concilia-
O lado verdadeiramente sinistro das cidades dora e moderada com os nobres, e as execuções
fantasmagóricas se revela com o passar das horas. foram abolidas na cidade. Todas essas mudanças
Quaisquer forasteiros que estejam dentro de um enfureceram o governador de Durtras, Khaltass,
prédio ficam presos lá e as portas e janelas não podem tido como a mente política mais afiada do reino
ser abertas. Do lado de fora, as ruínas reaparecem, antes das últimas décadas bombásticas da irmã.
e os mortos famintos atacam qualquer criatura viva. Considerando a leniência de Sckhar com essas
São como zumbis semimateriais. Podem ser atingidos posturas contrárias às dele, existem rumores de
e destruídos por armas físicas, mas sempre voltam toda a ascensão política de Khirollandra ser parte de
na noite seguinte. um plano mais elaborado do Dragão-Rei. Engana-se,
Quando o dia está prestes a amanhecer, toda a porém, quem entende a moderação de Khirollandra
vida fantasmagórica começa a desaparecer, e quaisquer como uma demonstração de bondade. Ela é tão cruel
forasteiros dentro dos prédios são libertados. Lenta- quanto o pai, sua crueldade apenas surge de formas
mente, tudo volta a ser como na realidade. Então, um mais sutis — como compor sua guarda pessoal
portal para o Reino de Tenebra se abre, um globo de com os sobreviventes dos Lâminas, a força rebelde
escuridão que mostra a imagem do Mundo da Deusa empregada como bucha de canhão e praticamente
das Trevas. O globo engole as duas cidades inteiras dizimada na Guerra Artoniana.

Além do Reinado
259
Thenarallan Dragão-Rei, alguns druidas optaram por mudar em
vez de desaparecer. Entendendo a chaga da morte
O último território anexado a Sckharshantallas como uma doença espiritual afligindo a nação mas
foi a região de Thenarallan. A cidade (na época uma reconhecendo a impossibilidade de bater de frente
mera vila) já fez parte de Trebuck, passando a integrar com o regente, esconderam-se por décadas em
o Reino do Dragão após um acordo diplomático. Sua Allinthonarid. No começo eram conhecidos como
população sempre foi resistente ao domínio de Sckhar, Vinhas, mas conforme seus números se reduziam e se
fazendo com que a cidade fosse considerada um barril escondiam no lago, adotaram o nome da mansão que
de pólvora. Várias facções rebeldes surgiram ao longo habitavam — tornaram-se os druidas da Casa Oculta.
dos anos, a mais famosa e mais duradoura sendo os
Lâminas. Nobres locais foram assassinados, um Graças a um pacto forjado com a governadora
governador chegou a ter de se esconder na capital. de Khershandallas, existem dezenas de dahllan em
treinamento na Casa Oculta. O Pai e a Mãe as guiam
Para conter as rebeliões, Sckhar ordenou a constru- nos caminhos da deusa, ensinando sobre como o morto
ção de uma estátua dele mesmo em tamanho real. Penas deve ser devorado para dar lugar a vida nova, aplicando
de execução foram convertidas em anos de trabalhos isso também à mente e às ideias. São devotados à
forçados e os próprios rebeldes construíam, a duras fertilidade (tendo também grande afinidade com Lena)
penas, a Estátua do Dragão-Rei. O processo levou e, de tempos em tempos, a Mãe dá à luz uma infinidade
anos e teve o efeito oposto do desejado: os rebeldes de vermes, aranhas e insetos, mantendo a vida animal
se tornaram ainda mais ousados e ativos. Começaram na região. Os druidas são capazes de comandar as
a realizar protestos mais radicais, planejar atentados águas do lago: elas se comportam de forma normal na
mais elaborados, angariar mais fundos e, pouco a maior parte do tempo, mas podem se tornar firmes,
pouco, ganhar o povo. Todo o resto até podia ser permitindo caminhar em sua superfície, quando os
tolerado pelo regente, por acontecer em uma cidade druidas desejam receber visitantes. Nessas ocasiões,
pouco importante. Mas os corações de Sckharshantallas
o ar bruxuleante no centro do lago dá lugar à imagem
pertencem única e exclusivamente a Sckhar.
clara da mansão escura e úmida onde residem, sempre
Quando Lothar Algherulff chegou ao reino pedindo de portas abertas.
tropas, Sckhar soube exatamente o que fazer. Fez uma
Os druidas deixam seu lago para visitar planta-
investida rápida e feroz contra os Lâminas, recrutou-os
ções de treckod nas cercanias de Khershandallas, mas
compulsoriamente para o exército e os enviou na
são vistos com certa desconfiança pelo povo. Não se
vanguarda para a guerra. A maioria de seus membros
parecem com sacerdotes tradicionais de Allihanna —
morreu pelas mãos dos puristas. Alguns conseguiram
vestem roupas negras, com cartolas e casacas, pintam
fugir, sobrevivendo com a esperança de encontrar fora
esqueletos de animais com giz esbranquiçado sobre a
de Sckharshantallas alguma força que possa se opor
própria pele. Realizam ritos macabros, em que os fan-
ao Dragão-Rei. Aqueles que retornaram, com sua
tasmas de milhares de vermes curam em nível espi-
vontade já combalida e os espíritos à beira do colapso,
ritual, mas cobram um alto preço de seus pacientes.
foram incluídos na guarda pessoal de uma das filhas de
Missões que nunca podem ser cumpridas são impos-
Sckhar, Khirollandra, governadora de Khershandallas.
tas, membros são sacrificados para prolongar a vida
Hoje, com a Estátua do Dragão-Rei terminada, do corpo inteiro, visões do passado difícil dos drui-
Thenarallan é um ponto obrigatório de peregrinação das se tornam pesadelos, ideias putrefatas se trans-
para os fiéis de Sckhar. Eles são recebidos por um formam em outras na forma de alucinações psicodé-
povo manso de olhos tristes, talvez as únicas pesso- licas. Esse preço deve ser pago com minutos, horas e
as em todo o reino que entendem serem brinquedos dias de vida e contemplação do paciente, sem atalhos
de um monstro, sem nenhum poder para fazer qual- de magias. Mais de um aventureiro ou nobre já se en-
quer coisa a respeito disso. fureceu e atacou o Pai e a Mãe após descobrir o custo
de sua ajuda — mas, se nem Sckhar foi capaz de des-
truir o lago, nenhum mortal tem chance de fazer isso.
Guildas &
Organizações Lança de
Sckharshantallas
Casa Oculta A Lança de Sckharshantallas é uma ordem de ca-
Conforme os locais de poder de Allihanna min- valeiros especializada na caça e extermínio de dragões.
guavam por Sckharshantallas com a perseguição do A ordem surgiu da tradição local, muito encorajada

Capítulo Dois
260
por Sckhar e sua igreja, de manter o território do As disputas políticas entre os nobres do Shizarad
reino livre de outros dragões. Originalmente, a e as caçadas de monstros realizadas a partir do Forte
hierarquia dos membros da ordem era definida pelas Curanthor são grandes oportunidades para aventu-
cores dos dragões, mas depois da vitória fulminante reiros adquirirem fama e riqueza. Porém, o maior
do Dragão-Rei contra o Dragão da Tormenta, essa desafio é desbravar o labirinto ardente acessível a
hierarquia passou a ser definida pelo fulgor do fogo. partir de Azolliarathan.
Os membros da ordem são divididos em Brasa, Sckhar é um dos seres mais odiados de Arton,
Chama e Labareda, dependendo do seu nível de mas ninguém tem coragem de atentar contra sua vida.
experiência e habilidade. A ascensão na hierarquia é Mesmo seus filhos são alvos impensáveis… pelo menos
alcançada através da aprovação dos superiores, que enquanto estão dentro do alcance do pai. Caso um
avaliam a coragem e eficiência dos cavaleiros em desses meios-dragões saia do reino, porém, pode se
tarefas relacionadas à especialidade da Lança. ver frente a frente com aventureiros audaciosos.
Os membros da ordem são vistos como arrogantes Existe ainda uma grande quantidade de tesouros
e orgulhosos em outros reinos, pois encaram com em poder de Sckhar, alguns deles essenciais para os
desdém aqueles que se envolvem na atividade de caça planos de algumas das pessoas mais poderosas de
de dragões sem terem sido sagrados como parte da Arton. Heróis podem ser contratados para roubar
ordem. No entanto, a Lança é muito popular dentro alguns desses itens. O contrário também é possível: o
de Sckharshantallas, seus membros considerados Dragão-Rei por vezes contrata grupos de aventureiros
heróis por onde passam com suas armaduras ornadas para encontrar relíquias de seu interesse. Atualmente,
à imagem de dragões. Os membros da ordem têm sabe-se de dois itens que atraíram sua cobiça: o anel
a tradição de confiscar o tesouro dos dragões que de Zharifor, capaz de trazer até seu portador qualquer
exterminam e doar parte dos espólios para um “fundo objeto conhecido, e a Lança Rubra, artefato capaz
de abate”. Ao final de cada ano, os cavaleiros se reúnem de encerrar a vida de qualquer dragão com um único
e contam seus feitos. O responsável pelo abate mais golpe. Diz-se que a participação de Sckhar na Guerra
impressionante é celebrado por seus pares e recebe Artoniana foi um mero pretexto para procurar pela
o valor integral do fundo, geralmente dezenas de Lança no território da Supremacia Purista. Nenhum
milhares de tibares, como recompensa. tesouro do Reinado está a salvo dos caprichos de
A ordem não tem interesse em poupar nenhum Sckhar e ele acredita que, uma vez que as peças
tipo de dragão, nem mesmo os outros Dragões-Reais estejam dentro de suas fronteiras, tornam-se suas
ou até o deus maior Kallyadranoch. O único dragão posses legítimas.
fora da mira da Lança é seu patrono e razão de ser: No momento, Sckhar não tem nenhum apetite
o próprio Sckhar. As missões da ordem geralmente público pela expansão do seu território. Muitas de
envolvem mais de um cavaleiro, incluindo pelo menos suas crias, porém, anseiam pelo poder que poderiam
um Labareda como observador, e exigem viagens para obter caso uma guerra eclodisse. Isso leva muitos
além dos limites de Sckharshantallas. desses meios-dragões, especialmente os mais jovens, a
conspirar contra o sucesso do próprio reino. Logo além
do Rio dos Deuses, em Ubani, a facção dos Escamas
Aventuras Vivas tenta gerar o mesmo tipo de conflito para ter o
As estradas de Sckharshantallas estão entre as Dragão-Rei como governante.
mais seguras de Arton. Poucos são os criminosos
que ousam atacar caravanas ou carruagens, temendo
desagradar o Dragão-Rei. Aqui os bandoleiros de
estrada aprenderam a identificar aventureiros e
os priorizam como alvos. São estrangeiros e
costumam carregar muitas riquezas, apesar
de saberem se defender. Montados em
serpes, esses bandidos podem atacar e
fugir várias vezes para minar as forças
dos grupos de seus inimigos. São
criminosos desesperados, sem nada
a perder, dispostos a sacrificar suas
vidas por saberem o terrível destino que
os espera caso sejam presos.

Além do Reinado
261
Montanhas
Sanguinárias
´
A
ntes da vida humanoide, antes dos po- monstros não podiam ser subjugados, mas foram contidos
vos inteligentes, Arton foi um inferno nos confins do mundo, deixados onde pudessem viver sua
de monstros. violência. Alguns ainda rondariam aqui e ali, mas Arton
foi tornada habitável para criações de outros deuses.
Megalokk, voraz e insaciável, vomitou
suas crias sobre o mundo. Bestas descomunais vagavam, Entre os lugares ainda infestados, as infindáveis
matando tudo que fosse pequeno ou fraco. Suas batalhas Montanhas Sanguinárias são o maior e mais perigoso
estremeciam montanhas, rachavam abismos, explodiam território de monstros em toda Arton.
vulcões. Abominações plenas de garras, espinhos e
mandíbulas, cheias de ódio e movidas por fúria primitiva. Mandíbulas da Morte
Diferentes das crias de Allihanna, que só matam para Aqueles que observam as Sanguinárias em algum
sobreviver, monstros existem apenas para destruir. mapa, na segurança de um estúdio ou biblioteca, po-
Uma Arton assim assolada por horrores atrozes não dem achar simples dizer onde começam e terminam.
poderia acolher outros seres. Os deuses entraram em Podem achar que a cadeia montanhosa tem limites.
consenso: seu irmão selvagem deveria ser refreado. Os Nada neste mundo seria mais errado.

Capítulo Dois
262
A cordilheira é visível a longas distâncias, ainda incluindo florestas de fungos e lagos abissais, abrigando
a muitos dias de viagem — mas parecendo bem mais monstros subterrâneos desconhecidos em Arton. E
próxima, de tão imensa. Tão alta que camadas de também todos aqueles conhecidos, assim parece.
nuvens passam diante de suas encostas. O aspecto Exploradores calejados apontam que, nas Sangui-
também é anormal, diferente de outras montanhas; nárias, o céu é sempre escuro e sinistro. Dizem ser
mais parece uma muralha vertical, feita de obeliscos reflexo do temperamento de Megalokk, mas também
descomunais justapostos. A borda recortada é por existe um motivo mais mundano — a fumaça da intensa
vezes comparada a uma fileira de dentes, o próprio atividade vulcânica local. Numerosas montanhas na
Megalokk de tocaia, esperando para devorar o mundo. cordilheira são vulcões ativos e furiosos, despejando
Como que para confirmar suas dimensões im- fluxos constantes de lava em forma de rios, cachoeiras e
possíveis, há montanhas “normais” de picos nevados lagos magmáticos. Monstros imunes ao fogo, sobretudo
próximas de seu sopé. Estas, em outros mundos, dragões e elementais, tomam tais localidades como
seriam impressionantes. Aqui, se apequenam tímidas seus territórios. O Vale Sargomera é a maior região
diante dos titãs cinzentos. deste tipo descoberta, recebendo o nome do kaiju
Tais paredões de rocha formam a maior parte flamejante ali (espera-se) adormecido.
do território das Sanguinárias. Fossem horizontais,
reinos inteiros poderiam ser assentados em suas faces. O Dragão e o Castelo
Cumes afiados tocam os céus sombrios, então descem A maior e mais perigosa montanha de Arton não
e mergulham nas entranhas de Arton, sua escuridão poderia estar em outro lugar. Sua área total comportaria
jamais explorada, jamais pisada por humanos. Cair o maior dos reinos, seu topo desaparece no céu fuma-
ali é morte certa. Ainda assim, suas superfícies são cento. Assim nomeado por sua aparência aterradora, o
habitadas por todo tipo de criaturas, com meios de Dragão Adormecido se manteve misterioso por longos
deslocamento bizarros, capazes de percorrer os cânions anos. Hoje, no entanto, a verdade é bem conhecida.
livremente como se estivessem em terra plana.
Kallyadranoch estava entre as três divindades
Ninguém diria existir nas Sanguinárias qualquer revoltosas que causaram o surgimento da Tormenta.
outro tipo de terreno — o que seria mais um erro Como punição, o Deus dos Dragões foi apagado de
simplório. Regiões inteiras ocultam-se entre as mon- toda a existência — mesmo seu nome não seria mais
tanhas, preenchem seus vales com geografias exóticas, lembrado, ficando conhecido como “o Terceiro”.
mundos fechados em si mesmos. Restaria apenas o corpanzil imensurável, petrificado,
Entre as maiores (isto é, maiores já descobertas) rusticamente lembrando a forma de um dragão en-
está o Cemitério dos Beemotes. Vale enevoado, rodilhado. Séculos se passariam, até que uma série
recoberto de pântanos e ossadas monumentais. Dizem espetacular de eventos levou a seu retorno ao Panteão.
que os esqueletos de todos monstros mortos nas Mas a montanha dracônica seguiria existindo suprema;
Sanguinárias (talvez em toda Arton?) de algum modo seu dorso, parcialmente destruído durante uma batalha
misterioso acabam aqui. Lendas falam sobre bestas épica, agora exibe fissuras gigantescas que apenas
gigantes que se arrastam até o lugar quando sentem tornam sua escalada mais perigosa.
que vão morrer. O Cemitério é muito procurado por Hoje, o Dragão Adormecido é foco de conflito
aventureiros, por conter restos de criaturas fantásti- entre os grandes dragões de Arton. As feras orgulhosas
cas — especialmente dragões, cujas carcaças duram e territoriais consideram este o único lugar digno
séculos, podendo fornecer dentes, garras, escamas de hospedar seus covis. Batalhas devastadoras pela
e outras partes valiosas. Desnecessário dizer, aqui supremacia local são frequentes, também atraindo
abundam monstros necrófagos e mortos-vivos. aventureiros que caçam estes monstros. Além disso,
Em meio a montanhas tão vastas e abismos tão com a volta de Kallyadranoch, este também se torna-
profundos, não é surpresa existir grandes redes de ria um importante ponto de peregrinação para seus
cavernas e túneis — alguns realmente colossais, seguidores. Diz-se que a extrema dificuldade para
permitindo aos próprios kaiju circular livremente nas alcançá-lo será generosamente premiada pelo Deus dos
profundezas e alcançar partes distantes de Arton, Dragões; fala-se de devotos que conquistam grandes
antes de emergir em fúria destrutiva. Destes infernos recompensas, como montarias dracônicas, ou mesmo
infestados de horrores, o mais vasto talvez seja a a cobiçada transformação em meios-dragões. É comum
Sina de Doruthamm, nomeado em honra ao célebre contratarem heróis como guarda-costas — não raras
explorador anão desaparecido em suas profundezas. vezes com a intenção de traí-los e oferecê-los como
Verdadeira caverna-mundo com seus próprios biomas, sacrifício a Kallyadranoch no fim da jornada.

Além do Reinado
263
A montanha mais perigosa, na cordilheira mais Isso se explica porque seu ponto de emanação, a
perigosa, bem poderia ser o pior lugar do mundo — e aberração chamada Urazyel, não é como outros Lordes
seria, não houvesse as infernais áreas de Tormenta. da Tormenta; enquanto estes residem em castelos,
Logo, aquela que sabe-se existir nas Sanguinárias pode Urazyel é um castelo em si mesmo. Seu corpo é uma
ser, este sim, o ponto mais letal de Arton. vasta fortaleza ancorada no cume das mais altas mon-
tanhas. Tem a aparência de uma cidadela monstruosa,
Nenhuma área de Tormenta pode ser mapeada com
grotesca e indubitavelmente viva — com inúmeros
precisão. A área de Urazyel, no entanto, é ainda mais
olhos, mandíbulas e tentáculos, sempre em movimento.
esquiva; impossível prever sua posição nas Sanguinárias, Suas torres, que lembram crânios em pescoços longos,
mesmo de forma vaga — relatos antigos a situam no são cercadas de névoa corrosiva.
norte da cordilheira, mas
essa informação não Poucos aventureiros viram esta monstruosidade
de perto, menos ainda voltaram para contar. Os re-
é confiável.
latos são conflitantes. Alguns juram que as colunas
em formato de patas sustentando o castelo são
capazes de carregar a construção inteira através das
montanhas. Outros afirmam que o castelo realmente
muda de posição todos os dias — mas através de
teletransporte. Seja qual for a verdade, o Castelo
Urazyel jamais foi visto duas vezes no mesmo ponto.
Nativos das O interior da estrutura abriga uma cidade da
Sanguinárias Tormenta completa, com uma grande população
são peritos de lefeu e escravos. Mas a simples apro-
em caçar
monstros!
ximação desta cidadela é desafio extremo
— Urazyel é acompanhado por manadas
de monstros, todos transmutados em
aberrações rubras. Há histórias de
vítimas capturadas em todo o mundo,
mantidas cativas atrás de suas mura-
lhas. Tais relatos conduzem heróis a
expedições de resgate épicas… ou
destinos terríveis.

Trono
de Sugora
Monstros não são animais,
não seguem as mesmas regras.
Uns poucos acasalam, produzem
prole, mas são exceções — imitações
grotescas das crias de Allihanna. Cada
monstro vem a este mundo de forma única
e terrível. Alguns existem há milênios,
desde o início, voltando a viver mesmo
depois de destruídos. Outros simplesmente
se formam a partir de forças sobrenatu-
rais, elementais, profanas; emergem das
profundezas, da escuridão, das crateras
vulcânicas. Outros ainda foram seres
diferentes algum dia, transmutados
por maldições. Mas todos nascem
por vontade de Megalokk.
Assim, embora alguns estudio-
sos afirmem existir aqui biomas tradicio-

Capítulo Dois
264
nais, com relações predador/presa, a verdade pode ser
mais simples e cruel. Nas Sanguinárias, tudo que vive
é predador e tudo que se move é presa em potencial.
Não há herbívoros pacíficos — mesmo aqueles que se
alimentam de plantas são violentos e brutais. Vários
seres sequer precisam de qualquer nutrição, mas ainda
assim atacam e matam tudo que cruza seu caminho.
Praticamente todos os monstros “comuns”
— isto é, aqueles também encontrados em outras
regiões de Arton — existem nas Sanguinárias, em
tamanhos ou números maiores. Aranhas gigantes
espreitam nas fissuras, formando enxames e tecendo
teias que poderiam cobrir cidades. As maiores cen-
topeias-dragão abundam aqui. Mantícoras vigiam
as escarpas para abater escaladores em posição
precária. Cães do inferno rondam vales vulcânicos
em grandes matilhas, enquanto bandos de basiliscos
espreitam nos córregos. Nos céus, revoadas de grifos
e serpes procuram caça com olhos aguçados. Não
é raro, inclusive, que todos estes monstros sejam
liderados por um rei ou rainha muito maior, nunca
visto longe das montanhas.
Estes são apenas os monstros conhecidos. Todos
os dias alguma abominação única, sem igual, desperta
em algum lugar. Bestas que nenhum herói enfrentou
antes, com habilidades mortais e sem explicação.
Criaturas com múltiplas mandíbulas, garras, asas,
caudas e órgãos sem nomes. Seres que emanam ener-
gias, expelem venenos, iludem os sentidos, sufocam,
paralisam, petrificam. Coisas resistentes, até imunes,
aos melhores ataques dos aventureiros. Não há como
prever qual será o próximo adversário e quais serão
suas capacidades bizarras.
Impossível falar sobre os monstros das San-
guinárias sem mencionar os maiores entre eles
— as formas de vida mais gigantescas em toda
Arton. Kaiju é como foram nomeados pelo povo de
Tamu-ra, palavra que em seu idioma significa “fera
misteriosa”. Maiores que os maiores castelos, estes
monstros gigantescos são praticamente imortais;
mesmo quando abatida e morta por outro kaiju
(pois nenhum outro ser poderia fazê-lo), a criatura
mais tarde ressurge; seu poder regenerativo não
pode ser detido. Acredita-se que todos são des-
cendência do próprio Sugora — como Megalokk é
chamado no Império de Jade —, existindo desde
o início da vida. Travam lutas titânicas entre si,
estremecendo as montanhas, embora algum deles
às vezes cruze os limites impostos pelos deuses e
avance contra cidades indefesas. Sendo imunes a
quase tudo que é conhecido, heróis são forçados
a encontrar soluções engenhosas para lidar com
seus rompantes de destruição.

Além do Reinado
265
Por fim, os dragões. Eles habitam não apenas o adormecido há milênios! Após essa revelação nada
Dragão Adormecido, mas toda a cordilheira. Escolhem tranquila, os bárbaros aceitaram permanecer ali como
encostas e penhascos conforme os próprios caprichos prova de coragem. Bravos, mas não tolos, também
para estabelecer seus covis. Vivem sozinhos, desfrutan- passariam a realizar rituais e oferendas para manter o
do de seus tesouros, ou cercam-se de servos. Os mais monstro satisfeito. Têm sido bem-sucedidos, até agora.
jovens eventualmente formam bandos — enquanto os Os bárbaros de Katiaskh usam grandes gorloggs
mais antigos rechaçam qualquer rival, exceto possíveis como animais farejadores e montarias. Aqueles que ou-
cônjuges. As Sanguinárias são onde ovos de dragão, sam visitar a aldeia podem tentar negociar produtos de
um dos artigos mais raros e caros na existência, podem suas caçadas ou mesmo pernoitar em relativa segurança
ser obtidos — obviamente com risco extremo. (isto é, desconsiderando o monstro dormente). Embora
não sejam exatamente amistosos, os bárbaros podem
Os que Caçam Monstros ser convencidos a ajudar viajantes em necessidade.
Pode-se notar a índole destes selvagens pelas palavras
Nas tavernas do Reinado, quando se anuncia a
de um dos mais “sociáveis” da tribo, o guerreiro Sjgurd
presença de um bárbaro das Sanguinárias, os sábios se
Eriksson. Tentando acalmar um temeroso forasteiro
acautelam. Os tolos duvidam, caçoam, desafiam — e,
recém-chegado, o bárbaro notoriamente disse: “Não se
por serem tolos, logo demandam cura.
preocupe. Se eu não puder matar hoje, amanhã poderei”.
Difícil imaginar que qualquer povo humanoide Nem todos os habitantes de Katiaskh são humanos; há
sobreviva em meio aos monstros. De fato, apenas os alguns anões, elfos e hynne, todos de origens distantes
mais furiosos e embrutecidos o fazem. Aqui encontra- e motivos próprios para viver ali.
mos tribos de selvageria incomparável, onde a mínima
Muito mais procurada por aventureiros é a
mostra de civilidade é sinal de fraqueza — e os fracos
famosa cidadela Trag’Merah — sede principal da
não duram até o fim do dia. Orcs e trogs enxameiam
Guilda Mon’han, ou Guilda dos Caça-Monstros. Foi
nos subterrâneos, alguns manifestando mutações
construída no esqueleto de alguma besta titânica, suas
monstruosas. Ogros cruentos devoram tudo que seja
costelas descomunais servindo de abrigo para vários
menor. Khelk’kar, os temidos homens-escorpião, pátios e torres. Teria sido fundada pelo lendário caçador
cultuam e fazem oferendas a Megalokk. Também os kliren Mon’han Galldo’han, que percorria os Planos na
meios-dragões kallyanach formam comunidades, não trilha de feras fantásticas. Hoje em idade avançada, o
raras vezes como adoradores dos dragões. Não há veterano dedica-se a gerenciar esta entidade de auxílio a
mínima cooperação entre estas raças; quando não aventureiros e caçadores. Mon’han não odeia monstros;
lutam com monstros, guerreiam uns contra os outros. acredita que eles são magníficos e dignos de respeito,
E sim, existem povoados bárbaros humanos nas existindo para testar os limites dos povos.
Sanguinárias. Poucos e pequenos, mas extremamente Situada no extremo sul da cordilheira, onde pode
resilientes e inventivos. Recorrem a partes de monstros ser alcançada com relativa facilidade, Trag’Merah é
como armas e armaduras — alguns dos melhores uma cidade sempre agitada. Visitada por mercadores
forjadores de itens deste tipo aprenderam aqui sua arte. e aventureiros do mundo inteiro buscando uma base
Outros, ainda mais ousados, acolhem algum monstro de operações para a próxima expedição, equipamentos
nativo como totem da tribo; por adoração a Megalokk de aventura, guias especializados e outros recursos.
ou pura afinidade, são aceitos pelos monstros como
Por fim, desafiando a hegemonia de Megalokk nas
irmãos, ou mesmo cavaleiros. Alguns dos maiores
Sanguinárias, o Santuário da Mãe Jaguar é um refú-
heróis de Arton tiveram esta origem, cavalgando
gio escondido entre galerias e paredões onde se cultua
alguma fera inacreditável.
uma das faces de Allihanna. O santuário é pequeno,
Katiaskh é o maior povoado humano conhecido não mais do que um altar construído dentro de uma
na cordilheira — sendo também o mais temerário em gruta. As paredes são pintadas de forma rudimentar,
todo o mundo. Foi construído no topo de uma colina mostrando cenas envolvendo grandes felinos, e no
inquietante, entre formações rochosas afiladas e algo lado de fora há um totem sinalizando a entrada. É
defensivas, talvez com a intenção de manter grandes chefiado pela druida Itzel-nelli e suas discípulas,
feras afastadas. De fato, por razões misteriosas na entre as quais se destaca a jovem Oihanna, a única
época, outros monstros hesitavam em chegar perto a ter visitado os reinos ditos civilizados. Apesar de
demais. Seus habitantes acreditavam ter encontrado modesto, é um local respeitado pelos habitantes das
um lugar abençoado, protegido e seguro, mas estavam Sanguinárias. Membros de diferentes povos vêm
muito errados; em verdade, a aldeia inteira foi erguida trazer oferendas à deusa, o que pode causar situações
no topo da cabeça espinhosa de Katiaskh, um kaiju complicadas quando há o encontro de tribos rivais.

Capítulo Dois
266
Montanhas
Uivantes
N Terra Rigorosa
este mundo onde as próprias leis
naturais são caprichos divinos, a
A cordilheira serve de muralha para um mundo
desolação gélida das Uivantes desa-
próprio, uma região de grandes vales, florestas de
fia explicações. Seu clima e terreno
pinheiros e lagos gelados. Planícies de extensões
não deveriam ser possíveis aqui, no coração inacreditáveis sugerem, de fato, que tal vastidão
do continente, cercado de planícies, colinas pode não ser natural; como outras áreas inóspitas de
e florestas. Há quem considere a cordilheira Arton, desafiam quaisquer mapas e sua travessia pode
como um Plano elemental, coexistindo com consumir muito mais tempo que o previsto. Manadas
o mundo material — sendo que as próprias de mamutes, bisões e alces gigantes preenchem os
montanhas seriam fenômenos planares, suas horizontes. Allihanna reina soberana, e todos sabem
trilhas contendo passagens para acessá-lo. que a Deusa da Natureza despreza números, medições
Se isso é verdade ou não, pouco importa. Indife- e outros inventos que buscam enjaular sua obra.
rentes aos questionamentos dos povos civilizados, as O Grande Lago ocupa boa porção da região
Uivantes sopram, perduram e reinam. central. Praticamente um mar, a maior parte de sua

Além do Reinado
267
superfície permanece congelada durante o ano todo. em mortes de exploradores, e devotos que rogaram
Lugar perigoso, exigindo habilidade e experiência respostas aos deuses não tiveram resultado melhor.
para identificar onde é seguro erguer acampamentos Alcançar o topo e retornar com vida permanece um
(até aldeias!) e onde é fino e quebradiço, engolindo feito irrealizado; nevascas fortíssimas sopram em suas
caravanas inteiras de viajantes incautos. Bestas locais encostas, tempestades derrubam qualquer criatura
habituadas ao terreno arriscado são montarias bem- ou veículo voador. Conjuradores confiantes demais
-vindas. Grupos de diversas aldeias chegam de trenó, também descobriram que nenhuma forma de magia
preparam acampamentos temporários e começam a funciona para esse fim, impossibilitando teletransporte
pesca. O método convencional é serrar uma abertura ou proteção contra o frio. Ainda assim, a montanha não
no gelo e pescar com vara, linha e anzol. Para peixes é desabitada. Em seu sopé fica encravada a Cidadela de
maiores, o pescador aguarda de prontidão com um Khalmyr, lar de anões vigorosos que moldam metal em
arpão. Muitas vezes precisam disputar espaço com forjas profundas, alimentadas com gordura de mamute.
predadores como o urso das neves, que também usa Existem diversas florestas de pinheiros nas Uivan-
aberturas no gelo para pescar. tes, dentre as quais a Mavallam se destaca. Também
Situada na região noroeste, a Montanha Inven- chamada “Floresta de Gelo”, na verdade é formada por
cível é o ponto mais alto das Uivantes — talvez mais árvores de clima ameno, mas congeladas e fossilizadas.
alto que o próprio Monte do Dragão Adormecido Prova de que esta região nem sempre foi gelada, dizem
nas Sanguinárias. Tentativas de medição resultaram os estudiosos. Mais que isso, o lugar é infestado de

Capítulo Dois
268
mortos-vivos e todo tipo de monstro relacionado ao antigo aliado, tomou a Dragoa-Rainha como montaria
frio, como hidras brancas, dragões de sopro congelante e refém — para negociar com Sckhar os últimos Rubis.
e trolls do gelo. Para caçadores que buscam esse tipo E então a matou.
de presa, não há lugar melhor. O corpo seria devolvido a seu covil nas Uivantes,
Embora esteja tecnicamente fora das montanhas, uma caverna colossal, onde descansa em um esquife
a Estepe Selvagem no extremo nordeste também é de gelo eterno e translúcido. Acreditava-se que sua
considerada parte de seu território. Região plana, de morte causaria o degelo da cordilheira, mas isso
vegetação rasteira, assolada por bandos de cavaleiros nunca aconteceu: talvez sua presença, mesmo sem
nômades provenientes de Namalkah. São bárbaros vida, ainda mantenha o frio inclemente. Ou talvez
agressivos, entre humanos, hobgoblins e meios-orcs, não esteja realmente morta. Durante uma batalha
sempre em busca da próxima aldeia ou caravana para recente contra um cultista da Tormenta, aventureiros
pilhar. Um dos mais infames desses bandos é liderado relataram a intervenção da própria Beluhga, furiosa
pelo orc Kromaq, conhecido por ser extremamente como jamais se testemunhou.
belo, mas não menos cruel. Nos últimos anos, a Estepe A Caverna de Beluhga permanece como local
foi quase completamente tomada pela área de Tormenta de peregrinação para seus devotos, que acreditam
de Zakharov; após sua recente dissipação, hoje é ainda em sua ressurreição. Além de armadilhas e ameaças
mais árida e perigosa, com aberrações à espreita. presentes em qualquer covil de dragões, a caverna
era vigiada pelos Escolhidos de Beluhga, um culto
Lágrimas da devotado a servir e defender sua deusa. Por falharem
Dragoa-Rainha em protegê-la contra o Paladino de Arton, hoje vivem
em penitência, buscando uma forma de ressuscitar
Anos atrás, quando quase trinta nações forma- sua rainha. Diz-se que é comum abaterem grandes
vam uma federação coesa, as Uivantes eram parte da presas e oferecê-las como tributo a Beluhga: inex-
coligação — um reino legítimo, ainda que apenas por plicavelmente, as refeições desaparecem como se
convenções políticas. Hoje, após a quase desintegração fossem de fato devoradas por um dragão.
do Reinado, seguem sendo o que sempre foram: uma
terra selvagem e indomada, sem governo ou lei. Fala-se também sobre um druida poderoso de
nome Bhalorg, que considera os Escolhidos como
Beluhga, a Dragoa-Rainha do Gelo, foi por muito traidores, por abandonar o esquife da rainha sem
tempo considerada sua regente. Mais que isso, era a defesa. Capaz de se transformar em um imenso urso
própria deusa criadora e mantenedora das Uivantes. das neves, tomou para si a missão de vigiar e proteger
Sua presença aqui, imposta por Khalmyr no passado o sono de Beluhga.
remoto, seria a fonte do frio glacial. Era venerada pelos
povos locais como divindade, honrada com cerimônias Imagina-se existir na caverna um tesouro incal-
e oferendas. Vista em sua forma dracônica imensa culável, digno dos Dragões-Reais, contendo artefatos
ou como uma orgulhosa rainha de pele alva e vestes poderosos. Não faltaram aventureiros ambiciosos para
cristalinas. Uma soberana irascível e territorial, como tentar a ousada pilhagem. Nenhum voltou.
é a natureza dos dragões, mas também disposta a
sacrifícios para proteger seus devotos, seus súditos. Povos do Gelo
Seu coração podia ser de gelo, mas também era cálido. Como se sabe, povos humanos e outros já habi-
O motivo do cativeiro imposto pelo Deus da Justiça tavam Arton muito antes da chegada dos exilados de
ninguém sabe ao certo. Uma lenda diz que ela violou Lamnor. As Uivantes não são exceção, hospedando
um antigo pacto entre os deuses, que proíbe a presença membros de quase todas as raças inteligentes, adap-
de monstros e dragões no território do Reinado. Outra tadas ao clima local.
história menciona algum tipo de plano envolvendo Os humanos locais são grandes e fortes, em geral
Sckhar, o Dragão-Rei do Fogo. Outra, ainda, diz que com pele, olhos e cabelos claros, tradicionalmente
o verdadeiro crime de Beluhga teria sido se apaixonar usados em tranças. Os homens cultivam longas bar-
por Khalmyr. Este, incapaz de retribuir esse amor, bas, também presas em tranças, o mesmo valendo
teria oferecido à dragoa um reino próprio, que ela para os anões da Cidadela de Khalmyr. Minotauros
poderia governar. têm pelagem muito densa, tendendo ao branco ou
Assim seria, até ser visitada por um guerreiro cinza. Hynne têm pés muito mais peludos. Quando
santo em armadura dourada, o Paladino de Arton. escolhem deixar sua terra natal, em qualquer ponto do
Ressuscitado com o poder dos Rubis da Virtude, Reinado os nativos das Uivantes podem ser facilmente
dominado por uma obsessão e manipulado por um reconhecidos como “bárbaros do gelo”.

Além do Reinado
269
Giluk, a maior cidade nas Uivantes, abriga quase Finalmente, existe a grande horda errante de
metade dos humanos do reino. O modo de vida é minotauros conhecida como a Manada. São densa-
simples: adultos passam a maior parte do tempo em mente peludos, com muita gordura sob a pele, da
expedições de caça e pesca, enquanto os jovens e idosos mesma forma que os iaques (tipo de boi selvagem
cuidam das tarefas domésticas, que incluem a prepa- das montanhas). Vivem em nomadismo, formando
ração de comida, peles, medicamentos e cuidados com acampamentos temporários até que os recursos
a criação de mamutes — Giluk é a única comunidade naturais da região se esgotem, para então rumar
com mamutes domesticados. Estes são vitais para a so- para outro lugar. Como seus parentes em Tapista,
brevivência do povo, oferecendo carne, leite e também houve época em que foram escravistas cruéis; a
usados como animais de carga. Os habitantes são um morte de Tauron talvez tenha mudado esse com-
povo hospitaleiro, que jamais nega comida ou abrigo portamento, mas não diminuído sua maldade. Em
a viajantes — pelo contrário, visitas de forasteiros vez de torná-los escravos, hoje eles simplesmente
são raras, celebradas com festa. A tradição diz que os matam seus inimigos.
convidados devem beber o tradicional gullikin (como
chamam o leite de mamute tirado na hora).
Nascente do
Outra grande aldeia, Korm, é povoada por guer-
reiros valorosos e devotos do Grande Chifre — líder
Gelo Eterno
de uma gigantesca manada de rinocerontes lanosos. Na infinitude branca das Uivantes, numerosos
Embora muitos não saibam, esse majestoso animal é pontos merecem a atenção de viajantes e aventureiros.
um avatar de Allihanna, que ocasionalmente visita as Aqui estão as Minas de Gelo Eterno, onde se
Uivantes nessa forma. Os caçadores de Korm abatem origina esse material fantástico — usado não apenas
rinocerontes em caçadas rituais, sempre gratos pela na manufatura de armas e armaduras mágicas, mas
honra de duelar com um inimigo tão valoroso e vital também em engenhos miraculosos que preservam
para sua sobrevivência. Um jovem é considerado adulto alimentos ou refrescam palácios durante verões rigo-
após matar seu primeiro rinoceronte, sendo que muitos rosos. As galerias subterrâneas onde foi descoberto,
morrem na tentativa; os que falham e sobrevivem são no entanto, são de difícil acesso; apenas heróis bem
expulsos em desonra. Os adultos trazem, preso em preparados conseguem alcançar os pontos de extração,
uma bandana na cabeça, o chifre da primeira caça como sendo esta atividade igualmente complicada, por exigir
prova da maturidade. Esse é seu bem mais precioso. ferramentas mágicas próprias. Um carregamento de
O extremo sul do reino, território de taiga com minério transportado para o Reinado com sucesso
florestas de pinheiros, é conhecido como Terra dos atinge preços altíssimos. Forjar o gelo em armas
Pequenos — pois aqui vive quase toda a população e outros itens, contudo, é segredo dominado por
hynne nas Uivantes. Suas habitações são construídas pouquíssimos artífices.
sobre as raízes das grandes árvores. Vestem roupas Essa dificuldade em forjar o gelo eterno leva a
de cores vivas, em geral preferindo o vermelho e o outro mistério local: Emerware, ou apenas a “Cate-
verde, além de gorros e chapéus vermelhos de lã. São dral de Gelo”. Erguendo-se majestosa sobre o topo
habilidosos na escalada de árvores para a obtenção de de uma montanha, é a única construção em Arton
ovos de pássaros. Gostam de descer montanhas geladas erigida inteiramente com esse material. Contém
em trenós, ou com um estranho tipo de prancha presa dezenas de aposentos, corredores e escadas, que
aos pés. Mas seu verdadeiro “esporte” preferido é o descem cada vez mais fundo na montanha, formando
arremesso de bolas de neve, tema de grandes torneios. uma masmorra complexa. Ninguém tem qualquer
Em contraste, Tundorak é a maior aldeia dos ideia sobre quem a teria construído, ou como. A única
temíveis bugbears do gelo — similares aos goblins pista seriam algumas esculturas que trazem a figura de
gigantes de Lamnor, mas brancos e mais peludos. um galante cavaleiro humano, que poderia ser o deus
Vivem em grandes cabanas feitas com peles e ossos Khalmyr, exceto pela longa barba. Contudo, algumas
de mamute, sua caça favorita. Caçam em pequenos histórias falam que a Catedral esconde uma passagem
bandos, armados com machados de osso, clavas e para uma pequena dimensão infernal habitada pelos
lanças. Usam ursos das neves como bestas de caça e diabretes negociantes, abissais capazes de transfor-
montaria. Têm uma linguagem própria de rugidos, mar sentimentos em objetos, mas sempre exigindo
que nenhuma outra raça consegue aprender — co- uma barganha em que os mortais saem perdendo.
municar-se com eles é possível apenas por meios A Catedral atrai aventureiros que suspeitam haver
mágicos. São também infames por devorar humanos tesouros escondidos, o que pode ser verdade — bem
e usar sua gordura para abastecer lampiões. como a existência de armadilhas e monstros.

Capítulo Dois
270
Outro ponto de interesse é a Torre de Nor, o assim arpão. Cavalgam os perigosos cavalos glaciais, tipo
chamado Mago Glacial. Profundo estudioso de magias de cavalo nadador e carnívoro. Protegem as Uivantes
relacionadas ao frio, Eadmund Siberus Nor teria sido o contra caçadores de troféus, que matam apenas por
inventor do processo que permite forjar o minério de suas peles ou chifres. Também é comum que vigiem
gelo eterno em armas e utensílios. Após deixar esse grupos de aventureiros à distância, para evitar que
conhecimento com um grupo seleto de aprendizes, provoquem encrenca. Alguns de seus membros são
o arcanista refugiou-se nas Uivantes, conduzindo a minaura bárbara Oona Moosio, o hynne besteiro
experimentos com criaturas artificiais feitas com o Wylt Pé-Peludo, a maga Bella Estrela e o goblin
gelo miraculoso: sua torre é protegida por gárgulas, druida Zizebit. Tannara, sua misteriosa líder, teria
estátuas e armaduras animadas. Diz-se que sua maior sido vista mergulhando com os cavalos glaciais em
obra são os poderosos golens de gelo eterno, ou “golens águas geladas que matariam qualquer humano; os
de Nor”, alguns dos quais despertaram consciência. nativos dizem que ela é meia-dragoa, filha de Beluhga.
Igualmente intrigante é o Palácio de Laponya, Nem tudo nas Uivantes é antigo. Recentemente,
belíssima qareen de pele azulada e resplandecente durante a luta de aventureiros contra um vilão, um
com cristais de gelo, o cabelo branco como pelagem dos membros do grupo acabou congelado, como uma
de raposa das neves. Veste luxuosas peles e joias de estátua altiva. Sua figura é singular: um trog de face
ouro branco, uma névoa leitosa acompanhando seus selada em máscara dourada, a cimitarra erguida aos
movimentos quando surge nas sacadas marmóreas. céus. Diz-se que, ao escapar da escravidão no porão
Até onde se sabe, ela vive ali sozinha — mas em certas de um navio pirata e ver o sol pela primeira vez, o
ocasiões os ventos que sopram da estrutura parecem homem-lagarto chamado Razzlanish abraçou a devo-
trazer lamentos torturados. Temerosas histórias ção a Azgher, tornando-se seu paladino. Orgulhoso, o
locais avisam: aqueles que se aproximam demais são Deus-Sol abençoou sua forma congelada, tornando-a
transformados em estátuas de gelo, formando um um santuário para andarilhos; tocá-la restaura comple-
jardim macabro diante do palácio. tamente as forças de qualquer ser vivo. Assim, quando
Os Guardiões Glaciais são grandes especialistas o frio é inclemente, viajantes oram a Azgher para que
em sobrevivência no gelo e mestres no uso do arco e o Bastião de Razzlanish esteja em seu caminho.

A beleza da Catedral
de Gelo esconde
a passagem para
um lugar temido
até por demônios

Além do Reinado
271
Ermos
Púrpuras A TERRA DE NINGUÉM

O s Ermos Púrpuras não existem. Equilibrando orgulho e vingança, raiva e esque-


São uma invenção moderna, pouco cimento, caos e lealdade, os bárbaros dos Ermos
mais que uma mentira bonita para Púrpuras estão dispostos a fazer qualquer coisa para
preencher um vazio nos mapas. É o continuar existindo.
nome dado à região de Arton para onde várias Os povos que formam os Ermos Púrpuras ocupavam
tribos bárbaras migraram durante a chegada da a região que abrangia territórios rurais hoje pertencentes
caravana de Arton Sul. Os povos dos Ermos são à Supremacia Purista, a Bielefeld e a Aslothia. Embora
sobreviventes, não apenas lutando para manter separados em diversas tribos e representando muitas
seu modo de vida ao longo dos séculos como etnias, compartilhavam traços culturais como vestimen-
sofrendo as consequências da corrupção lefeu tas e rituais. Com a chegada dos colonos, migraram de
sem nem mesmo ter uma área de Tormenta em suas terras, recuando até a atual região dos Ermos, na
seu território. época considerada parte do reino de Bielefeld.

Capítulo Dois
272
Após a migração, os bárbaros se reuniram em tia mais. A região, agora muito mais esparsamente
Grael, uma região neutra entre as tribos, o ponto de povoada, se tornava ainda mais erma. Passava a ser
encontro a partir de onde podiam cooperar. Frequen- terra de ninguém.
temente sob a liderança dos Gurka Kahn, começaram Tamanho foi o caos da Guerra Artoniana que alguns
a atacar as terras vizinhas como forma de se impor, grupos desgarrados chegaram aos Ermos desejando
principalmente contra o reino de Bielefeld. abraçar o modo de vida bárbaro. Alguns foram assi-
Os conflitos entre bárbaros e cavaleiros se segui- milados por clãs existentes, outros fundaram os seus
ram de forma constante e sangrenta até 1289, quando próprios, mas nenhum foi rejeitado. Afinal, o que não
Deheon decidiu intervir. é de ninguém também é de todos.

A marcha Viagens traiçoeiras


dos simbiontes e um povo de tradições
Em 1403, Crânio Negro chegou à região então As terras dos Ermos Púrpuras apresentam muitas
áreas florestais, com algumas colinas, planaltos e mon-
chamada União Púrpura, oferecendo poder e oportuni-
tanhas de pequeno porte. Algumas análises sugerem
dade de vingança. Esse poder, porém, chegava na forma
que as florestas da região são uma extensão da Floresta
da corrupção lefeu. Vários chefes, incluindo o regente
de Greenaria, mas os mapas oficiais indicam que a
Guryann, se renderam às promessas aberrantes.
grande floresta se encerra no rio Zuur Gathan, que
O minotauro Artorius assumiu a liderança da tribo também serve como fronteira com as Repúblicas Livres
Zallar e se tornou Chefe Artorius. Desafiou o regente, de Sambúrdia. Na região sul, as florestas são menos
venceu, decretou o fim das tribos e jurou fazer o mundo densas, especialmente na fronteira com Bielefeld,
se curvar diante da União Púrpura e de Aharadak, o apresentando terrenos mais planos. Já ao leste existe
Devorador, o Deus da Tormenta — na época, ainda uma área mais montanhosa, dificultando o acesso a
uma divindade menor. O Rei Artorius espalhou sua Aslothia. Além disso, outra cordilheira, situada no
corrupção por todo o reino. Marchou com seu exército noroeste, separa os Ermos de Salistick.
corrompido, inchando as fileiras dos lefeu. Até hoje Viagens por entre os territórios das diversas
esse percurso permanece temido e maculado, uma tribos são traiçoeiras para estrangeiros. Quase não
Trilha Vermelha atravessando os ermos. há estradas, apenas trilhas camufladas, conhecidas
apenas pelos habitantes. Além disso, o território de
Convertidos em fantoches dos lefeu, ainda lutando
cada tribo é marcado de formas que muitos visitantes
mesmo depois de seu rei ser morto pelo próprio Crânio
não notam. Assim, é fácil que um estrangeiro invada
Negro, as tribos formaram a vanguarda de um exército
sem querer o terreno de uma tribo, contrariando seus
da Tormenta, que marchou através do continente com
costumes, levando consigo algum objeto proibido ou
um propósito que apenas seus líderes conheciam. O realizando algum ato considerado hostil.
ressentimento de séculos impulsionava os machados dos
bárbaros por trás de suas cascas insetoides. O orgulho Os Ermos são ocupados principalmente por
ancestral se esvaía, substituído pela submissão lefeu. humanos. Ainda assim, devido à corrupção semeada
por Crânio Negro, há uma considerável população
A União Púrpura corrompida enfrentou as forças de lefou. Aqui os corrompidos pela Tormenta são
do Reinado, um poder militar jamais reunido na tolerados, desde que consigam contribuir. Na última
história de Arton. E foi derrotada. década, mais e mais trogloditas têm aparecido nos
Ermos. Acredita-se que tenham saído dos subterrâ-
O caos neos por conflitos com os finntroll. Seus encontros
com as tribos locais são imprevisíveis.
depois da ordem Os povos dos Ermos vivem em um delicado equilí-
A estrutura da União Púrpura continuou existindo brio entre o orgulho e a vergonha. Valorizam suas raízes
nominalmente depois da derrota. A maior parte dos e mantêm o modo de vida de seus ancestrais, mas se
guerreiros locais havia morrido no embate. Aos olhos dividem quando se trata da Tormenta. A maioria vê
de muitos líderes, a vergonha da corrupção parecia com desagrado a marcha dos simbiontes, mas aceita
doer mais do que a derrota. relutantemente suas consequências — como a presença
Quando o Reinado sofreu convulsões políticas de lefou ou o próprio estado do território. Uma minoria
devido à Guerra Artoniana, não havia quem pudesse crescente prefere abraçar a Tormenta, enxergando na
responder pela União Púrpura. Sem liderança e sem campanha militar de Crânio Negro o maior sucesso
um consenso, a verdade já decretada anos atrás foi de seu povo nos últimos séculos. Esse pensamento é
finalmente sacramentada: a União Púrpura não exis- particularmente comum entre os Zallar.

Além do Reinado
273
Embora muitos grupos étnicos estejam presentes nunca foi grande, pouco mais que uma coleção de
nos Ermos, a maior influência cultural é dos povos prédios baixos rodeada por paliçadas de madeira, mas
que já ocupavam a região antes mesmo da caravana hoje se apresenta decadente. O fedor é insuportável;
causar migração. Costumavam ser um povo temente não há nenhum pudor ou cuidado com higiene, com
a Allihanna, reverente à terra e à força, organizando baldes cheios de excrementos jogados nas ruas,
sua sociedade em unidades cada vez menores: tribos corpos desfalecidos pendurados nas janelas para
divididas em clãs, clãs divididos em famílias. Parte atrair carniceiros e humanos se juntando a cavalos
dessa estrutura sobrevive até hoje, com a diferença em suas baias para se alimentar. O sangue vermelho
entre tribo, clã e família parecendo cada vez mais de inimigos e aliados é usado como tinta para escrever
confusa. A quantidade de tribos é enorme, na casa obscenidades em nome de Aharadak. Baakan não é
das centenas. Tanto tribos quanto clãs costumam mais uma cidade, apenas um ponto de descanso para
escolher como seus estandartes os maiores predadores os cultistas ensandecidos repousarem, realizarem
da região, frequentemente ursos e lobos. sacrifícios e se tornarem ainda mais depravados.
Depois de perder terras para os colonos e seus A estrutura mais chamativa da cidade é a catedral
próprios filhos para os lefeu, os bárbaros passaram a da Tormenta, um prédio de pedra de dois andares
ter uma visão muito particular da propriedade privada. decorado com cadáveres e sempre cheio de bárbaros
Embora muitas tribos sejam nômades, tudo aquilo que corrompidos em júbilo.
carregam é levado muito a sério. Roubo é considerado
um crime mais grave que assassinato em muitas
tribos. Entende-se que a posse é uma manifestação
Os dólmens da
de individualidade. Se algo não pertence a alguém, Clareira dos Mistérios
pertence a todos — e pode ser tomado por qualquer No extremo norte dos Ermos, dentro de uma
um. Desde os tempos da União Púrpura, a única floresta particularmente densa, fica a Clareira dos
constante em todo o território era o caos. O culto Mistérios, contendo um estranho monumento
de Nimb é forte na região, seja na aceitação fatalista erguido em louvor à Deusa da Natureza. Enormes
da imprevisibilidade do destino, seja na esperança de pedras (dólmens) estão dispostas em uma complicada
uma súbita maré de boa sorte. Mesmo em combate formação retangular, com pedras maiores nas linhas
existe a prática da fúria amoque, uma combinação da mais exteriores e dólmens menores no centro. Os
dádiva de Nimb com o costumeiro transe raivoso dos maiores dólmens chegam a ter oito metros de altura.
bárbaros. Os adeptos dessa vertente são conhecidos A clareira e os dólmens são sagrados, servindo
como amoucos e temidos tanto por seus inimigos de palco para muitos rituais. Aqui Artorius realizou
quanto por seus aliados. o ritual profano em nome de Megalokk que criou a
O poder político está nas mãos dos chefes. Essas coroa da União Púrpura. Também é aqui que se realiza
lideranças, definidas por mérito e passíveis de desafio o ritual das peles púrpuras, quando um guerreiro se
em combate ritual, são responsáveis por tribos, clãs ou enterra voluntariamente e se ergue transformado, de
famílias, por vezes respondendo a chefes acima deles. pele púrpura e conectado à natureza de forma única,
cerca de uma semana depois. Druidas de Allihanna
Ainda existe a lenda da coroa da União Púrpura.
e de Megalokk disputam a posse da Clareira, com
Revelada após um ritual de Megalokk, essa manifesta-
confrontos frequentes e nenhum sinal de resolução.
ção de força e autoridade foi invocada por Artorius para
unir as tribos como uma e marchar contra o Reinado.
Acredita-se que possa ser invocada novamente por um Grael,
chefe com o objetivo de unir as tribos, mas apenas os
Zallar têm interesse nisso atualmente.
a Cidade Proibida
Localizada bem no centro dos reinos, Grael foi o
ponto de partida da procissão de bárbaros corrompidos

locais importantes que rumou à guerra, sendo o ponto inicial da Trilha


Vermelha. Hoje, pouco resta nessa cidade desprezada e
menos ainda desejam viver nela. Tornou-se conhecida
A cidade como a Cidade Proibida.
vermelha de Baakan A antiga Arena do Torneio, onde o regente era
A antiga capital do reino de Baarkalar hoje abriga desafiado de quatro em quatro anos, está abandonada.
a tribo Zallar, representando o maior centro de Duas estalagens ainda permanecem no local, a Punho
corrupção fora de uma área de Tormenta. A cidade de Aço e a Lebre Assada. Ambos os estabelecimentos

Capítulo Dois
274
sobrevivem às custas de exploradores (ou cultistas) que Grael para avançar contra o Reinado. Mataram todos
desejam desbravar a Trilha Vermelha. A Punho é gerida que ficaram em seu caminho, corromperam-nos e
pelo golem Iarann, proprietário e único funcionário, por vezes nem mesmo os mortos foram poupados da
último remanescente de uma expedição da Academia mácula lefeu. Essa depravação continua marcada até
Arcana. Iarann atende tanto exploradores quanto hoje. A estrada precária é uma das poucas presentes
cultistas com a mesma polidez distante. A Lebre é na região e acaba sendo a primeira escolha de viajantes
propriedade da família Saleiro, um bando de hynne desavisados, mas deve ser evitada a todo custo. O
rechonchudos de cabelos castanhos cacheados, muito próprio solo foi corrompido, com veias vermelhas
parecidos uns com os outros. Mesmo quando não há surgindo no meio da terra como se a trilha inteira
hóspedes, sua estalagem é animada e barulhenta. A estivesse viva.
comida é saborosa, mas os visitantes não gostariam de
saber o que entra no caldeirão, já que os Saleiros são Devotos de Aharadak consideram a Trilha
secretamente devotos de Aharadak e tentam eliminar Vermelha um local profano importante, visitando-o
pesquisadores enquanto dormem. em peregrinação para adorar o Devorador. Para pes-
quisadores, a Trilha Vermelha representa a melhor
opção para encontrar simbiontes lefeu fora de uma
A trilha vermelha área de Tormenta.
Muitas regiões têm marcas vergonhosas em seu
passado, mas talvez nenhuma seja tão evidente quanto
a Trilha Vermelha nos Ermos Púrpuras. É um lembrete
permanente e vivo dos erros cometidos pelos chefes
as tribos
das tribos e do quão baixo a obsessão pela força fez Baarkalark
as tribos caírem. Até recentemente, Baarkalar era o orgulhoso
A Trilha Vermelha é o caminho feito pelas tribos reino da tribo Zallar. Foi fundado por refugiados
bárbaras em sua marcha dos simbiontes, saindo de de Svalas, optando por tentar vida nova em uma

Além do Reinado
275
terra estranha a serem destratados e desrespeitados
sob a bota de conquistadores. Respeitavam a força e
Ikari
acolhiam estrangeiros capazes de se provar. Viam a si Embora seja uma tribo relativamente jovem, os
próprios como o futuro da União Púrpura, sonhavam Ikari conseguiram obter números consideráveis e
com a coroa e o poder. Então veio Artorius, assumiu tomaram para si os territórios de muitas tribos antigas.
a chefia, forjou a coroa, realizou esses sonhos. E São distintamente diferentes dos demais bárbaros:
afundou os Zallar na corrupção da Tormenta. quase todos os seus integrantes são tamuranianos.

Poucos sobreviveram, menos ainda escaparam da Sempre houve alguma presença tamuraniana no
corrupção. Esses eram principalmente não combatentes caldeirão étnico dos Ermos, mas depois da batalha
que deixaram de caminhar pela Trilha Vermelha por na qual a ilha de Tamu-ra foi libertada da Tormenta,
ferimentos ou idade. As terras de Baarkalar não pare- essa presença aumentou muito. Com a vitória da
ciam mais um lar depois da corrupção. A amouca de realidade, ficou evidente que o Império de Jade seria
olhos heterocromáticos Nebunia entendeu na época restabelecido. Criminosos condenados e rebeldes
a sorte que teve de estar desacordada devido a um imaginavam estar rumando de um sofrimento para
acidente quando devia ter ido à guerra. Assumiu o outro. Assim, em vez de rumar à terra recém-liberta,
comando, incentivou o culto a Nimb e levou seu povo a migraram para uma região maculada, onde as auto-
um modo de vida nômade. Não são mais a tribo Zallar; ridades nunca os achariam.
agora são os Baarkalark e seu reino é a própria tribo. Composta por marginais acostumados aos horrores
Os modos nômades dos Baarkalark possibilitaram da Tempestade Rubra, a tribo desafia as tradições
que descobrissem uma passagem para uma câmara tamuranianas. Desprezam Lin-Wu, aproveitam-se das
que se liga com Doherimm antes desconhecida florestas para emboscadas, fazem armadilhas engenho-
na região. Isso os levou a estabelecer sas e têm flechas certeiras, mortíferas e
relações amistosas com o Reino envenenadas. Dizem que seu chefe,
dos Anões, atuando como os Jaou, é um devoto de Sszzaas,
olhos deles na superfície em capaz de envenenar seus inimigos
troca de boas armas ou riquezas. cuspindo em suas bebidas.

Gurka Kahn Zallar


A maior representante do Enquanto parte dos Zallar
orgulho e da tradição dos povos se tornou os Baarkalark, os sobreviventes da
dos Ermos Púrpuras é a tribo Gurka marcha dos simbiontes mantiveram o nome da
Kahn. Sua influência já foi a maior de todas tribo. Embora o resto dos povos dos Ermos entenda
e seu estandarte — um punho ensanguentado sobre a investida de Artorius como um grande erro, para
um campo púrpura — dá nome à região até hoje. os Zallar foi o maior dos acertos. Eles abraçam a
Enquanto muitos encaram os Ermos como uma terra inevitabilidade da Tormenta e se entregaram comple-
agourenta de caos, corrupção e morte, para essa tribo tamente a Aharadak. Existem poucos humanos entre
não há nenhum outro lugar para chamar de lar. os Zallar atualmente. Quase todos os integrantes da
tribo são lefou.
Os Gurka Kahn adotaram como território a região
centro-norte dos Ermos, com o cuidado de não chegar Os Zallar são os mais temidos entre todas as tribos
muito perto de Grael. Evitam se reunir em grupos dos Ermos. Ninguém confia neles e ninguém jamais
muito grandes, optando por acampamentos menores faria alianças com eles, mas empunham o poder da
espalhados por todo esse território. própria Anticriação. Não se preocupam com a própria
integridade física, não prezam pelos próprios bens, não
Mais do que qualquer outra coisa, os Gurka Kahn
cuidam da própria terra. Apenas tomam tudo aquilo
odeiam a Tormenta. Eles não têm nenhuma leniência
diante de devotos de Aharadak, matando-os à primeira que enxergam pela frente, matam os rivais de formas
vista. Não assumem o mesmo comportamento com brutais e prestam homenagem ao Devorador.
os lefou apenas porque são muito numerosos; quase A fama terrível tem trazido ao reino estrangeiros
metade dos guerreiros da tribo são lefou, sejam em busca de combatentes baratos. Chefes bandidos,
veteranos da marcha dos simbiontes ou seus filhos necromantes ou senhores da guerra vêm aos Ermos
corrompidos. Aventureiros que precisem de um guia Púrpuras para contratar os corrompidos Zallar. Para a
capaz de evitar os perigos da Tormenta costumam tribo não faz diferença. Todos os artonianos morrerão
entrar em contato com essa tribo. mais cedo ou mais tarde.

Capítulo Dois
276
Floresta de
Tollon
E ste já foi um reino de lenhadores propriedades extraordinárias. Em todo o Reinado a
rústicos, mas orgulhosos. Invadido madeira Tollon era cobiçada. Aqueles capazes de
pelos minotauros durante as Guerras trabalhar com ela eram alguns dos maiores armeiros
Táuricas, Tollon teve sua população e artesãos do mundo conhecido. A economia do reino
dizimada na batalha de conquista e nas revoltas inteiro era sustentada por esse prodígio natural.
que se sucederam. Com a decadência do Império
Tollon era um ponto estratégico importante
de Tauron, as legiões que ocupavam o reino o
na expansão do Império de Tauron em direção ao
abandonaram, fazendo com que se tornasse
centro do continente. No entanto, os tollonienses
um ermo sem lei.
surpreenderam os minotauros com sua tenacidade.
A vasta região florestal antes conhecida como Assim como as outras nações do oeste, o Reino da
Tollon recebeu esse nome devido a uma árvore que Madeira foi conquistado. Mas, de todas, foi a que
cresce apenas em suas fronteiras. Sua madeira negra, ofereceu mais resistência… e a que sofreu mais baixas.
superior a qualquer outra, é mais forte que o aço e Mesmo após as batalhas de conquista, seus anos como
pode ser usada para fabricar armas e escudos com província foram brutais e agitados, tanto por eventuais

Além do Reinado
277
Extraindo Madeira Tollon Parto Sangrento
Bela e resistente, a árvore tollon possui Antes da formação do Reinado, a Floresta de
madeira escura com propriedades Tollon era habitada por um povo humano de caça-
especiais. Porém, extrair e trabalhar a dores e coletores liderados por druidas. Era uma
madeira é extremamente difícil para tribo guerreira, responsável por manter afastados
quem desconhece seus segredos. Metal conquistadores gananciosos, especialmente os orcs
comum é incapaz de ferir a árvore — além do rio Kothai. Para tanto, eles recebiam dos
apenas materiais como mitral e adamante druidas o direito de fabricar armas a partir da madeira
ou itens encantados podem obter sagrada das árvores negras.
sucesso. Porém, mesmo a ferramenta Tudo acabou quando os invasores vieram do norte.
correta é inútil sem a técnica adequada. Um povo terrível, amargo e assassino, decidido a cortar
Um lenhador inexperiente pode passar suas árvores e marcar território. Os nativos lutaram
anos falhando em extrair a madeira ou
com bravura, usando seu conhecimento do terreno,
fazer algo útil com ela.
camuflando-se na névoa para confundir os inimigos…
Extrair madeira Tollon exige um teste e principalmente brandindo suas impressionantes
estendido de Ofício (artesão) ou Sobrevi- armas de madeira. Mas, mesmo assim, os invasores
vência (CD 30, 5 sucessos exigidos). Se o prevaleceram. Contavam com táticas de guerra desen-
personagem tiver uma falha total, danifica volvidas durante séculos em suas cortes e, acima de
o instrumento usado para a extração. Po- tudo, estavam absolutamente desesperados por um
rém, se passar, recebe um fardo de madeira lugar onde pudessem viver — mesmo que esse lugar
Tollon — suficiente para a fabricação de já pertencesse a alguém. Após anos de combate, os
uma arma, escudo ou item esotérico. Isso nativos foram derrotados, embora seu legado fosse
significa que o custo do material especial sobreviver na forma de costumes, tradições e traços
para fabricar o item é reduzido a zero de miscigenação com os invasores. O poncho xadrez
(mas o custo da melhoria ainda precisa saruhim, por exemplo, é uma vestimenta tradicional
ser pago). O tempo necessário para o teste utilizada até hoje.
estendido é decidido pelo mestre: normal-
mente, uma semana, mas pode ser mais ou Os colonos, contudo, têm sua própria versão
menos de acordo com o local e época do desta história. Eram o povo de Jeantalis Sovaluris,
ano. Cada fardo de madeira Tollon pode ser um ambicioso aventureiro que partira na caravana
vendido por T$ 1.500 e ocupa 2 espaços. exploratória do famoso Cyrandur Wallas através
das Montanhas Uivantes. Discordâncias sobre os
caminhos causaram uma cisão e muitos seguiram
revoltas quanto pela ação da natureza — como se a Jeantalis por uma rota infeliz e cheia de dificuldades,
floresta estivesse tomando suas terras de volta da que levou à morte boa parte dos viajantes. Quando
finalmente desceram o território e encontraram terras
civilização. Colinas próximas a acampamentos de
mais quentes, viram-se obrigados a abrir caminho
legiões desabavam sem aviso, árvores cresciam com
por uma enorme floresta para estabelecer sua nova
velocidade espantosa no meio de estradas abertas pelos
morada. E as árvores revidaram as machadadas, na
minotauros, arbustos e vegetação rasteira pareciam
forma de atacantes noturnos brandindo armas da
resistir ativamente aos batedores táuricos que abriam
poderosa madeira local. As investidas eram selvagens
caminho para os legionários. Assim, quando Tauron
e os colonos sofriam cada vez mais baixas. Porém,
morreu em Tiberus e o Império começou a ruir, os
Jeantalis aprendeu a extrair a madeira especial e fabricar
governadores não acharam que valia a pena continuar
as mesmas armas que os inimigos usavam. Batizou a
lutando para ocupar a região. As legiões imperiais se
sinistra e extraordinária árvore de tollon — o nome
retiraram. Tollon não era mais um reino, não era mais
de seu falecido filho, que tombara em um ataque dos
uma província. Não era mais nada.
nativos. Não foi uma guerra limpa e Jeantalis jamais
Nos dias atuais, estas terras não são mais consi- poderia ser considerado um herói… Mas, para o povo
deradas parte do Império. São pouco mais que uma que o seguia, parecia ser a única esperança. A custo
região florestal densa, pouco populosa e cheia de de muito sangue, aqueles que os recém-chegados
conflitos, especialmente nas fronteiras. Parece que a chamavam de bárbaros foram subjugados. O povo
natureza conseguiu retomar o que era seu de direito. de Jeantalis estava livre para se espalhar pela terra. O
Esta agora é a Floresta de Tollon. explorador então fundou oficialmente o reino de Tollon.

Capítulo Dois
278
A Virada
da Maré
Os séculos viram Tollon se tornar
uma nação de lenhadores e artesãos
rústicos, mas habilidosos e devota-
dos. Pessoas que valorizavam traba-
lho duro, tradições e disciplina, o que
também atraiu muitos anões. A ex-
pansão trouxe alguns obstáculos a
mais, como a descoberta dos druidas
da Ordem do Bosque de Allihan-
na, que quase chegou a um confli-
to armado. A solução veio na forma
do Tratado da Semente, em que os
dois grupos aprenderam a cooperar
em troca de manter viva a floresta.
A manufatura tolloniense ficou
tão famosa que a Guida Real dos
Madeireiros organizou uma Grande
Feira Itinerante, circulando pelos
reinos próximos, e estabeleceu alian-
ças comerciais muito vantajosas,
especialmente com a República de
Tapista. O povo de Tollon tinha certa
amizade por eles, relação ainda mais
facilitada pelos anões.
Porém, quando as Guerras Táu-
ricas eclodiram, tal amizade não im-
pediu o derramamento de sangue.
Visto como um ponto estratégico,
Tollon foi o último alvo da conquis-
ta que formou o Império de Tauron
antes do ataque a Deheon. Além de
controlar o fluxo de madeira, os mi-
notauros viam as terras florestais
como um ótimo ponto de partida para próximos ata- Tollon é composto de pântanos de sal e, apesar da
ques. Porém, não contavam com a resistência e fúria habilidade náutica dos minotauros, eles encontraram
dos tollonienses. Talvez fosse herança dos nativos que dificuldades ao serem recebidos pela resistência unida
já haviam sido invadidos séculos antes. Talvez, pelo dos druidas de Allihanna e das tropas do reino. As
contrário, fosse a cultura dos colonos, que usaram de batalhas costeiras foram tão sangrentas que o lugar
todas as táticas para conquistar um lar. Seja qual for hoje é conhecido como Costa dos Fantasmas. Ainda
o motivo, Tollon cobrou dos minotauros o preço mais assim, os filhos de Tauron prevaleceram e seus bar-
caro de toda a região. cos subiram o Kothai. A segunda frente envolveu o
E isso foi sua ruína. Como uma ironia do destino, transporte de tropas pelo Rio Kothai através de pontes
os tollonienses tiveram sua terra roubada e viram de guerra usando seus navios. A terceira veio através
seu povo ser quase exterminado pelas armas de um das Uivantes, de onde partiu o ataque violento que
inimigo estrangeiro. depôs a capital Vallahim, transformando-a na sede
da ocupação táurica.
Como Tollon era separado de Lomatubar pelo
caudaloso Rio Kothai, os minotauros precisaram de Tollon foi dominado… mas nunca foi pacificado.
um plano para conquistar o Reino da Madeira. Esse Desde então, após quase 10 anos de pequenas revoltas,
plano consistia em uma invasão em três frentes. A o ataque da Tormenta a Tiberus e o novo estado do
primeira, um ataque costeiro massivo. O litoral de Império despertaram toda a raiva reprimida desta terra

Além do Reinado
279
alimentada com sangue desde quando o mundo era Do outro lado… derrotado e gravemente ferido,
jovem. Forças antigas começaram a se manifestar, os Pellerius fez suas legiões recuarem e se concentrou em
poucos tollonienses restantes voltaram a pegar em manter o perímetro e o domínio do resto da província.
armas e até mesmo animais rugiram em fúria. Nem mesmo os poderes de Tauron, no entanto, foram
capazes de regenerar sua aparência e o general se viu
A Ordem dos Espinhos mutilado e desfigurado para sempre pelos espinheiros
de Allihanna. Começou a usar um manto com capuz
Poucos foram tão humilhados quanto os druidas por sobre a armadura para esconder sua vergonha e
guardiões do Bosque de Allihanna. Graças à recepção muitos passaram a chamá-lo de Espantalho, por sua
vigorosa na Costa dos Fantasmas, os minotauros de- aparência ou por suas falhas. Com o tempo, Pellerius
cidiram revidar de forma brutal e eficiente. As forças direcionou cada vez mais seus esforços em prol da
táuricas montaram ataques combinados, rapidamente vingança contra os druidas, e dizem que parte da
tomaram Follen — até então a cidade-santuário da decadência de Tollon como uma província vem de
fauna tolloniense. Passaram a derrubar as maiores e sua obsessão com o Coração e seus protetores.
mais antigas árvores e, de forma debochada, invadiram
o Bosque de Allihanna, sobrepujando até mesmo as
defesas mágicas do círculo druídico.
o cadáver da província
Tollon pode não ser a maior floresta de Arton, mas
O Império tinha um motivo adicional para desejar talvez seja a que resguarda mais esqueletos. Uma massa
o Bosque: Gavius Satenius Pellerius, um oficial com fria de pinheiros domina a paisagem desde os sopés das
boas conexões com a inteligência do Império, sabia o Uivantes até sua costa pantanosa, as copas das árvores
que estava escondido lá dentro, o que os druidas tanto escondendo as inúmeras manchas de sangue de sua
guardavam — o artefato conhecido como Coração de história. É uma terra contestada, sem liderança ou leis,
Allihanna. Seus poderes exatos ainda eram desconheci- em que minotauros, humanos e outras raças tentam
dos, mas Pellerius ansiava pela conquista como poucos. sobreviver em pequenos assentamentos abatidos.
Durante a batalha final, a druida Aigrah Vento A única cidade que sobreviveu quase intacta à
Leste viu seu pai, o venerável líder Zoruck, ser morto passagem do Império de Tauron e sua retirada foi
pelo gládio do próprio Pellerius. Ferida por uma lança Trodarr, onde os anões de Tollon se estabeleceram. É
táurica e já exaurida de poder, ela se arrastou até o Co- talvez a única cidade anã de grande importância longe de
ração e, em uma última prece, pediu para que a deusa Doherimm, para onde ex-aventureiros anões cansados
interviesse. Os minotauros que escaparam disseram do continente se mudavam quando não queriam voltar
que a terra começou a emitir pulsos de vida, com à Montanha de Ferro. Quando os minotauros atacaram,
espinheiros crescendo, juntando-se a criaturas-planta causaram pouco dano à cidade, que manteve sua auto-
nomia. Muitos desconfiam que os anões estavam em
e animais de grande porte e ferocidade.
conluio com os minotauros — e não estão distantes
Pouco depois da fuga dos invasores, o Bosque se da verdade.
fechou como nunca. Os druidas sobreviventes, sob a
Dhorgarrar Smallfeet, o velho fundador da cidade,
liderança de Aigrah, declararam o fim do Tratado da
era um dos maiores armeiros de Arton e encontrou
Semente e decidiram atacar de volta, agora sob o nome
novo fôlego para sua criatividade em Tollon. Ele tra-
de Ordem dos Espinhos. Sua nova líder, conhecida
balhava em apenas uma arma por vez e se recusava a
como Senhora dos Espinhos, parece determinada
admitir ajudantes. No entanto, ao fim da vida aceitou
a expulsar os minotauros. O poder do Coração de um único aprendiz, o anão Gravorimm Mantarr, que
Allihanna fez com que boa parte das florestas ressus- por sua vez era um talento natural e assim se tornou
citasse, além de trazer para a região um sem-número um artesão tão bom ou melhor que Dhorgarrar.
de entes e criaturas vindas do Reino de Allihanna.
Pouco depois do início das Guerras Táuricas, o ve-
Além disso, a Senhora tem uma aliança secreta: o lho Smallfeet faleceu. Quando o general Pellerius bateu
líder dos Arborícolas, um grupo de guerreiros oriundos às portas de Trodarr, encontrou um mestre armeiro
das antigas tribos nativas. Trata-se do druida de Mega- bem mais disposto a assinar um tratado de armistício
lokk Vormirax Barba de Sangue, que tem convocado envolvendo o fornecimento de armas de qualidade
monstros pela terra, dificultando mais ainda a vida de excepcional feitas de madeira Tollon. Assim, foi firmado
qualquer comunidade civilizada. Por enquanto, seus o Pacto da Acha e a cidade dos anões lenhadores
objetivos estão alinhados, mas a druida já percebeu continua até hoje fornecendo madeira Tollon ao que
que seu aliado-irmão tem planos próprios sob o manto, sobrou do Império, a mercadores intrépidos e a quem
especialmente por pertencer à odiosa raça dos finntroll. mais ousar trazer uma caravana.

Capítulo Dois
280
O viajante ocasional pode perceber que, apesar Contrabando é atualmente o modo de vida mais
de a travessia da floresta ser perigosa, ainda restam recompensador da região. A Ordem dos Espinhos de-
algumas comunidades de sobreviventes tollonienses clarou embargo total à saída de madeira da floresta,
em meio à névoa dos caminhos. A maior e mais em- atacando com igual ferocidade minotauros e humanos.
blemática é Arantur, formada por fugitivos da anti- Enclaves de lenhadores tentam preservar o modo de
ga capital Vallahim. Ao longo dos anos, membros do vida de seus ancestrais — respeitando a floresta, mas
Conselho de Tollon mais inteligentes se uniram aos tirando dela seu sustento. Não é respeito suficiente
antigos Patrulheiros de Jeantalis, caçadores guardi- na opinião dos druidas e esse sustento fica cada vez
ões das rotas de comércio. Conhecedores do terre- mais minguado, mas eles se esforçam para viver en-
no, os patrulheiros ajudaram a retirar centenas tre dois mundos opostos.
de pessoas da capital e fundaram uma aldeia Os governadores das pe-
fortificada escondida em um mirante a leste
quenas comunidades que
da antiga capital. Artimanhas engenhosas e a
ainda sobraram tentam
ajuda de aventureiros com poderosas magias
desesperadamente manter
de ocultação ajudaram os fugitivos a manter
seus tesouros cheios para
o local escondido e relativamente segu-
pagar por proteção, enquan-
ro. Com os anos, o povo se
to os vassalos passam fome ou se
tornou cada vez mais
revoltam. Muitas dessas revoltas,
isolado atrás de suas
capitaneadas por heróis imprová-
paliçadas, raramen-
veis ou grupos de aventureiros, aca-
te abrindo os por-
bam destronando minotauros e as
tões para estranhos. Sua lí-
poucas guarnições que tentam
der, Danna Arantur, sonha em
manter a autoridade imperial
vingar o assassinato de seu pai
caem como moscas. Algumas
Solast, antigo rei, mas entende
vezes, elas são apenas substi-
que proteger a aldeia é cada vez
tuídas pelos revoltosos, cujos
mais importante.
líderes se declaram senhores da
Outra comunidade que vale região. Como estradas e trilhas
ser mencionada é Jardim Novo, duram pouco antes de serem
formada por fugitivos do ata- engolidas pela mata e toda a
que a Follen que seguiram área é perigosa, às vezes é me-
ao sul e invadiram um estra- lhor ficar onde ainda é possível
nho jardim de estátuas. Seu se defender.
dono, um eremita mudo cha-
Além das criaturas convocadas
mado Adhurraraim, os acolheu.
pela Ordem dos Espinhos e toda sor-
Dizem que, desde então o jardim
te de bandidos e saqueadores, ainda
ganhou dezenas de novas estátu-
é possível se deparar com finntroll e
as, todas de legionários do Impé-
monstros de Megalokk. Em meio a
rio de Tauron.
todo esse caos, pequenos cultos de
deuses menores antigos se formam
a sombra e aqueles que possuem uma liga-
das árvores ção mais forte com a magia con-
seguem perceber que há algo se
De resto, há quase apenas ruí-
agitando nas profundezas da ter-
nas, fantasmas de cidades e lugare-
ra. Muitos boatos correm pelas
jos fortificados. Ao oeste, Lomatubar
florestas, alguns sugerindo a pre-
jaz como um doente moribundo. Ao les-
sença de corrupção da Tormenta.
te, os astutos habitantes de Ahlen esprei- Para a
tam, recentemente tendo conquistado Princesa Tollon parece condenado a
Danna,
um reino vizinho com suas arti- derramar seu próprio sangue
proteger os
manhas. Nesses locais, mer- seus é mais de novo e de novo. Como diz
cenários e contrabandistas importante um antigo ditado local: “Da
engordam suas bolsas e sa- que a terra sai o sangue, o sangue
vingança
queadores fazem a festa. à terra volta”.

Além do Reinado
281
Império
de Tauron A CHAMA DO OESTE

O
utrora a maior nação do mundo conhe- Até que, em seu caminho, surgiram os gigan-
cido, o Império de Tauron era formado tes. Os filhos de Tauron eram o povo mais forte de
por metrópoles de intensa vida urbana, Arton… Mas os gigantes, crias de Megalokk, não
fazendas cujas plantações se estendiam eram um povo — eram monstros. A força táurica não
até o horizonte e estradas patrulhadas pelas in- foi páreo para os colossos e os minotauros foram
vencíveis legiões táuricas. Porém, esses tempos derrotados. Nos séculos seguintes, serviram aos
gigantes, erguendo castelos que tocavam as nuvens,
de glória ficaram para trás — há poucos anos, a
forjando espadas que fendiam o solo. Houve revoltas,
Tormenta atacou a capital do Império.
mas todas foram debeladas. Ao longo de gerações
Quando as nuvens rubras tomaram o céu de de servidão, os minotauros aprenderam as técnicas
Tiberus, os minotauros voltaram todos os seus es- dos colossos, até as dominarem e, por fim, as apri-
forços à defesa da cidade, abandonando as regiões morarem. Foi um minotauro chamado Goratikis o
mais afastadas. A autoridade imperial ruiu e a lei, primeiro a perceber que ele e seus irmãos estavam
a ordem e a civilização que eram o orgulho táurico evoluindo, enquanto os gigantes estavam estagnados.
aos poucos desapareceram. Nas províncias, governa- Goratikis então entendeu a chave para a vitória. Os
dores gananciosos declararam independência e hoje minotauros não deveriam usar apenas a força bruta,
governam como reis mesquinhos. Nos acampamentos pois nisso jamais superariam seus algozes. Deveriam
legionários, generais abandonaram sua lealdade a usar conhecimento, técnica, disciplina. Não deveriam
Tiberus e passaram a lutar por seu próprio orgulho. lutar como monstros, mas como um povo.
A maior parte do antigo Império é hoje formada por
Goratikis passou anos desenvolvendo um
terras assoladas por desertores, escravagistas, tiranos
sistema de princípios, que mais tarde batizou
e pelo horizonte sempre vermelho da Tormenta. Terras
de Tarvica, com o propósito de unir os filhos de
que precisam desesperadamente de heróis.
Tauron. Em reuniões clandestinas, discursava para
outros minotauros, dizendo que eles deveriam se
História portar não como indivíduos, mas como parte de algo
maior. Enquanto Goratikis era o coração da rebelião,
A história do Império de Tauron se confunde inflamando as mentes e almas dos minotauros, seu
com a dos minotauros. Os filhos do Deus da Força principal seguidor, Tiberus, era a mente, forjando
foram criados em épocas imemoriais como bárbaros armas, escudos e, mais do que isso, construindo
poderosos, destinados a ser o povo mais forte de Arton. caminhos secretos, estreitos e tortuosos dentro dos
E, por incontáveis anos, parecia que seu destino se castelos dos gigantes. Passagens labirínticas que
concretizaria, pois as tribos táuricas se espalhavam os colossos, com suas mentes brutas e diretas, não
pelo continente, subjugando todos a seu redor. conseguiriam entender.

Além do Reinado
283
Enfim, o dia da revolta chegou. Um gigante era Quanto mais a República crescia, porém, mais
mais poderoso que um minotauro, mas os minotauros crescia a burocracia. Em certo ponto, havia tantos
lutaram em falanges com uma centena de combatentes cargos públicos que eleições ocorriam quase todos
— centúrias. E um gigante não era mais poderoso que os meses — não só para o Senado, mas para diversas
cem minotauros. As armas de Tiberus e principalmente funções de variada importância. A tomada de qualquer
a arquitetura que ele desenvolveu também cumpriram decisão envolvia tantos passos que quase nada era feito
seu papel. Nesse dia, colossos tombaram e castelos em tempo hábil. Parecia que o Estado seria esmagado
queimaram. Uma década de batalhas se seguiu, durante por seu próprio peso.
as quais os filhos de Tauron expulsaram as crias de
Megalokk para as Montanhas Lannestul, de onde elas De todos os cargos eletivos, o mais importante
jamais saíram. era o de princeps, ou “primeiro cidadão”. O princeps
tinha poderes supremos e podia tomar decisões sem
Após séculos de dominação, os minotauros esta- o aval do Senado. No entanto, o cargo existia apenas
vam livres. E mais fortes do que nunca.
em épocas de crise, como uma invasão ou calamidade,
e era automaticamente extinto após o problema ser
O Reino dos Minotauros resolvido. O princeps Tellos, um minotauro espe-
Libertos, os minotauros peregrinaram até a mar- cialmente influente, mudaria isso. Aproveitando-se
gem do Rio dos Deuses — não como uma miríade de que parte da sociedade táurica estava descontente
de bandos, mas como uma nação. Lá, ergueram uma com a lentidão gerada pela burocracia, Tellos usou
cidade, Gorakis, onde Goratikis reinou por 50 anos. de sua força e seu prestígio para mudar o cargo de
Em seu leito de morte, mudou o nome da cidade para princeps de temporário para vitalício. Na prática,
Tiberus, em homenagem ao seu amado, e o nomeou tornou-se um rei. Quando isso ocorreu, a República
como sucessor. Sob a tutela de Tiberus, outras cidades Tapistana se tornou república apenas em nome: o
foram erguidas — como Calacala, na costa do Mar Senado continuou existindo, mas sua autoridade ficou
Negro, e Marma, na fronteira com a Grande Savana. limitada a assuntos menores. As grandes decisões
Foi o início de Tapista, o Reino dos Minotauros. passaram a ser tomadas apenas pelo princeps. Foi o
Contudo, Tiberus já era velho quando se tornou rei. início de um período de ditadura que culminou em um
Não governou por muitos anos e, quando partiu para dos maiores conflitos militares da história de Arton.
os reinos dos deuses, não deixou um sucessor. Frente
a esse problema, os anciões de Tapista se uniram.
Debater em busca de uma solução para o destino do
Lei Ditada pela Força
Após a ascensão de Tellos como princeps vitalício, a
reino se tornou a nova prática. Por fim, lembraram-se
Tarvica passou a ser vista como uma relíquia antiquada,
das virtudes de Goratikis e de que se libertaram dos
gigantes apenas quando lutaram de forma coletiva, sendo substituída na maior parte da sociedade por
não individual. Após o Século do Luto, entenderam uma crença simplista de que os minotauros eram um
que sua nação deveria ser governada não por um, mas “povo escolhido”, com “direito divino” de dominar o
por todos. Foi o fim do Reino de Tapista… E o início mundo. Essa deturpação chegou ao extremo quando
da República Tapistana. a escravidão se tornou legalmente aceita, com pessoas
capturadas em batalha ou incapazes de pagar suas
dívidas sendo forçadas a servir a seus captores ou
Força Regida por Lei credores. Minotauros poderosos passaram a ter haréns
Nos séculos seguintes, a República Tapistana de humanas e elfas. Quando Aurakas, um descendente
prosperou. Sob a burocracia, todos os cidadãos sabiam de Tellos, se tornou princeps, a força e a soberania
seu lugar e ações eram tomadas apenas após delibera- já não eram mais usadas como um caminho para a
ção e debates. Nessa época, os minotauros travaram civilização, mas como um fim em si mesmas.
contato com anões. Os povos compartilhavam traços
culturais, como o amor à ordem e ao trabalho duro, e Em meio a isso tudo, havia um pequeno reino
uma aliança surgiu. As duas raças trocaram conheci- insular, Hershire. Situado no extremo oeste do
mentos e, unindo a engenharia criada por Tiberus às Reinado, era uma terra pacata e bucólica, conhecida
técnicas do subterrâneo, os minotauros construíram no resto do mundo apenas pelo gorad, um doce típico
algumas das maiores maravilhas da superfície de que produzia e comercializava com reinos próximos.
Arton. Travaram contato também com os humanos Mas isso estava prestes a mudar, pois em Hershire se
do Reinado e, após algumas escaramuças e muita acendeu uma fagulha que logo se tornou um incêndio
diplomacia, se uniram à coalizão. e se alastrou por todo o oeste de Arton.

Capítulo Dois
284
As Guerras Táuricas
As tensões começaram quando uma caravana de
minotauros que comercializava em Hershire foi atacada
por salteadores. Os mercadores foram mortos e a
República Tapistana exigiu que a coroa local levasse
os criminosos à justiça. Quando o pequeno reino se
mostrou incapaz de cumprir tal demanda, as legiões
táuricas tomaram o assunto em suas mãos. Em poucos
meses, todos os bandidos haviam sido capturados e
executados. Os minotauros deixaram uma legião guar-
necendo o território de Hershire; em troca, começaram
a cobrar tributo do reino. Na prática, transformaram
Hershire em um protetorado.
O que poderia ser ruim para o pequeno reino acabou
se mostrando um bom negócio. O tributo cobrado era
alto, mas com as estradas patrulhadas pelos legionários,
o comércio de gorad floresceu. Hershire passou a expor-
tar a guloseima para todo o Reinado e além, enchendo
de ouro os cofres do castelo real. Mas as imposições
Império de Tauron
táuricas não pararam nas taxas de proteção: sendo um
Nome Oficial: Império de Tauron.
protetorado, Hershire se viu obrigado a aceitar as leis
tapistanas, incluindo a legalização da escravidão. A Lema: “A Força É um Escudo”.
maioria do povo foi contra tal atrocidade, mas fazen- Brasão: de ouro, um touro passante de
deiros gananciosos viram nisso uma oportunidade de negro tornado sobre um relâmpago de
aumentar ainda mais seus lucros e começaram a usar vermelho em faixa e ardente do mesmo.
mão de obra escrava em suas plantações de gorad. Isso
Gentílico: tapistano.
foi o estopim da revolta contra a “proteção” de Tapista.
Capital: Tiberus.
O barão Fheller Rautin, um senhor de terras
de Hershire, foi até o castelo real e pediu para o rei, Forma de Governo: república triunviral.
Jedmah Roddenphord, banir a escravidão do reino. Regente: triunvirato eleito pelo Senado
Jedmah ignorou o pedido — seu reino estava seguro e (atualmente, Kelskan, Pérola Aurelius
próspero; para ele, a situação era confortável. Fheller Lomatubarius e Glabo Varaxus Tirvanius).
então viajou até Deheon, onde fez um pronunciamento
População: 9.500.000.
no Palácio Imperial, exigindo represálias à captura e
uso de escravos em Hershire. Já cansado de guerras e Raças Principais: minotauros, elfos,
matanças, o Rei-Imperador da época, Thormy, enviou humanos.
emissários à República Tapistana em busca de uma Divindades Principais: Khalmyr,
solução diplomática. Porém, quando meses se passa- Arsenal, Allihanna, Tanna-Toh.
ram sem que nada de concreto acontecesse, o barão
Fheller Rautin se cansou de esperar e desapareceu de
sua propriedade, levando seus filhos e todos os seus
guardas. Poucos dias depois, atacou um acampamento
barão eram atos ilegais, não sancionados pela coroa do
legionário em Hershire, com o objetivo de expulsar os
reino. Mas nem todos os nobres foram tão covardes.
minotauros e libertar os escravos locais. Fheller era um
Inflamados pelo martírio do barão Fheller Rautin,
nobre valente, mas era apenas um. Seus filhos eram
outros senhores de terras da região convocaram suas
cavaleiros, mas jovens e inexperientes. E seus guardas,
guardas e contrataram grupos de aventureiros, com os
vivendo em um reino protegido pelos minotauros,
quais formaram um pequeno exército para combater a
nunca haviam visto combate real. Na batalha que se escravidão. Não bastasse o apoio desses nobres locais,
seguiu, todos os humanos foram mortos. Alguns dizem escravos também se revoltaram, atacando propriedades
que era esse o objetivo do barão. rurais e casas de comércio de gorad. Sobreviventes
A República Tapistana exigiu uma resposta de apontaram o líder do movimento como sendo um
Hershire. O Rei Jedmah decretou que as ações do humano ex-escravo chamado Razthus Quebra-Muros.

Além do Reinado
285
Muitos se perguntam por que
Thormy não lutou. A verdade é que,
após diversos conflitos no leste — as
batalhas contra os exércitos aberrantes de Crânio
Negro, poucos anos antes, e a Marcha de Arsenal,
mais cedo no mesmo ano — o Exército do Reinado
estava fragilizado. Talvez o Rei-Imperador pudesse ser
Após matar fazendeiros escravagistas, vitorioso, talvez não. Qualquer que fosse o resultado da
Razthus teria declarado: “As próximas remessas de batalha, ele sabia que dezenas de milhares morreriam.
gorad serão adoçadas com sangue”. Frente a isso, Thormy escolheu a paz. Com seu tratado,
selou o fim das Guerras Táuricas, um conflito causado
Afrontada, a nação táurica foi obrigada a respon- por erros diplomáticos, pela ganância de um rei, pela
der com aço, sob risco de ver revoltas similares em impulsividade de um barão e pela arbitrariedade de
seu próprio território. Despachou mais legiões para um princeps. Também cumpriu uma parte da ancestral
Hershire, iniciando um conflito longo e sangrento profecia da Flecha de Fogo: “quando um rei partir sua
no reino. Os minotauros eram mais poderosos, mas coroa em duas”. Por fim, abriu caminho para a ascensão
os rebeldes conheciam o terreno e usavam táticas da próxima soberana do Reinado, que governa até os
de guerrilha. Por fim, a força venceu: os legionários dias de hoje: a Rainha-Imperatriz Shivara.
dizimaram o exército dos nobres e afugentaram os
rebeldes de Razthus. Então invadiram o castelo real e
depuseram o Rei Jedmah. Prisioneiro dos minotauros, Era Imperial
Jedmah enfim entendeu que a escravidão não era, no Nos meses após as Guerras Táuricas, o Império
fim das contas, um bom negócio. O princeps Aurakas de Tauron solidificou seu domínio sobre os territórios
apontou um governador minotauro como autoridade conquistados. Os antigos reinos foram transformados
local e mudou o nome do reino para Tragematum. em províncias, com seus regentes sendo substituídos
A pequena ilha deixou de ser uma nação do Reinado por governadores minotauros. Como mostra de corte-
para se tornar a primeira província do recém-formado sia, os regentes não foram executados ou presos; em
Império de Tauron. vez disso, mantiveram suas posições, mas de forma
O Rei-Imperador Thormy enviou diplomatas, cerimonial, com pouco ou nenhum poder concreto.
exigindo que Hershire fosse liberto. Os minotauros Cada província também recebeu uma ou mais legiões
responderam que haviam atacado em legítima defesa, para manter a lei e a ordem. Apesar dos esforços
mas devolveriam o território se o Reinado ajudasse táuricos, alguns lugares jamais foram conquistados:
na captura de Razthus Quebra-Muros. A essa altura, repleta de aventureiros, a cidade costeira de Malpetrim
Razthus era um herói do povo e Thormy não poderia se manteve livre e independente. Perdida em meio a
prendê-lo sem parecer um tirano. Houve muitas idas e uma vastidão de planícies poeirentas, a cidade fora da
vindas de cartas e emissários, mas nenhum acordo foi lei de Smokestone jamais foi descoberta pelas legiões.
obtido. As tensões se acumularam. Por fim, Aurakas Sob o domínio imperial, o povo das províncias
percebeu que havia atingido um ponto sem volta — se sofria com leis severas e impostos pesados. Contudo,
cedesse às demandas do Reinado, perderia sua autorida- vivia sob uma sociedade mais ordeira e, desde que
de. Sem opção de recuar, o único caminho era em frente. se submetesse, mais segura. Os minotauros eram
Nos meses seguintes, as legiões marcharam. senhores rígidos, mas não cruéis — pelo menos não
Uma a uma, as nações do oeste do Reinado caíram em sua maioria. E, dentro dos termos do acordo de
e foram transformadas em províncias do Império de Thormy, os antigos habitantes do Reinado foram
Tauron: Petrynia, Fortuna, Lomatubar, Tollon. A tratados como cidadãos do Império, não como um
partir de Tollon, os minotauros invadiram Deheon e povo conquistado. Assim, estavam protegidos pelas leis
sitiaram a capital, Valkaria. O Rei-Imperador Thormy tapistanas e não podiam ser punidos sem julgamento.
então tomou uma decisão surpreendente: abdicou do Havia, porém, a questão da escravidão. A atrocida-
trono e se entregou como refém, com as condições de de, que sequer deveria existir na segundo os princípios
que as hostilidades cessassem, as legiões recuassem da Tarvica, era um flagelo na terra. Pela lei, apenas
de Deheon e os habitantes das nações conquistadas condenados, devedores e prisioneiros de guerra podiam
fossem tratados como cidadãos do novo Império de ser escravizados; na prática, escravagistas emboscavam
Tauron, não podendo assim ser escravizados. Sabendo viajantes e atacavam aldeias para capturar e vender
que aquela barganha era boa demais para ser recusada, pessoas em mercados clandestinos. Focos de resistência
Aurakas aceitou a oferta. surgiram, com rebeldes lutando em busca da liberdade.

Capítulo Dois
286
Eventuais revoltas não impediram o Império de estava prestes a cair. Foi nesse momento sombrio
se tornar uma das principais potências de Arton. que os senadores sobreviventes tomaram uma série
Nessa época, Tauron, o Deus da Força e criador de medidas enérgicas. Baniram a escravidão e o
dos minotauros, ascendeu à liderança do Panteão, cargo de princeps, passando para um sistema com
tomando o lugar de Khalmyr, o Deus da Justiça. três regentes eleitos, e convocaram as legiões que
Parecia que nada seria capaz de impedir a expansão se mantiveram leais de volta à capital, para ajudar
táurica pelo resto do mundo. na luta contra a Tormenta. Com isso, abandonaram
as províncias à própria sorte, mas recuperaram um
Mas então uma tempestade caiu sobre Tiberus, a
pouco de normalidade na cidade.
capital do Império.
Os mais cínicos dizem que a escravidão foi proi-
bida apenas porque a maioria dos escravos já havia
Império em Ruínas fugido — e os que ficaram teriam mais motivação
Enquanto os minotauros expandiam seus domí- para defender Tiberus se fossem cidadãos. Porém,
nios, outro povo acumulava tragédias. Os elfos, que já outros dizem que essa mudança ocorreu porque
haviam sido expulsos de suas terras pelos duyshidakk, os senadores lembraram os princípios da Tarvica
agora viam o reino divino de Glórienn ser tomado e entenderam que a escravidão não tinha lugar em
pela Tormenta. Tantos desastres fizeram a Deusa uma sociedade que prosperara priorizando o coletivo.
dos Elfos perder seu posto como divindade maior do Esses minotauros admitem que a nação táurica nunca
Panteão e se tornar uma deusa menor. Apavorada, esteve tão fraca desde quando o povo foi dominado
Glórienn aceitou a proposta de Tauron: tornar-se sua pelos gigantes. Mas também dizem que, ao retomar
protegida… e escrava. Muitos elfos seguiram os passos as tradições, esse povo aguerrido está no caminho
da deusa e rumaram para o Império de Tauron, onde certo para recuperar sua própria força.
entregaram sua liberdade em troca de segurança.
Tornaram-se tutores, concubinos, conselheiros,
gladiadores ou mesmo trabalhadores braçais.
Foi então que Gwen, uma elfa aventureira, de-
cidiu fazer algo contra a apatia de seu povo. Ela foi
para Tiberus, onde se uniu a rebeldes abolicionistas
para acabar com a escravidão e fazer os elfos recu-
perarem seu amor-próprio. Enquanto isso, Glórienn
tinha seus próprios planos. No entanto, em vez de
liberdade, a Deusa dos Elfos buscava apenas um
mestre mais poderoso, traindo Tauron por Aharadak.
A rebelião liderada por Gwen e a traição perpetrada
por Glórienn culminaram com o surgimento de
uma área de Tormenta em Tiberus e um combate
titânico entre Tauron e Aharadak, que terminou
com a morte do Deus da Força e a ascensão
do Deus da Tormenta ao Panteão. Os eventos
cataclísmicos mataram dezenas de milhares,
incluindo o princeps Aurakas. Apesar de
tudo, os minotauros não abandonaram a
capital. Em vez disso, lutaram por cada
rua da metrópole e resistiram. Muito por
conta do sacrifício de Tauron — feito de
rocha vulcânica, o colossal cadáver do
deus jaz até hoje na cidade, sua energia
divina residual impedindo que a área de
Tormenta se expanda por toda Tiberus.
Com Tauron e Aurakas mortos
e Tiberus sob ataque incessante de
demônios, uma onda de revoltas se
espalhou pelas províncias. O Império

Além do Reinado
287
Geografia Como seria de se esperar, Tauron era o deus mais
cultuado no Império que levava seu nome, e até hoje
O coração do Império de Tauron se situa no vale há muitos monumentos honrando o Touro em Cha-
fértil formado pelo Rio dos Deuses quando este mas. Após a morte do Deus da Força, a maioria dos
passa ao lado das Montanhas Uivantes. A maior minotauros passou a cultuar Khalmyr ou Arsenal.
parte do terreno é formada por planícies com solo Os que seguem o Deus da Justiça acreditam que a
propício para o plantio de cereais e frutas, pontuadas sociedade deve se basear na lei e na ordem; já os
por colinas, bosques e florestas. O clima varia: frio devotos do Deus da Guerra defendem que o Império
a sudeste (devido às Uivantes), quente e árido a só poderá se erguer pela força das armas.
nordeste e tropical a oeste. Nas plantações do interior, Allihanna é popular
O Império de Tauron possui poucas cidades, mas como deusa da fertilidade e da agricultura, tomando
cada uma delas é muito grande. Entre as cidades, o lugar tradicional de Lena. Já nos centros urbanos,
há vastas fazendas construídas ao redor de luxuosas Tanna-Toh é bastante louvada, especialmente pelos
propriedades rurais chamadas villas. Muitas dessas escribas e burocratas do governo imperial.
propriedades jazem abandonadas ou se tornaram Além desses, diversos outros deuses são cultuados
esconderijo de bandidos, escravagistas, monstros no Império. Muitas famílias cultuam seus ancestrais e,
ou mortos-vivos. nos clãs mais nobres e antigos, não é raro que chefes
Mais do que qualquer reino em Arton, o terreno de família ascendam ao posto de deuses menores,
do Império de Tauron é entrecortado por estradas servindo como divindades domésticas.
largas, pavimentadas e labirínticas, possibilitando
viagens rápidas (quando você é um minotauro, é A Tarvica de Goratikis
claro!) de um lugar para outro. No auge do Império, A Tarvica, a filosofia criada por Goratikis, foi a
as estradas eram seguras, com constantes patrulhas fundação sobre a qual os minotauros ergueram seu
de legionários. Hoje, com as poucas legiões remanes- reino e, posteriormente, a República Tapistana. Con-
centes ocupadas com a defesa da capital, viajar pelas siste em sete princípios que determinam como um
estradas é uma aventura por si só. minotauro deve agir e tem como objetivo fortalecer o
coletivo, seja uma família, um exército ou uma nação.
Apesar de existir há séculos, a Tarvica ainda é motivo
Povo & Costumes de debate entre filósofos, que divergem sobre como
interpretá-la. Alguns defendem, por exemplo, que
Como esperado, o Império de Tauron é dominado
Goratikis estipulou uma ordem para os princípios,
pelos minotauros e a maior parte dos ricos e poderosos
sendo o primeiro (Força) o mais importante; já outros
pertence a essa raça. Porém, como existem apenas
dizem que todos têm o mesmo peso e que Goratikis
minotauros do sexo masculino, eles não são a maioria
os escreveu em uma ordem apenas porque, bem, não
em termos populacionais, com elfos e humanos existin-
podia escrever todos ao mesmo tempo. Seja como for,
do em quantidade similar — especialmente mulheres,
essa filosofia rege a sociedade táurica. Obviamente,
em muitos casos como esposas dos minotauros. Além
nem todo minotauro segue os princípios — assim como
disso, sendo uma sociedade urbana e cosmopolita, é
nem todo humano segue as leis do Reinado. Mas os
comum ver seres de raças variadas andando pelas ruas membros mais distintos do Império de Tauron vivem
movimentadas das cidades imperiais. de acordo com eles. Ou, pelo menos, assim o dizem…
Cidadãos de classe social elevada costumam trajar De um ponto de vista humano, a Tarvica talvez
sandálias e togas — um tipo de manto de lã, geral- pareça inconsistente, pois os princípios podem ser
mente branco. Já trabalhadores usam túnicas simples. usados para justificar tanto atos bondosos quanto
Tapistanos também valorizam trajes militares, mesmo malignos. A verdade é que a sociedade táurica como
quando seu tempo de serviço nas legiões já terminou. um todo não se importa com o Bem e o Mal. Isso não
Seguindo os princípios filosóficos que regem sua significa que os minotauros, enquanto indivíduos,
sociedade, a maior parte dos cidadãos é composta de não sejam bondosos ou malignos e, especialmente,
servidores públicos (burocratas, militares, políticos) não justifica atrocidades! Um ato cruel continua sendo
ou produtores (lavradores, pescadores, artesãos). cruel, independentemente de ser socialmente aceito.
Comercializar é visto como um ato de fraqueza e, Minotauros honrados se focam nos aspectos benévolos
embora haja minotauros mercadores, a maioria dos dos princípios, enquanto os perversos os distorcem em
comerciantes no Império pertence a outras raças, benefício próprio — e podem ascender no Império de
especialmente anões e hynne. formas inconcebíveis para um habitante do Reinado.

