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Investigação Detalhada de uma Área Contaminada por Etenos Clorados

Marcelo Braga1; Marina P. Siqueira Brito1; Pedro Aronchi Neto1; Patrícia S. Braga1;
Reginaldo A. Bertolo2

RESUMO
Apresentam-se os resultados de uma investigação detalhada onde foram delimitadas as
plumas de fase livre de tetracloroeteno (PCE) e de fase dissolvida deste composto e de
seus compostos de degradação, num contexto hidrogeológico dos sedimentos da Bacia
de São Paulo. Cerca de 120 furos de sondagem e 66 poços de monitoramento foram
realizados para a delimitação da fase livre e das plumas de fase dissolvida. A fase livre de
PCE foi identificada e totalmente delimitada em três níveis aquíferos intercalados por
camadas argilosas até a profundidade de 25 m. Estas plumas de fase livre ocorrem numa
área que totaliza 248 m2. Plumas de fase dissolvida de PCE e de produtos filhos foram
também delimitadas nos mesmos três níveis aquíferos, com uma extensão máxima de
cerca de 150 m. As condições de atenuação natural dos compostos foram avaliadas com
o