Capítulo Dois
288
Os princípios da
Ta rv ic a
Força. Força física, mas não apenas isso, Austeridade. Frugalidade e temperança.
como muitos forasteiros acreditam; também Historiadores creem que esse princípio
força de vontade e de caráter. Um minotauro foi criado por Goratikis para incentivar
jamais deve duvidar de suas decisões. Um a economia de recursos durante a
minotauro segue sempre em frente; se seu plano rebelião contra os gigantes, mas seu
se mostrar ruim, arcará com as consequências propósito é ainda mais profundo: para
disso, com a serenidade de ter agido conforme Goratikis, quando um indivíduo busca
suas convicções. Críticos do sistema dizem que luxos desnecessários, prejudica outros
esse princípio é apenas uma desculpa para ser do coletivo. Esse é o princípio mais
teimoso; defensores argumentam que aquele que convenientemente “esquecido” por boa
questiona suas próprias escolhas fica vagando parte da sociedade táurica. Aqueles que
para frente e para trás na estrada da vida, sem o seguem muitas vezes são respeitados
jamais chegar a lugar algum. Esse princípio não pela frente, mas tachados como radicais
possui um aspecto bondoso e um maligno, visto excêntricos pelas costas.
que a força por si só não é boa nem má; o que
você faz com ela é que define a ética de seus atos. Labor. Persistência e trabalho duro.
Goratikis sabia que os minotauros jamais
Soberania. Autoridade sobre os outros. se libertariam do jugo dos gigantes sem se
Para minotauros bondosos, esse princípio empenhar ao máximo — contando apenas
consiste na capacidade de organizar as pessoas com sua força inata, não derrotariam
e então direcioná-las a um propósito maior. Já seus algozes, que eram fisicamente mais
para minotauros malignos, justifica agressão, poderosos. Assim, instaurou na mente de
dominação militar e tirania. Embora discordem seu povo a ideia de que, para alcançar um
dos meios, ambos concordam com o fim — o grande objetivo, a dedicação importa mais
coletivo é mais forte que o indivíduo. do que o talento. Para minotauros que
seguem esse princípio piamente, o esforço
Zelo. Capacidade de proteger os mais fracos. de uma pessoa é mais importante do que o
A lógica filosófica para isso é que um coletivo resultado de suas ações — alguém que falhe
pode existir apenas se os mais fortes protegerem em sua tarefa, mas tenha se dedicado a ela,
os fracos; sem isso, os mais fracos cairão e o é mais bem-visto do que alguém que seja
coletivo ruirá. Novamente, minotauros malignos bem-sucedido sem esforço.
usam esse princípio como justificativa para atos
de opressão — dizem que estão “protegendo” Civilidade. Capacidade de viver em
uma pessoa, quando na verdade estão tomando sociedade — respeitar os outros, agir em
decisões por ela. Já minotauros bondosos prol do bem comum, conhecer seu lugar
entendem que defender alguém não justifica tirar e fazer o que é esperado. Minotauros
dessa pessoa o direito a suas próprias escolhas. malignos usam esse princípio para impedir
que aqueles menos afortunados ascendam
Obediência. Capacidade de acatar as decisões socialmente. Já os bondosos entendem
dos mais fortes. Importante entender que, para o contrário e usam seus recursos para
os minotauros, sempre haverá alguém mais forte. que todos tenham mais oportunidades
Um plebeu fraco e desarmado deve obediência na vida. De certa forma, este princípio é
a um legionário. O legionário segue as ordens uma consequência de todos os outros e
de seu legado. O legado acata as decisões representa o objetivo final desse sistema
do Triunvirato. Os membros do Triunvirato filosófico — fortalecer o coletivo. Por conta
agem conforme as leis feitas pelo Senado. E os dele, o serviço público, seja como um
senadores são escolhidos pelo povo, do mais burocrata no palácio de Tiberus, seja como
rico patriarca ao mais humilde plebeu, em um um legionário nos muros da cidade, é visto
complexo e infinito ciclo de obediência. como a ocupação mais nobre de todas.

Além do Reinado
289
Governo Já no Senado, uma das figuras de destaque é Mirina
Lirius Velarius, uma minotaura oradora que se identi-
A nação táurica surgiu como um reino. Porém, fica como mulher e é hoje uma embaixadora imperial.
após a morte do segundo rei, tornou-se uma república, Mirina ascendeu ao seu posto por aclamação popular,
governada por um Senado eleito pelos cidadãos. Nos representando pautas da plebe, e é uma aliada política
anos que antecederam as Guerras Táuricas, era uma de Pérola. Seu projeto atual é retomar as tratativas
diplomáticas com Ubani, em busca de aliados contra
república só em nome; na prática, era uma ditadura.
a Tormenta. A ala conservadora do Senado faz forte
Isso porque, embora o Senado ainda existisse, o poder
oposição a isso, por considerar que tal ação colocaria
residia no princeps, um cargo vitalício e com autoridade
os minotauros em uma posição de fraqueza.
absoluta. Após o ataque da Tormenta, os minotauros
perceberam que a única esperança residia na união da
sociedade. Com isso, o cargo de princeps foi extinto e
o poder voltou ao Senado. Para acelerar a tomada de
decisões, o Senado elegeu um Triunvirato, responsável O Triunvirato: uma
pelas decisões executivas do governo. das maiores autoridades
políticas de Arton
Atualmente, o Triunvirato é for-
mado pelos minotauros Kelskan e
Glabo Varaxus Tirvanius e pela
sereia Pérola Aurelius Lomatu-
barius. Pérola é filha adotiva do
Senador Gaius Aurelius Loma-
tubarius, morto durante o ata-
que da Tormenta. Ela herdou a
riqueza e a influência do pai e
usa ambas para tornar as leis
do Império mais justas e igua-
litárias, especialmente com
membros de outras ra-
ças. Kelskan é o anti-
go sumo-sacerdote do
Deus da Força e um
herói do ataque da
Tormenta. Embora
não possua mais po-
deres divinos, ainda é um
combatente temível e pou-
cos ousam questioná-lo.
Já Glabo Varaxus é o úni-
co membro do Triunvira-
to que era um senador an-
tes do ataque da Tormenta.
Descendente de uma longa
linhagem de políticos, defen-
de a tradição e uma volta à
“era dourada” quando ape-
nas minotauros possuíam po-
der e autoridade. Pérola e Glabo
discordam em quase tudo e estão
sempre envolvidos em tramas um
contra o outro. Aventureiros astutos
podem servir a um dos dois, desco-
brindo os segredos do rival — um
trabalho lucrativo, mas perigoso.

Capítulo Dois
290
Locais Importantes aqueles que vêm de longe apenas para combater a
Tormenta, porque é o certo a fazer. É o caso de Aska
Winter, uma cavaleira humana que veio das Estepes
Tiberus (capital) da Aflição para continuar a luta contra os lefeu após
A maior metrópole do oeste, Tiberus é a sede o fim da área de Tormenta de Zakharov.
do poder do Império de Tauron. Além disso, é a A cidade é cercada por muralhas espessas de
única cidade conhecida atacada pela Tormenta… e cinquenta metros de altura. Contudo, a maior defesa
ainda habitada! de Tiberus não está em seu perímetro, mas em seu
Em Tiberus, a maior parte da população vive em interior: os pedaços do corpo de Tauron. Quando
prédios de apartamentos. Esta é uma das poucas veio ao mundo para lutar contra Aharadak, o Deus
cidades de Arton com esse tipo de residência, usada da Força assumiu a forma de um titã incandescente,
aqui pela falta de espaço que afligiu a capital duran- feito de pedra vulcânica. Quando morreu, seu corpo
te o auge do Império. Como minotauros têm medo se apagou e se despedaçou. Hoje, por toda a cidade
de altura, os andares superiores eram usados pelos é possível encontrar blocos vulcânicos com mais de
mais pobres e hoje a maioria deles está abandonada dez metros de altura — pedaços dos membros e do
ou virou esconderijo de gangues. Já os ricos e pode- torso do deus. O corpo jaz inerte, mas ainda emite
rosos vivem em mansões com uma arquitetura dis- energia divina. Segundo alguns, essa energia é o que
tinta: construções largas e baixas, de apenas dois an- impede a área da Tormenta de se expandir e tomar
dares, que por fora parecem um pequeno forte, com a cidade inteira.
paredes externas grossas e sem janelas, que funcio-
nam como muralhas. Por dentro, são belas e luxuo-
sas, com jardins internos, átrios elegantes, espelhos
Marma
Situada à margem do Rio dos Deuses, no nordeste
d’água e muitas estátuas e vasos de flores.
do reino, Marma é um importante ponto comercial
Além dos prédios e das mansões, Tiberus é famosa do Império de Tauron. Recebe barcos provenientes
por seus gigantescos aquedutos, que abastecem fontes do Rio dos Deuses, caravanas que cruzam a Grande
e banhos públicos. Os próprios banhos são parte Savana e é um dos pontos de parada de Vectora. Esse
importante da cidade, sendo pontos de encontro para tráfego de viajantes possibilita a existência da taverna
lazer e negócios. Toda essa água escoa para o esgoto, o O Machado e o Florete, de posse do guerreiro Axel
maior do mundo conhecido e uma verdadeira masmorra Heavyaxe, um sulfure que saiu da miséria através de
abaixo da cidade. Outras construções de destaque são sua força. O estabelecimento é bem conhecido tanto
o Senado, um prédio largo de mármore e repleto de pela qualidade de sua bebida quanto por ignorar a
estátuas; o Fórum, um mercado público e o lugar maior parte das leis do Império…
mais movimentado da cidade, e o Coliseu de Tiberus,
Marma é uma cidade fortificada, com muralhas
sede dos combates de gladiadores. Contrastando com
altas equipadas com balistas. Precisa ser assim, para
a grandiosidade dos prédios, as ruas de Tiberus são
repelir os monstros provenientes da Floresta de Me-
especialmente estreitas, o que torna a cidade labiríntica
galokk. Suas legiões estão sempre em prontidão, mas
— não são poucos os visitantes que já se perderam
desde o ataque da Tormenta, não conseguem patrulhar
em seus incontáveis becos e ruelas.
todo o território. Por isso, grupos de aventureiros são
Antes da Tormenta, Tiberus era uma das cidades contratados para caçar criaturas que estejam amea-
mais cosmopolitas de Arton. Abrigava uma infinidade çando a cidade, especialmente durante a chegada de
de prédios, lojas, oficinas, santuários e mansões. Hoje, barcos, caravanas ou do próprio Mercado nas Nuvens.
todos os bairros na zona norte estão tomados pela
Tormenta. De qualquer ponto da cidade é possível ver
as nuvens rubras; a qualquer hora do dia é possível
Calacala
escutar suas trovoadas. Os demônios, no entanto, estão A terceira maior cidade táurica é um grande porto
contidos por barricadas patrulhadas por legionários, e, assim como Marma, um importante ponto comer-
que não deixam ninguém passar. Porém, tanto por cial. Em seus enormes estaleiros ancoram navios do
baixo quanto por cima das ruas — pelos esgotos ou Império, do Reinado e de lugares ainda mais distantes,
pelo topo dos prédios — é possível chegar à área de levando e trazendo mercadorias de todo tipo. Um
Tormenta. Esse caminho é feito por aventureiros gigantesco farol, talvez o maior de Arton, oferece
ousados, em busca de relíquias táuricas perdidas, e sinalização para que os navios cheguem a seu destino.
por cultistas dispostos a entregar sua alma e sanidade Infelizmente, tanto movimento atrai piratas, que
pelo poder da Tempestade Rubra. Existem também infestam as águas do Mar Negro. O Império de Tauron

Além do Reinado
291
possuía uma marinha poderosa, com galés movidas aproveitam da falta de patrulhas nas estradas para
a remo. Desde o ataque da Tormenta, a maior parte capturar pessoas e escravizá-las na Villa. Aqui, Turius
dos navios está abandonada, sem pessoas suficientes organiza leilões clandestinos para outros minotauros
para tripulá-los. Aventureiros têm sido contratados ricos e malignos. O negócio se mostrou lucrativo e
pelo prefeito, o minotauro Rulinus, para caçar os fora Turius tem aumentado a escala da operação. Hoje,
da lei — a pena para pirataria é a prisão em gaiolas de possui um exército de capangas, incluindo até mesmo
ferro penduradas no quebra-mar de Calacala, até que o conjuradores, e diversas prisões no interior do Império
condenado morra de fome ou seja tragado pelas ondas. onde mantém suas “mercadorias”. Os escravos mais
Um lugar mais prazeroso para se visitar são as valiosos, porém, são mantidos em túneis subterrâneos
Termas. Uma colina a leste da cidade abriga um dentro da própria Villa Vorgunia.
palácio de mármore com piscinas de água quente,
ricamente decoradas com estátuas de deuses e cria- Charco de Possum
turas marinhas. É um dos lugares mais luxuosos e Este pântano é formado por uma região alagada do
caros de Arton, e recebe muitos nobres e mestres de Rio dos Deuses. As estradas o circundam — poucos
guilda, com todas as intrigas que os acompanham. se arriscam a penetrar em seu interior, onde se sabe
Aventureiros podem ser contratados para escoltar existir monstros, incluindo hidras e dragões. Também
ricaços em visita ou para bisbilhotar e arrancar se suspeita de que um grande culto de bruxas se
segredos de outros visitantes. esconda no local, celebrando rituais profanos para
deuses como Tenebra e Sszzaas. Alguns senadores
Minas de Tile já contrataram aventureiros para escoltá-los até as
Um complexo de minas, Tile é o maior produtor profundezas do charco, em busca do culto. Que tipo
de mármore, carvão, ferro, ouro e prata do Império. de negócios poderiam políticos tão renomados ter
Anos atrás, as minas eram operadas por escravos com bruxas tão vis?
“problemáticos”, enviados para cá para terminar
seus dias de forma nem um pouco agradável. Hoje,
os mineradores são trabalhadores remunerados,
Floresta de Megalokk
Esta região de matas densas e fechadas é habitada
comandados pelo anão Canivete Wolfus. Eles
por feras e monstros gigantes, que eventualmente
ergueram uma comunidade perto das minas, mas,
partem em busca de comida, atacando viajantes,
sem legiões disponíveis para fornecer segurança,
fazendas e até mesmo os muros das cidades. No
estão vulneráveis a ataques de bandidos e monstros.
auge do Império, legiões e caçadores de monstros
Como se os perigos externos não bastassem, muitas
contratados pelo Senado mantinham as criaturas sob
das galerias subterrâneas estão infestadas de criaturas
controle. Hoje em dia, elas vagam quase livremente
hostis — incluindo mortos-vivos gerados pela dor e
pelas estradas e campos.
sofrimento dos escravos que lá morreram.
Além de seres irracionais, a região é habitada
por minotauros selvagens, que nunca abraçaram a
Villa Vorgunia civilização. Hoje são praticamente um povo à parte
Situada a um dia de viagem de Tiberus, esta é a — maiores, mais peludos e mais fortes, mas também
propriedade de campo da tradicional família Vorgu- primitivos. Com as recentes atribulações do Império,
nia, cujo patriarca, Turius Vorgunia, é um senador alguns cidadãos tapistanos têm escutado rosnados no
respeitado. À primeira vista, é uma villa típica: uma fundo de suas mentes. As vozes guturais os incentivam
construção baixa e larga, cujas paredes externas a abandonar a civilização, que teria falhado com eles,
funcionam como muralhas e cujo interior é repleto e a viajar para as profundezas da floresta, onde um
de labirintos ornamentais e piscinas. Tudo é próspero poder primordial os aguarda. Ninguém sabe quem
e fértil. Alguém na propriedade poderia esquecer dos está enviando essa mensagem: talvez a mata esconda
problemas pelos quais o Império passa atualmente. um culto ao Deus dos Monstros em busca de novos
A fonte de toda essa riqueza, porém, é a crueldade membros? Talvez o próprio Megalokk queira assumir
do Senador Turius. Assim como o Triúnviro Glabo os minotauros como seus afilhados, já que esse povo
Varaxus, de quem é aliado político, Turius nunca não mais possui um deus patrono? Seja como for,
aceitou o fim da escravidão. Para ele, não faz sentido talvez haja mesmo uma força natural a ser encontrada
que minotauros distintos não possuam servos sob e adquirida. Mas, seja qual for a origem dela, a jornada
seu total comando. Pensando nisso, usou a riqueza para alcançá-la envolve desbravar a mata densa — e
de sua família para contratar escravagistas, que se os monstros famintos que aqui habitam.

Capítulo Dois
292
Além do Reinado
293
Em meio a seus corredores, o Labirinto
de Tapista abriga florestas e desertos,
cidades e masmorras, maravilhas e horrores

Grutas de Zalah O Labirinto de Tapista


Estas cavernas aparentemente escavadas Esta talvez seja a maior construção feita por
pelo mar na verdade são a entrada para um vasto humanoides em Arton. Vista de longe, é apenas uma
complexo subterrâneo, com passagens que podem muralha; vista de cima, são duas muralhas preenchidas
levar a pontos distantes do Império — e, dizem, até por um labirinto; vista de dentro, é um labirinto quase
mesmo a Doherimm. As Grutas são habitadas por infinito! Sua construção, iniciada ainda no reinado
uma grande variedade de criaturas, como crustáceos de Tiberus, levou uma centena de anos e mobilizou
gigantes, trolls marinhos e um considerável número grande parte dos recursos dos minotauros. Cumpria
de mortos-vivos. Estes últimos são provenientes de vários propósitos: o principal era isolar as fronteiras
naufrágios provocados por sereias que atraem barcos do reino das Montanhas Lannestul, lar dos gigantes, e
para os recifes próximos. Apesar disso, alguns piratas da Grande Savana, na época uma região temida e vista
usam as Grutas como esconderijo. como imprevisível. Também possuía muitas vilas e
Exploradores ousados, que foram até as profun- fortes, além de fazendas, minas e templos protegidos.
dezas das cavernas, dizem ter visto sinais de uma Durante as Guerras Táuricas, o princeps estava
cidade subterrânea repleta de estátuas perfeitamente mais interessado em expandir seu território do que
esculpidas. Talvez uma comunidade de medusas? em protegê-lo. Por isso, tirou recursos do labirinto e
Em eras passadas, este povo habitava as planícies os alocou em algo mais importante: legiões. Gradual-
do que viria a ser o Reino de Tapista, mas foram mente, o labirinto começou a decair. As comunidades
chacinadas por minotauros cruéis e gananciosos foram quase todas abandonadas e hoje são cidades-
em busca de suas riquezas. É possível que algumas -fantasmas ou habitadas por bandidos. As minas se
tenham sobrevivido e buscado refúgio neste sub- tornaram covis de criaturas. As fazendas se tornaram
terrâneo. Se isso for verdade, explicaria o nome do pequenos bosques. Os templos ruíram e se tornaram
lugar — Zalah seria uma matriarca das medusas. assombrados. Mas o labirinto mantém seus muros
Restaria apenas uma pergunta: elas agora querem firmes e ainda cumpre sua função principal — impedir
viver em paz… ou almejam vingança? quem está fora de entrar… E quem está dentro de sair.

Capítulo Dois
294
As Províncias escravidão imposta pela então República Tapistana.
Os minotauros mataram os rebeldes e tomaram o
do Império poder no reino, mas ao fazer isso causaram uma crise
diplomática que culminou com a guerra.
O Império de Tauron é constituído por Tapista e Originalmente chamado Hershire, por um breve
mais quatro províncias — as regiões conquistadas nas período o reino teve o nome de Protetorado de Rod-
Guerras Táuricas. São elas Tragematum, Petrynia, denphord, e então foi rebatizado como Tragematum
Fortuna e Lomatubar. As terras de Tollon, mais ao quando foi conquistado pelos minotauros e se tornou
leste, eram uma quinta província, mas se desgarraram uma província. Hoje, é um lugar pacato e ordeiro. Por
do Império durante as revoltas que aconteceram após o ser naturalmente isolado, está protegido dos bandidos
ataque da Tormenta a Tiberus. Sem legiões disponíveis, e monstros que ameaçam o resto do Império. A vida
o Triunvirato não pôde fazer nada para impedir. aqui segue como antes do ataque da Tormenta e o
regente local, o Governador Tirrius Nerinus, não tem
Tragematum grandes desafios. A produção e exportação de gorad
continuam sendo uma importante fonte de receita para
Esta ilha na foz do Rio dos Deuses abriga um
os cofres imperiais. Isso, na verdade, talvez seja o único
pequeno “reino” — se é que pode ser chamado
“problema” de Tragematum: salteadores poderiam se
assim. Consiste em uma única cidade, com algumas
aproveitar da atual incapacidade do Império de proteger
aldeias e fazendas ao redor, e seria uma nota de
suas províncias para saquear a ilha. Se isso acontecer,
rodapé na história de Arton se não fosse por dois
o governador terá que contar com aventureiros para
fatores: primeiro, é o único lugar onde se produz
defender seu povo e, mais importante, seu gorad.
o gorad, um cobiçado doce feito a partir de frutas
locais (além de outros ingredientes, como leite, mel,
açúcar…). Segundo, foi aqui que as Guerras Táuricas Petrynia
começaram. O conflito que mais tarde assolou o oeste Antigamente conhecido como “o Reino das
de Arton iniciou como uma revolta local contra a Histórias Fantásticas”, Petrynia foi o primeiro

Além do Reinado
295
reino a cair para os minotauros após o início das
Guerras Táuricas. Hoje é uma província “padrão”,
Fortuna
formada por diversas cidades de médio porte, cada O segundo reino a ser conquistado pelos minotau-
uma governada por um prefeito que, por sua vez, ros, Fortuna é menor e menos habitado que Petrynia,
responde ao governador local, o minotauro Sirodes consistindo em vilas, aldeias e fazendas isoladas.
Turvex. Sirodes liderava diversas legiões, mas após o Mesmo sua capital, Nimbarann, é apenas uma cidade
ataque da Tormenta, pôde manter apenas uma — as de médio porte, basicamente agrícola e sem a suntuo-
demais foram convocadas de volta a Tiberus. Seus sidade encontrada em outras capitais. Fortuna chama
legionários são suficientes para manter as estradas e atenção apenas por sua cultura, amplamente baseada
cidades relativamente seguras de bandidos, mas não em superstições. Aqui, ninguém entra em casa sem
para lidar com problemas maiores, como monstros, cruzar o punho direito fechado à frente do peito para
feiticeiros malignos, demônios… barrar os maus espíritos. Nenhum guerreiro veste a
bainha da espada nas costas, pois isso atrai traição. E,
Petrynia tem clima ameno e a maior parte do se qualquer pessoa escutar uma coruja piar doze vezes
terreno é formada por campos floridos e bosques em uma noite sem lua, um membro de sua família
verdejantes. A maior parte das cidades se encontra certamente irá falecer em breve. E uma infinidade
na costa, incluindo a maior delas, Altrim, a capital de outros mitos. Cidadãos de Tiberus consideram
da província e antiga capital do reino. Ao contrário
tudo isso tolice provinciana, mas os habitantes de
das demais cidades da província, Altrim é um lugar
Fortuna levam esses costumes muito a sério. Isso
impressionante. Possui um porto gigantesco, sempre
pode colocar viajantes em situações constrangedoras
lotado de navios mercantes, e grandes e luxuosas
ou mesmo perigosas: pegar uma moeda com a mão
estalagens para hospedar todos os mercadores.
esquerda pode ser sinal de terrível azar, impedindo
O palácio do governador (antigo palácio real) foi
que você seja aceito em uma hospedaria de beira de
construído sobre um imponente rochedo na costa, e
estrada. Para complicar mais as coisas, em Fortuna
de qualquer ponto da cidade é possível ver suas torres
alguns atos realmente afetam a sorte… Mas não há
de pedra. Toda essa prosperidade tem seu preço, e
como saber quais. Ninguém sabe a origem disso:
Altrim possui um submundo de crime. Bandidos e
um experimento mágico que deu errado, um artefato
piratas negociam aqui o produto de seus crimes, de
do caos enterrado nas profundezas ou uma simples
mercadorias a escravos. Como se isso não bastasse,
brincadeira de Nimb?
Altrim fica sobre uma rede de túneis antigos, hoje
utilizados como rede de esgoto. Dizem que ali Devido às Montanhas Uivantes ao norte, o
vive Tuvak, o Rastejante — um maligno clima em Fortuna é temperado, com nevoeiros ao
monstro, ou feiticeiro, ou ambos… longo do ano e nevascas no inverno. O terreno é
basicamente florestal, eventualmente cortado por
campos ondulados. O litoral é baixo, de mangue,
terrível para a navegação, de modo que Fortuna tem
poucas cidades costeiras e nenhum grande porto,
apenas vilas de pescadores.
O regente de Fortuna, o Governador Curbius
Sevarus, possuía meia legião sob seu comando
— o suficiente para manter um semblante de
ordem na província. Porém, o comandante das
tropas, o Centurião Tervus, partiu em patrulha
para o norte de Fortuna algum tempo atrás e
desde então não retornou, tampouco enviou
mensageiros. A essa altura, o Governador Curbius
torce para que os legionários tenham sido ataca-
dos por um monstro… Pois a alternativa é que o
Centurião Tervus tenha desistido de servir a um
império em ruínas e esteja se preparando para
atacar Nimbarann e começar a governar Fortuna
como um déspota. Por via das dúvidas, Curbius
está atrás de aventureiros que possam investigar
o ocorrido e lidar com o problema — o que quer
que ele seja.

Capítulo Dois
296
Lomatubar Taverna Âncora Quebrada
O terceiro reino a ser conquistado durante as Guer- Aventureiros que ousarem percorrer o
ras Táuricas, Lomatubar já estava em crise antes mesmo interior hostil de Lomatubar, lutando
da invasão dos minotauros. O reino era assolado pela contra aberrações e fugindo da peste,
Praga Coral, uma doença mágica e mortífera criada encontrarão alento em uma taverna à bei-
mais de um século atrás por Thursten Covariel, então ra-mar chamada Âncora Quebrada. Famosa
mago da corte de Lomatubar, para destruir as tribos por suas bebidas fortes, música animada
orcs que ameaçavam a região. O plano funcionara: e pelos torneios de queda de braço, a
os orcs foram dizimados e Thursten fora celebrado taverna originalmente ficava em Tiberus.
como herói pelas décadas seguintes, apesar de ter Foi durante o ataque da Tormenta que,
desaparecido misteriosamente logo após seu triunfo. impelida por uma engenhoca goblinoide,
Contudo, após essas décadas de paz, a praga voltou. a construção decolou e sobrevoou várias
E, embora originalmente afetasse apenas orcs, agora províncias até pousar em Lomatubar, perto
contaminava todo tipo de humanoide — incluindo hu-
da propriedade da Triúnvira Pérola Aurelius
manos. Contaminava também animais, mas esses não
Lomatubarius, talvez a última fazenda
eram mortos, e sim transformados em seres grotescos
próspera da província.
cobertos de placas duras e afiadas como coral — daí o
nome da doença. Essas monstruosidades emergiam das A taverna é composta por três andares,
florestas para atacar vilas e fazendas. A volta da praga sendo que o térreo não possui paredes: é
nessa forma descontrolada fez Lomatubar entrar em um salão aberto, sustentado por colunas.
declínio. Muitos habitantes morreram ou fugiram do Várias mesas se espalham na sombra do
reino. A capital, Barud, se manteve livre da doença prédio e ao redor dele. No centro fica o
através de vigilância severa por parte da guarda, que forno, o balcão e uma escada para acessar
vistoriava todos os viajantes e não deixava ninguém os andares superiores, onde há quartos para
com sintomas passar pelos portões. No entanto, sem hóspedes e residentes. Seu nome vem da
os recursos do interior, tornou-se uma cidade pobre, coleção de âncoras que costumava pender
dominada pela fome. O então rei de Lomatubar con- sobre as cabeças dos fregueses no salão,
tratou clérigos, magos, médicos de Salistick e grupos além de uma gigantesca âncora quebrada
de aventureiros para encontrar uma cura, sem sucesso. que ficava ao lado. Contudo, tudo isso se
Quando os minotauros invadiram Lomatubar, perdeu na fuga de Tiberus. Atualmente,
praticamente não encontraram resistência. Dominaram a taverna está em reconstrução. O dono,
a capital — já não havia mais exército, e a esquálida Cornelius Avarus, paga bem por qualquer
guarda não foi páreo para as legiões —, mas deram âncora trazida para renovar sua coleção.
pouca atenção para o interior empobrecido. A única Seu maior sonho é encontrar uma âncora
intervenção táurica foi erguer fortes de fronteira e tão grande a ponto de superar a altura de
proibir os habitantes de sair do reino, para impedir sua taverna. Prometeu dar uma recompensa
que a Praga Coral se espalhasse pelo resto do Império. mágica a quem lhe trouxer o que deseja.

Se a situação já estava ruim, com o ataque da


Tormenta ficou ainda pior. Se antes havia pelo menos
sentido, a situação não mudou muito desde quando
um pouco de ordem, agora não há nem mesmo isso.
Lomatubar era uma nação do Reinado, com a diferença
Nenhuma legião ficou aqui — por que gastar soldados
de que o governador táurico sequer tenta resolver os
para proteger um reino pobre e doente, quando a
problemas da terra. Está contente em ficar em seu
capital imperial está sob ataque? A única manifestação
palácio, o único lugar que resguarda um pouco de
de autoridade táurica residia em Barud, na forma
luxo na província inteira.
do governador provincial Arlonus Meraxus e sua
guarda urbana. Para piorar ainda mais, recentemente o O resto de Lomatubar é agora uma terra sem lei,
governador parou de prestar contas a Tiberus. Embora arrasada pela doença, pela guerra e pela fome. As
não tenha feito nenhum tipo de declaração formal, estradas estão desertas, as vilas estão abandonadas.
Arlonus na prática se tornou um tirano e governa Fora de Barud, os únicos seres vivos são aldeões
Lomatubar como um reino independente — não que contaminados pela doença, contando seus dias de
governe muito do território. Sua guarda urbana se vida; bandidos desesperados em busca de algum
ocupa apenas de proteger Barud e impedir que alguém saque, e monstros mutantes que devoram quem
contaminado pela Praga passe pelos portões. Nesse encontram em seu caminho.

Além do Reinado
297
Guildas & Cada legião é liderada por um legado, um posto
equivalente ao de general. O legado responde ao
Organizações governador da província onde está alocado ou direta-
mente ao Triunvirato, se estiver em Tapista. Dentro da
cultura táurica de serviço público, muitos legados que
O Senado se aposentam das campanhas se tornam senadores —
O Senado é o corpo legislativo do Império de o que faz com que nunca seja uma boa ideia achar que
Tauron. É composto por trezentos senadores, eleitos aquele minotauro senador é um velhinho indefeso…
em Tiberus e nas demais cidades imperiais — quanto As legiões, por sua vez, são divididas em centúrias
maior a cidade, mais senadores ela elege. O Senado de aproximadamente cem membros, lideradas por
tem como objetivo manter a ordem e a prosperidade um centurião (um combatente e oficial veterano).
do Império e suas decisões valem em todo o território Existem diversos outros postos: tribunos (assesso-
imperial. Na prática, hoje elas têm efeito apenas nos res do legado), escribas, curandeiros, batedores…
territórios de Tapista e Tragematum, e em regiões de Como quase tudo na sociedade táurica, as legiões
Petrynia e Fortuna — embora nessa última província o são organizadas e burocratizadas.
governador não tenha poder militar para impor qual- Antigamente, as legiões eram compostas basica-
quer lei. De forma similar, muitas cidades deixaram de mente por minotauros. Hoje, membros de todas as
enviar senadores a Tiberus. Sabendo que dificilmente raças são aceitos. Minotauros ainda são a maioria e
terão apoio da capital, nem perdem seu tempo… compõem o coração tático das legiões — a infantaria
Como qualquer corpo político, o Senado é pesada. Contudo, cavaleiros humanos, arqueiros elfos
território fértil para chantagens e subornos. Alguns e outras “modernidades” são cada vez mais comuns.
senadores são até mesmo devotos de Sszzaas, usando
de ferramentas como envenenamentos e sequestros
para impor suas visões. Apesar disso, o ideal por
Ludus Glada
Ludus são escolas de gladiadores nas quais
trás do Senado é justo — fazer com que todos os
esses atletas vivem, comem e, principalmente,
habitantes sejam representados e que o bem-estar
treinam para suas lutas. Como combates de arena
do povo como um todo esteja acima do bem-estar
são extremamente populares no Império de Tauron
de alguns poucos. Embora existam muitos senadores
(sendo chamados pelos tapistanos simplesmente
gananciosos e corruptos, também existem alguns
de “jogos”), diversos ludus existem em Tiberus e
honrados e altruístas, que se esforçam ao máximo para
outras cidades imperiais. O dono de um ludus — que
trazer um pouco de alento à população do Império
pode ser desde um veterano aposentado das legiões
de Tauron e resgatar sua glória passada.
a um senador prestigiado — investe nos gladiadores,
financiando o treinamento deles em troca de parte
As Legiões dos ganhos das lutas.
O Império de Tauron possuía um dos exércitos O Ludus Glada é um dos maiores do Império. Seu
mais poderosos de Arton proprietário é o minotau-
— em seu auge, espe- ro Oritonin, um devo-
cula-se que poderia to de Tibar ganancioso e
derrotar até mesmo os trambiqueiro que ficou fa-
batalhões puristas ou moso por revelar Maquius,
as hordas duyshidakk. o maior campeão das arenas
Hoje, contudo, as for- do Império de Tauron. Orito-
ças táuricas estão grave- nin se esforça para encon-
mente reduzidas. Atual- trar outro grande talen-
mente, o Império possui to, e para isso organiza
onze legiões, cada uma diversas “peneiras” —
com entre dois a três mil torneios para lutado-
membros — bem abaixo res novatos — ao redor
do antigo contingente de do Império. Entrar num
mais de trinta legiões, torneio de Oritonin pode
cada uma com aproxi- ser o início de uma car-
madamente cinco mil reira promissora no
membros. mundo das lutas.

Capítulo Dois
298
O nome do ludus homenageia o antigo Deus da A Voz Ecoante de Tiberus
Guerra, Keenn, conhecido pelos minotauros como
Glada. Oritonin cogitou atualizar o nome de sua escola Aventureiros que ousam invadir a área de
para Ludus Arsenal, mas teme que o novo deus resolva Tormenta de Tiberus encontram enxames
clamar para si uma parte dos lucros… infernais, sacerdotes da agonia e todo tipo
de lefeu. Dizem que o próprio Aharadak,
Collegium Victrina em seu avatar, eventualmente surge no
palco de sua vitória sobre o antigo Deus da
Uma consequência da vida urbana do Império Força, para coletar sacrifícios.
de Tauron, um collegium é um tipo de guilda de
Porém, em meio à atrocidade e à perversão,
bairro, criada para ajudar os moradores de sua região
há relatos de uma voz ecoante que teria
e representar seus interesses perante o Senado. Com
alertado aventureiros sobre perigos iminen-
o tempo, porém, muitas dessas associações passaram
tes e até guiado heróis feridos para fora da
a se envolver com atividades ilícitas, como contra-
cidade deturpada. A voz é errática, nunca
bando, assassinatos e “proteção” — por uma taxa,
ouvida duas vezes no mesmo local. Seu
os membros do collegium protegem os moradores
eco parece estar à margem da inexistência,
e comerciantes do bairro de bandidos desgarrados,
e ela própria às vezes se mostra confusa
guardas corruptos e, claro, de seus próprios capangas.
quanto à própria identidade. Dizem se
O Collegium Victrina, de Tiberus, é um dos tratar dos últimos resquícios de consciência
mais antigos da cidade. Como quase todos, começou de um mago lefou que lutou na revolta dos
como uma associação para ajudar comerciantes em escravos e deu a vida para salvar sua líder.
dificuldades, defender seus membros juridicamente (o
collegium possuía um advogado clérigo de Khalmyr),
reconstruir casas destruídas por desastres e ataques de Nas cidades, a situação não é muito melhor. Com o
monstros, acolher órfãos… Mas, aos poucos, mudou Senado preocupado com a ameaça maior da Tormenta, o
suas atividades para outras mais lucrativas. povo fica à mercê dos collegium, associações crimino-
A atual líder do Victrina é Murta Torta-Doce, sas que praticam extorsão e outros crimes. Já os nobres
uma hynne que se criou nas ruas de Tiberus e cresceu podem estar a salvo dessas quadrilhas, mas precisam
na hierarquia do collegium por sua mistura ímpar de se preocupar com sequestros, envenenamentos e todo
esperteza e brutalidade. Apesar de ser uma criminosa, tipo de intrigas que decorrem da luta pelo poder em
Murta se preocupa com o povo local. Ela não cobra uma sociedade decadente.
taxas abusivas e usa seu lucro para ajudar pessoas em Mas nem tudo é desolação no Império. Em
necessidade. De certa forma, Torta-Doce mantém o Tiberus, as grandes oficinas ainda operam; o fórum
ideal do collegium, ainda que não seus métodos. Isso continua movimentado e a Arena mantém seus jogos.
não se pode dizer de seus rivais, que usam de violência Aventureiros podem se envolver com a vida urbana
e subterfúgios para conquistar o território da hynne. da capital, desde ajudar comerciantes humildes sendo
Murta sabe que só com seus capangas não conseguirá ameaçados por criminosos até tentar uma carreira
defender seu bairro, o que abre oportunidades para como gladiadores. Já nas províncias, a situação varia:
pessoas dispostas a fazer o bem… Mesmo que para em Petrynia, a vida continua quase normal — a região
isso precisem quebrar algumas leis. está longe o suficiente de Tiberus para não ter sido
afetada pela Tormenta, mas perto o bastante para

Aventuras manter um semblante de ordem, embora enfrente


dificuldade com piratas na costa sul. Em Fortuna, a
Uma viagem pelas terras do Império é uma situação é mais delicada, com diversos feudos sur-
aventura por si só. As estradas, antes patrulhadas gindo no vácuo de poder. E em Lomatubar, o clima
pelas legiões, agora estão tomadas por bandidos é apocalíptico — de todas as terras de Arton, essa é
e escravagistas. Mesmo a visão de legionários em uma das que mais precisa de heróis.
marcha não é sinônimo de segurança, pois podem Aventureiros que quiserem socorrer o Império
ser desertores dispostos a roubar qualquer um em de Tauron terão muito trabalho, mas também podem
seu caminho ou seguidores de um legado que se ter aliados. Alguns senadores, generais e até mesmo
autoproclamou ditador. Saindo das estradas, a situação líderes de collegium possuem objetivos dignos, mas
fica ainda mais perigosa: animais selvagens, fadas e precisarão de ajuda para sobreviver aos perigos da
monstros andam livremente pelas florestas. política e alcançar seu propósito: reerguer a civilização.

Além do Reinado
299
Nova
Malpetrim
A
rton é um mundo de heróis. Eles exis- que Malpetrim esteja em algum ponto do itinerário.
tem em todos os lugares, habitam todas (“Oras, se não passou por Malpetrim, não é uma grande
as cidades. Mas nenhuma tem maior saga!”) Isso considerando apenas as histórias verda-
reputação de hospedar aventureiros deiras — pois, conforme a cultura do reino, para cada
— e aventuras — que Malpetrim. campeão lendário real que esteve aqui, outros dois
foram inventados na imaginação popular. Ainda, existe
Embora situada no pequeno reino de Petrynia,
hoje província do Império de Tauron, os eventos extra- o costume local de batizar filhos com nomes de grandes
ordinários ocorridos aqui sequer podem ser listados. heróis, causando ainda mais confusão.
Cidade costeira assolada por todo tipo de ameaça Despertar de deus maligno. Cerco de minotauros.
mundana ou mágica, não apenas foi ponto de partida Ataque de monstro gigante. Marcha de fantasmas da
para as mais fabulosas expedições, como também Tormenta. Embates entre arquimagos, sumo-sacerdo-
sediou batalhas e intrigas em seu próprio território. tes e Dragões-Reais. A cidade esteve em perigo tantas
Uma tradição de bardos consiste em desafiar o vezes, foi quase destruída em tantas ocasiões, que foi
oponente a narrar a história de um grande herói sem um choque para todos quando isso finalmente aconteceu.

Capítulo Dois
300
A chegada profetizada da Flecha de Fogo ao
continente sul causaria um maremoto como nenhum
outro; imprudentemente próxima ao nível do mar,
Malpetrim acabou arrasada por completo. Heróis com
poderes extremos se mobilizaram, cidadãos foram
evacuados, vidas foram salvas. Até mesmo algumas
construções, com seus ocupantes, foram magicamente
transportadas a tempo. Mas nada restaria na área
murada original, exceto ruínas inundadas.

A Cidade Renascida
Nova Malpetrim (ou apenas Malpetrim, como
ainda é chamada) é tudo, menos horizontal. Mais
que decididos a evitar qualquer vagalhão catastrófico
futuro, seus habitantes optaram por reconstruir a
cidade no alto de uma grande formação rochosa
próxima, muito acima do nível do mar.
Pode-se dizer que, hoje, a cidade exige nervos Cidade de Nova Malpetrim
e pernas fortes para ser percorrida; seus vários pa-
tamares, conectados por longas escadarias e pontes Lema: “Tesouro do Mar, Berço da
de vários tipos, desafiam aqueles que temem altura. Aventura”.
Desnecessário dizer, o lugar também se tornou muito Brasão: de azul um castelo de prata
menos aprazível para minotauros — um planejamento assente sobre um monte de verde sainte
urbano provavelmente intencional, considerando a de uma campanha ondada do segundo
tentativa de invasão por parte deste povo durante as carregada de duas faixas ondadas do
Guerras Táuricas. Ainda assim, apesar de sua fobia de primeiro.
altura, membros do povo de Tauron teimosamente in-
Gentílico: malpetrino.
sistem em frequentar Nova Malpetrim, demonstrando
orgulho e bravura enquanto evitam as beiradas. Regente: George Ruud (prefeito).
População: 26.000.
O Porto Raças Principais: humanos, sereias,
Com a reconstrução, muito se pensou em formas tritões, anões, elfos, hynne.
de livrar Malpetrim dos piratas que sempre a assolaram. Divindades Principais: Valkaria,
Descobrindo ser inviável (pois importantes figuras Oceano, Marah.
locais estão ligadas à pirataria), apenas trataram de
manter a nova área de atracagem tão afastada quanto
possível, formando praticamente uma cidade própria ao
nível do mar — hoje também conhecida como Cidade
Baixa. Nesse literal submundo as guildas criminosas um. Pouca gente em Arton sequer aceitaria tama-
agem impunes e tudo que é proibido ou ilegal pode nha dor de cabeça. Ainda assim, um improvável
ser obtido. Ou, como diria o pirata Jude Silverbloom, pretendente ao cargo insalubre acabou surgindo; o
uma das mais notórias figuras da Cidade Baixa: “Na atual prefeito é ninguém menos que George Ruud,
escolha entre o que é certo e o que é fácil, a escolha antigo proprietário da famosa Estalagem do Macaco
certa sempre será fácil…”. O isolamento também ga- Caolho. Depois de lidar com sua cota de druidas
rante que feras capturadas em Galrasia causem menos obcecadas, falsos ladinos, arquimagas élficas loucas
estrago urbano à Cidade Alta quando escapam — o e trogs rabugentos (e também após a perda de seu
que acontece com alguma frequência. estabelecimento no maremoto), Ruud e a esposa
Tadania optaram por uma carreira que consideram
muito menos estressante. Além de governar, muitas
Mansão do Prefeito vezes caberá ao próprio prefeito, à primeira-dama
Administrar um desastre — ahem, uma cidade ou à secretária osteon Calirianne o papel de delegar
como Nova Malpetrim não é trabalho para qualquer missões a aventureiros.

Além do Reinado
301
A Grande A Águia Dourada
Feira de Marah A estalagem mais extravagante da antiga Malpetrim
Este tradicional evento comercial, que continuaria foi reconstruída aqui, ainda mais chique e vistosa. Seu
a ser celebrado anualmente na cidade nova, teve seu interior segue tão parecido com a original que mesmo
auge durante a dominação táurica. Como a cidade frequentadores assíduos não notam diferença. De fato,
era considerada território neutro, figurava como uma arcanistas garantem que a reconstrução foi executada
oportunidade única para permutar itens do Reinado por poderosas magias. Talvez exista relação com uma
e do Império. Hoje em dia o festival retornou às antiga e ilustre hóspede, a falecida arquimaga élfica
suas dimensões originais, negociando principalmente Nielendorane de Lenórienn; dizem que seu espírito
iguarias, relíquias e criaturas trazidas de Galrasia — está com Wynna, mas às vezes ainda assombra sua
também existindo meios escusos de adquirir pólvora, suíte favorita, quando alugada por hóspedes de espírito
artefatos da Tormenta e outros itens proibidos. Ainda, aventureiro. A gerência garante que nenhum deles
devido a um rumor persistente sobre a passagem de sofreu danos permanentes. Quase nenhum.
Thwor Khoshkothruk pela Feira, muito antes de sua
ascensão à divindade, devotos de Thwor às vezes O Polvo Canhoto
tentam imitar o antigo messias, infiltrando-se no Taverna especializada em frutos do mar e pratos
evento sob disfarce. Outros, menos religiosos, fazem insanamente apimentados. O proprietário e cozinheiro
isso apenas para ludibriar os ingênuos. É o caso do é Mighel de Petrynia, homem grande como um
bardo Amanph Leanm, que já convenceu muitos ogro — e quase tão gentil, quando criticam a ardên-
desinformados de que era Thwor em pessoa, apenas cia de sua comida. Dizem que ele usa condimentos
um pouco mais magro e abatido… fortes por serem os favoritos da filha, uma paladina
de Khalmyr em treinamento. Alguns suspeitam, no
A Arena de Gideon entanto, que Mighel exagera na pimenta para afastar
os minotauros — mas o efeito acabou sendo contrário;
Rumores e boatos sem fim cercam o maior e
mais misterioso patrono dos jogos de arena em estes, sentindo-se desafiados, fazem questão de ingerir
Nova Malpetrim. Antes de conquistar sua riqueza os itens mais picantes no cardápio enquanto vertem
e fixar moradia aqui como uma de suas figuras lágrimas gordas. Seja como for, o lugar acabou famoso
mais ilustres, Lorde Gideon teria sido um herói por sediar competições e brigas entre minotauros,
desmemoriado, que em outra vida foi um tirano — humanos e quaisquer outros.
então rejeitando o mal para viver como aventureiro.
Hoje, Gideon e seu companheiro hynne Flappo
comandam torneios e combates de arena em seu Expedições
coliseu, que vem se tornando famoso no oeste de
Arton. Em cada grande torneio, um item mágico
e Piratas
de seu tesouro pessoal é oferecido ao campeão. Embora Nova Malpetrim seja uma cidade costeira,
O atual campeão é o hynne Jojo, conhecido pelo sua economia não é especialmente baseada em comércio
curioso epíteto “Matador de Gigantes”. marítimo; devido às atribulações do Império de Tauron,
a navegação comercial artoniana tem se concentrado
A Forja do Nanico no litoral sudeste do continente. Por ser situada a
sudoeste, poucas rotas comerciais chegam aqui. Assim,
Sempre que um forasteiro procura alguém para seu abastecimento vem das terras cultivadas em volta,
consertar suas armas ou armadura, é costume local complementado com a pesca.
recomendar este estabelecimento pelo nome. Não
por sua qualidade, nem por ser barato; apenas para Não significa, contudo, que exista pouca atividade
testemunhar uma nova explosão de raiva do proprie- portuária. Como no passado, o lugar segue como o
tário, um velho troglodita anão que odeia ser chamado mais importante ponto de partida para expedições
de “nanico”, expelindo seu óleo fedorento em todos até Galrasia, movimentando um mercado pequeno,
que assim fazem! Este antigo guerreiro aposentado, mas rico. Iguarias, feras exóticas e relíquias circulam
cedendo à paixão racial dos trogs por itens de aço, todos os dias, negociadas por fortunas. Pela mesma
acabaria abraçando o ofício como ferreiro. Dizem que razão, piratas fervilham no Mar Negro para atacar
o nome é também uma provocação (ou paródia) a aventureiros retornando cheios de valores.
uma rede de forjas existente em Valkaria, conhecida A recente fundação de Lysianassa, primeira cida-
como Metais do Baixote. de humana em Galrasia, intensificou as expedições.

Capítulo Dois
302
Nova Malpetrim,
a cidade dos aventureiros,
toca as águas e o céu

Além do Reinado
303
Agora contando com um porto seguro no próprio
Mundo Perdido, navios cheios de aventureiros chegam Arredores
e partem em números cada vez maiores. Aqueles que
retornam (isto é, os que conseguem passar pelos
de Aventura
piratas) deixam boa parte de seus tesouros em Nova
Malpetrim, assegurando sua prosperidade. E, embora
Montanhas Kenora
os piratas e bucaneiros tragam reputação ruim, Esta área montanhosa no nordeste de Petrynia
também enriquecem a cidade com suas pilhagens, pertence à mesma formação que inclui as Uivantes,
gastando fortunas em bebida e farra. bloqueando boa parte de sua glaciação. Numerosas
passagens e desfiladeiros permitem fazer a travessia
Por tudo isso, Nova Malpetrim faz bom dinheiro até a cordilheira gelada; uma delas teria sido usada pelo
oferecendo acomodações e suporte a aventureiros. célebre herói Cyrandur Wallas em suas andanças. Aqui
Todo tipo de artesão especializado em armas e equi- também se situam as Cavernas Escuras, onde seria
pamentos de aventura pode ser encontrado aqui, encontrada uma das partes do mítico Disco dos Três.
assim como serviços de alquimistas e conjuradores. Especula-se que as cavernas escondem uma passagem
Ajudantes, batedores e escudeiros também estão para Doherimm; a teoria pode estar correta, porque as
disponíveis — são profissões populares entre jovens montanhas abrigam vários athrid, como são conhecidas
locais que tentam fazer dinheiro rápido, apesar dos as antigas edificações abandonadas dos anões.
riscos. Mercadores aguardam no porto
da Cidade Baixa para adquirir tesouros
recém-conquistados. E, como não pode-
Os Grandes
ria deixar de ser, clérigos e curandeiros Bosques
estão sempre a postos para remendar A extensa mata ao norte de Nova Mal-
heróis combalidos em seu retorno. petrim é composta por duas áreas flores-
Outra atividade importante é a tais: os Bosques de Farn a noroeste e
construção e reparo de navios, so- os Bosques de Allihanna a sudeste,
bretudo aqueles que chegam ar- separados pelo Rio Kaerunir. O
ruinados após ataques de piratas nome vem da rivalidade entre
e monstros, sendo um milagre dois antigos exploradores, cada
ainda flutuarem. Para os goblins um alegando ter descoberto e
locais, canibalizar partes de mapeado o lugar primeiro.
uma embarcação para con- Para apaziguar ambos, o
sertar outra é praticamente regente da época decidiu
uma tradição — qualquer separar a floresta em duas;
por não existir “meia-floresta”, cada
navio no porto precisa
metade foi declarada um grupo de
ser mantido sob vi-
bosques — um deles nomeado como
gilância para con-
um explorador, outro com a divin-
tinuar inteiro. O
dade padroeira do segundo. Am-
resultado é que
bos são habitados por animais
muitos na-
selvagens, comunidades
vios locais
silvestres e monstros
parecem
ocasionais.
feitos de
partes desen-
contradas, mar-
teladas juntas
de qualquer
jeito. Di-
zem que se
Nova Malpetrim:
você preci- ponto de partida para
sa de reparos urgentes em sua jornadas de piratas,
embarcação, mas sem ligar exploradores e outros
aventureiros
muito para a estética, Nova
Malpetrim é o lugar.

Capítulo Dois
304
Planície dos Centauros presença de invasores. Muitos navios foram afundados
por suas criaturas porque se aproximaram demais. As
A região descampada ao sul dos Bosques de histórias sobre a origem de Azazel seriam muitas; a
Allihanna é território de um grande rebanho de mais conhecida diz que ele teria se apaixonado por uma
centauros. Sua antiga líder, Odara de Allihanna, sereia, mas foi rejeitado, e agora passa a vida pensando
teve atuação importante durante a saga dos Rubis da em formas de capturá-la e conquistar seu amor.
Virtude. Após um incidente envolvendo a Tormenta,
seu paradeiro é desconhecido; hoje o bando é liderado
por sua aprendiz Hipólita. Diferente da antecessora,
esta druida atrevida não se acanha em galopar até
Velha Malpetrim
Nova Malpetrim e convocar aventureiros para matar Hoje submersas, as ruínas da antiga Malpetrim
monstros que eventualmente ameaçam a tribo. foram rapidamente ocupadas por animais, monstros
e até povos marinhos. Não apenas suas construções
Planalto dos Kobolds originais, mas também grandes navios empurrados pelo
maremoto e encalhados ali — cada um escondendo
Uma das maiores tribos de kobolds em Arton está
seus próprios perigos e tesouros. Ainda, existem sob
em um planalto oculto nos Bosques de Allihanna, onde
a cidade várias redes de túneis e câmaras, outrora
cavernas e túneis que atravessam o planalto escondem
esconderijos para guildas de ladrões, cultos profanos
centenas, talvez milhares de criaturas. Como outros de
e movimentos de resistência contra os minotauros.
seu tipo, estes também ficaram mais perigosos após o
retorno de Kallyadranoch ao Panteão, mas ganharam Por ser uma masmorra vasta e ainda recente, há
ainda mais poder quando o dragão Xiuhdrake assumiu poucos mapas confiáveis e ainda menos informações
a liderança do bando. Sob comando do “enviado”, os sobre seus habitantes. Sabe-se de pelo menos um
kobolds atacam aldeias e fazendas vizinhas, capturando bando de elfos-do-mar extremamente hostis, que
vítimas — especialmente crianças — para sacrifícios consideram a cidade agora seu território — qualquer
rituais ao Deus dos Dragões. Um dos habitantes menos explorador deve lidar com eles antes de adentrar as
perigosos e mais curiosos do Planalto é o kobold ruínas mais importantes e as partes mais profundas.
Leopôncio, um espadachim (?) que diz ser matador Negociar a passagem diplomaticamente é possível,
de serpes (??) e herói de seu povo (???). mas desafiador, considerando seu ódio e desconfiança
contra aqueles que vivem no mundo seco. Seu cruel
Mansão de Zolkan líder, chamado Deenar, tem apenas um braço — e
também a habilidade mágica de se transformar em
Situada à margem de um pântano próximo da
um monstro crustáceo demoníaco.
Velha Malpetrim, pertenceu ao poderoso mago Zolkan,
desaparecido há mais de 100 anos. Rumores dizem Um fato importante é que, em toda a região inundada,
que a mansão é assombrada e maldita, algo atestado estabeleceu-se uma área de “ar molhado” — o estranho
por heróis que a visitaram. Fantasmas e aparições fenômeno que ocorre em alguns pontos dos mares de
infestam seus aposentos — que retornam magicamente Arton, permitindo a seres terrestres respirar livremente
ao normal logo após a passagem de aventureiros, não embaixo d’água. Dificuldades normais de movimentação
importando quanta coisa foi destruída ou quantas subaquática ainda existem mas, ao menos, afogamento
criaturas foram vencidas. Também dizem que Zolkan se não é um problema com que lidar. Há, no entanto, trechos
tornou um monstro e devora todos que entram. Parte de masmorra onde a água é normal.
desse boato é verdade; o arcanista realmente se tornou
Menos de uma hora distante da cidade reconstruída,
“algo” graças a um experimento fracassado. Uma
Velha Malpetrim se tornaria uma masmorra bastante
passagem mágica leva a um laboratório secreto longe
procurada, sobretudo por heróis iniciantes locais ainda
dali, em uma caverna oculta, onde o monstro-Zolkan
sem meios de visitar Galrasia. Antigos proprietários
passa os dias tentando reverter seu atual estado.
contratam grupos para resgatar riquezas ou relíquias
de família. Outros investigam rumores sobre tesouros
Torre de Azazel mágicos poderosos, pertencentes a campeões veteranos
Situada em uma ilhota próxima à costa, esta grande que residiam na cidade. Um local especialmente visado
torre pertence a Azazel, o Louco. Este velho de pele são as ruínas da antiga Estalagem do Macaco Caolho;
azulada — que muitos acreditam ser um tritão, embora conforme boatos, o símio empalhado que dava nome
não exista certeza sobre isso — mantém sua torre ao lugar teria sido abençoado por Nimb, tornando-se
protegida por monstros marinhos, jamais tolerando a um artefato muito poderoso. Ou maldito. Ou não.

Além do Reinado
305
Smokestone O COVIL DOS PISTOLEIROS

O
continente de Arton é vasto. Existem Conhecida como “Covil dos Pistoleiros”, “Cidade
incontáveis cidades, aldeias e luga- dos Fora da Lei”, “Capital da Pólvora”, “Aquele Buraco
rejos que não constam em nenhum Desgraçado Onde Tentaram me Matar Várias Vezes”
mapa, cuja localização não é conhecida e outros epítetos menos elegantes, Smokestone fica
por ninguém — ao menos ninguém confiável. em algum lugar perdido nas planícies da província de
Algumas porque não são importantes o sufi- Petrynia, no que resta do Império de Tauron. Mas não
pertence ao Império, nem ao Reinado ou a nenhum
ciente para merecer destaque. Outras porque
reino. Não respeita nenhuma lei de fora, não tem
são lugares místicos. Mas existe ao menos uma
nobres ou governantes e se rebela contra tudo e todos
cidade cuja localização é mantida em segredo por que tentem controlá-la.
uma combinação de honra, mentiras, desprezo
Aqui ficam as maiores minas conhecidas de
pelas leis, autopreservação, orgulho e boa e
pedra-de-fumaça, o minério instável e (dizem)
velha cara de pau. demoníaco que é a base para a fabricação da pólvo-
Smokestone. ra. Aqui também se fabrica a melhor pólvora e se

Capítulo Dois
306
forjam as melhores armas de fogo do mundo. É o O pó de pedra-de-fumaça se acumula nos pulmões,
esconderijo, lar ou paradouro ocasional dos maiores transformando-os lentamente em pedra — pior do
pistoleiros de Arton, além de palco de alguns dos que isso, pedra altamente inflamável, levando a casos
mais notórios duelos. de combustão espontânea! Essa doença peculiar é
Para quem vive aqui, é o único lugar onde vale a conhecida como “pulmão em brasa”. Quando a
pena viver. Para quem morre aqui, é um lugar onde existência de enormes veios de matéria-prima para
pólvora se tornou conhecida, os Harringer foram
se pode morrer de cabeça erguida.
atacados por grupos de magos que tentavam banir
a substância, convencidos de que apenas a magia
Mau Começo arcana deveria ser capaz de explodir grandes números
Smokestone rejeita toda noção de nobreza ou de pessoas rapidamente e à distância. Tudo isso fez
governo, mas sua história começa 200 anos atrás com que a numerosa família fosse reduzida apenas
com a família Harringer, nobres caídos em desgraça ao próprio patriarca, agora já velho e com os pulmões
que perderam suas posses e acabaram afundados em prestes a explodir, e a sua filha mais nova. Felizmente,
dívidas. Tudo que restava ao patriarca D. Harringer o sacrifício dos demais não fora em vão: pai e filha
era uma carroça e uma família faminta. Deixando mais uma vez estavam podres de ricos.
para trás a vida de mimos e opulência, Harringer A essa altura os Harringer já não estavam mais
subiu na carroça e levou a família para longe de sozinhos. Outros tipos empreendedores e sem muito
suas antigas terras, em busca de algum lugar onde amor à própria pele tinham estabelecido suas próprias
pudessem se reerguer. Ninguém sabe qual seria o operações de mineração — D. Harringer não gostava
título nobre da família, pois o patriarca passou a disso, mas depois de alguns tiroteios aprendeu a
desprezar a aristocracia e a existência parasitária que compartilhar. Todas essas operações precisavam
levara àquela situação. de trabalhadores. Os trabalhadores precisavam de
Neste ponto história, boatos, lendas e superstição diversão, e assim começaram a surgir tavernas.
se misturam — ainda mais que em outros lugares Alquimistas de rua se estabeleceram para fabricar
de Arton. Pois a viagem sem rumo dos Harringer pólvora ali mesmo, então armeiros montaram oficinas
levou-os às minas de pedra-de-fumaça. O patriarca para forjar pistolas…
imediatamente colocou a família inteira para minerar Quando por fim o velho D. Harringer explodiu
e assim amealhar uma nova fortuna. em sua cadeira de balanço, sua filha tomou a lide-
Mas como nobres sem nenhuma experiência em rança. Trocou o próprio nome pelo nome do pai:
trabalho braçal sabiam minerar? Como Harringer sabia era agora D.D. Harringer. D.D. reuniu os chefes
onde procurar, já que era preciso se embrenhar em das primeiras famílias, os pilantras mais endinhei-
túneis profundos para encontrar os veios de pedra- rados e os cafajestes mais influentes da região. En-
-de-fumaça? Como ele sequer conhecia o minério, tão batizou a comunidade de Smokestone, criou o
se 200 anos atrás armas de pólvora eram muito mais pacto de segredo sobre sua localização e estabele-
raras e primitivas? ceu as leis locais, que permanecem não escritas e
imutáveis até hoje.
Segundo alguns, a resposta para tudo isso são
demônios.
A pedra-de-fumaça seria um minério infernal,
imbuído com o poder destrutivo das criaturas abissais.
A própria invenção das armas de pólvora teria sido
inspiração demoníaca. Seguindo esse raciocínio, D.
Harringer teria feito um pacto com demônios que
revelaram a ele essa nova fonte de riqueza e ensinaram
a sua família tudo que precisavam saber.
Ou talvez isso seja só papo-furado para meter
medo em forasteiros.
A vida dos Harringer foi tudo, menos pacífica.
A mineração trazia seus próprios perigos: a pedra-
-de-fumaça tem a tendência de explodir durante
a extração e vários túneis que levavam aos veios
mais ricos estavam infestados de monstros.

Além do Reinado
307
Leis da Fronteira seu! Não espere que ninguém vá socorrê-lo. Também não
tente recorrer a algum amiguinho rápido no gatilho —
fazer isso seria pedir para alguém cometer assassinato.
Sangue azul acaba Chame o culpado para um duelo ou simplesmente
empoçado no chão engula o prejuízo e baixe a cabeça. Crianças, velhinhos
Não existe nobreza em Smokestone. Nenhum desamparados, mineradores com os pulmões em brasa e
cidadão ou forasteiro pode exigir ser tratado por títulos outros indefesos ficam isentos desta regra, mas ninguém
aristocráticos, nem esperar obediência de ninguém, nunca compilou uma lista de todas as exceções.
exceto um empregado ou coisa assim. Escravistas
costumam “ofender alguém”, ser desafiados para um Matar não é assassinato
duelo e acabar cheios de buracos para ventilação. Em Não importa se você é uma dama ou um cavalheiro
Smokestone, a única coisa que diferencia as pessoas é de Smokestone, um chapéu-preto das planícies ou um
coragem, honra e rapidez no gatilho. Da mesma forma, forasteiro apalermado, precisa entender a diferença entre
não existe qualquer tipo de governo ou guarda da cidade. uma morte justa e um assassinato. Alguém aprontou
feio com você ou com um de seus amigos? Você chama o
O que acontece em Smokestone infeliz para um duelo, olha bem nos olhos, saca primeiro
fica em Smokestone e manda ele para o reino dos pés-juntos. Isso é uma
A cidade não é parte de nenhum tipo de reino ou morte justa. Assassinato é, digamos, quando você atira
nação, nem responde a qualquer autoridade maior. no mesmo infeliz pelas costas, sem aviso, não importa o
As leis de fora não valem aqui dentro e vice-versa. que ele tenha feito. Na verdade, matar sem provocação
Não importa se você chega aqui atrás de um bandido também é assassinato. Matar sem testemunhas também.
foragido — dentro da cidade, ele não fez nada de errado. E matar alguém que recusa um duelo também. Ninguém
Se quiser acertar as contas, arranje seu jeito. nunca escreveu todas as ocasiões em que uma morte
é justa ou não. Mas, em caso de dúvida, bom senso e
Em boca fechada execução pública resolvem.
não entra bala
Autoridades do Império de Tauron, agentes do Rei- Sejamos civilizados
nado, paladinos, clérigos de deuses certinhos, arcanistas Um bom critério para decidir se uma morte foi ou
enciumados e chatos intrometidos em geral adorariam não assassinato é olhar as ferramentas que você utilizou
saber onde fica Smokestone. Por isso, absolutamente para encomendar a alma do desgraçado. Foi uma pistola
ninguém revela a localização da cidade, exceto para outros ou um mosquete? Bom começo. Smokestone tem as
pistoleiros e durões das planícies. Quem quebra essa regra melhores armas de pólvora (e a melhor pólvora) do
não costuma durar muito. Além disso, de alguma forma mundo. Não exigem força bruta ou estudo interminável,
é mais difícil encontrar Smokestone por meio de magia só bons reflexos e astúcia. Matar alguém com elas é
ou mesmo em expedições mundanas. Alguns garantem rápido, eficiente, elegante, digno. O defunto quase deveria
que isso faz parte do pacto demoníaco dos Harringer, agradecer. Mas e machados, espadas, arcos, magia, mãos
renovado por D.D. durante a fundação da cidade. vazias? Coisa de selvagens. Esqueça tudo isso.

Coma na mesa, A verdade é feita de


defeque na latrina chumbo e coragem
Smokestone é lugar de bandidos, trapaceiros, Alguém diz que você é filho de um kobold men-
assassinos, caça-prêmios, foragidos… Mas ninguém tecapto bexiguento. Você não cai na provocação, não
pratica essas atividades aqui. Não se rouba, nem reage, não faz nada. Afinal, o sujeito é grande feito um
apontando um cospe-chumbo para algum infeliz, minotauro e rápido no gatilho. Ele não pode matá-lo,
nem surrupiando umas moedinhas no jogo. Não se porque isso seria assassinato. Mas então não reclame se
falsifica, não se caça recompensas, não se captura todos passarem a chamar seu pai de kobold mentecapto
prisioneiros… Também não se comete assassinato, bexiguento. Afinal, você aceitou! E não, nada de querer
mas para entender isso é preciso entender o que tirar satisfações com o magricela baixinho. Isso seria
é assassinato em primeiro lugar. Em suma, atos assassinato. Quando você aceita um insulto de alguém,
violentos ou contra a propriedade são banidos. deve aceitar de todo mundo. Em Smokestone a honra é
fundamental. Você é respeitado de acordo com seus atos
Acerte suas próprias contas e todos acreditam naquilo que você os faz acreditar. Sua
Digamos que alguém tenha quebrado a lei anterior vida é mais importante que sua honra? Paciência. Foi
e você tenha sido a vítima. E agora? O problema é todo assim que o Rob Sapo-Boi acabou com esse apelido…

Capítulo Dois
308
Nós estamos sempre certos
Cada pessoa aqui tem mais razão, em todos os
sentidos, que qualquer pessoa ou criatura de fora. Isso
porque, mais uma vez, em Smokestone a honra é
fundamental. Sem um regente ou mesmo um país para
impor condutas, cada um deve se portar com dignidade,
não aceitar desaforos e exigir comportamento exemplar
de todos os outros. Em Smokestone, todos são damas e
cavalheiros, mesmo cuspindo fumo de mascar, com as
botas sujas de lama e fedendo por ter cavalgado pelas
planícies por semanas a fio. E damas e cavalheiros são
mais respeitados que brutamontes desmiolados que
usam armas primitivas e deixam que nobres sapateiem
em suas cabeças o dia inteiro. Em qualquer disputa
ou desentendimento entre um local e um forasteiro, o
local sempre tem razão e o forasteiro sempre está errado.

Os durões dormem tranquilos


Parte da honra de Smokestone envolve confiar Cidade de Smokestone
nos outros cidadãos, mesmo que sejam bandidos que
venderiam a própria mãe por um tibar falsificado. Afinal, Lema: série de impropérios impublicáveis.
se você é realmente seguro de si, não precisa temer, Brasão: de negro uma aspa espiguilhada de
certo? Nenhum acordo ou negócio precisa de contratos, prata carregada de cinco estrelas do campo e
rituais, assinaturas ou mesmo testemunhas — basta a acompanhada de quatro granadas de ouro.
palavra. Promessas devem ser cumpridas, mesmo que
para isso você precise cavalgar por metade do continente Gentílico: harrie.
e matar uma dúzia de ganchadores. Não exija garantias. Regente: jamais!
Não minta, nem presuma que os outros estão mentindo. População: 3.700.
Se fizer isso, estará ofendendo sua honra… E pode
esperar um duelo no futuro próximo. Raças Principais: humanos, goblins,
anões, meios-orcs.
Tudo se resolve no barril Divindades Principais: pra quê?
Quando tudo o mais dá errado, quando o culpado
por um assassinato ou outro crime acaba escapando,
quando a vítima é indefesa… Enfim, em situações que
um duelo não resolve, o barril resolve. O “barril” é a
disputas, sobre confiar na palavra alheia… Existe uma
punição mais pitoresca de Smokestone. Nela, o acusado
exceção para tudo isso: ladrões de cavalos. Alguém
é capturado pela população e enfiado num enorme
culpado (ou mesmo acusado!) de roubar um cavalo
barril cheio de pólvora, que fica pendurado no centro
da Praça do Barril. A tampa é então pregada e o povo não dura cinco minutos em Smokestone, e ainda vai
se junta para arremessar pedras, praticar tiro ao alvo ter gente brigando pelo privilégio de dar cabo do
e testar novas armas no barril, até que ele exploda. Às desgraçado. Nas planícies, um cavalo é tudo para um
vezes, leva algum inocente consigo, mas a vida é assim. viajante. É o melhor amigo, o meio de transporte, a
A “guarda” de Smokestone é o próprio povo. Como não própria vida. Claro, aventureiros vêm com histórias
existem leis escritas e nem autoridade, a decisão sobre de grifos, tapetes mágicos, teletransportes ou outras
o que merece essa justiça improvisada é tomada pela maneiras fantásticas de viajar. Mas nada disso está à
turba, de acordo com seus valores de honra, orgulho e disposição do sujeito simples que não tem riquezas,
cavalheirismo. Se há injustiças? Claro que deve haver. estudo arcano ou bênção dos deuses — justamente o
Descubra quem foi injusto e o desafie para um duelo! tipo de pessoa que usa armas de pólvora para se igualar
a quem tem tudo isso. Quem rouba um cavalo está
Ladrão de cavalo não é gente tomando de alguém seu maior tesouro, condenando-o
Tudo que foi dito até agora sobre ignorar crimes a morrer na planície. Matar ladrão de cavalo nunca
fora de Smokestone, sobre resolver suas próprias é assassinato. Porque ladrão de cavalo não é gente!

Além do Reinado
309
Onde cair duro A Rua da Poeira leva diretamente a uma estrada
e ao pórtico onde um recém-chegado se depara com o
Smokestone cresceu espontaneamente a partir letreiro ostentando o nome da cidade e alguns crânios de
das minas de pedra-de-fumaça. Assim, não há muita bois… Na verdade, de minotauros que vieram se meter
organização ou planejamento, embora de tempos em onde não eram chamados. As caveiras estão lá como
tempos alguém tente colocar ordem nas construções. aviso aos demais pretensos enxeridos e conquistadores.
Na Rua da Poeira fica a taverna Buraco no Bucho, pro-
As próprias minas ficam afastadas da cidade priedade de Warrick. O taverneiro é uma das pessoas
principal, pois os acidentes, desabamentos, ataques mais ricas e influentes de Smokestone, rivalizando
de monstros e explosões são frequentes. Os arredores com as famílias originais. Warrick, além de cerveja e
da cidade são pontilhados de túneis que levam ao hidromel, vende proteção, informações e “solução de
subterrâneo, de onde entram e saem dezenas de problemas” em geral. Caso você tenha um inimigo,
trabalhadores todos os dias. As maiores minas são mas não queira duelar, Warrick pode garantir que seu
de propriedade das famílias originais, mas existem desafeto seja desafiado por alguém, pelo preço certo.
várias outras descobertas e operadas por alquimistas Aqui também se localiza o açougue de Wu Nau, um
ambiciosos, ricaços recém-chegados e tipos malucos tipo esquisito que se diz refugiado de Tamu-ra, mas que
em geral. Quase todas as minas contratam durões fala um idioma que ninguém nunca escutou. Dizem que
e aventureiros para “limpar” túneis infestados por
Wu Nau é um lefou, ou mesmo um agente da Tormenta
criaturas bizarras, principalmente variações flamejantes
disfarçado. Seja como for, também cria porcos — e seus
e explosivas de monstros subterrâneos… e demônios.
animais são bons em devorar cadáveres inconvenientes
Este é um dos poucos serviços em que aventureiros
e pessoas que precisam desaparecer sem deixar rastro.
que não usam pólvora são mais valorizados, já que
Nesta rua também ficam os cassinos, hospedarias e
causam menor risco de explosão.
outros comércios com pouca propensão a explodir.
O que se pode chamar de “centro”
A Rua da Fumaça, outra principal via de Smokes-
da cidade é a Praça do Barril
tone, leva à maior concentração de minas. Aqui se
(palco das execuções públicas),
localizam as oficinas de armeiros e laboratórios de
onde se cruzam
alquimistas. Obviamente, os armeiros se
as duas ruas
dedicam quase só a armas de fogo e
principais.
os alquimistas passam o dia fa-
bricando pólvora. A passagem
é totalmente tomada por bar-
racas improvisadas de alqui-
mistas de rua, que fazem pól-
vora rápida, barata e duvidosa.
Poucos cidadãos de Smokestone
se arriscam com esses mascates,
mas forasteiros podem cair em
sua lábia. Os maiores comér-
cios são a Oficina da Fumaça,
operada pelo anão Thungamm
Beiço-de-Ferro, onde são vendi-
das as melhores armas da cidade, e o boticário
Mestre Raldo, um hynne muito velho e rabugento
que fabrica pólvora excelente, mas insulta e expulsa
todos os clientes que tentam comprá-la. Sua assis-
tente, a elfa Ullana, é mais sociável, mas Raldo a
demite quase todos os dias por alguma desavença.
A Armeria Verde do goblin Rezin fabrica armas que
custam a metade do preço e funcionam a metade das
vezes, enquanto a funerária de Lutien, o papa-de-
funto, coloca um paletó de madeira nas vítimas de
Sinistro, o goblin
toda essa confusão. Lutien é um elfo (e, dizem, um
mais malvado de Arton vampiro) sinistro, acusado de vender cadáveres para
(segundo ele próprio!) serem reanimados e trabalhar nas minas…

Capítulo Dois
310
Galeria de Cafajestes Os Xerifes de Azgher
Os Harringer ainda são a família mais importante Arton é cheio de comunidades intocadas
da cidade. O patriarca atual é Lyman Harringer, que pela justiça de Khalmyr — mas ninguém
dizem não honrar o nome de seus ancestrais: empolado escapa ao olho vigilante do Deus-Sol. Xeri-
e covarde, segundo alguns gostaria de ser prefeito, barão fes de Azgher são missionários, caçadores e
ou outra coisa do tipo. Mesmo assim, é um negociante juízes autônomos que vagam de aldeia em
habilidoso e aumentou muito a riqueza do clã. Lyman aldeia, caçando criminosos e protegendo
vive com medo de seu irmão, Descott Harringer. Os inocentes. Fazem valer a lei de cada lugar,
dois tiveram uma briga anos atrás e Descott saiu da mas sempre respeitando os dogmas de seu
cidade com apenas seu cavalo e suas pistolas, prometen- patrono. Trazem no peito um sol dourado,
do um dia voltar para tomar o que “é seu por direito”. símbolo de sua divindade e autoridade.
Provavelmente falava das minas, mas já se especulou
Xerifes de Azhger são autorizados a usar
que existe outra coisa por trás. De qualquer forma, armas de pólvora livremente, inclusive no
vários “trabalhadores” dos Harringer hoje em dia não Império e no Reinado, pois autoridades
parecem chegar nem perto das minas, mas ficam em mundanas reconhecem que um poder
volta de Lyman empunhando mosquetes… superior lhes dá essa permissão. São
Os McMullard são os maiores rivais dos Harringer os únicos agentes da lei tolerados em
em termos de negócios. O curioso é que, embora sua Smokestone — porque usam armas
mina produza mais que qualquer outra, eles empregam “civilizadas” e porque não tentam impor
só um punhado de trabalhadores. Dizem que o patriarca regras externas. Também porque são
da família é um necromante, usa zumbis e esqueletos rápidos no gatilho, tornando má ideia
como mão de obra — e esse é o boato mais suave. desafiá-los para duelos frívolos… Mesmo
Também dizem que o patriarca é o mesmo desde que a assim, quase todos aqui consideram um
família chegou a Smokestone, há quase 200 anos. O xerife de Azgher como inimigo.
velho seria uma múmia, lich ou outro morto-vivo. O
pior de todos os rumores é que seus empregados não
são pessoas, nem zumbis, mas criaturas do Reino de
los. Polly Coiote, uma mulher criada por bichos sel-
Sszzaas, e que a família é devota do Deus da Traição.
vagens nos ermos, que mal sabe falar, mas atira como
Os Krowley, a terceira família original da cidade, ninguém. Asiman, um kliren que foi escravizado pe-
eram um clã de meios-orcs, o que por si só já atraía los minotauros e conquistou sua liberdade aprenden-
atenção. Mas tudo ficou ainda mais curioso quando o do a juntar pistolas e magia arcana. Doutor Dillon,
atual chefe da família, Gruth Krowley, se apaixonou um médico renegado de Salistick, que usa sua pistola
pela refugiada elfa Tlazinna. Gruth duelou com o com precisão cirúrgica — e, quando leva tiro, faz ci-
próprio pai pelo direito de casar com a moça e o matou. rurgia em si mesmo. Colt “Réquiem”, um bardo sem
Os Krowley receberam um grande grupo de elfos em igual, que compõe uma nova música para homenage-
suas terras e hoje em dia causam ainda mais espanto ar cada um que mata. Ginglitch, o goblin albino, um
por exibir vários bebês parte humanos, parte orcs, parte imigrante de Lamnor que diz ser mais rápido que suas
elfos! Como tudo em Smokestone, isso está cercado próprias balas. Tom Mulligan, especialista em atirar
pelo boato de que um ritual profano possibilitou esses montado em seu cavalo, Gatilho. Os Irmãos Reny,
nascimentos. Alguns dizem que todas as crianças têm uma quadrilha familiar de assaltantes de caravanas,
pequenos traços de carapaça vermelha. liderada por sua mãe Ermengarde. Jack Banguela,
Smokestone, é claro, também está cheia de pisto- um velho tagarela que arrancou um dente para cada
leiros. Entre eles: Zach Hullden, ex-soldado do Exér- duelo que venceu, substituindo-o por um dente feito
cito do Reinado, hoje bandido. Tillipeg Tettelbaum, com o aço da pistola derretida da vítima (agora dono
o almofadinha de Valkaria, que parece um poltrão mas de um sorriso inteiramente metálico).
é rápido no gatilho e já matou mais de vinte. Garth, Além disso, há muitas figuras lendárias em
o Vaqueiro do Inferno — alguns dizem que não pode Smokestone. Dizem que, alguns anos atrás, um clé-
morrer com um tiro; outros dizem que é o Deus Me- rigo orc conhecido apenas como Senhor Porrada pas-
nor da Pólvora. Sir Custer, ex-cavaleiro da Ordem da sou por aqui e levou embora uma arma amaldiçoada,
Luz, que usa lança, armadura e pistolas. Billy-Bob, um mosquete de repetição giratório criado por demô-
o Não Canhoto, que atira com a mão trocada, ape- nios, chamado Artefato de Cross. Mas, é claro, isso
nas para ter um pouco mais de desafio em seus due- não pode passar de história de pistoleiros bêbados…

Além do Reinado
311
Ruínas de
Tyrondir A TERRA DEPOIS DO FIM

A A Família Wynallan
ntigamente conhecido como “o Reino da
Fronteira”, Tyrondir tinha uma história
Como o primeiro território desbravado pela cara-
cheia de orgulho… e pouco do que se
vana de refugiados após a Grande Batalha, Tyrondir
orgulhar no presente. Ostentando a
era o ponto mais conhecido de Arton quando os
posição de primeira linha de defesa do Reinado
colonos se assentaram aos pés da estátua de Valkaria.
contra Lamnor, esta terra nunca havia sido Aqui também houve os primeiros contatos entre os
testada — e falhou no primeiro e único teste. exilados e os povos nativos do norte. Os lamnorianos
Outrora um país cheio de tradições, Tyrondir se haviam crescido ouvindo histórias sobre os “bárbaros
transformou numa ruína mortal com a queda da Flecha e monstros” que espreitavam no novo continente.
de Fogo. Hoje é um vasto território pouco mapeado, Também haviam acabado de passar por Khalifor, tendo
pontilhado por comunidades de sobreviventes, asso- testemunhado o poderio da cidade-fortaleza que existia
lado por saqueadores e impregnado pelo sangue letal para defender o sul contra essas “ameaças”. Assim,
de um deus morto. Explorar as Ruínas de Tyrondir é não é surpresa que os primeiros contatos entre povos
desafiar uma terra depois do fim do mundo. do sul e do norte tenham sido com armas em punho.

Capítulo Dois
312
Naqueles primeiros anos depois da Grande Ba-
talha, a Caravana dos Exilados estava amedrontada
O Velho Bolor
e humilhada, mas também unida. Todas as famílias Ao longo dos séculos, os Wynallan pouco fizeram
nobres que haviam governado os reinos derrotados para limpar seu nome. Concentrando quase todos
ainda estavam presentes e os colonos ainda não se- os seus esforços no norte do reino e ignorando o
guiam as visões místicas de Roramar Pruss. Por isso, sul, a nobreza garantiu que Tyrondir não fosse capaz
de se sustentar sozinho, dependendo do auxílio de
os lamnorianos ainda não sabiam que seu propósito
Deheon. As poucas comunidades estabelecidas perto da
no norte era a redenção. Seguindo as mesmas pes-
Cordilheira de Kanter se formaram espontaneamente,
soas que os haviam liderado desde sempre, lutaram
a partir dos esforços de plebeus, ou foram erguidas
contra os nativos que encontraram — e, com a for-
como afronta a Khalifor. Por algum tempo, pareceu que
ça dos números, venceram. Na verdade, varreram
haveria conflito aberto entre o reino e a cidade-forta-
quase completamente os habitantes do que viria a
leza, mas a intervenção da então sumo-sacerdotisa de
se tornar Tyrondir.
Marah impediu o derramamento de sangue. O grande
Um dos principais arquitetos dessa sanguino- orgulho nacional foi ter evitado a guerra e reconhecido
lência foi o Rei Wynallan I, do antigo reino de a soberania de Khalifor — ou seja, continuar sem fazer
Cobar. Em seu entendimento, os colonos já haviam nada quando “não fazer nada” era a escolha certa.
conquistado seu novo lar. Bastaria fixar raízes ali, Os jovens saíam do reino assim que podiam, a
fortalecer-se através dos anos e mais tarde atacar não ser que fossem vidreiros residentes na capital,
Khalifor, para então invadir Lamnor mais uma vez. Cosamhir. A única indústria de destaque em Tyrondir,
Essa mentalidade indolente e agressiva, pouco afeita a vidraria representava uma das poucas chances de
à exploração, viria a perdurar na linhagem real até ascensão. Permanecer no reino passou a ser consi-
ela ser interrompida séculos depois. Mas os exilados, derado “desperdiçar a vida”.
até mesmo a maioria dos nobres, notava que isso
Isso perdurou até o último rei de Tyrondir: Balek
parecia errado. Começava a surgir a ideia de que eles
III, que muitos cidadãos chamavam de “Balek, o
estavam em Arton por uma razão maior.
Bolor” ou apenas “Velho Bolor”. Acomodado em
Wynallan I não ficou satisfeito, nem se sentiu sua vida de luxo na capital, Balek mantinha a pompa
inspirado, quando o jovem Roramar teve sua visão e o rancor de seus antepassados. Via-se como um
da estátua de Valkaria e a caravana o seguiu. Mas, dos últimos remanescentes da “verdadeira nobreza”
esperto, manteve seu ressentimento em segredo. vinda de Lamnor. Considerava Khalifor e todos os
Seus descendentes cultivaram a mesma mentalidade. habitantes do continente sul como inimigos. Assim,
Quando enfim a peregrinação terminou e os reinos não deu ouvidos aos relatos sobre um enorme exér-
do norte começaram a se formar, a família (agora cito goblinoide se erguendo em Lamnor. Quando
trazendo o nome do patriarca como sobrenome) Khalifor pediu ajuda formalmente, Balek recusou com
requisitou a Wortar I o direito às primeiras terras justificativas educadas, mas transparentes. A nobreza
que os colonos haviam atravessado. No discurso, e o exército do reino seguiram o exemplo do rei. A
os Wynallan afirmavam querer proteger as novas existência da Aliança Negra era motivo de piadas
nações contra a sanha de seus antigos inimigos. Na na corte e canções jocosas nas tavernas.
realidade, sabiam que aquela região já era mapeada Quando Khalifor caiu, Balek III finalmente levou
e estava desabitada, todos os grandes desafios já a ameaça a sério. Mas, em vez de fazer jus à fama
tinham sido vencidos. Continuando a exercer o de “protetor do norte” que o reino sempre tivera,
menor esforço possível, esses nobres fundaram sua sua solução foi implorar pela ajuda do Exército do
capital bem perto de Deheon (negando qualquer Reinado, retirar quaisquer tropas da parte sul de
fingimento de que se ofereciam para vigiar o sul) e Tyrondir, concentrar seu poder em Cosamhir e nas
batizaram seu novo reino de Tyrondir. cidades mais perto de Deheon e aumentar os impostos.
Embora ninguém tenha certeza sobre a origem O povo da metade sul de Tyrondir se viu cada vez mais
do nome, corre a anedota de que o primeiro rei do ignorado, deixado à própria sorte. E, enquanto a coroa
novo país teria declarado que sua terra se chamaria os desprezava, Thwor Ironfist os visitava.
Cobar, assim como o reino que eles haviam governado. Ao longo de 10 anos, a Aliança Negra mostrou aos
Quando Wortar I proibiu isso, o nobre teria feito birra plebeus humanos que tinham mais em comum com
como uma criança, gritando que então o reino seria goblinoides do que com nobres de sua própria raça.
batizado com o nome da cozinheira do castelo. E teria A dissidência se espalhou e, sem que a capital des-
ficado perplexo quando Wortar aceitou… confiasse, os dias do Velho Bolor estavam contados.

Além do Reinado
313
Destruição O Lodo Negro
Em Lamnor, a Flecha de Fogo havia sido revelada: Um fenômeno que marcou a época logo antes da
a arma que seria capaz de matar Thwor Ironfist era queda da Flecha foi o lodo negro: em vários pontos de
um cometa que cairia sobre o continente. Na tentativa Tyrondir, uma chama negra ardia, então um líquido
de salvar seu povo, o general bugbear entrou em viscoso brotava do chão. Todos que tocavam no
Tyrondir e pediu asilo a Balek III. No entanto, o rei líquido morriam, seus corpos se ressecando e se
rejeitou o pedido e a Aliança Negra invadiu. Enquanto esfacelando em questão de minutos. Mais tarde,
a Flecha de Fogo se aproximava no céu, os goblinoides descobriu-se que o lodo negro era a essência de
conquistaram Tyrondir, empurrando as forças do reino Ragnar, o antigo Deus da Morte, impregnando o
cada vez mais para o norte. mundo físico. Quando Ragnar morreu, o lodo negro
Era uma época de múltiplas crises no Reina- se tornou muito mais comum, espalhando-se em
do — a Rainha-Imperatriz estava desaparecida e a grandes extensões e emergindo do solo. Segundo
Guerra Artoniana rugia em Deheon. Assim, o poderio alguns, agora é o próprio sangue do deus.
goblinoide forçou Tyrondir e vários outros reinos a O lodo negro pode brotar em qualquer lugar. Em
tentar um acordo. As lideranças da Aliança Negra algumas partes das Ruínas, há pântanos feitos da subs-
foram recebidas no Palácio Real em Cosamhir, mas tância. Viajantes sem meios mágicos precisam pagar
um mal-entendido transformou as tratativas de paz barqueiros para atravessar, confiando que não sejam
em uma batalha generalizada. cultistas de Ragnar dispostos a sacrificá-los a seu deus
Enquanto o caos acontecia na terra, a Flecha morto. Às vezes o lodo negro emerge do chão sem
de Fogo se despedaçou no céu. Em vez de atingir aviso, escorre pelas fendas em uma encosta ou surge
Lamnor, seus enormes fragmentos incandescentes no fundo de um rio, lago ou poço. Existem aldeias
choveram sobre Tyrondir, devastando o reino — quei- que cultuam fontes de lodo negro que apareceram
mando florestas, destruindo montanhas e matando na praça central e mais de um aventureiro já morreu
a maioria da população. Um dos maiores atingiu sozinho no fundo de uma masmorra quando o lodo
Cosamhir, reduzindo a cidade a escombros. Quando negro começou a pingar do teto. Para exploradores na
a saraivada de rocha e fogo cessou, uma enorme Terra Depois do Fim, a morte pode vir subitamente,
nuvem de poeira pairou sobre o reino, espalhando na forma da última dádiva do deus morto.
mais miséria com o frio e a fome. Aos poucos, o céu
se tornou visível de novo, revelando uma paisagem Cratera de Thwor
de desespero. Nos escombros da antiga capital Cosamhir fica o
A queda da Flecha de Fogo marcou a morte do ponto exato onde um fragmento da Flecha de Fogo
último rei de Tyrondir — mas quase ninguém lembra atingiu Thwor e a forma física de Ragnar, que se en-
disso, pois gerou eventos muito mais importantes. frentavam numa luta aguerrida. O bólido desintegrou
Com a Flecha, Tyrondir acabou. Agora o que existe é ambos, abrindo uma enorme cratera e despedaçando
a Terra Depois do Fim. o Palácio Real. Mas houve outro efeito. Assim que
conseguiram se recuperar, os sobreviventes enten-
deram que ali ocorrera algo transcendental: Thwor
Geografia atraíra Ragnar para uma armadilha e o destruíra.

da Devastação Um mortal havia triunfado sobre o Deus da Morte.


Naquele momento, humanos e goblinoides se uniram
Ninguém ainda foi capaz de explorar as Ruínas de em comemoração e louvor por talvez a maior façanha
Tyrondir por completo. Toda a extensão do antigo reino que um artoniano já conseguiu realizar.
é um ermo pedregoso e traiçoeiro, onde pequenas co- A Cratera de Thwor se tornou o maior sítio
munidades insulares fazem de tudo para sobreviver — sagrado do culto ao Deus dos Goblinoides. A reli-
muitas vezes catando detritos, cultuando falsos deuses gião ainda não está organizada e não há um templo
e servindo a bandidos que se denominam senhores da central — talvez não haja templo algum! Assim, a
guerra. Deslizamentos, erupções de lava e terremotos Cratera funciona como local de adoração e ponto de
súbitos são apenas alguns dos perigos que aguardam encontro para os devotos. Muitos clérigos de Thwor
aventureiros ousados o bastante para enfrentar este podem ser vistos pregando nas imediações, recitando
lugar. E, em meio a isso, vagam ocasionais exércitos dogmas contraditórios e às vezes lutando entre si. Os
duyshidakk que tentam alcançar o Reinado e realizar fiéis fazem oferendas na forma de tesouros, armas,
o sonho de seu líder ascendido. iguarias ou até mesmo prisioneiros sacrificados.

Capítulo Dois
314
O fundo da Cratera está tomado por objetos, Isso não mudou depois da Flecha de Fogo. Molok
cadáveres e escombros, mas existem boatos de que, por foi pouco atingida, embora as florestas e planícies ao re-
baixo dessas camadas de detritos, há algo maravilhoso: dor tenham queimado. Um córrego letal de lodo negro
os restos mortais de Ragnar, o machado de Thwor, o flui perto da cidade, mas a população de aventureiros
último pedaço da Flecha de Fogo ou até mesmo uma sobreviveu. E, como quase todos os aventureiros de
passagem para o até agora desconhecido Reino de Arton, não deixou para trás a vida de perigos. Explo-
Thwor. Alguns arriscam descer para comprovar, mas radores da Terra Depois do Fim podem encontrar um
a descida é tão traiçoeira quanto uma escalada nas local de repouso e uma fonte de suprimentos aqui,
montanhas mais escarpadas e, por alguma razão, a mas não como nos tempos antigos. Os comerciantes
magia não funciona bem aqui. Muitos afirmam que de Molok vendem restos, equipamento saqueado de
moribundos deixados dentro da Cratera são curados mortos, lixo e bugigangas a preços exorbitantes. Um
ou mesmo que este lugar pode ressuscitar os mortos! quarto na taverna é mais do que um aventureiro médio
Mas também há avisos de que o lodo negro impregna as pode pagar e uma tigela de cozido de rato custa o
paredes da Cratera — afinal, os escombros de Cosamhir mesmo que uma armadura!
são uma das maiores concentrações da substância.
Muitos sobreviventes vêm a Molok em busca de
heróis para defendê-los de saqueadores. Um dos maio-
Molok res responsáveis por recrutar aventureiros é o guerreiro
Outrora uma aldeia desimportante, Molok se Enrico Del Marco. Último sobrevivente de um ataque
tornou a última “cidade da fronteira”, depois da queda goblinoide antes da queda da Flecha, ele está sempre
de Khalifor, um entreposto fortificado de onde partiam em busca de combatentes que o acompanhem em uma
aventureiros. Paliçadas foram erguidas, inúmeras lojas jornada de vingança… ou morte. Além disso, muitos
de equipamentos foram abertas, mercenários e explo- aventureiros trazem itens recuperados em escombros
radores vieram de todo o continente. Talvez Molok ou tomados de inimigos para serem vendidos pelos
não fosse a muralha do norte como sua antecessora, comerciantes. É o mais próximo de uma metrópole
mas foi o ponto de partida de centenas de aventuras. que restou depois da queda da Flecha.

Além do Reinado
315
Molok não tem um governo, apenas um conselho conseguem discordar de ninguém, desobedecer a
extraoficial dos mais ricos (ou menos pobres) comer- nenhuma ordem. E há muitos vilões aproveitadores
ciantes e taverneiros, além de aventureiros residentes. nas Ruínas de Tyrondir…
Também não há guarda, mas existe uma lei seguida
à risca: nenhum goblinoide cruza os portões. Não
importa que faça parte de um grupo de aventureiros ou
Sternachten
Antes da queda da Flecha de Fogo, Thyatis era
diga que é bem-intencionado, qualquer membro dessas
um deus muito cultuado em Tyrondir. Ninguém sabe
raças é considerado um monstro que deve ser caçado.
a causa disso, mas essa predileção levou à formação
de uma ordem de clérigos do Deus da Ressurreição
Grimmere e da Profecia — os astrólogos. Contudo, a ciência da
Esta cidade começou como um forte, mas sua fun- astrologia só foi solidificada por Lorde Niebling, o
ção militar acabou quando aqui veio a morrer Gillian Único Gnomo de Arton, um visitante de outro mundo,
Cloudheart, então sumo-sacerdotisa de Marah, a Deu- cheio de ideias inusitadas e tecnologia esquisita.
sa da Paz. Depois que a clériga foi enterrada, uma aura Niebling projetou e construiu as máquinas sagradas
de paz absoluta tomou este lugar. Desde então, ne- que dariam a Sternachten seu epíteto: os telescópios.
nhum ato, nenhum gesto, nenhum pensamento agres- Com cinco grandes sumos-telescópios, cada um sobre
sivo ocorre em Grimmere. Aqui todos são tranquilos, uma das colinas que a formava, Sternachten passou a
conformados, prestativos. Aqui ninguém discorda de ser conhecida como “a Cidade dos Observatórios”.
nada. Aqui todos são felizes. Infelizmente, toda essa riqueza foi destruída antes
Como em Grimmere impera a paz absoluta, a mesmo da queda da Flecha de Fogo, quando vilões
população é totalmente passiva. Não dizem “não”, queimaram a cidade, danificaram os telescópios e
com medo de ferir os sentimentos alheios. Permitem mataram a população. Contudo, Sternachten foi pou-
tudo, aceitam tudo, perdoam tudo. Não possuem pada da própria Flecha — nenhum grande fragmento
agressividade suficiente para contrariar nenhuma caiu nas imediações e os telescópios ainda podem
ordem — o que geralmente não é um problema, pois ser consertados.
nenhuma ordem agressiva pode ser dada. Mas isso O próprio Lorde Niebling parece ter tomado para
causou uma tragédia horrenda quando a forma física de si essa tarefa, pois vem residindo aqui (quando con-
Ragnar entrou na cidade e pediu para que os cidadãos segue ficar parado) nos últimos anos. Sternachten se
fizessem um ritual em seu nome. Incapazes de dizer tornou um ponto de peregrinação de cientistas e clé-
não, eles concordaram. Assim invocaram sobre si rigos de Thyatis, a suprema provação do deus para
mesmos o lodo negro. quem deseja ver o futuro.
Entre os poucos sobreviventes do massacre está Reerguer e praticar essa ciência é caríssimo.
Demilke, uma clériga de Marah já idosa. Demilke Assim, os sacerdotes estão procurando patrocínio de
consegue notar o que há de errado na paz de Grimmere, nobres ou heróis. Também contratam aventureiros
mas não tem agressividade suficiente para questionar. para escoltá-los ou conseguir materiais raros para as
Também o fabricante de golens Austerion Victtus, delicadas peças dos sumos-telescópios. Curiosamente,
responsável pela criação de Ignis Crae, um golem mesmo nessa fase de reconstrução os astrólogos já
paladino de Thyatis. Alguns sussurram que Austerion começam a se dividir em facções que competem entre
seria o único capaz de agressividade em Grimmere, si, como foi no passado. Cada colina de Sternachten
já que a fabricação de Ignis tem algo a ver com a possui um observatório cujos clérigos tentam ser mais
punição de Marah pela atrocidade que ela permitiu rápidos e melhores ao restaurá-lo: o Observatório da
que acontecesse. Visão do Fogo, o Observatório da Pena em Chamas,
Alguns dizem que Marah é mesmo culpada pelo o Observatório da Ave Profeta, o Observatório da
que houve aqui. Outros especulam que exista uma Segunda Flama e o Observatório da Fênix Renascida
explicação maior por trás de tudo — talvez a Deusa (antes chamado de “Observatório da Flecha de Fogo”).
da Paz tenha sido enganada pelo Deus da Morte? E Tanta dedicação à ciência não ficaria impune nas
existem hereges que afirmam que a tragédia foi culpa Ruínas de Tyrondir — Sternachten é alvo constante
do próprio Thyatis, que escreveu a profecia da Flecha de saqueadores. Suas únicas defesas são grupos de
de Fogo de forma a exigir o massacre. Seja como for, aventureiros e ocasionais duyshidakk aliados de Nie-
Grimmere resistiu à queda da Flecha e já está recebendo bling. Vários devotos de Tanna-Toh têm vindo para cá,
um influxo de sobreviventes que finalmente encontram na crença de que defender uma ciência única, mesmo
aqui um santuário. Mas, uma vez em Grimmere, não dedicada a outro deus, é uma missão valorosa.

Capítulo Dois
316
Catacumbas de
Leverick
H
yninn é mais conhecido como o Deus dos abrigavam monstros. Mas, com a importância cósmica
Ladrões. Mas, assim como os demais agora elevada de trapaças, furtividade e armadilhas,
deuses maiores, tem outras alcunhas, surgiram espaços que se comportavam de maneira
outras facetas. O Deus da Trapaça. O diferente do mundo normal. Lugares que pareciam ser
Deus dos Hynne. O Deus das Travessuras. O feitos para desafiar aventureiros, onde as leis naturais
Deus das Armadilhas. Como a divindade mais não funcionavam da mesma forma.
astuta e matreira do Panteão, Hyninn conseguiu A ascensão de Hyninn marcou o surgimento do
seu posto quando a oportunidade se apresentou espaço de masmorra.
e outro deus maior caiu.
Quando Hyninn assumiu seu lugar entre as Lendas & Labirintos
vinte divindades maiores após a Revolta dos Três, O espaço de masmorra é um fenômeno que aconte-
algo mudou fundamentalmente em Arton. Sempre ce espontaneamente em complexos ligados por túneis,
houvera labirintos, ruínas, complexos de cavernas em geral escuros e contendo perigos. A mudança mais
e fortalezas abandonadas que escondiam tesouros e óbvia é que a estrutura passa a atrair monstros que,

Além do Reinado
317
sem nenhuma razão aparente, decidem fazer dela O penúltimo sumo-sacerdote do Deus dos Ladrões
seu covil. Mesmo que não haja comida abundante, era um humano chamado Severus, líder de uma guil-
as criaturas permanecem lá, sobrevivendo de uma da de ladrões na cidade de Triunphus. Triunphus é
dieta de exploradores incautos. Mais do que isso, os acometida pela bênção/maldição de Thyatis: aqueles
monstros em um espaço de masmorra convivem de que morrem em seu interior são ressuscitados, mas
forma estranhamente harmoniosa. Uma aranha gigante nunca mais podem deixar suas muralhas. Era o caso de
pode passar anos ignorando um ganchador na sala ao Severus. Ele reinava entre os malandros de Triunphus,
lado, mas atacar aventureiros num piscar de olhos. mas não podia sair de lá.
Olhos, aliás, que também se comportam de ma- Um sumo-sacerdote do Deus dos Ladrões preso?
neira diferente. Nenhum intruso é capaz de enxergar Isso nunca poderia durar. Quem pôs fim à supremacia
no escuro ou usar outros métodos de percepção às de Severus foi um hynne.
cegas num espaço de masmorra. Até mesmo heróis Filho de mãe artesã e pai com pretensões de in-
poderosos precisam se preocupar com tochas, lampiões ventor, Rodleck Leverick nasceu e cresceu no antigo
e outras fontes de luz. Magias também são afetadas — é reino de Hongari. Ao contrário da maioria dos hynne,
impossível usar feitiços de vidência ou teletransporte era magro e esguio, com longos cabelos castanhos,
para se esquivar da masmorra. Não se pode espiar na nariz adunco e sobrancelhas arqueadas.
próxima sala, não se pode entrar ou sair sem realmente
percorrer as distâncias. Sons retumbam mais, atraindo Rodleck era atraído por enigmas e jogos. A curiosi-
a atenção de criaturas. Aventureiros relatam outras dade se transformou em ofício e ele começou a elaborar
dificuldades, como maior cansaço, necessidade de seus próprios quebra-cabeças, um mais complexo
mais equipamentos e até mesmo mais fome e sede. que o outro. Levava-os à taverna local e desafiava os
frequentadores a solucioná-los, o que nunca acontecia.
Por fim, as armadilhas. Todo espaço de masmorra Rodleck divertia-se com a sensação de superioridade.
tem armadilhas — desde áreas do piso que desmoro- Era o hynne mais esperto da colina.
nam sob os pés de exploradores (mas não de monstros)
até mecanismos complicados que resistem à passagem Mas e se pudesse ser mais? E se fosse o hynne
do tempo e se reativam após serem desarmados. Para mais esperto do reino? O mais esperto do Reinado?
compensar tudo isso, o espaço de masmorra esconde Ou, ainda, mais esperto que os humanos, anões,
tesouros. Mesmo quando não há sentido lógico, minotauros e outros?
exploradores relatam encontrar grandes quantidades Com essa meta, Rodleck juntou suas coisas e foi
de ouro e até mesmo itens mágicos. se estabelecer na cidade humana de Vollendann, onde
Em outras palavras, o espaço de masmorra é retomou seus desafios, com igual sucesso. Mesmo ali,
um lugar regido pelos pontos fortes de Hyninn, um entre os humanos, ninguém podia solucionar seus
tipo de desafio que pode ser vencido por esperteza e enigmas. Ou quase ninguém.
furtividade. Oferece recompensas voltadas ao lucro, à Certo dia, Rodleck notou um homem que obser-
ganância. Uma área onde quem brilha são os ladrões. vava o espetáculo com olhar cínico. Suspeitando que
Enquanto Valkaria é a divindade que incentiva pudesse ser um espertinho a provocá-lo, apresentou-lhe
o desbravamento de masmorras, Hyninn incentiva um quebra-cabeça, esperando ver seu fracasso. Para sua
sua construção, aperfeiçoamento e preservação. E, surpresa, o humano cumpriu a tarefa rapidamente e
enquanto Valkaria deseja que seus devotos sejam sem esforço, saindo ainda com um sorriso matreiro. Ini-
heróis, Hyninn dita que sejam astutos e pragmáticos ciou-se assim a batalha dos quebra-cabeças, que durou
— entrando nos labirintos, evitando monstros sempre semanas. Rodleck trazia novos enigmas, aperfeiçoava
que puderem, detectando armadilhas e saindo com o suas obras — mas o estranho vencia com facilidade.
máximo de tesouro antes que seja tarde demais. O hynne descobriu, então, que seu adversário era
Hilben Calatori, clérigo de Hyninn. Fascinado, pediu
Ladrão que para ser conduzido nos caminhos do sacerdócio e
iniciou seu treinamento. Tempos depois, já ordenado
Rouba Ladrão clérigo, vingou-se de seu mentor. Presenteou-lhe com
O fenômeno do espaço de masmorra é pouquís- um quebra-cabeça em forma de cubo, cada face dividida
simo estudado e em grande parte desconhecido — no em seções com símbolos diferentes. As seções deveriam
máximo um punhado de aventureiros sequer já ouviu ser giradas e manipuladas para que cada face ficasse
o termo. Assim, não é de se estranhar que os sumos- unificada com seus próprios símbolos. Quando Hilben
-sacerdotes de Hyninn tenham sempre ignorado essa enfim venceu o desafio, o cubo eclodiu em lâminas. O
faceta de sua divindade. clérigo perdeu todos os dedos e Rodleck riu por último.

Capítulo Dois
318
A fama do engenhoso hynne logo chegou a Lorde Quando ele se recuperou do choque, o bobo não
Filthen, um nobre entediado, que sonhava construir estava mais lá. Rodleck Leverick sentiu a bênção de
a masmorra mais mortal de Arton. Rodleck foi secre- Hyninn sobre ele como nunca antes. Era o sumo-sa-
tamente convidado a projetar um enorme complexo, cerdote do Deus das Armadilhas.
repleto de armadilhas em suas câmaras e corredores.
E as Catacumbas de Leverick tinham se expandido.
Dois anos depois, ao concluir sua obra, Rodleck enganou
e matou seu empregador. Tomou o controle do labirinto,
que batizou de Catacumbas de Leverick, e passou a A Masmorra da Morte
atrair aventureiros para a masmorra, divertindo-se com Mesmo antes que Rodleck ascendesse a sumo-sa-
suas mortes e tomando seus tesouros. cerdote de Hyninn, as Catacumbas eram um desafio
Mas as Catacumbas ainda eram apenas uma mortal, um emaranhado de passagens capaz de deixar
masmorra. Rodleck ainda era apenas um clérigo. tonto o mais experiente explorador. Seus corredores
escondiam minúsculos buracos que expeliam gases
Ele desejava mais. Rumou disfarçado a Triunphus,
venenosos, disparavam setas ou jorravam ácido. Suas
onde plantou o boato de que possuía um item capaz
salas giravam sutilmente, rearranjando-se para frustrar
de vencer a bênção/maldição — o Anel da Liberta-
tentativas de mapeamento. Compartimentos secretos
ção. Mas só iria negociá-lo com o líder da guilda de
abrigavam monstros que eram libertados quando
ladrões. Um tal Severus.
paredes se abriam subitamente.
O plano deu resultado. Rodleck foi levado à
No centro de tudo havia uma sala com várias bolas
presença do sumo-sacerdote de Hyninn. Os dois
de cristal, por onde era possível observar vários pontos
firmaram um acordo: em troca do anel, Severus tomaria
da estrutura. Uma miríade de alavancas, manivelas e
o hynne como discípulo e segundo em comando. O
botões acionava armadilhas, trancava portas e contro-
sumo-sacerdote não era um tolo. Para garantir que
lava o desafio. Era a sala do Mestre da Masmorra.
Rodleck falava a verdade, iria testar o anel em sua
presença. Severus colocou o anel no dedo (depois Mas nada podia se comparar ao que o complexo
de ter garantido que não era amaldiçoado) e os dois se tornou depois da ascensão de Rodleck.
marcharam rumo à saída de Triunphus, escoltados Hyninn transportou as Catacumbas de Leverick
por dezenas de capangas da guilda de ladrões. Caso para seu próprio Reino, mas manteve a masmorra
Severus sentisse qualquer desconforto ao pisar fora em contato com o mundo físico, além de multiplicar
da cidade, o hynne seria sumariamente executado. suas passagens e cômodos. Sendo uma estrutura
Ao sair da cidade, Severus foi tomado por dores parcialmente planar, qualquer caverna, calabouço ou
horríveis. Olhando para os lados, viu seu exército de passagem secreta em Arton pode levar a um corredor
capangas puxando bestas e adagas. que se liga às Catacumbas de Leverick, fazendo com
E atacando seu antigo mestre. que aventureiros ou vítimas infelizes se percam em
seus meandros infindáveis. Mais do que isso, Rodleck
Rodleck Leverick, incrivelmente rico após tomar
adquiriu uma poderosa ligação com sua obra-prima.
as riquezas de Lorde Filthen e passar anos saqueando
Embora ainda habite a sala do Mestre da Masmorra,
os tesouros de aventureiros em sua masmorra, havia
é capaz de sentir o que existe em cada um de seus
subornado a guilda de ladrões, que agora era sua. A
corredores e pode até mesmo rearranjar as estruturas
traição marcou a morte de Severus e a trapaça supre-
físicas do labirinto periodicamente.
ma de Rodleck até então. A maior ironia (e maior
crueldade) era que o Anel da Libertação realmente era Contudo, permanecendo verdadeira aos preceitos
um item mágico poderosíssimo, capaz de trazer seu de Hyninn, a masmorra não é aleatória, etérea ou sem
usuário de volta à vida infinitamente. Assim, Rodleck sentido. Todas as estruturas existem fisicamente e
tirou Severus de Triunphus e prendeu-o em suas seguem sua própria lógica interna. Armadilhas podem
Catacumbas, onde ele está condenado a eternamente ser desarmadas, sombras servem para se esconder,
morrer e ressuscitar. Pois Severus é uma das principais portas podem ser destrancadas ou usadas para escutar
cobaias para as novas armadilhas do hynne… o que há na sala do outro lado. É possível (ainda que
muito difícil) mapear partes das Catacumbas. Fazendo
Quando voltou a suas Catacumbas, Rodleck en-
controu um homem sentado em seu trono. Um tipo silêncio, é possível evitar seus habitantes monstruosos.
magro e sorridente, vestido de bobo da corte. O bu- Com cuidado, habilidade e sorte, alguns grupos podem
fão estendeu-lhe a mão em cumprimento e o hynne a sair incólumes, intactos e ricos.
apertou. Foi fustigado por um terrível choque elétri- Isso porque as Catacumbas de Leverick fazem
co, mas a travessura valeu a pena. parte do espaço de masmorra — na verdade, pro-

Além do Reinado
319
Regras do Espaço vavelmente são o maior e mais puro exemplo desse
de Masmorra tipo de estrutura em Arton. É suicídio pensar que o
labirinto é puramente uma área extradimensional e
As Catacumbas de Leverick são quase tentar vencê-lo com magia ou conhecimento divino. A
totalmente escuras. Luz mundana e mágica masmorra existe aqui e agora, no mundo físico, ainda
funcionam aqui, mas visão na penumbra que toque o Reino de Hyninn.
e visão no escuro, não. Os exploradores Existem entradas para as Catacumbas de Leverick
precisam de tochas, lampiões ou luz mágica. por todo o continente e além. Doherimm e outros
Uma tocha ilumina um raio de 9m, custa espaços subterrâneos são especialmente repletos
T$ 0,1 e ocupa 1 espaço. O preço baixo de entradas. Essas entradas podem ser mapeadas e,
significa que o grupo provavelmente não uma vez descobertas, permanecem válidas. Faz parte
terá dificuldades em comprar muitas do jogo: aventureiros devem primeiro localizar uma
entrada para então desbravar a masmorra. A esperteza é
delas — mas o espaço deve ser calculado!
recompensada, então vários grupos entram rapidamen-
Além disso, o grupo deve declarar quem
te e fogem assim que possível, lucrando com a venda
está segurando a tocha e o personagem que
de mapas parciais para outros aventureiros. Boatos
estiver fazendo isso terá uma mão ocupada.
sobre entradas para as Catacumbas de Leverick são
Um lampião ilumina um raio de 15m, mas sussurrados em tavernas e informações confirmadas
custa T$ 7, ocupa 1 espaço e precisa de podem valer mais que um item mágico.
cargas de óleo. Cada carga custa T$ 0,1 e
As entradas podem existir em qualquer local
ocupa 0,5 espaço. Assim, além de declarar
— em passagens secundárias de outras masmorras,
quem está segurando o lampião (com uma
em cavernas subterrâneas, em ruínas perdidas nos
mão ocupada), os personagens devem
ermos e até mesmo em estruturas habitadas. A
calcular os espaços das cargas de óleo que única constante é que não são portais mágicos óbvios
decidirem levar. Tanto uma tocha quanto ou vórtices divinos, mas estruturas físicas — e aí
uma carga de óleo duram uma cena. muitas vezes está o primeiro truque da masmorra.
Enquanto o grupo estiver na masmorra, De um ponto de vista puramente mundano, pode
você pode substituir o controle de tempo parecer ilógico que a saída de emergência sob a
baseado em cenas por um mais direto, cama de um duque leve a um túnel que se liga às
baseado na quantidade de salas e corredores Catacumbas de Leverick. Mas o espaço de masmorra
explorados. Considere que a cada 3 salas modifica aquilo a seu redor. Assim, sempre há uma
ou 6 corredores (ou qualquer combinação explicação, por mais improvável que seja: a família
equivalente, como 1 sala e 4 corredores, ou do duque por coincidência construiu o castelo sobre
2 salas e 2 corredores) uma cena se passa. uma antiga estrutura abandonada e decidiu manter
aquele túnel específico, que desabou parcialmente
Preste atenção ao raio de iluminação das
com um terremoto e abriu uma passagem para uma
fontes de luz. Não descreva nada além do
caverna de trolls, que…
que os personagens podem ver.
Alguns grupos de aventureiros dedicam suas
Magias como Teletransporte ou outras carreiras unicamente à exploração das Catacumbas
usadas para burlar o labirinto não de Leverick. Eles conhecem as entradas mais “fáceis”
funcionam, nem é possível entrar ou e as áreas que apresentam certos tipos de desafios,
sair da masmorra usando-as. Magias de podendo se preparar de acordo.
adivinhação funcionam, mas não para
evitar o efeito de escuridão ou para Como todo espaço de masmorra, as Catacumbas
atraíram populações de monstros, com suas próprias
enxergar o que há do outro lado de uma
sociedades e facções. A masmorra recompensa astúcia
porta ou parede. Por exemplo, Lendas
acima de força bruta. Assim, é possível fazer alianças
e Histórias pode ser usada para obter
com certa raça monstruosa contra outra, ou então
informações sobre um elemento da
semear inimizade entre diferentes criaturas. Curiosa-
masmorra, mas Vidência não pode ser usada
mente, também existem habitantes civilizados e não
para investigar a sala seguinte.
(totalmente) hostis nas Catacumbas: comunidades
engolidas pelo complexo, que vivem de caçar monstros
(Continua…) ou apenas tentam se esconder deles. Algumas ajudam
ou protegem aventureiros, outras são armadilhas por

Capítulo Dois
320
si só. Também existem indivíduos que fabricam e Regras do Espaço
vendem equipamentos e poções para exploradores. Os de Masmorra (cont.)
acordos que esses mercadores têm com as criaturas
da masmorra (ou com o próprio Rodleck) são alguns Mesmo que o grupo não tenha o hábito
dos maiores segredos das Catacumbas. E eles podem de fazer isso, nas Catacumbas de Leverick
ou não ser devotos de Hyninn… todos devem calcular exatamente quantos
espaços de itens estão carregando
Rastejantes e sua capacidade de carga. Todos os
equipamentos que os personagens
em Calabouços desejem ter consigo devem ser pagos,
Muitos acabam nas Catacumbas de Leverick por estar anotados na ficha e seus espaços
acidente ou são presos aqui por Rodleck como uma devem ser contabilizados. Especificamente
“travessura”. O sumo-sacerdote devota-se à missão durante a exploração, não vale dizer “Meu
obsessiva e letal de atrair mais e mais vítimas para o personagem é um caçador, eu não anotei
labirinto. Tornou-se um dos maiores vilões de Arton, na ficha, mas ele provavelmente teria uma
com uma legião de clérigos, ladinos, inventores e corda”. Isso inclui comida: contabilize as
outros devotos sob seu comando em todos os reinos. rações consumidas pelo grupo. Se elas
Sua fortuna atual é imensurável, comparável ao acabarem, eles estarão passando fome.
tesouro dos maiores dragões — de fato, vários deles
Além disso, quando o grupo estiver nas
habitam as Catacumbas.
Catacumbas de Leverick, use tabelas de
Quando não está expandindo ainda mais as câmaras monstros errantes. Contudo, lembre-se
de seu labirinto, Leverick viaja pelo Reinado e além, que o objetivo não é matar as criaturas,
sempre se valendo de disfarces engenhosos para “ad- mas sobreviver aos encontros. Assim,
quirir” tesouros fantásticos. Não raras vezes, também quanto mais silêncio o grupo fizer, menor
será ele próprio a “contratar” heróis para alguma missão probabilidade de encontros haverá. Da
que, certamente, envolve explorar uma masmorra… mesma forma, os monstros não vão atacar
Mas existem muitos motivos para explorar a imediatamente — de acordo com a postura
masmorra por vontade própria. do grupo, podem fugir, tentar fazer aliança
ou atacar apenas quando estiverem em
Em primeiro lugar, o lucro: poucos ambientes
vantagem ou se houver algo a ser ganho.
de aventura em Arton escondem mais tesouros.
Aqui pode-se encontrar manoplas aprimoradas e em
perfeito estado no ninho imundo de uma cocatriz, ou
um manto mágico sendo usado como cobertor por ver (e interagir com) o Nada e o Vazio, ou passagens
um ogro. Aventureiros menos afortunados morrem para outras épocas no passado… e no futuro.
deixando bolsas cheias de ouro e necromantes Por fim, as Catacumbas de Leverick são uma
escolhem guardar seus tesouros em baús numa das provação como nenhuma outra. Aventureiros são
salas protegidas por armadilhas. Dizem que Hyninn constantemente testados, privados de soluções fáceis
favorece aqueles que adentram as Catacumbas de e recompensados por sua esperteza. Aprende-se mais
Leverick por razões gananciosas, desdenhado dos em um dia nas Catacumbas do que em um mês viajan-
pretensos heróis altruístas.
do pelos ermos. Já houve casos de grupos iniciantes
Além disso, a masmorra é um meio de atravessar que adentraram a masmorra quase indefesos, apenas
grandes distâncias sem realmente precisar percorrê-las. para emergir poucas semanas depois como heróis
É uma jornada difícil — um grupo deve achar um jeito épicos repletos de itens mágicos. Esse é o poder do
de mapear parte do complexo em relação ao local de espaço de masmorra, disponível para quem tiver
destino. Mas as Catacumbas de Leverick levam aos coragem de desbravá-lo.
reinos dos deuses e a lugares ainda mais estranhos. Sem
acesso a portais ou poderosas magias planares, pode E, no centro do imenso labirinto, há o Mestre da
ser a única opção. Através das Catacumbas, ladrões Masmorra, o próprio Rodleck Leverick. Aqui ele é
fracotes mas espertos chegam aos mesmos lugares poderoso — mas, seguindo os preceitos de Hyninn,
que arquimagos. Alguns boatos afirmam que existe não onipotente. Para devotos do Deus dos Ladrões,
até mesmo uma saída para a Anticriação, o universo talvez o maior desafio seja enganar o enganador, fazer
da Tormenta. Outros, ainda mais ousados, sugerem uma armadilha para o armadilheiro, roubar o título de
que um dos salões abriga uma janela de onde se pode sumo-sacerdote de quem já o roubou de um ladrão.

Além do Reinado
321
CAPÍTULO 3
A
rton é um mundo, mas a palavra também deixar sua ilha durante o primeiro ataque da Tormenta,
serve para designar o continente norte, salvos por seu imperador, a mudança foi um evento
lar de algumas das mais importantes tão traumático quanto a própria tempestade. Quando
nações de que se tem notícia. Contudo, houve chance de reconstruir o Império de Jade, quase
além do continente existem terras intocadas pela todos imediatamente desejaram voltar.
influência dos reinos do norte. Impérios inteiros, Isso significa que cada família, mesmo as mais
com histórias milenares e culturas totalmente humildes, conhece suas origens. Geração após geração
distintas. Enquanto quem estuda o Reinado e cresce com as histórias de antepassados que existiram
a Caravana dos Exilados pode se concentrar no eras atrás. Plebeus vivem em casas construídas antes
que existe no continente norte, o verdadeiro da formação do Reinado e reis muitas vezes têm em
sua linhagem uma centelha divina, ou ao menos
estudioso de Arton precisa ir além.
interações importantes com algum deus. Enquanto a
Além de Arton. autoridade da Rainha-Imperatriz é mundana e baseada
As terras normalmente designadas “além de em ideologia, a autoridade dos kipanes ou dos tamalus
Arton” se desenvolveram em paralelo com o con- é mística e baseada em feitos espantosos. Tamu-ra
tinente. Seus caminhos eventualmente se cruzam, é especialmente protegida por um deus maior, cuja
mas cada uma é independente e única. A maioria de identidade está intimamente ligada à terra. Até mesmo
seus habitantes jamais pisou no continente norte — e Lamnor, que emergiu como grande civilização há
nem precisa. Para esses povos, o Reinado, o Império poucas décadas, abriga povos que vivem aqui desde
de Tauron e outros são vizinhos curiosos, esquisitos, antes da história registrada.
que têm seus próprios problemas. Muitas dessas nações demonstram enorme resi-
liência — além de bastante resistência a mudanças.
Raízes Profundas Enquanto a descoberta da estátua de Valkaria foi
A maior parte das nações do continente norte é uma virada colossal na história do continente norte,
composta de “recém-chegados”. Em comparação com o próprio aprisionamento da deusa é um evento re-
as terras além de Arton, representam uma cultura cente e talvez uma mera nota de rodapé na história
jovem, com tradições ainda em formação e um passado das civilizações além de Arton. Estas terras veem a
em grande parte apagado. Instituições importantes constante mudança de regentes e formas de governo
como a Ordem da Luz ou o próprio Reinado existem no Reinado como caos absoluto, um período tran-
há relativamente poucas gerações. Entre as raças mais sitório enquanto as “crianças” aprendem o que eles
longevas, ainda há quem lembre de sua fundação. mesmos já sabem há milênios. Para um sar-allan, toda
a história do continente até agora pode ser resumida
Em comparação, as terras além de Arton parecem como “algumas populações aprendendo a lidar com
sempre ter estado aqui. Ninguém vivo tem qualquer as consequências da Revolta dos Três”.
memória dos primeiros povos humanos do Deserto da
Perdição, e mesmo estes são recentes em comparação ao
império que existiu lá no passado. Doherimm remonta Costumes Arraigados
sua história literalmente até a criação dos anões — povo Não existe nada “exótico” ou “pitoresco” no
e terra como um só, desde o início. Os relatos sobre a mundo de Arton — aquilo que é inusitado para um
formação de Ubani são tão antigos e extraordinários povo é totalmente corriqueiro para outro. Quando um
que soam como lendas. Mesmo Tamu-ra, terra que foi artoniano fala em “aventureiros esquisitos”, está se
unificada há alguns séculos, desenvolve sua cultura referindo a alguém que mescla elementos de vários
de forma contínua há milênios. Khubar, talvez o caso povos ou lugares, ou ainda alguém que vá contra as
mais extremo, chega a possuir um livro com milhares tradições. Qualquer costume é “normal”, porque faz
de anos de idade com sua história. parte da vivência de alguma população.
Os povos além de Arton sentem-se ligados a Isso é especialmente verdadeiro nas terras além
suas terras de uma forma que muitos habitantes do de Arton. Costumes, tradições, vestimentas, ditados
Reinado sequer podem compreender. Em geral não são e outros elementos culturais não são detalhes, não
imigrantes ou refugiados: sabem que os ancestrais de são preferências: fazem parte da existência destes
seus ancestrais viveram exatamente no mesmo lugar. povos tanto quanto seu idioma ou suas habitações.
A sensação de pertencimento é tamanha que a maioria A tendência dos doheritas à mineração não é uma
nem cogita que um dia possam deixar seus lares. questão de ganância, nem um estereótipo. Os anões de
Quando os habitantes de Tamu-ra foram obrigados a Doherimm precisaram escavar túneis desde sua criação,

Capítulo Três
324
para ter onde viver. Para eles, escavar túneis significava Isso não significa que os povos além de Arton
literalmente expandir o mundo! Não havia opção a tenham menos diversidade de pensamento, ou mesmo
não ser minerar. Da mesma forma, o militarismo de que não possam cultuar outros deuses. Mas a presença
boa parte dos duyshidakk não é sanha conquistadora de algumas divindades não pode ser ignorada. Um
ou agressividade inata. Sua história, muito antes da habitante do Deserto da Perdição necessariamente lida
chegada dos elfos, foi moldada por conflitos e sua com a influência de Azgher: sendo ou não um devoto,
civilização foi construída com base na certeza de que deve se preocupar com o calor de dia e o frio à noite,
era necessário lutar para sobreviver. deve respeitar o deus e adaptar-se a suas exigências.
Um valkariano pode passar a vida toda sem nenhuma
No continente norte, mesmo as nações mais ape-
relação com a Deusa da Humanidade, mas todo sar-allan
gadas a seu modo de vida poderiam fazer as coisas de
tem uma relação íntima com o Deus-Sol. Da mesma
maneira diferente. Toda a cultura de Sckharshantallas
forma, os moreau pediram ativamente a seus deuses
é baseada na figura do dragão… Mas, caso Sckhar um
para serem moldados da forma que são. Mesmo o maior
dia desaparecesse, seria possível viver no reino sem ele.
devoto de Valkaria não pode dizer que sua existência é
Contudo, é impossível viver no Deserto da Perdição
literalmente a realização de um desejo por sua deusa.
sem usar as roupas que protegem contra o sol de dia e
contra o frio à noite, ou sem a matemática que possibilita No caso de Doherimm, Tenebra existe em todos os
compreender os portais nas tempestades de areia. Da lugares: a escuridão é parte intrínseca de seu mundo.
mesma forma, um habitante de Khubar não tem opção Da mesma forma, Khalmyr deixou ali sua chama como
a não ser conhecer o mar. Na verdade, a comparação de uma prova e um lembrete físicos da presença do Deus
Khubar com Sckharshantallas é curiosa: caso Benthos da Justiça — e mais tarde confiou aos anões a proteção
desaparecesse, talvez fosse impossível viver no arqui- de sua espada. O maior ladrão e vigarista de Doher
pélago! Afinal, a presença do Dragão-Rei impediu pelo pode até odiar Khalmyr, mas não pode ignorá-lo.
menos duas ameaças à própria existência dessa terra. Os Três Mares são um caso peculiar. Os piratas
Isso não significa que essas populações sejam que povoam (ou infestam…) essas águas nunca
moldadas unicamente pelo lugar onde vivem — sig- demonstraram grande devoção, mas sempre viveram
nifica, isso sim, que muitas vezes têm uma verdadeira em contato com um deus — segundo alguns, sempre
simbiose com seu lar. A Grande Savana existe da forma viveram na manifestação material do próprio deus!
que existe por influência dos ubaneri, que por sua vez Assim, quando Oceano desapareceu, imediatamente
baseiam seus costumes no respeito pelos elementais surgiu uma facção pirata devotada a ele, que existe
que habitam a região. O respeito aos druidas em para procurá-lo. O Deus dos Mares sempre foi parte
Galrasia se origina em grande parte da interação com intrínseca desse lugar e sua ausência abalou o modo
a flora que existe na ilha — e a ilha foi moldada pela de vida dos piratas.
influência divina. Para os povos além de Arton, cultura, O epítome da relação íntima com um deus patrono
costumes e terra se mesclam numa forte identidade. são os duyshidakk. Muitos que estão vivos hoje co-
Não é surpresa que os goblinoides não vejam grandes nheceram pessoalmente Thwor, antes de sua ascensão.
diferenças raciais entre si: vivem em Lamnor, têm Mesmo aqueles que nunca interagiram com ele podem
tradições coletivas e se consideram todos duyshidakk. ter ouvido algum discurso, lutado sob sua liderança
ou, no mínimo, avistado o Ayrrak de longe. Quase
Deuses Padroeiros nenhum outro artoniano já experimentou tamanha
proximidade com um deus maior, pelo menos entre
Muitas terras além de Arton têm uma relação
o povo comum. Para um plebeu do Reinado, Lena é
mais íntima com as divindades do que seus vizinhos
uma presença etérea e distante. Para um simples goblin
do continente norte. Além disso, muitos desses povos
de Lamnor, Thwor é uma realidade física e próxima.
concentram sua religiosidade em um ou dois deuses
— não apenas devotando-se a eles, mas praticamente
ignorando o resto do Panteão! Outros Mundos
Talvez o caso mais simbólico seja a relação entre Embora façam parte do mesmo mundo num
Tamu-ra e Lin-Wu. Enquanto um tamuraniano típico sentido estrito, as terras além de Arton representam
simplesmente vê seu deus patrono como a forma divina existências diferentes, independentes, paralelas e mui-
de suas tradições e modo de pensar, um estrangeiro tas vezes isoladas. Ao se deparar com estas civilizações,
típico tem dificuldade em caracterizar Lin-Wu de um sábio muitas vezes percebe que não conhece na
qualquer forma além de “o deus de Tamu-ra”. Religião, verdade a história de Arton.
costume, terra e população existem de forma unificada. Conhece uma história de uma Arton.

Além de Arton
325
Lamnor O CONTINENTE BESTIAL

O
utrora o centro da civilização, terreno Mesmo com um histórico de guerras e até algumas
fértil de impérios, berço de heróis, tragédias, os fatos pareciam comprovar isso. Afinal,
primeiro destino dos elfos e palco da os reinos humanos de Lamnor tinham sido visitados
chegada da palavra escrita, Lamnor ex- pelos elfos e deles recebido dádivas inestimáveis,
perimentou uma queda devastadora. Hoje é uma erguendo-se acima das raças goblinoides com quem
disputavam espaço. Mesmo depois que a arrogância
vastidão florestal tomada por ruínas, banhada
élfica levou os humanos a assinar o Tratado de
em sangue e ocupada por hordas de monstros.
Lamnor, vetando qualquer interferência nos assuntos
Outrora um continente estanque, preso às amar- dos elfos, isso continuou a ser tido como verdade.
ras da mentalidade humana, assolado por invasores
Um longo período de estagnação se sucedeu à
élficos, impregnado com a perseguição e opressão de
Grande Batalha. Os reinos humanos eram isolados uns
todas as raças goblinoides, Lamnor experimentou
dos outros, havia grandes vastidões de terra inexplo-
uma ascensão milagrosa. Hoje é o lar de uma nova
rada. Por isso mesmo, havia fartura — sempre mais
civilização, nascedouro da mais poderosa e inovadora
espaço para onde se espalhar, sempre mais recursos a
cultura do mundo conhecido, prometendo levar toda
retirar da natureza. Enquanto o Reinado era formado no
Arton a uma utopia de liberdade e paz. norte, o sul se apegou cada vez mais a suas tradições.
Liberto pelo maior herói da história ou subjugado Gerações nasceram e morreram em existências quase
por um de seus maiores vilões. Varrido por massacres idênticas às de seus pais e avós.
sem sentido ou conquistado em batalhas gloriosas. Lu- Os goblinoides não faziam parte dessa história.
gar de morte ou de vida. Assim é Lamnor: monstruoso Mesmo estando entre os povos originais de Lamnor,
ou magnífico, decadente ou triunfante, horrendo ou sempre foram considerados monstros. Matá-los não
sublime. O inferno para os povos do norte, o paraíso era visto como crime, mas como heroísmo. Enquanto
para os duyshidakk. os elfos que chegaram de longe e tomaram suas ter-
ras eram aceitos mesmo depois de deixar claro que

História consideravam a humanidade inferior, os goblinoides


eram caçados, sobrevivendo de saques, servidão e
A história de Lamnor se separa da história de Arton brutalidade. Mortes de goblins eram treinamento para
Norte na Grande Batalha. A vitória do Príncipe Renn- aventureiros iniciantes, que então matavam hobgoblins
gard sobre as forças de Corulan IV teve um efeito curioso e bugbears antes de passar a “ameaças de verdade”.
sobre os reinos do continente sul. Enquanto populações Ainda que fossem criaturas inteligentes com seu
inteiras eram expulsas de seus lares e forçadas a rumar próprio idioma, seus próprios costumes, sua própria
para o desconhecido, os povos que permaneceram em religião, esses povos eram vistos como uma praga.
Lamnor passaram a se enxergar como escolhidos. Nada mais.

Além de Arton
327
O Eclipse A Infinita Guerra
Durante esse período, surgiu uma profecia. De volta a Lamnor, Thwor se pôs a realizar seu so-
Registrada em uma gigantesca roda de pedra em um nho: a união de todas as raças goblinoides e a derrocada
idioma indecifrável, foi ignorada por humanos e elfos, dos humanos e dos elfos. Selecionou com cuidado seu
mas descoberta por uma raça macabra: os bugbears. primeiro alvo: Farddenn, uma pequena mas próspera
Essas criaturas eram individualmente muito fortes, cidade humana, longe de grandes centros e abastecida
mas desorganizadas e selvagens. Mais interessados por uma rota comercial. O bugbear visitou cada uma
em aterrorizar humanos e sorver seu medo do que das tribos goblinoides próximas, convocou seus chefes
em triunfar sobre eles, os bugbears não eram sequer e propôs uma aliança para atacar e dominar a cidade.
uma nota de rodapé na história de Arton.
Foi rejeitado.
Contudo, a profecia falava sobre um líder. Uma
Os goblinoides não tinham interesse em se
criatura que chegaria para unificar as tribos, elevar
organizar. Durante séculos tinham aprendido que
sua raça, conquistar tudo a seu redor e devastar os
era natural viver em cavernas e florestas, roubando
reinos “civilizados”. Os bugbears cultuavam o Deus
migalhas e sendo caçados por aventureiros. Thwor
da Morte, que a humanidade chamava de Leen, mas
descobriu que boas ideias e discursos inflamados
que as próprias criaturas conheciam como Ragnar.
nunca seriam suficientes para desfazer gerações de
Segundo a crença goblinoide, eclipses são ocasiões
opressão e doutrinação. Seria preciso violência.
em que a carruagem de Ragnar passa na frente do sol,
carregando os mortos, sendo assim um evento sagrado. O bugbear tomou o controle das tribos ao apre-
sentar as cabeças decepadas de seus chefes e declarar
O ano de 1364 foi marcado por um eclipse total
a si mesmo o novo líder. Quem ousasse desafiá-lo
do sol. Durante o eclipse nasceu o bugbear que viria
enfrentaria sua fúria.
a receber o nome Thwor Khoshkothruk.
As tribos atacaram Farddenn em conjunto, sob o
Ainda maior que a média de sua espécie, Thwor
comando do novo general. A vitória foi total. Segundo
nasceu em meio à morte, já que sua mãe não resistiu
as ordens de Thwor, cada habitante da cidade foi
ao parto. Criada por sacerdotes de Ragnar, a criança
exterminado, para que nenhum sobrevivente pudesse
demonstrou capacidades extraordinárias desde cedo.
alertar os reinos humanos. Farddenn seria para sempre
Não só era mais forte que outros bugbears — era
o marco zero do domínio goblinoide sobre Lamnor.
também mais feroz, mais astuto e, acima de tudo, mais
introspectivo. Ainda muito novo, questionava tudo e Foi nessa época que Gaardalok ressurgiu na
todos, fazia perguntas que ninguém nunca pensara em trajetória de Thwor. Seu interesse continuava sendo
fazer. Indagava sobre a noção de tempo, de passado e dominar o líder, enquanto o próprio Thwor precisava da
futuro. Será que a profecia previra seu nascimento? autoridade espiritual do clérigo para continuar unindo
Ou será que, por nascer durante um eclipse e matar a as tribos. No entanto, a essa altura já sabia que o Deus
própria mãe, o jovem bugbear provocara o surgimento da Morte nunca poderia ser o patrono do nascimento
de uma profecia séculos antes? de uma nova civilização. Gaardalok achava que estava
usando Thwor, mas na verdade estava sendo usado.
Tudo isso era descartado por seus tutores, que
estavam mais interessados no que o jovem guerreiro O bugbear seguiu unindo tribos e conquistando
podia conquistar. Entre esses clérigos destacava-se território, contando com o isolacionismo dos povos
Gaardalok, um bugbear paciente e planejador. Ele via de Lamnor para pegá-los desprevenidos. Mas essa
Thwor como uma arma, como a Foice de Ragnar… E tática não daria certo por muito tempo: era preciso
como sua ferramenta para ascender a sumo-sacerdote organizar ataques em massa, capazes de derrubar
do Deus da Morte. Gaardalok julgava que, quando reinos inteiros. E isso exigia tornar realidade a Grande
Thwor dominasse a terra, ele mesmo dominaria Thwor. União, o ideal de Thwor de que todos os goblinoides
lutassem juntos por uma só causa.
Mas a sede de conhecimento do jovem foi grande
demais para que ficasse preso às ordens dos sacerdotes. Para que isso fosse possível, Thwor precisava dos
Antes de ser adulto, Thwor partiu em peregrinação hobgoblins. Essa raça militarizada fora a principal víti-
ao norte. Passou anos viajando oculto pelo Reinado e ma dos elfos séculos atrás, permanecendo em conflito
notou que aquelas terras tinham há muito superado com os invasores na Infinita Guerra. A organização
os reinos de Lamnor. Viu como tinham se unido e dos hobgoblins era fundamental para transformar
se tornado poderosas. Conhecendo o Reinado, ele bandos em um exército, tribos em uma nação — mas
notou como as nações do sul eram patéticas… e como, Thwor sabia que eles nunca abandonariam a Infinita
isoladas entre si, podiam facilmente cair. Guerra ou cederiam sua posição aos invasores.

Capítulo Três
328
Assim, Thwor se infiltrou em Lenórienn, a capital A Profecia
élfica, e lá raptou a Princesa Tanya, filha e única
herdeira do rei élfico Khinlanas. Apresentou-a como Quando a sombra passar pelo globo de luz
prêmio aos hobgoblins e foi aclamado como líder. Trazendo a vida que trará a morte
Unidos sob Thwor, contando com as tropas
Terá surgido o emissário da dor
hobgoblins e abençoados por Ragnar, os goblinoides
atacaram e destruíram Lenórienn, promovendo um O arauto da destruição
grande massacre de elfos e forçando os sobreviventes Seu nome será cantado por uns
a fugir por suas vidas. No auge da batalha, a própria
e amaldiçoado por outros
Glórienn, a Deusa dos Elfos, desceu a Arton em forma de
avatar para enfrentar Thwor em combate individual — e O sangue tingirá os campos de vermelho
foi derrotada. Com sua deusa humilhada e sua única
Um rei partirá sua coroa em duas
nação devastada, os elfos se tornaram um povo dividido,
rejeitado e amargurado. Nunca mais ergueriam um reino. E a guerra tomará a tudo e a todos
Sobre as ruínas de Lenórienn, Thwor passou a ser Até que a sombra da morte complete seu ciclo
chamado de Khoshkothruk, ou Ironfist para os povos e a Flecha de Fogo seja disparada
do norte. Seu título não era mais “líder”, “grande
general” ou “comandante” — ele era o Ayrrak, o Rompendo o coração das trevas
Imperador Supremo. E os goblinoides não eram mais
diferentes tribos. Eram a Aliança Negra.
duyshidakk era muito mais importante e significativo
A Ascensão Duyshidakk do que ter nascido em uma determinada raça.

A Aliança Negra continuou em sua brutal e O Ayrrak sabia que a utopia goblinoide não podia
sistemática conquista de Lamnor. Após Lenórienn, ficar restrita à destruição e à ocupação de ruínas — era
as outras capitais caíram uma a uma. Os goblinoides preciso construir comunidades totalmente novas. A
dominaram e rebatizaram as comunidades humanas, mais notável dessas é Urkk’thran, a capital duyshidakk
passando a viver juntos em grandes números e sem e maior exemplo da mentalidade goblinoide sem
a necessidade de se esconder pela primeira vez em influência (positiva ou negativa) de outras culturas.
séculos. Ragnar passou a ser cultuado por todas as raças Seguindo o exemplo da capital, várias outras cidades e
goblinoides e logo tomou o lugar de Leen como Deus construções foram erguidas, finalmente materializando
da Morte na teologia artoniana. Gaardalok alcançou o e eternizando a maneira de pensar das raças antes
posto de sumo-sacerdote. O continente sul pertencia consideradas monstruosas.
a Thwor Khoshkothruk. Thwor Khoshkothruk já era o Imperador Supremo
Mas isso era só o começo. de um continente inteiro. Ainda que os povos do norte
se recusassem a aceitar isso, era o maior governante do
Ferocidade, força física e pensamento tático nunca
mundo conhecido, superando até mesmo o Rei-Impera-
haviam sido as principais vantagens do Ayrrak. O que
dor no auge do poderio do Reinado. Mas ainda restava
realmente o diferenciava de outros bugbears era sua
uma barreira entre sul e norte: a cidade-fortaleza de
capacidade de reflexão, sua visão da trajetória dos
Khalifor, no Istmo de Hangpharstyth.
diferentes povos de Arton, sua compreensão de seu
próprio papel na história. Thwor demorou a atacar Khalifor. Alguns achavam
que era complacência, incerteza ou medo, mas essa
A profecia que anunciara o nascimento de Thwor
espera sempre fez parte do plano. Era preciso que os
também previra seu fim, através da “Flecha de Fogo”
duyshidakk se acostumassem a ver Lamnor como seu
— mas ninguém sabia o que isso poderia ser. Para que
lar, não apenas como uma terra que haviam saqueado.
os goblinoides não se dividissem mais uma vez após sua
Era preciso formar raízes. Era preciso que novas
morte, para que todo o esforço de expulsar os invasores
gerações nascessem na cultura duyshidakk, apenas
não fosse em vão, era preciso que cada goblinoide
entendesse que sua vida valia mais que sua morte. O ouvindo histórias sobre os tempos sinistros de quando
Ayrrak passou a ensinar seus súditos que eles eram seus pais precisavam lutar para sobreviver.
um só povo: os duyshidakk. Mais que um novo nome Quando chegou a hora, Thwor atacou Khalifor,
para as raças da Grande União, “duyshidakk” é um mas a conquista da cidade-fortaleza não foi motivo
conceito que engloba todos que vivem pelos ideais de de grande comemoração para o Ayrrak. Era apenas
Thwor e que sofreram nas mãos dos usurpadores. Ser mais um passo em seu plano de proporções cósmicas.

Além de Arton
329
A Flecha de Fogo teriam opção a não ser atacar o Reinado como uma
horda, então a Morte se espalharia por todo o mun-
Incontáveis aventureiros e pretensos heróis do do. Thwor invadiu o palácio real de Tyrondir quan-
norte tentavam descobrir o que seria a Flecha de do o cometa já se aproximava muito de Arton — as-
Fogo, a misteriosa arma que poderia finalmente dar sim, garantindo que, se ele realmente fosse morto
cabo daquele que consideravam um dos maiores por sua queda, pelo menos Lamnor seria poupado.
vilões de Arton. No reino de Tyrondir, a pequena
Logo antes da queda da Flecha de Fogo, o avatar
Sternachten, conhecida como “Cidade dos Obser-
de Ragnar se revelou a Thwor e os dois lutaram. Ou,
vatórios”, se dedicava a decifrar a profecia. Quando
segundo alguns, aquele não era um avatar, mas o próprio
Sternachten foi destruída, o único sobrevivente foi
deus. Desafiando a profecia e enfrentando a Morte
o jovem astrólogo Corben.
pessoalmente, o Ayrrak manipulou o destino para que
A animosidade entre Thwor e Gaardalok já era a Flecha de Fogo se despedaçasse antes de colidir com
palpável. Um precisava do outro, mas as relações en- Arton. Ou, segundo os mais céticos, aquilo sempre iria
tre ambos eram tensas. Thwor já havia elaborado o acontecer e o Ayrrak apenas foi capaz de perceber a
Akzath, o modelo de tempo e destino segundo o rota de colisão do cometa. Seja como for, um dos
qual passado e futuro não existiam. De acordo fragmentos atingiu o palácio, matando Thwor e
com o Akzath, a presença do Deus da Morte Ragnar. E, embora a queda tenha abalado boa
no centro da cultura duyshidakk aproxima- parte do mundo, não provocou a destruição de
va o conceito de Morte de um continente.
todos os membros desse
Então a jogada mais genial do impera-
povo. Para que os duyshi-
dor bugbear se revelou: após a derrota
dakk prosperassem, era
do Deus da Morte, o próprio Thwor
necessário aproximá-los ascendeu à divindade. Era o Deus dos
da Vida. Goblinoides, o Deus dos Duyshidakk,
Corben, mesmo sendo um o Deus do Mundo Como Deve Ser.
humano e devoto de Thyatis, aca-
bou tendo contato com o Ayrrak e
recebeu dele a missão de descobrir
Lamnor
o que era a Flecha de Fogo — para sem o Ayrrak
que Thwor pudesse lidar com ela, ou Atualmente Lamnor é uma terra
ao menos preparar seu povo para sua dividida, em constante conflito, cheia
chegada. Usando um telescópio na de perigos… Mas livre.
mais alta torre de Urkk’thran, Corben A morte de Thwor Khoshkothruk
fez a grande descoberta: a Flecha de foi um golpe duro para os duyshi-
Fogo era um cometa em rota de co- dakk, mas as sementes que ele
lisão com Lamnor. Quando atingis- plantou continuam germinando.
se o continente, destruiria tudo que Cada vez mais goblinoides vivem
os duyshidakk haviam construído e em comunidades criadas por
mataria quase todos os goblinoides. eles mesmos, sem depender
Não havia como impedir a das ruínas humanas e élficas.
chegada do cometa, mas o Ayr- Novas gerações chegam a
rak podia usar o Akzath para duvidar que, poucas décadas
modificar o destino e as conse- atrás, goblins, hobgoblins e bug-
quências de sua queda. Thwor bears eram considerados monstros e
tentou uma aliança com o rei de precisavam viver escondidos nas terras
Tyrondir para que o reino recebesse que eram suas por direito.
os duyshidakk como refugiados, mas foi Embora ninguém saiba exatamente
rejeitado e obrigado a uma invasão. A como isso vá acontecer, a maioria dos
essa altura, já conhecia o pla- duyshidakk tem confiança de que, um
no de Ragnar: o Deus da Mor- dia, a utopia prevista pelo Ayrrak se
te desejava que os goblinoides tornará realidade. Isso é reforçado pela
fossem um imenso sacrifício em presença de Thwor no Panteão. Agora
Khorr’benn,
seu nome. Os que restassem não sumo-sacerdote
os goblinoides e seus aliados são uma
de Thwor

Capítulo Três
330
das poucas raças que contam com um deus maior Lamnor é provavelmente a terra mais segura do
inteiramente dedicado a eles e a seus objetivos. Mais mundo conhecido em termos de inimigos externos.
importante ainda: testemunhando um goblinoide A Ossada de Ragnar protege o continente contra
ascender de monstro a general, de general a imperador incursões do norte — para quaisquer invasores restaria
e de imperador a deus, eles entenderam que são capazes apenas a opção de chegar por meios marítimos ou
de qualquer coisa. Em Lamnor, a noção de que os sobrenaturais, como foi o caso dos elfos. Contudo,
duyshidakk são seres bestiais ou monstruosos é um a baixa densidade populacional significa que uma
insulto, uma piada ou uma heresia. invasão desse tipo poderia passar despercebida até que
o inimigo já tivesse estabelecido fortalezas e ocupado
Os devotos mais fervorosos de Thwor veem esta
parte do território. Alguns líderes duyshidakk já estão
época como o início de uma era de felicidade. Afinal,
construindo cidades costeiras e tentando fazer aliança
não deve haver líderes ou grandes instituições no
com humanoides aquáticos para se prevenir contra isso.
Mundo Como Deve Ser. Assim, a ausência do Ayrrak
seria uma prova de que seu sonho está mais próximo
do que nunca.
Povo & Costumes
Lamnor é habitado quase apenas por goblinoi-
Geografia des. Dentre esses, goblins são os mais numerosos,
seguidos por hobgoblins e bugbears. Outras raças
Lamnor é quase todo tomado por florestas e
consideradas hostis no norte, como orcs, ogros,
regiões selvagens. Quando os reinos humanos caíram,
gnolls e kobolds, também podem ser encontradas
a maior parte de seus castelos e cidades não foi ocu-
em grandes números. Contudo, um lamnoriano
pada — foi saqueada, destruída e abandonada. Assim,
dificilmente faria todas essas diferenciações. Para
não demorou para que a natureza se espalhasse pelas a maior parte dos habitantes do continente, todos
ruínas. Viajar pelo continente significa embrenhar-se são duyshidakk. Até mesmo os poucos humanos,
em matas escuras, desbravar trilhas ocultas e estar elfos, anões e hynne que vivem aqui, se não forem
pronto para enfrentar monstros a cada passo. prisioneiros ou escravos, são considerados duyshi-
O centro do continente, considerado a área mais dakk — e prisioneiros e escravos podem se tornar
importante em termos ideológicos e estratégicos duyshidakk, se não morrerem antes.
pelos duyshidakk, é Doyshnyurtt, o Coração Alguém fascinado pela cultura duyshidakk poderia
Intocado. Esse vasto espaço do tamanho de um dizer que tudo em Lamnor é caracterizado por mo-
reino nunca havia sido colonizado por humanos ou vimento. Alguém apavorado diria que a mentalidade
outras raças “civilizadas”. Não possui ruínas nem goblinoide é dominada pela brutalidade.
qualquer traço de ocupação não goblinoide. Isso
É impossível negar que os duyshidakk são violen-
pode soar estranho para os povos do norte, que
tos. Mesmo aqueles que defendem com mais fervor
se espalham por todo território disponível e têm
as razões da Aliança Negra para odiar os elfos e se
sede de descoberta, mas é um perfeito exemplo da
ressentir dos humanos devem admitir que não existe
estagnação que existia no sul. Também é uma prova
cultura duyshidakk sem lutas constantes, massacres
de como as raças goblinoides estavam fragmentadas
ocasionais e até sacrifícios. Quando dois duyshidakk
e sem rumo antes de Thwor — afinal, elas também
se encontram, normalmente há uma luta curta,
não ocuparam essa terra!
para determinar relações de hierarquia e respeito.
Duas imensas cordilheiras dominam boa parte do Não importa se é um enorme ogro encontrando um
continente — Natoy-Ul-Uttur e Vuroy-Ul-Uttur. goblin raquítico — os parâmetros de suas interações
Ao contrário de várias palavras duyshidakk, esses são estabelecidos pelos golpes que trocam, por sua
nomes têm significados práticos e simples. Natoy- capacidade de suportá-los e pela ferocidade que de-
-Ul-Uttur é “a Muralha Gêmea que Corta o Centro”, monstram. O vencedor desses rápidos conflitos não
a cadeia que divide o continente, e Vuroy-Ul-Uttur sente nenhum orgulho e o perdedor não é humilhado.
é “a Muralha Gêmea de Baixo”, que se localiza mais Para os goblinoides, isso é como um aperto de mão
ao sul. Existe pouca ocupação goblinoide nessas ou uma apresentação formal. Mas outras formas de
montanhas, mas alguns boatos afirmam que uma raça violência, mais sérias e sinistras, estão presentes em
inteira de humanoides alados habita os picos mais todo o continente. Disputas são resolvidas com duelos
altos. Se isso for verdade, caberia aos duyshidakk sangrentos. Acidentes com dezenas de vítimas são
travar contato com eles e acolhê-los em seu povo… aceitos como parte do cotidiano. Prisioneiros podem
ou exterminá-los. ser executados por um capricho de seu captor.

Além de Arton
331
Contudo, também é impossível negar a beleza
singular da mentalidade duyshidakk. Nada fica parado
O Mundo
em Lamnor. Com raras exceções, nenhum prédio nunca Como Deve Ser
é considerado finalizado. Tudo é sempre modificado, Lamnor também é único em Arton por estar unido
remodelado e renovado dia após dia. As peças de em um objetivo: a criação da utopia que eles chamam
máquinas e partes de construções não se encaixam de Muak’dbeppa Dashay-ug’vurtt, ou O Mundo
em ângulos retos, mas em formas irregulares que Como Deve Ser.
parecem caóticas, mas que funcionam com precisão.
Cada goblinoide entende O Mundo Como Deve
Um goblinoide considera que tudo que não está em Ser de forma diferente. Para a maioria, significa ape-
movimento está mais próximo da morte. Estagnação nas a felicidade e tranquilidade de seu próprio povo.
é um conceito apavorante para este povo. Assim, Para os remanescentes do clero de Ragnar, significa
poucos lugares em Arton são mais variados, mais um mundo morto. Pode significar a punição dos ini-
coloridos, mais surpreendentes. Ao contrário dos migos dos duyshidakk ou a continuação do legado
humanos, movidos pela ambição, os duyshidakk são de Thwor. Contudo, existe uma definição verdadei-
simplesmente movidos — para eles, experimentar coisas ra desse conceito, conhecida por aqueles que foram
novas, fazer algo de modo diferente, testar invenções mais próximos do Ayrrak.
e agir de forma inusitada não são meios para atingir O Mundo Como Deve Ser, de forma muito simpli-
um fim. São fins por si só. ficada, é a ideia de que só a ausência total de ordem e
Não há dinheiro ou propriedade privada como o autoridade no mundo todo pode promover a verdadeira
norte conhece. Não há nem mesmo escambo: pessoas harmonia. Seria preciso destruir todas as instituições
que, por falta de uma palavra melhor, são chamadas de todas as raças para que a guerra e a opressão fossem
de “mercadores” apenas levam mercadorias de um totalmente banidas. Sem instituições estanques, não
lado a outro, permitindo que seus “clientes” peguem haveria nem a possibilidade de organização suficiente
o que desejam. Tudo que não está sendo usado pode para que tudo isso voltasse a existir no futuro.
ser tomado por outra pessoa. As únicas exceções são Embora seja fundamentado em destruição, O Mun-
objetos muito pessoais, como as armas de um guerreiro do Como Deve Ser é um ideal de criação eterna, de paz
ou o símbolo sagrado de um sacerdote. Como não há através de pequenos conflitos constantes. A anarquia,
clara indicação do que seriam “objetos muito pessoais”, segundo esse ideal, levaria à supremacia do indivíduo,
mal-entendidos são constantes e considerados parte ao fim de quaisquer amarras para a inventividade, a
da vida, assim como a necessidade de dinheiro é vista uma explosão de vida sem que houvesse nada para
como normal no Reinado. Em geral, essas confusões controlá-la ou impedir seu progresso.
são solucionadas com rápidos combates.
Alguns consideram que essa ideologia levaria ape-
A falta de propriedade privada se estende até nas a um caos generalizado e à lei do mais forte. Ne-
mesmo para moradia. Quase nenhum duyshidakk nhuma criação, mas pura destruição e regressão de
vive em um mesmo lugar por mais de uma semana. No todos os povos. Contudo, além de ser um conceito
instante em que coloca o pé fora de casa, a habitação de sociedade, O Mundo Como Deve Ser está basea-
pode ser tomada por outros ou mesmo destruída para do na visão de Thwor Khoshkothruk sobre a própria
dar lugar a algo novo! Todo habitante de Lamnor realidade. E, segundo os maiores sábios duyshidakk,
também está acostumado com estranhos entrando e tem implicações cosmológicas muito mais profundas.
saindo de sua “casa” o tempo todo, ou usando-a como
passagem. Privacidade e espaço pessoal são noções de
pouca importância e quase ninguém tem vergonha de O Akzath
atividades consideradas íntimas. A faceta mais radical do pensamento de Thwor,
Outra peculiaridade duyshidakk que costuma dar compreendida apenas por alguns, é o Akzath, ou “O
um nó na cabeça de forasteiros é a falta de números. Agora Aberto de Tudo”. Mesmo não sendo plenamente
Em vez de contar como as outras raças, os goblinoides entendido e tendo sido codificado apenas nas últimas
usam os conceitos de “suficiente para um”, “suficiente décadas, o Akzath norteia toda a mentalidade gobli-
para uma família”, “suficiente para um batalhão ou noide desde sempre. O Ayrrak foi somente aquele
tribo”, “suficiente para um povo” e “suficiente para que conseguiu unificar o modelo, compreendê-lo por
o mundo”. Um sol, por exemplo, é suficiente para completo e considerar suas ramificações.
o mundo, mas uma maçã é suficiente para um. Os Segundo o Akzath, não existe passado e futuro,
goblinoides acham absurdo que ambos possam ser nem relações de causa e efeito como os povos
representados pelo mesmo numeral! “civilizados” conhecem. A realidade seria dividida

Capítulo Três
332
em conceitos como “Morte”, “Vida”, “Nós”, “Eles”,
“Movimento”, “Estagnação” e outros, num círculo.
O Deus Morto
Alguns conceitos estariam próximos de outros (por e o Deus Vivo
exemplo, “Início” está perto de “Luz” e “Movimento”, Até poucos anos atrás, a principal divindade de
sendo oposto a “Fim” e ficando longe de “Trevas”). Lamnor era Ragnar, o Deus da Morte. Assim, templos
Quando alguém faz algo que o coloca perto de um feitos de crânios eram visão comum nas estradas e
desses conceitos (por exemplo, indo viajar para uma sacrifícios de criaturas inteligentes eram parte do dia a
terra distante e se colocando próximo a “Movimento” dia. Até mesmo os deuses menores de raças específicas
e “Eles”), provoca a proximidade de outros conceitos foram deixados em segundo plano, enquanto o clero da
aparentemente não relacionados (o viajante também Morte adquiria cada vez mais poder. Segundo Thwor,
se aproximaria de “Conhecimento”, por exemplo). isso prendia os duyshidakk num ciclo de morte e
Isso teria repercussões em toda a realidade, até mesmo destruição, de acordo com o Akzath.
em eventos que já aconteceram. Alguém que viaje Contudo, a queda da Flecha de Fogo marcou a
constantemente pode descobrir que aqueles morte de Ragnar e a ascensão de Thwor
que julgava serem seus pais não o são como deus maior. Durante um mês
na verdade — ele nasceu em uma após esse evento, não houve ne-
terra estrangeira, estando nhuma morte em Arton —
assim próximo de “Eles”, algo que, segundo os sá-
“Fora” etc. bios goblinoides, levou
o mundo todo para um
Compreender o
lado mais positivo do
Akzath é o trabalho
Akzath. A apoteose
de uma vida inteira.
de Thwor foi senti-
É preciso abando-
da em todo o conti-
nar todas as noções
nente. Nem mesmo
de causalidade, até a queda de Lenó-
mesmo a compre- rienn ou a constru-
ensão normal das ção de Urkk’thran
leis naturais, para uniram tanto as ra-
abraçar uma visão ças de Lamnor.
de mundo etérea e
Hoje em dia,
subjetiva. O Akzath
Thwor é praticamente o
pode ser libertador: até
único deus cultuado pe-
mesmo o que já aconteceu
los duyshidakk — tornando
pode ser modificado ou rein-
Lamnor mais uma vez singular
terpretado com as ações certas.
em sua homogeneidade. Muitas
Mas também pode ser aterrorizan-
crianças goblinoides já estão sendo cria-
te: segundo esse modelo, certos eventos
das com pouca ou nenhuma noção de outros
estão fadados a se repetir, apenas pelas circunstân- deuses. Thwor engloba o portfólio que é importante
cias dos indivíduos. O Akzath explicaria, por exem- para esses povos e provou a todos que um goblinoi-
plo, como Thwor foi capaz de alterar a rota e o im- de pode triunfar a despeito de tudo. Se nem o próprio
pacto da Flecha de Fogo. Mas também afirma que as Deus da Morte foi capaz de vencer o Ayrrak, que chan-
raças goblinoides estarão para sempre ligadas à vio- ce meros mortais do norte têm contra seus devotos?
lência e à morte — pelo menos até a criação do Mun-
Contudo, existem poucos clérigos de Thwor
do Como Deve Ser.
e seu culto ainda está sendo estabelecido. Ele não
O Mundo Como Deve Ser é fundamentado no Ak- deixou nenhuma instrução sobre como deveria ser
zath. Segundo Thwor, uma mudança tão radical no cultuado — ou mesmo se deveria! Assim, cada clérigo
modo de vida de tanta gente arrastaria Arton intei- tem seus próprios rituais e interpreta os dogmas do
ra para um só lado do Akzath, na prática apagando deus de sua própria forma. Para alguns, a destruição
conceitos como “Morte”, “Fim” e “Ignorância”. As- dos elfos continua sendo uma missão fundamental.
sim, não existiria risco de que a anarquia fosse pu- Para outros, o mais importante é proteger e incentivar
ramente destrutiva — porque o conceito de destrui- os duyshidakk. Existem inclusive aqueles que apenas
ção estaria enfraquecido. trocaram o nome “Ragnar” por “Thwor” e fazem

Além de Arton
333
sacrifícios sanguinolentos ao Deus dos Goblinoides. expedições em busca de boatos sobre comunidades
Heresias e conflitos entre devotos serão comuns até élficas escondidas no continente. Talvez a única pessoa
que alguém seja capaz de unificar a religião. que pudesse guiá-la é o sumo-sacerdote de Thwor, o
Em meio a isso, existem devotos de Ragnar osteon Khorr’benn An-ug’atz. Contudo, o clérigo
que se recusam a abandonar suas práticas. Mesmo se recusa a ficar muito tempo perto de sua discípula,
sem receber milagres, permanecem adorando a por alguma razão conhecida só por ele.
Morte. Também há duyshidakk que incorporaram Ghorawkk, um dos vários filhos de Thwor, tenta
a morte como parte de sua mentalidade e visão de amealhar seguidores para tomar o posto que pertenceu
mundo — o notório goblin druida Urhukkho’beak a seu pai. No entanto, é totalmente indigno do legado
é conhecido por suas pregações sobre como a morte do Ayrrak: fraco, covarde, lamurioso e enganador, o
é apenas um caminho natural para uma vida melhor bugbear se coloca como vítima para todos que encontra
nos reinos dos deuses. e tenta convencê-los a segui-lo por pena. Já conseguiu
reunir vários bandos, mas invariavelmente perde seu
respeito após alguns meses.
Governo Além desses, existem outras forças de liderança
Lamnor era todo governado por Thwor Khoshko- em Lamnor: a Revoada Carnívora é uma imensa
thruk. Após sua morte, ninguém foi capaz de se esquadrilha de goblins em ornitópteros, balões e
erguer como um novo Ayrrak. Em vez disso, o que máquinas voadoras. A Carruagem dos Mortos é uma
o norte ainda chama de “Aliança Negra” se dividiu em coluna de devotos de Ragnar que busca trazer o deus
inúmeros exércitos, tribos nômades, cidades e bandos. de volta através de sacrifícios em massa. Os Profetas
Nas cidades, não há liderança — muitos dizem que do Akzath buscam por sinais de um novo líder que
este é o ideal de Thwor já sendo colocado em prática. possa repetir os feitos do Ayrrak. Não existe mais
Mas os ermos são dominados por colunas errantes, um único exército continental que possa ameaçar o
cada uma encabeçada por um general, comandante, norte como um todo. Por outro lado, é muito mais
chefe ou pretenso rei. fácil que, passando pela Ossada de Ragnar e pelas
Ruínas de Tyrondir, um exército consiga atacar uma
A Tropa da Forca é um dos maiores exércitos parte do continente norte. E alguns desses exércitos
de Lamnor, uma coluna formada principalmente por já são, sozinhos, suficientes para devastar um reino…
hobgoblins e goblins, na qual a engenhosidade e
criatividade desses últimos é celebrada. A general é a
caçadora de cabeças Maryx Corta-Sangue, uma he-
roína que acompanhou o Ayrrak nos eventos durante
Locais Importantes
a queda da Flecha de Fogo e matou Gaardalok com
as próprias mãos. Uma das líderes mais respeitadas
Urkk’thran (capital)
em Lamnor, Maryx é vista como alguém que poderia A maior cidade construída pelos duyshidakk é um
mais uma vez unir os duyshidakk. Infelizmente, sua exemplo de tudo que Lamnor tem de melhor, um local
rivalidade com o sumo-sacerdote de Thwor e seus onde a visão do Ayrrak parece estar se concretizando.
maiores devotos impede que essa aliança seja forma- Diz-se que, ao avistar Urkk’thran pela primeira vez,
da. De fato, Maryx é uma das poucas duyshidakk de Khorr’benn, que se tornaria sumo-sacerdote de Thwor,
grande destaque que não cultua o novo deus, ainda perguntou: “Por que aquela cordilheira está se mexen-
que paradoxalmente seja uma das mais ferrenhas do?”. A impressão que um forasteiro tem é exatamente
seguidoras de sua palavra. essa. Urkk’thran é tanto vertical quanto horizontal: suas
A Foice da Vingança é o exército sagrado de colinas, construções, fortalezas e muralhas parecem
Thraan’ya, uma das primeiras clérigas de Thwor. naturais, embora tudo na cidade tenha sido obra dos
A general tem uma história curiosa e sinistra: ela goblins. E tudo está sempre em movimento.
é a princesa élfica Tanya, capturada para trazer os Vista de longe, Urkk’thran parece um formigueiro,
hobgoblins à Aliança Negra décadas atrás e convertida se as formigas fossem capazes de rearranjar a paisagem.
aos duyshidakk pelas palavras do Ayrrak, de Maryx e De um dia para o outro, prédios somem e outros sur-
de outros goblinoides. Thraan’ya segue os preceitos gem em seu lugar. De um minuto para o outro, crateras
de seu deus com fanatismo e seus batalhões espalham são abertas, pontes são erguidas, túneis são escavados.
a palavra de Thwor por onde passam. Contudo, a A cidade parece pulsar. Tudo é muito colorido e tomado
clériga se deixa levar por seu desejo de vingança contra por aromas exóticos. Urkk’thran fica acordada dia e
os elfos. Seu exército muitas vezes parte em longas noite, já que certas raças duyshidakk são diurnas e

Capítulo Três
334
outras, noturnas. Muitas superfícies são pintadas com e regiões que mais se assemelham a masmorras. A
tintas fosforescentes ou construídas com materiais segurança dos cidadãos não é uma prioridade: para
naturalmente luminosos. Na verdade, como boa parte chegar a muitos lugares é preciso atravessar pontes
deste lugar fica no interior das colinas artificiais ou em precárias, pendurar-se em cordas ou escalar paredões.
túneis que atravessam prédios, a sensação é que dia Urkk’thran tem algumas construções permanentes,
e noite são perenes e simultâneos. Muitos visitantes que não são modificadas e demolidas por um acordo
abandonam essa divisão do tempo. tácito da população. A Arena é uma gigantesca cratera
Embora seja uma utopia goblinoide, Urkk’thran que abriga apresentações teatrais (quase circenses) de
também é perigosa. Existem vias horizontais, como lutadores favoritos do público. A Torre Ceifadora é
em qualquer cidade humana, mas também íngremes, o maior templo ao antigo deus Ragnar, com partes
verticais ou até mesmo nos tetos! É comum ver goblins feitas de crânios e outras, de corpos mortos-vivos.
presos a aranhas gigantes atravessando a cidade de Seus devotos remanescentes garantem a segurança
cabeça para baixo. Máquinas voadoras e criaturas aladas do lugar. A Torre de Todos os Olhos é uma imensa
cruzam o ar o tempo todo. Lobos gigantes e montarias oficina goblin, em cujo topo fica um telescópio que
ainda mais ferozes escalam os níveis da cidade, enquanto os goblins chamam de “Olho Comprido”. Zanniek,
orcs abrem túneis nos lugares mais inesperados. Existem um dos engenheiros-chefes, vem elevando as criações
animais e monstros suficientes para que seja possível da Torre a níveis ainda maiores de inventividade e
viver de caça dentro da cidade, além de áreas ermas insanidade, com seu raciocínio surpreendentemente

Além de Arton
335
lógico e sua mistura de engenhocas e magia arcana. nome. Aqui Thwor realizou dois feitos considerados
A Torre do Cemitério é um local inóspito onde impossíveis: raptou a Princesa Tanya e venceu o avatar
os duyshidakk fazem seus funerais mais gloriosos, de Glórienn em combate individual.
convocando criaturas aladas para devorar os mortos. Já Rarnaakk foi a capital dos duyshidakk antes da
a Torre da Forja do Futuro era o centro de poder do tomada de Khalifor e da construção de Urkk’thran,
Ayrrak, uma fortaleza em que cada andar é governado mas nunca deixou de ser um símbolo amargo de
por um general. Embora não haja mais um líder aqui, vingança. Antigamente era uma enorme mácula em
os generais permanecem em seu dever de garantir a Lamnor, o maior ícone do poderio dos invasores
defesa de Urkk’thran caso um dia isso seja necessário. élficos — os hobgoblins precisavam conviver com
a vergonha de que os elfos os desprezavam a ponto
Farddenn de tornar sua capital não uma fortaleza, mas uma
cidade delicada de cristal e prédios vivos. Assim,
Farddenn foi a primeira cidade conquistada por
quando foi conquistada, Lenórienn foi desfigurada.
Thwor e é considerada até hoje um local sagrado. Seu
Os goblinoides desejavam lembrar o que a cidade fora
nome foi mantido para que os duyshidakk nunca es-
e provar a si mesmos que podiam humilhar os elfos
quecessem de sua primeira vitória.
assim como eles mesmos haviam sido humilhados.
É uma típica cidade goblinoide construída sobre
Ainda restam altas espiras cristalinas, salões feitos
as ruínas dos humanos: é possível notar pedaços de
de árvores vivas, cachoeiras que reluzem com água
arquitetura humana aqui e ali, mas tudo está sem-
magicamente límpida e estátuas de beleza
pre sendo remodelado e modificado de
incomparável — mas tudo cons-
formas cada vez mais complexas
purcado, rachado, transformado
e engenhosas, ainda que caóticas.
em uma paródia do que já foi. Os
Periodicamente acontece aqui duyshidakk mantêm ossadas de
o Eclipse de Sangue, um festival elfos sobre algumas obras de arte,
que comemora o feito histórico do como decorações macabras. Existe
Ayrrak. No Eclipse de Sangue, pri- um esforço para tornar feio tudo
sioneiros são sacrificados em um que os elfos consideravam belo.
palco — há uma grande disputa Contudo, as gerações mais
entre comandantes e heróis para recentes não entendem essa
decidir quem terá a honra de exibir necessidade de autoafirmação e
suas presas durante o espetáculo. passaram a reaproveitar os materiais
Essas execuções acontecem sempre élficos em obras práticas, inventivas e,
logo antes do nascer do sol. Os duyshi- como sempre, temporárias. Rarnaakk está
dakk afirmam que, quanto mais dignos aos poucos deixando de ser um cemitério
Brasão da
e poderosos são os sacrifícios, mais o sol antiga Lenórienn para se tornar uma cidade viva. A maior
demora para nascer. Não importa que o povo curiosidade é a criatividade dos goblins
do norte diga que isso é impossível, os goblinoides ao reutilizar matérias-primas tão refinadas em suas
têm certeza de que não é escuridão mágica ou outro engenhocas loucas. Os duyshidakk mais velhos, es-
truque, mas um real adiamento do alvorecer. pecialmente hobgoblins (que são maioria aqui) não
A área perto de Farddenn foi devastada pela que- veem com bons olhos essa mudança. Alguns acham
da de um fragmento da Flecha de Fogo. Mas, como a que, sem um lembrete do passado, Lamnor pode se
cidade em si foi poupada, isso apenas aumentou seu tornar complacente e permitir uma nova invasão. Seus
significado ritualístico. Os habitantes afirmam ter afas- medos não são totalmente infundados — o cavaleiro
tado o rochedo flamejante com a força dos sacrifícios élfico Leonhhoin Yaagim voltou da morte e ronda as
que realizaram naquele dia. imediações da cidade conquistada, atacando caravanas
duyshidakk e planejando a retomada de sua terra natal.

Rarnaakk, Exploradores do norte às vezes fazem incursões


a Rarnaakk em busca de Nyatar, a Biblioteca Élfica.
a Antiga Lenórienn Dizem que os tomos que ainda restam aqui guardam
Palco da conquista que selou a Grande União e segredos sobre a magia e a história dos elfos, além de
sinalizou a invencibilidade da Aliança Negra, Rar- informações sobre as naus mágicas que os trouxeram
naakk já foi Lenórienn, a capital élfica e maior (ou a Arton. E, ao contrário do que alguns pensam, os
única, segundo alguns) cidade do reino de mesmo duyshidakk não destruíram esse conhecimento — estão

Capítulo Três
336
há anos tentando incorporá-lo a suas táticas. Parece povoados e sobreviver inteiramente de caça e coleta,
estar começando a dar certo, pois já existem druidas pois nenhum lamnoriano vai colaborar com um in-
duyshidakk capazes de rearranjar prédios vivos com vasor. As únicas exceções conhecidas são devotos de
a mesma velocidade com que os engenhoqueiros Ragnar que odeiam os seguidores de Thwor — mas
modificam estruturas normais. apenas alguém muito tolo ou muito desesperado
confiaria em adoradores da Morte… Não existindo
Oyteyrehnn, o Porto dinheiro ou propriedade privada, também é difícil
subornar um habitante de Lamnor. Existem relatos
dos Desbravadores de nortistas que morrem de fome sem nunca ter
Esta pequena cidade no interior do Doyshnyurtt encontrado um duyshidakk, apenas porque não foram
poderia não ser notável, exceto por um detalhe: em capazes de explorar toda a riqueza desta terra.
Oyteyrehnn é proibido haver finais.
Vários nortistas vêm a Lamnor em busca de arte-
Oyteyrehnn é o maior centro de construção e fatos ou enclaves élficos. A Floresta de Myrvallar,
decolagem de ornitópteros do mundo conhecido, a onde se localiza Rarnaakk, é assunto de muitos boatos.
capital dos aeronautas goblins, um verdadeiro porto Alguns dizem que há ruínas élficas contendo segredos
aéreo. Toda a cidade é uma enorme oficina — pois as ainda maiores do que na antiga capital. Outros vão mais
centenas de oficinas são remodeladas o tempo todo e os longe, afirmando que algumas comunidades élficas
engenhoqueiros goblins circulam entre elas, pegando persistem em suas profundezas, mantendo-se ocultas
as peças de que precisam e se metendo nas criações através de magia e treinando para o dia em que possam
uns dos outros. Outras raças também vivem aqui, mas se vingar dos goblinoides. Também há exploradores
sempre a serviço dos veículos voadores. do norte que não têm nada contra os duyshidakk, mas
Para afastar o porto de qualquer noção de Fim, que desejam pesquisar o passado de Arton — descobrir
Estagnação ou Morte no Akzath, ninguém morre em mais sobre o Império Nardmyr e outras civilizações
Oyteyrehnn. Cidadãos moribundos são rapidamente ancestrais. Existem boatos de que, no interior de
levados para longe. De forma inversa, aqui há uma alguma masmorra em Lamnor, está o pergaminho
quantidade desproporcional de nascimentos — partos contendo as primeiras letras escritas, a grande dádiva
dentro do porto são considerados benéficos para todos. de Tanna-Toh à Rainha Barda. Rumores ainda mais
O fato mais curioso sobre este lugar é que nenhuma ousados afirmam que a Cidade Dourada ainda existe
jornada pode terminar aqui. Assim, os aeronautas em algum lugar e guarda tesouros inimagináveis. Por
partem de Oyteyrehnn, mas nunca voltam, ao menos fim, existem aventureiros extremamente corajosos
não com seus ornitópteros ou de forma permanente. (ou loucos) que vêm a Lamnor para tentar travar
A população é muito variável, já que um aeronauta relações diplomáticas com os duyshidakk. Alguns
de passagem não se arrisca a ficar tempo demais, para buscam conhecer as heroínas Maryx e Thraan’ya. Os
que ainda possa ser considerado como estando “no poucos nortistas devotos de Thwor vêm a Lamnor para
meio do caminho” para algum lugar. ter com o sumo-sacerdote Khorr’benn.
Muitos procuram Oyteyrehnn quando precisam de Tudo isso se inverte no caso de aventureiros
mensageiros ou transporte rápido. Algumas das mais duyshidakk. Para heróis lamnorianos, quase todas
ousadas invenções goblins são criadas aqui. E, se você as missões têm o objetivo de preservar sua civilização
acredita no Akzath, tudo que é criado neste porto tem ou debelar alguma ameaça antes que se torne grande
menos chance de explodir e desabar espetacularmente… demais. Alguns fazem longas peregrinações pelo con-
tinente para conhecer Urkk’thran ou levar prisioneiros
ao Eclipse de Sangue em Farddenn, outros descobrem
Aventuras planos de generais indignos que desejam clamar
para si o legado do Ayrrak, enquanto outros ainda
Missões em Lamnor variam muito e dependem de combatem invasores do norte. E, como uma cultura
uma premissa básica: se o aventureiro é um duyshidakk artoniana completa, os duyshidakk também formam
ou um explorador do norte. grupos de aventureiros que exploram ruínas em busca
Aventureiros vindos do norte encontram em de itens mágicos e aceitam missões “normais”. Hoje
Lamnor um de seus maiores desafios. Tudo aqui é em dia existem aventureiros duyshidakk que nunca
hostil: as estradas são cobertas de uma estranha resina tiveram contato com as ameaças do norte — apenas
grudenta que deixa pegadas; as árvores são altas, buscam poder e fama, conhecer o continente e se
com copas densas; as montanhas são escarpadas e tornar heróis. Exatamente como seus pais e avós
inclementes. É preciso se manter longe de quaisquer lutaram para que acontecesse.

Além de Arton
337
Khalifor A FORTALE Z A CONQUISTADA

A
história de Arton é repleta de alian- tudo que é considerado “civilizado”. Contudo, hoje
ças, guerras, feitos heroicos e atos em dia é ela mesma um antro — não só de selvagens
de vilania. Mas, século após século, e bárbaros, mas também de mortos-vivos, cultistas,
existe uma constante: os continentes assassinos e coisas ainda piores…
de Ramnor e Lamnor temem um ao outro, cada
um alternadamente considerando-se o centro O Herói Arquiteto
da civilização e enxergando o vizinho como um A história de Khalifor começa no ano 750 CE.
antro de selvageria e barbárie. E há séculos a O reino de Gordimarr passava por uma explosão de
defesa do sul contra o norte ou do norte contra desenvolvimento da ciência, da cultura e da exploração.
o sul é feita no mesmo lugar. O Rei Protas III apadrinhava aventureiros, para que
trouxessem conhecimento e riquezas ao reino. Um
Khalifor, a cidade-fortaleza.
desses foi Khalil de Gordimarr, que liderou uma
Com suas muralhas gigantescas e suas defesas expedição de centenas de soldados para desbravar o
inexpugnáveis, Khalifor sempre foi um bastião de continente de Ramnor, ao norte.

Capítulo Três
338
Quando Khalil retornou, possuía apenas quarenta
guerreiros. Ele relatou os horrores do continente
O Bastião Solitário
selvagem, contou histórias sobre povos monstruosos Durante séculos, nada nem ninguém passou pelas
e tribos sanguinárias. Ninguém sabe quem ou o que muralhas de Khalifor. Os povos do norte não eram
Khalil pode ter encontrado, embora as canções dos expansionistas e o sul os temia, preferindo se manter
bardos falem de dragões, gigantes e outras facções longe. Khalifor barrou alguns ataques em pequena
malignas. Talvez Khalil tenha mesmo se deparado com escala, mas nada digno de nota. A cidade-fortaleza se
os povos mais hostis de Arton. Ou talvez tenha pisado tornou autossuficiente e, com o tempo, deixou de ser
no continente com a arrogância típica dos nobres parte do reino de Gordimarr. Liderada por um conselho
de Lamnor. Mas os relatos o descrevem como líder e mantida pela Leal Guilda dos Baluartes, Khalifor era
honrado e aventureiro corajoso. Alguns historiadores uma força independente.
especulam que a tragédia da expedição de Khalil tenha Seus portões foram abertos pela primeira vez
sido orquestrada pelos deuses, para barrar o avanço de quando a Caravana dos Exilados atravessou o istmo
Lamnor ou até para motivar a maior obra desse herói. rumo ao norte. Durante os muitos dias de passagem,
Seja como for, Khalil de Gordimarr recebeu de seu Khalifor ficou em silêncio. As portas de cada casa e
rei a ordem de proteger o sul contra os horrores que de cada comércio permaneceram trancadas. Todo o
descreveu. Para isso, construiria a primeira linha de contingente de soldados foi às ruas para vigiar os
defesa de Lamnor, uma cidade-fortaleza preparada para exilados e garantir que nenhum deles escaparia da
resistir a qualquer ataque e barrar qualquer invasão. coluna. Quando o último deixou a cidade, os portões
Antes que a primeira pedra fosse foram fechados mais uma vez. Assim
movida, a empreitada já tinha nome. permaneceriam por séculos.
O bastião seria chamado Khalifor. Khalifor acompanhou com
A construção foi por si só uma interesse distante a formação do
saga de heroísmo. Milhares ruma- Reinado. Mesmo tendo sido fun-
ram na direção do Istmo de Hang- dada devido ao medo do norte, já
pharstyth, dispostos a largar tudo não tinha mais ligação oficial com
para auxiliar. Eram trabalhadores, Lamnor e observava com igual
soldados, fazendeiros, taverneiros, cautela os dois lados.
alquimistas, ferreiros… Mas os mais Enquanto Lamnor se voltava cada
celebrados de todos, os verdadeiros vez mais para si mesmo, a primeira
heróis da fundação da cidade, foram os nação a ter contato com Khalifor foi
arquitetos e engenheiros. Tyrondir, na época conhecido como “o
Khalil era versátil, à vontade tanto Reino da Fronteira”. A relação começou
lutando com uma espada quanto pesquisando de forma hostil. Aldeões tyrondinos que se
em alfarrábios. Ele se dedicou ao estudo das mais aproximavam da cidade-fortaleza eram mantidos à
avançadas técnicas de construção, aconselhou-se com distância com tiros de catapulta e chegou a haver um
os maiores sábios e chegou a desenvolver novos meios plano de enviar batalhões de Khalifor para destruir os
de fortalecer muralhas e melhorar armas de cerco. vilarejos que se formavam nas proximidades — o que
Recrutou os melhores artesãos para trabalhar na provavelmente levaria a uma guerra entre os continen-
fortaleza que se erguia e, depois de semanas de testes tes. O banho de sangue foi evitado pela intervenção da
árduos, formou com eles a Leal Guilda dos Baluartes então sumo-sacerdotisa de Marah, Gillian Cloudheart.
de Khalifor, sendo ele mesmo seu mestre. Irmandade Aproximando-se das muralhas sozinha e desarmada,
tão cheia de rituais e códigos de honra quanto uma ela negociou um acordo entre os dois lados.
ordem de cavalaria, a Guilda dos Baluartes se tornou Os limites de Tyrondir foram estabelecidos for-
assunto de lendas. Seus membros usavam uma más- malmente, com a aldeia de Dagba sendo considerada
cara dourada e empunhavam um grande martelo de o último marco do reino. A coroa reconheceu a cida-
adamante, capaz de quebrar pedras e executar tarefas de-fortaleza como uma nação soberana e, aos poucos,
delicadas com a mesma facilidade. formou-se uma relação de neutralidade tranquila.
Muitos morreram durante a construção, sendo O temor mútuo entre Lamnor e Ramnor persistiu.
enterrados sob a muralhas como uma imensa honraria. Agora que o norte tinha riquezas a serem saqueadas, o
Quando Khalifor enfim ficou pronta, Lamnor soube Reinado desconfiava que velhas inimizades pudessem
que nunca mais precisaria temer o norte. se reacender. A realidade se mostrou muito pior quando
E, de fato, nunca mais precisou. a próxima grande ameaça veio do sul.

Além de Arton
339
A Sombra da Morte capaz de vencer Khalifor. Quando soube do perigo,
Ghallen Forandi ordenou que as catapultas das
Khalifor voltou a cumprir seu papel de muralha muralhas fossem viradas para dentro, num esforço
do istmo com a ascensão da Aliança Negra, o imenso desesperado para alterar todas as defesas da cidade-
exército goblinoide de Thwor Ironfist. Os goblinoides -fortaleza. O processo foi completado a tempo, mas
destruíram o reino élfico de Lenórienn e conquistaram provou-se inútil. A Aliança Negra marchou para as
os reinos humanos do sul um a um. Mesmo que a muralhas em peso, enquanto a Carruagem de Ragnar
cidade-fortaleza estivesse isolada da política de Lamnor, surgiu do lado de dentro, despejando centenas de
notícias tão graves chegaram aos ouvidos do Conselho. guerreiros goblinoides e abrindo caminho para
Mas os conselheiros não deram importância às histórias outros milhares pelos túneis. Divididas, as forças
— afinal, goblinoides nunca haviam sido um grande de Khalifor foram incapazes de sobrepujar o ataque.
problema para os humanos. Foi apenas a chegada do As catapultas fizeram sérios estragos aos invasores,
hynne Boghan e do elfo Thalin, trazendo a criança mas muitos engenheiros de guerra se viram incapazes
meia-elfa Laessalya, que tirou Khalifor de seu torpor.
de destruir pedaços da maravilha arquitetônica que
O trio havia sobrevivido ao massacre de uma cidade seus antepassados haviam construído. No fim, Ghallen
e vira com os próprios olhos o poderio de Thwor. Um Forandi morreu em combate pessoal contra Thwor.
relato tão detalhado não podia ser ignorado. Era fácil
Khalifor caíra. Não havia mais nenhuma barreira
notar que Khalifor seria o próximo passo na conquista,
entre o norte e a Aliança Negra.
mas a cidade-fortaleza não podia, sozinha, fazer frente
à horda. O Conselheiro-Mor Ghallen Forandi pediu
ajuda ao único aliado histórico de Khalifor, o reino de A Segunda Queda
Tyrondir. Contudo, o então rei Balek III era descenden- Em 1400, Thwor e seus duyshidakk eram os
te direto de um dos nobres expulsos do continente sul. senhores de Khalifor, que rebatizaram de Ragnarkhor-
Assim como muitos de seus predecessores, nutria um rangor, ou “Escudo de Ragnar”. Curiosamente, ao
grande ressentimento por Lamnor e considerava que contrário das outras cidades que conquistaram, o novo
Khalifor era “sulista”. Os pedidos de Ghallen foram nome nunca foi amplamente usado. Khalifor seguiu
ignorados com meias palavras e desculpas polidas. sendo Khalifor.
Apenas um punhado de soldados residentes nas aldeias
A Aliança Negra estabeleceu sua capital aqui,
mais ao sul foi reforçar a cidade-fortaleza, através de
substituindo Lenórienn, enquanto Urkk’thran não
acordos diretos com cada burgomestre.
estava terminada. Thwor governou de dentro da torre
Thwor deteve sua marcha antes de chegar a central da cidade-fortaleza durante anos, enquanto
Khalifor e, durante 10 anos, tropas da Aliança Negra grandes números de criaturas monstruosas e macabras
e da cidade-fortaleza existiram a poucos quilômetros eram atraídas. Em Lamnor, as cidades goblinoides
de distância, com pequenas escaramuças ocasionais. explodiam em vida e existiam num constante estado
Incapaz de debelar a ameaça pela força das armas, o de mudança, sendo reconstruídas a cada dia. Mas
Conselho de Khalifor concentrou seus esforços em Khalifor apenas afundava em degradação. Lixo e de-
descobrir a Flecha de Fogo, a arma profetizada que jetos tomavam as ruas. Os duyshidakk se adequavam
poderia dar cabo do general goblinoide. Tudo isso aos costumes e hábitos dos humanos que tinham
colaborou para que os conselheiros se tornassem massacrado. Vampiros, bruxas, demônios e todo tipo
complacentes. Afinal, Khalifor nunca caíra. Parecia de criaturas malignas passaram a infestar cada beco.
que o impasse continuaria para sempre. Khalifor não era apenas uma fortaleza conquistada —
Apenas Ghallen Forandi continuou vigilante. O era uma fortaleza maldita.
Conselheiro-Mor enviou um grupo de aventureiros Os duyshidakk que passaram a viver aqui se
para se infiltrar nas tropas inimigas. Eram o paladino tornaram mais parecidos com humanos — segundo
Krian Bruph Hauser, o mago elfo Ivelian Thilgurth, alguns, deixaram de ser duyshidakk. Khalifor conti-
a dahllan druida Caliandra, o armeiro kliren Xedes nuou usando dinheiro, mesmo goblinoides que nunca
Iniv e a barda Elise Bellerose — mas, durante a tinham tido contato com isso passaram a se apegar ao
missão, todos foram magicamente transformados em conceito de posse. Mais estranho ainda: aos poucos, os
goblinoides! Eles voltaram com notícias assombrosas: goblinoides de Khalifor aprenderam valkar, o idioma
a Aliança Negra estava construindo uma nova máquina comum do Reinado. A explicação mais simples para
de guerra, capaz de escavar túneis subterrâneos. isso é que, com o influxo de habitantes macabros, era
A Carruagem de Ragnar, como os goblinoides preciso haver uma língua franca. Mas muitos suspeitam
chamavam seu novo invento, provou-se a única arma de algo mais sinistro.

Capítulo Três
340
A nagah Serena Redscale, uma das poucas sábias da cidade, apenas para depois serem derrotados e
que já explorou Khalifor e voltou para relatar seus substituídos por outros. Um pretenso explorador
achados, tem a teoria de que a cidade-fortaleza foi nunca sabe se os guardiões da entrada irão permitir
maculada por Ragnar, o antigo Deus da Morte. Mesmo sua passagem, cobrar uma taxa, barrá-lo totalmente
logo após a ocupação de Thwor, Khalifor pertencia ou deixar que entre para então emboscá-lo.
mais ao clero de Ragnar do que à Aliança Negra. De Duas das principais ruas de Khalifor são a Rua do
fato, quando Urkk’thran se tornou habitável, Thwor Morrião e a Rua da Burla. Na Rua do Morrião ficam
se estabeleceu lá e deixou a cidade-fortaleza para seus as principais tavernas da cidade. Entre elas, o Salão
habitantes macabros. Assim foi por mais de uma da Espada Quebrada, que abriga uma arena mortal
década, com poucos aventureiros do norte ousando onde se pode enfrentar desde campeões do norte até
chegar perto de Khalifor, até a queda da Flecha de Fogo. demônios, e o Clube do Cálice, um estabelecimento
A “arma” se revelou como um cometa que se de vampiros onde os mortais são bem-vindos apenas
despedaçou antes de atingir Arton. Um dos maiores como bebida. Já a Rua da Burla abriga muitas lojas. Um
fragmentos atingiu a Cordilheira de Kanter e uma dos poucos habitantes não malignos de Khalifor vive
avalanche soterrou parte de Khalifor. E, quando a poeira aqui: Rufogolius, o mycotann herborista. Embora seja
se assentou e teve início um mês em que ninguém em estranho, ele vende seus produtos sem tentar enganar
Arton morreu, Khalifor viu que seus mortos haviam ou matar seus clientes. A Forja Infernal é a oficina de
se erguido. Goblinoides e humanos de todas as eras um demônio armeiro e há várias barracas temporárias
desde a construção da cidade-fortaleza saíram de suas com produtos variados. Nesta rua também fica o Beco
tumbas, sem saber quanto tempo havia se passado. das Brumas, um local enevoado onde as “lojas” não
passam de armadilhas para os incautos.
Agora, sem liderança e sem pertencer a lugar
nenhum, Khalifor continua sendo um bastião — um Por toda a cidade há cultos a Ragnar. Mesmo sem
bastião da maldade. receber poderes, devotos do Deus da Morte continuam
fazendo sacrifícios. Muitos se tornaram ainda mais
sádicos, na crença de que atos de crueldade extrema
O Cadáver da Fortaleza poderiam trazer seu patrono de volta. Sszzaazitas se
Khalifor ainda tem a maior parte das características infiltraram aqui para amealhar seguidores entre aqueles
de uma cidade humana: as ruas têm nomes; cada família abandonados pelo deus morto. Também existem cultos
habita uma casa; existem lojas, tavernas, oficinas… menos sanguinários, mas ainda sinistros — o hobgoblin
A grande diferença é que tudo aqui é distorcido. Os Guntar lidera uma seita de devotos militantes de Te-
habitantes parecem odiar uns aos outros e a própria nebra, voltados à guerra e fanaticamente confiantes de
cidade. Deixam imundície se acumular nas vias e sabem que a Deusa das Trevas lhes dá forças sobrenaturais.
que andar mais de alguns quarteirões é assumir risco
O centro de Khalifor é coberto de detritos e cheio
de vida. Não existe autoridade em Khalifor — mas
de cenas grotescas. Humanoides escravizados, rituais
também não existe a coletividade caótica dos duyshi-
sangrentos e cenas de violência são comuns. Aqui fica
dakk. Khalifor é um lugar de aventureiros, de vítimas
a Torre do Conselho, antiga sede dos conselheiros e
e, principalmente, de monstros. Como uma hobgoblin
antigo trono de Thwor. Uma construção ampla e alta,
falou certa vez: “Khalifor é onde as histórias que os
cheia de salões e corredores labirínticos, a torre possui
humanos contam para aterrorizar seus filhos são reais”.
muitas seções separadas — desde oficinas goblins até
Até mesmo animais têm medo de chegar perto, altares demoníacos. Hoje, a torre é o palco de uma
tornando os caminhos desabados e a cordilheira escar- guerra fria e particular, com diferentes facções tentando
pada estranhamente silenciosos perto deste antro. As tomar o controle e, assim, dominar Khalifor.
muralhas se erguem sucessivamente — não concêntricas,
Embora seja um dos piores lugares de Arton,
mas em padrões intrincados, paralelas e perpendiculares
Khalifor conta com uma esperança: entre os mortos que
umas às outras. Formam vários gargalos, de modo que
se ergueram após a queda da Flecha de Fogo, existem
mesmo grupos pequenos têm dificuldade de passar ao
soldados humanos, aventureiros e, acima de tudo,
largo. Para exércitos, isso é impossível. O lodo negro,
membros da Leal Guilda dos Baluartes. Esses artesãos
o sangue de Ragnar, brota de vários pontos ao redor, esqueléticos ainda estão se adaptando à realidade atual,
tornando a aproximação traiçoeira e letal. mas não admitem ver sua amada cidade-fortaleza tomada
Os portões de Khalifor são enormes, feitos de ferro por monstros. Boatos dizem que entre os esqueletos
e até hoje guarnecidos por soldados e monstros. Como reanimados estaria o próprio Khalil de Gordimarr,
não há autoridade, esses soldados são membros de disposto a mais uma vez liderar a ordem de construtores
bandos e companhias mercenárias que tomam áreas numa tarefa impossível — retomar a cidade-fortaleza.

Além de Arton
341
Khubar O REINO ARQUIPÉL AGO

U
ma das poucas terras nas cercanias do rinhas eram capazes de demonstrar. Khubar chorou e
Reinado que mantém sua cultura ances- implorou sobre os cadáveres de seus filhos e Benthos,
tral, Khubar é uma nação independente e o Dragão-Rei dos Mares, respondeu ao chamado.
orgulhosa disso. Sua estética única, das Não houve chance para os invasores. A própria
vestimentas à arquitetura, é exibida majestosa- capital de Bielefeld foi arrasada pelas ondas, sua costa
mente ao lado de peças inspiradas no continente. varrida pela cólera do dragão marinho. Subitamente
conscientes de que o povo do arquipélago tinha presas
Fora do continente, fora das leis do Reinado,
afiadas, os povos do continente, liderados por Deheon,
protegido pelo próprio Benthos, o Reino Arquipélago
receberam diplomatas khubarianos e se apressaram
é um ponto-chave para o comércio e a pirataria no
em reconhecer a soberania local. Após poucos anos
Mar do Dragão-Rei.
de negociação, Khubar se tornou parte do Reinado.
Por muitas décadas, Benthos não retornou para
História proteger Khubar. A mera lembrança da destruição
de Lendilkar servia para desencorajar qualquer
O arquipélago de Khubar existe desde que Arton foi tentativa de agressão. Em épocas recentes, porém,
criado pelos deuses. Quando os refugiados de Lamnor o Dragão-Rei se viu forçado a defender o arquipélago
chegaram, encontraram o povo khubariano em estágio duas vezes. A primeira foi diante do Dragão da
avançado de desenvolvimento filosófico e teológico. Tormenta, um ser aberrante de poder inigualável.
No ano de 1037 após a chegada dos elfos, o rei de Embora tenha sido derrotado, Benthos conseguiu
Bielefeld, Thomas Lendilkar, decidiu usar seu poderio garantir a integridade de Khubar diante do ataque.
militar para obter o que imaginava ser uma conquista A segunda veio há poucos anos, contra a Flecha de
fácil. Mesmo encontrando oposição na própria corte, Fogo e os efeitos de seu impacto, que ameaçaram
invadiu Khubar em uma campanha militar sangrenta. afundar todo o arquipélago com ondas gigantescas.
Os guerreiros khubarianos eram valorosos, mas não Khulai-Hûk temia que as guerras do continente
estavam preparados para armaduras de aço e cargas pudessem ameaçar seu reino já combalido enquanto
de cavalaria. Tudo parecia perdido até um sacerdote, lidava com o comércio marítimo que se intensificava
Mansur Marrendor, encontrar no livro sagrado graças à destruição do istmo pela Flecha. Diploma-
Shahirik-Lokhût um ritual capaz de invocar uma força ticamente, negociou a saída de Khubar do Reinado,
mais poderosa que qualquer exército. ao mesmo tempo em que reafirmou acordos de não
Dezenas de sacerdotes se uniram em oração, agressão e tratados de paz. Isolado, respeitado e um
pedindo intervenção divina. Rogaram não pela pla- tanto temido, Khubar permanece firme no Mar do
cidez que costumavam esperar do oceano, mas pela Dragão-Rei como um porto importantíssimo e um
ferocidade que somente as mais temíveis bestas ma- terreno neutro seguro para toda Arton.

Além de Arton
343
Geografia começam a ser aplicadas na adolescência, cada uma
representando uma característica de personalidade ou
Khubar é um arquipélago na costa sul de Arton, feito pessoal. O ofício de tatuador é extremamente
banhado pelo Mar do Dragão-Rei e composto de respeitado, tradicionalmente ocupado apenas por sacer-
sete ilhas: Khubar (a maior), Hurtka, Ghurka, dotes. Acredita-se que os próprios deuses acompanham
Klihar, Benth-Hakk, Slu Hathr e Thalkar. Todas com atenção quando uma tatuagem é feita, portanto
são pontilhadas de selvas, montanhas, desfiladeiros mentir sobre os detalhes dela ou cometer erros durante
e vulcões. A atividade vulcânica é tão forte nas ilhas o processo é blasfêmia.
que foi a origem de algumas delas e até de outras Isso não significa, porém, que a arte da tatuagem
ilhas menores, presentes apenas em cartas marítimas seja vista de forma solene. Somente os tatuadores mais
obtidas de navegantes khubarianos ou de piratas inexperientes fazem questão de trabalhar em condições
pouco dispostos a vendê-las. silenciosas e contemplativas. Para os veteranos, cada
tatuagem é uma festa; a conversa com os clientes é
O clima é tropical; quente e úmido. Aliado à
regada a bebidas tão fortes quanto coloridas, transeuntes
composição vulcânica do solo, torna a agricultura
entram e saem da cabana atraídos pela música animada
local muito eficiente. Ainda assim, geralmente é vol-
dos bardos assistentes. A primeira tatuagem, em es-
tada para consumo interno. Apenas algumas cidades,
pecial, é um ritual de passagem memorável. A leitura
como Alkeram, contam com cultivo específico para
do significado de uma tatuagem é uma arte por si só;
exportação, frequentemente realizado por imigrantes.
embora detalhes superficiais possam ser compreendidos
O negócio mais lucrativo ainda é a pesca, como tem
com o mero olhar de um observador habituado, há
sido tradicionalmente há séculos.
muitas nuances que requerem estudo cuidadoso. Ainda
Suas águas fazem divisa com as costas de Aslothia, assim, vestindo seu passado na pele, os khubarianos
Bielefeld e Wynlla. As relações diplomáticas são ami- aprendem a ser ao mesmo tempo mais transparentes e
gáveis com os dois últimos reinos e cautelosamente menos falantes que a maioria dos povos do continente.
neutras com o primeiro. A aura de mistério que carregam nas terras do Reinado
provavelmente advém desse hábito.

Povo & Costumes A sobrevivência nas ilhas depende muito do mar


e das criaturas que nele residem. A pesca é ensinada
A maior parte da população de Khubar é composta desde cedo e praticada com uma calma quase ritualística
por humanos, hynne, minotauros e tritões. Os nativos que arrisca enlouquecer forasteiros. Mesmo a montaria
costumam ter pele em diversos tons de negro e cabelos tradicional dos khubarianos, o lagarto tumarkhân, não
pretos ou castanhos, mas não é incomum a presença é rápida como os cavalos, preferidos no continente.
de outros tipos físicos, especialmente os de pele clara Engana-se, porém, quem considera toda essa paciência
perpetuamente queimada de sol. Um grande número uma forma de preguiça. O empenho no trabalho é funda-
de refugiados chegou à costa de Khubar devido às mental para a sociedade, estampado nas tatuagens como
guerras e intempéries do continente, aumentando forma de orgulho. O povo preza pela excelência, mas
principalmente as populações de hynne e minotauros entende que pode ser necessário errar antes de acertar.
no reino. Dada a tradicional receptividade khubariana a Os habitantes de Khubar têm poucos recursos
imigrantes e a recente abertura do Mar do Dragão-Rei, minerais em seu arquipélago, sendo forçados a buscar
até mesmo membros de povos incomuns no Reinado, alternativas para suas ferramentas e armamentos.
como medusas e kliren, podem ser encontrados com Uma das mais tradicionais, principalmente entre os
relativa frequência no arquipélago. Alguns desses imi- devotos de Benthos, é o “coral-de-ferro” chamado de
grantes apenas fixam residência em Khubar e mantêm lanajuste em rukhahûr. Grandes guerreiros khubarianos
os costumes de sua terra natal, mas a maioria acaba se arriscam a nadar nos paredões afiados de lanajuste
abraçando o estilo de vida único do Reino Arquipélago. em busca de uma formação de boa qualidade. A técnica
O costume khubariano mais evidente, pelo qual de extração do material é um segredo bem guardado da
o reino é conhecido no continente, são as tatuagens. Irmandade dos Pescadores, assim como sua manufatura.
Para deixá-las à mostra, o povo usa roupas e arma- Um mestre artesão leva algumas semanas para esculpir,
duras próprias, como tangas, saiotes e pantalonas. polir e afiar a porção de coral colhida e transformá-la
Dificilmente vestem robes, mantos ou armaduras em uma cimitarra, conhecida como “espada de coral”.
pesadas. Esses intrincados padrões abstratos adornam Embora quase todo khubariano seja fluente em
metade do corpo dos habitantes, como se uma linha valkar, a língua local é o rukhahûr. Com fonética ex-
vertical imaginária dividisse seus corpos. As tatuagens tremamente rica, o rukhahûr tem muitos sons inexis-

Capítulo Três
344
tentes nas outras línguas. É muito difícil que um es-
trangeiro consiga falar no idioma local sem sotaque,
mas seu aprendizado é incentivado pelo povo nati-
vo. Conta com dois alfabetos, um para uso tradicio-
nal e outro para uso em textos religiosos e tatuagens.
A arquitetura khubariana usa materiais distintos dos
utilizados no continente, principalmente bambu, troncos
de palmeira, palha, folhas e coral. Esses materiais criam
cabanas frescas e confortáveis mesmo na temperatura
tropical. Sua construção tem sido cada vez mais mistu-
rada com técnicas trazidas do continente, produzindo
cabanas maiores e até de mais de um andar. Algumas
famílias tamalus tentam até mesmo replicar castelos
com essas técnicas, com graus variáveis de sucesso.

Espiritualidade
e Dualidade
Em Khubar, o Panteão inteiro é venerado, mas cin- Khubar
co deuses recebem mais destaque por serem a origem
das cinco virtudes divinas, as dádivas responsáveis Nome Oficial: União Eletiva
pela dualidade dos mortais. A placidez do Oceano, a Independente do Arquipélago de Khubar.
ferocidade de Megalokk, a harmonia de Allihanna,
Lema: “Respeite a Força do Mar”.
a piedade de Lena e a adaptabilidade de Nimb são
os componentes da maior força da humanidade: seu Brasão: cortado ondado de prata e
potencial inato tanto para o bem quanto para o mal. azul, sobre tudo um dragão marinho
Devido a esse papel fundamental na cultura local, deu- entrecambado, lampassado de verde e
ses como Nimb e principalmente Megalokk, vistos com coroado de ouro.
desconfiança no continente, são adorados abertamente Gentílico: khubariano.
no arquipélago. Por entenderem a si próprios como
Capital: Valarur.
criaturas do equilíbrio, os khubarianos têm facilidade
em perdoar e dificilmente julgam indivíduos por erros Forma de Governo: monarquia
de nações ou grupos aos quais pertençam. Da mesma eletiva.
forma, sua confiança quase nunca é absoluta. Seja um Regente: Khulai-Hûk.
parente, um amante ou um mentor, todo khubariano
População: 650.000.
sabe que o potencial para o mal reside no coração de
todos que têm ao seu redor. Assim, os visitantes que Raças Principais: humanos, hynne,
chegam ao arquipélago são recebidos sem julgamen- minotauros, tritões.
tos, mas dificilmente conseguem se aproveitar dessa Divindades Principais: Allihanna,
confiança para tirar vantagem dos nativos. Benthos, Lena, Megalokk, Nimb, Oceano.
Além dos deuses do Panteão, outra fé se desta-
ca em Khubar por sua proximidade e tangibilidade.
O Dragão-Rei Benthos, senhor dos mares, é protetor
do reino desde o confronto com Bielefeld. Mesmo an- médio confia nos deuses do Panteão para proteger sua
tes disso já era honrado com preces e oferendas pelos alma e em Benthos para proteger sua vida. Animados
khubarianos, mas essa devoção aumentou quando o
festivais de oferenda ao Dragão-Rei são comuns por
povo pôde ver seu deus literalmente lutando por eles.
todo o arquipélago e, muito raramente, a silhueta do
Isso apenas se fortaleceu em tempos recentes, quan-
próprio dragão pode ser vista enquanto ele observa
do a divindade menor enfrentou o aberrante Dragão
de longe o povo que jurou proteger.
da Tormenta e protegeu o reino dos efeitos da Flecha
de Fogo. Plácido durante grande parte do tempo e fe- Tanto as tatuagens quanto as virtudes sagradas
roz quando provocado, o dragão é um exemplo pode- são oriundas do livro sagrado Shahirik-Lokhût. Com-
roso das filosofias adotadas no reino. O khubariano posto de histórias milenares resgatadas da tradição

Além de Arton
345
oral, apresentando perspectivas locais sobre cosmo- vívido do intercâmbio cultural que passou a definir
logia e filosofia, é o cerne da estrutura sócio-cultu- o arquipélago. Um dos principais feitos diplomáticos
ral do reino. Mais do que qualquer outra coisa, é o de Khulai-Hûk em décadas recentes foi conseguir que
Shahirik-Lokhût que empresta um senso de unidade os estrangeiros passassem a usar o nome nativo da
para as ilhas que compõem Khubar. Escrito de for- capital em vez da enfadonha transliteração anterior,
ma quase impenetrável para um estrangeiro, apre- espalhada por um bardo com domínio muito tênue
senta histórias e lições sobre os deuses, as criaturas do rukhahûr. Entre as construções locais mais impor-
do mar e o próprio povo do arquipélago através de tantes estão o Salão Khubariano, sede do governo;
linguagem extremamente figurada e com múltiplas a Oficina dos Espíritos, onde os sábios de maior
interpretações. Alguns estudiosos locais afirmam ter destaque do reino se reúnem; o Mercado de Trocas
percebido alusões a eventos recentes, como o silên- e Escambo, centro comercial mais movimentado do
cio do Oceano, em suas leituras do livro. Conside- reino, e o Altar das Ondas, maior templo das ilhas
rando que Thyatis não é um dos deuses relacionados para Oceano, construído parcialmente dentro do mar
ao Shahirik-Lokhût, a premissa encontra resistência e recebendo devotos cada vez mais confusos com o
por parte de teólogos do continente. Também não é silêncio recente da divindade.
uma hipótese popular nas ilhas, mas exclusivamen-
te pela preferência dos khubarianos por viver o hoje.
Não há motivo para acelerar o amanhã.
Alkeram
Antes da Guerra Artoniana, esta era uma pequena
vila de pescadores. Atraía atenção principalmente
Governo como palco da invocação de Benthos durante a invasão
de Bielefeld. Sua orla ostenta, na divisa entre a areia
Khubar é governado pelo Tamalu-Moi Khulai- seca e a molhada, onde o mar ainda bate um pouco,
-Hûk há três décadas. Grande sábio, hábil diplomata a estátua de obsidiana em tamanho real de Mansur
e historiador renomado, Khulai é patriarca da família Marrendor e o altar de oferendas para Benthos como
Hûk, uma das mais antigas de Valarur. Apesar da símbolos desse feito. Até hoje pessoas se sentam ao
escolha do principal mandatário acontecer de 10 em redor dela pedindo conselhos mentalmente; alguns
10 anos, Khulai permanece no poder graças à sua juram ter sido atendidos. Depois da guerra, muitos
extrema popularidade entre os tamalus. refugiados vieram a Khubar e Alkeram, o lugar mais
Tamalu é uma palavra com significado complexo e próximo da proteção do Dragão-Rei, se tornou um
intrínseco a Khubar, interpretada como “pessoa digna destino sedutor e cresceu de forma caótica.
de atenção e respeito devido a realizações passadas”, Alkeram se divide entre a Cidade Velha, as regiões
mas costuma ser traduzido como “nobre” no continente. históricas de quando era apenas uma ilha de pesca-
Somente tamalus podem votar e exercer cargos públicos. dores; o Distrito do Fumo, onde hynne refugiados
Essa casta é atingida ao realizar um grande feito e tê-lo se aproveitam do solo vulcânico para plantar tabaco,
eternizado em forma de tatuagem por um membro e o Distrito do Chifre, onde imigrantes minotauros
já reconhecido da casta. Tamalus de segunda geração vivem em uma espécie de acampamento militar per-
têm os feitos de seus antepassados resumidos em sua manente. Seu ponto mais assombroso, porém, é uma
primeira tatuagem. Ainda precisam se provar e, se não humilde capela no Distrito do Fumo. Nela, a solícita e
realizarem nada relevante até o fim da adolescência, sorridente clériga Celene ajuda os locais com milagres
perdem esse status. Esse evento é vergonhoso, mas e conselhos. A cada missa, a capela fica mais cheia. Até
também corriqueiro, costumando ser aceito com um mesmo o regente local, Jihk Benthosi, tem sido visto
suspiro resignado. A Irmandade dos Pescadores costuma nos cultos. Celene é uma das heroínas que salvaram
criticar o quão nebulosa é a definição de “grande feito”, Alkeram dos puristas, muito querida pelo povo. Mas
dependente apenas da vontade de um tatuador tamalu. qualquer forasteiro deve se aproximar da capela com
Na prática, a preocupação com a própria reputação precaução, especialmente ao notar seu telhado pintado
costuma evitar jogos de interesse. de vermelho intenso. Afinal, ali se adora Aharadak, o
Devorador — o Deus da Tormenta.

Locais Importantes A coronel Karmen Roth, banida da Supremacia


Purista por usar seus soldados como cobaias em ex-
perimentos arcanos, tentou se aproveitar da chegada
Valarur (capital) de imigrantes para assumir o comando da cidade. Foi
No extremo sul da ilha de Khubar encontra-se o derrotada e expulsa por um aventureiros, mas ainda
maior centro urbano do reino. Valarur é um retrato há rumores de apologistas puristas na cidade.

Capítulo Três
346
Ilha da Penitência Atol das Rocas
Uma das ilhas que formam o arquipélago de Perto da ilha de Klihar há uma formação rochosa
Khubar, Slu Hathr, sempre teve fama ruim. Seu papel remanescente de um vulcão extinto. Inúmeros peixes
consta no próprio Shahirik-Lokhût como a Ilha da e criaturas marinhas usam a região para acasalamento
Penitência. Dessa forma, a pena mais terrível para ou para ter suas crias. Apenas tritões costumam habitar
um criminoso de Khubar era ser enviado para Slu o atol; não há terra firme o bastante para sustentar
Hathr. Não havia fuga; encantamentos evitavam o comunidades de nenhum outro povo.
uso de magias, lagartos-trovão ocupavam o território, O que poucas pessoas na superfície sabem é
somente os teleportes rituais dos místicos locais que o atol é uma entrada secreta para o reino sub-
eram capazes de chegar aqui. E assim foi durante merso de Benthos. Nadando através de suas águas,
muitas décadas, até que o clérigo de Megalokk Teehk abundantes em criaturas elementais, um viajante
Nak foi enviado para cá. Dono de uma fé poderosa vivencia um fenômeno mágico raro conhecido como
e capaz de enfrentar os monstros locais com os ar molhado e se torna capaz de respirar água por
próprios punhos e dentes, o sacerdote criminoso alguns dias. Os tritões locais se disfarçam como
conseguiu superar os encantamentos antigos e andarilhos desgarrados, mas na verdade são agentes
começou a construir um império do crime. do dragão, protegendo essa entrada e conduzindo
seus convidados de confiança.
Hoje, a Ilha da Penitência é um porto pirata ex-
tremamente movimentado, completamente esquivo
às leis de Khubar. A punição de exílio para Slu Hathr Vulcões Notáveis
caiu em desuso, mas alguns tamalus incautos acabam O arquipélago de Khubar é repleto de vulcões.
realizando-a por ignorância, aumentando o contingente De tempos em tempos, novos surgem, sinalizando
de fora da lei a serviço do clérigo. acontecimentos vindouros importantes. O maior de

Além de Arton
347
todos é também o mais antigo: Kurur Lianth, o Velho
Furioso, localizado na ilha de Hurtka. Desde sempre o
Escolhidos das Chamas
vulcão irrompe em lava e fumaça a cada dois ou quatro O poder mais flagrante em Khubar são os vulcões.
meses, ficando adormecido até a próxima erupção. A fúria de suas erupções é capaz de varrer cidades
Apesar de ser um local perigoso, o solo rico atraiu inteiras do mapa e o fulgor de sua lava tinge os céus
muitos moradores, como a excêntrica exploradora de laranja por quilômetros. Impressionados por
kliren Dana Agassiz; aventureiros tentam visitá-la esse poder e desejando tomá-lo para si próprios, um
mesmo durante erupções para obter seu conhecimento grupo de khubarianos abandonou o Shahirik-Lokhût
sobre os lugares mais inóspitos de Arton. Muitos, além e passou a venerar o maior vulcão do arquipélago,
disso, veneram o vulcão como um deus. Kurur Lianth, como um deus.
Anos de preces, rituais e sacrifícios humanos
Localizado numa ilhota perto da ilha principal
fizeram com que o vulcão respondesse, tornando-se
do arquipélago, o vulcão Traklinn Klee é o mais
um deus menor e concedendo poderes divinos a seus
temido de Khubar. Porém, isso não acontece de-
devotos. Seu líder é Grakgran Khore, um guerreiro
vido a qualquer potencial destrutivo. Esse vulcão
membro da linhagem sulfure fundadora do culto.
é símbolo de mau agouro. Em todos os séculos de
Outrora dono de um colar de obsidiana contendo
sua existência, o Traklinn Klee nunca expeliu nada
inúmeras almas sacrificadas que o tornava praticamente
diferente de cinzas. As nuvens espessas que emite
imortal, Grakgran perdeu essa vantagem após cruzar
parecem viajar mais longe que as de outros vulcões,
o caminho de um grupo de aventureiros. Para refazer
cobrindo a luz do sol na costa próxima por períodos
esse acervo, o culto redobrou seus esforços, tentando
que às vezes se estendem por semanas. Quando uma
se infiltrar como religião alternativa em várias vilas,
criança nasce enquanto o sol está encoberto pelas
visando recrutar novos fiéis para sacrificar no vulcão
cinzas do Traklinn Klee, existe a possibilidade de que
e restaurar o poder de seu líder.
seja uma sulfure. Demônios já foram avistados sendo
carregados por suas plumas e os Cinzas Volantes o
consideram sagrado. Cinzas Volantes
Embora o Traklinn Klee seja um motivo para
preces silenciosas em todo Khubar, devotos de Tenebra
Guildas & enxergam o vulcão que cospe cinzas como uma bênção

Organizações de sua divindade, incompreendida pelos habitantes do


arquipélago. O culto à Deusa das Trevas é pequeno
entre os khubarianos e os fiéis costumam se reunir
Presas de Coral no sopé desse vulcão sagrado. São chamados em tons
Não existe força militar mais respeitada em Khubar soturnos de Cinzas Volantes, mas não são vilanescos.
que os Presas de Coral. Essa ordem de combatentes está Embora pratiquem necromancia e estejam sempre
aberta para todos que tenham a coragem de enfrentar acompanhados de mortos-vivos, são acadêmicos e
sua iniciação potencialmente letal e a habilidade para filósofos, querendo entender como a escuridão se
aprender suas técnicas sobrenaturais de combate. encaixa no Shahirik-Lokhût. Seu líder, Turins Daraan,
Enquanto os demais khubarianos rezam para Benthos é um forasteiro nativo de Wynlla que descobriu da
e o têm como protetor, os Presas de Coral o encaram pior forma o que acontece com quem invade o templo
como um modelo de comportamento. Não querem de Benthos. Felizmente, Tenebra foi misericordiosa o
ser protegidos pelo Dragão-Rei; querem ser como ele. bastante para lhe conceder uma segunda chance como
Empregando lanças, espadas de coral em pares e seus osteon, permitindo que continue liderando o grupo em
próprios corpos, simulam mordidas e invocam ondas seus estudos, agora com mais cautela do que nunca.
em terra seca quando golpeiam.
Cada ilha conta com um pequeno contingente de Irmandade
Presas. Eles não respondem diretamente à igreja ou
ao governo; sequer possuem uma organização central
dos Pescadores
A política khubariana é o palco dos tamalus,
muito rígida, contando apenas com reuniões anuais
mas quem puxa as cordas por trás da cortina são
entre os líderes para resolver questões internas. Costu-
os cidadãos comuns que lideram a Irmandade dos
mam prestar auxílio aos governos locais na manutenção
Pescadores. Como a pesca é a atividade econômica
da ordem, mas alguns líderes preferem se isolar e se
mais lucrativa do reino, exigindo treinamento es-
manter politicamente neutros, apenas treinando e se
pecial para enfrentar os perigos locais, navegar os
aprimorando espiritualmente.

Capítulo Três
348
mares e lidar com obstáculos geográficos, a espinha
dorsal da economia local são os pescadores. Embora Aventuras
o ofício seja tradicionalmente passado de pai para Por ser aberto a navegantes, tolerante às diferenças,
filho, há muito tempo os trabalhadores khubarianos
protegido de ataques externos e fora do Reinado, o
se uniram com o objetivo de garantir condições de
Reino Arquipélago é o terreno neutro perfeito para
trabalho justas. No processo, a organização enri-
reuniões diplomáticas e encontros secretos… qualquer
queceu imensamente. Hoje, é difícil que qualquer
que seja a sua legalidade. Do mais honrado cavaleiro
decisão seja tomada pelo conselho de tamalus sem
da Luz ao mais biltre pirata do Conclave, todos são
que a Irmandade esteja envolvida.
bem-vindos aqui. Talvez um nobre de Ahlen queira
Toda a riqueza e poder acumulados pela Irman- contratar aventureiros para garantir sua segurança,
dade dos Pescadores permitiu que exercessem sua enquanto busca um contrabando comprado de mer-
influência além da pesca. O transporte marítimo cadores inescrupulosos das Repúblicas Livres. Ou
também é fortemente influenciado pela Irmandade; que arcanista pérfido use uma das ilhas mais isoladas
embora tamalus possam contar com grandes embar- como ponto de encontro para adquirir cobaias vivas
cações pessoais e qualquer khubariano que se preze
para estudo. Todos esses são clientes (ou inimigos!)
possa improvisar uma jangada sozinho, para trans-
em potencial para grupos de aventureiros.
porte de muitas pessoas ou cargas as opções são os
navios da Irmandade ou de piratas. Além disso, em- Os mares também guardam perigos. Acadêmicos
bora teoricamente a extração de lanajuste seja per- e tamalus procuram pistas sobre o Pacto Submerso,
mitida para qualquer khubariano, a Irmandade ma- contratando aventureiros para expedições. O amar-
peia com cuidado as regiões onde formações podem gurado capitão pirata Throkr acumula cada vez mais
ser encontradas e faz questão de garantir seu acesso poder em sua frota; dizem que ele é filho de Khulai
apenas a afiliados ou aliados. A grande maioria dos -Hûk e quer vingança pela negligência do pai com a
artesãos de lanajuste pertence à Irmandade. saúde da falecida mãe.
Quase todos os pescadores de Khubar, uma par- Em algum lugar sob as ondas, o Dragão-Rei Ben-
cela considerável da população, fazem parte da Ir- thos tem seu próprio reino submerso, povoado por tri-
mandade. Somente comunidades muito pequenas e tões, serpentes marinhas e outras criaturas das pro-
isoladas, normalmente nas ilhas não mapeadas, fi- fundezas. Nas raras situações em que precisa atuar
cam fora de seu alcance. Toda essa influência políti- na superfície, Benthos usa grupos de aventureiros ou
ca foi usada apenas para garantir o poder do povo… piratas como seus agentes. O Dragão-Rei não é gen-
até agora. Há um crescente sentimento de re- til: por vezes seus servos arrastam navios intei-
volta pela estrutura política do reino, especial- ros para o fundo do mar, passando pelo ar mo-
mente com a dificuldade para que surjam no- lhado do Atol das Rocas no último momento
vos tamalus. Como as tatuagens precisam ser para garantir que a tripulação (ou parte
feitas por outros tamalus, basta que dificul-
dela) sobreviva à viagem. Dificilmen-
tem o processo para limitar acesso a sua
te o dragão comparecerá em pessoa,
casta. A maioria dos pescadores acei-
normalmente entregando reca-
ta essa situação como parte da har-
dos por seus servos. Além
monia local, mas outros exigem
disso, ele é notoriamente
mudança. Estes se tornam alvo
breve em suas comunica-
fácil para as ambições de
piratas, principalmen- ções, deixando detalhes
te do Conclave, escon- em aberto. Uma missão
dendo cargas ilegais em vinda de Benthos é mui-
seus navios ou dividindo to bem paga, mas costuma
conhecimento com os ser descrita de forma
criminosos em troca tão simples quan-
de favores e recursos. to “convença Jakan
Caso um líder caris- a desistir da músi-
mático na Irmanda- ca”. Mas quem é Jakan,
de acabe seduzido pelo onde encontrá-la ou o que
doce canto da pirataria, o exatamente é essa música?
equilíbrio de poder no rei- Benthos também não tem paci-
no estará ameaçado. ência nem piedade com fracassos.

Além de Arton
349
Galrasia O INFERNO VERDE

A
rton é bela, mas perigosa. Covis de Galrasia é onde a vida não pode ser contida, onde
monstros existem a um dia de cami- a vida sempre encontra um meio. Mas também onde
nhada das maiores cidades. As grandes a morte é sempre rápida e brutal.
rotas comerciais têm predadores à
espreita. Ainda assim, existem lugares remotos Paraíso Perdido
que se assomam entre aqueles habitados pelas Muitos acreditam que Galrasia está ali desde
feras mais selvagens. sempre, desde a criação do mundo pelos deuses.
E existe Galrasia. O Inferno Verde. O Mundo Lugar muito antigo, primevo, habitado por bestas
Perdido. que já rondavam e matavam antes dos humanoides.
Enquanto as Sanguinárias são domínio de seu Alguns estudiosos vão mais longe, especulam que
irmão cruento, aqui é onde Allihanna reina absoluta. o lugar seria a verdadeira terra natal dos elfos; o
É onde os devotos da Mãe Natureza a procuram em povo de Glórienn teria mais tarde migrado para
peregrinação — pois, embora a deusa esteja em toda Lenórienn por mar, deixando para trás ruínas de
Arton, aqui é seu santuário, seu local de maior poder. antigas cidades.

Capítulo Três
350
Poucos sabem que Galrasia é, em verdade, um
lugar muito jovem. Uma criança. Nascido de uma
Inferno Verde
deusa criança. Galrasia é enorme, a maior ilha de Arton, quase
um continente próprio. Seu coração montanhoso é
Lena, a Deusa da Vida, provê Arton com cura e densamente cercado de selva tropical, que preenche
esperança. Tem seu próprio Reino planar, mas não quase todo o território. Existem, no entanto, outros
o governa como outros fariam, de algum palácio ou tipos de terreno — sobretudo rios, pântanos e
trono. Passa a eterna infância acompanhada por uma planícies costeiras.
população de seres mágicos, brincando, cantando,
inventando jogos. Ela vive feliz, como deve ser. Pois Selva é a paisagem dominante. Muito úmida e
seu riso inocente, suas lágrimas de alegria, são a quente — nem tanto por ação direta do sol, mas
fonte de toda a vida. pela própria emanação de energia positiva. Apesar
do calor, é difícil sentir sede ou ficar desidratado,
Os outros deuses, mesmo aqueles malignos e porque o ar é saturado de umidade. Em certas regi-
violentos, reconhecem sua importância. Para proteger ões ou épocas, chove pesado todos os dias. Muitos
o sorriso de Lena, criaram um povo feérico guardião. habitantes das copas das árvores sequer descem
Eram os elfos arcanos eiradaan. Mas os primeiros e para beber, coletando nas alturas a água de que
mais poderosos deles, Galron e Obassa, acabaram precisam. Exploradores, por outro lado, precisam
ludibriados por uma serpente — levados a acreditar que acostumar-se com as roupas sempre encharcadas;
seu encargo era uma maldição. Revoltaram-se contra nessas condições, poucos conseguem usar armaduras
a deusa, Galron gritou com ela. Lena se entristeceu, de qualquer tipo.
chorou. Como consequência, houve uma época terrível
A abundância de força vital favorece o crescimento
em que nenhum ser vivo nasceu em Arton.
de animais e plantas muito maiores, que demandam
Como resultado, os eiradaan foram banidos do mais alimento. Como resultado, a luta pela sobrevi-
Reino de Lena — juntamente com sua cidade e toda a vência é mais intensa e feroz que em qualquer outra
região em volta. Seria arrancada e lançada aos oceanos parte do mundo. Árvores ciclópicas competem pela
do mundo mortal, perto da costa sudoeste do lugar preciosa luz do sol, suas raízes formam muralhas à
que, mais tarde, seria chamado Arton Norte. Galron e caça de água e nutrientes no solo.
Obassa viveriam aprisionados ali pela eternidade. Além
A farta vida vegetal alimenta lagartos-trovão que
disso, como punição por se deixar enganar pelas pala-
justificam o nome, suas passadas estremecendo o
vras de Sszzaas (sim, havia sido ele a sussurrar intriga
chão, os longos pescoços alcançando as folhagens
entre os eiradaan), Obassa teria sido transformada
distantes. Herbívoros, mas pesadamente armados com
ela própria em uma serpente flamejante. Ela e Galron
couraças, chifres e espinhos. Defesa contra predadores,
jamais poderiam gerar novas crias. Assim acabava a
lagartos-terror capazes de devorar toneladas de carne
raça eiradaan. E nascia Galrasia, “Terra de Galron”.
a cada poucos dias.
A vasta ilha manteria propriedades de seu mundo
Além de selva, Galrasia oferece boa variedade
celestial nativo, uma conexão planar com a fonte das
de terrenos. As montanhas centrais abrigam desfi-
magias clericais de cura. Essa força primordial faz tudo
ladeiros, vales e planícies isoladas, jamais vistas por
que é vivo crescer forte, vigoroso e maior.
olhos humanos, onde vivem raças e monstros até hoje
Galrasia se tornaria selvagem e indomável como desconhecidos. Das montanhas descem rios caudalo-
nenhum outro lugar, onde Allihanna se mostraria mais sos, violentos, rompendo a floresta em corredeiras e
poderosa — a Deusa da Natureza logo se apossou desta cachoeiras rumo ao litoral — este formado por grandes
terra farta. Suas florestas, de árvores largas como casas praias, patrulhadas por bestas anfíbias imensas, e
e galhos grossos como ruas, se retorcem em clareiras mangues quase impossíveis de atravessar, território
e vales descomunais. Folhagem exuberante esconde de serpentes e crocodilos gigantes.
o céu com suas copas de cores vivas, brilhantes — o
Abundam ainda lugares assombrosos. Os Sítios
verde sendo apenas uma entre tantas. Flores e frutos de
Arcanos existem à volta de antigos monólitos eri-
espécies jamais catalogadas abundam em cada recanto, gidos pelos eiradaan. Sua serventia é um mistério:
seduzindo com beleza e perfume exóticos. talvez fossem responsáveis pelo funcionamento ou
Essa flora sustentaria uma fauna igualmente proteção da antiga cidade. A área de cada sítio está
imensa. Lagartos-trovão descomunais e lagartos-terror sob algum efeito mágico específico. Alguns poten-
que os caçam, megafauna de mamíferos e aves em cializam magias arcanas conjuradas ali, enquanto
versões atrozes, criaturas-planta tão perigosas quanto. outros as reduzem ou anulam. Outros aprisionam
Porque tudo que habita Galrasia é imenso e faminto. seres que ali entrem. Outros ressuscitam qualquer

Além de Arton
351
O Campo de Energia Positiva cadáver transportado até ali. Outros ainda nulificam
o campo de energia positiva na ilha, até permitindo
Galrasia é formada por um fragmento a presença de mortos-vivos. E pode haver outros
de Vitalia, o Reino de Lena. Seu próprio mais, ainda por descobrir.
território emana força vital. Essa aura
A Floresta de Seda é morada de uma população
alcança alguns quilômetros além da
de aranhas gigantes, cultivadas por um antigo eiradaan
costa, afetando seres vivos e conjuração
de nome Tarantur, que acabou morto pelas próprias
de magias: criações. Em suas árvores pendem véus abundantes
• A recuperação por descanso aqui de tecido sedoso, leve e forte, muito cobiçado pelos
aumenta em +1 PV e +1 PM por nível. povos-trovão para manufatura de cordas. No entanto,
Personagens descansando em condições suas partes mais profundas escondem cativeiros
normais, por exemplo, recuperam 2 macabros onde vítimas — sobretudo coletores the-
PV e 2 PM por nível a cada noite de ra — são mantidas aprisionadas na teia, em longa
descanso. agonia, provendo sangue e fluidos para as aranhas.
• Efeitos mágicos de cura recuperam o Mais cedo ou mais tarde acabam como cadáveres
dobro de pontos de vida. ressequidos, ainda suspensos como ornamentação
macabra. Lendas locais também falam sobre um ser
• Testes de Fortitude contra doenças e táurico de torso humanoide e corpo aracnídeo, que
venenos, normais ou mágicos, recebem comanda as aranhas.
um bônus de +5. Doenças contraídas
fora da ilha cessam de atuar — mas O Covil da Serpente é um vulcão próximo à cos-
voltam caso o doente abandone Galrasia ta leste da ilha. Está extinto, mas não parece assim
antes do tempo normal de cura. observado à distância, pois emana fumaça e chamas
Doenças associadas a maldições, como constantes. A explicação está em seu próprio nome:
licantropia, ainda funcionam, mas a cratera e seus túneis são agora habitados pela an-
podem ser curadas mais facilmente tiga princesa eiradaan Obassa, hoje transformada
(devido ao bônus de +5 no teste de em uma criatura serpentiforme flamejante. Passaria
resistência contra doenças) e seus a ser venerada como deusa pelos povos-trovão nati-
efeitos podem ser revertidos, mesmo vos, sendo estes até capazes de invocá-la em ritual.
O covil também é habitado por uma população de
quando isso não seria possível.
outros elementais do fogo.
• Magias que canalizam energia
Por fim, a pavorosa Torre da Morte configura
negativa são difíceis de lançar. Exigem
a maior estrutura erguida na ilha. No passado era
um teste de Misticismo (CD 20 + custo
muito bela, a habitação pessoal de Galron, de onde
em PM da magia). Em caso de falha,
vigiava todo o Reino de Lena; hoje ergue-se enegrecida
a magia não tem efeito, mas os PM
e macabra, vários prolongamentos parecidos com
são gastos mesmo assim. Em caso de
pernas insetoides nascendo em sua base — como
sucesso, a magia funciona, mas todos
se a torre inteira fosse algum inseto gigantesco,
os seus efeitos variáveis são reduzidos
semienterrado. Seus muitos pavimentos abrigam bi-
ao mínimo possível. Mortos-vivos
bliotecas, laboratórios e relicários contendo tesouros
perdem qualquer habilidade de cura
fabulosos, dizem. No entanto, também se especula
acelerada que possuam e não recuperam
que o próprio Galron ainda estaria ali, poderoso e
pontos de vida por dano de trevas (mas
rancoroso como nunca. Explorar a torre pode ser o
continuam imunes a este tipo de dano).
desafio mais perigoso em toda a ilha.

Povos-Trovão
Não existem humanos, anões ou elfos nativos de
Galrasia, mas o Inferno Verde tem seus próprios de-
mônios. Humanoides com traços das bestas reptilianas
que assolam a ilha. Os povos-trovão.
Não há consenso sobre a origem dos thera, como
são conhecidos no meio acadêmico. Nenhuma divin-
dade maior parece clamar sua criação. É certo ape-

Capítulo Três
352
nas que, embora também existam em outros pontos chifres e escudos de osso nas cabeçorras, vivendo em
de Arton — sobretudo na Grande Savana —, eles são cavernas e clareiras. Velocis são corredores nômades
mais numerosos e bem adaptados em Galrasia, onde e esquivos, lembrando antílopes nas pradarias. Pteros
parecem ter surgido. Pois aqui vivem os lagartos-tro- são alados e monogâmicos, formando casais que
vão de quem provavelmente descendem. constroem ninhos em penhascos litorâneos. E voracis
ou “caçadoras” são predadores alfa de comportamento
Talvez. Pois embora sejam análogos a várias
semelhante a panteras, caçando nas selvas.
espécies sauroides, alguns estudiosos contestam a
teoria de que os thera descendem de dinossauros. Levando vidas rústicas e violentas, até recente-
Povos-trovão são muitas vezes confundidos com mente os povos-trovão eram apenas outra ameaça,
trogs e outros povos-lagarto, mas não existe paren- espreitando e abatendo exploradores que ousavam
tesco próximo. Têm sangue quente, sem nenhuma invadir seu território. Com o tempo, contudo, cada
vulnerabilidade especial ao frio. Seus dentes têm vez mais expedições têm sido bem-sucedidas em fazer
formatos diferentes, o que não acontece em répteis. diplomacia com os nativos — inicialmente com ofertas
Mais importante ainda, são mamíferos, amamentando de itens metálicos, que os thera não sabiam forjar, em
as crias na infância. troca de passagem segura por suas terras. Mais tarde,
cobiçando as valiosas armas e ferramentas metálicas
Existe ainda uma lenda sobre os povos-trovão
dos estrangeiros, alguns thera aceitariam ser contra-
serem frutos de cruza profana entre Galron e Obassa,
tados como guias e batedores. Hoje, embora algumas
agora transformada em serpente — em uma tentativa
tribos ainda se mantenham isoladas e hostis, muitos
insana de restaurar a raça eiradaan.
povos-trovão negociam pacificamente com visitantes.
Thera existem em quatro raças principais, cada Alguns até mesmo deixam Galrasia, juntando-se a
uma ocupando um tipo de terreno preferido. Cera- tripulações de navios, grupos de aventureiros, ou
tops são grandes e robustos como minotauros, com buscando novas vidas no continente.

Além de Arton
353
Lysianassa Arton também jazeria aqui, antes de recuperar os
primeiros Rubis da Virtude. A ilha também seria palco
Por séculos, Galrasia tem sido um magneto para da Expedição de Darvos, quando este ricaço de Deheon
aventureiros — por ser relativamente próxima do buscou uma cura para a maldição da filha. Ainda, aqui
Reinado, apesar da jornada perigosa. Partindo de Nova também estaria uma das peças do infame Disco dos
Malpetrim, na travessia do turbulento Mar Negro, são Três, entre outras sagas heroicas.
comuns as tempestades e ataques de elfos-do-mar
ou monstros marinhos. Chegando à ilha em si, suas A ilha onde nenhum humano viveu, aos poucos,
selvas são pululantes de lagartos-terror famintos e recebia mais e mais visitantes. O santuário de Allihanna
outros predadores, bem como tribos ainda reclusas e estaria ameaçado? Talvez para proteger a tranquilidade
sanguinárias de povos-trovão. Nem mesmo a viagem de da deusa — e também as vidas dos exploradores —,
volta é livre de perigos, pois piratas atrevidos espreitam uma misteriosa ordem de druidas conhecida como
para saquear quaisquer tesouros encontrados. Oqamm seria revelada. Formada apenas por dahllan,
seu objetivo parecia o mais inacreditável: erguer uma
Os riscos são altos, mas as recompensas po-
cidade em Galrasia. Lysianassa, como seria nomeada.
tenciais compensam. Desde materiais raros para
armas e armaduras até fabulosos artefatos eiradaan, Erguer, mas não construir. Recorrendo a seus
passando por flores e frutos exóticos, ingredientes poderes druídicos — e também ao sangue dríade
de alquimia ou até safáris para nobres em busca de racial —, as Oqamm pediram à vegetação litorânea
emoção. Também há muito mercado para criaturas para crescer como nunca cresceu antes. Crescer na
nativas capturadas com vida, negociadas a preços forma de torres, muralhas, passadiços, ancoradouros,
altíssimos na Cidade Baixa de Nova Malpetrim: feras oficinas, templos, habitações para os povos estrangei-
galrasianas são altamente cobiçadas como espécimes ros. Moldar a madeira em paredes fortes e elegantes,
para estudos, montarias fantásticas, animais de para trazer calma, abrigo e repouso. Demonstrar que
guarda, bestas de guerra ou para combates de arena. a natureza é acolhedora, bondosa, amiga. Demonstrar
Nem todos os heróis visitam Galrasia em busca de que visitantes são bem-vindos, quando escolhem
ouro; por vezes a ilha sediou eventos notáveis. Aqui, tratar Allihanna com respeito.
Mestre Arsenal viveu seus primeiros anos após chegar Imagine-se a surpresa das expedições seguintes
a Arton, cuidado e protegido por uma dríade — e ao encontrar, na costa do Mundo Perdido, uma ci-
juntos geraram Lisandra, a primeira dahllan na história dade portuária de beleza indescritível, quase élfica!
do mundo e atual sumo-sacerdotisa de Allihanna. Os primeiros visitantes, inicialmente desconfiados,
Em evento relacio- acabaram logo convencidos pelas boas-vindas das
nado, mais tarde Oqamm — sempre misteriosas sob suas máscaras de
o Paladino de madeira, mas igualmente gentis, prestativas, cordiais.
Convidaram a espalhar a boa nova, convidaram a viver
aqui. Demorou pouco até a chegada de navios lotados
trazendo a futura população local.
Hoje, Lysianassa é muitas coisas. A única grande
cidade em Galrasia, populosa e vibrante. Um posto
avançado e base de operações para novas expedições.
Um entreposto comercial valioso para negociar com
o continente. O único lugar seguro para se viver
no Mundo Perdido, protegido de suas feras (as
Oqamm simplesmente pedem aos lagartos-terror
para ficar longe). Por outro lado, as gentis
e pacientes druidas orientam caçadores
sobre como evitar ofensas à deusa, como
desfrutar da generosidade da natureza
sem ganância.
Há rumores sobre o destino
daqueles que ignoram o apelo das
Oqamm, caçando e matando mais do
que deveriam. Por via das dúvidas,
todos evitam fazê-lo.

Capítulo Três
354
Os Três
Mares
M
uito se fala do Reinado, com suas mon- A leste, está o Mar do Dragão-Rei, onde se ergue
tanhas, estradas, masmorras e países o orgulhoso reino arquipélago de Khubar, eternamente
díspares, mas na verdade grande parte vigiado por Benthos, o Dragão-Rei dos Mares. Por aqui
de Arton é composta pelos domínios do passa a produção das Repúblicas Livres de Sambúrdia,
Oceano. É composta pelos chamados Três Mares. seguindo ao sul rumo ao Reinado em uma fervilhante
rota de comércio graças à abertura da perigosa Ossada
A oeste do antigo Istmo de Hangpharstyth há o Mar
de Ragnar. Suas águas são também ameaçadas pelos
Negro, outrora dominado por uma irmandade pirata
navios fantasmas de Aslothia e embaladas pelo fervor
que agora tenta se reerguer das cinzas da destruição de
da Dama Dourada e sua Frota Áurea. E em suas
Quelina, seu maior esconderijo. É o lar de Galrasia, ilha
profundezas, vivem os tritões.
repleta de feras gigantescas e vida abundante. Abriga
os elfos-do-mar, sedentos por conquistas, e foi palco Por fim, distante, está o Mar dos Monstros, um
de imensas batalhas navais na Guerra Artoniana. Além caminho perigoso rumo à longínqua Tamu-ra e além,
disso, conta com o famoso porto de Nova Malpetrim, onde os colossais kaiju disputam as ondas e vez ou
ponto de partida para novos heróis. outra afundam navios sem aviso.

Além de Arton
355
O Mar Negro General Wilthrem Bosich quis garantir um refúgio
para ele e os seus, longe dos últimos confrontos e
e o Conclave Pirata da justiça do Reinado. O lugar ideal? Quelina, claro.
Para isso, Wilthrem conseguiu, com o auxílio de
O Mar Negro fica no sudoeste do continente norte espiões e informantes, contato com Jade, uma das
e seu nome vem da escuridão das águas em seus pontos principais piratas do Mar Negro, descontente com
mais profundos. Ou, talvez, de uma história um pouco o tratamento que recebia dentro da Irmandade. Em
mais imaginativa: na Era dos Monstros, Oceano teria troca, ganharia um lugar de honra na nova organização.
sido atacado por Megalokk, que sonhava tomar seus
domínios. Na batalha, porém, o Deus dos Monstros Assim, Jade entregou a localização de Quelina
foi ferido profundamente e o negrume de seu sangue e os meios para seu acesso. Passou a conspirar ati-
tingiu o mar. Dizem que este acontecimento deu origem vamente para o sucesso da operação, convencendo
aos monstros marinhos mais ferozes que assolam a outros piratas a tomar o partido da nova ordem. Suas
região, mas as fontes desta história nunca foram das palavras certeiras fariam com que, aos poucos, um
mais confiáveis, mantendo-a longe dos registros oficiais. largo contingente se voltasse contra seus capitães,
companheiros, maridos e esposas.
Embora o Mar Negro não tenha sido tão atingido
pela queda da Flecha de Fogo, as reverberações do acon- Era tarde quando as embarcações puristas sur-
tecimento cataclísmico reabriram cavernas e complexos giram. Vez ou outra, em debates acalorados, surge a
submersos, despertando feras ancestrais e perigosas que hipótese de que teria sido possível defender a ilha das
atacam ilhas e vilarejos repentinamente, mas podem tropas de Wilthrem até com certa facilidade, não fosse
gerar grandes recompensas se capturadas. Graças à pelos traidores. Para muitos, a morte veio ainda no
queda de Tauron e à área de Tormenta de Tiberus, cada sono, dissolvida numa sopa ou em cercos covardes.
vez mais capitães minotauros têm preferido o mar. “Adagas atiradas pelas costas têm a força de espadas”,
Alguns partem em ganho próprio, inclusive adotando já dizia o poeta Tivur Derants.
a pirataria. Outros, entretanto, utilizam sua vasta Capitães leais à Irmandade, ou certos da derrota
habilidade marítima e poderio em nome do Império. inevitável, encheram seus navios de familiares, tripu-
Mas a maior fama do Mar Negro é a de servir de lantes ou do máximo de tesouro que eram capazes de
caminho entre Nova Malpetrim e Galrasia, ponto cons- carregar. Muitos bandearam para o lado adversário, em
tante de exploração de aventureiros e comerciantes. busca de alguma última vantagem, enquanto os mais
O surgimento de Lysianassa, cidade erguida por uma fiéis se entregaram ao combate para garantir a fuga
misteriosa ordem de druidas, facilitou expedições mais dos mais vulneráveis, conduzidos principalmente pelo
estruturadas e aumentou o fluxo de navios transitando minotauro Sidrius Tirallis, por Izzy Tarante e pelo
entre a ilha e o continente. Por muito tempo isso notório capitão James K.
manteve viva a ganância da Irmandade Pirata que Quando o destino final de Quelina parecia inevitá-
tradicionalmente atuava na área. vel e a maior parte dos navios restantes havia partido,
Hoje em dia, entretanto, graças a um aconte- os três capitães recorreram a uma última cartada:
cimento catastrófico que envolveu morte, perda e enquanto Izzy e Sidrius lideravam seus comandados
traição, a Irmandade não existe mais. Esse evento contra as forças centrais de Wilthrem, James K. usou
ficou conhecido como a Queda de Quelina. uma passagem secreta conhecida apenas pela alta
cúpula para penetrar nas ruínas mais profundas da
ilha. Um lugar outrora usado para invocar poderes
A queda de Quelina de forças obscuras pelo povo que vivia ali em tempos
Até a Guerra Artoniana, os piratas tinham um antigos e há muito mantido longe dos olhares arto-
refúgio exclusivo, secreto e protegido: Quelina. Uma nianos. Ao olhar para trás, viu Jade, que o seguia de
ilha lendária quase inexpugnável, fosse pelas defesas espada em punho.
criadas no decorrer da história bucaneira, fosse pelas Hoje, ninguém é capaz de afirmar com certeza
correntes marítimas intrincadas que dificultavam seu qual era o plano inicial de James K. Se ele pretendia
acesso. Ali, recompensas eram divididas, acordos eram resolver tudo sozinho ou se contava com a presença
traçados, mapas de tesouro eram trocados por tibares fortuita da traidora tentando matá-lo. O fato é que,
e a Irmandade Pirata cuidava do interesse de todos. naquele local profano, sacrifícios eram oferecidos. Uns
Mas isso viria a mudar. acreditam que os mortos eram dedicados a uma faceta
Vendo que o rumo da Guerra Artoniana seguia de Megalokk, na forma de uma criatura marinha de
para a derrota de seus pares, o condecorado Lorde mil bocarras. A maioria prefere não pensar no assunto.

Capítulo Três
356
Depois de uma luta ferrenha de vantagens alter- O Destino de James K.
nadas, James aproveitou-se de um vacilo e atirou Jade
em um dos fossos infinitos das catacumbas. Do fundo, Depois de oferecer Jade e Quelina em
urros gorgolejantes ecoaram prazerosos, mas ainda sacrifício, muitos podem achar que
famintos. James sabia que um único corpo, uma única o Capitão James K. selou sua própria
alma, jamais seria suficiente. Então o maior dos capitães desgraça. Porém, o capitão da Bravado
piratas debruçou-se à beira do fosso e sussurrou: jamais seria executado como todos os
outros. Muito pelo contrário!
“Eu ofereço Quelina”.
Tudo já fazia parte de um plano de
Logo em seguida, um jorro de energia subiu veloz
contingência. Ele teria silenciosamente
e espalhou-se pela ilha. Cada ser tocado por ela, fosse
preparado a Bravado para uma nova
pirata, fosse purista, sentiu em sua garganta o salgado
jornada, destinada somente aos mais
da água do mar escorrendo volumosa, inflando os
destemidos. James K. fez o inesperado:
pulmões, a boca escancarada babando e a pele subita-
levou seu navio aos céus, para explorar o
mente enrugada como se estivesse submersa há anos.
éter divino e os mundos dos deuses!
A transformação completa mudou os desafortu-
Assim, quando a névoa amaldiçoada
nados para afogados, monstros mortos-vivos temidos
tomou Quelina, o capitão aproveitou para
por qualquer marujo de bom senso. Seus gemidos de
partir em busca de novas descobertas e
morte ecoariam para sempre pela ilha, agora um lugar
ameaças, longe de seus adversários e das
amaldiçoado. Quelina não seria mais dos piratas, mas
consequências de seus atos.
também não seria de mais ninguém.
Mas, se todos morreram em Quelina e
Com o fim de seu maior esconderijo, parte dos
não se tem mais notícias da Bravado, como
antigos membros da Irmandade hoje está espalhada
alguém sabe tudo isso?
em esconderijos próprios, no litoral ou brigando
pela posse de ilhas periféricas como Dólias, Zullait Ninguém em sã consciência deveria fazer
e Maddowg. Os mais inconformados costumam se esse tipo de pergunta.
juntar a aventureiros numa tentativa de recuperar as Piratas apenas sabem.
riquezas de Quelina. O restante ajudou a fundar o que
hoje é chamado Conclave Pirata.
Muito por conta de suas atuações durante a queda
do antigo esconderijo, Izzy e Sidrius formaram a Dupla
Coroa, encabeçando a estruturação da nova iniciativa.
O Mar do Dragão-Rei
Tomar outra ilha só abriria margem para os mesmos e a Frota Áurea
erros cometidos anteriormente. O Conclave precisava
Do lado leste do istmo situa-se o Mar do Dra-
de algo além. Assim, foi construído o maior e mais pe-
gão-Rei. Seu nome não foi dado por acaso: a área é
rigoso navio pirata que Arton já viu, uma fortaleza re-
pleta de canhões e defesas mágicas, misto de moradia notoriamente protegida por Benthos, um dos mais
e arma mortal. O Sentença. poderosos Dragões-Reais, capaz de reverter o destino
de guerras, protegendo os que lhe são caros com seus
Aqueles que se juntam ao Conclave têm o dever de
poderes descomunais. Até por isso os limites deste
fornecer um mínimo de dez por cento do que saqueiam
mar são tênues. Para fins cartográficos diz-se que ele
para a operação e ampliação do Sentença, pois o objetivo
termina antes do início das Montanhas Sanguinárias
é que ele jamais esteja completo, sempre aberto a
— mas na prática se estende “até onde Benthos alguma
melhorias e anexos. Outro dever é sempre ajudar outro
vez tenha sido visto”.
membro — e isso cabe também ao Sentença. Por último,
membros do Conclave devem sempre caçar todo e O Mar do Dragão-Rei também é notório por ter
qualquer purista, inclusive em terra, investigando servido de palco para a sangrenta guerra entre Khubar e
sobretudo aqueles que desertaram e assumiram vida Bielefeld, por abarcar o Estreito dos Selakos e a Baía
nova sob outra identidade, uma diretriz defendida Dourada, tradicional escoadouro da produção agrícola
pessoalmente por Izzy Tarante. de Sambúrdia, principalmente desde o surgimento
A bandeira do Conclave Pirata é formada por duas da Ossada de Ragnar. Navegadores empenhados têm
espadas cruzadas, com duas coroas, uma sobre a outra, arriscado suas vidas em troca de grandes somas em
em um fundo negro. Todo pirata afiliado ao Conclave é tibares ao transportar mercadoria dali até a ainda rica
obrigado a hastear esta bandeira junto da sua própria. Tiberus, capital do Império de Tauron.

Além de Arton
357
O Riso que Ama e Trai de conchas e corais, de tridente em punho. Com o
semblante consternado, preparou-se para falar.
Já derramava de Tenebra o manto,
E, subitamente, desapareceu.
quando na cama pude ouvir o pranto
de minha amada sempre tão gentil Não era como se tivesse deixado apenas o lugar
fisicamente. Todos sentiram como se o deus houvesse
Pus-me tão cálido a secar-lhe as lágrimas
abandonado tudo — ainda que se viesse a descobrir que
E da mão alva vi-lhe ter a arma
seus clérigos e druidas, estranhamente, continuavam
Que em meu peito penetrou tão vil
recebendo poderes.
‘Encontra a morte’, disse rindo ao canto
Sem sua proteção, o palácio desmoronou e a bolha
‘Cuspa-lhe a cara em meu nome’, arfando
de mar seco que envolvia todos se dissipou. Os capitães
Pairando rumo ao horizonte frio
que conseguiram fugir voltaram para seus navios com
Pedi dos deuses todo nome santo histórias conflitantes. Uns diziam que o deus havia
Pois neste mundo hei de ter meu tanto sido assassinado. Outros, que havia sido provocado
Nas velas longas como cão servil por intrigas até chegar ao limite. Os detalhes variam
dependendo de quem conta.
Trecho do poema do bardo Sathos Lassock,
que relata a queda de Quelina sob o ponto de Não demoraria até que piratas do Mar Negro
vista de um marinheiro traído pela esposa. e do Mar do Dragão-Rei culpassem uns aos outros
pelo acontecido, gerando uma desconfiança cada vez
mais profunda principalmente entre o Conclave Pirata
e a Frota Áurea. Aos poucos o evento passou a ser
Dentro do Grande Oceano, o Mar do Dragão-Rei foi
conhecido como o Pacto Submerso.
a área mais atingida pela queda da Flecha de Fogo, com
maremotos, mudanças climáticas e o desaparecimento Em tempos recentes, espalhou-se que encontrar
de ilhas inteiras. É também onde o equilíbrio de poder o Coração do Oceano, um artefato cujo aspecto se
é mais tênue, principalmente depois do surgimento perdeu no tempo, seria a chave para trazer o deus de
da Dama Dourada e sua Frota Áurea. volta. Expedições inteiras têm sido formadas para
perseguir o objeto, pois se acredita que os responsáveis
serão contemplados com tesouros e bênçãos. A maioria
O Pacto Submerso e parece interessada especialmente nos tesouros.
o Coração do Oceano Enquanto Oceano não retorna ou o mistério não
A queda da Flecha de Fogo, que destroçou o Istmo se esclarece, é certo que o mar não é mais o mesmo.
de Hanghpharstyth e o reino de Tyrondir, não atingiu Antigas correntes amplamente estudadas e regulares
apenas terra. Atingiu o mar, domínio do deus Oceano. agora não seguem o mesmo caminho. Monstros ma-
Pequenas ilhas sofreram com maremotos, varrendo rinhos parecem ainda mais ferozes, ruínas ancestrais
seus habitantes e vilas do mapa, enquanto criaturas antes ocultas abrem suas passagens e o Príncipe das
marítimas foram mortas pela força dos fragmentos do Tempestades caminha sobre as águas carregando
corpo celeste. O Deus dos Mares, furioso, encarou o cadáveres, cercado de nuvens negras e tornados.
ocorrido como um ataque contra si e os seus. Os mares de Arton nunca foram tão atraentes e
Sabendo que levar sua revolta ao restante do ao mesmo tempo tão perigosos.
Panteão dificilmente resultaria em algo, Oceano
convocou um encontro entre seus maiores servos:
Benthos, o Dragão-Rei dos Mares; Capitão Nautilus,
A Dama Dourada
Avistada pela primeira vez não muito depois do
seu sumo-sacerdote, e os maiores piratas de Arton.
Pacto Submerso, a Dama Dourada é a grande força
Capitães de todos os cantos, confusos com o acon- emergente entre os piratas do Mar do Dragão-Rei.
tecimento inédito, se viram frente a frente, alguns pela
A Dama é uma mulher alta, que aparenta ter
primeira vez, em uma fortaleza no fundo do mar. Ali,
força suficiente para dar cabo de muitos guerreiros
em seu salão principal, Oceano se pronunciaria, talvez
experientes. Traja uma armadura peitoral pesada, feita
numa tentativa de unir as forças sob seu estandarte
de metal dourado e reluzente, gravada com motivos
em busca de vingança. Ninguém sabia o que poderia
marinhos, contrastando com a pele bronzeada de seus
resultar de sua cólera. braços grossos e com seus pés descalços. Na cabeça, uma
No momento marcado, o deus surgiu perante tiara de ouro no formato de uma onda quebrando no
seus súditos, resplandecente, vestindo uma armadura mar. Carrega sempre consigo Fúria, um enorme tridente

Capítulo Três
358
mágico dourado, e uma longa corrente de espinhos aterrorizou a costa de Sambúrdia tempos antes da
feita de dentes de selakos e outras criaturas marinhas. guerra. Mas, desde que decidiu se dedicar à Dama,
Seu navio é o Narval, um galeão de velas douradas, emprega seus esforços apenas em favor da Frota Áurea.
e sua bandeira é o símbolo de Oceano sobreposto por Ninguém conhece ao certo a origem da Dama
um tridente dourado, em um fundo também dourado. Dourada, mas alguns membros de seu grupo a chamam
Os navios que compõem a Frota Áurea seguem o de Ninshala, que no idioma de algumas ilhas do Mar
mesmo modelo. Cada capitão pode ter sua própria do Dragão-Rei quer dizer “Dona de Todos os Mares”.
bandeira, desde que seus símbolos não façam menção Uma pista de sua própria história está em uma de suas
a nenhum outro deus do Panteão. falas mais frequentes.
É dito que aqueles que seguem os passos da Dama Ela afirma que a armadura dourada e seu próprio
Dourada são capazes de beber a água do mar sem nome simbolizam o ouro que, segundo se diz, é sugado
prejuízos à saúde e de nadar trajando armaduras sem das ilhas durante a Cunhagem Sagrada de Tibar, e que
perder mobilidade. Há um porém: os dons só funcionam um dia esta dívida será cobrada. Talvez isso signifique
em alto-mar, pois esse é o domínio do Oceano e é lá que um outro objetivo da Frota Áurea é encontrar o
que eles devem permanecer se quiserem receber suas local onde o ritual é realizado… e destruí-lo.
graças. Os devotos mais ferrenhos juram que a própria
Dama é capaz de caminhar ilesa pelo fundo do mar.
Ainda que a Dama dificilmente passe despercebida Piratas
graças ao poderio de seu navio, sua maior arma é a
palavra: ela clama ter recebido a missão de encontrar
Independentes
o Coração do Oceano, dividindo as graças obtidas com Mesmo com a influência do Conclave Pirata a oeste
seus seguidores. Quer também encontrar e punir o e a força da Frota Áurea a leste, há piratas que decidem
culpado pelo desaparecimento do Deus dos Mares. permanecer livres — não só para tomar suas próprias
Mas, mais que isso, a Dama Dourada dedica sua vida decisões como também para desafiar os dogmas do
a converter descrentes e devotos de outros deuses à fé que a pirataria significa em Arton.
em Oceano, pois dos mares vem a verdadeira vida e a
Isso tem vantagens e desvantagens: sem um grupo
eles todos devem ser gratos. Àqueles que se recusam
maior e organizado como apoio, é difícil influenciar
a aceitar sua fé, pouco resta além da destruição.
grandes acontecimentos ou contar com auxílio
Com sua frota, ela se vê responsável pela proteção enviado por superiores. Por outro lado, isso dá aos
de todas as ilhas menores, seja contra outros piratas, Independentes a maleabilidade de costurar alianças de
seja contra criaturas. Não é incomum que membros ocasião mesmo entre adversários, além da facilidade
poderosos da Frota se estabeleçam nestes locais de de circular tanto pelo Mar Negro quanto pelo Mar
bom grado para impor a ordem. do Dragão-Rei sem represálias. Contratantes com
Sua relação com Benthos, o Dragão-Rei dos Mares, medo de se envolver nas intrigas entre as duas maiores
é desconhecida, mas é possível que ela tente trazê-lo forças piratas preferem os Independentes, embora estas
para seu lado se tiver oportunidade. Não há indícios missões não sejam costumeiramente as mais rentáveis.
de que os dois tenham se encontrado, mas a Dama Os Piratas Independentes costumam ser observa-
não demonstra medo ao falar do soberano. dos com atenção, pois são forças valiosas que tanto o
Seus discursos carismáticos — ou o medo que Conclave quanto a Frota Áurea gostariam de atrair. Não
sua bandeira surgindo no horizonte traz ao coração é raro que bucaneiros comecem suas carreiras como
de todos — têm atraído cada vez mais membros para Independentes, para mais tarde optar por um lado.
seu grupo, sobretudo devotos de Oceano. Criminosos Muitos, entretanto, preferem permanecer livres de
arrependidos e aventureiros procurados também estão amarras, mesmo ao alcançar certa longevidade no mar.
entre os convertidos. Ninguém é realmente aceito Sem anos de tradições impostas em suas costas,
sem antes se ver frente a frente com a Dama, quando, os Independentes têm muitas vezes adotado práticas
dizem, ela é capaz de decifrar as verdadeiras intenções diferentes de seus pares. São menos afeitos a abordar
do aspirante. Não se tem notícia de qualquer traição navios mercantes ou de viagem, especializando-se na
significativa dentro da Frota Áurea. Por enquanto. caça a tesouros perdidos enterrados ou na captura
O principal braço direito da Dama Dourada é de feras marítimas indomáveis para venda em terra.
Rhazliv Colecionador de Dedos, um moreau her- Também parecem ter melhor trânsito entre civilizações
deiro do morcego perito em navegação que, dizem, submarinas como sereias, tritões e elfos-do-mar. Isso
foi o primeiro a ouvir o chamado da capitã. Rhazliv não quer dizer que sejam puros de coração: Piratas

Além de Arton
359
Independentes ainda são, essencialmente, piratas, e
continuam adeptos das trambicagens e trapaças a que se A Ossada de Ragnar
dedicam os bucaneiros, principalmente o contrabando. Antes havia o istmo que dividia Arton Norte
Seus navios, menores e mais ágeis, com tripula- de Arton Sul, pelo qual a histórica Caravana dos
ções pouco numerosas, privilegiam, por exemplo, a Exilados passou. Agora, depois da queda da Flecha
navegação pela tortuosa e às vezes mortífera Ossada de Fogo que trouxe a fúria dos céus, há apenas
de Ragnar. Entre as facções, são tidos como os mais uma formação geográfica que desafia a lógica e abre
bem-sucedidos na travessia. caminhos tão perigosos quanto convidativos entre
os mares do continente.
O desejo de se distanciar das tradições do Con-
clave e do fanatismo religioso da Frota Áurea fez com Em sua superfície há apenas o solo acidentado,
que os Independentes, ao poucos, dessem origem à entremeado por abismos profundos e mortais. Há
sua própria cultura caótica e original. Suas roupas quem tente construir pontes permanentes, principal-
distanciam-se da pompa ligada aos outros piratas, mente goblinoides querendo restabelecer a ligação
calcadas muito mais na praticidade, agilidade de de Khalifor com o continente, mas espaços estreitos
movimentos e expressão pessoal: peças de armadu- se alternam com grandes cânions mortais — e
ra e roupas misturadas, armas exóticas, penteados testemunhas afirmam que a distância e quantidade
pouco convencionais e maquiagens são comuns. Seus desses vãos varia de um dia para o outro sem aviso.
navios incorporam invenções pouco testadas e muitos Os caminhos seguros são guardados a sete chaves
aceitam goblins de Lamnor sem ressalvas. pelos poucos que os conhecem e seus serviços são
vendidos a preços exorbitantes.
As canções dos Independentes não seguem nenhum
modelo conhecido anteriormente e são compostas O clima na Ossada é imprevisível: ondas colossais
de rimas curtas e ritmadas, acompanhadas não de rebatem nas paredes dos monolíticos pilares de pedra,
instrumentos, mas de vocalizações percussivas feitas para em seguida amansar de repente. O vento uivante
pelos outros membros da tripulação. É normal dois passeia intenso por entre os caminhos, confundindo
piratas se desafiarem em duelos de rimas — alguns até mesmo navegadores muito experientes, mudando
amigáveis, outros nem tanto — no meio de uma de direção quando bem entende. Em certos trechos é
roda composta por seus companheiros, que vibram até difícil enxergar o céu.
a cada ofensa. Bardos do continente têm estudado Criaturas marítimas perigosas circulam pela área,
essa nova arte, mas os Independentes se ofendem na incluindo um terrível namasqall, um tipo de elemental
presença de alguém do continente tentando imitá-los, da água devastador em alto-mar e mortal com tão
principalmente menestréis a serviço de nobres. pouco espaço para manobra. Para dificultar ainda mais
O pirata independente mais conhecido de Arton as coisas, magias são pouco confiáveis na área, graças
atualmente é Nargom Mandíbula, Campeão de à catástrofe ancestral que envolveu a bruxa goblin que
Svalas, filho do falecido Draco Mandíbula e capitão deu nome ao istmo.
do Caronte. Muitos acreditavam que Nargom se jun- Mesmo com tudo isso, piratas, comerciantes e
taria à marinha artoniana por conta de seu passado marinheiros se arriscam. Afinal, a Ossada é de fato
como herói de guerra e de seu casamento com Lady o meio mais rápido de atravessar para outro lado do
Ayleth de Svalas, mas o bucaneiro retornou ao Mar do continente sem se utilizar dos dispendiosos serviços
Dragão-Rei em busca de aventuras em seus próprios de um mago. Fazer o trajeto é um meio rápido de
termos. Historiadores creditam a ele a origem renovada espalhar a reputação de uma tripulação.
do movimento, mas ele nega. Nargom acredita que
Mais de um capitão pirata se gaba de ter feito
qualquer sombra de centralização de poder pode
a travessia entre os mares primeiro, mas o mais
demolir o próprio conceito de independência. De
vocal deles é Tulluh Olhos-Verdes. Tulluh partiu
qualquer modo, é certo que ele viaja pelos mares de
pouco tempo depois da queda da Flecha e decidiu
Arton tentando convencer piratas novatos e veteranos desafiar a Ossada partindo do Mar Negro com o único
a enxergar as vantagens da vida sem amarras. propósito de ganhar fama entre os bucaneiros. Todos
Cada pirata independente tem sua própria ban- os membros de sua tripulação morreram afogados em
deira, com símbolos que podem variar enormemente. meio a tempestades ou em batalhas ferrenhas contra
Recentemente, Nargom trocou a antiga bandeira do monstros marinhos, mas Tulluh acorrentou-se ao
Caronte, pertencente a seu pai, por uma nova: um barco e, apesar de ter a carne de seus ossos arrancada
crânio com um florete atravessado no centro e uma pelas ondas e pelos ventos inclementes, sobreviveu
pistola de cada lado, em um fundo preto. como osteon, talvez recompensado por sua ousadia e

Capítulo Três
360
coragem. O navio, conhecido como Trovador, encalhou O Mar dos Monstros
próximo da costa de Khubar.
Distante das costas mais civilizadas de
Hoje em dia, capitães estudam relatos de viajantes
Arton Norte, o Mar dos Monstros faz a
e contratam aventureiros e estudiosos à procura de
ligação entre as Sanguinárias e a ilha de
padrões identificáveis que possam colaborar numa
Tamu-ra. E, de fato, aqui há monstros.
carta náutica, ainda que isso seja improvável. Pelo
menos em partes, esse esforço já rendeu alguns frutos. O Mar dos Monstros é assolado por
criaturas colossais conhecidas como kaiju,
Cillya Cavantri, uma capitã sereia independente,
muitas vezes maiores que montanhas,
encontrou um complexo labiríntico de cavernas que
seus movimentos e embates provocando
pode vir a facilitar a passagem pela Ossada… se for
maremotos e tufões destruidores. Além
decifrado. Seu objetivo atual é encontrar quem possa
disso, parte do mar está dentro de uma
ajudá-la nessa missão, ainda que o tamanho das passa-
grande e pouco explorada área de Tormenta.
gens varie drasticamente — impedindo, por exemplo,
a travessia de navios de grande porte. Obviamente o Com tanto a se explorar no Reinado,
conhecimento de Cillya interessa a quase todo mundo. pareceria pouco provável que tripulações
circulassem por uma área tão mortal,
Recentemente, um pequeno porto e taverna pouco
mas Arton é um mundo de aventuras,
convencional surgiu em um dos pilares, num ponto
não de complacência. Rotas comerciais
estratégico no meio de um dos caminhos da Ossada.
entre Arton Norte e Tamu-ra desafiam o
Conhecido como a Vértebra, foi construído por um
Mar dos Monstros em troca de lucro alto
grupo engenhoso de goblins de Khalifor. Seu intuito
entre mercadores honestos, mas não só
aparente é auxiliar no comércio da cidade com quaisquer
isso: bucaneiros do Mar do Dragão-Rei
navios que passem por lá. Os poucos que trabalham ali
têm aprendido as vantagens de negociar
descem por cordas extremamente precárias, que ligam
com os yakuza e piratas da Cauda do
o alto da rocha ao porto. Aparentemente há expectativa
Dragão, longe de qualquer sombra de
da construção de uma longa escada esculpida ou de
vigilância do continente.
uma espécie de elevador pouco seguro, mas isso pode
levar anos, se é que acontecerá. Quem sabe o que pode surgir do
intercâmbio nefasto destas forças
futuramente?
O Príncipe
das Tempestades pelo pescoço aos dois antebraços do Príncipe estão dois
Existe ainda outra figura nos mares artonianos, corpos de marinheiros inertes, aparentemente afoga-
alguém que não está alinhado com nenhuma das dos. A identidade dos corpos varia. Cada testemunha
facções: o Príncipe das Tempestades. os descreve com raças, tamanhos e idades diferentes.

As canções que circulam nos portos dizem que ele Nos céus que o cercam, nuvens furiosas de
surgiu depois do desaparecimento de Oceano, fruto tempestade negra e pesada circulam, relampejando,
das preces dos marinheiros que desejavam jamais enquanto ventos fortes as acompanham. É dito que a
encontrar as tempestades colossais que passaram ventania é capaz de destroçar o mais bem construído
a atingir os mares depois da queda da Flecha de navio e que coisas assombrosas acontecem a seu redor.
Fogo e do Pacto Submerso. Como poucas histórias Não se sabe o tamanho do esforço necessário para
de piratas, isso tem tudo para ser verdade. Como chegar ao centro e encontrar o Príncipe. Mas, segundo
muitas, ninguém confirma. bardos, aqueles que o fazem recebem a bênção de
jamais precisar atravessar uma tempestade no mar
Nada disso impediu que mais lendas fossem
novamente. Outros afirmam que o Príncipe é capaz
contadas a seu respeito. De acordo com aqueles
de realizar desejos.
supostamente corajosos o suficiente para relatar um
encontro, o Príncipe se apresenta como um homem Há quem o veja como uma entidade benigna, que
de calças de marinheiro e peito desnudo, em pé, ca- surge de repente e atrai para si as tempestades ao redor,
minhando sobre as águas de qualquer um dos mares possibilitando que seus devotos tenham uma viagem
de Arton. Seu rosto está sempre coberto pelos fios de tranquila. Outros afirmam que o Príncipe é vingativo,
cabelo negros encaracolados que descem longos até atirando ventanias e raios contra navios incautos a seu
a altura dos ombros. Amarrados com cordas grossas bel-prazer. Talvez os dois estejam corretos.

Além de Arton
361
Ubani A GR ANDE S AVAN A

A
lém do Rio dos Deuses, além das Ui- seus e desenvolveu um plano a longo prazo. Encontrou
vantes, além do Império de Tauron, fica seis dos monstros mais terríveis criados por Megalokk
uma região vasta, severa e misteriosa. e concedeu a eles sua maior dádiva — poder. Sagazes
Poucos visitantes passaram por suas e portando energias elementais, essas seis criaturas
extensas áreas de vegetação baixa e amarelada, rapidamente dividiram a Grande Savana entre si,
dizimando os demais monstros. Essas dracoferas
pontilhada de árvores esparsas, e viram de perto
primordiais permaneceram invencíveis e incontes-
as feras locais, testemunhando em primeira mão táveis por milhões de anos. As energias elementais
seus poderes estranhos. Menos ainda conhecem que exalavam eram tão fortes que se impregnaram nos
o verdadeiro nome dessa terra ou o povo por monstros similares da região, transformando-os em
trás dele. Quem imaginaria cidades escondidas dracoferas menores. Tanta energia elemental também
nas sombras da Savana, elementais comunais, servia de chamariz para os próprios elementais, espe-
evolução cultural paralela ao resto de Arton? cialmente quando as dracoferas atacavam, povoando
a região com essas criaturas.
Conhecendo essas maravilhas, desvendando o
mistério de Ubani, uma triste similaridade com o Com a aurora da humanidade, os povos humanos
Reinado e seus vizinhos logo se revela. Como todos surgiram na Savana e podiam apenas se esconder
os demais povos de Arton, os ubaneri também foram das dracoferas e dos seres elementais oriundos de
vítimas da Tormenta. E a Tempestade Rubra arrisca seus ataques. Foi também com sua presença que as
mudar seu modo de vida para sempre. dracoferas primordiais finalmente receberam nomes.
Kivulisi, o kraken gigantesco, permanecia nas pro-
fundezas, dominando a orla do Rio dos Deuses com
História seus tentáculos. Ardile, o bulette com dentes ácidos
e afiados, se afirmava como predador subterrâneo,
Durante a Era de Megalokk, a região hoje conhecida escavando sob a terra e irrompendo para devorar
como Grande Savana era dominada por feras imensas dezenas com uma só mordida. Mirandege, o pássaro
e ameaçadoras. Seres brutais, famintos, preocupados roca com asas trovejantes, cobria o sol com sua enver-
apenas em defender seu território de monstros maiores gadura de voo e anunciava a chegada de tempestades.
e devorar os menores e mais fracos. Esse simplismo Ejotó, a salamandra travessa, um verdadeiro incêndio
incomodava Kallyadranoch, o Deus dos Dragões. vivo, rastejava pela grama deixando trilhas de fumaça.
Mesmo os monstros mais terríveis não podiam fazer Darandaran, o imprevisível unicórnio, podia pisotear
frente a seus sofisticados filhos, mas as crias de humanos em um dia para curar seus ferimentos no
Megalokk existiam em grandes números. Enquanto dia seguinte. Por fim, Ojumajele, o furtivo basilisco,
o Panteão se unia na derrocada do Deus dos Monstros, atacava durante a noite e as vítimas de seu veneno
Kally aproveitou para reafirmar a superioridade dos nunca mais acordavam.

Além de Arton
363
A doma das dracoferas O plano de Kallyadranoch parecia, enfim, ter
obtido sucesso. Mais que as territoriais dracoferas,
A era de terror durou por muitos anos, até que as kipanes podiam encabeçar um exército dominador
subitamente seis mulheres humanas conseguiram capaz de varrer o continente inteiro e uni-lo sob o
sobrepujar esses titãs e assumiram seus nomes como estandarte do Deus dos Dragões. Era uma questão de
bandeiras de suas linhagens. O clero afirma que tempo até que a Savana ficasse pequena demais para
elas receberam inspiração divina para realizar seus
suas ambições… mas o tempo trouxe, em vez disso,
grandes feitos, mas ninguém sabe qual deus seria
a Revolta dos Três. Kally foi punido por seus crimes
responsável por esses sonhos. Teria sido Wynna,
e esquecido por seus servos. A sociedade, escorada
sempre disposta a dividir sua dádiva? Teria sido o
nos ideais eclesiásticos do Deus dos Dragões, desmo-
próprio Kallyadranoch, com mais um passo em seu
ronou. Sem a figura da divindade guiando-os para a
plano de dominação da região?
dominação, sem o incentivo divino da sede por poder,
De uma forma ou de outra, com ou sem inspiração os seguidores das kipanes aprenderam a desenvolver
divina, as dracoferas primordiais caíram. Kivulisi foi força através da comunidade e da união. Em vez de
atraído até a orla, perseguindo sua presa até dar um subjugar os elementais, encontraram formas vantajosas
nó nos próprios tentáculos. Ardile foi superado com de convivência para todos. Em vez de guerrear entre
pura força física, encontrando uma humana que podia si, passaram a compartilhar conhecimento e realizar
abrir a mandíbula do monstro com as mãos nuas. comércio. Os grandes clãs das kipanes se uniram em
Mirandege foi tomado como montaria, forçado a cruzar algo novo, maior e mais poderoso. Não apenas um
toda a Savana e por fim aterrissar pela primeira vez clã, mas uma nação: Ubani.
depois de exaurir todas as suas forças. Ejotó ouviu a
piada mais engraçada já contada e riu tanto e por tanto
tempo que apagou o próprio fogo. Darandaran revelou Depois de
estar sempre solitário e ficou feliz de encontrar uma Kallyadranoch
pessoa sem medo, disposta a acompanhá-lo. Ojumajele O intercâmbio cultural dos dons mágicos deixados
foi enganado e picado com o próprio veneno. Essas pelas primeiras kipanes garantiu que Ubani prosperas-
humanas se tornaram qareen, recebendo a graça se. Integrando os elementais em sua sociedade a partir
dos elementos na forma de dons mágicos passados
das lições aprendidas com a derrota das dracoferas,
adiante para seus descendentes. Seus feitos grandiosos
os ubaneri fixaram ainda mais suas raízes na Savana.
atraíram a atenção de seres elementais e dracoferas
Entenderam a si mesmos cada vez mais como iguais,
menores, servos ou inimigos das primordiais. Assim
estabelecendo contato pacífico com os povos-trovão
como os monstros que haviam superado, as mulheres
da Savana pela primeira vez e convidando-os a fazer
e suas famílias almejavam ter cada vez mais poder.
parte de suas cidades.
Cada uma se declarou kipane, líder de território,
e tomou a dracofera primordial derrotada como Séculos depois, em meados de 1020, ocorreu o
arakunhá, parceiro primal, tanto símbolo da família primeiro contato político com estrangeiros. Felexis
quanto modelo de comportamento. Estabeleceram Beisarus, um ousado explorador minotauro, invadiu
cidades e competiram entre si, fortalecendo-se nessa a Savana e tentou fazer alianças para povoar as áreas
adversidade. Variando entre guerra e paz com a mesma ermas da região. Reconhecendo nos visitantes uma
frequência, construíram uma sociedade à imagem do cultura muito parecida com seus antigos costumes
Deus dos Dragões: forte, feroz, faminta por mais poder. e temendo quebrar o delicado equilíbrio de sua con-

Água, fogo, luz,


sombras, terra e ar:
os seis elementos
de Ubani

Capítulo Três
364
vivência com os elementais, os ubaneri negaram o
pedido. Porém, da mesma forma que mudaram seus
modos, acreditavam que o povo de Beisarus poderia
fazer o mesmo. Assim, estabeleceram um pacto de
não agressão, a ser renovado em quatro séculos. Os
ubaneri acreditavam que, ao retornar, os tapistanos
poderiam ter aprendido as mesmas lições que eles.
Um novo período próspero se estendeu por sécu-
los, até que problemas de fora da Savana novamente
afligissem os ubaneri. Quando a Tempestade Rubra
invadiu Arton, uma área de Tormenta se formou
em Lannestul. Uma das cidades ancestrais ubaneri,
Ojumajele, ficava próxima da cordilheira. Quando
a Tormenta se expandiu e a área cresceu, a cidade
foi engolida. Poucos membros do clã sobreviveram
e os segredos da sua comunhão elemental com as
trevas e a morte foram perdidos.
Hoje, Ubani vive um momento de tensão por trás
das festas frequentes e um certo tom de intriga surge Ubani
durante as canções comunais. A data para a renovação
do pacto de não agressão com o Império de Tauron é Nome Oficial: Ubani.
iminente, mas os Escamas Vivas almejam expansão, um Lema: “Unidos e Eternos”.
retorno aos valores ancestrais do Deus dos Dragões.
O futuro de Ubani é incerto, mas tudo indica que Brasão: de negro uma faixa requifada de
ouro carregada de uma burela requifada
sua cultura sofisticada e ancestral está prestes a ser
cortada requifada de vermelho e verde, o
conhecida pelo resto do continente.
conjunto acompanhado dos seis símbolos
dos arakunhás primordiais sendo em chefe
Geografia Darandaran, Ejotó e Mirandege em roquete
e, em ponta, Ardile, Kivulisi e Ojumajele
Ubani é uma terra bonita, mas severa. A Savana em 2 e 1, tudo de prata.
é um dos maiores territórios de Arton, de terreno Gentílico: ubaneri.
majoritariamente plano, coberto por vegetação mista
baixa e pontilhado por árvores. O clima se torna cada Capital: Mirandege.
vez mais seco conforme um viajante se afasta das Forma de Governo: comitê de kipanes.
margens do Rio dos Deuses, sendo especialmente Regente: Shu Mirandege, Primeira entre
árido em Ardile e Mirandege. Com a utilização de seus os Kipanes.
elementais comunais, porém, os ubaneri conseguem
viver com conforto em toda a extensão de seu território População: 2.000.000.
— exceto pela região tomada pela Tormenta. Raças Principais: humanos, qareen,
Fora das cidades ubaneri, a savana impera, tão povos-trovão (thera).
vasta e viva quanto perigosa. Qualquer estrangeiro Divindades Principais: Wynna,
deve redobrar seus cuidados ao viajar por essas regi- Kallyadranoch, Allihanna, Megalokk.
ões; não há estradas e muitos dos habitantes podem
ser extremamente territoriais, incluindo elementais,
thera e dracoferas.
Duas áreas de Tormenta invadem a Savana. Uma
delas, a área de Lannestul, engoliu uma das seis cidades Ao sudoeste fica a fronteira com o Império de
de Ubani. A terra ancestral do clã Ojumajele foi tomada Tauron, alvo de receio especialmente entre os mais
pela tempestade e poucos da linhagem sobreviveram. velhos. Alguns séculos são pouco para a memória
A outra área não causou um desastre semelhante, ao de uma população com tantos qareen. Qualquer
menos por enquanto, mas os habitantes de Mirandege e movimentação na fronteira ou mesmo especulação
Ejotó podem ver o vermelho se olharem na direção certa. sobre isso causa comoção entre os anciões.

Além de Arton
365
Povo & Costumes Os elementais são tratados como parceiros impor-
tantes e pilares da sociedade, sempre com respeito e
Os ubaneri são um povo alegre e festivo, moldado atenção. Não são vistos como animais de estimação
por séculos de prosperidade. Vivem principalmen- nem pessoas. São uma forma de existência diferente,
te da agricultura, mas caçam e pescam de forma com desejos simples passíveis de ser atendidos pela
consciente e sustentável. Suas comunidades são comunidade. O exemplo mais clássico da cooperação
habitadas majoritariamente por humanos, qareen entre os ubaneri e os elementais são as grelhas comu-
e thera, sendo centradas em recursos compartilha- nitárias chamadas motoju. As residências ubaneri são
dos e engenhos simples tornados fantásticos pela construídas em torno de uma motoju, um poço coberto
cooperação de elementais. por uma grelha e uma tubulação de barro. No fundo
do poço fica um elemental do fogo, normalmente um
ber-baram, que gera chamas em troca de ser alimentado
Shu Mirandege viu com seu combustível favorito. Uma pergunta comum
a história de Ubani
e de Arton passar em Ubani é “o que o seu ber-baram prefere?” antes
por seus olhos de jogar alguma coisa para queimar dentro do poço.
O fogo da motoju é usado para preparar refeições,
muitas vezes consumidas ali mesmo, com os moradores
sentados em bancos em torno da grelha. Motojus
são o coração das comunidades ubaneri; onde
as pessoas conversam, onde fazem pequenas
transações comerciais, onde ouvem músicas
novas e notícias de terras distantes.
Além das motojus, a sociedade ubaneri é organi-
zada em torno de outros recursos compartilhados,
como os balimajiras, estufas aquecidas pelos
pequenos elementais de fogo chamados pakks,
contendo pomares e hortas coletivas, de onde cada
família ou indivíduo pode colher frutas e legumes
para consumo próprio; o baridepo, sistema de
refrigeração das residências, feito com tubos de barro
por onde passeiam elementais de água aquin’nes, e
o kimbarua, sistema de comunicação onde t’peels,
elementais do ar, são chamados por assobios para levar
mensagens escritas. Cada comunidade também tem
seus próprios recursos, às vezes variações pequenas
dos mais comuns, outras vezes grandes inovações.
Dizem até que em Ojumajele havia um trato com um
dabbu, um gênio das trevas, para trazer os espíritos
dos ancestrais como ajuda nas tarefas diárias.
A relação dos ubaneri com a magia arcana é quase
religiosa. Mais do que um dom, a magia é entendida
como um recurso natural que deve ser preservado
e usado com respeito e responsabilidade. Criaturas
naturalmente mágicas como fadas e tritões são muito
admiradas em Ubani, mas espera-se delas retidão e
moralidade excessivas, a ponto de gerar decepções
frequentes. A forma como outros povos lidam com
magia e elementais, mais utilitária e pragmática, é
vista com muita estranheza pelos ubaneri. Quando
se fala que não há refrigeração nas casas do Reinado,
os ubaneri costumam achar que é piada. Como pode
um povo tão rico deixar de desfrutar de conforto por
não compreender a harmonia de outros seres?

Capítulo Três
366
Os nomes ubaneri podem ser confusos para
estrangeiros. Todos os nascidos em uma cidade Governo
carregam o nome da cidade como sobrenome, sendo Cada uma das cidades ubaneri tem um kipane. A
considerados membros de um clã. Dentro de cada palavra surgiu quando as dracoferas foram subjugadas
cidade ou em situações mais formais, os nomes das e pode ser traduzida para o valkar como “líder de
mães e das mães das mães também são adicionados território”. Os kipanes são escolhidos por seu poder
ao nome. Por exemplo, Imani Darandaran Amara arcano e sabedoria, em cerimônias chamadas Desafios
Dolapo é uma ubaneri chamada Imani, nascida em dos Arakunhás, que remetem ao contato ancestral
Darandaran, filha de Amara e neta de Dolapo. com esses seres.
As divindades do Panteão são respeitadas em Uba- Atualmente existem cinco kipanes: Shu Miran-
ni. Wynna e Allihanna são as deusas mais cultuadas, dege, qareen do ar, devota de Wynna, uma anciã
chamadas de Boas Irmãs e muitas vezes louvadas na que presenciou a chegada de Felexis Beisarus;
mesma frase. Megalokk é temido, conhecido como o Sugupembe Ardile, um ceratops jovem e ponderado;
Primo Bruto, mas raramente cultuado; seus poucos Nokanis Kivulisi, humana navegadora do Rio dos
devotos costumam surgir entre os thera. Com o Deuses, famosa por ter passado a juventude toda
retorno de Kallyadranoch, comumente chamado de explorando o mundo além de Ubani; Ekima Ejotó,
Pai, muitos ubaneri estão se voltando a seu culto. qareen do fogo, anciã poderosa, e Sichan Daran-
Alguns conseguem conciliar o retorno à velha fé daran, qareen da luz, conhecido como uma pessoa
com os costumes atuais, mas uma minoria deseja bondosa e caridosa, um dos favoritos do povo. Uma
se aproximar da agressividade e possessividade do cadeira é deixada vazia em respeito aos Ojumajele
Deus dos Dragões. Conhecida como “Escamas Vivas”, perdidos. Embora seja possível que um membro do
essa facção almeja expandir as fronteiras de Ubani. clã peça seu lugar como kipane na mesa mediante a
realização do Desafio dos Arakunhás, isso ainda não
Alguns thera vivem nas cidades em harmonia aconteceu. Se um ubaneri completa o Desafio dos
com humanos, qareen e outros humanoides. Muitos Arakunhás enquanto a cadeira correspondente do
outros preferem viver na savana, em uma vida simples conselho está ocupada, acontece um duelo público
baseada em caça e coleta. Para os kipanes, todos são pela posição. Os termos do duelo são ditados pelo
ubaneri, mas por vezes surgem lideranças entre os kipane atual e sempre estão ligados às virtudes do
próprios povos-trovão que discordam e preferem arakunhá em questão.
se afastar o máximo possível da sociedade. Isso é
Os kipanes se reúnem em comitês para tomar
visto como natural pelos kipanes e não muda em
decisões que afetem Ubani como um todo em vez de
nada seu entendimento desses povos como parte
apenas sua cidade. Embora cada kipane tenha bastante
de Ubani. Caso o mais recluso dos chefes entre os
autonomia, os interesses costumam se alinhar e as
thera precise de ajuda, receberá prontamente, sem reuniões do comitê, a cada estação, costumam ser
qualquer expectativa de contrapartida. tranquilas e proveitosas. O mais velho entre eles é
Sair de Ubani costumava ser raro para os ubaneri. considerado Primeiro entre os Kipanes e sua cidade é
Além de ser uma vida confortável, a cultura focada considerada a capital enquanto ele ocupar essa posição.
em comunidade faz com que a maior parte das Sediando as votações do comitê, o Primeiro possui
pessoas se sinta culpada de ir embora. Ubani só é voto decisivo no caso de decisões disputadas. Devido
forte com a união de seus ubaneri e qualquer pessoa à idade avançada de Shu, acredita-se que ela pode
que se afaste é um braço a menos nas colheitas ou abdicar de seu cargo em breve.
uma voz a menos no contato com os elementais.
Porém, novos tempos trazem novas necessidades
e a cada dia fica mais claro para os kipanes
como é importante conhecer o resto
do mundo. Cada vez mais ubaneri se
ausentam de Ubani, normalmente em
missões diplomáticas ou com propósito
de pesquisa. Esses aventureiros jamais
viajam sozinhos. São acompanhados por
um alikunhá, um elemental parceiro,
um pequeno pedaço de Ubani que
segue o ubaneri em qualquer lugar.

Além de Arton
367
Locais Importantes se debatia e era subjugada. Somente os alongados e
ágeis navios ubaneri viajam pelo Tentáculo, um canal
traiçoeiro superado apenas com o auxílio de corganns,
Mirandege (Capital) elementais da água. Esses navios singram o Rio dos
Mirandege é a maior cidade de Ubani e atu- Deuses e fazem negócios com outras embarcações,
almente sua capital. É feita de construções altas sem sequer aportar em alguma cidade. Como é uma
de dois e três andares, conectadas por tubos de das principais portas de entrada de Ubani, a kipane
baridepo e habitada por todo tipo de pessoa. Muitos Nokanis tem grande interesse em trazer a capital para
pteros vivem em Mirandege, empoleirados nos tubos, Kivulisi. Como o posto de Primeiro entre os Kipanes
apostando corrida com os t’peels, elementais do ar define a capital e é determinado por idade, ela não tem
que carregam mensagens. Em uma torre ao norte esperança de ver isso acontecer em vida. Por isso, treina
da cidade fica uma escultura gigantesca do arakunhá os irmãos gêmeos Maji e Kabiral para substituí-la no
Mirandege, um pássaro roca maior que uma casa, futuro. O arakunhá local passa a maior parte do tempo
com suas asas abertas e olhar vigilante. Nessa torre no Rio dos Deuses. Às vezes seus tentáculos podem
reside Shu Mirandege, Primeira entre os Kipanes, e ser vistos acenando para os marinheiros.
aqui são realizadas as reuniões do comitê de kipanes.
Mirandege é a maior fonte de aventureiros de Ubani,
frequentemente em busca de novos saberes. A cidade
Ejotó
Ejotó é a segunda menor cidade ubaneri, maior
ostenta uma biblioteca com livros de toda Arton,
apenas que Darandaran. Suas esparsas residências
coletados ao longo dos séculos. Esse conhecimento
construídas em torno de motojus parecem apenas um
adquirido tem sido usado para se precaver contra
bairro de Mirandege, mas seus habitantes sabem a
a Tormenta. De fato, com uma área de Tormenta
importância de sua função para Ubani como um todo.
visível da própria cidade, a capital tem se tornado
Os elementais do fogo de toda a Savana são trazidos
um centro de pesquisa contra os lefeu. Qualquer
aqui para serem compreendidos de forma adequada,
informação ou ferramenta para esse fim é muito
entendendo o que preferem queimar e com que fre-
valorizada pelo povo local.
quência. Aqui, mais que em outras cidades ubaneri,
existem muitos elementais convivendo ativamente com
Ardile humanoides. Ber-baram são conduzidos pela cidade
A única fortaleza em Ubani, de longe Ardile e pakks iluminam o ambiente. Um ditado popular
parece um bloco de pedra erguido no meio da Sava- diz que “a noite nunca chega a Ejotó”. A pequena
na. Conta com muralhas protegidas por humanos e população precisa lidar com uma área de Tormenta
thera, mas não tem nenhum portão. A única forma próxima — os efeitos da tempestade não chegam até a
de entrar na fortaleza é escalando as muralhas de cidade, mas o brilho rubro visto no horizonte impede
dezenas de metros, com a ajuda dos mal-humorados que se sintam seguros. Talvez esse seja o motivo do
pamgras locais. Por precaução, a subida costuma ser culto a Kallyadranoch ter ganhado tanta força aqui. O
feita em silêncio. Um comentário que desagrade o arakunhá de Ejotó raramente se encontra na cidade.
elemental pode resultar em uma queda dolorida! O Dizem que, após tantos séculos, a dracofera aprendeu
artesanato e a engenharia são paixões locais; muitos como adquirir forma humana e anda entre os ubaneri
engenhos usados em outras cidades têm sua estrutura procurando novas piadas que a façam rir.
construída em Ardile. Recentemente, o ceratops Su-
gupembe superou o Desafio dos Arakunhás, venceu
seu antecessor em um duelo de força e se tornou
Darandaran
kipane local. Isso atraiu muitos thera para a fortaleza, Darandaran é a menor das cidades ubaneri — fora
incluindo aqueles que não se sentiam parte de Ubani. de Ubani, nem seria considerada uma cidade. Trata-se
O arakunhá local dorme durante décadas em um ninho de uma pista de corrida circular com um grande es-
preparado para esse fim no subterrâneo da cidade. No tábulo e uma torre de mármore em seu centro. Aqui
momento, encontra-se hibernando em paz. são treinados os cavaleiros de Ubani, responsáveis
por percorrer o reino com a ajuda das mais diversas
montarias — cavaleiros vindos de Ardile já domaram
Kivulisi bulettes. O maior prêmio de todos, desejado por
O porto de Ubani é Kivulisi, uma cidade que co- qualquer recém-chegado, é ter um unicórnio como
meça em palafitas sobre o Canal do Tentáculo, ligado parceiro. O arakunhá local aparece às vezes para
ao Rio dos Deuses. De acordo com as lendas, o canal convidar os melhores cavaleiros a um passeio; esse
foi aberto pela dracofera primordial Kivulisi enquanto convite é uma das maiores honras entre os ubaneri.

Capítulo Três
368
O que acontece nessas situações é imprevisível:
alguns apenas percorrem a pista em silêncio, outros
são levados em jornadas épicas por toda a Savana,
enquanto outros são apenas jogados na lama depois
de alguns instantes. Independente da forma desse
passeio, qualquer doença ou maldição afligindo o
cavaleiro é removida no fim do percurso. Sichan
Darandaran, o kipane local, tem como montaria
pessoal um cavalo completamente branco, mas não
corre há muito tempo. Ele está entristecido desde o
desaparecimento de sua filha Janelle há alguns anos
e está disposto a pagar bem para que um grupo de
aventureiros a encontre.

Ojumajele
A maior tragédia de Ubani é a perda de Ojumajele.
A cidade do arakunhá basilisco era também o centro de
treinamento marcial da nação, ensinando aos jovens
os caminhos da morte. Era uma cidade próspera, em
seu ápice capaz de rivalizar com Mirandege. Depois
de ser engolida pela Tormenta, porém, nada resta
de Ojumajele. Suas ruínas estão repletas de lefeu,
mas algumas expedições tentam recuperar tesouros
deixados para trás na fuga. Inclusive, com a quantidade
de guerreiros que existia no local, acredita-se haver
muitas armas mágicas perdidas aqui.

Megadíbula
No meio da Savana, como uma ferida aberta em
meio ao verde, fica a Megadíbula. Dizem que essa
enorme fenda na terra, com aspecto similar a uma
bocarra aberta e se estendendo por centenas de qui-
lômetros, foi criada quando a dracofera primordial
Ardile foi subjugada nos tempos ancestrais. Hoje, as
encostas da Megadíbula são habitadas por animais que
preferem escapar do sol escaldante e por muitos thera,
especialmente voracis. As canções dos thera afirmam
que, no fundo da Megadíbula, há uma passagem para
Chacina, o Mundo de Megalokk. Isso explicaria a
variedade da fauna local, contendo animais e monstros
nunca vistos em nenhuma outra parte de Ubani.

Guildas &
Organizações
Escola de
Etiqueta Elemental
Esse grupo de anciões se dedica a ensinar aos
mais jovens (e, ocasionalmente, aos estrangeiros)
como adotar o modo de vida ubaneri. A harmonia com

Além de Arton
369
Sobre Lanças e Espadas elementais depende de uma série de fatores, desde
conhecimento prático geral sobre a natureza desses
Dentro da cultura ubaneri, lanças e espadas seres tão incomuns quanto entendimento individual
ocupam lugares distintos. Embora ambas do comportamento de cada um deles. O ofício de
sejam armas, os contextos nos quais seu uso e professor de etiqueta é um dos mais respeitados e
porte são adequados variam. Nas cosmopolitas almejados em Ubani. Existem unidades em todas as
Mirandege e Kivulisi, entende-se que o
cidades, mas sua sede fica em Mirandege.
comportamento de viajantes divergirá da cultura
local. Nas outras cidades ubaneri, porém, é Cada escola é parecida com uma residência
possível que a relação de um forasteiro com sua ubaneri por fora, diferenciando-se no interior por
espada cause algumas gafes. ser composta de um único cômodo oval. Nele, os
Lanças são ferramentas. São utilizadas não estudantes são conduzidos por professores a interagir
apenas em combate, mas também na caça, com elementais em condições controladas, conversar
na condução de gado e em cerimônias. São sobre suas experiências pessoais com as criaturas e
exibidas com orgulho, portadas tanto pela elite divulgar seus próprios pensamentos sobre a comuni-
da Patrulha da Fronteira quanto pelos mais dade. As escolas de etiqueta valorizam a aprendizagem
humildes caçadores. É tradição entre os kipanes através da experiência e da descoberta, permitindo
entregar lanças de altíssima qualidade, algumas que os alunos aprendam por meio da resolução de
até mesmo encantadas, como recompensas e problemas e da investigação. Os professores não
símbolos de admiração. apenas indicam como alimentar um ber-baram, por
A lança é longa como se espera que a vida exemplo; os alunos são levados para alimentar um ber-
seja, aguda e letal apenas em sua extremidade. -baram sob supervisão dos professores. As aulas são
O conjunto das técnicas ubaneri para uso de centradas nos interesses e necessidades dos alunos; os
lanças se chama mugaji, “saber da ponta”. A professores atuam como facilitadores, encorajando os
violência e a perda da vida são vistos da mesma jovens ubaneri a explorar novos conhecimentos por
forma — raras e distantes. Mugaji é adequada conta própria ou em colaboração com seus colegas.
para combate em grupo, em formações com ou O aprendizado é considerado um processo contínuo
sem escudos, com um lanceiro defendendo o e em constante evolução, com os alunos sendo incen-
outro. Golpes de lança são acompanhados de tivados a refletir sobre suas experiências e a criar
urros de júbilo, em combate ou em treinamento.
novos conhecimentos a partir delas. Valorizando a
Em festivais e cerimônias, são conduzidas
diversidade de perspectivas e experiências, as escolas
apresentações, estilizando golpes de forma
promovem a colaboração e o diálogo, servindo como
artística, com a maior entre elas sendo a dança
mulelê. Nela, grupos de seis lanceiros golpeiam
pilares do espírito comunitário ubaneri.
e rodopiam em movimentos coordenados, Seu diretor, Gizachini Ojumajele, é um qareen
celebrando elementos importantes da sociedade das trevas e um dos poucos sobreviventes da cidade
— alegria, unidade e respeito. perdida. Muitos alunos insistem para que ele reivin-
Já espadas são instrumentos de morte e devem dique a cadeira de Ojumajele no comitê dos kipanes,
ser portadas embainhadas, de forma solene. mas Gizachini, ou Tio Giz, como é mais conhecido,
Uma lâmina nua é uma declaração da intenção não tem interesse em fazê-lo. Além dos membros
de matar e desembainhar uma espada em do corpo docente tradicionalmente não almejarem
situações pacíficas é escandaloso. Tal ato só é a posição de kipane, mesmo tendo conhecimento
aceito em funerais para guerreiros, quando um capaz de facilitar sua participação no Desafio dos
de seus aliados mostra a arma do falecido para os Arakunhás, Giz não quer perder a escola como já
presentes antes de enterrá-la junto a ele. perdeu sua cidade natal. Apesar disso, seu prestígio
A arte marcial ubaneri com espadas se chama pessoal é enorme e ele recebe visitas frequentes da
panzaji, “ardil da lâmina”, tesouro da cidade Primeira entre os Kipanes para conversar sobre a
perdida de Ojumajele. É silenciosa, pragmática nação. Os mais velhos acham graça do espadachim
e mortal, adequada para ataques decisivos mais letal da Savana ter mudado tão radicalmente
disfarçados pela escuridão. Seus praticantes de ofício, mas ninguém comenta isso na frente dele.
são ardilosos, concentrando-se na vitória acima
de tudo. É usada por assassinos e bandidos,
tornando os espadachins mais temidos Os Escamas Vivas
que respeitados; lembretes indesejados da A sociedade ubaneri é pacífica e coletivista, mas
inevitabilidade da morte. nem sempre foi assim. As dádivas mágicas que permi-
tiram aos nativos da Savana desbravar essa terra hostil

Capítulo Três
370
e domar as dracoferas vieram de uma divindade nada escoltado pelo patrulheiro, depois de ele informar sua
pacífica, com ensinamentos egoístas e individualistas unidade disparando um explosivo colorido no céu.
— Kallyadranoch, o Deus dos Dragões. Esse explosivo gera um som alto, chamando a atenção
A punição sofrida pelo Deus do Poder após a Re- em quilômetros, e segue um código. Uma luz verde
volta dos Três fez com que seu experimento na Grande indica que o patrulheiro está acompanhado mas não há
Savana mudasse de rumo. Ubani esqueceu seu patrono problemas, uma luz amarela indica que o patrulheiro
divino, perdeu a direção e encontrou prosperidade de está acompanhado mas espera problemas, uma luz
outra forma. Existem aqueles, porém, desejosos do laranja indica que o patrulheiro precisa de reforços
retorno a esses tempos brutais. Curiosamente, como e uma luz vermelha indica a presença da Tormenta.
há poucos registros da vida na época, alguns ubaneri Embora toda Ubani tenha sofrido com a perda de
mais jovens criaram saudades de um passado que nunca Ojumajele, ninguém sentiu seu impacto mais do que
existiu. Enxergam-se nos dragões como guerreiros os membros da Patrulha da Fronteira. Não só falharam
conquistadores, desejando expandir seu território. em sua missão de defender Ubani de invasões como
Falam em invadir o Império de Tauron, sonham com perderam seu quartel-general no processo. Outrora
a resposta contra uma ofensa que nunca houve. uma das instituições mais respeitadas da nação, atual-
Os Escamas Vivas são os mais radicais entre mente é vista por parte da população como ineficiente
os cultistas de Kallyadranoch na Savana. Existem e dispensável. Ainda assim, a Patrulha da Fronteira
espalhados por toda Ubani, mas são especialmente continua firme em seu propósito de proteger Ubani
comuns em Ejotó. Com a proximidade geográfica com frente à ameaça insuperável da Tormenta.
Sckharshantallas, alguns deles cogitam abandonar
o culto original e pedir ajuda para Sckhar em seus
planos de conquista. Alguns até mesmo consideram Aventuras
a possibilidade de entregar Ubani inteira para o
Apesar de ser uma terra pacifista, Ubani é terreno
Dragão-Rei. Felizmente para o resto de Ubani, os
fértil para aventuras. Desde intriga urbana nas cidades
Escamas falam muito mais do que agem. Porém, com
até exploração das áreas de Tormenta locais, passando
a idade avançada da kipane Ekima Ejotó, teme-se que
pelas regiões ainda apinhadas de dracoferas, grupos
seu sucessor seja alinhado ao culto.
de aventureiros não vão ficar entediados na Grande
Savana. Há tesouros a serem encontrados na cidade
Patrulha da Fronteira perdida de Ojumajele, todo tipo de monstro e dracofera
A única força militar fixa de Ubani é a Patrulha a ser enfrentado na Megadíbula e mistérios que nem
da Fronteira. Seu quartel-general costumava ficar mesmo as mais antigas lendas ubaneri explicam.
em Ojumajele, mas foi movido para Ardile depois da A principal fonte de problemas é a organização dos
chegada da Tormenta. Nominalmente, é responsável Escamas Vivas. Esses cultistas radicais de Kallyadra-
por defender as fronteiras da Savana de invasões. noch querem abandonar a harmonia e a coletividade
Na prática, atua como braço militar do conselho dos abraçadas pela nação ubaneri e se expandir como uma
kipanes e reforça a lei ditada pelos anciões. força militar, atacando seus vizinhos. Sabem que é
O treinamento de um patrulheiro é multidisci- um objetivo impossível atualmente, mas preparam as
plinar, fazendo com que viaje por todas as cidades, fundações para um ataque futuro. Isso pode envolver
aprendendo mais sobre a cultura local em cada parada. a idolatria a Sckhar e alguma tentativa de contato com
Esse circuito costumava terminar com o treinamento seus filhos em Sckharshantallas, ações para desacre-
marcial de fato em Ojumajele, mas agora termina ditar os kipanes (principalmente a Primeira entre os
de volta em Mirandege. Portando lança e escudo e Kipanes) ou até alianças com grupos do Império de
acompanhado de um elemental parceiro alikunhá, Tauron para forjar ataques e justificar ações militares.
o patrulheiro ideal é o herói típico das histórias de O acordo de não agressão permanece em aberto,
aventura entre os ubaneri. prestes a precisar ser renovado, sem nenhuma certeza
O primeiro contato que a maior parte dos estran- sobre quem assinaria uma nova tentativa. Ele foi assi-
geiros tem com os ubaneri é com os patrulheiros. nado com a República de Tapista, não com o Império
Normalmente, ao encontrar um viajante, um patru- de Tauron, sendo que a situação política dessa nação
lheiro costuma avisar que as terras adiante pertencem já é bem delicada. Há interesse local em estabelecer
ao povo ubaneri e apontar o caminho de volta, para o relações diretas com o Reinado, principalmente por
caso de o forasteiro estar perdido. Caso de fato tenha conta de suas vitórias contra a Tormenta, mas os
assuntos a tratar em Ubani, o visitante passa a ser ubaneri ainda não decidiram como agir nesse sentido.

Além de Arton
371
Halak-Tûr O DESERTO DA PERDIÇÃO

I
nfindável mar de areia, a região do extremo que usaram sua magia para erguer uma nação que
norte de Arton é uma terra árida, repleta de batizaram de Zarkhass, talvez o primeiro império
perigos naturais, conhecida, não sem motivo, civilizado de toda Arton. Uma sociedade de mentiras,
como Deserto da Perdição. Aqueles que se traição e busca irrefreável por dominância.
aventuram em suas dunas douradas enfrentam Embora recebessem dádivas de Sszzaas, a verda-
dias de calor escaldante alternados com noites deira fonte da energia mística dos zarkhassianos era
de frio extremo. Em meio às areias, redemoinhos a própria terra. Seus sacerdotes aprenderam a sugar o
de poeira dançam no horizonte, convidando os poder da natureza, exaurindo-a em troca de sua força
incautos a mergulhar em oásis ilusórios. Sob mágica. Empregando essa energia sem escrúpulos,
o solo, predadores vorazes aguardam pacien- espalharam pela região cidadelas opulentas, onde se
refestelavam com banquetes e celebrações religiosas,
temente, atacando de surpresa aqueles que
nas quais inimigos eram sacrificados a Sszzaas, acom-
resistiram ao clima inóspito, à fome e à sede.
panhados de fartas oferendas de magia e ouro.
Portais místicos se espalham pela imensidão
dourada, projetando tempestades de areia que Impulsionada pelo trabalho de seus escravos,
Zarkhass alcançou seu apogeu em torno do ano
conectam Arton a inúmeros outros mundos.
11 mil AE. Inebriados por seu orgulho e poder, os
Esta terra de perigos, entretanto, também guarda líderes zarkhassianos colocaram em movimento seu
inúmeras maravilhas, de segredos místicos e matemáti- mais ambicioso plano. Reuniram escravos, tesouros
cos a tesouros mágicos ocultos, de oásis refrescantes a e a nobreza do império em Zartari, sua capital, e se
vales montanhosos. Nesta terra, nenhuma recompensa prepararam para executar seu grande ritual. Através
vem sem risco, nenhuma riqueza é recebida de graça dele, planejavam extrair todo o poder da terra para abrir
e, para os inconsequentes e ignorantes, nem mesmo um portal que traria Venomia a Arton, transformando
a sobrevivência é garantida. Sszzaas em um verdadeiro Deus-Rei.
Mas, talvez por excesso de confiança, talvez por
História traição de um dos seus, em vez disso o ritual causou um
desastre. Uma colossal explosão mágica que destruiu
Há dezenas de milhares de anos, as terras que Zartari e as terras próximas, aniquilou toda a vida por
hoje os artonianos chamam de Deserto da Perdição quilômetros ao redor e exauriu a terra. Plantações
eram cobertas por selvas verdejantes, onde a força da secaram, o gado morreu e os rios evaporaram. Lenta-
natureza pulsava de forma quase mística. Esta vastidão mente, as terras verdejantes se tornaram um inóspito
exuberante era o domínio de um povo reptiliano cujo deserto. Este também foi o início das tempestades
poder era rivalizado apenas por sua ganância. Devotos mágicas que tragam vítimas a outros mundos e trazem
de Sszzaas, estes seres eram liderados por sacerdotes visitantes involuntários.

Além de Arton
373
A Formação crença particular, baseada na Canção das Pedras.
Uma coletânea de melodias mágicas preservada como
dos Sar-Allan tradição oral, a Canção das Pedras dava aos ferani
Por milênios após a queda de Zarkhass, as terras o poder de se comunicar com espíritos da terra e
do deserto permaneceram desabitadas. Enquanto isso, manipular as rochas, moldando-as à sua necessidade.
no restante de Ramnor, a vida seguia seu curso, com Cruzando as areias de Halak-Tûr em grandes
diversos povos buscando seu espaço em um mundo re- uk’mattar, embarcações de pedra que deslizavam
pleto de ameaças. Foi assim que, em aproximadamente sobre as dunas, os ferani encontraram um vale rochoso
5 mil AE, grupos nômades começaram a migrar para irrigado por um grande oásis. Lá se estabeleceram e
esta região. Oriundos de Ubani e de terras mais ao sul, construíram uma cidade de pedra, um monumento de
espalharam-se pelo deserto, reuniram-se em grandes calcário amarelo e dourado que era a materialização
bandos e adotaram um estilo de vida nômade, cujos de toda a magia e beleza da Canção das Pedras. A esta
hábitos foram gradualmente moldados pelos rigores do joia pétrea no coração de Halak-Tûr os ferani deram o
que em seu idioma chamavam de Halak-Tûr Il Kabir, nome de Kur’Vator, ou em valkar Cidade no Deserto.
ou “A Tapeçaria Onde o Destino Está Escrito”.
Chamaram a si mesmos, e também todos os habitantes A ligação com as rochas não era a única força
desta terra, de shamiri, ou “todos sob o sol”. dos ferani. Também um povo guerreiro, valente e
agressivo. De sua Cidade no Deserto seus bandos de
Os primeiros grupos que se estabeleceram em guerra patrulhavam os territórios próximos, caçando e
Halak-Tûr tinham poucas características em comum. saqueando tudo que atravessasse seu caminho. Assim,
Muitos, inclusive, competiam por recursos, e saques foi apenas questão de tempo para que suas lanças se
sangrentos eram frequentes. Com o tempo, entre- cruzassem com as cimitarras dos sar-allan.
tanto, as afinidades se tornaram mais fortes que a
desconfiança. Formas de vencer os rigores do deserto Por muitas gerações, o oeste do Deserto da Perdi-
passaram a ser compartilhadas e costumes nascentes ção foi o palco do conflito entre ferani e sar-allan. A
serviram como base para a criação de uma cultura inteligência e a intimidade com o deserto eram trunfos
única. Eles usavam roupas semelhantes, lutavam de para os humanos, enquanto a proteção de Kur’Vator
formas semelhantes e, principalmente, cultuavam o garantia uma posição estratégica sólida para os trogs.
mesmo deus, a divindade que nenhum habitante do Ao longo do tempo, o conflito se manteve estável. Até
deserto pode ignorar: Azgher. Na tentativa de prever o surgimento de Ferez Alkmur, cuja astúcia e coragem
as aterrorizantes tempestades mágicas, desenvolveram mudaram para sempre a história de dois povos.
uma linguagem que pretendia compreender toda a
Criação: a matemática. Pouco a pouco, tornaram-se O Sultão e a
mais próximos. Os ataques persistiam, mas agora
os vínculos de irmandade refreavam as espadas, e
Cidade no Deserto
a violência deu lugar à furtividade e à astúcia como Ferez Alkmur, conhecido como “o Falcão Dourado”,
principal método dos roubos. Unidos pelos desafios do foi um ladrão e espadachim sar-allan que alcançou a
deserto, aqueles peregrinos já não eram mais estranhos liderança de sua tribo após uma longa série de aven-
entre si. Forjados sob o sol de Halak-Tûr, eles haviam se turas. Tendo nascido em meio ao conflito, era um
tornado “irmãos sob o sol”. Em seu idioma, sar-allan. profundo conhecedor das táticas e métodos dos trogs.
Mais do que isso, entendia claramente a importância
Embora os sar-allan tenham se tornado os prin- da Cidade no Deserto.
cipais habitantes de Halak-Tûr, com o tempo outros
povos passaram a ocupar, ainda que em menor escala, Munido desse conhecimento, Ferez colocou em
as areias douradas do Deserto da Perdição. Atraídos andamento um plano ousado. Reuniu os maiores ma-
pelo calor da região, povos de natureza reptiliana, como temáticos sar-allan e ordenou que calculassem o surgi-
trogs, medusas e nagahs, se estabeleceram em peque- mento da próxima tempestade mágica, a que mundo essa
nos grupos e comunidades isoladas, sobretudo em tempestade estaria conectada e, por último, qual seria a
cavernas, desfiladeiros e outras regiões subterrâneas. próxima tempestade ligada a esse mesmo local a rugir
sobre a Cidade do Deserto. Então reuniu um pequeno
exército de guerreiros e arcanistas. Quando a primeira
A Canção das Pedras tempestade se abateu, ele e seu bando atravessaram o
Enquanto os nômades do sul trilhavam seu ca- portal, viajando para um mundo desconhecido. Antes de
minho para se tornar sar-allan, o oeste de Halak-Tûr partir, entretanto, enviou emissários para todas as tribos
recebia outro grupo de imigrantes, os trogs ferani. sar-allan. Sua mensagem era simples: “Em dois anos,
Guiado por visões místicas, este povo seguia uma encontrem-me nas muralhas da Cidade no Deserto”.

Capítulo Três
374
Ferez e seu bando permaneceram fora de Arton
por dois anos, sem nenhuma forma de comunicação
com os sar-allan. Muitos acreditaram que estivessem
mortos. Entretanto, quando a segunda tempestade
se abateu sobre a Cidade no Deserto, milhares de
guerreiros sar-allan aguardavam em suas muralhas,
esperando por um sinal.
Os ferani agiram como em qualquer outra tempes-
tade de areia, retirando-se para suas casas. Mas dessa
vez um portal se abriu dentro da cidade, depositando
ali Ferez e seu bando. Rapidamente, esses atacantes
abriram os portões e tomaram os principais pontos
de defesa. Abrigados em suas casas e ensurdecidos
pelo vento, os ferani foram surpreendidos; quando os
primeiros alarmes soaram, as ruas já estavam tomadas
pelos sar-allan. Incapazes de impedir os invasores,
os ferani sobreviventes fugiram em seus uk’mattar.
A Cidade no Deserto agora pertencia aos sar-allan.
Aclamado pelo sucesso de seu plano, Ferez foi Halak-Tûr
escolhido como o primeiro sultão dos sar-allan.
Incontáveis canções e poemas foram escritos sobre Nome Oficial: Halak-Tûr Il Kabir.
este dia. Contudo, nada se sabe sobre os anos em que
Lema: “Não Existe Destino Exceto o
Ferez e seu bando estiveram fora de Arton. De fato,
Destino que nos É Dado”.
nenhum deles jamais falou sobre esse período; um
pacto de silêncio misterioso que jamais foi rompido. Brasão: gironado de azul e prata, sobre
tudo duas cimitarras passadas em aspa
Com a conquista da Cidade no Deserto, os sar-allan
encimadas por um olho raionado de 16
puderam se dedicar a tarefas que eram pouco práticas
pontas, tudo de ouro.
para quem vivia uma existência nômade, como a ciên-
cia, a magia e as artes. Por outro lado, a vida urbana Gentílico: shamiri.
exigia regras e leis mais rígidas, algo visto por alguns Capital: Cidade no Deserto.
como uma perda de liberdade e de seu verdadeiro
Forma de Governo: diarquia.
modo de vida. Assim, de forma natural e amistosa,
os sar-allan se dividiram entre aqueles que preferiam Regente: Sultão Fazûd, Príncipe Tuarin.
as oportunidades da cidade ou a liberdade do deserto. População: 3.000.000.
Inicialmente não havia animosidade. Pelo con- Raças Principais: humanos, trogs,
trário; os nômades supriam a cidade com alimentos qareen, medusas, nagahs.
e recursos naturais, enquanto os citadinos ofereciam
Divindades Principais: Azgher,
o resultado de seus estudos, pesquisas e artesanato.
Tanna-Toh, Tibar, Aharadak, Sszzaas.
Acostumados a viver em tribos distantes, mas ligadas
por laços culturais, os sar-allan passaram a ver os
habitantes da Cidade no Deserto como mais uma de
suas tribos: diferentes, mas parte do mesmo povo.
para organizar expedições em busca de sua verdadeira
A Traição das obsessão: os segredos perdidos dos zarkhassianos.
Lamparinas A partir das relíquias encontradas por suas expedi-
Houve quem se aproveitou da segurança da cidade ções, o vizir Sattar descobriu um dos estratagemas dos
para perseguir fins questionáveis. Entre eles estava antigos sacerdotes de Zarkhass. Alguns deles haviam
Amin Sattar, um estudioso do arcano que, durante o desenvolvido uma forma de aprisionar gênios, seres
reinado de Hisham Alkmur, neto do lendário Sultão responsáveis pela execução das ordens dos deuses.
Ferez, alcançara a posição de vizir. Neste cargo, não Aquele que pudesse controlá-los certamente dominaria
apenas tinha acesso a textos e materiais místicos dei- uma fração do poder divino. Este plano, entretanto,
xados pelos ferani, como possuía os recursos materiais foi interrompido pelo fim do império.

Além de Arton
375
Combinando seu conhecimento arcano com o
legado roubado dos ferani, Sattar foi capaz de retomar
O Cisma dos Príncipes
o plano dos zarkhassianos. Encomendou seis lamparinas Muito tempo se passou desde a conquista da
de ouro confeccionadas por um dos maiores artesãos Cidade no Deserto e a convivência harmoniosa entre os
sar-allan. Com sua magia, encantou cada uma delas para sar-allan nômades e citadinos foi lentamente corroída,
que fosse capaz de produzir luz a partir de uma das seis como uma rocha exposta às tempestades de areia.
energias básicas da Criação: ácido, eletricidade, fogo, Conforme acumulavam conhecimento e saber, os
gelo, luz e trevas. Sattar então invocou seis poderosos habitantes da cidade passaram a enxergar seus parentes
gênios, cada um ligado a uma dessas energias, e ofereceu do deserto como simplórios e embrutecidos. Estes,
a lamparina correspondente como um presente. Lison- por sua vez, se ressentiam de seus irmãos urbanos,
jeados, os gênios aceitaram, sem saber que se tratava acreditando que a vida na metrópole os havia tornado
de uma armadilha. Quando sopraram seus elementos covardes, acomodados e presunçosos.
na lamparina para produzir luz, foram sugados pelos Apesar de alguns discursos inflamados e incidentes
artefatos, que se tornaram suas prisões. Mais do que agressivos, a rivalidade era mantida sob controle pelo
isso, a magia de cada lamparina obrigava o gênio nela Sultão Ifrn Azaad, descendente indireto de Ferez.
contido a atender a todos os desejos de seu portador. Um hábil líder e diplomata, ele conseguia apaziguar
De posse das seis lamparinas, os ânimos e acalmar as desconfianças, mantendo uma
Amin Sattar orquestrou um gol- paz frágil mas constante.
pe contra o sultão. Entretanto, Tudo mudou com sua morte. Sabendo que cada um
mesmo aprisionados os gênios se de seus dois filhos, os príncipes Fazûd e Tuarin, nutria
mostraram caprichosos, distor- simpatia por uma das vertentes entre os sar-allan, Aza-
cendo os desejos do ambicioso ad deixou para eles uma das notórias lamparinas
vizir. Sattar foi derrotado por do Vizir Sattar, a única que fora recuperada pela
um grupo de aventureiros família real. Essa lâmpada concederia três
leais ao sultão. Em seu ato desejos; cada irmão receberia um e o ter-
final antes da derrota, ceiro deveria ser usado para devolver o
porém, usou sua gênio à lâmpada, pois era sabido que os
magia para enviar as gênios aprisionados haviam se tor-
seis lamparinas para nado selvagens e perigosos. Era
recantos desconheci- o presente ideal, uma perfeita
dos de Arton. lição sobre compartilhamen-
to e responsabilidade para
os dois irmãos. Entretan-
to, a desconfiança mútua
impediu que o último de-
sejo fosse utilizado, pois
nenhum confiava que o
outro não fosse tomá-
-lo para si. Essa falta de
confiança foi a fagulha que
faltava para incendiar as já
conturbadas relações entre
os dois lados. Palavras de acu-
sação se transformaram em atos
de agressão e a iminência de uma guer-
ra forçou os irmãos a uma escolha. As-
sim, a lâmpada, e seu último desejo,
foi abrigada no Grande Templo de
Azgher, longe dos dois príncipes.
Mesmo sem a lâmpada, os
O Príncipe Tuarin lidera laços de irmandade entre os prín-
os sar-allan nômades em cipes já haviam sido cortados. O
sua eterna jornada
pelas dunas Príncipe Tuarin deixou a cidade e se tornou

Capítulo Três
376
o governante das tribos do deserto. Sentado ao trono, Os Infinitos Portais do Deserto
Fazûd se tornou sultão e regente da Cidade no Deser-
to. Unidos pelo sangue, mas separados pelo ódio, os Uma das características mais fantásticas de
irmãos se tornaram inimigos. Halak-Tûr são os inúmeros portais que se
manifestam durante grandes tempestades
Ágata e a Paz Rubra de areia e conectam o Deserto da Perdição a
outros mundos e dimensões, transportando
Foi apenas com a chegada do caçador de recom-
pessoas, objetos e estruturas. Mesmo para
pensas Crânio Negro que a divisão entre os sar-allan
os shamiri, o surgimento, a localização e
terminou. Como parte de um elaborado plano, o vilão
o mundo para onde cada portal leva são
empregou os poderes da misteriosa jovem Ágata
imprevisíveis. O folclore de Halak-Tûr diz
para conceder verdadeiros milagres aos sar-allan da
que os sar-allan são capazes de navegar
Cidade no Deserto. Além disso, encantou a metrópole
pelos portais e prever as tempestades, mas
para que pudesse surgir e desaparecer pelas areias,
isso é apenas parcialmente verdadeiro.
tornando-se uma verdadeira cidade nômade e unindo as
De fato, existem aqueles que conseguem
duas facções. O plano funcionou como esperado, mas
estimar informações, mas são um grupo
maculou a metrópole com a corrupção lefeu. A paz se
restrito de matemáticos e estudiosos, que
restabeleceu entre os irmãos e seus seguidores: Fazûd
ainda é o sultão, mas recebe Tuarin de braços abertos. dedicam semanas ou meses de pesquisa
intensa para a previsão de apenas um
Hoje, influenciados por seus líderes, os sar-allan desses fenômenos.
vivem um período de paz e união. Entretanto, as cica-
trizes de anos de divisão demoram para sumir e ainda Qualquer que seja sua natureza exata, o fato
existem muitos ressentimentos entre os dois grupos. é que há milênios portais têm transportado
Além disso, a loucura gradual que fermenta na Cidade elementos de outros mundos para Halak-
no Deserto pode despertar sentimentos enterrados e Tûr. Embora esses visitantes não sejam
dar origem a confrontos sangrentos como não se vê numerosos, poucos são os habitantes do
neste povo há milênios. Sem saber, os sar-allan podem deserto que não têm alguma história sobre
estar rumando para uma guerra civil que colocará em algo ou alguém trazido pelas tempestades.
jogo tudo que criaram até hoje.

Fazendo jus ao nome, o Deserto da Perdição é uma


Geografia região seca, desprovida de rios e lagos. A chuva é um
fenômeno raro e podem se passar anos sem que uma
Halak-Tûr é uma região de areias secas e áridas, única gota caia sobre as areias. As principais fontes de
marcada por um relevo irregular onde se alternam dunas
água são os oásis espalhados pelo deserto e algumas
de tamanhos variados e pequenos vales e áreas planas.
poucas nascentes escondidas entre as montanhas ou
Ventos e tempestades de areia constantemente alteram
abrigadas em cavernas rochosas. Por sua importância
a paisagem, tornando a navegação difícil e traiçoeira.
vital, estes lugares frequentemente servem como base
Uma das mais extensas regiões de Arton, Halak- para pequenas comunidades ou entrepostos comerciais,
-Tûr é delimitado por alguns dos maiores acidentes ou são o território de caça de predadores.
geográficos do continente. A oeste estão as Montanhas
Um dos maiores desafios que aguardam aqueles
Lannestul, eventualmente usadas como refúgio por
que se aventuram pelo deserto é o clima. Os dias são
muitos habitantes do deserto, e também uma vasta
quentes e secos; as noites são surpreendentemente
área de Tormenta. No extremo oposto, um amplo vale
gélidas. A isso somam-se as tempestades de areia,
banhado pelo Rio dos Deuses marca o limite leste da
fenômenos que podem surgir inesperadamente e
região. Apesar de suas terras férteis, esse vale passou
soterrar caravanas e tribos inteiras.
a ser evitado pelos sar-allan devido à proximidade com
a área de Tormenta de Amarid. De fato, Halak-Tûr Mas Halak-Tûr é uma região de riquezas ocultas
está cercado pelos invasores lefeu. Ao sul, encontra e isso se reflete também em sua geografia. Em meio
Ubani, formando uma longa faixa de território onde às dunas, um viajante pode encontrar montanhas
deserto e savana se misturam. Além de outras áreas de rochosas que abrigam desfiladeiros, vales e cavernas.
Tormenta, o que existe ao norte do Deserto da Perdição Algumas dessas formações protegem pequenos bol-
é uma incógnita. Os sar-allan nunca se aventuraram sões verdejantes, onde árvores frondosas e vegetação
tão longe e ninguém parece saber o motivo. rasteira desafiam a aridez.

Além de Arton
377
Povo & Costumes enquanto assuntos mais importantes ou com maior
impacto são resolvidos em assembleias envolvendo
Os principais habitantes do Deserto da Perdição todos os adultos e anciões.
são humanos sar-allan. Moldados em partes iguais Embora todos os sar-allan se considerem parte
pelo rigor do deserto, pelas exigências de uma vida do mesmo povo, cada tribo vê a si própria como uma
em movimento e pela adoração fervorosa a Azgher, grande família independente, muitas vezes compe-
são um povo de características, hábitos e cultura tindo com outras tribos por recursos, territórios ou
únicos e marcantes. riquezas. Ainda assim, violência real é algo raro, em
Um membro típico dos sar-allan possui a pele parte por um traço marcante de sua cultura: a prática
bronzeada ou escura, com cabelos e barba negros. de saques não violentos, também conhecida como
Vestem roupas leves, dispostas em várias camadas que mak-zabet, ou “roubo sem sangue”. A tradição surgiu
oferecem proteção contra o sol e o calor do deserto. como uma resposta à cultura de saques sangrentos,
Em contraste com o dourado do deserto, vestem dos quais ninguém saía vencedor. Entretanto, o hábito
tons sóbrios e discretos, mas ricamente decorados do saque, do roubo e mesmo da superação astuta
com padrões geométricos e traços que remontam do próximo estavam muito arraigados nesse povo.
aos símbolos de cada tribo. Em suas cabeças usam Mak-zabet é, em suma, o costume entre os sar-allan de
lenços protetores igualmente decorados, ostentados se atacar mutuamente, mas sem violência desmedida.
em elaborados laços e dobraduras; o próprio processo Todo sar-allan espera que um dia vá ser roubado e
de aplicação desses lenços é um traço cultural, variando todos os jovens anseiam pelo dia em que poderão
em forma e disposição conforme a região de cada tribo. eles mesmos atacar uma tribo vizinha. Qualquer
Mais do que uma peça de indumentária, os lenços posse é um alvo válido: alimento, armas, animais
sar-allan desempenham o papel de cobrir os rostos e até mesmo alguém amado, no caso de um “amor
dos fiéis do Deus-Sol, que reservam a visão de suas proibido” entre membros de tribos rivais. A única
faces apenas a sua família próxima e ao próprio Azgher. coisa fora dos limites do roubo é ouro. Na tradição
sar-allan, todo ouro pertence a Azgher e deve ser
A maior parte dos sar-allan vive em tribos nô-
levado ao seu Grande Templo.
mades que percorrem determinadas rotas ao longo
do ano. Cada tribo possui sua própria organização, Extremamente devotados ao Deus-Sol, os sar-
mas todas seguem princípios semelhantes: o adulto -allan creem de que ele é o grande vigia e que tudo
mais experiente é o líder, frequentemente sendo que ocorre no deserto é de seu conhecimento. Sob
aconselhado pelos idosos e por um sacerdote de essa ótica, não faz sentido ocultar os próprios atos,
Azgher. Os demais aspectos relevantes da vida da o que se traduz em um curioso comportamento:
tribo ficam aos cuidados de um mestre responsável sar-allan não tentam esconder verdades ou negar
(como um mestre dos cavalos ou um mestre da forja), crimes; para eles, é mais razoável buscar brechas na lei

O Destino que remonta aos primeiros surge no caminho de um sar-


que nos É Dado migrantes. Estes, afastando-se -allan, não cabe a ele questionar,
de ameaças e monstros, pois ele não vê tudo. Apenas
Forasteiros muitas vezes encontraram um deserto Azgher é capaz disso.
estranham um dos ditados inclemente e místico, que
Existe ainda outra interpretação.
mais típicos dos sar-allan, identificaram como a tapeçaria
Ao dizer que “não existe
considerado lema de sua terra: onde seu destino seria escrito.
Em vez de rejeitar esse destino, destino”, um sar-allan está
“Não há destino exceto o destino afirmando que nada é imutável
abraçaram-no e forçaram-se a
que nos é dado”. A frase, que ou insolúvel. Existe apenas “o
sobreviver e prosperar. Também
soa bizarramente fatalista destino que nos é dado” — ou
é algo que tem a ver com
e conformada, não parece seja, um problema que se
Azgher: o Deus-Sol é o grande
combinar com este povo. apresenta e que tem solução, seja
vigia, o maior provedor, mas
“O destino que nos é dado” também o autor das grandes através de engenhosidade, seja
é um conceito sar-allan provações do deserto. Se algo através de perseverança.

Capítulo Três
378
ou nos costumes do que ocultar algo que certamente
foi visto por Azgher. Da mesma forma, existe toda
Aquele que Tudo Vê
uma sutileza ao esconder ou mostrar qualquer coisa, De todos os deuses do Panteão, sem dúvida o mais
de riquezas a intenções, até mesmo o próprio rosto. importante em Halak-Tûr é Azgher. Sua presença pode
Como as miragens do deserto, os sar-allan aprenderam ser sentida em todos os cantos e seu olhar vigilante
observa tudo que se passa sobre as areias. Aqui Azgher é
a estar sempre visíveis, mas mostrando apenas aquilo
respeitado e temido por todos; mesmo entre os devotos
que lhes interessa.
de outras divindades existe o reconhecimento de que
A premissa de que Azgher tudo vê também exerce esta parte de Arton está sob seu domínio.
uma curiosa influência sobre sua arte. Eles são grandes
A devoção a Azgher molda uma infinidade de cos-
apreciadores de arte abstrata, padrões inusitados e
tumes e crenças sar-allan. Cada tribo carrega consigo os
figuras de geometria complexa, elementos que possam
apetrechos necessários para erguer um local de orações
impressionar e surpreender o Deus-Sol. Sob o olhar
ao Deus-Sol em cada um de seus acampamentos, e
de um deus que já viu tudo, a maior aspiração de um
inúmeros sacrários podem ser encontrados em rotas
artista é criar aquilo que nunca foi visto.
mais viajadas, bem como em oásis e paradouros. Por
Os sar-allan possuem uma profunda preocupação fim, todas as tribos viajam de tempos em tempos até
com a hospitalidade. A escassez e os rigores de o Templo do Deserto para depositar suas oferendas.
Halak-Tûr fazem com que, muitas vezes, a única Muitos sar-allan também reconhecem a importân-
esperança de sobrevivência de um viajante seja cia de Tanna-Toh. A Deusa do Conhecimento ganhou
receber abrigo de outros. Assim, a hospitalidade é espaço sobretudo após a conquista da Cidade no
vista como uma obrigação moral regulada por um Deserto, quando houve um salto de ciência e desen-
código de conduta simples e direto: respeito entre volvimento. De forma semelhante, Tibar, o Deus Menor
anfitrião e hóspede. Um anfitrião não deve nunca do Comércio, é visto com simpatia e respeito. Além
fazer mal a seu hóspede e um hóspede jamais deve de sua relação direta com ouro, ele foi responsável
trair a confiança de seu anfitrião. Um anfitrião só é por estabelecer um sistema matemático para atribuir
considerado como tal em sua casa e um hóspede só valor a todas as coisas.
é tratado assim oficialmente após fazer uma refeição
Por fim, mesmo sob o olhar vigilante de Azgher, o
com sal sob o teto de quem o recebeu.
mal encontra seus caminhos. Nas fronteiras do territó-
Nem todos os sar-allan vivem em tribos nômades. rio, a presença de áreas de Tormenta tem fomentado o
Os habitantes da Cidade no Deserto levam uma exis- culto a Aharadak. E, mesmo passados tantos séculos,
tência um pouco diferente, valendo-se da estabilidade as raízes corrompidas dos zarkhassianos ainda podem
para se dedicar a ofícios como o estudo científico e o ser encontradas sob a terra, o que atrai sszzaazitas em
desenvolvimento filosófico e espiritual. busca dos conhecimentos deste povo caído.

Fin Zandim, Fin Zandim é, na verdade, uma Além de sua importância


o Príncipe dos Ladrões figura folclórica que representa di- narrativa, Fin Zandim também
versos valores da cultura sar-allan. é usado para transmitir valores
Em um povo com tradição oral Protagonista de inúmeras aven- e crenças, sobretudo para os
tão rica quanto os sar-allan, era turas, a ele são creditados tanto mais jovens. Suas características,
esperado que narrativas fictícias se feitos fictícios quanto verdadeiros, mantidas propositalmente
somassem ao registro de eventos cujos reais protagonistas foram
vagas, geralmente são moldadas
históricos. Esse é o caso de Fin esquecidos. Uma ferramenta
conforme aquele que narra a
Zandim, o Príncipe dos Ladrões, importante na transmissão da
história, de forma a gerar uma
o Mestre dos Larápios, o Maior de história dos sar-allan, as histórias
Todos os Aventureiros, a Ousadia de Fin Zandim são contadas como identificação e proximidade com
Encarnada. Em suma, a mais símbolo da astúcia, criatividade os ouvintes. Assim, Fin Zandim
heroica, corajosa e audaciosa figura e engenhosidade deste povo, e pode ter qualquer idade, sexo,
de todo o mundo. Ao menos, do carregam consigo um indisfarçável gênero ou aparência física,
mundo das histórias de Halak-Tûr. orgulho de seus feitos. conforme apropriado à situação.

Além de Arton
379
Governo O poder de se transportar, entretanto, não é a
única maravilha da cidade. Existem lagos e fontes que
A principal figura política de Halak-Tûr é o Sultão nunca secam e irrigam jardins tão verdejantes quanto
Fazûd, regente da Cidade no Deserto. Herdeiro de as mais exuberantes florestas do sul. Além disso, sopra
uma tradição nobre que remonta aos tempos de Ferez pelas ruas e terraços uma brisa refrescante, enquanto
Alkmur, Fazûd é um nobre sar-allan em todos os aspec- animais exóticos de beleza onírica surgiram na cidade,
tos; culto, corajoso, devotado, de temperamento forte e tornando este um lugar único em toda Arton. Tamanho
por vezes inflexível. Um líder respeitado, Fazûd governa conforto e beleza, entretanto, têm um custo secreto,
a Cidade no Deserto do centro de uma corte complexa, pago por todos os moradores da cidade. A magia que
torna tudo isso possível é alimentada pela Tormenta
formada por vizires, ministros, conselheiros menores
e todas as maravilhas possuem sua influência nefasta.
e representantes das igrejas de Azgher e Tannah-Toh.
Pouco a pouco, os moradores da Cidade no Deserto,
Fora das muralhas da Cidade no Deserto, a segunda bem como viajantes que passam muito tempo aqui,
maior força política é o Príncipe Tuarin, irmão do Sultão estão perdendo a sanidade.
Fazûd e líder dos sar-allan do deserto. Ao contrário
Até hoje o sultão não notou essa influência. Alguns
de seu irmão, o Príncipe não possui um palácio ou
de seus conselheiros estão preocupados com sonhos
um trono; seu governo e sua corte estão sempre em
bizarros relatados pelos cidadãos, mas outros veem
movimento. Mais do que isso, o governo de Tuarin é
quaisquer sugestões de problemas como boatos espa-
descentralizado, com conselheiros e auxiliares vivendo
lhados por nômades rancorosos. Talvez estrangeiros,
com as mais importantes e influentes tribos sar-allan.
afastados das disputas entre nômades e citadinos,
Periodicamente, estes conselheiros visitam a tribo de
sejam os agentes ideais para investigar.
Tuarin para apresentar relatórios e discutir assuntos
de interesse do Príncipe.
Caverna das Maravilhas
Perdida em meio ao Deserto da Perdição, existe
Locais Importantes uma caverna subterrânea de riquezas e tesouros inima-
gináveis. Segundo as lendas dos shamiri, essa caverna
A Cidade no Deserto foi abençoada por Tenebra e revelada a seus devotos,
(capital) para esconder riquezas roubadas dos seguidores de
Azgher. Com o tempo, entretanto, sua localização foi
Construída pela magia ferani, conquistada pela esquecida e hoje é um mistério.
engenhosidade sar-allan e corrompida pela energia da
Tormenta, a Cidade no Deserto é a maior comunidade A Caverna das Maravilhas, como é chamada, só
de Halak-Tûr. Um labirinto de pedras amarelas formado pode ser encontrada durante a noite. Sua entrada,
e qualquer indício de sua existência, desaparecem
por prédios, passarelas, ruas, fontes e praças, é uma ilha
sob o olhar de Azgher. Não se sabe exatamente quais
de segurança e conforto no meio de uma região inóspita
tesouros estão armazenados aqui, mas com base em
e hostil. Sede do governo do Sultão Fazûd e, pelo
relatos antigos, é possível estimar que o tesouro pode
menos oficialmente, a capital dos sar-allan, a Cidade
ser um dos maiores de toda Arton, incluindo itens
no Deserto é uma joia que atrai a cobiça e a inveja
mágicos lendários e até mesmo artefatos.
de muitos. Abriga construções e instalações únicas
em Halak-Tûr, como templos de Azgher e Tanna-Toh, Mais misteriosos ainda são os guardiões da Ca-
bibliotecas, observatórios astronômicos e climáticos, verna das Maravilhas. Se as lendas forem verdadeiras,
escolas, oficinas de artesãos e inventores, mercados todos os pretensos ladrões e exploradores que morrem
e hospitais, além de algumas surpresas trazidas de na tentativa de saquear o lugar se transformam em
outros mundos pelas tempestades mágicas. monstros insólitos e únicos, dedicados somente a
proteger a Caverna de outros como eles mesmos. Ainda
Originalmente situada na porção oeste de Ha-
segundo as lendas, esses amaldiçoados só poderiam
lak-Tûr, em pleno território ferani, hoje a Cidade
ser libertados caso o dono do tesouro presenteasse
no Deserto não está mais limitada a uma única
uma moeda de seu saque a cada um.
localização, sendo capaz de se teletransportar. Não
existe um “mecanismo” ou aparato mágico visível;
a metrópole simplesmente obedece aos comandos Vale do Crepúsculo
de seu sultão. Ela pode viajar até 100 quilômetros Na região central de Halak-Tûr existe uma série de
por dia para qualquer ponto, mas apenas dentro das morros e formações rochosas que abrigam um pequeno
areias do Deserto da Perdição. vale verdejante, de terras férteis banhadas por um rio.

Capítulo Três
380
Aqui a vegetação é exuberante, formada por uma relva Contudo, esse paraíso também oferece perigos.
macia e acolhedora, além de pomares constantemente O Vale do Crepúsculo se revela a viajantes, mas
carregados de frutos doces e nutritivos. Este é o Vale do nunca pode ser alcançado durante o dia ou a noite.
Crepúsculo, um lugar mágico de beleza idílica oculto
Permanece sempre à frente, sempre “a menos de uma
em meio à aridez do deserto, habitado por um dos
hora de marcha”, levando alguns a segui-lo obsessiva-
mais misteriosos povos de Halak-Tûr.
mente, perseguindo o paraíso até morrer de fome e sede.
A história do vale e de seus moradores remonta Apenas durante os breves períodos do entardecer e do
aos primeiros povos que exploraram o Deserto da amanhecer ele pode ser verdadeiramente alcançado.
Perdição. Teria sido encontrado ao mesmo tempo Quaisquer viajantes devem correr contra Azgher e contra
por um grupo de adoradores de Azgher e outro de Tenebra, fazendo de tudo para chegar ao vale antes que
devotos de Tenebra. Nenhum dos dois estava disposto a noite ou o dia se revelem por completo. Contudo,
a abandonar este paraíso recém-encontrado, mas aqueles que conseguem esse feito são recompensados
conviver com os fiéis de uma divindade antagônica com uma terra de prazeres e fartura, talvez o maior
não era uma opção aceitável. Buscando evitar uma luta refúgio em todo o Deserto da Perdição.
sangrenta, os líderes dos dois grupos firmaram um
acordo: cada grupo aproveitaria o vale apenas quando
seu deus estivesse vigilante, dormindo durante o Zigurate de Prata
restante do tempo. E assim, por muito tempo os Não são apenas viajantes e seus pertences que as
dois grupos de peregrinos se alternaram trabalhando tempestades mágicas do deserto podem trazer para
a terra, construindo aldeias e transformando o vale Arton. Estruturas maiores, como veículos, monumen-
conforme suas necessidades, encontrando-se apenas tos e construções, também podem ser transportadas
nos breves períodos entre o amanhecer e o entardecer. para as areias de Halak-Tûr. Uma destas é o Zigurate
Com o tempo, a magia do vale passou a afetar os dois de Prata, uma colossal construção metálica, diferente
grupos de habitantes, transformando-os de mortais de qualquer coisa já erigida em Arton, parcialmente
em seres espirituais. soterrada nas areias do Deserto da Perdição.

Além de Arton
381
Visto de fora, o zigurate se assemelha a uma pirâ-
mide de topo achatado, coberta por traços e detalhes Guildas &
regulares. Entretanto, essa estrutura é apenas a por-
ção visível; a maior parte da construção está enterra-
Organizações
da, estendendo-se por centenas de metros no subsolo.
Os poucos relatos de exploradores que entraram no
Geômetras
Zigurate de Prata descrevem uma arquitetura estranha,
de Tanna-Toh
com corredores feitos de um liga metálica desconhecida Fora do Deserto da Perdição, e mesmo entre alguns
e dotado de fios, canos e tubulações. Um zumbido povos da região, existe a crença de que os sar-allan são
constante indica que o prédio está ativo de alguma capazes de guiar viajantes através dos portais mágicos
forma, alimentado por uma energia que parece ser ao e das tempestades que os acompanham. Embora esse
mesmo tempo mágica e mundana. Repleto de máquinas não seja um conhecimento comum a todos deste povo,
e apetrechos de função indecifrável, seus corredores são existe um fundo de verdade nessa crença, graças aos
patrulhados por construtos blindados que combatem Geômetras de Tanna-Toh. Este é um grupo de sábios
qualquer um que tente explorar seu interior. e estudiosos, devotos da Deusa do Conhecimento,
que se dedicam a estudar a matemática e por meio
Por suas características exóticas e pela dificuldade de
dela buscam prever a localização, frequência e destino
explorá-lo, pouco se sabe sobre a origem ou o propósito
dos portais.
do Zigurate de Prata. Seria ele um artefato de uma
civilização avançada, a manifestação de um poder divino A sede dos Geômetras fica na Cidade no Deserto,
distante ou uma arma de um inimigo desconhecido? em um grande centro de estudos formado por um
templo de Tanna-Toh, uma vasta biblioteca e um
O Templo do Deserto gigantesco e intrincado ábaco mecânico, operado
por dezenas de acólitos, capaz de realizar cálculos
No centro de um vale de areias particularmente complexos demais para a mente mortal. Acadêmicos, os
douradas cercado por diversos pequenos oásis locali- membros da organização podem ser encontrados fora
za-se o Grande Templo de Azgher. Também chamado da cidade em expedições exploratórias, mas geralmente
de Templo do Deserto, trata-se de uma pirâmide de preferem utilizar os serviços de aventureiros para
proporções colossais, na qual estão entalhados trechos colher dados para suas operações matemáticas de
da história de todas as tribos sar-allan, acompanhados significado transcendental.
por padrões abstratos. No cume desta construção
magistral fica um enorme sol de ouro, a representação
do aspecto mais conhecido de Azgher. Guilda Comercial
Segundo os dogmas dos sar-allan, todo ouro Joia do Poente
pertence a Azgher e a ele deve ser devolvido. Devotos Filho das tribos sar-allan, Salini Alan é um dos
realizam a peregrinação ao Templo do Deserto sozi- maiores arcanistas de Arton e também um de seus
nhos, em grupos ou em tribos inteiras, apenas para mais ricos comerciantes. Começou sua jornada em
entregar seu tributo. No interior da pirâmide, uma vez Halak-Tûr, onde desenvolveu suas habilidades mágicas
por ano, os clérigos de Azgher executam uma cerimônia e se especializou na conjuração de criaturas elementais,
mística em que todo o ouro oferecido é incorporado iniciando uma bem-sucedida carreira como aventureiro.
ao gigantesco sol, que aumenta a cada ritual. Com os tesouros obtidos em suas aventuras, ele
criou aquela que seria uma das maiores organizações
Apesar de sua importância para a fé em Azgher, o
comerciais de Arton: a Guilda Comercial Joia do Poente.
Templo do Deserto não abriga nenhum tipo de estrutura
administrativa ou política, tampouco tem habitantes Uma organização com laços por todo o Deserto
permanentes. Exceto durante a cerimônia anual, um da Perdição e além, a Joia do Poente comercializa tudo
visitante provavelmente encontrará o lugar comple- que possa ter valor: de objetos mundanos do dia a dia
tamente vazio ou, eventualmente, com algum outro a armas e armaduras feitas pelos melhores inventores
peregrino ou religioso de passagem. Isso não significa, de Arton, passando por itens raros, relíquias e até
entretanto, que o ouro depositado no templo esteja mesmo serviços. Entre estes serviços está a conjuração
desprotegido: sob o olhar sempre vigilante de Azgher, de elementais para escoltar viajantes, proteger nobres
estas riquezas são guardadas por inúmeras proteções e acompanhar aventureiros em suas missões. Existe
divinas. Mesmo assim, muitos ladrões de toda Arton uma sede da Joia do Poente na Cidade no Deserto, mas a
consideram que roubar o ouro de Azgher no interior da guilda está espalhada em imensas caravanas itinerantes
pirâmide é o maior feito que poderiam realizar. que cruzam Halak-Tûr.

Capítulo Três
382
Aventureiros que explorem o Deserto da Perdição “Os oásis do Deserto são espelhos colocados
certamente encontrarão a Guilda Comercial Joia do Poente. aqui por Azgher. Ao chegar a um deles, cada
Ela pode ser um importante fornecedor de recursos e viajante mostra sua verdadeira face.”
serviços, ou pode contratá-los para as mais diversas — Ditado Sar-Allan
missões, desde recuperar bens perdidos ou roubados
até reforçar as defesas de caravanas em rotas perigosas.
E, dependendo de suas habilidades, os aventureiros
vibração de viajantes na superfície. Nos céus, rocas
podem até mesmo cruzar o caminho do extravagante
e outros predadores alados vigiam, preparados para
e poderoso Salini Alan.
mergulhar sobre qualquer criatura que caiba em suas
garras poderosas.
Seita do Olho Brumal Outro tipo de predador do deserto são saqueadores.
Oculta em algum lugar de Halak-Tûr, a Montanha De bandidos sar-allan a bandos de guerra ferani, exis-
do Olho Brumal é um pico de difícil acesso, dotado tem diversos tipos de criminosos à solta pelo deserto.
de poucas e perigosas trilhas. Repleta de cavernas Persegui-los e capturá-los está entre os trabalhos mais
labirínticas, essa montanha é o esconderijo da temida comuns oferecidos a aventureiros da região.
e misteriosa Seita do Olho Brumal.
Mas não são apenas os vivos que representam um
A Seita do Olho Brumal é uma organização se- perigo aqui. Halak-Tûr abriga incontáveis ruínas, de
creta de assassinos, espiões e mercenários devotos de construções perdidas dos zarkhassianos a tumbas e
Tenebra. Submetidos a um longo e rigoroso processo outras edificações deixadas por povos mais recentes.
de treinamento, os membros da seita reforçam suas Explorá-las é uma tarefa que muitas vezes recai sobre
habilidades com o consumo de um mineral mágico, aventureiros; existem vários patronos dispostos a
chamado olho brumal, encontrado apenas na monta- contratar almas corajosas o suficiente para encontrar e
nha. A substância tem efeitos poderosos, mas também vasculhar esses lugares. Muitos deles, entretanto, são
uma limitação: as habilidades que ela fornece não protegidos por espíritos, construtos ou mortos-vivos,
funcionam sob a luz do sol. além de impregnados por energias malditas, advindas
Os membros do Olho Brumal são extremamente do ritual fracassado milhares de anos atrás.
discretos, quase nunca capturados com vida. Da mesma Além de seus nativos, Halak-Tûr também abriga
forma, a localização exata de sua sede é um segredo; visitantes de outros mundos, trazidos pelos portais.
candidatos a membros são conduzidos até a montanha Alguns são hostis, enquanto outros podem estar
vendados e só aprendem sobre as rotas após provar dispostos a negociar, trocar informações ou forjar
sua lealdade. O que é notório entretanto é a eficácia alianças. E ainda há aqueles interessados em encontrar
de seus membros, mestres nas artes da furtividade, aventureiros capazes de ajudá-los a retornar para
infiltração e assassinato. Não é fácil contratá-los: além seus lares.
de localizar um de seus membros, um pretenso cliente
deve ser aprovado pelos mestres da seita, que o julgam Por fim, a própria terra por vezes se volta contra os
segundo os dogmas de Tenebra. Contudo, uma vez que viajantes. Túneis sob o solo, naturais ou formados pela
seja aceito, um contratante tem a seu serviço um dos passagem de criaturas subterrâneas, eventualmente
mais letais e misteriosos grupos de Arton, que não se abrem sob os pés dos incautos, engolindo tudo
desiste até que sua missão seja cumprida. ao seu redor. Uma versão particularmente perigosa
e macabra deste fenômeno são os infinidouros,
fendas subterrâneas causadas pela energia residual
Aventuras dos portais, capazes de transportar suas vítimas para
os mais diversos lugares.
Halak-Tûr é uma terra de tesouros esquecidos, A longa lista de perigos e ameaças do deserto,
ruínas perdidas e oportunidades à espera de alguém entretanto, não é impedimento para aqueles realmente
corajoso o suficiente para aproveitá-las. Entretanto, determinados a explorá-lo. Halak-Tûr apresenta muitas
qualquer um que tente desbravar o Deserto da Perdição maravilhas, dos tesouros fantásticos ocultos em suas
terá que se preparar para seus vários perigos. cavernas e ruínas ao conhecimento acumulado de
Além do clima e da geografia inclementes, Ha- sábios sar-allan e místicos ferani. Além disso, por toda
lak-Tûr também é o lar de inúmeros monstros, de sua resiliência e afinidade com os perigos de sua terra
escorpiões gigantes que espreitam em cavernas e natal, os habitantes do deserto frequentemente se veem
formações rochosas a bulettes, hidras de areia e envolvidos com ameaças e tarefas que requerem as
outros que se escondem sob o solo, atentos à menor capacidades especializadas de grupos de aventureiros.

Além de Arton
383
Tamu-ra O IMPÉRIO DE JADE

A
lém das Sanguinárias, todas as manhãs, Os tamuranianos contemplam o futuro com
um arquipélago vê o sol antes de Ar- esperança, mas também incerteza. Tanto mudou! O
ton. São as terras de Lin-Wu, o Deus antigo e o novo podem coexistir?
Samurai, e seu Imperador-Criança.
Terras de lealdade, verdade e determinação.
Terras de honra.
História
Nas ilhas de Tamu-ra surgiu um povo diverso — Os primeiros humanos em Tamu-ra nasceram do
humano, mas tão diferente dos outros povos humanos amor entre a princesa guerreira Nozomi (que os reli-
quanto de anões ou elfos. Nobres guerreiros-poetas, giosos do Reinado presumem ser Valkaria) e Hunari,
prontos a sacrificar as próprias vidas em nome de o Primeiro. Esse povo, então chamado Huna’Bito,
seus senhores. Assassinos sombrios que poderiam era formado por caçadores que cavalgavam cães-leões
ser comparados a demônios. Mestres de artes mar- nas estepes geladas do norte. A migração para o sul
ciais obscuras, membros de organizações criminosas e o advento da agricultura de arroz, um presente de
tatuados que protegem o povo, pastores em comunhão Allihanna, levou os humanos a abandonar o modo de
com os espíritos que habitam todas as coisas. vida nômade (embora tribos Huna’Bito ainda existam)
e erguer suas primeiras comunidades fixas.
Tudo isso quase se perdeu poucas décadas atrás.
Como o avanço das sociedades, os senhores de
A Tormenta veio. Devorou o mais ferrenho samurai, o
terras daimyo surgiram da necessidade de proteger os
mais amável monge, o mais temível youkai. Durante
camponeses e suas colheitas contra os temíveis bake-
anos terríveis, Tamu-ra foi nada além de chuva ácida,
mono e youkai — monstros e espíritos sobrenaturais.
abandono e desespero.
Três samurais escolhidos por Lin-Wu marcaram o início
Mas o pesadelo teve fim. Após a investida de um das linhagens mais honradas de Tamu-ra: Yamamoto,
glorioso exército divino contra o âmago da Tempestade do Clã da Montanha; Kumoeda, do Clã das Nuvens,
Rubra, Tamu-ra foi salva. Seria a primeira grande vitória e Tokugawa, do Clã dos Rios.
de Arton contra a outrora invencível Tormenta. Vieram
Mas não demorou até que alguns daimyo se
tempos de reconstrução e renascimento.
declarassem xogum, os tirânicos senhores da guerra.
A reconquista total da ilha talvez nunca aconteça, Mesmo os samurais mais valorosos seriam tragados
com parte de suas terras ainda conspurcadas. Mas não por uma guerra pela hegemonia do arquipélago,
há povo mais resiliente sobre Arton. Tamu-ra reergueu afastando-se da honra. Foram tempos cruentos, de
suas cidades, retomou seu modo de vida. Mais que isso, sangue tamuraniano derramado por mãos tamurania-
encerrou o antigo isolacionismo e abraçou a aliança nas. Diante de tais massacres e injustiças, Lin-Wu se
com o continente, abrindo seus portões em profunda enfureceu. Causou terremotos, maremotos e erupções
gratidão. Hoje, Reinado e Império são irmãos. vulcânicas. Parecia o fim de Tamu-ra.

Além de Arton
385
Durante esse tempo de calamidade, contudo,
houve avistamentos de um monge sábio e iluminado.
Retorno e
Não tinha nome e nem rosto, sempre oculto sob um Renascimento
tengai — tipo de chapéu de palha trançada, como uma Shiro Nomatsu, sumo-sacerdote de Lin-Wu,
cesta invertida. Por onde passava tocando sua flauta, liderou os sobreviventes em Nitamu-ra. Mas agora,
a violência esfriava, os desastres cessavam. Tanto os com o desaparecimento de Tekametsu após seu
vulcões furiosos quanto os guerreiros sanguinários se sacrifício, quem governaria o novo Império de
acalmavam com suas palavras doces. Um dia, o monge Jade? A resposta não tardaria. Quando as primeiras
revelou ser um dragão celestial. Ele se tornaria o grande embarcações de refugiados alcançaram a costa tamu-
unificador das províncias em Império, governando-as raniana, depararam-se com um novo milagre. Foram
como o eterno e único Imperador Tekametsu. recebidos pelo próprio Imperador, agora no corpo
de uma criança. Aspecto completamente diferente,
Era Akumushi mas ainda a mesma sabedoria, o mesmo sorriso
bondoso, o mesmo amor transbordando por sua
Após a sangrenta Era Naisen e a Grande Fúria, gente. Ninguém teve dúvidas sobre sua identidade; às
houve prosperidade. A cidade de Yamadori foi de- lágrimas, todos se curvaram ao Imperador renascido.
clarada capital do Império e ocorreram os primeiros
contatos com os povos do Reinado de Arton; até então Não apenas tamuranianos trabalharam para reer-
o continente era temido e evitado. Terremotos e ataques guer sua sociedade, mas também um grande número
de kaiju ainda assolavam, mas era a normalidade em de estrangeiros. Estes, por acolher os refugiados em
Tamu-ra: sobreviver, perseverar e reconstruir. seu momento de penúria, agora seriam vistos como
aliados queridos — acabava o antigo isolacionismo.
Contudo, mesmo tais desastres do cotidiano não Em 1406 foi fundada Shin’Yumeng, ou Shinkyo,
podiam preparar o Império para o que viria. Em 1390, nova capital do Império de Jade; seria a cidade mais
uma tempestade caiu. As paisagens foram corrompidas cosmopolita da ilha, acolhendo gente do Império e
por nuvens sangrentas. Choveu sangue ácido e demô- do Reinado com igual gentileza. Infelizmente, algu-
nios-inseto de pesadelo — akumushi, como chamados ma intolerância e apego aos modos antigos seguem
no idioma tamuraniano. Era a Tormenta. existindo em outras comunidades.
As grandes cidades, concentradas no leste da ilha Membros de outros povos, aos poucos, também
para evitar os kaiju, foram arrasadas — pois exatamente emergiam de seus refúgios. Aqueles antes evitados e
ali a tempestade foi mais violenta, por capricho ou rechaçados agora recebiam boas-vindas — por decreto
destino. Hordas aberrantes avançaram contra suas de Tekametsu, todos os seres honrados mereciam
vítimas, devorando e chacinando. Milhões pereceram. direitos de cidadãos. As cidades se tornariam ainda
Incapaz de socorrer o povo, Tekametsu empregou seu mais coloridas com a presença dos henge, nezumi,
poder celestial para transportar uma pequena porção meios-youkai e tantos outros.
de Yamadori até a capital do Reinado, desvanecendo-se
Enquanto isso, Arton também mudava. A
em seguida. Assim surgiria o bairro de Nitamu-ra em
Guerra Artoniana redesenhou o mapa do Reinado,
Valkaria. Mesmo os tamuranianos mais receosos e
reduzindo o suporte da coroa de Deheon à recons-
conservadores seguiriam vivendo na terra estrangeira.
trução. A queda da Flecha de Fogo transfigurou as
Entre aqueles que ficaram na Tamu-ra devastada, rotas marítimas e intensificou a atuação de piratas.
poucos sobreviveram. O povo-rato nezumi cavou túneis Deuses caíram e ascenderam, trazendo ainda mais
ainda mais profundos, o povo-macaco vanara refu- caos à Família Celestial, como o Panteão é chamado
giou-se nas montanhas, cada raça buscou como pôde em Tamu-ra. Ainda, um grande grupo de sobre-
se esconder da bizarria. Viram-se à beira da extinção. viventes até então desconhecido foi revelado no
Foram 15 anos em que Tamu-ra deixou de existir, reino submerso de Wata’Shimo, acompanhados
exceto nos corações de seus cidadãos espalhados pelo pelo povo-tartaruga kappa.
mundo. Seria necessário um exército divino — lide- Após tantas provações, Tamu-ra não é como antes.
rado por Orion Drake, um dos maiores cavaleiros de Tornou-se calorosa com estrangeiros, tolerante a dife-
Arton — para expurgar a infestação horrenda. Deuses, renças, pronta a socorrer os vulneráveis. Ainda existem
dragões e demônios caíram, seus corpos ciclópicos obstáculos, famílias criminosas, ninjas demoníacos,
até hoje jazendo no campo de batalha. Mas a odiosa aberrações residuais da Tormenta. Existem aqueles
Tormenta foi derrotada. A ilha poderia, enfim, receber que conspiram em nome de um passado supostamente
sua gente de volta. A reconstrução seria dura, mas glorioso. Mas, acima de tudo, ainda existe a honra.
também plena de felicidade. Absoluta e soberana.

Capítulo Três
386
Geografia
Tamu-ra é um arquipélago composto por uma
grande ilha central e várias ilhas menores no entorno.
São delimitadas pelo Mar dos Monstros, ou Kaiju’Umi,
a oeste, e o Mar do Sol, ou Taiyou’Umi, a leste. A
ilha principal, alongada, hospeda grande variedade
de paisagens e climas — desde o norte montanhoso
e congelado, passando por estepes frias e áridas, até
as planícies e colinas temperadas mais ao sul.
Sua parte setentrional se chama Shirokita, o Norte
Branco. Região menos povoada do Império, aqui vivem
os guerreiros e monges mais resilientes, aguardando
discípulos valorosos. Há um conjunto de ilhotas mais
ao norte, conhecidos como Lágrimas da Princesa
e habitados por yuki-onna, as admiradas e temidas
mulheres de neve.
O centro da ilha é tomado por estepes e planícies
frias, conhecidas como Dai’Soogen. Aqui ainda ron- Tamu-ra
dam antigas tribos Huna’Bito, caçando manadas de
bisontes enquanto cavalgam ferozes cães-leões, como Nome Oficial: Império Renascido de
sempre fizeram nos últimos 10 mil anos. Tamu-ra.

A região nordeste é assolada por Kiri’Kizu, Lema: “Nascer, Viver, Morrer, Renascer”.
a Ferida Profunda — onde a batalha final contra a Brasão: um chapéu tengai.
Tormenta foi deflagrada. Mesmo com a expulsão dos
Gentílico: tamuraniano, tamuriano.
demônios mais poderosos, mesmo não sendo mais
uma área de Tormenta verdadeira, estas terras ainda Capital: Shin’Yumeng (Shinkyo).
estão impregnadas de vermelhidão sufocante, ainda Forma de Governo: monarquia
são assoladas por bandos de criaturas grotescas. celestial.
O sul é atualmente a parte mais aprazível da Regente: Imperador Tekametsu.
ilha, de florestas montanhosas e vales verdejantes
População: 270.000.
cortados por rios numerosos. As grandes cidades atuais
erguem-se nos estuários onde estes rios encontram o Raças Principais: humanos, nezumi,
mar — incluindo a capital Shin’Yumeng, na foz do rio hanyô, ryuujin, henge.
Shirakawa. Ainda mais ao sul, um conjunto alongado Divindade Principal: Lin-Wu.
de ilhas é conhecido como a Cauda do Dragão.

Povo & Costumes como moradores em cidades). O requisito principal


Desde antes da Grande Unificação a sociedade ta- para viver em sociedade é a honra.
muraniana tem sido feudal, organizada em três castas.
Temos os nobres dai’zenshi, que lutam e governam; os Por falar em honra, a nobreza tamuraniana obedece
vassalos shimin, que produzem, cultivam e pescam, e a regras diferentes do Reinado. Não basta pertencer a
os párias nai’nin, não considerados cidadãos. As castas uma família tradicional; todo membro da casta nobre
são sagradas, criadas por Lin-Wu e jamais questionadas deve praticar constantemente a honra, ser um exemplo
— mas os requerimentos para pertencer a cada uma se de coragem, virtude, compaixão, cortesia, civilidade e
tornaram mais tolerantes em anos recentes. Outrora, etiqueta. Samurais e clérigos shugenja são magicamente
apenas humanos tamuranianos podiam ser shimin, capazes de estimar a honra de indivíduos, tornando a
cidadãos com direito à proteção imperial. Hoje esse existência de aristocratas corruptos quase impossível. Por
status se aplica a outras raças nativas, incluindo os esse motivo, a nobreza é efetivamente justa, buscando
antigos inimigos nezumi (mas não a estrangeiros, o bem-estar do povo. Ainda assim, existem aqueles que
embora estes sejam tratados com cortesia e aceitos conseguem esconder sua desonra e agir nas sombras.

Além de Arton
387
A maior parte da população tamuraniana é com- mais impressionantes, sua efígie dracônica está nos
posta por humanos, sendo estes também os únicos maiores palácios. Seus guerreiros santos e clérigos,
permitidos na casta nobre — com duas exceções. os samurais e shugenja, são autoridades supremas
Ryuujin, os meios-dragões, são considerados uma na sociedade local.
bênção de Lin-Wu e automaticamente pertencentes à Os outros deuses não são negados, desprezados
nobreza, mesmo quando nascem em famílias plebeias. ou temidos — eles apenas não se equiparam a Lin-Wu,
E os mashin, fabulosos e leais construtos vivos que pois ninguém poderia. São coletivamente cultuados
representam o ápice da arte e ciência tamuraniana, como a Família Celestial, segunda maior religião
são também nobres dai’zenshi. na ilha, que os aceita como divindades menores.
Outros seres convivem pacificamente com os hu- Este culto é muito mais informal, reconhecendo os
manos. Existem os impetuosos hanyô, ou meios-you- membros da Família como espíritos elevados, mas
kai, muitas vezes nascidos do amor entre humanos imperfeitos (apenas Lin-Wu é perfeito). Têm nomes
e seres sobrenaturais. Os tímidos henge, animais e aspectos diferentes, nem sempre combinando com
mágicos inteligentes e capazes de assumir forma suas contrapartes continentais; algumas correlações
humanoide. Os vanara, nobre e sábio povo-macaco são óbvias, outras nem tanto. Quase ninguém sabe os
das montanhas que, em sua eterna curiosidade, pode nomes de todos, até mesmo evitam pronunciá-los em
buscar moradia nas cidades. Infelizmente há também voz alta; dizem que privilegiar um único membro da
os grotescos kaijin, versão ainda mais monstruosa Família traz azar, atrai a inveja dos demais. Os outros
dos lefou, rejeitados e perseguidos mesmo quando deuses são vistos assim mesmo, falhos e cheios de
trazem nobreza no coração. defeitos, mas também merecedores de respeito.
Mas a relação mais complicada reside entre hu- Por fim, em Tamu-ra acredita-se que todas as
manos e nezumi, o feroz povo-rato. Em sua cultura, a coisas têm ou podem ter um espírito, sejam as
busca constante por inimigos fortes é prova de coragem florestas, os rios, as estradas, o vento; o segredo
e merecimento; adversários dignos trazem significado à para uma vida próspera está em respeitar e aprazer
vida. Somado a seu desprezo pela honra, esse modo de cada espírito no momento certo. O mundo espiritual
vida sempre posicionou os nezumi contra os humanos é muito maior e mais rico que este pobre mundo
em toda a história da ilha, cada povo se considerando material. A prática de entender esse universo mágico é
mais merecedor de viver aqui, tratando o outro como chamada Bushintau — não exatamente uma religião,
invasor. Essa inimizade de séculos acabaria apenas com mas pode ser considerada assim. Não há templos,
a tragédia da Tormenta, quando ambos os povos foram mestres ou escrituras que ensinem o Bushintau, cada
quase dizimados. Mais tarde, combalidos e com novos seguidor deve encontrar seu próprio caminho ouvindo
inimigos comuns (os akumushi restantes), ambos os espíritos, aprendendo a discernir suas verdades e
decidiram juntar forças para a reconquista. mentiras. Também fazem parte deste culto as práticas
para contactar ancestrais falecidos, bem como conjurar
Como símbolo da aliança, o Imperador decretou
ou combater seres sobrenaturais.
que nunca mais os nezumi precisariam se esconder
nas profundezas, oferecendo-lhes sua própria cidade. As três religiões existem em sincretismo harmo-
Krat’Karr é a maior comunidade nezumi desde a nioso, sem negar umas às outras. Quase todos os
distante Era Kemono, quando apenas povos ferais tamuranianos acreditam em todas.
habitavam a ilha. O povo-rato ainda desconfia de hu-
manos, ainda prefere violência a diálogo para resolver
pendengas. Mas é um começo. Governo
Após séculos de conflitos ancestrais por poder,
Religião a chegada de Tekametsu trouxe ordem e harmonia,
Em vez de um complicado Panteão com vinte juntamente com um sistema governamental baseado
deuses rivalizando por liderança e devotos, Tamu-ra puramente na honra.
cultiva uma vida religiosa muito mais tranquila. Aqui O Imperador, mesmo em sua atual encarnação
não existe dúvida: Lin-Wu é a divindade soberana. infantil, é a autoridade máxima. Sua lealdade jamais é
É o provedor da honra, aquilo que existe de mais questionada, não apenas por ser escolhido de Lin-Wu,
importante, o que diferencia pessoas e feras. O culto mas também por ser um dragão celestial — criatura en-
a Lin-Wu é inseparável da honra, que por sua vez é tre as mais poderosas e puras na existência. Originário
inseparável da nobreza e da civilização. Sua igreja é de Sora, ali viveu ao longo de eras, apenas ocasional-
a única realmente importante, seus templos são os mente visitando Tamu-ra. Acabaria apaixonado pelos

Capítulo Três
388
dramas e vivências dos mortais, sofrendo por suas Como em outras sociedades feudais, os nobres
dificuldades e desafios. Acompanhou almas ao longo lutam e os cidadãos trabalham. Aqueles que não prati-
de muitas vidas, muitas mortes e renascimentos. Em cam a honra, ou escolhem viver afastados da sociedade,
sua bondade infinita, desejava ajudá-los, servir a eles. não recebem proteção da nobreza. Além disso, em
Conceder-lhes felicidade e fortuna. qualquer conflito ou disputa, os honrados sempre
Era secular mas, ainda assim, jovem pelos padrões serão mais favorecidos
de sua espécie. Outros dragões o censuravam, avi- que os desonrados.
savam sobre viver tão apegado aos mortais, contrair
suas fraquezas. No mundo material, as forças dos
seres celestiais diminuem até acabar. Mas Tekametsu O Imperador
era pura generosidade, ansiava pelo bem-estar de Tekametsu
brinca sob o
outros acima do próprio. Sacrificar-se pelo próximo, olhar sempre
para ele, era um prazer. vigilante do
sumo-sacerdote
Por isso, quando veio a Grande Fúria, quando
Shiro Nomatsu
terras e mares açoitaram e mataram milhares, Teka-
metsu se compadeceu. Ousou implorar ao irado Lin-
-Wu para ter misericórdia. Espantado com a audácia
e mágoa daquele jovem, o Deus Dragão entregou-
-lhe uma missão: mostrar a seus filhos perdidos o
caminho de volta à honra. Assim ele fez. Percorreu
campos de batalha na forma de um monge flautis-
ta, acalmando a natureza e os corações das pessoas.
Por onde passava, trazia paz e tornava-se lenda. Não
queria governar, não ansiava por poder, mas o povo
precisava de um exemplo, um líder. Seria isso ou vê-
-los destruídos.
Assim, mesmo sa-
bendo que seus poderes
seriam reduzidos confor-
me permanecesse no mundo
mortal, Tekametsu tornou-se impe-
rador. Estabeleceu um governo longo e
próspero. Mas, quando a Tormenta veio,
já estava fraco demais. Usou de toda a
sua energia restante para salvar um
bairro e seus ocupantes. Então morreu.
Ou apenas voltou a Sora, restaurando
suas forças, para retornar no momen-
to certo — quando seu povo precisas-
se de liderança outra vez.
A soberania da ilha é centralizada
na figura do Imperador. Ele prefere lidar
com quase todos os assuntos em pessoa, incluindo
a convocação de aventureiros para missões, para o
desespero de seus guarda-costas. Abaixo dele estão
os patriarcas e matriarcas dos Três Honrados, os clãs
Yamamoto, Kumoeda e Tokugawa, todos habitando o
Palácio Imperial em Shinkyo. Seus familiares formam a
nobreza dai’zenshi, atuando como samurais, shugenja
e magistrados, aplicando a lei e a justiça. Bênçãos de
Lin-Wu garantem capacidades de detectar e punir
desonrados, assegurando um governo livre de
intrigas e sem grandes conflitos internos.

Além de Arton
389
Locais Importantes mostrou ideal para uma cidade pesqueira — importante
atividade econômica em Tamu-ra. Sua localização no
extremo sul da ilha seria, também, fundamental para
Shin’Yumeng, estabelecer rotas marítimas para o Reinado.
a Capital Imperial Erguida em pouquíssimo tempo por trabalhadores
Mais conhecida como Shinkyo (que significa ansiosos para ver sua terra renascida, Shinkyo se
simplesmente “nova capital”), a Nova Capital Imperial tornaria exemplo cosmopolita da cultura tamuraniana
é a maior cidade de Tamu-ra na atualidade e em todos mesclada a tradições do Reinado de Arton. Existem
os tempos. Também é a mais diversa, conciliando a izakaya típicos com ótimo saquê, mas também
arquitetura tradicional tamuraniana com cidadãos tavernas que servem cerveja. Os excêntricos bardos
estrangeiros, itens e objetos de arte de vários lugares do continente fazem sucesso ao lado das tradicionais
de Arton. Em todos os aspectos, Shinkyo representa gueixas, clérigos de Valkaria participam dos ritos e
os novos valores da luminosa Era Hikari. preces a Nozomi, mercadores hynne negociam no
Shinkyo foi erguida em uma baía, no ponto em que porto com samurais dos grandes clãs — ou membros
o Imperador-Criança foi encontrado quando aguardava o das famílias yakuza.
retorno das primeiras embarcações de refugiados. Bem A cidade está aberta a visitantes e imigrantes.
protegido contra tempestades e a maioria dos kaiju, Alguns veem como retribuição à hospitalidade ofere-
abastecido de água doce pelo rio Shirakawa, o lugar se cida aos tamuranianos pelo Reinado. Estrangeiros são
bem recebidos no Império, mesmo
que não sejam considerados cida-
dãos shimin, e Shinkyo é a porta
de entrada mais acolhedora que
poderiam ter.

Cauda
do Dragão
Shinkyo aceita todos, mas não
tudo. Próxima do Palácio Imperial
onde residem os Grandes Clãs, com
presença constante de samurais e
shugenja, a capital é o lugar mais
seguro do Império — e onde é
mais difícil fazer acordos com…
discrição. Por esse motivo, as ilhas
ao sul tornaram-se bases de ope-
rações clandestinas para piratas,
criminosos yakuza e até mesmo
ninjas. Ficariam conhecidas como
a Cauda do Dragão.
Outrora povoadas apenas por
henge e aldeias de pescadores,
estas ilhas de grande beleza natural
ficam próximas à rota marítima
principal entre Tamu-ra e o Reina-
do — proporcionando excelentes
pontos de emboscada para atacar
navios mercantes. Seus inúmeros
esconderijos naturais são protegidos
contra a inconveniente vidência
dos shugenja imperiais, mas ainda
ao alcance das comodidades do
Império. Por tudo isso a Cauda do

Capítulo Três
390
Dragão se tornaria um antro de criminalidade, não Wata’Shimo é uma monarquia singular em todo
sendo incomum que os fora da lei do Reinado também o mundo de Arton. Embora existam um rei e uma
venham negociar aqui. rainha, as decisões políticas são tomadas de forma
Expedições imperiais são enviadas com regula- coletiva pelos cidadãos. Qualquer indivíduo adulto,
ridade às ilhas, com variados graus de sucesso em seja kappa ou não, tem direito a voto nas deliberações.
eliminar o crime e garantir a segurança dos viajantes, Os kappa se referem a essa união dos cidadãos como
mas nunca conseguindo fazê-lo por completo. Diz-se o Cardume. O rei, por sua vez, somente exerce seu
que, como os próprios yakuza, a Cauda do Dragão é poder conforme a vontade do Cardume.
um fato inevitável da vida. O Cardume tem estabelecido laços de amizade cada
vez mais estreitos com Tamu-ra. O Imperador-Criança
Nishidori, abriu as portas do Império para receber qualquer kappa
a Fortaleza do Oeste que deseje contribuir ou apenas visitar. Os únicos que
demonstram receio diante da crescente participação dos
Diante do Mar dos Monstros e das Sanguinárias,
kappa são os nezumi, devido a uma histórica rivalidade.
ergue-se a poderosa Nishidori — gigantesca cidadela
Mas afinal, quem não tem uma rivalidade histórica
fortificada, encravada entre as montanhas com o pro-
com os nezumi?
pósito de barrar os kaiju. De fato, em toda a história de
Tamu-ra, teria sido a única edificação capaz de fazê-lo.
As muralhas majestosas não foram suficientes para
Kiri’Kizu,
proteger seus habitantes da Tormenta, mas grande parte a Ferida Profunda
das estruturas resistiu. Com o fim da Era Akumushi, a A Era Akumushi jamais chegaria ao fim sem deixar
cidadela seria então reencontrada e repovoada. Tornar- marcas. Kiri’Kizu é a cicatriz.
se-ia a segunda cidade mais populosa, atrás apenas da
Onde antes ficavam a capital Yamadori e tantas
nova capital. Contudo, diferente de Shinkyo, aqui a
outras cidades vizinhas, agora reside uma imensurável
antiga reclusão tamuraniana seria mantida como forma
cratera de matéria vermelha, em ângulos e tamanhos
de “proteção aos costumes tradicionais”. Acolheria os
impossíveis, cercada por grandes extensões de terra
políticos, mercadores e nobres mais conservadores,
saudosos desses tempos. Aqui também é onde os conspurcada. A Ferida Profunda não é uma área da
ardilosos Tradicionalistas se organizam e conspiram Tormenta verdadeira, mas uma memória viva de todo
secretamente contra a Era Hikari. o mal que causou.

Estrangeiros podem visitar a cidade, principal Antigas estruturas que a tempestade não devorou
ponto de partida para expedições às Sanguinárias. Não foram corrompidas em templos de pesadelo que ape-
devem ter problemas caso suas visitas sejam breves nas vagamente lembram as construções originais. Ali,
e livres de incidentes. Serão tratados com a devida relíquias anteriores ao desastre ainda podem existir,
cortesia, mas apenas porque os locais se consideram atraindo aventureiros ambiciosos. Aberrações meno-
superiores ao fazê-lo. Embora a autoridade de Teka- res também rondam, motivando equipes imperiais em
metsu seja absoluta, aqui se acredita que o Imperador missões de extermínio. Dizem que lefeu verdadeiros
às vezes deve ser protegido de sua própria bondade. ainda se escondem em Kiri’Kizu, tramando, odiando,
transformando-se em coisas diferentes. Precisam
Wata’Shimo, ser encontrados e destruídos antes de alcançar seus
objetivos, sejam quais forem.
o Reino sob as Ondas Nas áreas mais afastadas da Ferida, cidades
O Reino de Wata’Shimo jamais foi completamente
perdidas como Rankami podem ser ainda habitadas
apagado da memória dos tamuranianos. Antes da
por humanos, ou coisas parecidas com humanos, que
Tormenta, muitos consideravam-no apenas uma
abandonaram a honra e abraçaram o poder aberrante.
lenda fantástica. Contudo, o que verdadeiramente
Aqui também é onde kaijin são encontrados com
surpreende o povo da superfície é a peculiaridade
mais facilidade; pode ser, de fato, o lugar onde eles
do fluxo temporal em Wata’Shimo. Um ano nesse
se formam.
reino submerso equivale a uma década na superfície.
Nas antigas lendas, atribui-se esse fenômeno a um Alguns conselheiros do Imperador acreditam
pedido feito pelos kappa a Watajin, o Rei dos Mares. existir alguma forma de restaurar a região. Para outros,
De qualquer forma, tal fato explica a aura de mistério a Ferida seguirá existindo para sempre, como provação
e fascínio envolvendo os kappa do Reino sob as Ondas. e lembrança da tragédia.

Além de Arton
391
Guildas & O Ferrão, clã ninja mais poderoso e antigo de
Tamu-ra, permanece desconhecido para a maioria,
Organizações sendo avesso à honra. Acreditam que uma Tamu-ra
dedicada aos ideais de Wang-Ho alcançaria patamares
muito maiores do que as noções fracas e ingênuas de
Os Três Grandes Clãs honra de Lin-Wu.
“Não há nuvem sem rio, rio sem montanha,
A Constelação, por sua vez, surgiu como uma
montanha sem nuvem”, proferiu Lin-Wu em pessoa
dissidência do Ferrão durante a Grande Unificação.
ao condecorar Yagyuu Yamamoto, Sanjo Kumoeda e
Entre os shimin, são conhecidos popularmente como
Matsura Tokugawa como os Três Honrados, fundadores
“Shurikenjaa”, pois poucos sabem seu nome verdadeiro
do Clã da Montanha, das Nuvens e dos Rios. Esses Três
ou têm certeza de sua existência. Os ninjas da Cons-
Grandes Clãs já existiam há séculos, muito antes da
telação veem a si mesmos como estrelas, imersos na
Grande Unificação, sobrevivendo à Era Akumushi em
traiçoeira noite, mas servindo ao brilho da Era Hikari.
Nitamu-ra. Desde seu retorno à ilha, os clãs retomaram
Como um samurai jamais aceitaria ajuda de um ninja,
seus deveres sob as ordens do Imperador Tekametsu,
seus agentes apoiam secretamente o Império, assim
com a nobre missão de reconstruir o Império.
preservando a honra do povo tamuraniano.
Para surpresa de muitos, os clãs têm visões diver-
Por fim, existem os Sombras, que não cons-
gentes sobre honra. Os Yamamoto são samurais de
tituem exatamente um clã. São ninjas solitários
natureza rústica e abordagem direta. Cumprindo seu
que aceitam contratos de qualquer um, incluindo
dever, enfrentam e resistem a qualquer inimigo. Para
outros clãs ninjas. Seu ideal é preservar os precei-
eles, o propósito da vida como samurai se resume a
tos do Tratado da Arte Ninja, escrito por Ashida
lutas e batalhas. São os mais resilientes guerreiros
Kagemaru, o primeiro ninja. Os Sombras se ajudam
do Império, com uma longa tradição no combate a
mutuamente na procura por páginas e tomos desse
monstros e resgates durante catástrofes naturais.
tratado, buscando aprimorar suas técnicas com esse
Os Kumoeda são mais inclinados à etiqueta e conhecimento secreto.
às artes sofisticadas da nobreza. Desempenham
Nas sombras, os Clãs Sutis também travam sua
papel crucial na burocracia imperial, participando
própria guerra secreta pela lendária espada Saso-
ativamente das decisões governamentais. Para eles,
ri’Ken, forjada por Kagemaru.
não há diferença entre empunhar uma arma ou um
pincel, sendo possível derramar sangue de ambas as
formas. São também arqueiros habilidosos, capazes As Famílias Yakuza
de disparar chuvas de flechas. Sempre houve tarefas que os samurais não podiam
Por fim, os Tokugawa são samurais mais humildes ou queriam realizar, por serem indignas da nobreza.
e próximos à realidade do povo. Para eles, flexibilidade Famílias de camponeses e mercadores assumiram tais
é a resposta, como as águas que contornam as pedras missões, levando ao surgimento de verdadeiras orga-
do rio. Tal mentalidade se reflete em seu estilo de luta nizações criminosas no Império de Jade. As famílias
adaptável, que utiliza a força do oponente contra ele yakuza, mesmo agindo fora da lei, muitas vezes são
mesmo. São grandes defensores das mudanças sociais toleradas pelas autoridades como um mal necessário
recentes na Era Hikari e aqueles mais receptivos à — ainda que seus métodos sejam pouco honrados,
cultura gaijin durante sua estadia em Nitamu-ra. esses bandos protegem o povo a seu próprio modo.
Com um forte senso de lealdade familiar, os yakuza
Apesar das divergências, os três Grandes Clãs punem traidores com amputações e outros castigos
trabalham em conjunto pelo Império de Jade. Mantêm físicos. A família sempre vem em primeiro lugar.
suas rivalidades e desavenças guardadas para o Torneio
dos Clãs que ocorre anualmente, o Kamisori. Além Os Nairyori, também conhecidos como “Clã da
dos melhores samurais de cada família, o torneio Lótus”, são a família mafiosa mais antiga em atividade,
aceita guerreiros e lutadores de todas as origens, com raízes que remontam ao início da Era Teikoku.
inclusive estrangeiros. Eles protegem as populações simples, cobrando “taxas
de proteção” dos comerciantes bem-sucedidos. Seus
métodos são cruéis, eliminando inimigos de maneira
Os Três Clãs Sutis hedionda para servir de exemplo. Após sobreviverem
Existem organizações opostas aos samurais: os à Tormenta, expandiram seus negócios em direção ao
Clãs Sutis, lendários grupos ninjas desconhecidos pela Reinado de Arton, com bases em Nitamu-ra e Shinkyo,
maioria dos tamuranianos. liderados por Dyang So-Dak.

Capítulo Três
392
Já os modernos Hideteru surgiram durante a seguidores desavisados. A ideia de um passado glo-
Era Akumushi, quando várias famílias yakuza foram rioso é sedutora para uma parcela significativa da po-
dizimadas pela Tormenta. Formaram um grupo unido, pulação, especialmente aqueles que se sentem amea-
operando com piratas em comunidades costeiras do çados pelas mudanças sociais.
continente, como Nova Malpetrim. Ao contrário dos Se tudo ocorrer conforme planejado, disseminando
Nairyori, os Hideteru aceitam qualquer pessoa em suas ideias perigosas os Tradicionalistas podem instaurar o
fileiras e são liderados por Hideteru, um hanyô de gênio caos e forçar Tamu-ra a retroceder. Caso falhem, eles
explosivo. Seu objetivo é apenas enriquecer e mostrar se isentam de responsabilidade, acreditando que sua
sua supremacia, sem se importar tanto em proteger falta de envolvimento direto garantirá impunidade.
o povo ou Tamu-ra. Controlam o porto de Shinkyo e
estão constantemente em confronto com os Nairyori,
contratando aventureiros para atacar as operações rivais. Aventuras
Da nobreza no Torneio dos Clãs à corrupção
Os Tradicionalistas na Cauda do Dragão, Tamu-ra é uma terra plena de
As últimas décadas trouxeram mudanças ao modo ocupações para aventureiros. O Imperador Tekametsu
de vida tamuraniano. Alguns rejeitam tais mudanças. frequentemente convida heróis do Reinado para atuar
São os Tradicionalistas. em seu nome, seguindo a tradição dos sentai, grupos
Originariamente compostos por nobres insatis- de campeões respeitados por todos em Tamu-ra.
feitos com o ritmo das transformações, ao longo do A política do Império é marcada por desavenças
tempo os Tradicionalistas se consolidaram como uma de honra e integridade. Embora os Grandes Clãs não
facção unida, com membros de diferentes camadas so- possam entrar em guerra, a rivalidade entre alguns
ciais. Em sua perspectiva, Tamu-ra está em declínio, samurais resulta em duelos clandestinos e crises
com tradições e costumes sendo desrespeitados. diplomáticas delicadas. Aventureiros também se
Eles questionam a legitimidade do imperador envolvem na complexa trama da Guerra das
após uma tragédia que não conseguiu conter, Sombras, o que acarreta perseguição por parte
levantando dúvidas sobre a verdadeira identi- de ninjas de vários clãs. Da mesma forma, as
dade do governante no trono. famílias yakuza são discretas e não apreciam
Durante a Guerra Artoniana, os Tradi- intromissão, a menos que precisem contratar
cionalistas apoiaram a Supremacia Purista e os aventureiros para algum serviço específico.
elogiaram publicamente a suposta disciplina Contratar estrangeiros é uma maneira con-
e honra dos soldados puristas. Seu desejo veniente para as famílias yakuza evitarem
é estabelecer um sistema similar no responsabilidade direta por crimes, mas
pode colocar heróis bem-intencionados
Império de Jade, o que os torna
em apuros perante a lei.
extremamente hostis em relação
aos não humanos, estrangeiros e Além disso, nas áreas remo-
mulheres em posições políticas tas há grande perigo: ataques
ou religiosas de autoridade. de kaijin e demônios oni a al-
deias, kappa perigosos es-
De maneira astuta, os
preitando nas águas, ten-
Tradicionalistas trabalham
gu arrogantes buscando
para reverter as mudan-
lutas, kaiju emergindo
ças positivas alcança-
do oceano para devastar
das no Império de Jade.
e destruir. E, pior que
Eles ocupam po-
tudo isso, os vestígios de
sições de autori-
Tormenta em Kiri’Kizu,
dade em cidades
escondendo tesouros e
mais afasta-
também pesadelos.
das do Palá-
cio Imperial,
como Nishi-
dori. Utilizam rumores Não faltam
razões para se aventurar
falsos e teorias conspi- no Império de Jade
ratórias para conquistar

Além de Arton
393
Moreania REINOS DO POVO-FERA

D
istante de Arton no mar a leste, como um reino. De suas fornalhas nasciam monstros de
Moreania é um mundo em si mesmo, aço e vapor, que cortavam árvores e matavam animais
abrigado e isolado pela vastidão do para alimentar as chamas e gerar mais monstros. Suas
Oceano. Desde o início dos tempos torres e fortalezas esmagavam a selva. Grande parte
sua história seguiu rumos diferentes daqueles da região leste da Ilha Nobre foi devastada, sufocada
pela fumaça negra, tomada pelo Reino das Torres.
traçados pelos outros continentes. Animais e
monstros comuns nesses lugares fantásticos Os animais sobreviventes refugiaram-se nas terras
também existem aqui, mas em cores e formas a oeste. Mas a fumaça avançava inclemente sobre a
próprias, às vezes bastante exóticas. Mas os brancura das montanhas — toda a ilha logo seria tomada
Reinos de Moreania acabariam se tornando por brasa e metal. Os animais farejavam a própria extin-
ção. A Dama lamentava o sofrimento de suas crianças,
conhecidos por seu peculiar povo-fera, os
mas não ousava reagir. Ela suportava, como uma corça
moreau. Um povo humano.
ferida. Tentava manter-se orgulhosa, contendo o choro.
A história da colonização aqui é controversa.
Não conseguiu. Seu irmão Megalokk ouviu.
Sabe-se da existência da distante Arton, a algumas
semanas de viagem por mar — de onde antigos colonos As montanhas sacudiram, rugindo com a ferocidade
poderiam ter chegado. No entanto, o Mito dos Irmãos do Deus dos Monstros. Abriram-se asas de brancura
Selvagens é aceito pela grande maioria da população cegante, varrendo a fumaça pestilenta. Muitas patas e
como verdade absoluta. muitas mandíbulas emergiram das profundezas. Era
o avatar de Megalokk, chamado então Morte Branca.
Inúmeras cabeças expeliram chamas terríveis,
História varrendo o Reino das Torres. Máquinas de guerra
De acordo com o mito, em Moreania havia apenas tentaram detê-lo, mas fizeram pouco além de irritá-lo.
animais, as crianças da Dama Altiva — como Allihanna Em seis dias, Morte Branca havia destruído todos os
é conhecida localmente. Eles viviam seguindo suas humanos, suas máquinas e construções. Aquele tóxico
normas simples, desconhecendo coisas como bem, mal, e nocivo povo darash teve fim. E o Indomável sorriu
ordem ou caos. Obedeciam apenas ao Ciclo da Vida. um sorriso de dez mil presas.

Um dia, nascidas das lágrimas de deuses sem nome, Mas o mal estava feito. As crianças da Dama,
vieram as criaturas de duas pernas chamadas darash atemorizadas, pediram para nunca mais sofrer tanto.
— um povo humano de origem até hoje desconhecida. Pediram para possuir aqueles mesmos atributos,
Invadiram o extremo leste, espalhando-se como um aqueles mesmos corpos e mentes. Ser capazes de andar
incêndio. Ao longo dos anos ergueram aldeias, que eretos, falar e lutar com armas.
cresceram como cidades, que por sua vez cresceram Foram então transformados em humanos.

Além de Arton
395
Séculos se passaram. O povo de Moreania — tam- tinham traços dos animais que um dia foram. Eram
bém conhecido como os moreau — começou sua búfalos, leões, coelhos, morcegos, ursos, crocodilos,
lenta escalada rumo à civilização, seguindo os passos raposas, serpentes, corujas, hienas, gatos e lobos.
que todos os humanos devem seguir. Primeiro foram Agora humanos, temiam o que era diferente, temiam
coletores nômades, extraindo seu sustento da natureza. o desconhecido.
Aprenderam a agricultura, não mais precisando viajar Sempre vagando em busca de novas terras, as
e erguendo suas primeiras aldeias. Dominaram o tribos muitas vezes lutavam por territórios. Dividida,
fogo. Descobriram como modelar o barro, depois o a humanidade era presa fácil para os inimigos que
bronze, o ferro e enfim o aço. Eram agora um povo rondavam ali. Orcs, ogros, goblinoides… sua origem
de espadas, armaduras e castelos, como outros tantos até hoje permanece incerta. Alguns sábios dizem ser
que habitavam terras longínquas. Um povo movido os últimos remanescentes do povo darash, que regre-
por aventura, ambição, conquista e felicidade. diram para uma sociedade violenta por obra da Dama
À primeira vista, os moreau pareciam destinados Altiva. Outros afirmam que os humanoides são muito
a construir um novo Reino das Torres, seguindo os mais antigos — teriam sido uma civilização avançada,
passos que levariam aos mesmos progressos técnicos responsável pela construção de cidades e templos.
— os mesmos monstros mecânicos e não vivos, que Essa teoria explicaria a existência de tantas ruínas
devastavam e matavam. Mas os horrores do passado desconhecidas, não moreau, no território de Luncaster.
nunca foram esquecidos. Eles jamais cometeram crimes Os moreau estavam em perigo, não sabiam apro-
contra seus irmãos selvagens, fosse por amor à Dama, veitar a dádiva do livre-arbítrio. Embora humanos,
fosse por respeito ao Indomável (afinal, Morte Branca ainda eram guiados por instintos animais — agiam pela
poderia retornar para destruí-los). força, reagiam com medo. Seus líderes eram escolhidos
Os moreau inventaram línguas faladas e escritas. entre os guerreiros mais fortes e brutais.
Aprenderam a dominar a magia, desenvolveram artes Nesse cenário, homens e mulheres sábios conhe-
e ciências. Ergueram cidades magníficas, radiantes, cidos como druidas decidiram agir.
que adornavam a paisagem em vez de ferir. Cultivaram
a terra sem profaná-la, domesticaram animais sem O Conselho Druida teria sido a mais antiga con-
fazê-los sofrer. E transformaram Moreania em uma gregação moreau. Seus membros pertenciam a todas
civilização fantástica, sempre demonstrando o devido as tribos, mas reuniam-se secretamente para louvar os
respeito às criações dos deuses. Irmãos Selvagens em cerimônias ocultas nas profundezas
das florestas. Durante seus cultos, aprenderam a praticar
Mas os moreau são humanos e, como tais, muitas todas as formas de magia divina hoje conhecidas.
vezes pensam diferente de seus semelhantes. Aqueles
com ideias parecidas escolheram viver juntos, enquanto Os druidas também inventaram a agricultura e
mantinham distância daqueles que cultivam opiniões a pecuária. Plantando sua própria comida, criando
opostas. Como resultado, hoje o oeste de Ilha Nobre é seu próprio gado, os moreau não precisariam mais
formado por três reinos: Laughton, Luncaster e Brando. viajar o tempo todo. Poderiam se estabelecer em suas
próprias terras, sem esgotar seus recursos naturais.
Construir muralhas e fortificações como proteção
O Velho Mundo contra monstros. Enfim, poderiam viver em paz.
Dentre os três grandes reinos que formam Moreania, Com poder mágico, conhecimentos e sabedoria, os
Luncaster é o maior e mais antigo — berço da civilização, druidas conquistaram o respeito dos moreau, assumindo
ponto de origem dos habitantes de todo o arquipélago. o papel de líderes. O Conselho trabalhou ao longo de
Aqui a humanidade moreau nasceu, milênios atrás. gerações para unificar as tribos. Guerras cediam lugar
Após receber o presente dos Irmãos Selvagens, a jogos e torneios. Casamentos eram arranjados entre
durante os séculos seguintes os moreau viveram noivos de diferentes tribos. Após séculos de esforços,
como nômades. Ainda sem conhecer a agricultura, enfim seria fundada Wellshan, a Cidade Primeva.
tiravam seu sustento das árvores e da caça, colhendo e Sob a orientação dos druidas, o povo moreau
matando somente o necessário. Viajavam em bandos, prosperou. Numerosas outras cidades seriam fundadas
sem estabelecer comunidades. Quando os recursos — muito diferentes das odiosas torres darash. No reino
de uma região escasseavam, migravam para outra, de Luncaster, humanos e natureza andam de mãos
enquanto o lugar anterior se renovava. Assim viviam dadas. Seus templos abraçam as florestas, em vez de
em paz com a natureza. esmagá-las. Árvores enlaçam muralhas e estátuas.
Mas não viviam em paz entre si. Surgiram doze Animais selvagens circulam livremente pelas ruas e
grandes tribos. Seus integrantes, embora humanos, habitações. O primevo e o civilizado são indistinguíveis.

Capítulo Três
396
Os Novos Reinos
Depois de Luncaster, duas outras grandes nações
floresceram. Moreania
Brando, o País dos Campeões, nasceu graças ao Nome Oficial: Reinos de Moreania.
rompimento de uma tradição. Leis antigas regiam
uma disputa de força entre as doze tribos, um torneio Lema: “Mão, Mente, Magia”.
para determinar o homem e a mulher mais fortes em
Gentílico: moreau.
cada tribo. Os Noivos Campeões então se casariam e
governariam até o torneio seguinte. Capitais: Prendik, Wellshan, Kil’mer.
Certa vez, seis séculos atrás, o Clã da Raposa saiu Formas de Governo: teocracia,
vitorioso. Os noivos eram o guerreiro Faernal e a monarquia, república.
arcanista Sathia. Poucas vezes a arma e magia lutaram
de forma tão gloriosa, ele brandindo o machado e Regente: três regentes distintos.
ela conjurando feras. Seu casamento seria uma das
População: 1.500.000.
maiores festas do mundo antigo… quando, durante
a cerimônia, um pequeno descuido de Faernal reve- Raça Principal: moreau.
lou suas orelhas de lobo. Apaixonado por Sathia, o
Divindades Principais: Allihanna,
guerreiro vivera em segredo no Clã da Raposa durante
anos, para que juntos fossem os Noivos Campeões. Os Megalokk.
clãs do casal foram banidos para sempre do torneio.
Ressentidos, lobos e raposas uniram-se para formar
o Clã da Matilha e abandonaram as antigas terras.
Migraram para o sul e, após uma longa jornada, vórtice mágico (ou, segundo alguns, apenas trilharam
estabeleceram seu território na outra margem do um caminho errado).
Rio Ipeck-Akuanya. Ali fundaram Brando, nome do
primeiro filho de Faernal e Sathia. O fenômeno acabou levando-os ao extremo oeste
da ilha, diante de uma cidade misteriosa, mágica.
Com o lento desaparecimento dos clãs e a uni- Formada por seis gigantescos discos de pedra e metal
ficação humana, o antigo rancor foi deixado de lado — cada um deles imenso como uma cidade, pairando
(embora não esquecido). Para muitos, os Noivos nas alturas. Sua exploração consumiu semanas. Havia
Campeões são apenas uma lenda, que explicaria o ruas, edifícios, parques, redes de corredores, câmaras
grande número de Herdeiros da Raposa e do Lobo nas secretas, até portais mágicos levando de um disco
cidades de Brando. Mas há quem relembre o passado a outro. Havia inscrições em idiomas estranhos e
para assegurar sua nobreza — como a orgulhosa esqueletos de seres desconhecidos, mas nenhum
e poderosa família Wolfgang, que hoje governa o habitante vivo.
reino. Outras famílias também alegam descender
dos Noivos Campeões originais, mas os Wolfgang A Cidade Suspensa foi proclamada capital
garantiram o comando. Brando se tornaria uma terra da futura nação de Laughton. Aventureiros e seus
de guerreiros e magos independentes, confiantes, sua familiares vieram prestar homenagem aos Seis Heróis;
força militar de longe a mais poderosa dos reinos. A os pavimentos aéreos seriam rapidamente ocupados
proximidade das ameaçadoras Montanhas de Marfim pelos corajosos, audazes e sonhadores, assim como
mantém todos atentos. Armada com o aço e o arcano, as terras em torno. Novas cidades surgiram à sua
vigilante contra qualquer perigo, Brando é a nação volta, fazendo Laughton crescer. Suas famílias reais
mais orgulhosa no continente. e instituições patrocinam grupos de aventureiros,
oferecendo suporte para suas missões.
O mais jovem dos reinos é Laughton, com
menos de um século de idade. É aquele menos Por muito tempo, Luncaster e Brando nem mesmo
apegado ao passado, buscando saborear o presente consideravam Laughton uma nação, apenas um bando
e rumar para o futuro, sem se deixar deter por an- pretensioso e irritante. Hoje, contudo, seu poder e
tigas histórias ou temores de druidas. Essa atitude atitude são impossíveis de ignorar. Seus habitantes
audaciosa, progressista, com certeza provém de seus enviam expedições constantes ao proibido Reino das
fundadores originais — um célebre grupo formado Torres, atitude condenada pelos reinos mais velhos.
por seis aventureiros. Regressando de uma grande Os navegantes audazes de Laughton também
aventura, o Sexteto teria sido apanhado por um seriam aqueles a descobrir Arton no ano 1400.

Além de Arton
397
Geografia Os moreau pensam e agem como os humanos
do Reinado, demonstrando a mesma adaptabilidade,
Moreania é uma terra à parte do resto de Arton, determinação e ambição do povo de Valkaria —
um mundo em si mesmo. Formado por centenas de com algumas pequenas diferenças culturais. Uma
pequenas ilhas, a maior delas sendo a Ilha Nobre. dessas diferenças, por exemplo, é que quase todos
Grande para uma ilha, pequena para um continente, ela os moreau demonstram grande amor ou respeito
forma a massa principal do arquipélago. Sua extensão à natureza; até os mais urbanos entre eles ficam à
territorial supera todas as outras ilhas reunidas. vontade na presença de animais. Em sua terra, é
comum conviver com animais diversos no ambiente
É vasta a diversidade de paisagens na Ilha Nobre.
familiar, mesmo entre membros da nobreza. O típico
A região central é montanhosa, vulcânica, enquanto
moreau considera-se civilizado, sofisticado, mas
suas extremidades incluem florestas, planícies e praias.
mesmo assim não vê grande distância entre sua raça
A travessia entre as regiões leste e oeste é dificultada
e os animais de que vieram.
pelas montanhas centrais, mantendo os dois lados
relativamente isolados. O clima é tropical, variando entre Os moreau podem apresentar quase qualquer
o árido, especialmente nas montanhas, e o subtropical. aspecto de sua herança, como pés parecidos com
A parte oeste da Ilha Nobre é a mais densamente patas, olhos e cabelos em cores brilhantes, grandes
povoada, pois aqui nasceu e cresceu a sociedade orelhas, caudas, cristas, manchas, listras e assim
moreau. As cidades mais antigas situam-se ao longo por diante — mas é raro que esses traços ofereçam
do Ipeck-Akuanya, o maior rio da Ilha Nobre, que qualquer utilidade prática. O moreau mediano não
nasce nas Montanhas de Marfim e atravessa grande tem asas ou barbatanas funcionais, por exemplo:
parte dos Reinos, desaguando no mar a oeste. Muitas seus traços animais são puramente cosméticos.
estão abandonadas e hoje são exploradas por estudiosos Muitos até têm aparência quase humana, trazendo
e aventureiros. Outras, como a antiquíssima Wellshan traços bestiais mínimos, como orelhas levemente
em Luncaster, são habitadas até hoje. pontiagudas, dentes caninos salientes, unhas um
pouco escuras, manchas leves sobre a pele… Detalhes
Os Três Reinos apresentam milhares de vilas, cen-
perceptíveis apenas com um exame atento. Quanto
tenas de cidades e um pequeno número de metrópoles,
ao vestuário, são facilmente reconhecíveis por suas
cercadas de áreas rurais, que por sua vez são cercadas
vestes chamativas e muito coloridas.
de território selvagem. Os moreau erguem seus lares
em planícies, mantendo distância das florestas e evi- Por sua própria diversidade, os moreau difi-
tando atravessá-las. O transporte entre cidades é feito cilmente julgam outros pela aparência. Tratam
por estradas ou rios: o Ipeck-Akuanya e seus afluentes humanos, anões, elfos, minotauros e outros com a
oferecem uma vasta rede de navegação fluvial. Quase mesma naturalidade. Goblins, contudo, são um caso
todas as cidades moreau ficam à margem de um rio. especial: em Moreania existem apenas goblinoides
agressivos, malignos — bem diferentes do goblin
As Montanhas de Marfim, vastas e comparáveis às
urbano do Reinado ou dos duyshidakk de Lamnor.
Sanguinárias de Arton, são inclementes e infestadas de
monstros. Formam um obstáculo natural separando Um moreau tem grande dificuldade em confiar
as regiões oeste e leste, esta antes ocupada pelos nestas criaturas, mantendo as armas sempre por
darash, hoje formada por extensas ruínas de sua antiga perto em sua presença.
civilização. Desnecessário dizer, tanto as montanhas Nestas duas décadas de convivência, muitos
quanto o Reino das Torres são pontos tradicionais de moreau se familiarizaram com a cultura de Arton,
exploração para os aventureiros locais. também falando o idioma local — ainda que com
forte sotaque. No idioma moreau não existem os
sons /lh/ (como em “abelha”) e /nh/ (como em
Povo & Costumes “ninho”). Eles pronunciam estes sons como /li/ e /
ni/, respectivamente, sendo muito difícil para eles
Exceto pela aparência incomum, os moreau são hu-
dominar a pronúncia verdadeira.
manos em cultura e comportamento. Em sua terra natal
existem cidades, torres e palácios tão impressionantes Os moreau têm alma aventureira, assim como os
quanto no Reinado de Arton — e seus aventureiros humanos do Reinado — especialmente aqueles que
adotam as mesmas carreiras. De fato, a descoberta da fazem a travessia oceânica até lá. São raros os que
Terra Desconhecida (como eles chamam Arton) tem adotam vidas pacatas como camponeses ou comer-
motivado muitos de seus heróis a atravessar o oceano ciantes; preferem formar grupos de heróis e desbra-
em busca de oportunidades, desafios e aventuras. var os perigos da Terra Desconhecida.

Capítulo Três
398
Os Irmãos Selvagens Ela não comenta o motivo que teria levado uma drui-
da guerreira a abandonar suas aventuras em troca de
Como já mencionado, os habitantes da Ilha uma vida tediosa, burocrática, como membro do Con-
cultuam seu próprio panteão dualista, composto selho. Às vezes, apenas baixa os olhos e comenta com
por Allihanna, a Dama Altiva, a Deusa da Natureza, voz sumida: “Há coisas que a humanidade nunca de-
e Megalokk, o Indomável, o Deus dos Monstros. veria conhecer. Nunca…”.
Embora seus cultuadores no Reinado as vejam como A nação monarquista de Brando tradicionalmente
divindades opostas, os moreau aceitam ambas, como é governada por um casal. Atualmente são o Rei Is-
faces harmoniosas e necessárias do bem e mal, luz e gard Wolfgang e a Rainha Sadine Wolfgang. Ambos
trevas, paz e guerra. Tal religião unificada é conhecida alegam descender dos Noivos Campeões originais,
como a Igreja dos Irmãos Selvagens. demonstrando publicamente suas semelhanças físicas
Demais deuses do Panteão artoniano não eram com Faernal e Sathia — exceto pelo fato de ser ele um
conhecidos pelos moreau. Para eles, por muito tempo, lobo arcanista e ela, uma raposa guerreira. O casal
Khalmyr, Nimb, Valkaria e outros seriam apenas mito- demonstra pulso firme, justiça e determinação, além
logia curiosa. Anos mais tarde, contudo, muitos moreau de grande superioridade em combate; não há quem
acabariam se devotando aos deuses estrangeiros. De desafie Isgard e Sadine. O único filho do casal (com
igual forma, outros tantos tentam arrebanhar devotos o conveniente nome de Brando II) é um jovem e
para a Igreja dos Irmãos em território do Reinado. destemido membro da Cavalaria Batedora, prestigiada
Uma profusão de divindades
menores — também chamadas de
Em Brando, Faernal e
“grandes espíritos” — tem seu lugar no
Sathia são representados
coração do povo moreau, formando nu- de forma grandiosa
merosos pequenos cultos. Muitos são e exagerada
conhecidos apenas em certas regiões,
ou dentro de certos círculos. Outros
nem mesmo são deuses verdadeiros,
e sim entidades poderosas, épicas,
mas ainda mortais. Outros ainda
são aspectos menores de deidades
estrangeiras, uma pálida sombra de
seu verdadeiro poder.

Governo
Os Reinos de Moreania não têm
governo unificado. Cada nação conta
com sua própria liderança e regime.
Luncaster segue os modos antigos,
mantendo druidas como regentes e lí-
deres espirituais. Tem sido governada
nos últimos anos por Sophia Raziel,
a Druida Venerável, autoridade máxi-
ma do Conselho Druida. Foi aventu-
reira na juventude, viajando com co-
legas através dos reinos, explorando
masmorras, protegendo vilas e des-
truindo monstros. Um dia, o grupo de
heróis desbravou uma antiga estrutu-
ra subterrânea, de origem desconhe-
cida — aquilo que encontraram, nin-
guém sabe. Então, por alguma razão
misteriosa, Sophia retornou à cidade
natal e ingressou nas fileiras da ordem.

Além de Arton
399
ordem de magos-guerreiros que cavalgam hipossau- que vivem em mansões e possuem comércios finos e
ros. Comenta-se à boca miúda sobre um possível grandiosos. Tudo resguardado pela milícia real, que
romance entre Brando II e Elenah — uma regente do também mantém seu quartel-general aqui.
vizinho reino de Laughton e também descendente da No Piso Zasnem estão sediadas bases de guildas
lendária maga Khariat. Esse boato afeta o prestígio
e corporações de ofício. Estas casas “controlam” o
dos Wolfgang, uma vez que os habitantes do Novo
caos, tentando seguir com seus negócios em uma
Mundo são tidos como inconsequentes e insanos. A
cidade de leis escassas. Em muitos sentidos, são
história estaria se repetindo…?
estes mestres artesãos, chefes comerciais e líderes
Por fim, Laughton é governado pela Junta do de ofício que realmente governam. Aqui também
Sexteto, descendentes dos antigos heróis fundadores estão as Casas de Aventura — tavernas e estalagens
da nação. Sua interferência em assuntos oficiais é patrocinadas pela nobreza, onde o objetivo é entreter
mínima, apenas negociando com chefes e mestres e contratar aventureiros de elite.
de guildas para deliberar sobre medidas necessárias.
O Piso Khariath abriga um setor industrial, com
Em verdade, Laughton é governada com desleixo. Seu
oficinas, usinas de fundição de ferro, laboratórios
regime liberal é um incentivo ao crime e à corrupção.
de alquimia, carpintarias e todo tipo de estabele-
Taxas, impostos e eleições são mudados a todo mo-
cimento para manufatura de bens — bem como
mento; qualquer regulamento exercido há mais de
as moradas de seus artesãos. Aqui também fica o
uma semana é considerado “tradição secular”. Sua
Museu Narvhal de Peças Misteriosas (que, em vez de
milícia é displicente e corrupta, não tem o respeito do
antiguidades, exibe artefatos estranhos originários
povo. Diante de alguma crise grave, o procedimento
de várias partes do mundo). A administração do
normal é contratar heróis para resolver o problema.
museu contrata aventureiros regularmente para
Rumores dizem que os membros da Junta formam seu
caçar novos artefatos.
próprio grupo de aventureiros, às vezes abandonando
o Palácio Real para caçar tesouros, deixando seus No Piso Zara, mais arborizado, temos imensas
subordinados em pânico total… praças e jardins, além de estabelecimentos voltados
para o lazer. São tavernas, estalagens, teatros, saunas,
casas de ópera, banhos públicos, arenas de esportes e
Locais Importantes outros. Mesmo descrentes e desleixados em relação à
sua fé, os laughtonianos conservam aqui um templo
Cidade Suspensa em honra aos Irmãos Selvagens.

de Prendik O maior e mais baixo disco é o Piso Sandoram,


o mais densamente urbanizado, abrigando a maior
Na costa oeste da Ilha Nobre, a Cidade Suspensa
parte das residências — e o famoso Mercado de Pren-
é a maior e também mais progressista e diversificada
dik em seu centro. É o pavimento mais movimenta-
cidade nos Reinos. Descoberta e conquistada pelo
do, as ruas tomadas de caos e correria. Infelizmente,
lendário Sexteto, é constituída por seis discos gi-
é também aquele com maior criminalidade: becos,
gantescos de rocha e metal, que pairam um acima do
vielas e clubes secretos escondem ladrões e saque-
outro, em constante e lenta dança giratória. A origem
adores. Um intrincado mercado negro é abastecido
dessa grandiosa estrutura é desconhecida — quem
por furtos e pirataria. Para um visitante desavisado,
teria sido capaz de levitar peças tão descomunais,
alguns pontos deste piso podem ser tão perigosos
e ainda interligá-las por meio de portais mágicos?
quanto qualquer masmorra…
Algumas inscrições e antigas ossadas sugerem um
povo humanoide. Exceto por esse fato, o mistério é A cidade não termina aqui. Prendik continua
completo. De qualquer forma, a cidade foi explora- no chão, suas construções se alastrando abaixo dos
da e considerada inofensiva — e suas centenas de discos, margeando a costa. Docas, faróis e galpões
edificações, adaptadas às necessidades dos moreau. são as estruturas mais comuns. Este é o principal
ponto de desembarque para estrangeiros da Terra
Demonstrando pouca ou nenhuma modéstia,
Desconhecida, os chamados “artonianos” — a grande
os Seis Heróis deram seus próprios nomes aos seis
novidade da metrópole.
pavimentos. Tomaram a plataforma mais alta como
sua habitação pessoal, estabelecendo ali o Palácio Apesar de sua densa população, Prendik ainda
Dorovan — atual morada de seus descendentes e sede tem setores inexplorados. Seus discos escondem
do governo. Logo abaixo, no Piso Thori, situam-se redes de túneis e câmaras secretas, talvez contendo
as residências das famílias mais antigas em Prendik, tesouros e perigos.

Capítulo Três
400
Wellshan o maior palco de batalhas de Moreania — além de
ginásios, estádios e praças de esportes. Tudo aqui é
A Cidade Primeva recebeu esta alcunha por ser grandioso, as torres são imponentes, as flâmulas são
a mais antiga de Luncaster (portanto, a mais antiga coloridas, os parques são extensos e magníficos. Essa
cidade de Moreania). É também a mais populosa, com imponência demonstra a força e habilidade da nação.
mais de quatrocentos mil habitantes. Tem esse nome
em homenagem ao primeiro arquidruida dos reinos. Em sua arquitetura grandiosa, chama atenção
a Vitória da Matilha, uma gigantesca estátua que
Wellshan mantém os valores ancestrais de sua representa Faernal e Sathia (embora apenas concei-
nação; tradicional, devota e harmoniosa. Terra de
tualmente). O casal aparece aqui com traços animais
gente honesta e esforçada, mas também desconfiada
marcantes, o homem lupino em vestes guerreiras, a
de estranhos. Seus habitantes são religiosos, devotados
mulher raposa em trajes arcanos. Sob os colossos está
a prestar homenagem aos Irmãos Selvagens, preservar
o palácio real e sede do governo.
tradições e evitar que a pureza da Ilha Nobre seja
maculada por qualquer corrupção estrangeira. Cerca de 80 km ao sul da capital erguem-se os
Montes Noivos, que por sua altitude podem ser
Fundada pelo Conselho Druida, foi erguida em
vistos da cidade facilmente. Ao norte, uma densa
uma grande clareira natural atravessada pelo Rio
floresta esconde a base de montanhas mais distantes,
Sulun, um braço do Ipeck-Akuanya. A planície é
e a oeste e leste percebe-se o grande vale de Brando
conhecida por suas sequoias gigantes, árvores com
(com as fronteiras de Luncaster e das Montanhas de
centenas de metros de altura, troncos robustos e
Marfim). Nesta posição privilegiada, Kil’mer é o ponto
folhagem majestosa. Nenhuma foi removida para a
estratégico mais importante do reino.
construção — elas circundam os troncos, abrigando-
-os em jardins internos. Os maiores prédios foram Para facilitar a vigília existe a Torre de Argos,
erguidos à volta das grandes árvores, para protegê-las uma estrutura cilíndrica com mirantes mágicos que
e ficar sob sua sombra. permitem às sentinelas enxergar a grandes distân-
Em Wellshan fica o Templo dos Irmãos, a maior cias. A torre também serve de quartel-general para
igreja em Moreania, quase uma cidadela — onde a academia militar de Kil’mer, treinando membros
residem os membros mais graduados do Conselho da Cavalaria Batedora e os patrulheiros místicos
Druida. Aqui também existem templos para a Dama conhecidos como “a Visão”.
Altiva, para o Indomável e para os Doze Animais, além A Guarda Gladiadora constitui a milícia da
de numerosos deuses menores. Bibliotecas e museus cidade. Seu comandante, subordinado ao Casal Real,
também são dedicados aos deuses. A cidade abriga conquista o cargo após vencer um grande circuito
religiões com dogmas díspares, mas deixar de prestar de torneios de lutas. Colocações mais baixas no
oferendas, rituais ou orações nos lugares certos é circuito garantem cargos mais baixos na Guarda.
tomado como falta de respeito e pode gerar confusão. Um dos atuais gladiadores de destaque é Gaunter, o
Wellshan abriga o melhor artesanato dos Reinos, Tridente Lupino, um herdeiro do lobo que retornou
passado de geração a geração. São peças feitas com cui- a Brando após lutar na Arena Imperial de Tiberus.
dado e paciência — os artesãos locais são caprichosos, Segundo alguns, teria vindo com o objetivo único
levam o tempo que acham necessário para produzir de desafiar o comandante atual.
uma obra perfeita. Graças a isso, diversos itens de
madeira, couro e outros materiais naturais à venda
na cidade são de qualidade excepcional.
Aqvarivm
Esta pequena comunidade foi construída sobre
os restos de um antigo castelo, pertencente a um
Kil’mer rico grupo de heróis, hoje desaparecido. Os atuais
A capital de Brando é como o restante do país. moradores ergueram seus casebres no pátio prin-
Fundado pelos vencedores de um antigo torneio, este cipal, aproveitando a proteção parcial das muralhas
é um reino de campeões, uma terra de disputas e em ruínas.
jogos. Aqui, acredita-se que espada e magia devem Afastado de cidades maiores e rotas comerciais,
andar juntas como um casal. É uma terra de castelos Aqvarivm é autossuficiente, vivendo de sua própria
e torres de magos, ordens de cavalaria e escolas de pesca e agricultura. Como em outras regiões de Brando,
magia, armaduras brilhantes e mantos arcanos. o rio próximo ganha corpo durante as cheias e inunda
A maior e mais importante cidade de Brando é boa parte das terras próximas. Por essa razão, as casas
também conhecida como Cidade Arena, por sediar são altas, erguidas sobre palafitas.

Além de Arton
401
Exemplo de feudalismo comum em muitas Eles existem em todos os reinos, mas são mais
outras comunidades de Brando, Aqvarivm vinha frequentes em Laughton — que parece ter sido o lugar
sendo governada por Lorde Betta, um conjurador mais povoado pelos antigos. Sua arquitetura não com-
poderoso e — apesar da perigosa proximidade com bina com as ruínas darash existentes no outro extremo
as Montanhas de Marfim — bem-sucedido em manter da ilha. Além disso, até onde se sabe, o Povo das Torres
quaisquer monstros afastados. Em retribuição, Betta jamais alcançou este lugar: foram dizimados antes disso.
exigia lealdade e devoção completas de seus vassalos; Outro mistério reside no fato de que estas ruínas
aqui, cultos a outros deuses eram terminantemente muitas vezes escondem itens mágicos poderosos. É
proibidos. Os habitantes locais sempre foram im- fato que os darash dominavam técnicas e ciências
pedidos de portar armas; fazê-lo era considerado avançadas, mas não praticavam qualquer forma de
uma ofensa a Betta, que enfrentava pessoalmente magia. Então quem forjou estes objetos encantados?
quaisquer invasores, criminosos e monstros.
Uma teoria audaciosa diz que estes misterio-
Correm rumores de que Betta teria sido derrotado sos construtores seriam os ghob-kin — os povos
por um herdeiro do lobo de origem desconhecida. goblinoides. Goblins, hobgoblins e bugbears teriam
Caso isso seja verdade, a ausência de seu protetor comandado um poderoso império, muito antes do
pode causar um vácuo de poder na região, atraindo surgimento dos moreau. Então, um destino terrível
monstros e outras ameaças. abateu-se sobre o povo antigo, reduzindo seus poucos
sobreviventes a um estado de fúria antinatural.
Lugares Antigos A verdadeira natureza e origem do Povo Antigo
Muito antes que os animais de Moreania se tor- resiste como um dos maiores mistérios dos reinos.
nassem humanos, um povo avançado habitou estas Mas uma coisa é certa: expedições de aventureiros
terras. Essas pessoas ergueram a fantástica Prendik e revelam cada vez mais destes lugares estranhos. Muitos
também um sem-número de construções menores — abrigam tesouros mágicos, mas também servem de
de cidadelas e templos a simples estátuas e monólitos. covil para monstros diversos.

Capítulo Três
402
Montanhas Reino das Torres
de Marfim Cidades destroçadas formam a maior parte do
Esta cordilheira situada no centro da Ilha Nobre Reino das Torres. Independente de sua função no pas-
é formada por montanhas de branco cegante, que sado, hoje não passam de masmorras com quilômetros
podem ser confundidas com picos nevados — mas de extensão, abrigando todos os tipos de monstros e
na verdade são quentes, vulcânicas. Certos minerais tesouros em suas incontáveis câmaras e corredores.
exóticos são responsáveis pela cor branca. Em alguns Embora a natureza esteja aos poucos retomando seu
pontos, as formações de cumes afiados lembram território, o Reino das Torres é um lugar amaldiçoado.
mandíbulas dentadas. Mesmo em ruínas, as estruturas darash são
O ponto mais alto da ilha, o Ninho da Morte, é colossais, como moradias de gigantes. Salões com
dez metros de altura, torres metálicas alcançando
um imenso vulcão ativo com uma cratera medindo
as nuvens, muralhas capazes de barrar rios, florestas
quilômetros de diâmetro. Este inferno de lava seria
de tubulações emaranhadas, estradas onde vinte
o covil de Morte Branca, sendo considerado lugar
pessoas poderiam marchar lado a lado. Há estátuas do
sagrado entre adoradores do Indomável. Druidas fazem
tamanho de castelos, castelos do tamanho de cidades,
peregrinações ao vulcão abençoado; é uma jornada
cidades do tamanho de montanhas. Um viajante pode
perigosa, nem todos retornam com vida.
caminhar entre as ruínas por dias, semanas ou meses,
As montanhas e vulcões dificultam imensamente sem que o horizonte jamais deixe de ser tomado por
a travessia entre leste e oeste. Além do terreno difícil, pedaços de muralhas e chaminés.
viajantes também são obrigados a lidar com feras e
Estudiosos moreau não conseguem entender
monstros de muitos tipos — monstros que também
onde os darash conseguiram tanta matéria-prima —
podem ser encontrados em outras partes da ilha, mas
simplesmente não havia rocha e metal suficientes na
que são muito mais numerosos aqui.
região. É evidente que o Povo das Torres dominava
Muitos desfiladeiros permitem fazer a travessia técnicas de construção inimagináveis. Mas, se o preço
entre as montanhas. Alguns levam a pequenos vales, para erguer tais colossos arquitetônicos é a devastação
sendo que os maiores abrigam lagoas, planícies e às do mundo ao redor, é melhor que essas técnicas sejam
vezes bosques, que proporcionam boas paradas para esquecidas para sempre.
descanso (ou não, pois muitas vezes são habitadas
As ruínas mudam de aparência conforme a região.
por feras). Grande parte das montanhas (e alguns
Em alguns pontos encontramos muralhas mais altas e
vulcões) esconde vastas redes de túneis. Um viajante
espessas, tão impressionantes que caberiam vilarejos
experiente sabe utilizar estes atalhos para cruzar
moreau inteiros sobre elas. Em outros, há infindáveis
montanhas com mais rapidez, embora o risco de
labirintos de tubulações por onde passariam baleias.
encontros com monstros seja maior.
Algumas cidades parecem quase inteiramente tomadas
A fauna é composta principalmente por animais por máquinas arruinadas, devoradas pela ferrugem;
atrozes — versões maiores e mais agressivas de outras demonstram ter sido antigas habitações, com
animais comuns. O mais conhecido representante torres capazes de abrigar milhares de pessoas.
desta família é o lobo medonho, que também existe
O senso estético darash diz muito sobre esse povo.
em outras regiões da ilha. Ratos, leões e ursos atrozes
Sua arquitetura era opulenta, ambiciosa, formada por
também são recorrentes.
construções muito maiores que suas (prováveis) neces-
Por incrível que pareça, feras atrozes estão entre as sidades. Suas torres tentavam alcançar os céus — ou
criaturas menos perigosas na região. Insetos e lagartos tomá-los, diriam alguns. Suas inscrições parecem contar
gigantes perambulam pelas montanhas e túneis em histórias de progresso e guerras. Suas estátuas, invaria-
busca de presas, e por sua vez servem de alimento velmente imensas, retratam humanos que empunham
para seres ainda maiores. Monstros como quimeras, armas ou ferramentas. É comum também encontrar
mantícoras, trolls e até dragões fazem aqui seus covis. estátuas dedicadas a inimigos vencidos, humilhados,
Povos humanoides — kobolds, orcs e gigantes acorrentados ou torturados: a raça maligna tinha prazer
— habitam as montanhas. Muitos formam grupos em observar o sofrimento de suas vítimas.
de saqueadores, matando e pilhando todos em seu A maior parte dos moreau prefere manter
caminho. Outros erguem aldeias fortificadas, enquanto distância do lugar funesto, mas nem todos. Apesar
outros ainda ocupam cavernas e túneis. Raramente das advertências dos religiosos, muitos acadêmicos
formam grandes cidades ou nações, pois vivem sempre estudam os darash e sua cultura — seja para evitar
em guerras tribais. seus erros, seja para aprender com sua ciência. Aos

Além de Arton
403
poucos, estudiosos estão desvendando os segredos Em geral não há disputas de poder entre os mem-
de suas armas de pólvora e servos mecânicos. Alguns bros do Conselho: os próprios druidas abdicam de suas
inventores insistem que tais instrumentos podem ser posições e escolhem um sucessor entre seus pupilos,
empregados com sabedoria para tornar o mundo me- quando estão cansados ou não se sentem mais aptos
lhor; outros, temendo enfurecer os deuses, rejeitam a comandar. Todo druida entende que, na natureza,
com todas as forças o “conhecimento maldito”. O tudo tem seu alvorecer e seu anoitecer.
ladino Cliff la Volpe, um herdeiro da raposa banido A atual Druida Venerável e regente de Luncaster é
de Laughton injustamente (segundo ele), diz ser Sophia Raziel, que assumiu o posto ainda jovem. Em
capaz de guiar grupos de aventureiros por algumas muitos anos, Sophia é a primeira druida não herdeira
dessas ruínas. Contudo, ninguém conhece suas a ocupar este cargo.
verdadeiras intenções…
As ruínas darash escondem segredos sem fim.
Muitos moreau, sobretudo os adoradores dos Irmãos
Os Darash
Selvagens, concordam que esses segredos são terrí- A parte leste da Ilha Nobre foi outrora verdejante
veis e devem continuar enterrados. Mesmo assim, e selvagem como a região oeste. Hoje, quase toda a
aventureiros armados com pistolas ou obedecidos sua extensão é formada por ruínas gigantescas, de
por servos mecânicos são cada vez mais comuns… uma civilização felizmente extinta.
Como humanos que eram, os darash cresceram,
guerrearam e conquistaram. Seus vilarejos bárbaros
Guildas & logo eram castelos murados, e logo mais cidadelas

Organizações fortificadas. Descobriram a força do vapor e o poder


destruidor da pólvora, erguendo uma vasta civilização
industrial. Inventaram armas de fogo, engenhos me-
O Conselho Druida cânicos e máquinas de guerra, muitas delas na forma
O Conselho Druida comanda Luncaster desde os de grandes monstros metálicos. Então destruíram ou
primórdios da civilização. Na verdade, os próprios escravizaram todas as raças e povos vizinhos.
druidas tornaram a civilização possível. Os darash jamais aprenderam a conjurar magia,
Considerados homens e mulheres santos por sua pois acreditavam que esse poder vinha dos deuses — e
ligação mágica com a natureza, quase todos os druidas eles odiavam deuses, demônios e quaisquer outros
estão de alguma forma ligados ao Conselho. Seus seres mágicos. Motores a vapor moviam sua socieda-
membros até hoje fazem grandes reuniões e cultos de, derrubando árvores e erguendo blocos de pedra
privados, abertos apenas a outros druidas. Durante para suas torres. Servos mecânicos de muitos tipos
esses encontros, os sacerdotes fazem relatórios sobre circulavam pelas ruas, realizando trabalho braçal ou
suas respectivas comunidades e também realizam atuando como guardas e soldados.
oferendas aos Irmãos Selvagens. Mas a sociedade darash cresceu de forma desor-
O Conselho é uma organização intrincada, com denada, gananciosa. Sem respeito aos deuses e suas
numerosas camadas. Seus membros mais inferiores criações, levaram todos os outros seres à extinção. Os
na hierarquia são os iniciados. Mais tarde, estes ad- recursos naturais de suas terras estavam escasseando.
quirem o título de druida, sendo que pode haver ape- Os animais estavam morrendo, as florestas definhavam,
nas nove deles no Conselho. Cada druida é servido as águas eram contaminadas.
por três iniciados. Os darash precisavam de novas terras para sugar.
Acima dos druidas estão três arquidruidas, todos Vieram para Moreania, ocupando sua porção leste. O
servidos por três iniciados. Acima deles está o Grande Povo das Torres avançou como uma praga, devastando
Druida, servido pelos três arquidruidas. E acima de e conspurcando, cobrindo planícies e matas com suas
todos está o Druida Venerável, líder máximo do Con- cidades. Logo suas fronteiras tocavam as inóspitas
selho. Ele pode requisitar quaisquer outros druidas Montanhas de Marfim. O Reino das Torres ameaçava
para lhe servir — geralmente preferindo iniciados, em vencer as montanhas e devorar as macias áreas selva-
respeito às aspirações humildes. gens que se sabia existir a oeste.
Em algum momento o Druida Venerável se torna um Antes que isso pudesse acontecer, veio o apo-
Hierofante e abandona o Conselho. Seu destino então calipse. O avatar de Megalokk ergueu-se em meio
é incerto: dizem que Hierofantes se tornam emissários às montanhas e atacou os darash. Mesmo com suas
ou companheiros pessoais dos Irmãos Selvagens. tropas armadas com rifles, seus canhões imensos e

Capítulo Três
404
suas máquinas de combate, o Povo das Torres não foi
adversário para o Deus-Monstro em pessoa. De suas Aventuras
muitas cabeças vinham baforadas de chamas brancas Os desafios confrontados por aventureiros em
que varriam cidades inteiras — aqueles abrigados em Moreania dependem muito da região visitada. Os
fortificações apenas levaram mais alguns momentos Reinos propriamente ditos, a oeste, são formados
para morrer. Em seis dias, os darash estavam extintos. por comunidades isoladas, separadas por quilôme-
Desde então, os darash não voltariam a ser vistos. tros de terras selvagens. A maior parte do território
Contudo, uma vez que chegaram de terras desco- permanece inexplorada, repleta de florestas escuras,
cavernas misteriosas e ruínas desconhecidas. Algumas
nhecidas, não é impossível que retornem. Ou ainda,
parecem vestígios de grandes cidades, enquanto outras,
sobreviventes talvez existam no Reino das Torres,
menores, não mostram nenhuma função aparente.
tramando sua vingança em segredo.
Todas têm algo em comum: são repletas de entalhes
e inscrições, formando algum tipo de escrita antiga.
Os Lordes das Torres São os mesmos sinais existentes na misteriosa Cidade
Ninguém governa o Reino das Torres. O mais Suspensa de Prendik. Ninguém faz ideia de quem teria
próximo que podemos chamar de comunidades ou construído tais estruturas. Mas muitas delas, hoje,
sociedades são grupos formados por zumbis sem servem de covil para humanoides e monstros.
mente ou meios-golens yidishan insanos. Um ocasional Nas brutais Montanhas de Marfim, qualquer
fantasma, múmia ou lich controla seu próprio castelo coisa pode ser devorada por alguma coisa maior. Nas
ou cidadela. No entanto, três figuras poderosas exercem proximidades do covil de um grande dragão haverá
influência significativa sobre o reino em ruínas. hordas de kobolds e monstros meios-dragões. Um
feudo demoníaco por perto é sinal de demônios e
Ameena Anom’lie, a Doutora Louca, governa
abissais. Em território de gigantes, haverá ogros e
a cidadela viva Zuggt. Décadas de experimentos outros humanoides brutais. Longe destas áreas
perigosos distorceram corpo e mente da pesquisa- “habitadas” existe a luta por território travada por
dora depravada, transformando-a em algo mais (ou animais atrozes, insetos gigantes, lagartos-trovão e
menos) que humano. Verdadeira fonte de infecção, seu outras bestas gigantescas.
simples toque transforma qualquer criatura natural
Por fim, o Reino das Torres é lar de monstros
em um monstro aberrante. Hoje, Ameena cerca-se
diversos — em comum, quase todos têm sua completa
de aberrações monstruosas como soldados e servos.
incompatibilidade com a vida natural. Mortos-vivos
Marechal Hecatom, antigo comandante de tropas são uma praga; toda a raça darash morreu de forma
darash, liderou um ataque frontal contra Morte Branca violenta nas chamas de Morte Branca, ou pereceu em
— quando seu aparato voador recebeu uma baforada agonia lenta por fome ou doença. Em qualquer dos
de chamas. O guerreiro teve morte instantânea, mas casos, o povo maligno que odiava seus deuses não
sua vontade era férrea: retornou como um vulto flame- teve sua passagem para o além-túmulo permitida
jante, um esqueleto envolto em chamas sobrenaturais. (ou desejada); é possível que existam milhões de
Sediado na cidade-fortaleza Argondar, hoje comanda mortos-vivos darash em meio às ruínas.
a maior legião de mortos-vivos no continente. Golens são outra ameaça constante. Antigos
Bunkman Berenwocket controla a cidade-máqui- servos dos darash, foram feitos para durar e muitos
deles ainda são operacionais. São cobiçados por aven-
na de Steelcog, cujas chaminés imensas ainda expelem
tureiros, devido aos altíssimos preços que atingem.
imundície fumegante. A sobrevivência desta cidade ao
Infelizmente, a reação de um golem reativado é sempre
ataque de Morte Branca é ainda um mistério; suspei-
imprevisível. Meios-golens, por outro lado, são quase
ta-se que a cidade inteira seja um golem gigantesco.
sempre assassinos insanos — resultado do processo
Em seu interior, o inventor Berenwocket governa uma
que transformou seres humanos em construtos.
grande população de meios-golens — possivelmente o
mais próximo que resta da sociedade darash original. Quase todos os demais habitantes da região são
monstros aberrantes, criados por outros monstros
Os três “Lordes das Torres” são todos muito (como a Doutora Louca) ou formados a partir da imun-
antigos e poderosos, possivelmente os seres mais dície. Limos e gosmas são comuns, formando grandes
perigosos em toda a Ilha Nobre. Loucos ou sedentos colônias. Plantas monstruosas crescem nas escassas
por poder, eles travam constantes disputas de território florestas. Horrores com tentáculos e mandíbulas
entre si, o que é uma felicidade para os Reinos; unidos, gotejantes de muco aguardam nas ruínas, esperando
estes vilões jamais poderiam ser derrotados. pela chegada do próximo grupo de aventureiros.

Além de Arton
405
Doherimm A MONTANHA DE FERRO

D
oherimm é o glorioso Reino dos Anões, e tinha uma sombra de malícia, esperteza, teimosia e
localizado em um complexo de câmaras desobediência. Outra versão afirma que Tenebra tinha
subterrâneas que se espalham abaixo inveja das criações de Glórienn e roubou o poder de
de boa parte do continente norte. O Khalmyr para criar seu próprio povo. No entanto,
caminho para Doherimm é conhecido apenas esse relato costuma ser repetido apenas pelos mais
obstinados devotos do Deus da Justiça.
pelos anões — e eles não revelam esse segredo
a nenhum forasteiro. Seja como for, os primeiros anões despertaram
aos pés do Pilar Central na imensa câmara que mais
Sem o ciclo do dia e da noite, com rocha fazendo
tarde seria a cidade de Doher. Assim que abriram os
as vezes de céu, vivendo para trabalhar seu metal e
olhos, enxergaram uma chama ardendo sobre a pedra.
defender seus túneis, os anões existem em uma versão A chama deu calor ao povo recém-criado e, nunca
particular de Arton. extinta, serviu a muitos propósitos desde então.
Aos poucos, os anões começaram a mapear seu
História lar, que até então pensavam ser o mundo inteiro, e
deram-lhe um nome: Doherimm. Travaram contato
Cada raça do mundo subterrâneo tem sua própria com seus primeiros vizinhos civilizados: as medusas,
história. Contudo, a raça que mais mantém registros deixadas no subterrâneo por Megalokk para destruí-los,
históricos, e cujo passado é mais relevante para o e os gigantes do fogo, que viviam num nível inferior.
resto de Arton, são os anões. Em Doherimm, a Guilda Em vez de guerrear contra as medusas, os anões
dos Pensadores divide a história do subterrâneo em tiveram com elas relações amistosas, frustrando os
nove eras: as Eras da Terra, do Ferro, do Brilho, da planos do Deus dos Monstros. Já os gigantes eram
Espada, do Céu, do Pacto, da Explosão, da Loucura temidos, mas extraordinários. Tinham a chama dentro
e da Locomotiva. Cada uma é definida por aconteci- de si e já eram capazes de fabricar e utilizar armas
mentos marcantes, podendo se estender por vários como espadas e machados.
séculos ou por poucos anos. Mas o povo de Khalmyr e Tenebra logo os superou.
Tomada por uma inspiração fervorosa, uma anã extraiu
A Primeira Luz minério de dentro da terra e jogou-o na Chama Per-
Os anões surgiram da paixão momentânea entre pétua. Bateu os pedaços de metal e viu que era capaz
Heredrimm (Khalmyr) e Ayrelynn (Tenebra) — ou de moldá-lo, assim descobrindo o ferro e forjando o
ao menos esta é a versão mais aceita pelos historiadores primeiro machado. Ficaria para sempre conhecida
de Doherimm. O resultado dessa união foi um povo como Duntara, a Ferreira.
guiado pela retidão, pela disciplina, pelo combate e pelo Duntara espalhou seu conhecimento e os anões
trabalho… Mas que se sentia confortável na escuridão descobriram meios de utilizar o poder do fogo sem de-

Além de Arton
407
pender da Chama Perpétua. Construíram as primeiras anões teriam o dever de guardá-la e protegê-la, até que
forjas e sua manufatura evoluiu com rapidez. Se fossem fosse necessária mais uma vez. Heredrimm abençoou
apenas cria de Khalmyr, poderiam ficar satisfeitos e todos que estavam lá e partiu.
reverenciar e respeitar a Chama. Sendo também filhos Enquanto isso, o número de anões na superfície se
de Tenebra, usaram-na em proveito próprio. multiplicava. Com o tempo, formaram comunidades
permanentes. Muitos passaram a considerar aquela
A Descoberta terra como seu novo lar, algumas gerações chegaram a
do Mundo nascer sob o céu aberto. Boa parte do que os artonianos
conhecem sobre a cultura anã foi sedimentada nesta era.
Enquanto seus irmãos se dedicavam à forja, o
explorador anão Falixor resolveu impulsionar a raça de Contudo, a presença anã no sobremundo não iria
outra forma. Viajou por anos, até que encontrou algo durar. No ano 809, o profeta Wordarion Thondarim
curioso: um brilho que julgou ser uma nova chama, teve uma visão catastrófica — no céu aberto do so-
ainda maior que a primeira. Contudo, ao seguir em bremundo, surgiam nuvens de tempestade. Ele viu a
sua direção, foi confrontado com o horror da superfície extinção da raça anã e emergiu do transe com apenas
aberta e incompreensível. A luz intensa era o sol e, ao uma certeza: os anões deveriam voltar ao subterrâneo.
vê-lo, Falixor ficou cego. A visão foi considerada verdade absoluta e todos os
Mesmo sem enxergar, Falixor não ficou perdido. recursos do povo anão foram dedicados a encontrar e
Guiado por um instinto sobrenatural que nenhum chamar de volta seus filhos na superfície. Seguiram-se
anão sabia ter, encontrou o caminho de casa — o décadas de trabalho duro para expandir Doherimm,
caminho para Doherimm. Quando enfim voltou de forma a abrigar os recém-chegados, e mais uma
ao lar, a história de sua jornada se espalhou. Talvez vez os anões se uniram em suas majestosas cavernas.
por causa disso formou-se o pacto racial que dura Séculos depois a profecia seria interpretada: de
milênios: nenhum anão jamais revela a outros povos acordo com os estudiosos atuais, Wordarion Thonda-
o caminho para Doherimm. rim teria vislumbrado a chegada da Tormenta.
Embora o segredo permaneça até hoje, o medo não
duraria para sempre. Glorisuk, o Destemido, era um
paladino que cultuava o conceito de bondade como
Amigos e Inimigos
Pouco depois que os refugiados de Lamnor se
um todo. Ele sentia que havia um deus bondoso lá em
assentaram ao redor da estátua de Valkaria, uma
cima. Sob as vaias do resto de seu povo, empreendeu
caravana liderada pelo aventureiro humano Folk
a segunda jornada. Enxergou o brilho fulgurante, mas
Steelheart fez um acampamento temporário perto
não correu em direção a ele. Passou longas semanas
de uma das principais entradas de Doherimm. Sua
em oração e meditação, deixando que seus olhos se
presença foi notada por guardas anões. Seu coman-
acostumassem com a luz. Quando enfim emergiu, foi
dante, o impetuoso Bannuk Brakson, tomou uma
recompensado pela visão de Azgher e da superfície.
decisão inesperada: emergiu do subterrâneo com uma
O paladino voltou a Doherimm com a notícia e, comitiva para avaliar os recém-chegados.
durante toda sua vida, guiou expedições, até que toda
Para surpresa de todos, o encontro foi cordial. Os
a raça anã se convenceu de que era possível viajar
humanos respeitaram o segredo sobre as terras subterrâ-
até a superfície sem perder a visão. Curiosamente, a
neas e, mesmo sem um reino próprio, ofereceram ajuda
cada expedição diminuía o tempo necessário para se
aos doheritas. Em troca, os anões lhes presentearam
acostumar à luz do sol, mesmo para quem nunca a
uma relíquia inestimável: Zakharin, o machado do
havia testemunhado, até que já não era mais necessário
antigo herói anão Zakharov. Ninguém sabe a razão
tempo nenhum. Os anões começaram a se espalhar.
de tamanha generosidade, mas dizem os boatos que
Bannuk Brakson era um devoto de Nimb e deixou que
A Arma e a Profecia o acaso determinasse sua reação… Seja como for, os
Muito tempo depois, surgiu em Doherimm um humanos decidiram fundar seu reino ali mesmo.
anão que se destacava de todos. A identidade do visitan- Contudo, os humanos demoraram a entender
te só foi compreendida quando um clérigo se prostrou o que era Doherimm. O encontro ocorrera perto
a seus pés e revelou que aquele era Heredrimm. da Montanha de Ferro, nas Uivantes. Assim, eles
Heredrimm reuniu os altos clérigos anões, assim presumiram que a montanha era o reino e passaram
como a nobreza de Doherimm, e revelou Rhumnam, a chamá-lo assim. Os anões, por sua vez, gostaram
a Espada da Justiça, a arma pessoal de Khalmyr. Os do epíteto e o tomaram para si como uma honraria.

Capítulo Três
408
A amizade com o reino de Zakharov impulsionou
as relações diplomáticas de Doherimm com o que viria
a ser o Reinado. O então Rei Rodir Hammerhead
II chegou a conhecer Roramar Pruss e, mais tarde,
assinou o Tratado da Espada e da Forja com o
Rei-Imperador Wortar I, garantindo que, em caso
de necessidade, Doherimm e o Reinado iriam se
ajudar. Várias construções importantes dos humanos,
como o Castelo da Luz e o próprio Palácio Imperial de
Valkaria, tiveram participação de engenheiros anões.
Alguns humanos chegaram a ser levados (vendados
e sem conhecer o caminho) às cidades de Khalandir
e Thoranthur.
O ano de 1203 traria mais uma virada.
O que parecia ser uma visita dos pacíficos mycotann
à cidade de Kharadantur se provou uma armadilha.
Esses seres estavam sendo controlados mentalmente
pelos finntroll e atacaram numa onda suicida, matando
inúmeros anões pela força dos números. Logo em Doherimm
seguida, os finntroll se revelaram quando o Império
Trollkyrka enviou suas forças em massa contra a cida- Nome Oficial: Confederação das Guildas
de. A agressão unilateral e traiçoeira devastou a cidade de Doherimm.
e deu início à guerra entre Doherimm e Trollkyrka, que Lema: “A Justiça de Heredrimm sob o
alguns chamam de permaguerra. Quase ao mesmo Manto de Ayrelynn”.
tempo, um incidente diplomático com Zakharov fez
Brasão: corte octógono.
os anões cortarem relações com o reino humano.
Gentílico: doherita.
A natureza exata desse incidente (e a razão pela qual
Doherimm não pediu ajuda contra os finntroll) é motivo Capital: Doher.
de controvérsia. Há quem questione a “coincidência” Forma de Governo: conselho de guildas.
desses eventos, afirmando que a rusga foi uma intriga
Regente: oito grão-mestres das guildas.
finntroll. Assim, pela segunda vez os anões conclamaram
todos de seu povo que estavam na superfície, explorando População: 3.000.000.
os confins do subterrâneo ou mesmo envolvidos em Raças Principais: anões, medusas,
outras atividades em Doherimm — foi o Chamado às tritões, trogs, osteon, mycotann.
Armas. Todos os anões deveriam participar do esforço
Divindades Principais: Heredrimm
de guerra, de uma forma ou de outra. (Khalmyr), Ayrelynn (Tenebra).

Primeira Vitória
Na superfície, a pedra-de-fumaça, matéria-prima
para a fabricação de pólvora, já tinha sido descoberta.
A assim chamada Batalha dos Três Terremotos
Alguns armeiros anões tiveram contato com essa
garantiu vitória (ao menos temporária) para os anões,
nova tecnologia. Contudo, a pólvora era proibida no
mas a insubordinação das guildas e o aterrorizante
Reinado e o rei de Doherimm relutou em permitir
poder destrutivo da pólvora solidificaram sua proi-
seu uso. Num ato de rebelião, enormes facções do
bição. A história humana registra esta data como o
exército anão armaram um motim, lideradas pela
fim da guerra, mas os anões conhecem a verdade. Os
Guilda dos Armeiros e pela Guilda dos Mineradores.
dois povos não podem conviver. Enquanto houver
Fizeram uma armadilha colossal para os finntroll,
atraíram-nos para uma zona já preparada e detonaram Trollkyrka, a guerra não terá fim.
três explosões terríveis, fazendo seções inteiras de A honra anã sofreu mais um duro golpe quando
Doherimm desabar, mas massacrando boa parte do o assassino conhecido como o Camaleão achou o
exército inimigo. Muitos anões morreram, servindo caminho para Doherimm, roubou a espada Rhumnam
de iscas — todos voluntários. e fugiu sem ser notado, então vendendo o artefato para

Além de Arton
409
o algoz da Tormenta Crânio Negro. O Rei Thogar tenha tanta variedade de povos e paisagens quanto o
Hammerhead trouxe ao subterrâneo o cavaleiro sobremundo, elas se tornam mais exóticas e bizarras
humano Orion Drake e o armeiro anão Ingram quanto mais distantes da superfície.
Brassbones, que fora banido por fabricar armas Doherimm é a única civilização da primeira cama-
de pólvora, e pediu que recuperassem a arma. Os da. Os anões definem as únicas fronteiras oficiais de
dois cumpriram a tarefa, mas Ingram fez questão suas terras como as fendas que dão acesso ao segundo
de afrontar os tradicionalistas: reforjou Rhumnam nível. Algumas das maiores passagens para o Reino
como uma espada-pistola, para sempre inserindo dos Anões (conhecidas apenas por eles) localizam-se
um toque de rebeldia no símbolo máximo de rigidez perto de Triunphus e de Valkaria, sendo também
e autoridade. fronteiras oficiais. Havia uma passagem em Zakharov,
Por mais que a coroa e o clero de Heredrimm mas foi colapsada. De resto, para os doheritas toda
tentassem esconder, a informação era grandiosa de- a primeira camada do subterrâneo artoniano é seu
mais. Aos poucos, começou a correr o boato de que domínio por direito.
Rhumnam estava diferente. Aos poucos, começou-se Recentemente foi aberta a primeira passagem
a admirar o armeiro renegado. Aos poucos, as guildas acessível para habitantes da superfície, perto da cidade
começaram a notar que a estrutura de poder existente de Giluk, nas Uivantes — a única fronteira oficial
se opusera a todas as técnicas e pessoas que haviam conhecida por não anões. Mais uma mudança ousada
ajudado os anões nos últimos séculos. das guildas, isso significa que um forasteiro pode
solicitar uma autorização para entrar no subterrâneo,
Revolta então ser submetido a uma rigorosa triagem. Caso
Em 1410 foi feita a primeira viagem da Grã-Lo- seja aceito, fica inicialmente restrito apenas à cidade
comotiva, um veículo sobre trilhos puxado por um de Thagaramm, construída exclusivamente para
sofisticado motor, carregando vagões. Foi como se servir como posto de comércio. Em alguns casos, os
alguém houvesse virado uma chave. Todos os avanços anões concedem a forasteiros direito de passagem ao
científicos dos últimos séculos culminavam num resto de Doherimm, mas nunca revelando o caminho
prodígio inédito no mundo todo, um meio de ligar e sempre sob supervisão.
diferentes pontos do reino sem necessidade de magia Os túneis são labirínticos para outros povos — há
ou guias. Subitamente, os doheritas se sentiram mais muitos perigos naturais e, ao longo dos séculos,
unidos, mais próximos. As guildas foram exaltadas… os anões instalaram centenas de armadilhas pró-
e a coroa pagou o preço de sua atitude retrógrada. prias. De alguma forma, o subterrâneo impede que
A Revolta das Guildas foi um misto de greve magias sejam usadas para transportar ou guiar um
geral, série de atentados, incidente diplomático, forasteiro. Inúmeras criaturas habitam as passagens,
embargo comercial e guerra urbana. Os boatos que atuando como guardiãs naturais. Um exemplo é a
chegaram à superfície falavam de uma guerra religiosa aranha beijo-de-Tenebra, cujo veneno é letal para
entre devotos de Khalmyr e Tenebra, mas era algo um habitante do sobremundo, mas inofensivo para
muito mais complexo. anões. Um anão não precisa ser treinado ou educado
para evitar esses perigos: simplesmente é capaz de
Thogar Hammerhead foi deposto e exilado, e toda reconhecer os caminhos e notar as armadilhas, como
a nobreza perdeu seu poder intrínseco. As guildas um sentido inato.
tomaram o controle, transformando Doherimm em
uma oligarquia industrial, uma terra controlada por O clima da primeira camada é em geral ameno.
interesses econômicos de grandes corporações de Existem muitos lugares permanentemente frios e
ofício. Apenas Vectora pode rivalizar com uma das úmidos, além de poucas zonas de calor e ar seco pró-
guildas anãs em termos de poder político. A própria ximas de fendas que dão acesso ao segundo nível. As
nobreza passou a ser uma guilda — a Guilda dos paisagens mais comuns são ermos rochosos, florestas
Nobres. E assim Doherimm deixou de ser um reino. de fungos, rios subterrâneos, pilares, colinas, fendas,
Agora é uma Confederação de Guildas. túneis e paredões. Precipitações são muito raras,
causadas por circunstâncias complexas e imprevisí-
veis. A ausência do sol e do ciclo de dia e noite causa
Geografia angústia e desolação aos visitantes da superfície, mas
não afeta a vida subterrânea. De maneira similar, o
Falar em “mundo subterrâneo” é uma sim- teto pedregoso e onipresente gera nos visitantes uma
plificação — cada camada do subterrâneo é uma sensação de opressão e claustrofobia, enquanto os
“caverna-mundo”. Embora em geral cada uma não nativos sentem-se protegidos e tranquilos.

Capítulo Três
410
Povo & Costumes Religião Sincrética
Durante a maior parte da história de Doherimm,
Por muito tempo, os anões formaram quase a a religião dominante era a igreja de Heredrimm
totalidade da população de Doherimm. Contudo, aos (Khalmyr). O Alto Clérigo de Heredrimm, Handhur
poucos a Confederação vem sendo habitada também Heavystep, era uma das maiores autoridades do reino
por medusas, tritões e mycotann. antes da Revolta das Guildas, tomando decisões estatais
A mentalidade anã é um retrato do conflito eterno em conjunto com o rei.
entre Khalmyr e Tenebra que existe em seu âmago. Mas sempre houve culto a Ayrelynn (Tenebra),
Costumam ser muito disciplinados, trabalhadores embora os mais tradicionalistas torcessem o nariz. A
e honestos — mas também amam boa bebida, são maioria dos sábios admite que a influência da Deusa
extremamente inventivos e por vezes gostam de das Trevas é necessária para desafiar as tradições e
achar “brechas” nas regras. Mais de um habitante do avançar a cultura e a tecnologia anãs. Até há pouco
sobremundo já disse que se pode conhecê-los através tempo, clérigos de Ayrelynn eram vistos com descon-
da ópera anã, uma forma de arte muito característica fiança, mas considerados necessários. Contudo, desde
deste povo. Em um espetáculo de ópera anã, os atores a Revolta das Guildas o culto a Ayrelynn ganhou peso
são sérios e as histórias tratam de temas épicos, mas e importância. Hoje em dia é uma força cultural tão
há emoção extrema e é comum que a plateia chore grande quanto a Igreja de Heredrimm.
copiosamente. Um doherita típico não tem vergonha
de sentimentalismo eventual.
Kheloramm Achafiada,
Existem duas coisas que vão contra a personali- Grão-Mestre da
dade de quase todos os anões: mentira e preguiça. Guilda dos Cervejeiros
Anões nem sempre são francos, claro. Mas tentam de
todas as formas ignorar uma pergunta inconveniente,
esconder a verdade ou apenas evitar falar explici-
tamente algo que sabem ser falso. Da mesma
forma, quando um anão não quer fazer cer-
ta tarefa, arranja outra que tome seu lu-
gar ou apenas diz explicitamente que se
recusa. Procrastinar ou fazer um serviço
pela metade (“mentir” para si mesmo) é
algo dificílimo para a maioria dos anões.
Vários habitantes da superfície
acham que os anões são gananciosos
ou avarentos, mas isso não é exatamente
verdade. Desde a Revolta das Guildas, Dohe-
rimm é basicamente regido por dinheiro.
Contudo, o dinheiro é visto como um símbolo
concreto de que algo tem boa qualidade ou é
fruto de muito esforço. Muitos anões aceitam
“moedas” de outras raças do subterrâneo que
não têm valor para eles, pois o simples ato de
receber algo em troca de um produto lhes traz
orgulho. Anões odeiam barganhar e quase nunca
inflam os preços de seus produtos.
Embora não sejam sanguinários, os anões
convivem de perto com a guerra. Hoje em
dia aceita-se que não existe possibilidade de
convivência com o Império Trollkyrka. Talvez
demore dez anos, talvez mil… Mas, mais
cedo ou mais tarde, um dos lados vai
destruir o outro.

Além de Arton
411
Barbas Anãs
Governo
Anões de todos os sexos e gêneros culti- O governo de Doherimm é formado pelas Oito
vam suas barbas desde cedo, demonstrando
Guildas. Todos os anões pertencem a alguma guilda.
orgulho quando crescem longas e cheias.
Aqueles que não têm uma profissão definida são con-
Alguns consideram que mostrar o rosto é
siderados aprendizes da guilda de um parente próxi-
um ato de rebeldia — “mania de jovens que
mo. Pessoas verdadeiramente à margem da sociedade
querem aparecer”. A preferência por usar
(criminosos, eremitas e outros) são raras. Chamados
barba diz muito sobre o grau de tradiciona-
de sem-guilda, esses doheritas costumam ser ignora-
lismo ou progressismo de um anão.
dos, pois não contribuem em nada com a confedera-
No entanto, certos setores de algumas ção e nem se permitem ser protegidos por ela.
guildas já notaram vantagens práticas
Os oito grão-mestres tomam todas as decisões
em fazer a barba. Armeiros que lidam
mais importantes em um conselho, enquanto as de-
com pólvora às vezes a mantêm curta
cisões menores ficam a cargo de subordinados. A ad-
para impedir que se incendeie, enquanto
ministração local é feita pela Guilda dos Nobres, mas
alquimistas que usam máscaras de proteção
qualquer área que empregue muitos anões de uma
descobrem que elas se ajustam melhor sem
determinada guilda acaba sendo governada por seus
uma profusão de pelos no caminho.
membros. Embora ainda se fale em “cidadãos de Dohe-
Apesar disso, um presente comum para rimm”, na prática todos na confederação são empre-
recém-nascidos continua sendo um gados, funcionários, parceiros e clientes. Poder polí-
preparado alquímico para estimular o tico está firmemente atrelado a competência técnica,
crescimento da barba e um pequeno pente. sucesso comercial e dedicação ao trabalho.

O Caminho Locais Importantes


para Doherimm Doher (capital)
O conhecimento dos anões sobre a localização de
seu reino e o segredo que o envolve são mais do que Doher, chamada pelos anões de “o Berço” e “Pilar do
tabus, juramentos, efeitos mágicos, instintos ou travas Mundo”, é a capital da confederação, o local onde a raça
psicológicas. Como os anões conhecem o lugar exato anã despertou e o exato centro geográfico da primeira
onde despertaram pela primeira vez, a maioria acredita camada do subterrâneo. De Doher partem túneis e
que Doherimm faça parte de sua essência. Assim, eles estradas de ferro para todas as cidades de Doherimm.
sempre seriam capazes de voltar para casa. Isso não Doher é de uma beleza arquitetônica ímpar — os prédios
significa que nunca se perdem ou mesmo que sejam se fundem às paredes; cachoeiras e rios subterrâneos
especialmente bons em vencer labirintos. O caminho se integram ao planejamento urbano; estalactites orna-
para Doherimm apenas está dentro de todos, mesmo mentadas pendem de tetos tão altos que parecem um
aqueles que não nasceram na Montanha de Ferro. céu próprio. Túneis escavados na rocha ligam diferentes
partes da cidade, enquanto pontes elegantes de pedra
Algo ainda mais complexo é o segredo sobre o ca- polida cruzam abismos gigantescos.
minho. Não existe um meio comprovado de arrancá-lo.
Vários anões já tentaram revelar o caminho, por vários O Pilar Central, formado pela junção de uma
motivos, apenas para descobrir que não conseguem. Os estalagmite e uma estalactite, é visível de quase
mais românticos afirmam que “amor verdadeiro” ou as qualquer ponto da cidade e é a maior construção
mais profundas formas de amizade permitem que um conhecida do mundo subterrâneo. Em seu interior
doherita quebre o tabu. Seja como for, o caminho para fica o Palácio Real, agora rebatizado como Palácio das
Doherimm é algo que conforta todos os anões, uma Oito Lojas, onde se localizam as residências dos oito
parte fundamental de sua identidade. Anões banidos grão-mestres, além de sedes secundárias de cada uma
da Montanha de Ferro passam por um ritual e perdem das guildas. Foi aos pés do Pilar Central que a centelha
o caminho — uma das punições mais severas deste da vida emergiu das trevas — e a Chama Perpétua
povo. Um anão que tenha perdido o caminho para continua ardendo até hoje, num altar protegido por
Doherimm é tomado por uma intensa sensação de guardas, paladinos, clérigos e voluntários.
vazio que nunca vai embora. O mundo para sempre Em Doher localizam-se os dois maiores templos da
parecerá aberto demais, sem indicações, vago e incerto. confederação: o Templo da Luz Soberana, de Here-

Capítulo Três
412
Além de Arton
413
drimm, e o Templo das Trevas Eternas, de Ayrelynn. atividades ilegais. Contudo, a segurança é estrita: a
Há alguns anos o Templo das Trevas Eternas parecia maior parte dos pretensos espiões, clandestinos e
estar decaindo, mas depois da Revolta da Guildas receptadores é apanhada e costuma “desaparecer”.
experimentou uma nova explosão de popularidade. Um dos oficiais do Posto de Controle é o anão Airon
Também na capital há o Calabouço, uma enorme prisão Warchief, um tipo disciplinado que se orgulha de seu
escavada numa estalagmite, onde ficam encarcerados detalhismo e de sua pouca paciência com espertinhos.
os criminosos mais perigosos de Doherimm. Entre eles Já a medusa Anaconda Dante cumpre seu trabalho de
há apenas um não anão: o humano William Lostgrief. oficial desarmando os forasteiros com piadas e conversa
Os anões se recusam a falar sobre qual seria o crime rápida, fingindo ser bem-humorada e inofensiva até
do detento. Curiosamente, ele já está aqui há mais que eles revelem suas verdadeiras intenções.
tempo do que seria natural para um humano…
O Muro Histórico é um imenso painel ladeando A Grande Fenda
as principais vias e circundando boa parte da cidade. Anos após a Batalha dos Três Terremotos, explora-
Sempre em evolução, é uma série de ilustrações, símbo- dores anões encontraram uma fenda com dezenas de
los e textos em baixo-relevo, contando toda a história quilômetros de comprimento e vários metros de largura,
da raça anã. A Gruta de Rhumnam, uma caverna cortando boa parte das cavernas e túneis no oeste da
acessível apenas através de uma passagem oculta, então confederação. Poderia ser uma formação natural, mas
por uma série de túneis labirínticos, contém um altar os exploradores relataram sons de construção vindos de
onde repousa a Espada da Justiça, agora modificada algum lugar. A Guilda dos Guerreiros presumiu ser um
como uma lâmina-pistola. O artefato é guarnecido plano finntroll e estabeleceu fortes ao longo da fenda.
o tempo todo por paladinos que, à primeira vista,
parecem estátuas. Também a protege Ghoharimm, o Não se sabe a real profundidade da Grande Fenda.
Guardião Invisível, uma fera ancestral de natureza Alguns exploradores já conseguiram determinar que ela
desconhecida, designada pelo próprio Heredrimm. passa pela segunda camada do subterrâneo, parecendo
se estender até a terceira camada, onde se localiza o
Doher possui incontáveis tavernas, casas de ópera, Império Trollkyrka. Contudo, investigações sugerem
oficinas, quartéis… É uma metrópole agitada e em franca que seja ainda mais profunda, cortando diversas ca-
expansão. As marcas da Revolta das Guildas ainda estão madas, até pontos desconhecidos. Alguns devotos de
aqui, mas o interesse industrial e comercial do novo Tenebra sugerem que é uma passagem ao reino divino
governo garante que nada disso atrapalhe o progresso. de sua padroeira, acessível para aqueles com coragem
suficiente. Outros anões, menos otimistas, temem que
Thagaramm, leve a reinos divinos mais hostis, a algo que existiria no
a Cidade Intermediária centro do mundo físico ou até mesmo ao Nada.

A comunidade mais recente (e uma das mais


vibrantes) de Doherimm é Thagaramm, um enorme Vulcão Trondkhandar
posto comercial construído após a Revolta das Guildas Talvez o único vulcão subterrâneo de Arton, o
como um ponto de contato entre o sobremundo e o Trondkhandar se ergue numa grande câmara perto
subterrâneo. Embora seja parte da confederação, fica da cidade de Zuralhim. Não há registros de erupção,
tão próxima à superfície que pode ser encontrada mas ele expelia cinzas com certa frequência, até que
facilmente por outros povos. um grupo de aventureiros selou a cratera… Mas a
Thagaramm é extremamente diversa. Anões ainda solução não foi permanente. Primeiro começou-se
são maioria, mas há humanos das Uivantes, minotau- a ouvir guinchos estridentes e o ribombar grave de
ros, hynne e demais raças tradicionalmente aliadas dos trovões emergindo do vulcão. Depois o selo mágico
anões. A cidade é agitada, com uma população flutuan- explodiu, deixando a câmara repleta de fumaça por
te, e tomada por estalagens. Aqui se encontra o Posto semanas. Por fim, o Trondkhandar expeliu lava.
de Controle Subterrâneo, um quartel fortemente Felizmente, Zuralhim foi pouco afetada, pois a lava
guardado que vigia a única passagem de Thagaramm escorreu em fluxo lento e minguado. Mas os guinchos e
para o resto de Doherimm, onde candidatos a visitan- trovoadas se transformaram em vozes. Vários anões de
tes são aprovados ou (com muito mais frequência) Zuralhim relatam ouvir a voz do vulcão, chamando-os
rejeitados. Verdadeiro portal entre dois mundos, o para dentro da cratera. Alguns já obedeceram, escalan-
Posto de Controle também é palco de espionagem, do a montanha e desaparecendo lá dentro. Ninguém
venda de informações, passagem de clandestinos, troca sabe o que se esconde dentro do Trondkhandar… ou
de prisioneiros, receptação de mercadorias e outras se é o próprio vulcão que clama por vítimas.

Capítulo Três
414
A Nona Guilda?
Guildas &
Organizações Alguns boatos afirmam que existe mais
uma guilda em Doherimm: a Guilda
Atualmente, nada é mais importante em Dohe- dos Capuzes, composta de espiões e
rimm do que as Oito Guildas. Em geral, o treina- assassinos, responsável por vigiar o
mento começa ainda na infância, o que significa povo e as outras guildas, além de fazer
que o jovem aprendiz provavelmente será iniciado problemas “sumirem”. Segundo esses
na guilda de seus pais. Contudo, qualquer doheri- boatos, a Guilda dos Capuzes teria forte
ta pode trocar de guilda quando quiser, desde que presença em Thagaramm, especialmente
passe nos testes de iniciação e seja aceito. O cle- no Posto de Controle Subterrâneo.
ro de Doherimm foi dividido entre todas as guildas Ninguém pode garantir ou desmentir
após a Revolta. Assim, cada uma conta com seus a veracidade disso, talvez nem mesmo
próprios sacerdotes. os oito grão-mestres. Ou ao menos
ninguém está disposto a abrir a boca…
Sendo corporações de ofício e não aristocracias
hereditárias, as Oito Guildas podem trocar de lide-
rança com relativa velocidade. O antigo Grão-Mestre
da Guilda dos Armeiros, Ghestoff Pohlbuck, foi Assim, vozes mais comedidas prevaleceram e toda a
destituído ainda antes da Revolta, por sua postura nobreza foi alocada a sua própria guilda, hoje liderada
tradicionalista — é apenas um exemplo de como essas pelo Grão-Mestre Harneld Kaz-Khalan Achafiada.
posições são frágeis. Afinal, eles tinham um ofício: a administração.
Como a mais jovem das guildas, esta ainda não
Guilda dos Armeiros se solidificou. Os nobres em teoria devem cuidar da
Uma das mais influentes, a Guilda dos Armeiros parte administrativa de Doherimm, além da diplomacia
esteve presente em vários pontos importantes da externa. Contudo, na prática acabam exercendo funções
história de Doherimm e seu grão-mestre era um dos de liderança. Além disso, poucos anos se passaram
poucos que sabia do roubo da espada Rhumnam. desde sua criação e ninguém sabe como responder
Não é de surpreender que tenha sido exilado junto à pergunta crucial: é preciso ter nascido nobre para
ao antigo rei… Sempre houve um cisma dentro estar nesta guilda? Os nobres podem deixá-la? E se
desta guilda — apesar de seu tradicionalismo, um “plebeu” quiser fazer parte?
costuma atrair espíritos inovadores. Hoje em dia,
armeiros que trabalham com pólvora estão em alta
e o Grão-Mestre Sharagg Mith-Kador é um grande Guilda dos Pensadores
entusiasta da substância. Talvez a mais ampla e abrangente de todas, a
Guilda dos Pensadores abriga artistas, escribas, mú-
Guilda dos Mineradores sicos, filósofos, historiadores e inventores ousados.
Sob a tutela da Grã-Mestra Eldora Brasardente,
A mais antiga das guildas, apegando-se a valores
é conhecida como a guilda menos organizada, mas
antigos e rejeitando inovações. Qualquer projeto
também a mais inovadora. Absolutamente todas
ousado que precise passar pela Guilda dos Mineradores
as guildas trabalham com os pensadores em algum
(como a escavação de túneis para a Grã-Locomotiva) se
momento, seja para planejar alguma inovação, seja
torna um pesadelo de burocracia e má vontade. Existe
para solucionar um problema ético — ou mesmo
grande desconfiança das outras guildas para com os
embelezar uma sede. Esta guilda também é uma das
mineradores, pois eles inicialmente se recusaram a
mais rigorosas. Os testes de admissão costumam ser
participar da Revolta, juntando-se às outras apenas
quando a batalha já estava quase vencida. O atual extremamente difíceis e a maioria dos candidatos
grão-mestre é Thargrimm Marmoreiro. é rejeitada.

Guilda dos Nobres Guilda dos Provedores


Quando a monarquia foi derrubada, houve dis- Várias guildas clamam para si o título de mais
cussões sobre o que fazer com a nobreza. Os mais gloriosa ou mais importante, mas só uma poderia
exaltados pediam execuções em massa — mas isso dizer que é a mais humilde: a Guilda dos Provedores.
vai contra o princípio anão de defender Doherimm. Mas não o faz, é claro, por pura humildade.

Além de Arton
415
Em Doher, o Muro Histórico
ostenta os orgulhosos
brasões das Oito Guildas

Liderados pela Grã-Mestra Shalina Korka’mak,


aqui se reúnem fazendeiros, pescadores, cozinheiros,
Guilda dos Cervejeiros
coureiros e alguns tipos de trabalhadores braçais. Doherimm cairia sem guerreiros e morreria de
Doherimm iria desmoronar se a Guilda dos Provedores fome sem provedores, mas quem traz mais qualidade
parasse de trabalhar por uma semana — de fato, talvez de vida é a Guilda dos Cervejeiros. Responsável não só
tenha sido sua adesão à Revolta que tenha feito a pela cerveja mas também por todas as bebidas anãs,
balança pender. Contudo, muitos anões esquecem esta guilda conta com prestígio e liberdade únicos. Se
que esta sequer é uma guilda. Seus testes de admissão os cervejeiros notam o talento de um anão de outra
cumprem um papel quase simbólico e os provedores guilda e desejam-no para si, basta pedir. Se precisam
costumam dizer que, se há vontade de aprender e de de um grande empréstimo, só há uma pergunta — se
trabalhar duro, todos são bem-vindos. o valor é suficiente ou se gostariam de mais alguma
coisa. Há alguns anos houve ameaça de que esta guilda
Guilda dos Guerreiros fosse dissolvida: três grão-mestres dividiam a liderança
e uma discussão fez com que se separassem. A situação
Não é de surpreender que esta guilda tenha
foi tratada como emergência nacional, o rei convocou
enorme influência. Afinal, os guerreiros detêm o
uma conferência com honras diplomáticas e a Guilda
poder da força bruta. Todos os soldados de Dohe-
dos Cervejeiros foi mantida unida, sob a liderança do
rimm são ligados a ela — assim, também não é de
Grão-Mestre Kheloramm Achafiada.
surpreender que boa parte tenha se aliado aos no-
bres no início da Revolta. Todas as guildas têm certo Embora muitos estabelecimentos da superfície se
medo da Guilda dos Guerreiros, hoje liderada pelo gabem de servir “cerveja anã”, isso quase sempre é
Grão-Mestre Huradimm Manto-de-Mitral. Os ar- uma reserva especial — a “cerveja tipo exportação”,
meiros trabalham de perto com eles, mas os nobres indigna de ser consumida por um anão. As reais cervejas
são mais alinhados com sua postura. De qualquer anãs só saem de Doherimm com permissão especial
forma, todos sabem que é bom ter cuidado… E que da guilda. Uma das poucas tavernas com essa honra
nunca é demais saber se defender. é a Terceira Opção, em Valkaria.

Capítulo Três
416
Guilda dos Construtores Grupos do sobremundo às vezes são trazidos
por um membro anão, que se responsabiliza por seu
Uma das mais tradicionais, fortemente alinhada comportamento. Mesmo assim, invariavelmente che-
aos mineradores, a Guilda dos Construtores abriga gam vendados. Forasteiros são considerados úteis em
engenheiros, arquitetos e pedreiros, além de ferreiros missões diplomáticas (tanto com outros povos quanto
e fabricantes de itens diversos. Por mais importante entre guildas) e para transporte de objetos que muitos
que seja seu trabalho, é uma guilda que conta com anões cobiçam. Quando os membros de todas as guildas
pouca glória. Diz-se que famílias muito precavidas arregalam os olhos para a mercadoria, talvez seja hora de
aconselham seus filhos a serem construtores, pois é trazer alguém sem qualquer ligação com as corporações
um ofício digno, necessário e previsível. Liderada pela de ofício! Também podem ser úteis em escaramuças
Grã-Mestra Dargin Barba-Suja. contra os finntroll, já que sua presença e suas táticas são
menos esperadas por essas criaturas vis. Aventureiros

Aventuras menos escrupulosos podem ser contratados para roubar


ou sabotar alguma obra. A Grã-Locomotiva em especial
A maior parte das aventuras em Doherimm será atrai a ganância de certas facções, com suas cargas
algum tipo de emergência ou situação grave. Afinal, valiosas e relativamente desprotegidas. O problema é
forasteiros só são admitidos na Montanha de Ferro em entrar e sair dos vagões em alta velocidade…
raras ocasiões. Existem inúmeras missões comuns ofe- Sem dúvida a maior aventura subterrânea é a ex-
recidas por guildas: desde obtenção de matérias-primas ploração das camadas inferiores. Até mesmo grupos
e resgate de trabalhadores até espionagem industrial. inteiramente da superfície podem receber permissão
Aventureiros têm sido contratados especialmente para especial de passar por Doherimm caso seu objetivo
fazer a segurança das estradas de ferro em construção. esteja mais abaixo. Indo além das terras dos gigantes
Contudo, essas missões estão disponíveis apenas para do fogo, além de Trollkyrka, além de Camprini, aventu-
doheritas, a menos que os forasteiros tenham provado reiros podem descobrir mundos ainda mais bizarros…
seu valor de alguma forma. e os anões estarão dispostos a pagar bem por isso.

Além de Arton
417
Éter divino
P
or mais variada e surpreendente que absoluto da Criação. A seu redor, em órbitas variadas,
Arton seja, é apenas uma parte da Cria- giram a lua, o sol, as estrelas e os mundos dos deuses.
ção. Certamente a mais importante… Este é um fato aceito por sábios e teólogos, além
Mas, além desse mundo de maravilhas, de comprovado por aventureiros, pelos poucos visi-
existem outros: os mundos dos deuses. E, no tantes que chegam em naves vivas e até mesmo por
espaço entre os mundos, existe o éter divino. astrólogos e videntes. Contudo, parece contradizer
o senso comum, além da experiência de centenas de
heróis que já visitaram algum reino divino. Quase
A Fronteira Final todos relatam que o Reino de uma divindade é um
A maioria dos artonianos nunca tem motivo para local infinito, místico, com suas próprias regras, sobre
pensar na forma física de seu mundo, muito menos o qual o deus governa com onipotência. É sabido que,
em como a cosmologia divina se organiza. Contudo, após a morte, as almas dos artonianos viajam para esses
um punhado de sábios e os exploradores conhecem Reinos. Existem portais mágicos que levam aos Reinos,
a verdade. Visto muito de cima, o mundo físico de criaturas planares são invocadas por magia… Como
Arton é um planeta arredondado, fixo como o centro conciliar tudo isso com as descobertas mais recentes?

Capítulo Três
418
A verdade é que a Criação não é tão estanque, Em primeiro lugar, para alcançar o éter divino é
nem dividida de maneira tão precisa. Até mesmo preciso um veículo que seja capaz de romper a iliosfera.
aventureiros podem pensar que existe apenas o que Magias de voo não conseguem fazer isso, nem mesmo
é “material” e o que é “divino”, com uma separação naves aéreas. Dizem que nem Vectora seria capaz — o
clara e óbvia entre ambos. Uma visão dualista de Mercado nas Nuvens pode se transportar por magia
fácil compreensão, mas falsa. Com um pouco mais a outros Planos, mas não subir ao éter. Usando qual-
de experiência (e raciocínio), pode-se perceber que quer um desses meios, um pretenso viajante do éter
a Criação é inerentemente mística. O que é “físico” apenas conseguiria chegar a uma camada da iliosfera
ou “material” e o que é “místico” ou “planar” se onde não seria capaz de sobreviver — e então ficaria
misturam o tempo todo. circundando o globo artoniano lentamente. De fato,
alguns caçadores de tesouros já tentaram subir aos
Na Pondsmânia, um viajante pode caminhar por
limites da iliosfera em busca dos corpos de aventureiros
uma floresta profunda e adentrar um reino divino
épicos… Para recuperá-los ou saqueá-los.
sem notar. Da mesma forma, existe nas Uivantes
contato suficiente com o Plano elemental do gelo para Para deixar Arton, um veículo precisa ser capaz de
a formação do gelo eterno. O fenômeno do espaço transcender o mundo material. Não bastam portais ou
de masmorra evidencia que o mundo físico pode se magias similares (de fato, não se conhece nenhuma ma-
modificar e se tornar “impregnado” pelo que é místico. gia capaz de transportar diretamente ao éter). É preciso
Até mesmo a corrupção pela Tormenta é prova de que navegar pela zona sutil entre material e imaterial, entre
o mundo material é permeável pelo que existe além. mundano e divino. Nenhum artoniano sabe como fazer
isso hoje em dia, mas as naus que trouxeram os elfos
Em suma, Arton é um mundo físico, sim. Mas,
possuíam essa capacidade. Além disso, os gog’mago-
quanto mais um viajante se afasta de Arton, menos
gues, imensas criaturas semelhantes a peixes e nativas
material a Criação se torna. Mais e mais o que é físico
do éter divino, realizam esse feito naturalmente, por
e o que é divino se tocam. Até que não exista diferença
instinto. Na verdade, os pouquíssimos gog’magogues
entre um e outro.
que já estiveram em Arton sofrem dentro da iliosfera,
Arton é cercado por uma iliosfera — uma camada preferindo subir ao éter assim que possível.
indetectável de, por falta de uma palavra melhor, “ma-
Uma viagem pelo éter é tanto uma jornada física
terialidade”, que se estende a cerca de 80 quilômetros
quanto uma experiência mística. Por isso, os viajantes
de altura. Dentro da iliosfera, tudo funciona de acordo
do éter são chamados de divinautas. Uma nave etérea
com as leis a que os artonianos estão acostumados:
exige uma tripulação especialmente treinada, composta
existe gravidade, as distâncias podem ser facilmente
de vários postos indispensáveis. Entre eles, talvez
medidas, o tempo transcorre de forma linear, dois
os mais importantes sejam o druida de bordo e o
corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo
teólogo de bordo.
tempo… Enfim, tudo é “normal”. Nas camadas mais
elevadas da iliosfera o frio é mortal, não existe ar e a O druida de bordo é um devoto de Allihanna,
gravidade é fraca, mas a Criação ainda é física. Megalokk ou Oceano capaz de perceber a presença
de sua divindade no éter — onde não existe natureza,
Assim que deixa a iliosfera, um viajante está numa monstros ou mares. Sua função é fundamental: manter
área da Criação com regras diferentes, imprevisíveis e uma extensa vida vegetal dentro da nave, para que a
aparentemente arbitrárias. As distâncias se estendem tripulação possa respirar! Embora existam histórias
a ponto de não fazerem mais sentido. O tempo pode sobre naus que forneceriam ar a seus tripulantes de
transcorrer de forma mais rápida ou mais lenta. Não outras formas, quase todas as naves etéreas conhecidas
há “acima” ou “abaixo”. Não se aplicam as leis natu- são repletas de plantas. Existe uma estufa a bordo e
rais do mundo material, mas leis místicas, esotéricas cada espaço vazio, incluindo paredes e teto, tende a
e filosóficas. Por isso, o espaço além da iliosfera é ser coberto de galhos e trepadeiras.
chamado de éter divino.
Já o teólogo de bordo é essencialmente um navega-
dor. Pode ou não ser um devoto, mas invariavelmente
Viagens pelo Éter é um grande estudioso de tudo que é divino. Ele
Nem mesmo o mais poderoso herói artoniano identifica, analisa e calcula as rotas etéreas com base
é capaz de existir no éter divino sem auxílio de na influência relativa de deuses e seus mundos. Sem
equipamentos especializados e magia. O éter não é um teólogo de bordo, é impossível chegar a qualquer
totalmente material, nem totalmente místico. Assim, lugar no éter divino. Uma nave poderia seguir em frente
apresenta desafios únicos, muitas vezes mais letais por anos, séculos, milênios… E só encontrar vazio
do que um reino divino hostil. escuro. Algumas tripulações desprovidas de teólogos

Além de Arton
419
Por que Viajar pelo Éter? as próprias divindades são menos impressionantes
ou transcendentais. Passam a considerar que, mesmo
Ao descobrir as dificuldades e perigos com todas essas dificuldades, os reinos divinos agora
de uma viagem pelo éter, um pretenso parecem muito próximos. Previsíveis. Prosaicos.
divinauta pode se perguntar: por que se
A verdade é que os mundos dos deuses são ma-
arriscar dessa forma? Por que não usar um
nifestações dos reinos divinos, mas não são os reinos
portal para alcançar um reino divino?
divinos inteiros. Já se fez a comparação de que um
A verdade é que sim, é muito mais fácil e reino divino é como o deus em si, enquanto que um
seguro visitar outro Plano usando um portal. mundo divino é como seu avatar. Alguns teorizam que
Mas eles não estão disponíveis para todos, o mundo divino seria equivalente ao “corpo físico”
em geral exigindo grandes jornadas por de um reino divino — que por sua vez seria a “alma”
Arton. Além disso, ao usar um portal um de um mundo.
explorador está preso ao local aonde o portal
Enquanto Arton é firmemente material e cercado
leva. Não tem controle sobre seu destino e
por uma iliosfera, os mundos divinos são místicos e
não pode voltar quando quiser. Se o objetivo
cercados por teosferas, camadas que os separam do
é visitar vários Reinos, achar um portal para
éter. Uma vez que uma nave etérea rompa a teosfera
cada um pode ser inviável. Além disso, não
de um mundo divino, adentra o reino. Está agora num
existem portais conhecidos para o éter em si.
outro Plano, que opera por leis específicas ditadas por
Contudo, a maior parte dos divinautas um deus. Um artoniano que chegue a um reino divino
não usa portais porque não deseja apenas por meio de um portal ou magia estará preso à teosfera.
chegar a um lugar — deseja explorar. Usar Assim, não será capaz de notar o éter “acima”.
um portal para um reino divino é como
Naves etéreas como gog’magogues são capazes
usar uma magia de teletransporte em vez
de romper tanto a iliosfera quanto as teosferas,
de um navio. Mais rápido e talvez mais
possibilitando viagens entre os mundos… E, assim,
seguro… Mas privando o viajante de todas
entre os Planos.
as experiências que teria pelo caminho.
Contudo, a natureza ao mesmo tempo material
e mística do éter divino faz com que esses mundos
obedeçam a certas regras físicas. Todos circundam
encontram um mundo divino ou outro objeto etéreo Arton em diferentes órbitas. Assim, para alcançar um
por acidente, mas em geral ficam presas lá para sempre. deles não é preciso apenas cruzar uma certa distância,
Todo esse conhecimento foi compilado ao longo de mas também calcular onde na órbita o mundo estará.
gerações pelos kliren, a única raça inteligente conhecida Na primeira órbita, mais próxima do mundo ma-
que se considera nativa do éter. Os kliren não são capa- terial, a lua de Arton é na verdade Vitalia, o Mundo
zes de existir no éter divino sem auxílio (são criaturas de Lena. Pode parecer muito “próximo”, mas mesmo
materiais, assim como artonianos), mas desenvolveram uma jornada à lua é um feito extraordinário. Odisseia
toda uma ciência para burlar essa limitação. Foram os (Mundo de Valkaria), Ramknal (Hyninn) e Nivenciuén
kliren que descobriram os gog’magogues e passaram (antigo Mundo de Glórienn) dividem a segunda órbita.
a usá-los como veículos. Extremamente resistentes e Sabe-se que Nivenciuén foi tomado pela Tormenta.
pacíficos, os gog’magogues permitem que naves etéreas
Dividindo a terceira órbita estão Serena (Marah)
semelhantes a navios sejam construídas ao redor de e Arbória (Allihanna). Na quarta órbita, um sistema
seus corpos — o processo não é invasivo e não parece complexo: o sol de Arton, de fato o próprio Mundo
incomodá-los. As naves então adquirem a capacidade de Azgher, Solaris, tem como satélite Pyra (Thyatis).
de viajar pelo éter e adentrar diferentes mundos. Para Alguns especulam que, além de um mundo, Solaris
os kliren, a palavra “gog’magogue” costuma designar seja parcialmente o corpo do próprio deus. Em direta
as naves vivas. Para se referir somente às criaturas, oposição a essa iluminação está o Mundo de Tenebra,
usam “gog’magogue selvagem”. Sombria, em trevas ocasionalmente dissipadas por sua
própria lua particular, Venomia (Sszzaas). Na quinta
Mundos dos Deuses órbita está Chacina (Megalokk) e Werra (Arsenal).
Mas mesmo todo esse conhecimento não satisfaz as Um amplo espaço vazio se segue, onde já existiu o
dúvidas fundamentais de devotos e viajantes planares: Mundo de Tilliann. Em seu lugar existem apenas as ro-
como os reinos divinos podem ser mundos? Alguns chas flutuantes de Skerry. Skerry se tornou puramente
artonianos, ao saber disso, têm a impressão de que material antes de ser destroçado depois da punição de

Capítulo Três
420
Tilliann. Contudo, não tem uma iliosfera, tornando As Estrelas
a vida nas rochas um desafio técnico vencido pelos
kliren. Alguns divinautas relatam outros cinturões de Embora os mundos dos deuses sejam
asteroides, destroços e “lixo etéreo” entre os mundos. (ao menos parcialmente) conhecidos, o
Ninguém sabe se seriam restos de mundos destruídos mesmo não se pode dizer das estrelas que
ou algo mais misterioso. brilham no céu artoniano.
A órbita seguinte é ocupada por mais um sistema Existem diferentes teorias sobre o que
complexo: cinco satélites orbitam um gigante gasoso, seriam as estrelas. Alguns sábios afirmam
identificado em diferentes culturas como Ordine que são almas artonianas elevadas ou
(Khalmyr), Sora (Lin-Wu), Terápolis (Tanna-Toh), fragmentos de deuses mortos. Outros
Drashantyr (Kallyadranoch) e Kundali (Tauron, agora dizem que são “buracos” no éter e através
talvez o Mundo de Aharadak — o que significaria dois deles enxergamos o Nada. Os mais
mundos corrompidos). Outro mundo gigante viaja ousados defendem que cada estrela é na
pela oitava órbita: Pelágia (Oceano). verdade um mundo material separado,
A uma imensa distância de Arton e da luz de Solaris com sua própria cosmologia. Segundo
está Magika (Wynna), que tem seu próprio sistema essa versão, Arsenal teria vindo de um
particular com seis sóis e seis luas (ligados aos dife- desses mundos.
rentes Planos elementais). Mais um mundo completa
Embora as estrelas pareçam estar muito
o sistema, numa órbita caótica: Al-Gazara (Nimb). A
mais longe da última órbita ao redor de
órbita imprevisível do Mundo do Caos afeta a duração
Arton, certos divinautas já relataram
do ano de Arton, motivo pelo qual existem os dias
avistar estrelas “entre” os mundos dos
de Nimb no calendário artoniano. Deathok (Ragnar)
também tinha uma órbita imprevisível, mas não se sabe deuses, principalmente após se perderem
o que aconteceu após a destruição do Deus da Morte. por meses ou anos. Ninguém sabe
explicar esse fenômeno.
Alguns mundos dos deuses se manifestam na
forma de globos, assim como Arton. Outros, no entan-
to, apresentam formas variadas e inesperadas, desde A Flecha de Fogo
nuvens colossais até poliedros ou superfícies planas.
Mais surpreendente é que não há consenso entre os A queda da Flecha de Fogo levou alguns
divinautas sobre sua forma. Talvez eles se revelem de sábios a teorizar sobre o que teria
maneira diferente a cada mortal, ou talvez diferentes realmente acontecido. Será que Thwor
teólogos de bordo possam localizar diferentes facetas conseguiu manipular o destino para que
do mesmo mundo. Vale lembrar que nenhum mundo o cometa se despedaçasse? Ou existe uma
possui uma placa identificadora! Muitas tripulações já explicação mais mundana?
adentraram o mundo errado, para nunca mais sair…
A teoria mais “sensata” afirma que
Além de tudo isso ainda existem incontáveis a Flecha, vinda do éter divino, não
planetoides, cometas, objetos, criaturas, fenômenos e teria resistido ao contato com a iliosfera.
entidades no éter divino. Um gog’magogue comercial Quanto mais perto de Arton, mais material
já encontrou um grande asteroide moldado na forma de — chegando muito perto, o objeto não
rostos gnômicos, enquanto existem histórias sobre uma estaria preparado para tamanha materiali-
masmorra que flutua em algum lugar do éter. Alguns dade. Contudo, aceitar essa teoria significa
desses lugares podem inclusive ser habitados por raças que o Ayrrak teve uma sorte imensa, pois
planares. Contudo, é consenso que nenhum tem uma seu estratagema se concretizou sem que
fração da diversidade de Arton: costumam apresentar
ele conhecesse detalhes sobre o éter divino
só um tipo de ambiente ou característica marcante.
e os pedaços da Flecha caíram exatamente
Não se conhece nenhum divinauta que tenha ex- onde ele precisava.
plorado todos os mundos dos deuses, muito menos
Talvez Thwor fosse, afinal, um estudioso
que tenha decifrado mais do que uma ínfima fração
do éter… Ou talvez a Criação seja ainda
dos mistérios do éter. O conhecimento sobre o que
mais misteriosa do que os artonianos já
está “lá em cima” não torna a Criação menos mágica,
foram capazes de supor.
pois abre um leque adicional de perigos e maravilhas.
Talvez a torne ainda mais instigante… E aterrorizante.

Além de Arton
421
CAPÍTULO 4
A
rton é um mundo repleto de nações Este capítulo explica o funcionamento dessas
poderosas. Apesar disso, não são ape- instituições. Além disso, enquanto os reinos descritos
nas os reinos que ditam os rumos da anteriormente trazem organizações locais, as páginas
história. Diversas organizações atuam a seguir apresentam instituições cuja influência se
em Arton, de honradas ordens de cavalaria a estende além de suas terras de origem — entidades
sinistras irmandades criminosas. de importância e atuação mundiais.

Exércitos & Mercenários


A história de Arton é repleta de guerras. A origem Por mais valentes que guerreiros nobres sejam,
do próprio Reinado pode ser traçada até a Grande eles não podem estar em todos os lugares ao mesmo
Batalha, um conflito entre os antigos reinos humanos tempo. Por isso, usam parte do dinheiro gerado pelos
de Lamnor. Assim, não é estranho que praticamente impostos para sustentar guarnições. Esses guardas
todas as nações possuam forças armadas de algum tipo. podem se dedicar à luta e possuem equipamento de
A maioria possui exércitos feudais, formados por guerra, embora não tão luxuoso quanto o de seu senhor
guerreiros nobres e seus guardas. Já outras possuem — cotas de malha, alabardas e maças são o padrão.
exércitos profissionais, formados por soldados e Eles fazem o trabalho diário de patrulha e proteção
oficiais de carreira, ou dependem de companhias das terras, enfrentando bandidos, animais selvagens e
mercenárias, cuja lealdade não reside em um bra- monstros menores, como glops e orcs, mas recorrem
são, mas no ouro. Além de afetar a política, essas a seu senhor para problemas mais sérios.
organizações podem ser potenciais contratantes — ou Infelizmente, às vezes tais problemas surgem em
antagonistas — de aventureiros. números muito grandes. Um cavaleiro e seus guardas
podem lidar com bandoleiros na estrada. Mas, se em

Exércitos Feudais vez de uma gangue for uma horda de saqueadores, o


lorde precisará de ajuda. Para isso, convoca os próprios
Nas sociedades feudais, os camponeses trabalham camponeses da sua terra.
a terra, dando parte de sua produção para os nobres Ao contrário dos cavaleiros e guardas, camponeses
na forma de impostos. Em troca, os nobres protegem recrutados não têm treinamento ou equipamento
os camponeses. Por esse motivo, muitos senhores de militar. São pessoas comuns, como fazendeiros, pas-
terras são combatentes. Em alguns casos, um guerreiro tores e caçadores, e suas “armas” são muitas vezes
poderoso, mesmo que não pertença a uma linhagem, suas ferramentas de trabalho, como arcos, machados
pode conquistar território, convocar camponeses para e foices. Sua única força está na quantidade. Alguns
trabalhar a terra e cobrar impostos deles. Ao fazer nobres eventualmente convocam seus plebeus para
isso, se tornará um nobre. De fato, muitas famílias treinos no pátio do castelo ou em campos perto da
aristocráticas do Reinado começaram assim. vila e fornecem equipamento básico (corseletes de
Assim, a base do exército feudal é o guerrei- couro e lanças) durante o recrutamento. Mas isso
ro nobre, ou cavaleiro. Ele normalmente é um não é comum e, mesmo onde acontece, o treinamento
combatente capaz, por dois motivos. Primeiro, por será rudimentar — afinal, ao contrário dos nobres, os
seu treinamento — como nobres têm seu sustento camponeses precisam trabalhar.
fornecido pelos camponeses, podem se dedicar às Por fim, feudos maiores ou mais ricos podem
armas. De fato, é comum que filhos e filhas de nobres sustentar outros cavaleiros, além do próprio senhor da
humanos comecem a treinar aos sete anos. Segundo, terra. Esses cavaleiros vivem no castelo do lorde, sendo
por seu equipamento — por sua riqueza, nobres sustentados por ele, e têm praticamente o mesmo
possuem itens normalmente inacessíveis a pessoas treinamento e equipamento que seu senhor, pagando
comuns, como armas e armaduras de manufatura por isso através de um juramento de lealdade. Formam
superior e cavalos de guerra. uma tropa de elite, mais capacitada que os guardas.

Capítulo Quatro
424
A liderança de um exército feudal sempre cabe Já oficiais são recrutados entre filhos e filhas da
ao senhor das terras, mesmo que ele não seja o mais nobreza ou da burguesia. Começam como tenentes,
experiente. Por exemplo, um nobre jovem, que recém que lideram grupos pequenos (entre dez a trinta sol-
herdou seu trono, pode saber menos sobre guerra que dados) ou atuam como auxiliares de oficiais
um guarda veterano, mas será seu superior. Quando mais graduados. Com o tempo e provando
um exército é formado pela junção de vários nobres seu valor, podem ser promovidos a capitães
(no caso de um ataque em larga escala, que ameace — comandantes de grupos grandes, com
mais de um feudo), o líder é o nobre de maior gradu- por volta de cem soldados, ou de uma
ação. Em ordem crescente, a precedência é: cavaleiro, guarnição pequena, como uma torre de
barão, conde, marquês, duque e o monarca do reino. vigia ou posto de fronteira.
Assim, um exército recrutado do reino inteiro será Capitães são os oficiais
sempre liderado pelo rei ou rainha. mais graduados que
ainda participam de
Guarda do batalhas em
Exércitos exército
feudal de situa-
ções
Profissionais Deheon
nor-
mais.
Esse tipo de força consiste em militares
Aqueles que se destacam são promovidos
divididos em soldados e oficiais (respec-
a coronéis e ganham o comando de uma
tivamente, combatentes e comandantes).
guarnição grande, como um castelo ou
Cada categoria tem suas subdivi-
fortaleza de fronteira. Coronéis nor-
sões, chamadas de “patentes”.
malmente não atuam mais em campo,
As patentes variam de exérci- liderando de trás das linhas, mas alguns
to para exército, mas a seguir insistem em lutar lado a lado com
apresentamos uma nomencla- seus subordinados. Tais oficiais são
tura comum. teimosos que podem botar tudo a
Soldados são recrutados perder com sua imprudência — ou
entre jovens de origem humil- corajosos que inspiram a mais
de, normalmente com 16 a 25 pura devoção em seus soldados.
anos. Todos os verões, oficiais re- Um coronel que não seja um
crutadores passam pelas fazendas, nobre (algo raro) ganhará terras
vilas e cidades, recolhendo campo- e um título de nobreza
neses e plebeus que queiram in- ao atingir essa patente.
gressar no exército — aqueles de Coronéis que demons-
melhor nascimento que tenham trem grande capacidade
interesse numa vida de viagens estratégica ou diplomática são
e batalhas tornam-se oficiais ou promovidos a generais — a
aventureiros. Iniciam suas carrei- patente mais alta, com o co-
ras como recrutas, quando passam mando de uma região inteira do
por treinamento num acampamento reino. Generais normalmente têm seu
ou base. Após um ano, tornam-se sol- título nobiliárquico elevado e geralmente
dados. Soldados que se destaquem em são condes ou mesmo duques.
campo, ou pelo menos sobrevivam a di- Tanto para soldados quanto para
versas batalhas, são promovidos a sar- oficiais, os termos do recrutamento —
gentos, veteranos que detêm o res- incluindo salário e tempo de serviço
peito (ou temor) de outros soldados — são estipuladas em contratos, nor-
— e, às vezes, até mesmo de oficiais. malmente redigidos num pergaminho
Alguns exércitos possuem um posto abençoado por um clérigo de Khalmyr
intermediário entre soldado e sargen- e autenticado pelo selo do oficial recru-
to, mas isso não é unanimidade. Em tador. Tais pergami-
alguns reinos tirânicos o alistamento nhos são uma pos-
é obrigatório e quem evitá-lo pode se valiosa para seus
ser preso ou mesmo executado. donos — afinal, pro-

Organizações
425
vam quando eles começaram a servir e, consequente-
mente, quando poderão se aposentar. Normalmente, Companhias
o fim da carreira de um soldado é o posto de sargen-
to — exceto em casos raros, sargentos não são pro-
Mercenárias
movidos a tenentes. Ou seja, soldados não viram ofi- Um ditado popular entre devotos de Tibar diz:
ciais. Isso acontece porque o treinamento e a função “Sempre que alguém quiser um serviço, haverá alguém
das duas categorias são diferentes. Um sargento pode disposto a fornecer esse serviço… pelo preço certo”. No
ser um combatente temível, mas nada garante que Reinado e além, muitos nobres almejam conquistas
seja um bom estrategista. Sargentos especialmente militares — e os que não têm esse desejo precisam
capazes, porém, provavelmente são alocados a unida- se proteger daqueles que têm. Assim, não é de se
des de elite ou posições de honra (como guarda real). espantar que Arton possua incontáveis companhias
mercenárias — grupos de pessoas dispostas a lutar
Como oficiais também ingressam no exército mui-
por quem pagar mais.
to cedo, às vezes um jovem inexperiente pode aca-
bar liderando soldados veteranos. Isso pode soar es- A origem dessas organizações varia. Podem ser for-
tranho, mas oficiais são treinados madas por soldados veteranos que, após serem dispen-
justamente para isso — lide- sados de seus exércitos, passam a vagar pelos reinos
rar. Um oficial não necessa- vendendo serviços
riamente é um combaten- militares — afinal,
te melhor que um soldado não conhecem outro
de experiência equivalente, ofício. Também por
mas possui treinamento para bandidos que desco-
ser um comandante melhor. brem que lutar as
Claro, alguns oficiais al- batalhas dos ou-
cançam seu posto ape- tros paga mais
nas por seu nascimento, e do que assal-
não possuem aptidão al- tar em estra-
guma. Esses costumam ser das. Ou, ain-
transferidos para posições da, por bárbaros que não
burocráticas ou para guarnições se encaixam na sociedade
“civilizada”, devotos de Ar-
afastadas, onde dificilmente ve-
senal que só querem uma
rão combate. Em casos extre-
desculpa para entrar em
mos, podem até mesmo sofrer
guerra, aventureiros de-
um “acidente” causado por su-
siludidos… Poucas orga-
bordinados fartos de seguir
nizações em Arton são tão
ordens estúpidas.
diversas quanto companhias
Poucas nações possuem mercenárias.
exércitos profissionais. Isso
ocorre pelo sistema feudal
usado na maior parte dos rei-
nos, no qual o dever de proteger
o povo cabe aos nobres. Também
porque manter um exército pro-
fissional é caro — é mais bara-
to recrutar camponeses apenas
quando necessário do que sus-
tentar soldados em tempo inte-
gral. Atualmente, os exércitos Mercenário
de Aslothia
profissionais de maior desta-
que são o Exército do Reina-
do, o Exército Purista (da Su-
premacia) e as Legiões
de Tauron (do Império
de Tauron).

Capítulo Quatro
426
Suas estruturas também variam — enquanto
algumas são pouco mais que gangues desordeiras, O Exército
outras possuem códigos tão rígidos quanto os de uma
ordem de cavalaria. A maioria, porém, obedece a uma
do Reinado
hierarquia padrão. O líder é chamado de capitão ou Esta força militar foi formada em 1400, quando
condotiero (um termo que surgiu nas Legiões da Shivara, recém-coroada rainha de Trebuck, solicitou
Fortuna de Sambúrdia, mas se espalhou por Arton). ao Rei-Imperador Thormy tropas de todo o Reinado
Ele possui um ajudante, chamado de tenente, que para erguer um exército e enfrentar a Tormenta. Ape-
também atua como segundo em comando. Abaixo dos sar de sua primeira incursão — a Batalha do Forte
dois estão os sargentos, veteranos que lideram grupos Amarid — ter sido uma derrota, o Exército do Reinado
de dez a trinta soldados — a base da hierarquia. perdurou. Mais do que isso, ao longo dos próximos
Além desses, as companhias possuem membros anos foi expandido, com a criação de novas guarnições
com funções específicas: os conjuradores, arcanistas para proteger os reinos de diferentes ameaças, como
e clérigos que fornecem suporte mágico e são muito a Aliança Negra e o vilão Mestre Arsenal.
respeitados (ou temidos…) pelos outros mercenários; Durante a Guerra Artoniana, muitos soldados do
o arauto, responsável por anunciar a chegada da Exército do Reinado pediram baixa — ou desertaram
companhia aos nobres locais e oferecer os serviços — para proteger seus lares. Porém, desde o fim do
dela, e o arquivista. Este último é um escriba, sábio conflito, Shivara tem feito esforços para restaurar
ou devoto de Tanna-Toh encarregado de registrar a sua força. O objetivo da Rainha-Imperatriz é ter
história da companhia (para quais reinos ela viajou, acampamentos, torres de vigia e fortes prontos para
de quais batalhas participou…) e redigir os contratos defender a coalizão de qualquer perigo externo. Isso
de serviço. Esses documentos estipulam os termos ainda não é realidade, mas o empenho já deu frutos
a serem seguidos pelos mercenários — por quanto — recentemente, o Forte Cabeça-de-Martelo, nas
tempo servirão, contra quais inimigos lutarão, se farão Colinas Centrais, protegeu a região de um ataque de
outro tipo de serviço (como escolta, espionagem…) bandidos e zumbis da Tormenta.
e, claro, quanto receberão. O pergaminho é assinado A primeira medida prática de Shivara para fortale-
pelo condotiero e pelo contratante e, nas maiores cer o Exército do Reinado foi fundi-lo com o Exército
companhias, será mágico, vinculando todos que o Real de Deheon. Apesar de também ter sofrido perdas
assinaram a cumprir suas cláusulas ou sofrer maldi- no conflito para os puristas, as tropas profissionais
ções arcanas. O arquivista é o terceiro membro mais deheoni ainda eram numerosas e bem-preparadas.
importante da hierarquia, atrás apenas do condotiero Essa medida teve outros benefícios — simplificou a
e do tenente. Seu trabalho é muito respeitado, pois burocracia militar, evitando possíveis disputas entre
mercenários normalmente possuem orgulho da história as duas forças, e revigorou os laços entre as nações
de sua companhia e, de forma mais prática, bandos aliadas. Ao abrir mão do exército de Deheon em prol
com tradições longas e orgulhosas tendem a conseguir de um que sirva a todo o Reinado, Shivara mostrou
os melhores contratos. que coloca a coalizão acima do reino do qual é rainha.
Companhias mercenárias são mais comuns em Embora o Exército do Reinado tenha mantido seu
Aslothia e nas Repúblicas Livres de Sambúrdia. nome, passou a usar a hierarquia do Exército do Real de
Porém, podem ser encontradas em praticamente todo Deheon, que estava mais estruturado. Sua base são os
o mundo. Elas também são chamadas de companhias soldados, que podem ser de infantaria (equipados com
livres, por não serem leais a um senhor específico. espadas e escudos ou alabardas), cavalaria ou besteiros.
Já os mercenários também são chamados de soldados Sua unidade básica é a companhia, que consiste em
da fortuna, por suas vidas girarem em torno da busca aproximadamente cem soldados, guardiães (soldados
por aventura e ouro. veteranos) e sargentos (subcomandantes). Cada com-
A ironia das companhias mercenárias é que elas panhia é liderada por um capitão — um aristocrata
podem ser mais perigosas em tempos de paz do que treinado para isso desde criança, um sargento que se
em tempos de guerra. Quando as batalhas terminam destacou e foi promovido ou mesmo um aventureiro
e os mercenários ficam sem trabalho, muitas vezes que decidiu largar a exploração de masmorras para
tornam-se bandidos e começam a saquear as mesmas servir ao Reinado. O capitão é auxiliado por um ou
terras que estavam protegendo. Nobres que contra- dois tenentes — jovens em treinamento para se
tam essas companhias para resolver seus problemas tornar capitães. Normalmente, companhias possuem
militares descobrem que, quando a guerra termina, apoio mágico, com um punhado de conjuradores ao
os problemas de verdade começam. seu dispor, entre magos (normalmente ex-alunos da

Organizações
427
Academia Arcana) e clérigos (tipicamente de Valkaria,
Khalmyr ou Lena). Conjuradores gozam de grande Outros Exércitos
respeito nas fileiras e são considerados equivalentes
a tenentes na hierarquia. Deheon
Dez companhias formam uma flâmula, liderada A maior nação do Reinado possui um exército
por um mestre de campo — um capitão promovido ou feudal com guardas bem-equipados, cavaleiros
um nobre, como um barão ou conde. Quatro flâmulas heroicos… e muito mais! Deheon é um reino cos-
formam um escudo, a maior divisão do Exército do mopolita e próspero, com cidadãos de todas as raças
Reinado, liderado por um condestável (ou condes- e nobres extravagantes. Essa combinação resulta
tablessa) — um mestre de campo promovido ou um em tropas excêntricas, como cavaleiros aggelus
alto nobre, como um duque ou mesmo um membro protegidos tanto por couraças quanto por bênçãos,
de uma das famílias reais da coalizão. arqueiras medusas capazes de petrificar inimigos que
as alcancem em corpo a corpo e outros prodígios.
O Exército do Reinado possui cinco escudos.
Além disso, em épocas de guerra Deheon consegue
Quatro deles são responsáveis pelos pontos cardeais,
erguer uma quantidade espantosa de camponeses,
enquanto o quinto guarda Deheon. Assim, há o escudo
com equipamento acima da média. Mas a maior força
do oeste, com bases em Ahlen e na fronteira de Deheon
de Deheon reside no elevado moral de suas tropas.
com as Uivantes, que guarnece a coalizão de investidas
Isso decorre do tratamento justo que a maior parte
de bárbaros e monstros das montanhas, assim como
de legiões desgarradas do Império de Tauron. Há o dos nobres dispensa a seus súditos — e do orgulho
escudo do leste, com guarnições ao longo da Garganta de lutar pela maior nação de Arton.
do Troll e nos reinos de Wynlla e Bielefeld, sempre Deheon possui outra força relevante: a Guarda de
vigilante contra a Supremacia. Há o escudo do sul, Valkaria. Milícias normalmente são parte das tropas
estacionado próximo da fronteira com as Ruínas feudais de seus reinos. A Guarda de Valkaria, porém,
de Tyrondir, preparado para incursões duyshidakk. é uma exceção, pois responde à própria capital e a
Há o escudo do norte, dividido entre Zakharov e sua burocracia urbana. Com milhares de patrulheiros,
Namalkah — e, em tese, responsável também por detetives e xerifes, a Guarda de Valkaria possui força
guardar a Pondsmânia, embora Shivara não seja tola equivalente ao exército de um pequeno reino! Con-
a ponto de enviar soldados para o Reino das Fadas… tudo, seu foco não é lutar, mas investigar e proteger.
Por fim, há o escudo da Deusa, no coração de Deheon,
sempre preparado para proteger o Reino Capital ou
partir ao auxílio de qualquer nação em necessidade.
Bielefeld
O Reino dos Cavaleiros possui um exército feudal
típico. Porém, graças à cultura do reino, que dá grande
Comandante valor às virtudes da cavalaria e aos dogmas de Khalmyr,
O Exército do Reinado é formalmente liderado Bielefeld possui mais cavaleiros do que seria esperado
pela Rainha-Imperatriz. Porém, o comando no dia a pela sua população. O reino também conta com a
dia foi delegado para o Arquiduque Marechal Sir Ordem da Luz, a maior ordem de cavalaria de Arton.
Bradwen Lança Dourada, que provou sua lealdade Embora em épocas anteriores seus membros passassem
liderando o Exército Real de Deheon durante a mais tempo em salões de baile do que em campos de
Guerra Artoniana, nos anos em que Shivara estava batalha, poucas unidades militares podem resistir a
desaparecida. Sir Bradwen descende de uma família uma investida montada de cavaleiros da Luz.
que tem lutado desde a Grande Batalha, e honra
essa ascendência. Um homem de estirpe e valor,
confortável tanto em salões da nobreza quanto em Namalkah
acampamentos militares, sir Bradwen possui ombros O Reino Indomado possui um exército feudal
largos e postura altiva. Está perto dos 80 anos, fato rústico e pouco organizado, mas que compensa essas
perceptível apenas pelo grisalho de seu vistoso bigode. falhas com a bravura de seus guerreiros. A nobreza
Em campo, luta a cavalo, trajando uma armadura aqui é organizada de forma simples — em vez da
magnífica e a lança pela qual sua família é conhecida estrutura nobiliárquica típica, com barões, condes
— uma arma mágica com mais de 1.000 anos. Embora e duques, os nobres são chamados de chefes e o
o guerreiro tenha se provado várias vezes, a idade de único requisito para ser considerado nobre é ser
sir Bradwen é uma preocupação. Ele ainda mostra dono de uma grande extensão de terra. Os guerreiros
vigor, mas isso não durará para sempre e logo chegará jurados dos chefes, conhecidos como ginetes, lutam
a hora de escolher um novo Marechal do Reinado. montados. Porém, ao contrário dos cavaleiros de

Capítulo Quatro
428
outros reinos, confiam mais em mobilidade do que
em equipamento pesado. Vestem couro ou cota de
Wynlla
malha e empunham lanças, azagaias e arcos. Abaixo Uma nação pequena, mas rica, Wynlla é um caso
dos ginetes estão os peões — servos que trabalham particular no Reinado, pois seus nobres não têm obri-
a terra e, quando a necessidade surge, lutam a pé. O gação de fornecer tropas para a defesa do reino. Em
equipamento dos peões é bastante singelo, normal- vez disso, pagam uma taxa ao Conselho que governa
mente adaptado de ferramentas agrícolas. a nação. O Conselho, por sua vez, usa esse dinheiro
para manter um exército diminuto, mas eficaz.
Nas vastas planícies do reino, a maioria das pes-
soas não são nobres nem seus servos, mas homens A base do exército são os Magos de Batalha,
e mulheres livres. Esses são pequenos fazendeiros arcanistas especializados em magias de destruição em
donos de suas próprias terras, ou tropeiros que área — ou seja, especialmente eficazes contra tropas.
conduzem rebanhos em tropéis, que não servem Ainda mais impressionantes são os golens de Wynlla,
a nenhum senhor, embora ainda sejam leais a Na- máquinas de combate de bronze e ferro que nunca se
malkah. Esses homens e mulheres livres combatem acovardam, nunca se cansam e nunca sentem dor. São
como cavalaria leve, sendo muito mais temíveis do que a tropa de choque do Reino da Magia e uma das forças
camponeses de outros reinos. A falta de hierarquia mais temíveis de Arton. Porém, o custo exorbitante
dentro do povo faz com que seja mais difícil erguer o de cada golem faz com que poucos existam.
exército, mas também faz com que cada combatente
seja mais valoroso. Afinal, são pessoas que lutam por
suas próprias terras, não pelas de um senhor.

Ginete de
Namalkah

Organizações
429
Além dos magos e golens, as cidades de Wynlla
são protegidas por guardas urbanos. Bem-equipados
Zakharov
e acostumados a proteger as muralhas de suas cidades O Reino das Armas possui um exército feudal com
de monstros e elementais desgarrados, conseguiriam duas peculiaridades. Primeiro, como seria de se esperar,
fazer o mesmo contra exércitos invasores — embora possui o melhor equipamento do Reinado — senão de
tenham pouca motivação para sair de suas cidades e Arton! Segundo, possui o reforço de duas tropas de
lutar em outros campos de batalha. elite: os forjadores e os trovejantes. Os primeiros são
soldados-armeiros que, além de serem combatentes
Ahlen capazes, mantêm as armas de suas unidades sempre
nas melhores condições. Já os segundos são inventores
O Reino da Intriga possui um exército feudal especializados em bombas e outras armas alquímicas.
pequeno — o que faz sentido, visto que a cultura local
repudia a violência aberta, em vez disso priorizando Tradicionalmente, zakharovianos não são espe-
soluções “astutas” para conflitos. Porém, isso não cialmente belicosos — gostam de armas, mas as veem
significa que o país seja inofensivo. Com uma rede mais como obras de arte do que como ferramentas de
de espiões infiltrados em quase todas as cortes do morte. Desde a Guerra Artoniana, porém, o reino tem
Reinado, Ahlen pode ser capaz de derrubar um se tornado cada vez mais militarista. Alguns veem
reino… sem derramar uma única gota de sangue. isso como algo necessário para que o Reinado
se defenda da Supremacia Purista. Outros são
O Reino da Intriga possui uma única tropa
mais pessimistas e temem que o Zakharov
digna de nota: os esgrimistas de Rishantor.
Esses guardas palacianos usam roupas leves e esteja trilhando o mesmo caminho do antigo
floretes, pois para eles a elegância é crucial. Reino de Yudennach.
Não se trata (apenas) de so-
berba — a função dos es- Pondsmânia
grimistas é proteger a Como quase tudo no Rei-
aristocracia de Ahlen no das Fadas, a existência de
e, para isso, eles pre-
um exército feérico depende
cisam se mesclar aos
do humor da Rainha. Atual-
nobres e aos bailes
mente em sua fase de Don-
dos quais eles par-
zela, Thantalla está mais in-
ticipam. Se andas-
teressada em jogos e bailes
sem com equipamento
do que em guerras, o que
pesado, seriam facil-
faz com que a Ponds-
mente detectados (e,
consequentemente, mânia não tenha
evitados) pelos assas- uma força mili-
sinos que devem im- tar permanen-
pedir. Embora a fun- te, com exceção
ção dos esgrimistas das fadas guerreiras da casa Aghmawor.
não seja a guerra Isso não significa que o reino seja indefe-
aberta, eles são ca- so. Anos atrás, quando Crânio Negro mar-
pazes de lutar em chou pela Pondsmânia, tropas feéricas enfren-
campo — mais taram a horda aberrante do algoz da Tormenta.
de um cavalei- Eram compostas por cavaleiros montados em
ro já encontrou gamos e equipados com armaduras de esmeral-
seu fim na ponta da e sabres de diamante, poderosas árvores vivas e
de um florete ao duendes variados com poderes mais variados ainda.
subestimar a ve- Acima de tudo, a Pondsmânia conta com a Caçada
locidade e preci- Selvagem. Liderada pelo Rei das Fadas — um huma-
são desses espa-
noide imenso, de peito musculoso e galhada enorme
dachins.
e pontiaguda — contém cães com olhos de fogo e ca-
çadores com lanças negras. Não é sabido como e se a
Esgrimista Rainha pode invocar a Caçada Selvagem, mas sabe-
de Rishantor -se que poucas tropas mortais podem resistir a ela.

Capítulo Quatro
430
Igrejas & Ordens
As ações dos artonianos são guiadas por sua fé ou
suas lealdades. Muitas vezes essas não são escolhas
Comunidade e Indivíduo
individuais: grandes organizações servem como parâ- Em alguns casos, a religião faz parte da vida
metro para seus membros, guiando sua moralidade, comunitária. O culto a Lena é um grande exemplo:
salvando suas almas e impelindo-os ao heroísmo. Entre tanto em aldeias quanto em metrópoles, os devotos
essas, destacam-se as igrejas dos deuses maiores e as cultuam-na em conjunto. Sacerdotisas realizam rituais
ordens de cavalaria. em aberto e dias sagrados são momentos de união.
O culto a Khalmyr envolve missas que consistem de
um discurso por parte do sacerdote — em geral, uma
Igrejas história de um grande herói do passado, uma reflexão
sobre problemas atuais ou apenas uma conversa sobre
Em Arton, não há uma única organização religiosa tópicos relevantes. Em seguida, o sacerdote conduz
que governe a vida de todos. Pelo contrário, a abun- algumas orações e abençoa os presentes.
dância de deuses maiores e menores significa que até
Religiões comunitárias muitas vezes atraem
mesmo aldeias vizinhas podem ter práticas religiosas
indivíduos que se sentem mais ligados à comunidade
muito diferentes e os ditames levados como leis por
do que ao deus. Dizem-se devotos, mas poderiam
um povo podem não passar de bobagem para o outro.
“cultuar” outra divindade caso esse fosse o consenso.
Em contraste, alguns cultos são individuais,
Organização parte da intimidade de cada devoto. Enquadram-se
e Hierarquia nisso as devoções a deuses considerados vilanescos e
Algumas igrejas são centralizadas e obedecem a ameaçadores, como Sszzaas, Aharadak e Hyninn. O
uma rígida cadeia de comando, liderada pelo sumo- fiel não divulga sua devoção, mantendo o culto em
-sacerdote. Outras são igrejas apenas em nome: não segredo. Isso significa que a maneira de cultuar o
possuem hierarquia, o sumo-sacerdote é uma figura deus pode variar bastante de indivíduo para indivíduo.
decorativa ou contestada e seus clérigos nem sabem Um cultista muitas vezes recebe ensinamentos de um
da existência uns dos outros. Os maiores exemplos de devoto mais antigo e passa anos sem contato com
igrejas bem-estruturadas são as de Khalmyr, Lin-Wu, outros. Assim, pode descobrir que o que considerava
Lena e Tanna-Toh. Já cultos como os de Oceano, Hy- universal é desconhecido para outros fiéis. Também
ninn e Nimb são aglomerações frouxas de indivíduos existem casos de cultistas que desenvolvem seus
independentes. Os clérigos agem como querem, sem próprios rituais, sentindo a presença divina e nunca
responder a ninguém exceto ao próprio deus. tendo contato com outros devotos.
Existem também igrejas intermediárias — o culto Essas religiões centradas no indivíduo têm me-
a Allihanna não tem uma hierarquia rígida, mas seus nos força no mundo e mal podem ser chamadas de
clérigos têm autoridade espiritual sobre tribos e aldeias. “igrejas”. Contudo, seus devotos costumam dedicar
Os druidas da Deusa da Natureza se reúnem apenas a vida ao culto.
para realizar rituais, discutir assuntos importantes e
ponderar sobre ameaças à ordem natural. Não há uma
cadeia de comando definida: os druidas começam como
Heresia e Paganismo
Em Arton, heresia é qualquer crença ou prática
aprendizes, então assumem as responsabilidades de por parte de devotos de um deus que contradiga seus
seus mentores quando estes morrem ou se aposentam. dogmas tradicionais. Os radicais de Lena são uma
Por fim, certas igrejas são muito organizadas em seita que prega que todo praticante de violência deve
algumas regiões, mas soltas e quase inexistentes em sofrer represálias, mesmo que não faça o mal. Sabotam
outras. O culto a Azgher é a religião tradicional dos exércitos e raptam os filhos de devotos de deuses
povos do Deserto da Perdição. Em compensação, na “violentos”, para que não se criem na religião oposta.
maior parte do continente os clérigos do Deus-Sol são Tecnicamente não violam os preceitos de Lena, mas
raros e só podem contar consigo mesmos. distorcem suas práticas. Ou seja, são hereges.

Organizações
431
Muitos hereges dizem defender os verdadeiros ordens eram formadas por cavaleiros devotos de um
preceitos de seu deus. Comunicação direta com uma deus específico, em especial no caso de divindades
divindade é rara — assim, poucos sabem com certeza não ligadas tradicionalmente à cavalaria. Era normal
quem está “certo” ou “errado” numa questão de que um desses combatentes fosse devoto de Hedryl
heresia. Anos atrás, a sumo-sacerdotisa de Wynna (Khalmyr), por exemplo. Mas os cavaleiros devotos
era maligna. A própria sumo-sacerdotisa era uma de Luna (Lena) eram poucos e viviam sob preceitos
herege? Ou hereges eram os que se opunham a ela? diferentes. Assim, havia a Ordem da Lua Piedosa,
Já paganismo é a devoção a um deus considerado formada por cavaleiros que serviam à Deusa da Vida
“errado” ou pouco importante. Em certos feudos, o nos mais diversos reinos. Quando dois cavaleiros da
culto a deuses “civilizados” e “nobres” como Khal- Lua Piedosa se encontravam no campo de batalha,
myr e Tanna-Toh é visto com bons olhos, enquanto respeitavam um ao outro e permitiam que o irmão
devotos de Allihanna ou Oceano são arbitrariamente curasse seus companheiros, mesmo que estivesse
considerados “pagãos”. assim arriscando uma derrota.

Classificar uma religião como pagã é diminuí-la. Outras ordens de cavalaria se formaram dentro
Alguns clérigos são intolerantes e não aceitam fiéis de reinos específicos, tornando-se uma marca de
de outros deuses — chamam-nos de pagãos e tentam honra para os maiores defensores da nação. A Ordem
convertê-los. O conceito de paganismo também é de Mortenstenn foi um exemplo — cavaleiros que
explorado por pessoas que nada têm de santas. Para competiam entre si, em demonstrações quase suicidas
um nobre que deseja expulsar druidas de uma floresta de coragem e valor, para provar que pertenciam à
em seus domínios, é útil espalhar a noção de que o ordem. Houve também ordens de cavaleiros que se
culto a Allihanna é pagão… formaram com uma missão específica, não importava
qual seu reino natal ou a qual deus eram devotados.
A Ordem da Muralha Mundana foi formada por
Ordens cavaleiros preocupados com a influência élfica no
continente, dedicados a proteger o povo da magia
O conceito de cavalaria remonta a tempos antigos dos elfos. Os cavaleiros da Muralha Mundana tinham
em Lamnor, quando não havia tanta variedade de tipos sua própria fortaleza e se consideravam à parte da
aventurescos, a vida era mais centrada nos castelos nobreza dos reinos.
e era vantajoso para o povo e a nobreza equipar um
Em suma, as ordens de cavalaria passaram a ser
combatente com armadura pesada, colocá-lo sobre
uma faceta adicional da identidade de muitos cavalei-
um cavalo de guerra e armá-lo com espada, lança e
ros. Além do estandarte de seu reino ou seu senhor,
escudo — armas versáteis e tradicionais. Um cavaleiro
carregavam o estandarte de sua ordem — uma lealdade
cumpria basicamente a função de um grupo de aven-
que podia superar todas as outras.
tureiros: tinha capacidade de se deslocar rapidamente,
treinamento de sobrevivência e poder para combater
monstros e bandidos. Nessa sociedade mais estanque, Ordens Modernas
fazia sentido que esses combatentes fossem elevados Atualmente, as ordens de cavalaria estão adap-
ao grau mais baixo de nobreza, formando a instituição tadas à realidade vibrante de Arton. A maior parte
da cavalaria como os artonianos conhecem hoje. dos cavaleiros pertencentes a ordens tem orgulho
E, assim que a cavalaria se estabeleceu, os cava- da irmandade, mas não convive exclusivamente com
leiros começaram a desenvolver um sentido de união seus irmãos. Pelo contrário, levam com orgulho
entre si. Passaram a enxergar outros cavaleiros, mesmo o brasão da ordem em grupos de aventureiros,
em terras distantes, como mais semelhantes a si mes- espalhando sua fama. Além disso, embora o termo
mos do que seus vizinhos plebeus ou aristocratas. “ordem de cavalaria” continue sendo usado, algumas
Era natural que formassem grupos ou confrarias: as ordens aceitam membros de todas as especialidades,
primeiras ordens de cavalaria. não apenas combatentes montados. Os Cavaleiros
Libertadores, devotados à missão de libertar
Um Segundo Valkaria, são notórios por ter recebido em suas
fileiras todos os tipos de aventureiros. A Ordem
Estandarte da Redenção, fundada pelo golem paladino Ignis
Não se sabe qual foi a primeira ordem de cavalaria Crae, nem mesmo impõe que seus membros sejam
de Lamnor — os registros mais antigos já citam diversas combatentes, apenas os ajuda a se redimir de suas
delas, formadas pelas mais diferentes razões. Algumas falhas e de seus passados sombrios.

Capítulo Quatro
432
Muitas ordens não passam de tradições familiares. Arthur e Thallen formaram um grupo de aventurei-
A Ordem do Leão, mesmo contando com o herói ros que passou a atuar nos arredores das Lannestul. Os
Lothar Algherulff em suas fileiras, nunca ganhou nomes de seus companheiros foram esquecidos, mas
grande notoriedade. Na verdade, é mais comum que seus feitos foram marcantes: juntos, eles derrotaram
as pessoas pensem que a armadura e o escudo do leão o mago Jaellorvard, um vilão que assolava a região há
são idiossincrasias do próprio Lothar, não de uma ordem muito tempo. Em apenas 4 anos, tinham se tornado
inteira! Outras não impõem nenhuma obrigação a seus heróis. Mas ambos sabiam que era pouco.
membros, sendo apenas uma honraria concedida a
Um grupo de aventureiros podia derrotar um
quem os líderes da ordem consideram dignos. A Ordem
mago, podia proteger uma região… Mas nunca poderia
da Caravana é concedida por um nobre de Deheon a
realmente fazer a diferença no mundo todo. Para isso,
qualquer nobre que “colabore com o ideal de Roramar
os dois clérigos acreditavam, era preciso voltar às raízes
Pruss”. Na prática, a maior parte de seus membros nem
do conceito de heroísmo. Às ordens de cavalaria.
lembra que pertence à ordem — apenas, ao receber o
medalhão com a marca da caravana, manda um servo Enquanto exploravam ruínas misteriosas, ambos
escrever uma carta de agradecimento. tiveram uma revelação do Deus da Justiça: cada um
tinha o dever de fundar uma ordem com base em
No geral, as ordens de cavalaria se dividem em
sua personalidade, na faceta de Khalmyr que mais
dois grandes grupos: ordens monásticas (dedicadas
o inspirava. Com pesar, os amigos se separaram,
a um ou mais deuses, seus membros se consideram
para nunca mais se encontrar. Arthur partiu em uma
sacerdotes e abdicam de terras e títulos) e ordens
peregrinação, em busca de um sinal.
seculares (cujos membros participam da vida mundana
de Arton normalmente). O maior exemplo atual de De Volta a Bielefeld
ordem monástica é a Ordem de Khalmyr. O maior
A revelação de Arthur dentro da masmorra havia
exemplo de ordem secular é a Ordem da Luz.
sido clara: durante um sono intranquilo, ele sonhara
com uma luz fulgurante que brilhava ao leste e com
A Ordem da Luz uma doce voz que chamava seu nome. Foi ao leste
que ele seguiu.
A mais gloriosa ordem de cavalaria atual teve
As histórias dessa viagem são grandiosas. Entre
seu início há menos de dois séculos: é a Ordem da
outras peripécias, Arthur teria sido escravizado pelos
Luz, sediada em Bielefeld. Marcada por um histórico
minotauros de Tapista e conquistado sua liberdade
de heroísmo, tragédias e intrigas, a Ordem da Luz
na arena. Também teria derrotado a “Serpente de
constitui o maior exemplo de tudo que um artoniano
Cem Cabeças” nos arredores de Zakharov. Sabe-se
entende como “cavaleiro” — para o bem e para o mal.
que atraiu vários seguidores, que enxergavam nele
um herói predestinado. Sua fé transformou a vida
História do anão Darghon Yuthandhar, que estava prestes
A fundação da Ordem da Luz aconteceu ao mesmo a assassinar um comerciante rival. Seu carisma
tempo que a da outra grande ordem de cavalaria do conquistou a admiração e o amor da elfa nobre
continente: a Ordem de Khalmyr. Walleena Siondhanthalla — numa época em que
os elfos eram poderosos e arrogantes.
Arthur Donovan II era um jovem clérigo de
Khalmyr, natural de Bielefeld. Seguindo os costumes A inspiração divina o levou cada vez mais para perto
do reino, dedicava-se à cavalaria — havia nascido na de sua terra natal e o clérigo chegou a se questionar.
nobreza e via como seu dever proteger a plebe. Logo Afinal, não seria conveniente demais que Khalmyr
depois de ser ordenado sacerdote, Arthur partiu em o trouxesse de volta a Bielefeld? Acompanhado de
aventuras, buscando inocentes para ajudar e vilões para duzentos seguidores, Arthur ficava mais incerto quanto
punir. Suas andanças o levaram até o sul da cordilheira mais perto chegava das terras de sua família. Será que
de Lannestul. Foi lá que Arthur conheceu a pessoa que tudo havia sido a ilusão de um nobre que desejava
mudaria sua vida: Thallen Kholdenn Devendeer. retornar a uma vida de privilégios?
Thallen também era um clérigo de Khalmyr — mas, Mas então, muito perto do Castelo Donovan, no
ao contrário de Arthur, era um plebeu e vivia de forma pequeno arcebispado de Norm, Arthur encontrou uma
simples. Ambos se tornaram amigos instantaneamente. espada fincada no chão. Uma espada magnífica, que
Diziam, de forma bem-humorada, que Arthur servia a emitia luz própria e trazia na empunhadura o símbolo
Khalmyr através da ordem, enquanto Thallen o fazia de Khalmyr. Aquela arma deixada ali, intocada, era um
através da bondade. Juntos, eram a Justiça. sinal divino. Khalmyr o trouxera de volta para casa.

Organizações
433
O clérigo empregou boa parte dos recursos de sua de intrigas. O Duque Trevor Raynieck se aproximou
família para transformar a pequena cidade na sede da da Alta Comandante nessa época, fingindo ser seu
nova ordem. O anão Darghon trouxe engenheiros e aliado, enquanto aumentava a própria influência e
trabalhadores de sua raça para construir uma fortaleza. sutilmente sugeria que a liderança não deveria ser
Arthur e Walleena se casaram no templo de Norm e um posto hereditário.
pouco depois o cavaleiro cumpriu seu destino. Trevor contava com vários apoiadores para que
Inspirado pela visão da luz fulgurante e pela ele mesmo fosse apontado como Alto Comandante
espada luminosa, Arthur Donovan II reuniu seus caso “algo acontecesse” com Walleena. E, de fato,
duzentos seguidores e os sagrou cavaleiros. Não algo quase aconteceu. Philipp Donovan, então com
apenas nobres, não apenas heróis, mas os primeiros 15 anos, acordou no meio da noite com a certeza de
membros de uma nova ordem de cavalaria. que sua mãe precisava de ajuda. Adentrou o quarto de
A Ordem da Luz. Walleena para encontrar Trevor prestes a assassiná-la.
E, em seu primeiro ato como paladino, instintivamente
Glória e Tragédia imbuiu sua espada de energia sagrada e matou o vilão
com um só golpe.
A ascensão da Ordem da Luz foi meteórica. O
Castelo da Luz foi erguido com velocidade impressio- Todos souberam que, apesar de tudo, a Ordem da
nante. O próprio rei de Bielefeld exaltou publicamente Luz estaria em boas mãos.
a nova organização, prometendo que a coroa seria sua Cinco anos depois, Walleena passou o manto
aliada enquanto os cavaleiros permanecessem fiéis de Alto Comandante a Philipp Donovan. Com um
a seus princípios. Tudo isso não escapou aos olhos último discurso de pesar, deixou Bielefeld para voltar
da nobreza. Algumas famílias nobres oportunistas a Lenórienn. Amava a Ordem da Luz, mas não tinha
viram na Ordem uma chance de aumentar seu status. mais lugar ali, nem se achava mais necessária. Julgava
O ingresso de altos nobres trouxe riqueza, mas foi o que os elfos sim poderiam contar com sua ajuda — com
começo de um nefasto histórico de intrigas. a ajuda de Khalmyr. A viúva de Arthur Donovan II
Anos se passaram. A Ordem prosperava. Arthur partiu em seu cavalo e nunca mais foi vista.
Donovan II era o Alto Comandante, mas não se sabia
quem seria seu sucessor. Estudou a fundo as raízes Novas Lideranças
da cavalaria, rezou para que Khalmyr o iluminasse Philipp Donovan se provou à altura da tarefa. Sob
mais uma vez. Por fim, chegou à conclusão de que a sua liderança, a Ordem da Luz continuou firme em
Ordem da Luz deveria servir ao Deus da Justiça como seus preceitos originais e resistiu à pressão dos nobres.
ele sempre servira — através da lei e das tradições. Os Também sob sua liderança a Ordem tomou a frente
cavaleiros da Luz, fossem nobres ou plebeus, seriam na Guerra Civil de Bielefeld. No entanto, bem antes
um exemplo de tudo que a nobreza deveria ser. Não disso Philipp tinha uma preocupação: um herdeiro.
estariam afastados da vida secular, deveriam fazer parte Havia um boato sobre uma maldição que rondava
de Bielefeld. Assim, o posto de Alto Comandante seria Bielefeld e, em especial, a Ordem da Luz. Segundo
hereditário, como um título nobre. esse rumor, as linhagens do reino estariam sempre
Foi nessa época que nasceu o filho de Arthur e em risco, pois os nobres tinham poucos filhos. Além
Walleena: Philipp Donovan. disso, o nascimento de um herdeiro podia significar
Já durante a infância Philipp começou a ser trei- a morte de seus pais, como acontecera com Arthur.
nado para um dia assumir o lugar do pai. Contudo, Por tudo isso, o grande objetivo de Philipp era ter um
o dever chegou muito antes do esperado: quando o filho o mais rápido possível.
garoto tinha apenas 8 anos, Arthur Donovan II foi Mas a criança não vinha. Longos anos se passaram
encontrado morto em seu quarto. Não havia sinais de e o temor de Philipp aumentou, até que certa noite
um intruso, nem de qualquer ferimento, nem mesmo ele foi até a cripta onde seu pai repousava e fez um
de veneno ou magia. O cadáver tinha uma expressão juramento a Khalmyr: caso conseguisse produzir um
de horror e os olhos fixos na janela. O mistério da herdeiro, faria uma grande peregrinação em nome do
morte do fundador perdura até hoje. Deus da Justiça, deixando em cada templo uma gota
Walleena assumiu a liderança, garantindo que de seu suor e de seu sangue.
a Ordem continuaria até que seu filho atingisse a A esposa de Philipp engravidou naquela mesma
idade adulta. Contudo, seu luto fazia o posto ser noite. Assim que ela deu à luz, o Alto Comandante
um fardo enorme e pareceu que a Ordem da Luz iria partiu em sua viagem sagrada — deixando em segu-
acabar — ou pior, ser transformada em um reduto rança seu filho, Arthur Donovan III.

Capítulo Quatro
434
A peregrinação durou 10 anos. Philipp Donovan foi Estrutura de Comando
um exemplo de heroísmo e de tudo que um cavaleiro
deveria ser. Quando já rumava de volta para Bielefeld, A Ordem da Luz tem uma cadeia de
o Alto Comandante atravessou o território de uma comando rígida, baseada numa estrutura
tribo dos Ermos Púrpuras e foi atacado por seu líder. militar e nobiliárquica.
Os dois combateram em pé de igualdade, nenhum Alto Comandante: líder da Ordem,
conseguindo levar a melhor. Contudo, Philipp notou apontado pelo Alto Comandante anterior.
a maneira honrada como seu adversário lutava — sem Responsável por todas as grandes
nenhum golpe sujo, permitindo que ele recuperasse a decisões, determina se os cavaleiros da Luz
espada que havia deixado cair, saudando-o após uma participarão de uma guerra ou tomarão
pausa. Aquele não era um inimigo — era um aliado alguma posição oficial na política. Recebe
em potencial. Philipp Donovan largou as armas e se tratamento de chefe de estado, considerado
rendeu. Pediu que o adversário lhe ensinasse o que abaixo apenas de um rei.
sabia sobre combate… e sobre honra.
Trindade: três cavaleiros de alto escalão
Surpreso, o chefe aceitou a rendição e levou-o à que levam as demandas e sugestões do
tribo. Foi o início da amizade entre Philipp Donovan Círculo ao Alto Comandante. Também
e Alenn Toren Greenfeld. têm o dever de aconselhá-lo. Composta
Philipp passou semanas na tribo, desfrutando da atualmente por Culoch Garoon (um nobre
companhia do novo amigo. Por fim, era hora de voltar oposto a Alenn Toren), Bernard Branalon
a Norm, mas eles não desejavam se separar. Alenn e Nicola Atrinia (uma jovem cavaleira de
Toren acompanhou-o até a fronteira com Bielefeld e uma família influente, cujas alianças ainda
ambos se despediram. não estão claras).
Dois meses depois, o chefe se apresentou no O Círculo: um parlamento de cem
Castelo da Luz, para ser treinado como cavaleiro. cavaleiros que se reúne periodicamente no
Castelo da Luz para discutir os rumos da
A Queda Ordem, então repassando suas impressões e
do Herdeiro necessidades à Trindade.
Com a passagem dos anos, Alenn Toren se tornou Comandantes: quatro líderes militares,
um cavaleiro exemplar. E esperava dedicar toda sua hierarquicamente abaixo do Círculo, cada
virtude a servir ao próximo Alto Comandante: Arthur um responsável por um setor de Bielefeld
Donovan III. (norte, sul, central, oeste). Não há um
O jovem parecia um herdeiro ideal: disciplinado, Comandante para o setor leste, pois lá fica
estudioso, hábil e justo. A Ordem compareceu em peso o Castelo da Luz. Indicados pelo Círculo
à cerimônia de sua sagração. Contudo, cerca de um e aprovados pelo Alto Comandante e pela
ano depois, Arthur desapareceu durante uma caçada de Trindade.
rotina. Tudo que se soube é que teria sido emboscado Demais Membros: cavaleiros, de origem
e capturado por um bando misterioso, que sumiu sem nobre ou plebeia, que devem lealdade e
deixar rastros. Os cavaleiros foram mobilizados para obediência aos líderes.
procurá-lo, mas semanas de busca foram inúteis. Até
que, certo dia, ele ressurgiu espontaneamente.
Aproximou-se do Castelo da Luz em silêncio. Arthur recusava qualquer ajuda. O ponto culminante
Dirigiu-se a seus aposentos, ignorando todos, e dormiu veio quando um escudeiro se dirigiu a um nobre pelo
por vários dias. Quando acordou, estava transformado. título errado na sua frente. Arthur sacou a espada e
matou o rapaz na hora.
Arthur Donovan III dizia-se capaz de ver o mal
na alma dos mortais e julgar quem merecia viver O choque de todos se transformou em revolta. A
e morrer. Executou um prisioneiro sumariamente, cúpula da Ordem da Luz fez uma reunião de emergên-
antes de qualquer julgamento. Punia servos pelos cia e, em questão de minutos, decidiu que ele deveria
mínimos deslizes — ou por “culpa estampada em ser preso e perder o título. Um grupo de cavaleiros
seu rosto”. Agia como se fosse o representante de liderado por Philipp Donovan e Alenn Toren percorreu
Khalmyr na terra. Os cavaleiros estavam preocupados. o castelo em busca do criminoso, mas Arthur Donovan
Tentavam descobrir o que se passava com o herdeiro, III fugira. Mais tarde, seria avistado integrando um
verificar o que acontecera durante seu rapto, mas perigoso grupo de vilões.

Organizações
435
A Cerimônia de Sagração por Tanna-Toh. De ser vigilante, No caso da Ordem da Luz,
por Azgher. E de proteger os a cerimônia tem um passo
A cerimônia de sagração de um fracos, obedecer ao teu rei (ou adicional. Assim que o novo
novo cavaleiro é simples, mas rainha), ser honesto e ser justo, cavaleiro se ergue, deve
considerada muito séria. Não é por Khalmyr. Jura cumprir estes recitar: “Ofereço minha honra
necessário haver testemunhas — deveres, em Arton e nos reinos e minha vontade à Luz”. O
a própria palavra de um cavaleiro dos deuses, sem temer a morte, cavaleiro mais antigo pergunta:
deve valer mais do que tudo. temendo apenas a covardia?”. “Deseja seguir os passos de
O candidato deve se ajoelhar. O Em caso afirmativo, o cavaleiro Arthur Donovan II, abraçando
cavaleiro patrono então recita: diz: “Ergue-te, sir/dame (nome irmandade acima de qualquer
“Eu aqui te imponho um dever”, do novo cavaleiro/a). Tua brasão, obediência acima de
citando o nome do candidato. honra seja tua armadura e qualquer propósito?”. Em caso
“De defender a vida, por Lena. tua vontade seja tua espada”. afirmativo, o cavaleiro mais
De ter coragem e esperança, Então surge um novo cavaleiro, velho então dá as boas-vindas:
por Thyatis. De ser piedoso e com todos os direitos e deveres “Eu te acolho na Ordem da Luz,
humilde, por Marah. De ser sábio, que isso acarreta. sir/dame (nome do cavaleiro/a)”.

A tragédia derrubou Philipp Donovan. O Alto De modo geral, os cavaleiros não vivem no Cas-
Comandante se recolheu a seu quarto, deitou em sua telo da Luz — apenas o Alto Comandante tem essa
cama para nunca mais levantar. O desgosto drenou obrigação. Os demais têm suas próprias residências,
suas forças como uma doença terrível. Logo antes de famílias, terras e vassalos. Cavaleiros plebeus ou sem
morrer, Philipp modificou as regras da Ordem da Luz: terras muitas vezes preferem morar na sede por simples
o posto de Alto Comandante não podia ser hereditário, conveniência. Sempre são bem-vindos, mas pagam
não deveria ficar restrito à família. Seu último ato foi pelo alojamento com uma rotina rígida de serviço,
nomear Alenn Toren Greenfeld como Alto Comandante. treinamento e patrulha. Além disso, todo cavaleiro tem
a obrigação de passar ao menos uma estação do ano
Heroísmo Renovado a serviço da Ordem da Luz. Isso pode significar ficar
Alenn Toren enfrentou muita resistência como de prontidão ou cumprir alguma busca. Cavaleiros já
líder. Afinal, era estrangeiro, não vinha de uma família envolvidos em missões heroicas são dispensados disso.
nobre tradicional e ingressara na cavalaria muito
Para alguns cavaleiros, pertencer à Ordem da Luz
tarde. Acima de tudo, não tolerava intrigas e jogos de
é pouco mais que uma honraria. Eles não costumam
poder, exigindo de todos os cavaleiros máxima retidão.
lutar ou treinar, não participam do cotidiano da Ordem.
Sua glória se solidificou com o apoio de grandes heróis
Comparecem apenas quando são chamados e tentam
e da própria Rainha-Imperatriz.
burlar suas obrigações, trocando serviço e devoção por
Sob sua liderança, a Ordem da Luz tomou a frente ouro. No entanto, a Ordem guia a vida de todos os
na luta contra a Tormenta e foi decisiva na Guerra verdadeiros cavaleiros. Nem sempre estão em missão,
Artoniana. Numa época em que a aristocracia ameaçava mas ela influencia cada um de seus atos.
transformá-la em um clube para famílias tradicionais,
Além de suas obrigações estritas, muitos cavaleiros
Alenn Toren fez com que se tornasse o que sempre
simplesmente agem em prol da ideologia da Ordem
deveria ter sido: uma irmandade de heróis.
(ou seja, dos preceitos de Khalmyr) o tempo todo.
Uma irmandade falha, com alguns membros Caçam monstros perigosos, ajudam inocentes em
indignos, com seus próprios problemas internos… perigo, treinam escudeiros… Cavaleiros da Luz que
Mas, em seu âmago, uma força da justiça. fazem parte de grupos de aventureiros são os maiores
exemplos disso: têm dispensa para passar longos
A Vida na Ordem da Luz períodos sem se apresentar no Castelo da Luz, mas
levam o bom nome da Ordem por onde passam.
Embora seja dedicada a Khalmyr, a Ordem da Luz
não controla a vida de seus membros. Nem todos são Tudo muda quando o Alto Comandante decreta
clérigos ou paladinos (na verdade esses são minoria) e que a Ordem deve se dedicar a uma grande causa — em
cada cavaleiro é livre para fazer o que desejar, dentro geral uma guerra. Nesse caso, os cavaleiros são tratados
de certos limites. como soldados: devem se apresentar, receber suas

Capítulo Quatro
436
ordens e cumpri-las sem questionar, não importa o Existem casos de candidatos já adolescentes ou
que estivessem fazendo antes. mesmo adultos. Nesses casos, adolescentes se tornam
A Ordem passa por um período de glória há quase escudeiros como se fossem crianças (é o caso de
20 anos. Intrigas e jogos de poder perderam a força Darien, o infame escudeiro de sir Orion). Já os adultos
ante a atuação heroica de figuras como Orion Drake não passam por esse período, em vez disso treinando
e Alenn Toren. Muitos nobres encontraram dentro e servindo à Ordem em alguma fortaleza. Contudo,
de si a capacidade para o heroísmo e a maioria dos certos cavaleiros cruéis exigem que candidatos adultos
que ingressaram desde então tem plena consciên- sejam escudeiros, vivendo e trabalhando em meio
cia de seu papel. às crianças, como forma de humilhá-los. Foi o caso
do paladino Ludolfo Rubrum, obrigado a servir a
Curiosamente, não existe um único documento um cavaleiro mais jovem do que ele mesmo — até
que guie as ações dos cavaleiros da Luz. A Ordem usa ser sagrado pelo próprio Alenn Toren durante uma
uma versão da Norma dos cavaleiros de Khalmyr, sua batalha contra a Tormenta. Candidatos acima dos
ordem irmã, mas não a segue tão de perto. Assim, 30 anos devem, além disso, vencer um cavaleiro em
existem debates sobre o que seria ou não aceitável. combate não letal para que sejam aceitos.
Um hábito peculiar entre a Ordem da Luz, que Todos esses requisitos são afrouxados para nobres.
se espalhou para todo o reino de Bielefeld, são as Esses muitas vezes “servem como escudeiros” nos cas-
barbas bem aparadas. Muitos cavaleiros têm telos de suas próprias famílias ou são apadrinhados
tanto orgulho de suas barbas quanto um por um cavaleiro nobre já sagrado,
anão. De fato, diz-se que essa moda se que “garante suas virtudes”.
originou com Darghon Yuthandhar. Contudo, a realidade da
Ordem nos últimos anos
Ingressando tem afastado os aristocratas
na Ordem preguiçosos.

Para ingressar na Ordem A cerimônia de sagração acon-


da Luz, o primeiro passo é tece uma vez por ano, em Norm. Não
ser aceito como escudeiro há um teste; cada cavaleiro apenas
por um cavaleiro já sagra- garante que seu escudeiro seja apto
do. Isso acontece em geral e digno. O Alto Comandante
aos 8 anos, mas alguns sagra a maior parte dos no-
escudeiros começam mais vos cavaleiros, mas alguns
velhos ou um pouco mais pedem para ser sagrados
jovens. Teoricamente, ser por seus mentores. Em
aceito por um cavaleiro não quase todos os casos, a
significa que um escudeiro mesma cerimônia que
irá entrar na Ordem da Luz — eleva um escudeiro à ca-
apenas que está no caminho valaria também o insere
para portar o título sir/dame. na Ordem da Luz.
No entanto, um cavaleiro
da Luz dificilmente sagra
um escudeiro sem também
introduzi-lo na Ordem. O
treinamento dura em
média 10 anos.

Tharaggar Wortrum,
anão clérigo de Khalmyr
e cavaleiro da Luz

Organizações
437
Codinomes dos
Cavaleiros Cavaleiros do Corvo
vários recrutas, apaga toda noção
que o novato possuía de si mesmo.
do Corvo Um Cavaleiro do Corvo é
Os recrutas adquirem um forte sen-
so de união, operando em conjunto
Os exércitos em Arton são sofis- chamado por um codino- como se fossem um só. Aprendem
ticados e heroicos, mas não podem me dado por seus colegas uma língua própria, com a qual po-
fazer o serviço de aventureiros. São ou superiores (nunca por dem se comunicar sem serem com-
aventureiros que entram em terrenos ele mesmo). Nunca é algo preendidos. É difícil para um Cava-
cheios de armadilhas, que combatem ameaçador, lisonjeiro ou leiro do Corvo criar grandes vínculos
grandes vilões, que realizam infiltra- totalmente sério. O Corvo com “civis”. As maiores exceções são
ções furtivas. Infelizmente, aventu- não pode gostar muito Corvos que fazem parte de grupos de
reiros são notórios por sua indisci- de seu novo nome, como aventureiros — esses muitas vezes
plina, imprevisibilidade e rebeldia. um toque de humor e mantêm lealdade para com o grupo.
Com personalidades fortes, espíri- humildade. Embora temidos, vistos como
to independente e grandes objetivos A seguir estão alguns desonrados e considerados crimi-
pessoais, raramente são tão confiá- codinomes de Cavaleiros nosos, os Corvos não representam
veis quanto soldados. do Corvo: Mefítico, ameaça a nenhum artoniano, a não
Mas Arton possui uma força Preguiça, Náiade, Caolho, ser que seja um cultista da Tormenta.
de combatentes mais disciplinados Ferrão, Santo, Formoso, A ordem é sustentada por saques
do que militares e mais letais do Trobo, Costela, Gorad. de vilões e pelos pagamentos dos
que aventureiros. São os temidos e poucos trabalhos mercenários que
infames Cavaleiros do Corvo. aceitam — quase sempre envolvendo
a Tempestade Rubra. Nos últimos anos, vêm atacando
Recrutados inicialmente da Ordem da Luz por e raptando devotos de Aharadak, para se infiltrar no
Orion Drake e treinados a partir de técnicas expe- culto. Além disso, estão em contato com o Exército
rimentais do Reino de Yudennach, os Cavaleiros do de Arton, em Trebuck. De fato, um dos generais do
Corvo são um batalhão de “forças especiais”. São exército ajudou a desenvolver seu treinamento.
condicionados a não ter medo ou hesitar, a cumprir
Os Cavaleiros do Corvo são liderados por Mefítico,
ordens a qualquer custo, a agir em conjunto como uma
membro da turma inicial de recrutas. O comandante é
perfeita máquina de guerra. Não parecem mortais.
um veterano empedernido, que parece mais à vontade
Submetendo-se a um processo que simula a corrupção
numa área de Tormenta do que em qualquer outro
lefeu, tornam-se imunes até mesmo à loucura da
lugar. Hoje em dia, no entanto, permanece a maior
Tormenta. Com o treinamento, a mente dos recrutas
parte do tempo na fortaleza da ordem — o Ninho do
é parcialmente destruída e eles se tornam capazes de
Corvo, nas profundezas das Montanhas Lannestul.
entrar em áreas de Tormenta, passar despercebidos
Originalmente um castelo de gigantes, o Ninho do
pelos lefeu e sobreviver por um longo tempo.
Corvo foi remodelado para seus habitantes de tamanho
Ao longo dos anos, os Corvos passaram de um “normal”. Em seus imensos salões vazios, os Corvos
batalhão a uma verdadeira ordem de cavalaria. Uma convivem com o silêncio e a escuridão.
ordem com o único objetivo de defender Arton contra
Qualquer artoniano pode se tornar um Cavaleiro
os lefeu, ainda que precisem se tornar tão sinistros
do Corvo — desde que não seja tocado pela Tormenta.
e incompreensíveis quanto os próprios aberrantes.
Se conseguir achar o Ninho do Corvo, tem direito a
Cavaleiros do Corvo são versáteis: sabem se mo- tentar o treinamento. Contudo, a chance de morrer é
ver em silêncio mesmo com armadura completa, são real. Exceto por isso, os Corvos não se importam com
especialistas em armas de fogo, mestres em técnicas quem um Cavaleiro foi antes de ingressar na ordem.
de assassinato, capazes de sabotar fortificações… Além O passado, o nome e a mente do antigo indivíduo não
de lutar habilmente com armas comuns. Observan- existem mais.
do seu comportamento frio, determinado e obcecado Arton ainda não sabe o que pensar dos Cavaleiros
com resultados, é possível pensar que não passam de do Corvo. Mas em cortes, tavernas e quartéis de todo
fantoches, mas um Corvo é autossuficiente e criativo, o continente, muitos tremem ao ouvir o lema:
capaz de tomar decisões sem recorrer a superiores e
encontrar formas de triunfar em qualquer terreno. “Das trevas, trazemos a luz.”

Para isso, sacrificam boa parte de sua individuali- Ao que os Corvos respondem:
dade. O treinamento exaustivo e implacável, que mata “Luz!”

Capítulo Quatro
438
Guildas & Irmandades
Guildas são um tipo específico de organização, ca- Arcana
racterizada por unir membros de uma mesma atividade
Focada no estudo e prática da magia, oferecendo
ou profissão, sendo relativamente simples tornar-se
suporte e proteção a arcanistas. Realiza pesquisas de
um integrante. Na verdade, conforme a localidade
novos feitiços e itens mágicos, investiga fenômenos
ou sua área de atuação, será exigido que você se junte
sobrenaturais e recupera artefatos místicos. A sempre
à guilda local se quiser operar ali. Em alguns casos,
popular Academia Arcana se enquadra nesta categoria.
desobedecer a essa regra pode ser apenas um incômodo
(desconfiança de clientes potenciais, antipatia de outros Aventuresca
membros). Em outros, pode realmente impedi-lo de
Provê suporte a grupos em missões perigosas,
atuar (a guarda da cidade autoriza apenas atividades
agenciando contratos e fornecendo informações,
de membros de guilda) ou até colocar sua vida em
equipamentos e curas. Aventureiros solitários também
risco (guildas criminosas espancam ou matam ladinos
podem encontrar colegas e formar equipes balanceadas.
independentes agindo em seu território).
Os objetivos maiores de uma guilda são a proteção Criminosa
(contra rivais, bandidos ou governos tirânicos) e a Grupos secretos que exigem sigilo total. Podem
prosperidade de seus membros. Guildas podem ser controlar uma cidade ou região, oferecendo lealdade
pequenas, insignificantes, provendo pouco mais que e socorro aos seus membros em momentos difíceis.
uma cama onde dormir e algum equipamento; ou Disputas territoriais com quadrilhas rivais são comuns.
podem ser gigantescas, amealhando tanto poder quanto
o próprio governo. Escravista
Uma guilda típica é centrada em uma única ativi- Grupo vilanesco especializado em tráfico de escra-
dade, como um ofício ou arte: guildas de carpinteiros, vos. Em muitos casos, é apenas uma ramificação de um
ferreiros, pescadores, ladrões, aventureiros. Mas algu- grupo criminoso maior. Em outros, como no Império
mas, especialmente as maiores, incluem profissionais Trollkyrka, a escravidão é legalizada e movimenta um
de diferentes áreas. Uma grande guilda mercantil não grande mercado.
será composta apenas por mercadores, mas também
guarda-costas, marinheiros, trabalhadores e outros. Gladiatória
Guilda que oferece suporte a lutadores que parti-
A maior parte das guildas é pública, agindo aber-
cipam de torneios atléticos ou duelos de gladiadores.
tamente. No entanto, para preservar sua liberdade de
Composta por lutadores veteranos, treinadores,
atuação (nem sempre obedecendo à lei), algumas são
curandeiros e outros profissionais. Oferece contratos
discretas ou mesmo secretas. Assim, enquanto ser
para lutas, equipamentos e cuidados médicos.
membro de certas guildas pode ser motivo de grande
prestígio, outras exigem que seus agentes atuem em Mercantil
segredo, sem revelar laços com a entidade. Não são
Guilda mais comum, reunindo artesãos e profis-
chamadas “organizações secretas” sem motivo.
sionais de um mesmo ofício. Pode oferecer condições
para exercer o trabalho, proteger contra criminosos
Áreas de Atuação e intermediar contratos e transporte de mercadorias.
A seguir, alguns campos de atuação comuns de
guildas em Arton. Mercenária
Similar a uma guilda de aventureiros, exceto que
Acadêmica seus membros podem ser “menos heroicos”. Enquanto
Promove educação e ensino, abrangendo assuntos uma guilda de aventureiros talvez siga códigos, um
convencionais e fantásticos. Os membros podem se grupo mercenário pode não demonstrar os mesmos
dedicar à leitura e escrita, além de realizar explorações escrúpulos. Não recusará missões de espionagem,
de ruínas e resgate de tesouros culturais. sabotagem ou assassinato.

Organizações
439
A Guilda dos Admissão
Caça-Monstros Para se tornar membro dos Caça-Monstros é
necessário apresentar-se a um dos chefes da guilda e
Esta guilda é uma das entidades mais populares entregar a carcaça intacta de um monstro como taxa de
entre os aventureiros de Arton, formada por vários admissão. Em seguida o chefe designará uma primeira
grupos em todo o Reinado e além. Seu fundador missão, que pode envolver abate de monstros ou tarefas
lendário, Mon’han Galldo’han, é conhecido por relacionadas, como relatórios, captura de criaturas
vivas, proteção de monstros raros, entre outras. Após
suas caçadas a feras fantásticas através dos reinos
completar a primeira missão, o membro terá acesso
dos deuses. Embora tenha sido amaldiçoado e
aos benefícios e deveres da guilda.
não possa mais caçar, ele fornece recursos para as
novas gerações de caçadores. A guilda reúne mais A Guilda Mon’han atrai membros de diversas
aventureiros que qualquer outra em Arton, além raças e ocupações, incluindo povos considerados
de oferecer armas, equipamentos, lições e técnicas “monstruosos”. Tampouco há restrições em relação
para seus membros. a fé: a guilda abriga até mesmo devotos de Allihanna
e Megalokk, que cultivam uma rivalidade (quase
Em aparente contradição com o nome e atividade
sempre) saudável.
principal da guilda, Mon’han acredita que monstros
são essenciais para desafiar e impulsionar o progresso
das raças inteligentes. Ele vê tais criaturas não apenas Bases
como ameaças, mas como oportunidades para testar a
força e astúcia dos bravos. Missões da guilda envolvem
de Operações
As sedes da guilda estão presentes em várias
não apenas abater monstros, mas também estudá-los,
grandes cidades do continente. Oferecem diversas
capturá-los vivos, preservar suas crias e equilibrar sua
instalações, como alojamentos, enfermaria, forja e
convivência com as comunidades locais. armazém e, em cidades maiores, bibliotecas, salas de
Assim, a Guilda dos Caça-Monstros tem papel im- mapas e taverna. A sede central fica em Trag’Merah,
portante na proteção das populações e preservação da localizada nas Sanguinárias — uma cidade construída
harmonia entre seres inteligentes e criaturas selvagens. dentro da carcaça de uma criatura ancestral gigantesca.

“Mato monstros, assim como fazia minha mãe e


minha avó antes dela. E minha filha segurará um
machado antes de aprender a segurar a minha mão.”

— Azzira, guerreira da Guilda Mon’han

Capítulo Quatro
440
A guilda reúne membros com diferentes métodos seus irmãos e não cometer certos tipos de crimes.
e motivações, embora todos compartilhem o desejo de Em suma, manter a fachada de dignidade que as
caçar monstros. A união e organização nem sempre cerca: pode-se cobrar “proteção” de um comerciante,
são perfeitas — mas uma convenção anual, o Festival mas simplesmente roubá-lo é errado. Membros de
da Taça, é realizada em Trag’Merah para reunir todos irmandades praticam atrocidades sem perder a pose,
os membros. Durante o festival ocorre um torneio, e sempre têm uma justificativa na manga. A palavra dos
o grupo vencedor recebe a guarda da Taça de Kally, capitães é lei — se um deles ordenar que você mate
artefato associado ao Deus dos Dragões. um velho amigo, você deve obedecer, ou será visto
como um aproveitador traiçoeiro e ingrato. Se alguém
Expulsão se arrepende da vida de crimes e decide denunciar a
organização para as autoridades, é considerado a pior
A expulsão da guilda é medida extrema e rara, das víboras! Obediência cega, devoção à irmandade
mas violações constantes dos deveres de membro, acima de tudo e segredo total são as diretrizes básicas.
recusas frequentes de missões e roubo de troféus e
produtos de caçadas realizadas por outros membros Nas comunidades dominadas por irmandades, cres-
podem levar a esse destino. O roubo de caças é con- ce-se ouvindo sobre o heroísmo dos senhores do crime.
siderado crime grave; o infrator é convocado para um Sobre como a Guarda e os aventureiros nunca foram
julgamento, podendo ser expulso imediatamente se capazes de expulsar os espectros do velho armazém, mas
fugir ou não se apresentar. Não há precedentes de os soldados da irmandade fizeram o trabalho. Assim,
membros expulsos que tenham sido readmitidos. existe uma verdadeira cultura de reverência.
Contudo, oferecer uma caça impressionante à guilda Algumas irmandades têm nomes oficiais, outras
pode ser uma forma de reparação. são conhecidas por um apelido que nenhum membro
usa, preferindo negar a existência da organização.
De qualquer forma, é má ideia falar explicitamente
As Irmandades qualquer um desses nomes. E quase qualquer pessoa

de Valkaria que afirme pertencer a uma dessas organizações está


mentindo e acabará morta, com a pele do rosto arran-
Existe sombra sob a estátua de Valkaria — miséria, cada — a punição típica para quem usa a “máscara”
crime e morte; violência, desespero e chantagem. Nes- da irmandade sem pertencer a ela.
sas trevas, operam algumas das maiores organizações Membros de irmandades passam por rituais de
criminosas de Arton. iniciação, desde juramentos assinados em sangue até
cerimônias místicas complexas. Certas irmandades
Tradição de Sangue exigem uma garantia de lealdade, como entregar um
filho para ser criado por seu superior ou confiar um
Em Valkaria, não há uma única guilda ou facção segredo terrível aos ouvidos do chefão. Tatuagens e
que controle todo o submundo. Existem guildas mutilações também são comuns. Assim, mesmo que
de assassinos e quadrilhas dedicadas a um tipo de um criminoso estrangeiro trabalhe indiretamente para
atividade, mas o verdadeiro crime organizado estende a irmandade, nunca será um irmão se não estiver em
seus tentáculos em várias direções. As maiores organi- Valkaria, de onde todo o poder se origina.
zações criminosas da capital são as irmandades, que
controlam áreas da cidade como senhores feudais e Nada disso é exigido dos simples associados ou
espalham sua influência pelo resto de Arton. agregados — criminosos comuns que prestam serviços
aos membros. Esses não contam com a proteção da
O mais importante para o crime organizado de irmandade, não conhecem seus segredos e não respei-
Valkaria é a tradição. O respeito aos costumes e a tam códigos de honra. Caso criem problemas, apenas
manutenção de certos rituais e códigos de honra desaparecem. Embora possam receber o respeito (e
torna estes grupos algo mais sofisticado e complexo temor!) da população comum, devem se curvar ao
do que meras gangues, conquistando a tolerância e até mais reles soldado da irmandade. Várias quadrilhas,
mesmo a admiração da comunidade. Cada irmandade é guildas de ladrões e organizações criminosas no resto
identificada com uma raça, histórico ou linhagem. Os de Arton prestam respeito às irmandades ou servem
verdadeiros membros devem compartilhar desse traço a elas de alguma forma. É comum que bandos de
em comum — forasteiros quase nunca são aceitos. salteadores de estrada enviem parte de seu saque
As irmandades também exigem “honra” e “bons a Valkaria, para não atrair a ira dos irmãos. Itens
valores morais” de seus membros. Isso significa de- e produtos de que as irmandades precisam (como
fender a irmandade acima de tudo, não mentir para objetos mágicos ou mercadorias ilegais) podem

Organizações
441
As Quatro Famílias ser obtidos em outros reinos e contrabandeados às
irmandades. A responsabilidade é bem maior, mas
Estas são as principais irmandades o lucro também. Além disso, a guarda de algumas
criminosas de Valkaria. Novas quadrilhas cidades e aldeias, mesmo muito longe de Valkaria, tem
podem ascender, mas as maiores e mais medo de se meter com grupos que tenham qualquer
tradicionais já estão enraizadas na capital. ligação com as irmandades.
Os clientes da irmandade são pessoas comuns que
Companhia dos Irmãos pedem favores, serviços ou empréstimos à organização.
Alguns permanecem apavorados à simples menção do
Talvez a primeira real organização criminosa
nome da irmandade, outros são tratados como amigos,
de Valkaria, que pode ter originado o termo
tomando vinho na casa do chefão. No entanto, sempre
“irmandade”. Conta até mesmo com seu
há uma relação de superioridade, implícita ou explícita.
próprio brasão — um urso e um anel. A
Uma vez aceito como cliente, você pode pedir favores
Companhia teve início como um grupo de
pelo resto da vida. Mas também estará eternamente
aventureiros, atuando no fim da jornada da
Caravana dos Exilados. Após um período sob o poder da organização.
como exército mercenário, passou a se
considerar uma ordem, estabelecendo-se na Cadeia de Comando
nova capital e enriquecendo de formas cada Mesmo o grau mais baixo na hierarquia de uma
vez menos lícitas. irmandade (os soldados, “primos” ou “caçulas”) é
Embora possua forte tradicionalismo, a um distintivo de honra. Soldados não têm autonomia
Companhia dos Irmãos não está centrada para tomar decisões e fazem a maior parte do trabalho
em uma única linhagem ou raça. Considera- sujo: quebrar pernas, cobrar dívidas, matar culpados
se um exemplo da cultura de Valkaria, de desrespeito. Contudo, são tratados como reis em
aceitando todos que se mostram valorosos, qualquer taverna de má reputação. Um soldado recebe
ainda que dê preferência aos nativos da salário fixo e não pode ter atividades ou negócios
capital. Contudo, os membros de alto paralelos. Alguns caçulas habilidosos e honrados pre-
escalão são descendentes da Caravana ferem permanecer neste posto a vida inteira, mesmo
dos Exilados, em especial do grupo de tendo opção de progredir. Afinal, o grau mais baixo
aventureiros original. da irmandade não exige grandes responsabilidades
Atividades Principais. Todas as e garante que os seus superiores tomarão conta de
atividades típicas das irmandades — com você durante sua velhice.
exceção do tráfico de achbuld, por um Acima dos soldados estão os tenentes (ou “tios”,
acordo com a Casa Blasanov. Nos últimos ou “irmãos do meio”). Responsáveis por uma peque-
tempos, a Companhia patrocinou bando- na equipe de soldados, já possuem autonomia para
leiros em uma região erma de Zakharov, tomar decisões e são donos de seus próprios negócios.
contrariando suas tradições e os princípios Devem pagar dízimo a seus superiores e salários
de seu líder. Poucos sabem a razão disso. a seus soldados. Em troca, recebem praticamente
Líder. Paollus, um humano com sangue garantia de prosperidade — caso seu cassino não
élfico, que possui um tênue parentesco esteja atraindo público, os outros tios mandarão
com a linhagem de um dos aventureiros soldados e clientes para prestigiar o estabelecimento.
originais. É visto como sábio e controlado Ocultar lucros da irmandade é um crime gravíssimo
— não usa de violência excessiva e seus para um tio. A pena é a morte, em geral por ouro
castigos são considerados justos. Contudo, derretido derramado garganta abaixo.
quando julga que um crime é digno de
O segundo grau hierárquico mais poderoso é o de
retaliação, cria um exemplo para todos,
capitão (ou “filho”, ou “gêmeo”). Existem poucos
ordenando massacres impressionantes.
destes em qualquer irmandade. Um capitão administra
Paollus não tem apreço por aventureiros,
uma área inteira de Valkaria (dentro do território da
apesar da história de sua irmandade.
irmandade). Tem sob seu controle diversos tenentes e
Financia esses grupos apenas a contragosto.
inúmeros soldados. Tem autonomia quase total, exceto
em conflitos com outros capitães e outras irmandades.
(Continua…) Contudo, um capitão está por conta própria em relação
ao seu próprio dinheiro, à proteção de seus tenentes e

Capítulo Quatro
442
ao pagamento de seus subordinados. Além disso, deve As Quatro Famílias (continuação)
pagar uma gorda taxa a seu único superior. Capitães só
sujam as mãos em casos graves — alguns são membros Casa Blasanov
respeitadíssimos da sociedade, frequentando bailes
nobres e concorrendo a cargos de Lordes Urbanos. Também uma organização tradicional,
formada há séculos por imigrantes do Reino
No topo de qualquer irmandade está a figura
de Yudennach. Tem forte viés militarista
do general, “pai/mãe” ou “irmão mais velho”. É
e possui laços com a Supremacia Purista.
o líder supremo da organização, responsável pelo
Seus membros mantêm-se fechados em
bem-estar de toda a irmandade, com a palavra final
em todas as questões. Algumas decisões só podem ser sua própria cultura, rejeitando quaisquer
tomadas por um general: resolução de disputas entre não humanos, chamando a Supremacia de
capitães, declaração de guerra a outra irmandade, “a velha terra” e recrutando veteranos da
acordos com nobres importantes, retaliação contra as Guerra Artoniana.
forças da lei etc. Os generais são homens e mulheres A guerra foi um momento crucial para
que transcenderam a riqueza e o poder. Não faz a Casa Blasanov. As outras irmandades
sentido dizer que são abastados, já que podem obter desconfiavam de colaboração com o
praticamente qualquer coisa. Não faz sentido dizer inimigo e por um tempo pareceu que
que são poderosos, pois têm a obediência de um povo iriam se unir para destruí-la. Apenas um
que nem mesmo os conhece. É uma posição de risco:
encontro a portas fechadas entre Paollus
atrai inveja e deslealdade quando não é ocupada com
e Mikhail Blasanov garantiu que isso não
sabedoria. Se for visto como tolo ou fraco, um general
acontecesse. A Casa Blasanov não traiu o
pode “sofrer um acidente” e ser substituído.
Reinado e oficialmente não está alinhada
com a Supremacia, embora muitos
Atividades suspeitem que isso seja apenas fachada.
Cada irmandade está envolvida em muitas atividades
Atividades Principais. A maior parte
ilegais e algumas legais — como fachada ou por interesse
do achbuld da capital passa pelas mãos dos
de seus membros de mais alto escalão. Coisas comuns
Blasanov. A Casa também atua no tráfico
como financiar a educação de um jovem aventureiro,
de armas e itens perigosos, incluindo
administrar uma alfaiataria ou patrocinar um bardo
talentoso podem interessar a tenentes e capitães. No objetos amaldiçoados ou profanos, venenos
entanto, o sangue e a alma das irmandades estão em e monstros. Há pouco mais de 10 anos,
trabalhos mais sórdidos. Essa atuação direta ocorre começou a traficar também matéria
apenas em Valkaria. Quase qualquer estrangeiro que vermelha, partes de lefeu e itens ligados à
afirme “representar uma irmandade” em outro reino está Tempestade Rubra.
mentindo… e talvez receba a visita de alguns irmãos. Líder. Mikhail Blasanov, um gigantesco
ex-oficial do Reino de Yudennach, trazido
Extorsão da velha terra para pôr fim a uma sangrenta
A principal atividade das irmandades. No início da disputa entre os capitães depois da morte
história de Valkaria, nem todas as vizinhanças eram do último líder. Impõe disciplina militar
completamente civilizadas. Ataques de monstros eram e não considera nenhuma atividade baixa
comuns e os cidadãos pagavam vigilantes e aventurei-
demais — assim como em uma guerra,
ros para que garantissem sua segurança. No entanto,
algumas mortes são aceitáveis, até
quando o trabalho estava feito, acabava o pagamento.
necessárias. É muito violento, punindo
Assim, certos grupos trataram de garantir que “aci-
quem o desrespeita com o massacre de suas
dentes” continuassem acontecendo com aqueles que
não pagassem pela “proteção”. famílias. Mikhail está muito velho e alguns
já questionam sua capacidade de liderar.
Isso continua até hoje. Numa área dominada por Contudo, todos que expressam esses
uma irmandade, qualquer negócio deve pagar uma
sentimentos acabam esquartejados, seus
porcentagem ao capitão local. Essa taxa não é tão alta
pedaços espalhados em lugares públicos.
a ponto de quebrar o empreendimento (e, caso seja, a
vítima pode se queixar diretamente ao general). Mas
deixar de pagá-la traz consequências graves, desde (Continua…)
danos à propriedade até incêndios ou “acidentes” fatais.

Organizações
443
As Quatro Famílias (continuação) Tráfico de Achbuld
Comum em Ahlen, o achbuld é trazido a Valkaria
Tropa da Floresta e em caravanas de contrabandistas e distribuído em
das Montanhas tavernas. Em geral, as irmandades vendem o achbuld
fora de sua comunidade. Desta forma, fingem estar
Esta irmandade recente existia na forma
protegendo as famílias da região.
de uma quadrilha de anões há bastante
tempo, mas não era uma irmandade Tráfico de
verdadeira. Chamavam-se apenas de
“Tropa da Montanha”. Com a destruição
Itens Mágicos e Pólvora
de Lenórienn, muitos elfos refugiados Objetos mágicos são raros, valiosos e exóticos. É
vieram a Valkaria. Entre esses, muitos quase impossível achar alguém disposto a vender o
tiveram de recorrer ao crime, entrando em item exato de que se precisa. As irmandades podem
conflito com a quadrilha de anões. Mas o obter itens mágicos através de roubo ou como paga-
que poderia ser um banho de sangue virou mento de dízimo. Então vendem os itens a preços
aliança — elfos e anões se uniram para exorbitantes ou os “presenteiam” em troca de um
formar uma irmandade. favor, garantindo mais um grupo de aventureiros no
bolso. A pólvora também é uma necessidade cada
A Tropa da Floresta e das Montanhas protege vez mais comum. Contrabandistas trazem pólvora
todo tipo de refugiados, não humanos e de Smokestone até Valkaria, onde as irmandades
proscritos, além de estender seus tentáculos
misturam-na com substâncias baratas e vendem-na
para a Vila Élfica. Embora a irmandade em
por preço elevado, com qualidade reduzida.
si aceite apenas anões e elfos, a comunidade
acolhe qualquer “excluído” — menos Empréstimos
goblinoides, que arriscam a morte apenas
Outra atividade comum. As irmandades não
por andar em seu território.
desejam ver ninguém sob sua proteção passando
Atividades Principais. Tráfico de necessidades. Mesmo que você prefira vender tudo
pólvora, controle de trabalho, patrocínio que tem, os capitães insistem para que aceite uma
de aventureiros (em especial contra “ajudinha”. Esses empréstimos são cobrados ao longo
goblinoides). A Tropa está muito dos anos (com juros calculados pela organização), mas
interessada em infiltrar alguns de seus a irmandade nunca aceita o valor total, mantendo o
membros em Doherimm, em busca de devedor preso. De preferência, a dívida é transferida
alguma nova vantagem ou tramoia após a a seus filhos e netos.
Revolta das Guildas.
Líder. Jeryliatalianna, uma velha elfa Controle de Trabalho
maga, acompanhada por Frostumm, um Em algumas regiões da cidade, você não consegue
anão bárbaro de poucas palavras. A Tropa cantar em uma taverna, ser aceito em uma guilda ou
sempre é liderada por um anão e um elfo. trabalhar em uma construção sem o aval da irmandade.
Contudo, os boatos afirmam que a elfa é a Mesmo uma família nobre pode se recusar a contratar
única líder real — os líderes anões costumam um grupo de aventureiros sem ligação com a irmandade
desaparecer assim que ganham prestígio. local. É preciso permissão da irmandade para trabalhar.
O oposto também é verdade: existem lugares em
(Continua…) Valkaria onde não se consegue contratar um armeiro
para forjar uma espada ou onde todos os magos estão
“ocupados demais”. Os trabalhadores e aventureiros
ligados às irmandades cobram mais caro e fazem
serviços piores, mas contratá-los evita problemas.

Patrocínio de Aventureiros
Pode ser lucrativo (e muito útil estrategicamente)
ter grupos de aventureiros no bolso. Grupos de aven-
tureiros são tratados como um negócio financiado
pela irmandade — recebem equipamento (inclusive
mágico), treinamento, favores, conhecimentos secre-

Capítulo Quatro
444
tos e outras vantagens. Em troca, pagam um tributo As Quatro Famílias (continuação)
sobre todo o tesouro que adquirem. Mais importante:
devem prestar serviços à irmandade. Isso raramente Clã da Lótus
tem a forma de missões como assassinatos ou roubos,
pois as irmandades preferem que os aventureiros Uma das mais temidas irmandades.
continuem se achando “heróis”, mas cedo ou tarde Em Tamu-ra, é mais conhecido como
algo ilegal é exigido. Além disso, muitos aventureiros Nairyori, mas poucos na capital usam
acabam em posições de prestígio — a irmandade não esse nome. A atuação do Clã da Lótus
permite que esqueçam suas raízes. Arquimagos, ge- começou a ser sentida depois da formação
nerais e sumos-sacerdotes podem ser comprometidos do bairro de Nitamu-ra, embora seja
com a irmandade e defender seus interesses quando a mais antiga organização criminosa
lidam com nobres, com a Rainha-Imperatriz ou com do Império de Jade. O Clã protege a
os próprios deuses… comunidade tamuraniana e não reconhece
qualquer autoridade do continente,
Resolução de Problemas mantendo discrição total. Aqueles
Quase qualquer pessoa pode solicitar a ajuda que desrespeitam seus membros são
de uma irmandade para qualquer coisa, desde que submetidos a torturas que se estendem
saiba quem procurar. As irmandades auxiliam esses por semanas.
desesperados, mesmo que sejam forasteiros, mas o Circula o rumor de que o Clã da Lótus
preço é sempre muito alto: favores não especificados, existente em Valkaria não teria ligação com
trabalhos sujos, revelação de segredos de seus amigos Nairyori, sendo apenas farsantes que se
ou até assumir a culpa por um crime! Invariavelmente, apropriaram do nome. Se isso for verdade,
o preço só é mencionado depois que o serviço foi pode significar que uma sangrenta guerra
feito, quando já é tarde demais. Pedir ajuda a uma criminosa está para sacudir Nitamu-ra.
irmandade é vender a alma, mas pode resolver quase Ou talvez seja um boato plantado para
qualquer situação. Além disso, as comunidades sob despistar autoridades e heróis…
controle da irmandade podem recorrer à organização
no caso de ataques de monstros ou outros desastres. Atividades Principais. Extorsão,
Tudo pode ser resolvido — ao custo de um problema empréstimos, controle de trabalho,
muitas vezes bem pior. religião. O Clã da Lótus opera um
governo paralelo dentro de Nitamu-ra
Religião (embora nem todo o bairro esteja sob
Algumas irmandades têm forte tradição religiosa. seu domínio). Também é dito que o Clã
Assim, não é surpresa que existam inúmeros clérigos usa maníacos assassinos sem ligação com
ligados a elas. Pode ser impossível erigir um templo a a irmandade para manter a população
um determinado deus em certas regiões de Valkaria. aterrorizada e dependente.
Certos “serviços” da igreja são regulados como qual- Líder. Dyang So-Dak, um velho
quer outro trabalho. tamuraniano de modos serenos e sadismo
Deuses malignos não são bem-vistos por essas horrendo. Alguns dizem que é um
organizações. Pelo contrário: para manter a fachada de sszzaazita de tremendo poder. Quase
respeitabilidade, as divindades preferidas são Valkaria, ninguém conhece sua aparência — So-Dak
Lena, Thyatis e até mesmo Khalmyr. Clérigos que se passeia pelo bairro totalmente incógnito,
envolvam demais nas atividades da irmandade podem descobrindo segredos e vontades do povo
contrariar suas obrigações e perder seus poderes. comum. No entanto, o Clã está bastante
Assim, os capitães preservam a “inocência” de seus ativo no Império de Jade — como seu
associados divinos. líder pode estar no Reinado? Não se
sabe se Dyang So-Dak visita Tamu-ra
Também é muito vantajoso para as irmandades
regularmente, se deixou em Valkaria uma
ter um deus na folha de pagamento. Alguns capitães
cópia ilusória… ou se quem está na capital
“incentivam” a comunidade a adorar um de seus sócios
é apenas alguém com coragem suficiente
e, algum tempo depois, surge um novo deus menor.
para se fazer passar por um dos maiores
Assim, os irmãos têm exclusivos poderes divinos e uma
criminosos do mundo!
fonte particular de milagres. É difícil desobedecer aos
dogmas de um deus que obedece a você!

Organizações
445
CAPÍTULO 5
A
rton é um mundo de sagas épicas, Este capítulo aborda a vida cotidiana. Fala como
repleto de heróis e vilões poderosos. é o funcionamento da sociedade no Reinado e além
Mas entre uma aventura e outra há e explica a rotina dos artonianos, seja de pessoas
dias comuns e mesmo o mais terrível comuns, que não vivem explorando masmorras e
malfeitor precisa de alguém que cozinhe sua enfrentando monstros, seja de aventureiros — afinal,
comida e costure suas roupas. Ou, no mínimo, nem mesmo estes passam o tempo todo explorando
que seja vítima de seus planos… masmorras e enfrentando monstros!

A sociedade artoniana
Arton possui cidades grandiosas, mas é sobretu- Essa nobreza nascente encontrou as várias
do composto por feudos: domínios concedidos por tradições de aristocracia já existentes em Ramnor.
soberanos a seus vassalos, exigindo em troca que O continente norte sempre foi terreno mais do que
zelem pela produção dessas terras e pela defesa de seus fértil para monstros e ameaças de todo tipo. As nações
habitantes. O Reinado segue essa lógica de governo que já existiam aqui precisaram, sem exceção, lutar
descentralizado e, apesar das maravilhas e horrores para sobreviver. Assim, a nobreza de Arton Norte
mecanomágicos surgidos na guerra, a base da economia era em grande parte baseada em atos de heroísmo.
dos reinos continua sendo essencialmente rural. Não necessariamente força ou façanhas guerreiras:
Certos sábios teorizam que as coisas permanecem nas regiões onde mais tarde se formou Namalkah, a
assim porque, por trás de todas as suas reviravoltas e habilidade de cavalgar e o conhecimento do terreno
tumultos, este seria um mundo “estático”. Um lugar eram muito mais valorizados, enquanto em Tapista
onde inovações técnicas são pouco adotadas devido o comprometimento com os valores da república
à magia, e onde grandes aspectos da vida são deter- definiam (ou deveriam definir) quem ascendia a
minados pelos deuses. Assim, a sociedade artoniana altos cargos. Contudo, é claro, muitos aventureiros
permanece praticamente igual há séculos. poderosos acabavam sendo erguidos à nobreza por
serem capazes de defender seu povo através das armas.
A formação da nobreza dos antigos reinos do
sul teve características próprias, mas no norte este Os primeiros eram estranhos em uma terra
processo se daria de maneira diferente. A dinastia de estranha, parte de um caldeirão de culturas que se
Roramar I, mesmo tendo suas origens em um profeta mesclaram ao longo de seis décadas de peregrinação,
que liderou a Caravana dos Exilados seguindo visões privação e penitência. Comandantes de pioneiros
divinas, rejeitou a noção de direito divino ou de que que, mesmo clamando as mais pomposas origens,
algumas pessoas ou linhagens seriam “escolhidas” eram basicamente desbravadores. Os segundos,
para governar os demais. Em vez disso, a dinastia heróis por excelência dos exclaves ramnorianos.
roramariana solidificou sua autoridade na noção Pedaços de diferentes povos, espalhados e isolados,
ideológica do Reinado, a ideia de que todos os povos em terras que nunca foram domadas por completo,
têm direito a um lar. E, para garantir esse direito, era protegendo bolhas de suas respectivas civilizações
preciso que os povos estivessem unidos. em um continente ainda tomado por remanescentes
bastante vivos da Era dos Monstros.
Assim, aqueles que receberam o direito de
liderar caravanas e expedições pelo novo continente Ambas as classes se uniram por meio de casa-
não foram necessariamente nobres (embora vários mentos, tratados, conquistas, alianças e diversas
descendentes da nobreza de Lamnor tenham mantido outras relações, dando origem com o passar dos
posições de liderança), mas pessoas que demonstra- séculos a uma nova nobreza de exarcas — regentes
ram comprometimento com essa causa. A formação que reivindicam ao mesmo tempo os costumes de
da nobreza de Arton Norte representou uma ruptura Ramnor e a nova ideologia dos exilados. Foi essa
com as noções antiquadas de que certas famílias nobreza que ergueu reinos com base em códigos e
deveriam governar “porque sempre foi assim” ou valores comuns a diferentes culturas de exilados,
“porque os deuses querem”. nômades, proscritos, sobreviventes e refugiados.

Capítulo Cinco
448
Com o passar dos séculos, a nobreza de Deheon especializados; de menor grau social, mas dotados
acumularia um grande número de terras e tesouros de habilidades versáteis e impressionantes. Estes são
encantados. Passaria por meio de sua riqueza a domi- os típicos campeões e heróis desterrados, que vagam
nar guildas mercantis, frotas de navios, laboratórios de lugar em lugar oferecendo seus serviços: bardos,
alquímicos, minas em diversas regiões… Também arcanistas, clérigos, inventores, guerreiros… Em suma,
começaria a patrocinar grupos de aventureiros e, toda sorte de especialistas com capacidades raras.
através disso, ter contato com outros Planos e até Embora tecnicamente estejam “abaixo” da nobreza, os
mesmo divindades. Essa aristocracia, em vez de reinvi- aventureiros são a classe que goza de mais liberdade,
dicar direito divino, agora era capaz de ela mesma ter tendo poucas obrigações com qualquer coisa além de
influência sobre os deuses! Várias famílias passaram si mesmos, seu grupo e seu lorde ou empregador atual.
a ter deuses menores entre os seus ou como vassalos.
A base da pirâmide é composta pela classe dos
Tudo isso fez com que essa nobreza se separasse do servos, composta por alguns subgrupos. Os artesãos,
restante da sociedade, vivendo existências de riqueza artífices e comerciantes costumam viver em cidades e
inconcebíveis para a maioria do povo, incluindo outros se reunir em guildas, sendo responsáveis por forne-
nobres. A alta aristocracia, ou nobreza valkariana, reside cerem bens manufaturados, serviços e amenidades.
quase exclusivamente na capital, passando períodos No interior, formando grande maioria da população,
em seus palácios em outros reinos e dimensões. há os camponeses, que cultivam os campos e produzem
Também existe a chamada baixa aristocracia, ou tudo o que é necessário à vida. A classe servil também
nobreza rusticana — assim pejorativamente apelidada engloba empregados de castelos, soldados, guardas
por ser gente “rústica” — em sua maioria descenden- florestais e outros que não têm a autonomia e a
tes de heróis que receberam seus títulos e terras há especialização dos aventureiros.
poucas gerações, ou que são eles mesmo os campeões Vale lembrar que, exceto em reinos tirânicos,
recentemente alçados à posição de regentes. servos não são forçados a servir a nenhum senhor. O
A vida destes nobres é mais semelhante à da nome da classe social diz mais respeito à função de
nobreza exárquica original, com muitos se desdobrando servir necessidades básicas da sociedade do que a uma
para cumprir juramentos que têm para seus suseranos, ligação de subserviência para com uma terra ou família.
viajando entre os domínios que administram, desem- Contudo, apesar de sua estrutura bem demarcada,
penhando o papel de juízes de paz e árbitros de guerra, a sociedade artoniana é muito mais móvel do que
lutando contra ameaças para proteger seus súditos parece para quem a olha de fora. Sábios costumam
e sempre a um passo de perder seus títulos. Junto a compará-la a um tabuleiro de xadrez: tem demarcações
altos sacerdotes, magos da corte e condestáveis, são rígidas, suas peças têm movimentos definidos, mas
eles quem de fato administram os reinos. dentro dele infinitas variações são possíveis. Um peão
Curiosamente, muitos membros dessa nobreza destemido pode promover a si mesmo lutando para
“comum” também vivem na capital. Contudo, basta chegar até as últimas fileiras. O mais poderoso rei
um olhar para notar que não fazem parte da nobreza pode ser colocado em xeque.
valkariana mais tradicional. E, como costumam acrescentar os clérigos de
Além da nobreza há também a classe social dos Nimb, nada impede que, enquanto ninguém estiver
aventureiros, composta por arautos e serviçais olhando, um malandro mude todas as peças de lugar!

Os “Bárbaros” nas antigas cidadelas-estados do palavra bárbaro e a ostentam


de Arton Norte sul para ser referir a qualquer orgulhosamente. Vale notar
forasteiro. Curiosamente, que os povos originários de
O termo “bárbaro” vem da “bárbaro” e “civilizado” nunca Ramnor tinham sua própria
palavra do antigo idioma foram opostos na mente palavra — skogaravanni,
lamnoriano baario-baario, dos artonianos. A conotação significando “exilado” — para
que significa “habitante do pejorativa vem de uma noção de designar os povos vindos do
norte” — que por sua vez tem oposição entre “nós” e “eles”, continente sul. Ela está na raiz
sua origem em baario, termo ou “quem está dentro” e “quem da palavra “caravaneiro” que, às
que, quando não é duplicado, está fora”. Hoje combatentes vezes, também é utilizada como
significa “aquele que vem de ancorados nas tradições sinônimo de forasteiro, proscrito
fora da barreira” e era usado ramnorianas reivindicam a ou renegado.

Vida em Arton
449
Viagens & Estradas
Os habitantes de Arton estão em constante podem cobrar preços altos. Não é incomum a figura dos
movimento. Estradas percorrem o continente como “cartógrafos de taverna” que se alternam entre esses
uma teia ligando as maiores cidades e até mesmo lugares, vendendo mapas que supostamente levam
algumas aldeias. Rotas erguidas em cima de trilhas a tesouros. Nessas estradas também há eventuais
que precedem a chegada da Caravana dos Exilados, santuários de Marah, garantindo algum conforto e
utilizadas até os dias de hoje, mas transformadas pela paz aos viajantes.
passagem dos séculos. Dizem que viajar por elas não é Tão utilizadas quanto as estradas, especialmente
só se locomover no espaço, mas também no tempo. É para o comércio de longa distância, são as vias fluviais.
passar pelos mesmos caminhos trilhados por heróis, O continente tem diversos rios amplos e profundos,
peregrinos, monstros, reis e plebeus durante as eras. usados para o escoamento de mercadorias, transitados
Um viajante pode começar sua jornada em um por barcaças, trirremes e monções — caravanas
sendeiro de terra batida, único tipo de caminho aquáticas compostas por diversos pequenos barcos.
marcado em lugares ermos, típico dos primórdios Não é incomum o trabalho de burlaque, profissão
do povoamento, entrecortado por pontes de cordas antes precária, destinada a servos, mas hoje bem paga
transpondo abismos. Mas talvez essa trilha simples e ocupada por equipes treinadas de trabalhadores
logo se transforme em uma alameda plana, feita sobrenaturalmente fortes — ou mesmo por um
de parelepípedos encaixados e ladeada por árvores. único e solitário indivíduo prodigioso. Um burlaque
Essas alamedas se tornaram comuns por volta do anda pela margem de um rio, puxando uma enorme
ano 1100. Adiante, a alameda pode evoluir para uma corda ou corrente e arrastando um navio correnteza
moderna pista régia pavimentada com concreto acima. No inverno, quando a água congela, costumam
alquímico, com duas vias, ideal para circulação de procurar emprego temporário como aventureiros,
carruagens e carroças. Pistas régias contam com sendo por isso apelidados de “heróis invernais”.
sofisticados sistemas de escoamento de água nas
Para além da terra e da água, há também em
laterais, sinalizações de distâncias e direções, e
Arton o transporte pelo ar, umas das formas mais
bicas para reabastecer cantis. As mais importantes
rápidas e sofisticadas de chegar a algum lugar… ou
chegam a ser iluminadas por lampiões mantidos pelo
de perecer em um acidente terrível. A maior parte das
reino ou pelos próprios viajantes. Em alguns casos
naves aéreas é de uso exclusivo da alta nobreza e de
especiais, existe até mesmo luz mágica. Em geral
aventureiros lendários, simplesmente devido ao custo
contam com postos de guarda ou são patrulhadas
exorbitante dessas viagens. Contudo, naves maiores
por destacamentos do exército local. Nas rotas
e mais acessíveis vêm sendo construídas em vários
tradicionais são frequentes as estalagens, tavernas
reinos. Até onde se sabe, nenhuma das naves aéreas
e lanistérios — templos de Laan, o Deus Menor
existentes em Arton tem autonomia para cruzar o
das Viagens — como pontos de parada e descanso.
continente; a maioria se restringe a viagens dentro
Dentro das rotas principais não é preciso andar de um reino ou no máximo entre reinos vizinhos.
mais do que três dias para encontrar algum povoado, Contudo, essa tecnologia está avançando — e nunca
ainda que pequeno. Nas regiões mais ermas e fronteiri- se sabe o que pode estar nas mãos de grupos de
ças, porém, uma viagem pode se enveredar por brejos, aventureiros poderosos…
matagais ou descampados e, entre partida e destino,
Para aqueles determinados a economizar e
consumir semanas ou meses até que se encontre algum
dispostos a correr perigo, sempre existem os orni-
sinal de civilização.
tópteros, balões e outras engenhocas goblins. Em
Tais caminhos fora dos percursos habituais, cha- geral, os aeronautas dessa raça não se preocupam
mados vias ventureiras, costumam levar a ruínas com detalhes como autonomia de voo, manutenção
antigas e outros pontos de interesse. Suas margens periódica ou durabilidade dos materiais. Apenas
são pontilhadas por ocasionais tavernas. Embora garantem que vão chegar aonde o cliente precisa!
contem com poucos fregueses ao longo do ano, esses Caso contrário, quaisquer sobreviventes receberão
estabelecimentos que atendem quase só a aventureiros seu dinheiro de volta.

Capítulo Cinco
450
Dinheiro & Comércio
Muitos se perguntam de onde vem o dinheiro Música aos ouvidos dos mercadores, o tilintar
que circula no Reinado e além. Tibares são moedas das moedas era portanto um gazeio — o som que
recebidas como soldo por aventureiros depois de esse tipo de ave faz. Ainda hoje, tibares de cobre
árduas jornadas, esbanjados por nobres, contados são chamados de gazeios — ou gazetas, termo que
aos punhadinhos por trabalhadores. Foram uma também designa o jornal impresso na capital, que
invenção de Quindogar Tollianor, um despenseiro custa uma única moeda deste valor. Esta hoje descon-
que é considerado o pai da economia e foi o primeiro tinuada moeda deheoni era cunhada cada uma com
conselheiro real deheoni. Muitos cronistas afirmam ter a imagem de chefes dos respectivos assentamentos
sido ele a verdadeira mente por trás das políticas de onde era produzida. Seu valor era determinado pelo
expansão comercial na era do Rei-Imperador Wortar I. peso dos materiais de que era feita. Trocá-los por
Nos primórdios do povoamento, tanto lamnoria- valores equivalentes de outras moedas podia se tornar
nos quanto ramorianos praticavam o escambo — a rapidamente um pesadelo logístico-matemático.
troca de produtos por outros produtos ou serviços. A escassez de minérios muitas vezes levava a que
Com a expansão do comércio dentro da fronteira fosse partida em pedaços para facilitar o troco. Além
dehoni, inicialmente se resolveu adotar uma unidade disso, a moeda era facilmente falsificável, por meios
monetária chamada gazeio, inspirada em uma moeda mundanos ou mágicos.
de mesmo nome usada no antigo reino sulista de Foi Tollianor quem teve a ideia de criar uma unida-
Cobar. Dizem que era chamada assim por ter a imagem de monetária padronizada. Os primeiros tibares foram
de uma fênix, tão feia que as pessoas pensavam se cunhados com seu valor lastreado em três metais por
tratar de uma garça… ordem de raridade: cobre, prata e ouro.

Viajar por Arton envolve mais


perigos do que estradas e clima ruins

Vida em Arton
451
A imagem do Rei Tibar foi escolhida como efígie de Mas o que quer tenha sido revelado à divindade
uma das faces da moeda por não representar nenhum mercantil, este futuro árido foi prevenido ou, pelo
monarca existente (e efêmero, como todo mortal). menos, suas causas desvinculadas dos discos metá-
Era um personagem folclórico, uma mistura da licos que contêm as faces de Tibar… Hoje, embora
história de duas figuras lendárias distintas: a Rainha metais raros como ouro e prata continuem sendo
Tíbia, uma monarca do sul que diziam transformar valiosos — o primeiro deles sendo especialmente
cada ser ao seu redor em ouro ao tocar sua flauta procurado para barganhar milagres com os clérigos
mágica feito de osso, e o Rei Agar, o Filósofo de de Azgher, o Deus-Sol — os tibares já não utilizam
Fogo, soberano do norte com a reputação de ter sido seu valor como “padrão”.
um sábio alquimista e arcanista, perseguidor dos
A verdade é que poucas pessoas compreendem
segredo das magias de transmutação.
exatamente o cálculo pelo qual a moeda é lastreada
De início, não houve muito entusiasmo pela hoje. Teólogos especulam algo envolvendo a crença
inovação econômica. Gaio Zaghelulff, o ourives que de clérigos e monges, uma coleta de energia mística
cunhou as primeiras moedas, amigo de Tollianor, deu à que exige períodos de jejum, oração e reclusão cada
imagem do Rei Tibar as feições caricaturais do próprio vez mais longos à medida que devotos avançam de
conselheiro bonachão, mostrando-o próspero (com posição dentro de irmandades religiosas, mas nada
uma coroa) em uma das faces e pobre (sem coroa) disso está claro. Como é costumeiro em muitas reli-
na outra, representando a ruína que “certamente” giões, os devotos estão mais preocupados em celebrar
se abateria devido a essa ideia. Mas o alvo de sua os mistérios de sua fé do que em tentar explicá-los.
zombaria acabou rindo no final.
Quando mercadores perceberam como o novo
padrão facilitava as trocas e a qualidade com que as
A CUNHAGEM SAGRADA
Atualmente os tibares não são cunhados como a
moedas eram confeccionadas tornavam fraudes mais
maioria das pessoas imagina. Sequer vêm do continente.
difíceis, a moeda passou a ser cada vez mais adotada,
sendo hoje considerada um dos símbolos da união Existe uma seita de devotos de Tibar a quem foi
entre os povos do Reinado. O personagem “Rei Tibar” encarregada a função de realizar um ritual monetário.
se tornou maior que a pessoa do conselheiro. Todos Estas pessoas se reúnem em um local secreto em
amavam e odiavam, viviam e morriam pela figura na algum dos mares artonianos e lá celebram uma intrin-
moeda. Oravam a ela esperando receber bênçãos que cada cerimônia em nome do deus, dando origem às
trouxessem prosperidade. Para o povo e logo para moedas. De lá, o carregamento é levado e espalhado
sábios e teólogos, as duas faces distintas ganharam por Arton Norte.
um significado transcendente. A face com a coroa Entre os piratas, a descoberta da ilha ou de um
representava a fartura e a face sem coroa, a pobreza de seus barcos de transporte é tida quase como um
de quem gastou o que não devia. Naqueles pequenos sonho. Mais de um bucaneiro já dedicou sua vida em
discos de metal estava um resumo da vida de boa busca do segredo. Kezarr Seis-Dedos, um capitão
parte da população. Mais do que isso: ali estavam que aterrorizou a costa de Tyrondir, transformou sua
representadas todas as transações, todas as relações obsessão no manuscrito O Ouro que Nunca Encontrei,
de perda e ganho de todos os seres artonianos. obra responsável por popularizar o mito da cunhagem
Foi assim que, graças à brincadeira de um descrente sagrada. Kezarr morreu numa missão de rotina, as-
e já em idade avançada, Tollianor ascendeu ao posto sassinado por um amante passado para trás, mas sua
de Deus Menor do Comércio. obra perdurou muito mais que sua reputação.
Este não teria sido sido o último milagre do rei- O ritual acontece poucas vezes ao ano e é re-
-moeda, que desde sempre tenta “barganhar” um posto alizado por dezenas, talvez centenas de devotos,
de deus maior no Panteão. Dizem que, ao ascender, que contam com um número não determinado de
Tibar teve uma visão profética, na qual percebeu falhas auxiliares. Como a devoção não é um trabalho de
em sua maior criação. O conteúdo desta premonição tempo integral de quem integra a seita, descobrir
é controverso. Sábios discorrem em termos obscuros a identidade dessas pessoas fica ainda mais difícil.
sobre uma infestação monetária que transformaria o Podem ser qualquer um: um guerreiro mercenário as-
custo das coisas em montanhas vertiginosas inesca- lothiano, uma nobre ahleniense escalando a pirâmide
láveis, corroendo esforço e privando a labuta diária de poder na ponta da adaga, um hynne mercador ou
de qualquer merecido espólio ou significado. Bardos fabricante de jangadas em Khubar. Dizem, porém, que
cantam sobre um futuro de guerras, fome e povos podem ser identificados por uma tatuagem: um tibar
inteiros submetidos à escravidão. de ouro pela metade — representando que sozinhos,

Capítulo Cinco
452
de nada valem — ou por sua habilidade sobrenatural Tudo muda de figura nas capitais. Já de início,
ao realizar truques com a moeda. falar em dinheiro perde todo o significado quando
O dinheiro é sempre transportado em navios não se menciona a nobreza valkariana. Suas proprieda-
identificados. É possível se perguntar por que magia des, fortunas e poder simplesmente não podem ser
quantificadas em números! Os únicos artonianos que
não é usada, mas parece claro que a presença de magos
se aproximam do seu estilo de vida são aventureiros
poderia ser perigosa demais. Na verdade, a magia é
lendários e deuses menores (na verdade, alguns deles
restrita na Cunhagem Sagrada.
integram este patamar da sociedade). Já a pequena
A revelação de qualquer segredo que envolva a nobreza urbana, formada por burocratas palacianos ou
Cunhagem Sagrada implica em uma pena que, para mercadores ricos o bastante para comprar títulos, está
muitos, pode ser pior que a morte: a pobreza e o azar próxima em termos de renda da classe aventureira, onde
eternos e irrevogáveis — o que, ironicamente, costuma também se localizam a maioria dos grupos de heróis.
levar à morte de qualquer modo.
É estimado que aventureiros novatos ganham
cerca de 300 tibares por busca realizada, com este
Quanto Vale o Suor? valor aumentando para heróis veteranos. Mas quanto
A adoção de uma moeda comum no continente isso representa em relação a um camponês, artesão
facilitou imensamente a vida dos artonianos e, mais ou pequeno comerciante citadino comum? Aquele
do que isso, é parte do que os une. que conta apenas com o valor tabelado por guildas
que regulamentam seu ofício?
Mas como se dá a vida dos cidadãos dos reinos
de maneira prática? Afinal, “economia” é uma palavra Trabalhadores iniciantes recebem em média 1
bonita para o estudo de como se produzem e organizam tibar por semana, somando 4 tibares ao mês — sendo
os bens necessários à vida. Para entendê-la, é preciso 2 deles reservados a pagar os custos de moradia e ali-
falar das duas realidades mais corriqueiras para quem mentação de uma família pequena e os outros 2 gastos
vive em Arton: o campo e a cidade. ou economizados para adquirir bens não essenciais.

Nas áreas rurais, a vida continua a ter um forte Entretanto, isto é apenas uma abstração. Não é
caráter comunitário, herança direta de antigas tribos incomum que famílias mais numerosas, impostos mais
compostas por pessoas que só conseguiram sobreviver pesados e outros fatores consumam esses “tibares
cooperando entre si. Em geral, os servos se alternam residuais” ou mesmo acarretem em dívidas. Por outro
trabalhando em suas próprias terras e nas de seu lado, fazendeiros prósperos, artesãos experientes e
senhor. Nesta economia, moedas praticamente não mercadores sagazes podem ganhar mais do que essa
são usadas e o escambo, em forma de produtos ou quantia. Já aprendizes recebem meio tibar (ou 5 tibares
serviços (estes últimos chamados de corveia quando de cobre) ao mês. Mas, além da chance de aprender uma
realizados para o senhor), predomina enquanto forma profissão, têm outros custos e amenidades cobertos
de troca. Tibares são usados basicamente em negocia- pela guilda onde estão empregados.
ções com outras aldeias e forasteiros, especialmente Portanto, todos os aventureiros devem lembrar,
aventureiros errantes ou mascates. quando estiverem esbanjando moedas em uma taverna,
A proporção do trabalho que um plebeu realiza que o pagamento de uma só missão simples pode
para si e aquele que realiza como forma de imposto representar o pagamento de alguns anos de labor de
camponeses e outras pessoas comuns!
varia de reino para reino e de feudo para feudo. Não
existe uma regra universal. Há, por exemplo, lugares
onde trabalhar para o lorde ocupa apenas dois dias
do mês (normalmente, o dia de Haya) e não é raro
ver a nobreza rusticana com foices participando da
colheita nas próprias terras. Em outras paragens, este
é o único dia da semana que um plebeu pode empregar
para trabalhar para si, se quiser preservar o Leen para
um merecido descanso. Bens como casas, móveis e
ferramentas costumam ser acumulados pelas famílias
de geração para geração. Consertar ou reaproveitar
coisas é muito mais comum do que adquirir novas.
Desperdício ou ostentação são considerados quase
uma blasfêmia entre os campesinos.

Vida em Arton
453
O galo canta pela segunda vez, avisando que é hora
de acordar. O inventor da vila diria que são “cinco da
manhã”, mas aqui na fazenda não temos engenhocas
de marcar o tempo — e nem precisamos, pois o galo
nunca se atrasa. Azgher ainda não surgiu no céu e a
escuridão me faz olhar para a cama. Feita de capim
e coberta com pelegos, ela me chama de volta, mas
eu ignoro. Há muito a ser feito hoje!
Vou até a cozinha, onde Kaylin, minha esposa, já está
preparando o desjejum. Eu ajudo, acendendo o fogão
a lenha e colocando uma chaleira a esquentar. Então
lavo o rosto na gamela apropriada — deixamos uma
dessas tigelas ao lado da tina de água para limpar o
rosto e as mãos, além de outras duas para cozinhar.
Dizem que no castelo do barão há um cano na parede
de onde sai água à vontade, mas não temos nada
disso aqui. Por fim, volto ao quarto, retiro o camisolão
de dormir e visto uma túnica e calças de cânhamo.
Como muitas roupas de camponeses, são beges, pois
essa é a cor natural do tecido. Mas, sem que minha
esposa saiba, estou economizando alguns tibares para
tingir um dos vestidos dela de vermelho.
Quando retorno à cozinha, a chaleira já está apitando e meus filhos já estão saindo do quarto deles.
Temos sete: Jarrad, meu primogênito, de 19 anos; Ceres, Tesha e Laina, três moças, de 17, 15 e 13; Rickar,
um rapaz de 12; Astris, uma menina de 9, e Darren, nosso caçula, de 6. Crianças de até 7 anos não possuem
responsabilidades. Dos 7 aos 11, ajudam em tarefas leves, como pegar ovos no galinheiro. A partir dos
12 anos, são consideradas adultos e trabalham conosco. Falando nisso, adultos se dividem entre os
que trabalham na casa e no campo. Homens e mulheres do primeiro grupo cortam lenha, tecem fios,
consertam a casa e preparam pão, geleia, sabão e outros produtos artesanais. Já os do segundo grupo
se ocupam da lavoura e dos animais, como galinhas, ovelhas, porcos, vacas e trobos.
Terminado o desjejum, eu, Ceres, Laina e Rickar, que trabalhamos no campo, vamos até a terra que
iremos preparar para o plantio de trigo. Chegando lá, começamos a capinar. No meio da manhã,
Jarrad chega trazendo um lanche. Enquanto dou os últimos toques em uma macega teimosa, vejo
o rapaz estender um pano no chão e, sobre ele, colocar grossas fatias
de pão, queijo e linguiça. Uma vez alimentados, voltamos ao
trabalho, amontoando a vegetação extraída, que
mais tarde será enterrada para adubar a terra.
Daqui a alguns meses, Ceres e eu levaremos o
trigo colhido ao moinho do barão, a dois dias
de viagem de carroça. Lá, o trocaremos pela
farinha que nos sustentará durante o ano.
Ao meio-dia, retornamos à casa para almoçar.
Os filhos aguardam até eu e Kaylin nos
sentarmos, para só então se sentarem. De forma
similar, após comermos, ninguém sai até eu e ela
nos levantarmos. Refeições em família são uma
tradição levada a sério por aqui!

Capítulo Cinco
454
Terminado o almoço, voltamos ao campo. No meio da tarde, vejo viajantes ao longe. Mesmo à
distância, sei que são aventureiros. Há uma humana de mantos e cajado, um goblin montado em um
lobo, um anão portando um escudo com o símbolo sagrado de Khalmyr e um minotauro carregando
mais armas do que todos os guardas do barão juntos. Felizmente, eles não se aproximam. Aventureiros
causam mais problemas do que resolvem! Porém, percebo minha filha mais velha olhando para
eles enquanto se afastam. Ceres não sabe que tudo de que precisa está aqui? Vagabundear pelo
mundo é coisa de… bem, de vagabundo!

Trabalhamos até o céu ficar laranja. Então, sujos e suados, vamos para o rio tomar banho.
Se fosse inverno, iríamos apenas lavar os pés! Chegando em casa, descansamos até o jantar, que
ocorre perto do pôr do sol. Após a refeição, a família se reúne ao ar livre. Se fosse uma noite
fria, a reunião seria dentro de casa, ao redor do fogão. Os pequenos dormitam nos colos
disponíveis, enquanto conto casos de assombração e tesouros enterrados. Todos escutam,
menos Ceres, que vai para o quarto mais cedo.

Por fim, antes de me recolher, dou uma última passada na “casinha”, para as necessidades.
Dizem que o palácio da Rainha-Imperatriz possui banheiros dentro dele, mas é claro que… ah,
você já sabe. Não temos nada disso aqui. Como camponeses, há várias coisas que não possuímos.
Mas, ao ver minha família reunida, sinto que tenho tudo que realmente importa.

Após dar o beijo de boa noite em Kaylin, faço uma última coisa antes de deitar. Caminho até o baú
que temos no quarto, onde guardamos nossas poucas posses valiosas, e o abro. Lá está a algibeira
com os tibares que estou guardando para o vestido de minha esposa, mas não é isso que busco.
Do fundo da arca, tiro minha antiga espada, de quando servi no exército do velho Thormy.

Está afiada, pois a levei comigo na última vez que fui ao castelo. Não precisarei mais dela — os trolls
que antes assolavam a região, odeio admitir, foram expulsos por heróis.

Porém, sei quem vai precisar.

Sei o que Ceres estava fazendo no quarto, após o jantar. Estava preparando
sua mochila. Esta noite ela vai fugir de casa. Vai explorar masmorras, enfrentar
monstros, viver aventuras. Como eu sei? Ora, ela é uma jovem deheoni, o
que você esperaria? Não vou me despedir. Quando for a hora certa, sei que
voltará para visitar. Mas, daqui a algumas horas, quando minha filha for embora,
encontrará meu presente de despedida esperando por ela na porta.

Pelego: pele de carneiro ainda com sua lã. | Gamela: vasilha comprida de madeira ou barro.

Vida em Arton
Capinar: usar a enxada para retirar capim e ervas daninhas do solo. | Macega: arbusto rasteiro.
455
Arte & Cultura
Muitas facetas de expressão artística e cultural O titanoteísmo não deve ser confundido com a
florescem pelos reinos. De grandiosas torres que escola zentúrica, criado por uma famosa medusa.
rasgam céus a espetáculos que cativam plateias, Artistas deste movimento não estão preocupadas em
de tradições pictóricas ancestrais aos escritos que representar corpos humanos de maneira idealizada,
imortalizam a história e a imaginação, a maravilhosa mas em ser anatomicamente fiéis ao extremo, repro-
capacidade dos mortais de criar é uma máquina duzindo os modelos com um detalhamento obsessivo
de produzir significado, que ajuda a construir sua — incluindo as mínimas imperfeições. Suas esculturas
identidade e pode até mesmo moldar a consciência costumam utilizar argila, não só pela plasticidade, mas
de povos inteiros. para impedir artistas talentosas de serem acusadas da
petrificação de seres sapientes. É um material que se
deteriora com o tempo, por isso nobres pagam somente
Martelo & Cinzel para ver estas esculturas recém-esculpidas. Ao mesmo
tempo, muitos retornam para vê-las anos depois, para
Edifícios e estátuas são mais do que testemunhas
apreciar como a natureza as envelheceu. Este processo
do tempo. Monumentos são a maneira como comu-
é considerado parte do valor artístico da escultura e
nidades inteiras escolhem olhar para seu passado e
a obra nunca é considerada terminada até que dela
formar sua memória. Um punhado de tendências se
só reste pó. Muitos dizem que artistas zentúricos
destaca no Reinado hoje, misturando ou brigando entre
são apenas parte de uma “equipe” de autores de cada
si para se impor em paisagens de cidades e castelos.
obra — as outras partes seriam a natureza e o tempo!
Até por volta do ano 1300, o estilo neogórdio
Mais em voga na arquitetura hoje é o philydiano,
dominava as capitais dos reinos. Esta escola imitava
estilo eclético de torres com cumes em forma de
palácios e estradas da maneira como eram feitos no
cone, domos arredondados, portões em arco, telha-
apogeu do antigo Império Gordiano no sul. Ou, ao
dos triangulares, janelas arqueadas feitas de vidro
menos, como se imaginava que eram feitos: arcos,
selenita — lado a lado com estreitas seteiras para
colunas espiraladas, claraboias, padrões retangulares, flechas — e edifícios ligados por passarelas elevadas.
detalhes e motivos que traziam o rosto de divindades. A ele somam-se influências trazidas por arquitetos
Construções neogórdias favorecem mármore e de Doherimm que trabalharam na superfície em
concreto misturado a cinzas vulcânicas, mas vale construções como o Palácio Imperial, mais facilmente
notar que os materiais utilizados nos edifícios de percebida na escola exodoherita muito utilizada em
Gordimarr eram bastante diferentes, e que o estilo cidades como Villent e Yuvalin, favorecendo edifícios de
gordiano já era uma releitura daquele empregado no pedra sólida, reforçados com ferro e de ângulos retos.
antíquissimo Império Nardmyr. Também é possível encontrar alguns destes traços
A escola titanoteica é um desdobramento e uma na escola mimética, que costuma imitar a forma de
evolução desse movimento na escultura, representando armas e objetos e favorecer materiais mágicos, tendo
imponentes figuras heroicas exageradas, que vão do seu maior expoente no Castelo da Luz em Norm.
grande ao colossal. Além da influência sulista, uma de No campo impera o minimalista estilo ama-
suas principais inspirações é a forma pétrea na qual rantesco dos povos nômades nortistas, de casas
Valkaria foi aprisionada no norte. Este estilo épico sur- baixas, amplas e austeras, com armações de madeira
giu a partir dos clérigos desta deusa, que a esculpiam e pavimentos forrados de palha. Também de origem
em poses triunfantes e com armas e armaduras feitas ramnoriana, mas num sentido oposto, vem o estilo
de aventurina, variedade de quartzo caracterizada por maximalista gobblelino com casas de pedras encai-
translucidez e inclusões minerais que propiciam um xadas e ambientes internos pequenos, aconchegantes,
efeito cintilante nominado aventurenscência. No entanto, planejados para uma organização meticulosa de móveis
o estilo logo foi adotado por devotos e seguidores e objetos acumulados, como se o residente fosse
de outras divindades e heróis, que queriam ter seus um herói aposentado desejoso de viver em meio às
próprios ídolos enormes para contemplar! lembranças de suas múltiplas aventuras.

Capítulo Cinco
456
Palco & Pantomina dançarinas em terra firme, que não só dominou as
novas pernas como, com a ajuda de um bucaneiro,
As performances cumprem diferentes funções inventou uma dança em dupla que teria o poder de trazer
em Arton: sagradas, cerimoniais ou comunitárias; em a chuva dos céus. Outra é a tenebrella, desenvolvida
templos, palácios ou salões. Muitas delas são agitadas por exploradores dos túneis secretos que levam ao reino
ao som das mais variadas melodias e danças. subterrâneo dos anões, para escapar ao veneno de uma
aranha que mata suas vítimas durante o próximo sono.
Entre a nobreza é muito apreciada a pavonada,
coreografia que exige graça e habilidade, pois é executada Além da dança existem outras artes performáticas.
vestindo pesadas camadas de roupas, joias ou mesmo Uma das mais completas é o teatro, que incorpora
armadura! A dança ocorre em duplas, com um dos lados todas as outras na produção de seus espetáculos. As
cercando o outro, aproximando-se do par ao ponto de representações cênicas têm lugar em arenas, casas de
quase tocá-lo, mas evitando isso no último instante — o espetáculo e nos palcos improvisados por companhias
contato corporal é visto como deselegância. itinerantes que vagam pelo interior.
Talvez por isso o marrarejo, a infame “dança Os reinos têm três gêneros teatrais mais conheci-
proibida” de origem camponesa (também dos. A antiganova, ou noticiado, costuma ser
conhecida como valka), seja considerada uma reencenação de eventos recentes (mais
obscena pelos nobres. Ela abre com um ou menos) da maneira como aconteceram,
casal mãos em mãos, passos alternados, às vezes com comentários irônicos ou
em ritmo lento, depois evoluindo para piadas feitos por atores mascarados que
um ritmo acelerado com ambos ainda se misturam à plateia. É mais comum
colados, saltitando e rodopiando pelo no interior e muitos de seus “roteiros”
espaço ao redor. são adaptados de edições da Gazeta do
Em cortes feéricas e magocráticas a Reinado e de relatos de arautos.
dança favorecida costuma ser o fadário, A canastra é um gênero farsesco
que consegue ser simultaneamente que envolve desde atores andarilhos
explosivo e melancólico, envolvendo solitários até pequenas trupes. É composta
gestos arcanos e magia literal para a por uma pequena galeria de personagens
execução de seus passos. Mesmo o dan- inspirados em deuses e tipos populares. As
çarino mais medíocre deste estilo é capaz de tramas costumam ser quase sempre mesmas;
despertar fascínio fora do ambiente costumeiro entrelaçadas, modificadas e temperadas com
onde é praticado. muito humor e improviso.
Para além da nobreza, o “supraestilo” de Junto a ela há o revês, histórias
dança mais difundido no Reinado — permeado trágicas que se desdobram ao longo de
de incontáveis variações e adaptações regio- um dia inteiro em três atos e — quando
nais — é a biqueira, ou sapateado reinol. o orçamento permite — em três palcos,
Ele pode ser executado em grupos, duplas quase sempre com reviravoltas e finais
ou mesmo com um dançarino só. Envolve a surpreendentes. Suas peças costumam
alternância rápida dos pés, chutando o tabla- ser escritas em uma linguagem metrificada
do com a ponta das botas e os calcanhares. e fluida, de efeito poético, e geralmente
Às altas horas da noite, costuma-se abrir envolvem duelos de esgrima com espa-
espaço em tavernas para a degola, uma dança das falsas, mas habilidades de combate
de origem zakharoviana que envolve uma bastante reais.
pessoa segurando uma espada cada vez mais Entre outros gêneros destaca-se a
baixo, à medida que uma fileira de outras ópera anã feita para ser ouvida em salões
pessoas passa, inclinando-se debaixo da arma. subterrâneos doheritas; o ka-ke-ki, um
A espada não costuma ter fio, mas acidentes teatro de fantoches e sombras nascido em
não são incomuns, devido ao ambiente ébrio Nitamu-ra; os estilos de luta gladiatorial
onde a brincadeira se desenrola. dos ludus tapistanos; a tradição circense
A magia não está ausente das danças frathiannate, e o hutsafi ubaneri, re-
populares. Muito praticada por comunida- presentado em deslumbrantes mageões
des campesinas tem sido a salva-sereia, ou com a participação de elementais no
salva, criada por uma das primeiras sereias elenco de intérpretes.

Vida em Arton
457
Pena & Pincel reinos do sul, estas últimas particularmente popula-
res em Bielefeld.
Afrescos, gravuras, quadros… Muitas são as formas Entre os camponeses é muito popular a ficção
que a arte pictórica encontra de representar o mundo. palimpsesta, na qual escribas costumam registrar em
Arton tem uma paleta de cores interminável que vai um pergaminho os feitos de heróis que passaram pelo
de tintas terrosas — e proibidas — feitas de múmias lugar. Como pergaminhos são raros no interior, não
roubadas de suas tumbas até pigmentos élficos, que é incomum que leitores tomem a liberdade de raspar
congelam em si matizes encontrados na natureza em e completar as partes mais apagadas com sua própria
horários específicos, como o verdazul allavir. “edição” da história, ou que nasçam continuações
apócrifas, para atender à demanda por novas aventuras
O estilo mais difundido é o régio, nascido dos
de um grupo que jamais voltou ao lugar!
pintores da corte que eram chamados para retratar
regentes e suas famílias, ou para capturar imagens O advento da prensa, embora restrito a poucas
paisagísticas de seus domínios. A maestria deste estilo capitais e capitaneado por engenhoqueiros goblins,
exige uma habilidade maior do que a de um mero tem ajudado a popularizar a literatura de consumo
retratista: para não ferir o ego de soberanos, é preciso nas metrópoles. Entre estas se destaca a literatura
“melhorar” a realidade — mas, ao mesmo tempo, sem de cobrel, caracterizada por histórias hiperdramáti-
exagerar ao ponto de causar estranhamento. Outro cas impressas em uma única página de papel barato
estilo clássico é o sobrenaturalismo, inspirado pela (frente e verso), assim chamada porque alguns de seus
pintura élfica, que incorporou tintas mágicas e efeitos primeiros e mais célebres expoentes tinham como
arcanos aos quadros, criando efeitos, perspectivas, vilões os cultistas de Sszzaas. Também a portulana,
luzes e sombras impossíveis na pintura mundana. muito em voga e dedicada a circular livretos com as
biografias exageradas de capitães piratas.
Em tempos recentes, muitos jovens têm sido
seduzidos pelo movimento pré-tempestuoso, ca- Não poderia se deixar de falar aqui da vanguarda,
racterizado por sua depicção de cenários campestres atuante tanto nas artes do pincel quanto da pena,
com fadas e sátiros brincalhões, em que modelos são conhecida como o movimento grigoriano — assim
eleitos como “musas” pelos artistas. Em geral, as obras chamado em referência a um pintor da cidade de
são ambientadas em versões idealizadas de tempos Ridembarr que teria sido um dos primeiros a repre-
históricos nos quais ainda não se conhecia a Tormenta. sentar criaturas da Tormenta, ou ter sido inspirado
por elas. Muitos artistas lefou marginalizados e outros
Mas nem só com imagens os artonianos retratam tocados pela loucura da Tempestade Rubra encontram
o mundo. Bersados na escrita, também o fazem em neste movimento sua forma de expressão. Na pintura
palavras. Se a poesia anda de mãos dadas com a música, é um estilo abstrato, enérgico e transgressor, com
a literatura nasceu casada com a arte da caligrafia e pinceladas largas, favorecendo cores quentes,
da iluminura. Não poderia ser diferente, em especial o vermelho. Às vezes, se apossa
uma vez que os primeiros cronistas eram da própria moldura do quadro, convertendo-a
também escribas e copistas, advindos em uma extensão da obra.
do clero do Conhecimento.
Seus artistas são conhecidos como ne-
De tradição milenar ainda vigoro- felibatas e, na literatura, dedicam
samente ativa desponta a escola lite- experimentos de linguagem que in-
rária sacro-bárdica, que se destina corporam escrita espontânea e fluxo
a coletar sagas envolvendo divinda- de consciência, às vezes regados a
des, regentes e figuras heroicas, tra- álcool e achbuld, que tentam emular
duzindo-as da forma poética dos a “linguagem” lefeu. Considerada
bardos para a prosa. Como desen- pela aristocracia uma arte maldita, e
volvimentos desta estão o ciclo duramente reprimida, os nefelibatas
roramariano — composto por adotam basicamente qualquer meio
gerações de cronistas que se de- de publicação disponível,
dicaram a registrar as proezas desde pôsteres produzidos
e tragédias dos descendentes em prensas clandestinas,
de Roramar Pruss, o Rei Pro- excentricamente ilustrados e
feta — e as gestas de Lam- colados em muros, até escrita com
nor, que versam sobre os ca- sangue e outros fluidos corporais em
valeiros e reis dos antigos muralhas de castelos e paredes de masmorras.

Capítulo Cinco
458
Canto & Melodia menos notórios têm o hábito de manter consigo uma
cópia de seus próprios cartazes de procurados para usar
Embora entre os nobres a música seja algo para como prova de seu status. É possível “chamar a prova”
ser apreciado em recepções ou bailes, com bardos e comparar cartazes com o rival, mas é uma grande
contratados a peso de ouro, entre o povo de Arton as gafe e sinal de inexperiência quando alguém “chama a
canções se manifestam espontaneamente. A música prova” e se descobre menos notável que seu adversário.
surge entre camponeses atrás de alegria — ou entre
aventureiros em busca de inspiração. O Cantor
A procedência das letras raramente é rastreável e de Callistia
sua consistência é inexistente: os versos vão passando Este instrumento de aparência estranha surgiu
de boca em boca, de cidade em cidade, até se trans- em Namalkah, perto da fronteira com Callistia. Foi
formarem. Dada a semelhança entre temas, diz-se por criado por ginetes que precisavam de um instrumento
exemplo que Sir Forthum, cantada em Aslothia com adequado a seu estilo de vida em constante movimento.
o intuito de demolir a reputação de cavaleiros da Luz,
Precisava ser leve, resistente e simples de usar — e
teve como raiz A Velha da Taverna, muito popular em
deveria poder ser tocado sem impedir o músico de
Deheon e no oeste do Reinado, ainda que as letras
cantar ao mesmo tempo.
sejam completamente diferentes.
O cantor de Callistia é composto por dois tubos
Nas estradas de barro, nos pisos sujos de madeira
paralelos que conectam dois reservatórios de água, um
e nas cavernas estreitas, a música surge sempre que
de cada lado — e, para instrumentos de duas mãos,
a felicidade, o medo e a dúvida preenchem o coração
um terceiro no meio. O músico inclina o instrumento
dos artonianos.
de um lado para o outro enquanto usa os dedos para
digitar as notas, de maneira similar a uma flauta. A
Poesia bucaneira água dos reservatórios de um cantor de Callistia pode
A cultura musical naval herdou muito das can- ser alterada para mudar a afinação ou removida para
ções bárdicas das cortes do Reinado, talvez porque os que o instrumento fique mais leve para transporte.
primeiros piratas carregavam alguma raiz nobre ou O músico pode optar por usar um instrumento
algum desejo de nobreza. Nos últimos tempos, porém, em cada mão, no caso dos cantores de Callistia mais
os piratas independentes têm inovado, trazendo uma agudos, ou uma versão maior e mais grave, que usa as
nova influência rítmica — algo esperado quando se duas mãos ao mesmo tempo. O instrumento produz
passa a maior parte da vida numa embarcação que um som semelhante ao canto de um pássaro, o que
balança como um pêndulo. Assim, aprenderam a usar lhe rendeu o nome. Tradicionalmente é tocado por
esse ritmo internalizado como ferramenta artística e artistas que cantam junto com a melodia do objeto.
desafiam uns aos outros em disputas de ritmo e poesia Por isso, um músico que toca um cantor de Callistia
improvisada. Bardos de bordo criam a sonoridade de é também chamado assim.
fundo, utilizando na maior parte do tempo percussões
vocais e batuques improvisados, enquanto dois ou mais É curioso que o povo de Namalkah, com sua
bucaneiros tentam superar as rimas um do outro. rivalidade antiga com os callistienses, mantenha um
instrumento tradicional com esse nome. Contudo, os
As poesias podem ser sobre quaisquer assuntos, namalkahnianos respondem dizendo que a única coisa
desde a dificuldade da vida no mar até os feitos de boa que tem a ver com Callistia veio de Namalkah…
uma tripulação, e os participantes seguem adicionando
estrofes e introduzindo argumentos até que um deles
perca o ritmo ou não consiga rimar. É comum que cada As Cornamusas
navio possua “temas” específicos e frases de efeito de Doherimm
que todos os marujos conhecem. Quando o pirata Gaitas de foles surgiram em muitas regiões
que lidera a poesia naquele momento evoca o tema diferentes, geralmente associadas a comunidades
através de sua rima, o coro de sua tripulação responde pastoris. Mas, mesmo quando a cultura toma outro
ao chamado, em evidência de sua união. rumo, o instrumento pode permanecer como parte da
Por mais que pareça algo caótico, existem regras e produção musical. Quando os anões se recolheram aos
etiquetas que regem tais competições. Por tradição, o subterrâneos, levaram consigo um instrumento de
pirata de maior reputação decide a ordem da disputa, sopro com um reservatório de ar feito de pele animal,
podendo escolher entre introduzir o assunto com rimas capaz de produzir música mesmo quando o artista
fortes ou estudar a retórica do adversário antes. Piratas precisa parar para respirar.

Vida em Arton
459
Músicas de Arton: Com o tempo, os anões perceberam que sons
A Velha da Taverna agudos não se propagavam tão bem nas cavernas de
seu reino. Sons graves e retumbantes eram preferíveis
Voltei de uma empreitada com a barriga roncando naquele ambiente sólido. Como existem hoje, as corna-
O cavalo cansado e minha boca espumando musas de Doherimm possuem roncões imensos, que
Achei uma taverna escura e suja pra valer sobem pelas costas do músico numa curva e repousam
em seus ombros. As cornamusas têm de um a quatro
Mas dane-se a limpeza o que eu queria era comer!
roncos, cada um emitindo uma nota contínua enquanto
Mas dane-se a limpeza o que eu queria era comer!
o artista produz a melodia pelo ponteiro.

Pedi carne, queijo, frutas e um prato de manjar O instrumento é grande, feito para anões robustos,
Dois odres de vinho e uma cerveja pra encerrar e precisa ser “vestido” para poder ser tocado confor-
Comi como um nobre, como um conselheiro! tavelmente. Soldados que tocam as cornamusas em
Mas na minha algibeira não tinha dinheiro! batalha ficam vulneráveis, incapazes de se defender,
mas gozam de grande prestígio por sua coragem. O
Mas na minha algibeira não tinha dinheiro!
som das cornamusas de Doherimm é capaz de provocar
medo em qualquer inimigo do povo anão.
Precisava dar um jeito (vejam só que situação!)
E com voz raivosa e alta reclamei pra multidão
“A comida tava horrível, o cheiro podre, de amargar! A Irmandade
Quem vendeu essa porcaria não merece um tibar! da Onda Senoidal
Quem vendeu essa porcaria não merece um tibar!” Esta organização de nome pomposo surgiu nos
laboratórios da Academia Arcana, formada por estu-
Limpei a boca suja com ar de indignação dantes com aptidões musicais (e muito tempo livre).
Afastei a cadeira e levantei de supetão São pessoas que acreditam existir potencial mágico na
Achei que o meu plano tinha me livrado o couro exploração sonora e que o progresso da ciência precisa
Mas uma voz gritou “Mas olhe lá que desaforo!” impulsionar a arte. Os autodenominados Bardos da
Mas uma voz gritou “Mas olhe lá que desaforo!” Onda Senoidal utilizam artefatos que manipulam as
estruturas físicas dos próprios sons. Seu nome vem da
A voz vinha de um canto, de uma coisa esquisita crença de que todo tipo de timbre pode ser alcançado
Uma velha gorda, murcha e com barba de cabrita através de interações entre ondas sonoras fundamentais.
Balançava na cadeira com um copo de cerveja Os Bardos da Onda Senoidal constroem aparatos
E no queixo pontudo tinha uma brotoeja que ninguém mais consegue compreender — nem
E no queixo pontudo tinha uma brotoeja mesmo outros arcanistas. Estes aparelhos se conectam
através de fios coloridos e permitem que o músico
“Ó velha maltrapilha”, disse eu sem nem piscar mude o timbre do instrumento e crie melodias através
“Pegue dois burros mancos e vá com eles pastar! da manipulação de botões cujo funcionamento é conhe-
Sou nobre, tenho posses, venho lá de Malpetrim cido apenas por eles. O instrumento de um Bardo da
Mas não pago por queijo que tem gosto de capim! Onda Senoidal é único e parte do processo de admissão
Mas não pago por queijo que tem gosto de capim!” à irmandade é construir seu próprio equipamento.
Apesar de o processo parecer impressionante, a mú-
A velha abriu a boca e fez então uma careta sica feita pela maior parte dos membros da irmandade
Trançou as pernas tortas e deu uma pirueta é utilizada como som ambiente para auxiliar em seus
Rodou o polegar em volta do botequim estudos. Muitos alunos da Academia Arcana garantem
E o povo da taverna começou a cantar assim que essas obras auxiliam a concentração e o aprendizado.
E o povo da taverna começou a cantar assim…
As Orquestras
A velha da taverna come pão mas não tem dente
A velha da taverna tem um cachorro doente
Dracônicas
Ao longo de séculos utilizando partes de dragões
A velha da taverna tem um olho que não vê
para fabricação de itens, era inevitável que fabricantes de
A velha da taverna jogou praga em você!
instrumentos musicais em Sckharshantallas tentassem
A velha da taverna jogou praga em você! integrar matéria-prima dracônica em suas peças. Des-
cobriu-se que chifres de dragões poderiam ser usados

Capítulo Cinco
460
Músicas de Arton: Descendo a Caverna
Eram três guerreiros Com fome e com medo Um bafo de fogo
De arma na mão Decerto que não Torrado e sem mão
Descendo a caverna Descendo a caverna Descendo a caverna
Caçando o dragão Caçando o dragão Caçando o dragão

Um elfo, um humano A trilha é escura O machado afiado


Um bárbaro anão Ao fundo um trovão Golpe sem perdão
Descendo a caverna Descendo a caverna Descendo a caverna
Caçando o dragão Caçando o dragão Caçando o dragão

O forte, o bravo O arco partido A barba ensopada


O sem coração As tripas no chão Ouro de montão
Descendo a caverna Descendo a caverna Morreu todo mundo
Caçando o dragão Caçando o dragão Só sobrou o anão!

Músicas de Arton: Sir Forthum


Abram alas e caminhos “Onde passo o mal destruo Lá do povo veio o grito
E contemplem sir Forthum Sem restar vilão algum “Ele não é santo nenhum”
Valoroso! Companheiro! A justiça é o que cultuo E puseram a expulsá-lo
O cavaleiro sir Forthum Por Khalmyr, sou sir Forthum!” O infame sir Forthum!

Ameaças se afastam E enquanto ele falava “Que ousadia! Que falácia!


E não teme mago algum De seus louros um a um São palavras de um bebum
Os demônios se arrastam Na comida então cuspia Esta vila sentencio
Poderoso sir Forthum! Tão grosseiro, sir Forthum! À ira de sir Forthum!”

Em visita auspiciosa “Nunca vi pior comida Sem justiça ou clemência


A uma vila bem comum Vou-me embora para o sul Foi ceifando um a um
De armadura bem lustrosa Esta vila não é digna Nenhuma alma foi poupada
Tão garboso sir Forthum! Do bondoso sir Forthum” Do maldito sir Forthum!

“Lutei guerras e batalhas Seu cavalo já cansado Abram alas e caminhos


Sou cavaleiro da Luz Incapaz de esforço algum E contemplem sir Forthum
Rasgo o mal com a minha espada Levou um chute no traseiro Valoroso! Companheiro!
O meu nome é sir Forthum” Tão certeiro, sir Forthum! O cavaleiro sir Forthum

Da taverna vinham prendas “Imprestável, equino mole


Água, vinho e desjejum Besta inútil, brucutu
Vinham queijos, pães e nozes! Se vacilas, não mereces
Se esbaldava sir Forthum! Carregar a sir Forthum!”

na manufatura de instrumentos de sopro, de simples prestígio de uma orquestra que possui instrumentos de
berrantes a rebuscadas cornetas. Cada tipo de dragão chifres dracônicos que compositores locais costumam
gera um som diferente e quanto maior o chifre — e mais acentuar as notas mais graves em suas peças para
antigo o dragão abatido —, mais grave ele é. valorizar sua sonoridade, gerando a impressão de que
Logo o conhecimento se espalhou e, com o tempo, uma calamidade está sempre prestes a acontecer.
a sonoridade de Sckharshantallas evoluiu ao redor do Patrocinar uma banda ou orquestra que utilize esses
som desses aparatos, presente em cantos folclóricos e instrumentos é um símbolo de status, algo que a elite
hinos de louvor ao Dragão-Rei do Fogo. Tamanho é o do reino faz questão de mencionar a cada oportunidade.

Vida em Arton
461
Sabores & Aromas cerâmica e temperado com frutas cítricas comuns na
área e ervas sazonais. Em Khubar, por outro lado, se
Refeições em Arton são um momento de confrater- fazem diversos preparos usando frutas tropicais e frutos
nização, uma oportunidade para estreitar laços, fazer do mar, mas nos dias de festa os khubarianos priorizam
amizades… ou conhecer os inimigos mais de perto. grãos cozidos com leite de coco (fruto abundante na
É diante dos pratos e das taças cheios, em salões de região) e diversos tipos de peixe assado na brasa.
jantar refinados, que são tomadas as maiores decisões Contudo, nem tudo em Arton é comida caseira.
políticas. É diante da carne de caça defumando em uma Com o grande fluxo de aventureiros em Valkaria, por
fogueira improvisada que aquele plano mirabolante exemplo, popularizou-se uma série de restaurantes
para roubar o tesouro de um dragão é traçado. especializados em comidas rápidas. É preciso se ali-
Mais do que combustível para deixar o corpo mentar para explorar o mundo e ninguém está seguro
vivo, a comida é um fator cultural importante e faz em um grupo com um guerreiro anão faminto. As
parte da identidade dos cidadãos do mundo, sejam escolhas disponíveis nesse caso variam. Na capital,
moradores do Reinado, sejam de locais remotos como as batatas de Valkaria são muito populares: ricas em
a inóspita Galrasia. carboidratos e gordura, são capazes de dar a saciedade
necessária para aqueles apressados entre objetivos
distintos. Também há opções mais divertidas e ainda
O que Comem menos saudáveis, como o Castelo do Sabor, para quem
os Artonianos estiver disposto a se arriscar.
Como é esperado, o ato de se alimentar é afetado Em comemorações como casamentos, batizados
pela oferta de ingredientes da região. A grande maioria e aniversários, a refeição se estende aos amigos,
das plantas e animais tem restrições climáticas e geralmente com carne de caça, como cervo ou um
portanto é mais consumida em seus lugares de ori- suculento gorlogg, como prato principal. Como
gem. Em grandes centros, como Valkaria ou Vectora, acompanhamentos, pratos ricos em amido como
ingredientes exóticos são mais comuns, mas em geral nabos, cenouras e batatas assadas junto com a carne,
só se vê insumos produzidos em terras distantes nas ou preparadas separadamente com molho de ervas ou
mesas de nobres ou ricos mercadores. manteiga. Nessas ocasiões festivas é comum que se
Culturas que florescem em locais diferentes convide também o clérigo ou druida local para abençoar
também desenvolvem técnicas diferentes de prepa- o motivo da celebração, seja qual for. No caso de vilas
ro, de acordo com a necessidade. A necessidade de pequenas, as festas envolvem toda a comunidade e
conservação de alimentos de um taverneiro no clima eventuais hóspedes — como grupos de aventureiros.
gélido das Uivantes não é a mesma de um mercador
do Deserto da Perdição. O leite é um bom exemplo: é
mais provável que o primeiro o conserve preparando
A Etiqueta
A hora da refeição não é exclusivamente uma
queijo, que se beneficiaria da maturação lenta, e que
situação festiva, com a boca cheia e as taças e copos
o segundo o faça preparando iogurte, beneficiando-se
sendo abastecidos o tempo todo. A atenção está dividida
do calor. Os temperos usados na comida também
e as defesas estão baixas — momento favorito para que
refletem a cultura onde o prato foi criado, assim como,
sejam feitos atos hostis, discretos ou não. Daí criou-se
em alguns casos, a devoção aos deuses. Há especiarias
a necessidade das regras da boa mesa: apesar de a
típicas, ingredientes e métodos de cozimento preferidos
etiqueta ser variável, algumas regras são prezadas na
por cada divindade e cada local de Arton.
maioria dos locais. Por exemplo, considera-se falta de
educação portar armas à mesa, exceto em Zakharov.
Como Comem Alguns lugares levam essa visão de forma mais extrema:
os Artonianos em Tamu-ra, por exemplo, é visto como honroso que a
refeição seja um momento de paz e, como consequência,
Além das simples possibilidades existem os
costumes. Há várias formas de fazer uma refeição toda a culinária do Império de Jade é construída ao
para muita gente com o amplamente disponível, mas redor de alimentos porcionados, que não precisam
se tornou comum em todo o Reinado que em Leen a ser cortados ou espetados para serem levados à boca.
família se reúna ao redor de uma refeição preferida. Antes de começar a refeição, ahlenienses derra-
Nas aldeias e fazendas, muitas vezes é só nesse dia mam um pouco de sua bebida e a primeira porção da
que se come carne, ou quando um animal é abatido. comida em uma tigela especial, posta ao centro da
O animal costuma ser preparado numa gamela de mesa apenas para isso. Cada cidadão vai responder um

Capítulo Cinco
462
motivo diferente para fazê-lo, desde “para honrar aos
povos originais”, até “para que um demônio não se
Receitas Artonianas
sente à mesa conosco”, mas todos sabem que o hábito Trazemos aqui para aventureiros e curiosos da culi-
se origina do medo de a refeição estar envenenada. nária artoniana três receitas que você pode reproduzir
Existe em Ahlen uma baixela especial, feita com um na sua casa. Os ingredientes não são exatamente os
material preparado com produtos alquímicos, capaz de mesmos — afinal, não temos como garantir produtos
detectar venenos de diversos tipos, sejam mundanos frescos do Reinado em sua casa. Também não vamos
ou mágicos… mas isso só está à disposição dos mais exigir de ninguém que conjure ventos mágicos ou, ainda
pior, faça um teste de resistência para bater claras no
altos nobres, sendo muito usada em banquetes no
braço. Mas prometemos que esses pratos são fiéis ao
Palácio Rishantor.
que você poderia comer em uma taverna em Deheon, ao
Contudo, muito do que é considerado educado ar livre antes de dormir enquanto está viajando em uma
em uma refeição é construção cultural e não necessa- busca ou, ainda, em uma tarde agradável conversando
riamente segue uma lógica. sobre a vida alheia com seu vizinho feérico.
No Reinado, especificamente em Deheon, o mais Para facilitar a vida dos cozinheiros de patamar
usual é que sejam usados talheres de metal, forjados iniciante, usamos “colher grande” para colher de
para o único fim de cortar os alimentos e levá-los sopa e “colher pequena”
à boca. Na mesa com um deheoni, deve-se evitar para colher de
espirrar ou tossir (eles veem isso como mau agouro) sobremesa.
e sorrir mostrando os dentes enquanto come é visto
como falta de educação. Já entre os povos originais
de Tollon o local preferido para as refeições é ao
redor da fogueira, onde são partilhadas histórias dos
feitos e da criação do mundo. Cada conviva deve
participar contando pelo menos uma história, ou
será considerado dissimulado e pouco confiável. Em
algumas comunidades das Montanhas Sanguinárias,
usar algum utensílio, como uma faca, para partir a
carne é uma ofensa gravíssima!

Como se
Cozinha em Arton
Sendo Arton um mundo diverso, os utensílios
culinários podem assumir diversas formas. É comum
usar panelas e assadeiras de metal, cerâmica, pedra,
barro ou até mesmo aproveitar pedaços dos próprios
animais para fazer seu cozimento (ensopados cozidos
dentro do estômago do bode, por exemplo). Facas e
colheres para cozinhar podem ser também de metal
ou pedra, mas não é raro encontrar utensílios de
madeira. Algumas pessoas se especializam em utilizar
poderes arcanos para criar pratos e iguarias que seriam
impossíveis de outra maneira, como delícias geladas
em dias de verão ou bebidas que se mantêm quentes
no mais rigoroso dos invernos. Esses efeitos também
podem ser obtidos através de alquimia. Mais uma vez,
o infame Castelo do Sabor, em Valkaria, é um exemplo
disso com sua “cestinha uivante”. E há até quem
diga ainda que em locais com maior incidência de Sho Manuke:
engenhoqueiros é possível encontrar aparelhos que degustando os
melhores drinques
facilitam muito a vida de quem precisa cortar
que Arton tem
alimentos em pedacinhos minúsculos, retirar a oferecer
suco de frutas ou misturar massa de bolo.

Vida em Arton
463
Efeitos em Jogo Assado Deheoni 6 porções
As famílias de Deheon, das mais humildes às
Macarrão de Caravana. Recebe +2
mais abastadas, gostam de se reunir no dia de Leen
em testes de Fortitude contra marcha
para compartilhar uma refeição com calma. O prato
forçada e em testes contra o perigo
mais tradicional para esses casos é o assado deheoni
complexo jornada pelos ermos. Preço: T$ 5.
que, além de delicioso, é feito em uma série de
Assado Deheoni. Até o fim do dia, você processos que dependem pouco da atenção integral
pode rolar novamente um único teste recém do cozinheiro, permitindo que o dia sem trabalho
realizado (exceto testes de ataque), mas deve seja menos trabalhoso.
ficar com o segundo resultado. Preço: T$ 10.
Buquê de Thantalla. Efeitos que Ingredientes
recuperem seus pontos de mana recuperam • 1 frango inteiro sem miúdos
1 PM a mais. Preço: T$ 150. • Suco de laranja suficiente para marinar o frango
• 1 laranja
• Raspas de 1 laranja
• 1 colher grande de sal
Macarrão • 7 ramos de alecrim
de Caravana 4 porções, Vegano
• 100 g de manteiga
O comércio é parte da civilização, a forma como • Pimenta do reino
muitos povos iniciam suas relações — amistosas ou • 1 ramo de tomilho
não. E na vida dura na estrada é necessário garantir o • 1 colher pequena de páprica picante
que comer, mesmo em locais ermos. Assim surgiu o
macarrão de caravana, uma mistura de hábitos alimen- Modo de Preparo
tares de vários locais, como o macarrão de Tamu-ra Coloque o frango em um recipiente ou saco para
e o azeite sambur. O molho dessa massa aguenta marinadas. Cubra-o com suco de laranja, adicionando
muitos dias de estrada sem estragar, permitindo que os 1 colher grande de sal, pimenta do reino a gosto e
viajantes só esquentem a porção necessária e misturem folhas de cinco ramos de alecrim. Deixe-o marinando
tudo na hora da refeição. Um prato prático e nutritivo na mistura na geladeira por pelo menos 12 horas.
para sustentar o corpo nos longos dias na estrada.
Pré-aqueça o forno a 180 ºC. Retire o frango da
Ingredientes marinada e seque bem a pele com papel toalha. Misture
• 2 colheres grandes de alho em flocos a manteiga em ponto de pomada com 1 colher de chá
• 20 azeitonas pretas de sal, páprica, raspas de laranja e pimenta do reino.
• 2 colheres grandes de alcaparras Insira 1 ramo de tomilho e 1 laranja partida em 4 na
• 2 colheres grandes de salsinha desidratada cavidade do frango. Separe delicadamente com os
• 200 g de tomate seco em óleo, drenado dedos a pele e a carne do peito do frango. Coloque ali a
• 1/2 colher pequena de sal manteiga temperada. Coloque o que sobrar sobre a ave.
• 1 colher pequena de pimenta do reino Asse no forno, calculando 40 minutos por quilo
• 1 colher grande de pimenta calabresa (opcional) de frango. Para se certificar do cozimento, fure a
• 50 ml de azeite de oliva extravirgem articulação da coxa com uma faca. Se não sair sangue,
• 400 g de espaguete está pronto.
Modo de Preparo
Misture o alho, as azeitonas, as alcaparras, a pi- Buquê de
menta calabresa, a salsinha e o tomate no processador, Thantalla 8 Porções, sobremesa
liquidificador ou pilão até virar uma pasta. Acrescente Poucos são os registros de comida no Reino das
sal e pimenta a gosto. Essa base pode ser guardada na Fadas, já que sua cultura e tradição não costumam
geladeira em um pote tampado e preenchido com um compreender a necessidade de alimentação dos
dedo de azeite. Na hora de servir, prepare o macarrão outros seres vivos. Entretanto, existem passagens
e pare o cozimento faltando 2 minutos do apontado da Antologia que citam banquetes feitos “de doces
nas instruções do fabricante. Aqueça uma frigideira e flores”. Se esse prato tem origem feérica ou se é
com um fio de azeite e acrescente a mistura do molho, apenas uma peça pregada por uma fada para convencer
o macarrão drenado e 1 copo da água do cozimento. incautos a comer a decoração do centro de mesa é
Cozinhe por 1 ou 2 minutos, até que forme o molho. um mistério.

Capítulo Cinco
464
Ingredientes saquinhos de chá. Bata até a mistura se tornar um
• 6 ovos com clara e gema separados merengue brilhante de picos duros. Coloque o me-
• 320 g de açúcar de confeiteiro rengue em um tabuleiro coberto com papel-manteiga,
• 200 g de açúcar granulado formando um disco do tamanho de um prato comum.
• 10 saquinhos de chá de hibisco Deixe as bordas mais altas e o centro um pouco
• 1 e ½ colher grande de amido de milho afundado — é onde vai a cobertura na hora de servir.
• 120 ml de suco de limão Asse o merengue por 2 horas. Caso seu forno
• Raspas de 3 limões não chegue à temperatura de 90 ºC, asse à menor
• 100 g de manteiga possível, deixando-o entreaberto segurando a porta
• 1 colher grande de lavanda (opcional) do forno com uma colher de pau. O merengue vai
• Flores comestíveis (opcional) estar pronto quando ficar opaco e seco ao toque,
idealmente sem ganhar cor. Deixe o merengue esfriar
Modo de Preparo totalmente dentro do forno.
Pré-aqueça o forno a 90 ºC ou, caso não chegue Para o creme, misture as raspas de limão, a lavan-
a essa temperatura, à mais baixa possível. Abra 1 da e o açúcar cristal e passe-os pelo processador por 5
saquinho de chá de hibisco e despeje seu conteúdo minutos para aromatizar o açúcar. Coloque o açúcar
em um recipiente com 2 colheres de água fervendo aromatizado, o suco e as gemas em um recipiente
para infusionar. Reserve. e cozinhe-os em banho-maria, batendo sem parar
Bata as claras em neve e, sem parar de bater, com um batedor de arame até que a mistura vire um
acrescente o açúcar de confeiteiro aos poucos. Tome creme homogêneo.
cuidado na hora de separar os ovos — não pode haver Misture a manteiga gelada e picada e bata a mistura
nenhum resquício de gema nas claras. Certifique-se de até que seja incorporada. Deixe gelar.
que os utensílios estão limpos e sem gordura.
Na hora de servir, cubra o espaço da cavidade do
Acrescente o amido e o chá de hibisco infusionado. merengue com o creme, acrescente as flores comes-
Após incorporar, acrescente o conteúdo dos demais tíveis e sirva imediatamente.

Lei & Ordem

Mesmo os maiores sábios de Arton dificilmente adiada, principalmente as constantes objeções do então
lembrariam de todos os códices que já regulamentaram Reino de Yudennach (hoje a Supremacia Purista).
o convívio no Reinado, inspirados em múltiplas ori- Sem essa presença nociva, e com a necessidade dos
gens e culturas, inúmeras vezes modificados entre as nobres signatários de buscar unidade como nunca para
coroações de Reis-Imperadores. Assim, aos estudiosos impedir um esfacelamento total do Reinado, as nego-
da lei, é melhor se ater ao presente. ciações diplomáticas que levaram a estas novíssimas
Após retornar de seu exílio cósmico, a Rainha-Im- leis-mestras foram promulgadas, não sem resistência
peratriz Shivara, em conjunto com os demais regentes de alguns setores da aristocracia.
das Sete Espadas, decidiu que, à luz dos recentes Originalmente, o códice era composto por apenas
eventos pelos quais Arton passou, era necessária uma treze leis, mas com a irredutibilidade da Pondsmânia
nova lei para regular a vida civil. Aliás, nova não é em incluir um 14º artigo, cada um dos outros reinos
exatamente o termo adequado, uma vez que o atual exigiu em troca que a inclusão de uma lei específica,
código estaria em trâmite no Pequeno Conselho e ancorada em sua respectiva cultura, fosse estendida
sendo discutido entre diferentes soberanos desde a ao território da aliança como um todo. Um pedido que
época do Rei-Imperador Philydio, o Tranquilo! mesmo a assertiva Shivara I teria acatado, contrariada
Diversos contratempos e desentendimentos e suspirando, para que as tratativas do acordo não
contribuíram para que a assinatura deste pacto fosse continuassem a se estender por décadas…

Vida em Arton
465
O Vigintílogo 4) Expulsá-los de seu lar. 15) Praticar necromancia sem
autorização expressa de uma guilda
5) Discriminá-los por suas naturezas
Por decreto de sua Majestade regulamentada.
ou habilidades.
Real Imperial Shivara I, ficam 16) Exigir que uma pessoa ateste
proibidas e passíveis de 6) Apropriar-se ou danificar bens de
a veracidade de seu nome — de
punição as seguintes infrações: sua legítima posse.
nascença, de família, de guerra
1) Matar seres sapientes — que em 7) Torturar ou cometer ato de ou quaisquer outros — sendo o
tal condição foram reconhecidos, crueldade contra quaisquer criaturas. entendimento do Reinado que nomes
ou que se enquadrem como tal pela 8) Cometer qualquer um dos atos têm poder arcano intrínseco.
versão mais recente da Lista Lênica acima às almas das criaturas cujos 17) Fabricar ou ostentar réplicas do
—, exceto em legítima defesa ou em corpos estão protegidos por estas leis. machado Zakharin.
ato de heroísmo reconhecido.
9) Quebrar juramentos ou faltar com 18) Insultar a montaria de um ginete
2) Ferir seus corpos — e também a palavra. ou privá-lo dela.
submetê-los à força ou a feitiço sem
10) Recusar pedidos de asilo. 19) Alterar ou danificar de qualquer
que haja expresso consentimento de
forma o brasão de um reino ou casa
sua parte. 11) Cultuar ou invocar nobre.
3) Difamar, caluniar, atentar contra extraplanares malignos, segundo a
forma da lei local. 20) Desacatar um clérigo de Khalmyr
suas honras ou reputações — não se
no legítimo exercício de sua função.
configurando estas ações como tal 12) Praticar ou incentivar a
quando houver justificativa legítima, Tais normas passam a vigorar
escravidão.
na forma da lei local; provas da imediatamente a partir da data de seu
13) Usar e comercializar armas de decreto em todo território do Reinado
veracidade das afirmações, e para
fogo e pólvora sem a posse de uma — salvo a capital, regida por suas
finalidades de sátira, quando bardos
tiverem como alvo alguém de posição carta de corso. próprias e soberanas leis intramuros.
social superior à sua. 14) Negar a existência das fadas. Vida longa à coalizão dos povos!

Uma corte do Reinado:


salão de justiça

Capítulo Cinco
466
A nova contagem de leis fechava em exatas vinte. de um sacerdote, que deve estar disponível para que
Um número auspicioso por ser também o número de o julgamento possa acontecer e, caso haja um devoto
deuses do Panteão, o que foi considerado um sinal de Tanna-Toh presente em um raio de poucas léguas,
divino! Desta maneira, o códice de leis conhecido também tem o direito de solicitar sua presença. Em
como Vigintílogo entrou em vigor. grandes metrópoles, é comum que haja advogados
Uma leitura atenta deste documento revela que ou outros profissionais especializados em defender
ele se atém a regular infrações — limites de comum réus, sem necessariamente pertencer a nenhum clero.
acordo que precisam ser respeitados — em vez de O juiz por sua vez deve levar a votação final do
legislar sobre como cada povo deve viver. Também é júri em conta, mas não tem obrigação de segui-la.
bastante claro que as leis não regulamentam penas Entretanto, se desrespeitá-la em repetidos casos, ou
específicas por desrespeitá-las. Isso é decidido pelo se cometer muitos abusos, pode acabar atraindo a
nobre que tem jurisdição sobre o local onde o crime atenção de um Lorde Justiciar — paladinos de notória
foi cometido. As penas mais comuns são multas ou rigidez e inflexibilidade moral, mas inequivocamente
serviços para infrações leves, tempo no pelourinho forças do bem como todo paladino.
para infrações moderadas e tempo na masmorra e/ Lordes Justiciares têm o poder de dar um voto de
ou exílio para infrações graves. Em casos raros, a não confiança ao julgamento realizado por um juiz e
pena capital pode ser aplicada por nobres severos, levá-lo a julgamento. Caso se comprove má-fé do juiz,
por decapitação, enforcamento ou combate até a todas as suas sentenças passam a ser revistas e ele fica
morte na arena. impossibilitado de presidir novamente um tribunal. A
Esta pessoalidade da lei leva a decisões subjetivas, visão de um desses paladinos viajando em seu cavalo
bastante variadas e nem sempre justas, mas de acordo não chega a ser banal, mas não é raro que grupos de
com os valores históricos e de autodeterminação dos aventureiros cruzem com uma destas figuras, facilmente
territórios do Reinado. Ou, mais cinicamente, como reconhecíveis por suas togas azul-douradas e os imensos
teria colocado Irmã Cicatriz, legisladora do clero de martelos mágicos de madeira que empunham. Dizem
Khalmyr da antiguidade, ao aceitar com serenidade a que madeira de boa qualidade seria chamada “de lei”
pena que a condenava enquanto herege: “Engana-se pelo fato de ser utilizada pelos Lordes Justiciares.
quem pensa que a lei tem algo a ver com justiça. A Em casos em que o júri não chega a um consenso,
ordem prescinde de qualquer justificativa”. ou o juiz discorda da decisão do júri, um réu pode
invocar seu direito à prática do ordálio, deixando que
Juízes & Julgamentos os próprios deuses resolvam o impasse! O ordálio mais
Cabe aos nobres o papel de fazer cumprir as leis. comum é o julgamento por combate, mas existem
Mas não é incomum, principalmente entre os de outras provas, dependendo da região.
maior título, o hábito de delegar este papel de juízes Há alguns anos, ainda havia a diferenciação entre
a sacerdotes de Khalmyr que tenham sido ordenados julgamentos civis e militares, mas isso foi dissolvido.
e estejam na devida posse de seus poderes divinos. A única exceção cabe aos condestáveis do Exército do
Clérigos do Deus da Justiça também são responsáveis Reinado, cuja patente tem equivalência jurídica ao título
por viajar por territórios ermos ou remotos, levando nobiliárquico de marquês. Não recebem um domínio
as leis onde não há autoridade formal presente. atrelado a essa honraria, mas têm jurisdição sobre seus
Os tribunais em Arton, apesar de prezar por ordem respectivos Escudos. Normalmente, assim como outros
e justiça, têm seus toques de caos. Em certas situações, membros da nobreza, deixam a um clérigo da Justiça
apesar da presunção de inocência, na prática, o júri já o papel de juiz, mas podem reivindicar o trabalho para
começa considerando o réu como culpado, e a defesa si. Costumam fazer isso especialmente em casos que
que se vire para provar o contrário! envolvam os próprios soldados em crimes de guerra.

A defesa e a acusação cabem aos clérigos. Em Tais julgamentos quase sempre são monitorados
uma cláusula pouco divulgada, estes papéis podem, por um Lorde Justiciar, mas essa vigilância externa
teoricamente, ser desempenhados por qualquer clérigo é mera precaução — para um condestável, crimes
de qualquer divindade, desde que este seja capaz de cometidos por suas tropas afetam diretamente sua
usar seus poderes. Ambos os lados se digladiam honra e reputação pessoal, bem como aquela de todos
em debates acalorados, dramáticos e repletos de sob o seu comando.
reviravoltas, que beiram uma apresentação teatral, Na verdade, já houve relatos de Lordes Justiciares
tentando seduzir os jurados para o seu lado. Cada precisando intervir para que as penas administradas
cidadão do Reinado tem direito à defesa qualificada pelos condestáveis não fossem severas demais!

Vida em Arton
467
Vida de aventureiro
As histórias de heroísmo falam das grandes vitórias essa força fundamental é também um dos maiores
e derrotas, recompensas e sacrifícios, descobertas e incômodos da vida de aventuras. Quase todos estão
traições da vida dos aventureiros. Mas poucas falam acostumados, até aquele momento, a conviver com
sobre como é o cotidiano desses tipos. Pergunte a pessoas semelhantes a eles mesmos: o cavaleiro estava
qualquer veterano e você receberá uma resposta pare- num castelo, a bárbara estava em sua tribo, o inventor
cida: a vida de aventuras é feita de grandes períodos de era um aprendiz num laboratório, a maga estudava na
tédio, pontuados por momentos de maravilhamento ou Academia Arcana… Subitamente, essas pessoas vão
horror. É uma vida passada ao lado de seus melhores passar o tempo todo juntas, geralmente sem nenhum
amigos, mas também das pessoas mais irritantes que se contato com quem tem experiências parecidas! Não é
pode conhecer. É a realização de seus maiores sonhos, apenas questão de teimosia ou manias… A sensação
a vivência de experiências que a maior parte do povo de que ninguém entende exatamente pelo que você
nem consegue imaginar… e a percepção de que esses passou pode ser desesperadora.
sonhos e experiências têm seus lados decepcionantes.
Assim, grupos de aventureiros precisam achar
Ao sair para o mundo, um aventureiro novato se pontos de conexão em seus objetivos, em suas índoles
enquadra em uma de duas categorias: ou é alguém ou nas primeiras experiências que passam juntos.
totalmente despreparado para a vida de aventuras, ou se Não importa que uma clériga de Khalmyr ajude seus
preparou e precisa cuidar dos companheiros indefesos. companheiros “porque é certo”: sem um sentimento de
Muitas vezes quem acha que está preparado na verdade ligação com eles, sua vida será simplesmente insupor-
é o mais dependente: embora saber lutar e lançar tável e, mais cedo ou mais tarde, ela vai desistir — ou
magias seja muito útil numa masmorra, a maior parte até mesmo questionar sua fé.
do cotidiano exige tarefas como cozinhar, costurar,
Contudo, uma vez que o novato ache o grupo
ler mapas, preparar fogueiras e, a habilidade mais
certo, confie em seus colegas e aprenda a conviver com
importante de todas, saber lidar com personalidades
suas visões de mundo diferentes, a conexão que se
diferentes. Muitos heróis iniciantes têm sua primeira
forma entre eles pode ser maior do que qualquer outra.
grande dose de realidade quando veem o cavaleiro
Passando por muitas experiências juntos, visitando
galante ou a bárbara orgulhosa humildemente pedindo
vários lugares e sem contato constante com mais
ao inventor para consertar seus sapatos. No dia a dia, o
ninguém, companheiros de grupo têm a impressão de
que foi aprendido na vida anterior de cada um, quando
que passaram muito mais tempo uns com os outros do
eram artesãos, fazendeiros ou mercadores, é mais útil
que se passou na realidade. Seis meses num grupo são
do que suas respectivas especialidades aventurescas.
suficientes para formar ligações íntimas e inquebráveis,
Mas mesmo antes disso todo aventureiro tem uma equivalentes a anos em situações normais.
escolha crucial: seu grupo.
Por falar em “ligações íntimas”… Todo aventureiro
Dizem que os deuses, em especial Valkaria, garan- conhece o melhor e o pior de seus companheiros, em
tem que coincidências e circunstâncias fortuitas juntem todos os sentidos. Com mais de alguns meses juntos,
grupos de futuros heróis valorosos. Mas vale lembrar todos já se viram sofrendo problemas estomacais, ron-
que só ficamos sabendo dos casos de sucesso! Muitos cando, ficando doentes, tendo alergias, passando algum
grupos se separam pelo caminho ou apenas são tão tipo de vergonha… Quase todos terão visto uns aos
incompatíveis que fracassam logo na primeira missão. outros com pouca ou nenhuma roupa, simplesmente
Um aventureiro iniciante precisa ter cuidado ao unir pelas realidades da vida na estrada. Todo aventureiro
seu destino ao de estranhos completos. Afinal, a maior precisa se trocar no acampamento ou mesmo tomar
parte das buscas vai levá-los para o meio do nada. Ao banho enquanto alguém monta guarda. Em geral, logo
se juntar a um grupo, um aventureiro iniciante está se formam relações típicas de famílias, em que vários
essencialmente confiando sua vida àquelas pessoas. pudores são deixados de lado. Clérigos em especial
Um grupo de aventureiros bem-sucedido é ver- passam a ver os corpos de seus colegas com total
sátil — o que significa que exige pessoas de vários naturalidade, já que precisam tocá-los e ter acesso a
históricos, raças e especialidades diferentes. Contudo, diferentes partes para curar seus ferimentos.

Capítulo Cinco
468
A maior parte dos grupos vive na estrada, sem Essas dificuldades podem deixar qualquer um es-
uma “casa” fixa. Isso abre mais possibilidades de gotado e de mau humor. Assim, grupos de aventureiros
aventuras, mas cria uma sensação de insegurança têm o hábito de não guardar segredos dos colegas:
e isolamento. Tudo que esses aventureiros possuem falam o que está entalado em sua garganta o mais
está em sua mochila ou, no máximo, nos alforjes de rápido possível, esclarecem as coisas e se esforçam
seu cavalo. Possuem uma ou duas mudas de roupa, para manter o vínculo de lealdade. Sem isso, uma unha
talvez um segundo par de sapatos, um cobertor… encravada pode levar à irritação que vai fazer alguém
Caso seu equipamento caia num rio ou seja levado ignorar um companheiro e, sem querer, permitir que
por bandidos, é o equivalente a um fazendeiro perder o grupo seja emboscado por gnolls.
sua casa, sua lavoura, seus animais e todos os seus Também é inquietante não saber de onde virá o
objetos de uma vez só! próximo pagamento — e precisar gastar boa parte de
A falta de uma casa faz com que aventureiros não seu ouro em equipamentos para ser capaz de ganhar
mais ouro depois. Até que conquistem fama e pres-
tenham um cotidiano fixo. Assim, é impossível saber
tígio, aventureiros estão sempre à beira da falência,
quando vai haver a próxima oportunidade de lavar rou-
sempre incertos se conseguirão comer semana que
pa ou mesmo comer comida quente. O cheiro caracte-
vem, sempre lamentando cada tibar gasto em flechas
rístico de vestimentas e equipamentos
que serão usadas para ganhar tibares que
usados de novo e de
serão gastos para comprar flechas que…
novo, sem aces-
so a sabão, vai Com todas essas dificuldades, resta
se acumulando. a pergunta: por que ser um aventureiro?
Comer rações de via- E a resposta é ao mesmo tempo simples e
gem todos os dias insondável. Quem tem essa dúvida não nasceu
prejudica muito a para a vida de aventuras. Um aventureiro típico
qualidade de vida, ficaria insatisfeito fazendo qualquer outra
a ponto de mesmo coisa. São pessoas mais do que dispostas
aventureiros famintos a arriscar tudo — precisam arriscar tudo,
às vezes sentirem enjoo ou viverão infelizes, imaginando o que
ao engolir a mesma refeição poderia ter sido. Aventureiros vivem
seca, fria e improvisada que alegrias maiores, tragédias mais pro-
comem há semanas. fundas, amizades mais próximas, ódios
mais ardentes, perigos mais atrozes e
Aventureiros sempre es- vitórias mais doces do que qualquer
tão sentindo alguma dor. pessoa em Arton.
Mesmo com curas mági-
Ou ao menos isso é o que
cas, a vida de lutas castiga
dizem para si mesmos,
o corpo e dormir no chão
enquanto se preocu-
não ajuda em nada. Joelhos,
pam com a urtiga
costas, costelas, pescoços e
logo à frente, o es-
outras partes estão sempre
tômago roncan-
incomodando. Uma luta de do, a túnica ras-
vida ou morte é suficiente gada, o cansaço
para deixar uma pessoa co- da viagem, as
mum “de molho” por um dores do últi-
mês ou mais, mas certos mo combate
grupos passam por mais de e as arengas
uma dessas por dia! Além dis- de seus que-
so, viajar pelos ermos é sempre di- ridos compa-
fícil: florestas e planícies não são planas nheiros…
como ruas de cidades. O terreno é aci-
dentado, cheio de buracos, pedregulhos
e raízes. É muito fácil torcer o tornozelo — e
Moira Dorcha: especialista em passar
mesmo sem isso, as solas dos pés ardem com o sufoco na floresta, na estrada
esforço das caminhadas constantes. e nas cortes dos nobres de Svalas

Vida em Arton
469
Apêndice
Origens Regionais
O
rigens regionais são relacionadas a um Itens. Arma simples, estandarte da sua tribo.
reino ou região de Arton. Você pode
escolher uma delas (no lugar de sua Anão de Armas Doherimm
origem comum) se for nativo desse Você foi treinado pela Guilda dos Armeiros, tendo
local ou tiver passado os seus anos formativos lá. aprendido a fabricar — e usar — armas anãs.
Diferente das origens do livro básico, que repre- Benefício. Você é treinado em Ofício (armeiro) e
sentam conceitos amplos, origens regionais fornecem recebe +2 em rolagens de dano com armas tradicionais
um benefício único, característico do local ao qual anãs (machados, martelos, marretas e picaretas).
pertencem. Se o benefício incluir treinamento em uma Itens. Arma marcial tradicional anã, instrumentos
perícia na qual você já seja treinado, você pode ser de Ofício (armeiro).
treinado em outra perícia de classe. Para os demais
efeitos, use as mesmas regras de origens. Efeitos de
origens contam como efeitos de habilidades para
Andarilho Ubaneri Ubani
fins de acúmulo. Sonhando um dia ser membro da Patrulha da
Fronteira, você pratica técnicas de lança e escudo e já
conquistou a amizade de um alikunhá.
Agricultor Sambur Sambúrdia
Benefício. Você recebe um alikunhá, um
Você trabalhou nos campos férteis das Repúblicas
parceiro iniciante que não conta em seu limite de
Livres, onde aprendeu muito sobre os animais, a
parceiros (veja o quadro na página 471), e proficiência
natureza e o trabalho duro.
com escudos. Caso já tenha essa proficiência, o bônus
Benefício. Você é treinado em Adestramento e na Defesa que seu escudo fornece aumenta em +1.
Sobrevivência e, uma vez por cena, pode gastar 1 PM
para receber +1d6 em um teste de perícia. Itens. Escudo pesado, lança.

Itens. Ferramenta agrícola (mesmas estatísticas Aprendiz


de uma lança), T$ 100 (um presente de despedida da de Dragoeiro Sckharshantallas
sua família).
Você aprendeu técnicas para enfrentar dragões
tolos a ponto de entrar em Sckharshantallas — o que
Amazona certamente será útil contra outras feras.
de Hippion Deheon, Namalkah
Benefício. Você recebe +2 na Defesa contra
Você é uma das orgulhosas amazonas de Hippion,
criaturas maiores que você e +2 em Reflexos. Além
um dos povos nativos de Arton Norte.
disso, se passar em um teste de Reflexos, seus ataques
Benefício. Você é treinada em Cavalgar e, se contra a fonte do efeito causam +1d8 pontos de dano
não estiver usando armadura pesada, soma seu Carisma até o final da cena.
nos PM, limitado pelo seu nível (apenas após um dia).
Itens. Arma simples ou marcial à sua escolha,
Itens. Arma simples ou marcial, cavalo de guerra. troféu de caça, treckod.

Amoque Púrpura Ermos Púrpuras Aprendiz de Drogadora Galrasia


Raiva compele os golpes de guerreiros por todo o Você era discípula de uma voracis drogadora e
mundo, mas nos Ermos Púrpuras a prática é refinada ao estudou as artes de cura em Galrasia.
limite. Você cresceu entre esses lutadores imprevisíveis. Benefício. Você é treinada em Cura e Ofício
Benefício. Você é treinado em Intimidação e, (alquimista). Como usa partes de seu corpo para
quando está sob efeito de Fúria, Fúria Divina ou Poder fabricar preparados alquímicos e poções, você gasta
Oculto, recebe +2 em rolagens de dano. apenas 1/4 do preço dos itens em matérias-primas.

Apêndice
470
Itens. Bálsamo restaurador x2, poção de curar Alikunhá
ferimentos x2, maleta de medicamentos.
Os elementais que acompanham os
Aristocrata Dai’zenshi Tamu-ra ubaneri são conhecidos como alikunhá.
Cada um desses espíritos é ligado a um
Você faz parte da nobreza tamuraniana, como
elemento e conta como um parceiro
descendente direto de um dos três Grandes Clãs ou
iniciante de um tipo a sua escolha
como vassalo em alguma família samurai. Assim, é
entre os associados ao seu elemento.
visto como um exemplo a ser seguido.
Ar: assassino, perseguidor ou vigilante;
Benefício. Você é treinado em Nobreza. Além água: ajudante, guardião ou médico; fogo:
disso, ao completar um descanso, caso não tenha atirador, combatente ou fortão; terra:
feito nenhum teste de Enganação, Furtividade ou combatente, guardião ou montaria; luz:
Ladinagem desde seu último descanso, você recebe guardião, médico ou vigilante; trevas:
+1 PM temporário para cada dois níveis. assassino, magivocador ou perseguidor.
Itens. Traje da corte, katana superior com uma
melhoria (exceto material especial).
Itens. Lupa (conta como uma ferramenta que
Armeiro Armado Zakharov fornece +1 em Investigação).
Você aprendeu o ofício mais tradicional e respeitado
de Zakharov. Suas armas não são apenas instrumentos Bandoleiro
de combate, mas obras de arte. da Fortaleza Khalifor
Benefício. Você é treinado em Ofício (armeiro) Você cresceu se esgueirando pelos becos de
e pode fabricar armas com uma melhoria. Se aprender Khalifor, vendo o pior que humanos e duyshidakk
a fabricar armas superiores por outra habilidade, têm a oferecer.
gasta apenas 1/4 do preço das melhorias que aplica Benefício. Você é treinado em Furtividade e
em armas. Intimidação, e recebe resistência a medo +5.
Itens. Arma marcial, instrumentos de Ofício Itens. Adaga, gazua, manto camuflado (urbano).
(armeiro).
Barão Arruinado Trebuck
Aspirante a herói Deheon Você estava destinado a se tornar o senhor de um
Você nasceu para ser herói, com potencial para feudo, mas seu título se perdeu. Pelo menos isso o
se tornar protagonista das canções épicas dos bardos. ensinou a lidar com os reveses da vida.
Benefício. Você recebe +1 em um atributo à Benefício. Você é treinado em Nobreza. Sempre
sua escolha. que falha em um teste de perícia e a falha acarreta
Itens. Essência de mana, mochila de aventureiro. uma consequência negativa (gastar uma ação, perder
PV, sofrer um efeito etc.), você recebe +2 em testes
Assistente Forense Salistick da mesma perícia até o final da cena.

Você cresceu em Salistick, onde teve contato com Itens. Anel com símbolo da família (T$ 200),
o que a ciência tem de mais avançado para a detecção títulos de terras expirados (+2 em Diplomacia com
e solução de crimes. Suas capacidades de dedução e nobres e burocratas), traje da corte.
análise se tornaram profundamente aguçadas.
Benefício. Você é treinado em Investigação
Catador da
e pode usar esta perícia para necropsia, identificar
Cidade Velha Nova Malpetrim
itens alquímicos e rastrear (veja as perícias Cura, As ruínas inundadas da Velha Malpetrim guardam
Ofício e Sobrevivência, em Tormenta20). Além disso, riquezas, segredos e incontáveis perigos. Você cresceu
pode identificar criaturas em uma cena de crime vasculhando essas profundezas em busca do almoço
ou equivalente mesmo que elas não estejam mais do dia seguinte.
presentes. Isso funciona como um teste de identificar Benefício. Você é treinado em Fortitude e
criatura, com uma penalidade de –1 para cada dia Percepção e pode gastar 1 PM para receber des-
decorrido. Se passar, além do normal, você identifica locamento de natação igual ao seu deslocamento
a raça da criatura. básico (se já tiver deslocamento de natação, em vez

Origens Regionais
471
Personagens Puristas Cosmopolita Valkaria
Tendo crescido na maior cidade de Arton, você
É possível jogar com um purista? A resposta
já viu de tudo e está preparado para a maior parte.
para essa pergunta é simples:
Benefício. Escolha um poder geral ou de uma
Não!
classe na qual você tenha pelo menos dois níveis, e
Puristas não são uma opção para cujos requisitos você cumpra (exceto poderes conce-
personagens, pois representam uma cultura didos ou da Tormenta). Você recebe esse poder. Uma
de ódio, sendo vilões absolutos. Seu vez por aventura, após concluir um descanso (oito
propósito no jogo é servir como alerta das horas de sono), pode trocar esse poder por outro.
consequências de regimes totalitários —
Itens. Equipamento de viagem, traje de viajante,
além, é claro, de fornecer ao grupo inimigos um item artístico de origem cultural indefinida (½
nos quais bater sem remorso. espaço, T$ 100).
A única maneira de jogar com um nativo
da Supremacia Purista é escolher a origem Cria da Favela Valkaria
Desertor da Supremacia, descrita a seguir. A Favela dos Goblins é um lugar empobrecido e
injustiçado, esquecido pelos governantes de Valkaria.
Essa comunidade o tornou resistente e incansável.
disso ele aumenta em +3m) por uma cena. Esse
Benefício. Você recebe +1 em Constituição e,
deslocamento não permite respirar debaixo d’água
por piores que sejam as condições de descanso, sua
automaticamente, mas dobra o limite de tempo em
recuperação é sempre pelo menos normal.
que você pode segurar sua respiração.
Itens. Andrajos de aldeão, corda, vara de madeira.
Itens. Luneta, luvas de pelica, tranqueiras
resgatadas do mar (2 espaços, valor de venda T$ 100).
Criado pelas Voracis Galrasia
Cativo das Fadas Pondsmânia Ainda jovem, você foi encontrado por um grupo
de voracis em Galrasia. Elas o adotaram e o criaram
Quando era um bebê, você foi levado para a de acordo com suas tradições e valores.
Pondsmânia. Talvez tenha sido trocado por seus
pais em um acordo com uma fada, talvez tenha sido Benefício. Você recebe +2 na Defesa e Sobre-
roubado pelas Cyruthnallach. De qualquer forma, vivência e +3m em seu deslocamento.
sua infância foi permeada de brincadeiras bizarras Itens. Arma simples, armadura leve, lança.
e jogos feéricos.
Benefício. Você recebe resistência a espíritos e De Outro Mundo Éter Divino
magia +2 e +1 PV por nível de personagem. Você veio de outro mundo através do Éter Divino.
Como alternativa, pode ter chegado a Arton por
Itens. Corda, ração de viagem x10, essência de
uma tempestade de areia do Deserto da Perdição,
mana.
via uma viagem planar de Vectora ou por qualquer
outra forma mágica ou maluca.
Competidor
do Circuito Trebuck Benefício. Você possui uma habilidade ou
tecnologia especial de seu mundo de origem. Para
Você percorreu o grande Circuito de Torneios de
representar esse efeito, escolha uma magia de 1º círculo
Trebuck. Pode ter sido parte da equipe de um cavaleiro
e um atributo-chave para ela. Se for uma habilidade,
ou um aspirante a competidor, ansiando por um dia
você pode lançar essa magia. Se for uma tecnologia,
disputar os eventos principais. Sua hora ainda não
você recebe um item Minúsculo (RD 10, PV iguais
chegou, mas enquanto isso você usa o que aprendeu
à metade dos seus) que ocupa 1 espaço e deve ser
em suas aventuras.
empunhado para lançar a magia, mas seu limite de PM
Benefício. Você recebe o poder Torcida. Enquan- para ela aumenta em +2. Por fim, escolha se o efeito
to está sob efeito desse poder, sempre que reduz um será mágico ou mundano (nesse caso, não contará como
inimigo a 0 PV com um ataque corpo a corpo, você uma magia, exceto para fins de acúmulo). O mestre
recupera 1 PM. tem a palavra final sobre qualquer efeito e combinação.
Itens. Arma marcial, T$ 100 (suas economias Itens. Trajes exóticos, um item qualquer de até
para comprar equipamentos de torneio). T$ 100 do seu mundo natal.

Apêndice
472
Tabela: Origens Regionais
Região Origens Região Origens
Academia Arcana Estudante da Academia, Montanhas Uivantes Guardião Glacial
Turista da Academia Moreania Tocado pela Dama Altiva,
Ahlen Descendente Colleniano, Tocado pelo Indomável
Trapaceiro Ahleniense Namalkah Amazona de Hippion,
Aslothia Querido Filho Irmão sem Esporas
Bielefeld Escudeiro da Luz, Nova Malpetrim Catador da Cidade Velha,
Escudeiro Solitário Futura Lenda
Catacumbas de Leverick Prisioneiro das Catacumbas Pondsmânia Cativo das Fadas,
Conflagração do Aço Sucateiro de Batalhas Duplo Feérico
Deheon Amazona de Hippion, Repúblicas Agricultor Sambur,
Aspirante a Herói Livres de Sambúrdia Membro do Principado
Doherimm Anão de Armas Ruínas de Tyrondir Duyshidakk Infiltrado,
Explorador de Ruínas
Ermos Púrpuras Amoque Púrpura,
Estandarte Vivo Salistick Assistente Forense,
Estudante do Colégio Real
Éter Divino De Outro Mundo
Sckharshantallas Aprendiz de Dragoeiro,
Feudos de Trebuck Barão Arruinado,
Rebelde Agitador
Competidor do Circuito
Smokestone Procurado: Vivo ou Morto
Floresta de Tollon Lenhador de Tollon
Supremacia Purista Desertor da Supremacia
Galrasia Aprendiz de Drogadora,
Criado pelas Voracis Svalas Tradicionalista Svalano
Halak-Tûr Nômade Sar-Allan, Tamu-ra Aristocrata Dai’zenshi,
Sábio Matemático Um com os Kami
Império de Tauron Insurgente Tapistano, Três Mares Grumete Pirata
Legionário Triunphus Recruta da Fênix
Khalifor Bandoleiro da Fortaleza Ubani Andarilho Ubaneri,
Khubar Ginete de Tumarkhân, Emissário Ubaneri
Pescador Parrudo, Tamalu Valkaria Cosmopolita, Cria da
Lamnor Filhote da Revoada, Favela, Nitamuraniano
Liricista de Lenórienn, Vectora Receptador das Nuvens
Profeta do Akzath Wynlla Plebeu Arcano,
Montanhas Sanguinárias Iniciado dos Caça-Monstros, Recruta Arcano
Selvagem Sanguinário Zakharov Armeiro Armado,
Nobre Zakharoviano

Descendente Desertor
colleniano Ahlen da Supremacia Supremacia
Você descende do povo de Collen, um antigo reino Você passou pelo treinamento padrão dos batalhões
insular absorvido por Ahlen. Sua linhagem tem olhos puristas e talvez tenha visto de perto as atrocidades
de cores incomuns, com alguns poucos chegando a desses vilões. Seja como for, decidiu que não podia
apresentar poderes mágicos ligados à visão. Você é ficar neutro frente à Supremacia.
um desses poucos. Benefício. Você é treinado em Guerra e recebe
Benefício. Você recebe +2 em Percepção e proficiência com espadas bastardas e escudos. Se
pode lançar a magia Visão Mística. Caso aprenda essa estiver empunhando uma espada bastarda e um escudo
magia novamente, seu custo diminui em –1 PM. e pesado, recebe +2 em testes de ataque.
Itens. Arma simples, estojo de disfarces, ração Itens. Brunea com símbolo purista raspado,
de viagem x5. escudo pesado, espada bastarda, ração de viagem x10.

Origens Regionais
473
Encontrando-se Consigo Mesmo Benefício. Você recebe um alikunhá, um
parceiro iniciante que não conta em seu limite de
Quando um duplo encontra sua versão parceiros (veja o quadro na página 471) e pode usar
original, tem extrema dificuldade em lidar Sabedoria como atributo-chave de Misticismo (em
com o fato de ser uma cópia. Quando isso vez de Inteligência).
ocorre, deve passar em um teste de Vontade
Itens. Essência de mana, mochila de aventureiro.
(CD seu próprio Car). Se falhar, o duplo
entra em um frenesi homicida até o fim da
cena, tendo como único propósito matar
Escudeiro da Luz Bielefeld
sua versão original. Você não serviu a um cavaleiro errante qualquer,
mas a um nobre e honrado cavaleiro da Luz. Ao lado
Caso uma das duas criaturas morra nesse
dele, aprendeu todas as tarefas diárias desse ofício,
encontro, a versão sobrevivente herda
além dos valores da nobreza e da justiça.
todas as lembranças do morto, incluindo
uma de suas perícias treinadas, mas perde Benefício. Você é treinado em Nobreza. Além
permanentemente 1 ponto de Carisma — já disso, recebe +2 na Defesa e +3 PM.
que, para o bem ou para o mal, perdeu uma Itens. Cota de malha ou escudo pesado, enfeite
parte de si para sempre. de elmo com o símbolo da Ordem da Luz.

Escudeiro Solitário Bielefeld


Duplo Feérico Pondsmânia Ninguém sabe, mas você foi escudeiro de um cava-
Em algum lugar de Arton, há alguém igual a você. leiro de Bielefeld… ou cupincha de um trambiqueiro.
Com a mesma aparência, as mesmas capacidades, os Seu mestre era membro dos Cavaleiros Solitários,
mesmos ideais. Talvez isso rendesse uma boa amizade, disposto a todo tipo de subterfúgio, intriga e traição
mas esse alguém veio primeiro. Você é apenas a cópia para ajudar os verdadeiros heróis.
feita por uma fada. Benefício. Você é treinado em Enganação e
Benefício. Escolha uma habilidade de classe Ladinagem e recebe +10 em testes de Enganação para
de 1º nível de uma classe que não seja a sua. Você se disfarçar como cavaleiro da Luz. Além disso, se tiver
recebe essa habilidade e pode usá-la como se tivesse 1 Código de Honra (ou outro semelhante), atacar pelas
nível naquela classe (se escolher a habilidade Magias, costas não faz com que você o viole.
você aprende uma única magia e recebe +1 ponto de Itens. Cota de malha, escudo pesado, enfeite
mana, mas não soma o atributo-chave da habilidade de elmo.
em seu total de PM).
Itens. Essência de mana, marca no corpo ou Estandarte Vivo Ermos Púrpuras
característica física não possuída pela sua versão Muitas tribos dos Ermos Púrpuras acabaram
original. extintas — por guerra, por doença ou pela corrupção
da Tormenta. Sua tribo se foi, mas você permanece,
Duyshidakk Infiltrado Tyrondir uma prova viva de que um dia seu povo existiu.
Você viveu entre o povo do Reinado por muito Benefício. Você recebe +2 em Sobrevivência e
tempo, absorvendo seu modo de vida… mas secreta- um poder de combate ou da Tormenta à sua escolha.
mente devotado a construir O Mundo Como Deve Ser.
Itens. Arma simples ou marcial, gibão de peles,
Benefício. Você recebe +2 em Furtividade e fragmento do estandarte do seu povo (se vestido,
Vontade e pode usar Sabedoria como atributo-chave fornece +1 em testes de Vontade).
de Enganação (em vez de Carisma).
Itens. Arma marcial, peças sobressalentes (T$ Estudante
100 para vender ou construir engenhocas). da Academia Academia Arcana
Você frequentou a Academia Arcana. Pode ou não
Emissário Ubaneri Ubani ter se tornado um arcanista, mas com certeza aprendeu
Você foi preparado para percorrer as terras distan- algo sobre lançar magias.
tes e conhecer mais sobre o mundo além da Savana. Benefício. Você aprende e pode lançar uma
Você nunca fica solitário, pois está acompanhado de magia arcana de 1o círculo a sua escolha (atributo-
um alikunhá, um pequeno pedaço de Ubani. -chave Inteligência). Além disso, pode fazer testes de

Apêndice
474
Misticismo mesmo sem ser treinado nessa perícia. Se Ginete de Tumarkhân Khubar
for treinado, recebe +2 em testes dela.
O povo de Khubar usa o lagarto tumarkhân como
Itens. Coleção de livros (uma qualquer), essência montaria. Você estabeleceu um elo com um desses
de mana x2. animais, que o acompanha em suas jornadas.
Benefício. Você é treinado em Cavalgar e possui
Estudante do um parceiro tumarkhân iniciante, com quem recebe
Colégio Real Salistick +2 em testes de Adestramento e Cavalgar. Se receber
Você teve a oportunidade de estudar no ilus- outra montaria especial (como pelos poderes Montaria
tríssimo Colégio Real de Médicos de Salistick. Seu ou Montaria Sagrada), você pode usar seu tumarkhân
ceticismo e rigor científico o afastam dos deuses e o como essa montaria, acumulando o bônus em perícias
aproximam da compreensão da vida. com os benefícios da montaria especial.
Benefício. Você é treinado em Cura. Além Itens. Bálsamo restaurador, sela.
disso, seus efeitos de cura recuperam +2 PV por
dado. Você perde esse benefício caso se torne um Grumete Pirata Três Mares
devoto de qualquer tipo.
Por paixão, sede de liberdade ou pura necessidade,
Itens. Bálsamo restaurador x3, maleta de você serviu em uma embarcação pirata.
medicamentos. Benefício. Você é treinado em Acrobacia,
Atletismo e Reflexos e, se estiver se equilibrando,
Explorador de Ruínas Tyrondir escalando ou nadando, só cai ou afunda se falhar no
A destruição de Tyrondir atraiu exploradores em teste de perícia por 10 ou mais (em vez de 5 ou mais).
busca de riquezas que possam ter sobrevivido à queda
Itens. Adaga, corda, tatuagem de sua antiga
da Flecha de Fogo. Após um tempo nessa atividade,
tripulação (+1 em Intimidação).
você aprendeu alguns truques úteis.
Benefício. Você recebe +2 em Ladinagem, Guardião Glacial Uivantes
Percepção e Reflexos e +3m em seu deslocamento. As Uivantes são inclementes, mas também pre-
Itens. Mochila de aventureiro, tocha, vara de cisam de seus protetores. Você treinou com eles e
madeira (3m). aprendeu como afugentar intrometidos.
Benefício. Você recebe redução de frio 5 e
Filhote da Revoada Lamnor proficiência em arco longo e machado de batalha.
Você passou grande parte de sua juventude entre Caso já possua proficiência com essas armas, você
a Revoada Carnívora e seus perigosos e fantásticos recebe +2 em rolagens de dano com elas.
engenhos voadores. Você ainda não tem seu próprio
Itens. Casaco longo, cavalo glacial.
veículo, mas aprendeu duras lições entre voos e quedas.
Benefício. Você é treinado em Acrobacia e Pilo- Iniciado
tagem. Quando faz um teste de uma dessas perícias, dos Caça-Monstros Sanguinárias
pode gastar 1 PM para rolar um dado adicional e usar Você foi iniciado na Guilda dos Caça-Monstros.
o melhor resultado. Mesmo que ainda não seja capaz de vencer todas as
Itens. Instrumentos de Ofício (artesão), T$ 100 criaturas, consegue ao menos identificá-las!
(que você está juntando para fabricar seu primeiro Benefício. Você pode fazer testes para identificar
veículo aéreo). criaturas com uma ação de movimento e, quando
acerta um ataque em uma criatura não humanoide,
Futura Lenda Nova Malpetrim pode gastar 1 PM para causar +1d8 pontos de dano.
Você nasceu ouvindo histórias sobre heróis, talvez
Itens. Arma simples ou marcial, gibão de peles.
tenha sido batizado com o nome de um deles e por fim
decidiu fazer a única coisa que tinha sentido: superá-los!
Insurgente
Benefício. Escolha um dos poderes de sua Tapistano Império de Tauron
classe, normalmente disponíveis a partir do 2º nível. O Império de Tauron está ruindo. O Deus da Força
Você recebe esse poder. está morto. Para você, isso ainda não é suficiente.
Itens. Arma simples ou marcial com nome O povo só estará satisfeito quando todos os antigos
pomposo (e nenhuma melhoria), essência de mana x2. generais e escravagistas forem punidos.

Origens Regionais
475
Benefício. Você recebe +1 em Fortitude, Refle- +2 nessa perícia. Além disso, pode usar Carisma como
xos e Vontade. Além disso, recebe +3 pontos de vida atributo-chave de Misticismo (no lugar de Inteligência).
no 1º nível e +1 PV por nível seguinte. Itens. Alaúde élfico, réplica de uma peça artística
Itens. Amuleto com um símbolo da resistência élfica (1 espaço, T$ 50).
reconhecível por outros rebeldes, arma simples.
Membro do Principado Sambúrdia
Irmão sem Esporas Namalkah Você faz parte do Principado Mercante, uma das
Você possui um cavalo que o acompanha desde organizações mais poderosas das Repúblicas Livres.
a infância; vocês cresceram juntos, tornando-se ver- Ainda está longe do topo, mas até mesmo os Príncipes
dadeiros irmãos. Mercantes começaram em algum lugar.
Benefício. Você possui um irmão cavalo, um Benefício. Você é treinado em Diplomacia e
cavalo de guerra parceiro iniciante que fornece +1 em Intuição. Quando chega em uma cidade pela primeira
testes de ataque e Reflexos. Se receber outra montaria vez em cada aventura, pode fazer um teste de Diplo-
especial (como aquela concedida pelos poderes Mon- macia (CD 20). Se passar, recebe 10% de desconto em
taria ou Montaria Sagrada), você pode usar seu irmão todos os itens que comprar neste lugar (cumulativo
cavalo como essa montaria, acumulando o bônus com barganha).
em perícias com os benefícios da montaria especial. Itens. Carroça, mercadorias sortidas (8 espaços,
Itens. Bálsamo restaurador, sela. T$ 400).

Legionário Império de Tauron Nitamuraniano Valkaria


Você serviu nas legiões do Império de Tauron, Você foi criado na maior comunidade tamuraniana
onde aprendeu a usar o equipamento de um legionário. fora do próprio Império de Jade. Seus valores culturais
Agora que seu serviço terminou, você espera usar as misturam as complexas e distintas tradições deheoni
técnicas aprendidas para dar um novo rumo a Tapista. e tamuranianas.
Benefício. Você é treinado em Guerra e recebe Benefício. Você recebe proficiência em katana
proficiência com gládios (veja Ameaças de Arton) e e arco longo. Caso receba proficiência nessas armas
escudos. Se estiver empunhando um gládio e um novamente, recebe +2 em rolagens de dano com elas.
escudo pesado, recebe +1 na margem de ameaça e Além disso, quando falha em um teste de perícia ori-
+1 na Defesa. ginalmente baseada em Sabedoria, você pode gastar 2
Itens. Brunea com símbolo de sua legião, PM para refazer esse teste (apenas uma vez por teste).
escudo pesado, gládio, ração de viagem x10. Itens. Arco longo ou katana, camisa bufante ou
traje de seda.
Lenhador de Tollon Tollon
Você foi criado entre as imponentes árvores da Nobre Zakharoviano Zakharov
Floresta de Tollon, que lhe serviram tanto como casa Você descende de uma das tradicionais famílias de
quanto como fonte de sustento. nobres armeiros zakharovianos. Além do sobrenome,
Benefício. Você é treinado em Ofício (artesão) ostenta com orgulho uma de suas obras-primas.
e recebe +5 em testes de perícias (exceto testes de Benefício. Você é treinado em Ofício (armeiro)
ataque) relacionados a madeira. Além disso, você e recebe uma arma superior com uma melhoria (exceto
recebe proficiência com machadinhas e machados de material especial). Se estiver de posse dessa arma,
batalha; caso já possua proficiência com essas armas, recebe +2 PM por patamar (apenas após um dia).
recebe +2 em rolagens de dano com elas. Itens. Traje da corte.
Itens. Item superior de madeira Tollon.
Nômade
Liricista de Lenórienn Lamnor Sar-Allan Halak-Tûr
Mesmo não tendo vivido o auge do Reino dos Você cresceu entre os sar-allan, aprendendo a
Elfos, você ouviu histórias suficientes para admirá-lo. resistir aos rigores — e aos predadores — do deserto.
Inspirado pelas tradições élficas, você aprendeu a Benefício. Você recebe +2 em Fortitude e
transformar sua magia em arte. Sobrevivência e nas rolagens de dano com alfanges,
Benefício. Você é treinado em Atuação e recebe arcos curtos e cimitarras.

Apêndice
476
Itens. Arma simples ou marcial, corcel do de- Por um Punhado de Tibares
serto ou dromedário (veja Ameaças de Arton), manto
camuflado (deserto). Personagens com a origem Procurado:
Vivo ou Morto são caçados por pistoleiros
Pescador Parrudo Khubar e todo tipo de mercenários. Uma vez por
aventura, a critério do mestre, você e
Desde criança, você pesca nas águas profundas
seu grupo são atacados por caçadores de
de Khubar. Tal atividade deixou seu corpo forte e
recompensa (um encontro de ND igual ou
resistente.
inferior ao do grupo). Cruéis e dispostos a
Benefício. Você recebe +2 em Atletismo, For- qualquer coisa por uma recompensa, esses
titude e Sobrevivência e +3 PV. Além disso, quando caçadores tendem a atacar nos momentos
faz um teste de Atletismo para nadar você avança seu mais inconvenientes…
deslocamento (em vez de apenas a metade).
Itens. Vara de pesca (pode usar Sobrevivência
para sustento), peixes raros salgados para revenda Profeta do Akzath Lamnor
(1 espaço, T$ 50).
Você conhece a verdade sobre o tempo e o destino,
na forma do Akzath. Quem sabe será você a encontrar
Plebeu Arcano Wynlla o novo Ayrrak?
Crescer em Wynlla é estar próximo da magia.
Benefício. Você é treinado em Religião e pode
Esse contato o deixou mais acostumado aos aspectos
lançar magias mesmo sob o efeito de Fúria Divina.
místicos de Arton.
Itens. Arma simples ou marcial, bordão, perga-
Benefício. Você recebe +2 PM. Além disso,
minho com diagrama do Akzath.
uma vez por rodada, quando falha em um teste de
resistência contra um efeito mágico, você pode gastar
1 PM para rolar novamente esse teste.
Querido Filho Aslothia
Você passou parte de sua juventude em Aslothia.
Itens. Bandoleira de poções, gorro de ervas,
Lá, por escolha ou imposição do destino, abraçou a
poção arcana de 1o círculo.
dádiva das trevas.

Prisioneiro Benefício. Você redução de frio e trevas 5 e visão


das Catacumbas Leverick no escuro. Se já possuir visão no escuro, em vez disso
recebe +2 em Percepção.
Você vivia uma vida comum e sem grandes emo-
ções, até ter o azar de abrir a porta errada. Talvez Itens. Essência de sombra, manto camuflado
também tenha sido por mero acaso que você escapou (urbano).
das Catacumbas de Leverick.
Benefício. Você é treinado em Percepção e
Rebelde
Reflexos e recebe resistência a armadilhas e efeitos
Agitador Sckharshantallas
de movimento +5. Sua terra natal, Sckharshantallas, está sob o jugo
permanente de um monstro tirano. Você fez parte de
Itens. Arma marcial encontrada no corpo de grupos rebeldes, mas agora partiu para se aventurar.
alguém que não sobreviveu às Catacumbas. Espera se tornar forte para, um dia, depor o Dragão-Rei.

Procurado: Benefício. Você é treinado em Iniciativa e, uma


Vivo ou Morto Smokestone vez por aventura, pode gastar um dia para convencer
pessoas comuns a ajudá-lo. Faça um teste de Diplomacia
Você é um pistoleiro infame nas cercanias de (CD 10). Se passar, você convence uma pessoa, mais
Smokestone, odiado e caçado por outros durões. uma para cada 10 pontos acima da CD (duas pessoas
Provavelmente foi tudo um engano e você ainda não com resultado 20, três com resultado 30 e assim por
faz jus a esse renome, mas sua cabeça está a prêmio! diante). Cada pessoa pode ser usada como um parceiro
Benefício. Você recebe proficiência com armas de iniciante de um tipo à sua escolha por uma cena. As
fogo. Além disso, recebe +5 em testes de Intimidação pessoas não contam em seu limite de parceiros e ficam
e –5 em testes de Diplomacia contra qualquer um que, com você até serem usadas ou até o fim da aventura.
a critério do mestre, o reconheça e saiba de sua fama. Itens. Arma simples ou marcial, panfleto revolu-
Itens. Pistola, balas cruéis (20). cionário, T$ 6d12 (impostos que você deixou de pagar).

Origens Regionais
477
Receptador das Nuvens Vectora Selvagem
Você cresceu em Vectora, o fabuloso Mercado nas Sanguinário sanguinárias
Nuvens. Andando entre os bazares e becos da cidade, Você nasceu ou foi criado nas Montanhas Sangui-
conheceu diversos mercadores. nárias, um dos lugares mais brutais de Arton, onde
Benefício. Você possui contatos em Vectora aprendeu a sobreviver com base na determinação e
que lhe dão acesso a mercadorias. Se estiver em uma força bruta.
cidade ou outro lugar em que, a critério do mestre, Benefício. Você é treinado em Sobrevivência
possa acessar seus contatos, você pode gastar 1 dia e, se não estiver usando armadura pesada, recebe +1
para obter um aparato mágico: um item de 1 espaço em rolagens de dano com armas e redução de dano 1.
que você (e apenas você) pode empunhar para lançar
Itens. Arma marcial, gibão de peles.
uma magia de 1º círculo (atributo-chave Inteligência),
escolhida ao obter o aparato. Você pode ter até 2
aparatos ao mesmo tempo. Os aparatos não têm
Sucateiro
valor comercial.
de Batalhas Conflagração do Aço
Muitos dizem que a Guerra Artoniana acabou. Não
Itens. Mercadorias raras e variadas (2 espaços, onde você foi criado. Em uma terra onde escaramuças
T$ 300).
são frequentes, você se especializou em pilhar armas
e outros itens abandonados nos campos de batalha.
Recruta Arcano Wynlla
Benefício. Você é treinado em Guerra e Inves-
Você serviu entre os Magos de Batalha de Wynlla.
tigação. Além disso, quando rola na Tabela 8-1:
Agora, livre de suas obrigações cívicas, está pronto
Tesouro por Nível de Desafio (Tormenta20,
para seguir sua vida de aventuras.
p. 328), para cada tipo de tesouro (dinheiro ou item)
Benefício. A CD para resistir a suas magias você pode rolar novamente o resultado.
arcanas aumenta em +1 e elas causam +1 ponto
Itens. Arma simples ou marcial, bálsamo restau-
de dano.
rador, escudo leve ou pesado, essência de mana, ração
Itens. Essência de mana x2, varinha arcana. de viagem x5, T$ 4d6.

Recruta da Fênix Triunphus Tamalu Khubar


Você começou o treinamento para combater a Você nasceu entre os tamalus, a casta política de
Horda Moóck montado em um majestoso grifo. Por Khubar que ostenta tatuagens mágicas mostrando sua
vontade própria ou imposição, você saiu da cidade história. Embora sua saga esteja apenas começando,
antes de completar o treinamento… ou morrer! você já conquistou sua primeira tatuagem.
Benefício. Você recebe +1 PV por nível e Benefício. Você é treinado em Diplomacia e
redução de fogo 5, e é treinado em Cavalgar. Nobreza e recebe uma tatuagem mística à sua escolha.
Itens. Arma marcial, brunea, grifo iniciante. Itens. Traje da corte.

Sábio Tocado pela


Matemático Halak-Tûr Dama Altiva Moreania
Você estudou as complexas equações que os Nascido em Moreania, você foi agraciado pela
sar-allan usam para calcular a formação de portais no própria Mãe Natureza. Você consegue entender as
deserto. Talvez ainda não consiga prever esses eventos vozes da natureza e pode invocar o auxílio dos filhos
tão bem quanto seus mestres, mas sabe usar o poder de Allihanna.
da matemática para resolver diversos problemas.
Benefício. Você é treinado em Adestramento e
Benefício. Você é treinado em Conhecimento. pode gastar 1 minuto e 1 PM para convocar um animal
Além disso, aprende e pode lançar Concentração de Com- Minúsculo a sua escolha, como um falcão ou gato, em
bate e Orientação. Estes efeitos não contam como magias seu auxílio. A criatura convocada fornece +2 nos seus
(exceto para fins de acúmulo) e não são mágicos — eles testes de uma perícia específica, adequada às suas
provêm de sua habilidade de calcular resultados a partir capacidades, e permanece auxiliando-o até o fim da
de uma mistura de geometria, análise de probabilidades cena, quando então retorna para os ermos. Você pode
e outros campos da matemática. ter um número de criaturas convocadas simultâneas
Itens. Coleção de livros, luneta. igual à sua Sabedoria (mínimo de 1). O mestre tem a

Apêndice
478
palavra final sobre quais criaturas estão disponíveis e Tatuagem Mística
em quais perícias elas podem prestar auxílio.
Os tatuadores tamalus de Khubar podem
Itens. Bordão, ração de viagem x5.
criar tatuagens especiais com Ofício
(tatuador). Essas tatuagens podem ter
Tocado pelo um entre três benefícios: +1 na Defesa,
Indomável Moreania
resistência a magia +2 ou a habilidade de
A face oposta da Dama Altiva, o Indomável é uma lançar uma magia de 1o círculo (atributo-
divindade de ferocidade e selvageria. Agraciado com chave Sabedoria). Tatuagens precisam
o poder dos monstros, você tem dificuldade em se estar visíveis para funcionarem e, quando
adequar às normas e restrições da sociedade. expostas, ocupam o espaço de um item
Benefício. Você é treinado em Atletismo e recebe vestido. Cada tatuagem custa T$ 1.000 x
+2 em rolagens de dano com armas naturais e ataques sua quantidade de tatuagens místicas (a
desarmados. primeira custa T$ 1.000, a segunda custa T$
2.000 e assim progressivamente).
Itens. Trapos surrados, carcaça de couro de
algum animal caçado por você (conta como um gibão
de peles).
Um com os Kami Tamu-ra
Tradicionalista Desde muito novo, você vê e ouve seres que não
Svalano Svalas podem ser percebidos pela maioria das pessoas. São os
Svalas é díspar, honrado e livre. Após todos os kami, os espíritos divinos de Tamu-ra. Às vezes estão
registros escritos do reino terem sido destruídos, a enfurecidos; outras vezes, querem pedir sua ajuda. Na
tradição svalana foi passada pela oralidade. Você é o maior parte das ocasiões, apenas acham graça de ser
fruto dessas histórias. percebidos por você e por isso o tratam como amigo.
Benefício. Você pode usar Sabedoria como Benefício. Você pode usar Sabedoria como
atributo-chave de Conhecimento e Nobreza e pode atributo-chave de Misticismo (em vez de Inteligência).
fazer testes dessas perícias mesmo sem treinamento. Além disso, é acompanhado por um kami incorpóreo e
Além disso, recebe +1 em Fortitude e Vontade. invisível. Ele é um parceiro especial, que permite que
você veja criaturas incorpóreas invisíveis e afete criaturas
Itens. Arma simples ou marcial, corda, mochila
com seus ataques e habilidades como se fossem mágicos,
de aventureiro, vara de madeira (3 m).
e não conta em seu limite de parceiros. Além disso, uma
vez por rodada você pode gastar 1 PM para executar
Trapaceiro Ahleniense Ahlen
o equivalente a uma ação de movimento que só pode
Há um ditado em Ahlen: todo dia saem de casa um ser usada para manipular um objeto solto em alcance
malandro e um otário. Você definitivamente aprendeu curto. O kami não pode se afastar além de alcance curto
como não ser o otário. de você. Se for destruído por qualquer efeito, o kami
Benefício. Você recebe +2 em Enganação e desaparece, retornando no início da próxima cena.
Furtividade e pode usar Carisma como atributo-chave Itens. Bálsamo restaurador, essência de mana.
de Ladinagem (em vez de Destreza).
Itens. Essência de sombra, gazua, estojo de
disfarces.

Turista
da Academia Academia Arcana
Você assistiu a algumas aulas na Academia Arcana.
Não se tornou um arcanista, mas aprendeu a lidar com
magias e enjambrar alguns truques!
Benefício. Você recebe resistência a magia +2
e pode ativar pergaminhos de todas as magias arcanas
de 1º círculo como se as conhecesse.
Itens. Três pergaminhos de magias arcanas de
1º círculo à sua escolha.

Origens Regionais
479
Espero que tenha apreciado sua jornada, estudante.
Mas viajar por estas terras é apenas o início.
Volte para as estradas e ermos do mundo, viva
aventuras, forje seu nome entre as lendas de Arton.
E talvez a próxima história que eu escreva seja a sua.
Arton. Terra de reinos grandiosos, mas assolados por monstros. Cidades
magníficas, mas cheias de perigos. Exércitos que defendem a justiça, mas
outros que marcham por dominação. Natureza exuberante, história ancestral...
E a Tormenta.
Atlas de Arton é seu guia absoluto para o maior cenário de fantasia do
Brasil. Testemunhe o início dos reinos no passado distante, na Cidade
Dourada de Nhardmaran, muito antes da queda de Lamnor. Conheça as
Sete Espadas, as nações remanescentes da horrenda Guerra Artoniana.
Viaje pelas estradas, aldeias e capitais do Reinado — e siga adiante,
por territórios de perigo extremo e maravilhas deslumbrantes.
• Cada grande nação descrita em detalhes! História e geografia,
povo e costumes, cidades e lugares importantes.
• Culturas e regiões nunca antes exploradas! A magia
comunitária de Ubani, as facções piratas dos Três Mares,
os guerreiros e sábios de Halak-Tûr e muitos outros.
• Mudanças em Arton! Veja a ascensão de Nova
Malpetrim. A reconstrução de Vectora. A reforma da
Academia Arcana. A revolta de Doherimm.
• As terras mais perigosas! Da Supremacia Purista à nação
necromante de Aslothia, passando pela Conflagração do
Aço, as Catacumbas de Leverick, as Ruínas de Tyrondir,
o Império de Tauron, Sckharshantallas, as Sanguinárias e
outros desafios.
• Vida em Arton! A sociedade artoniana, viagens e estradas,
dinheiro e comércio, arte e cultura, lei e ordem.
• 66 Origens Regionais! Amazona de Hippion, Cativo das
Fadas, Legionário, Liricista de Lenórienn e dezenas de
históricos com benefícios únicos para seus heróis.
Dê o primeiro passo.
Desbrave Arton.

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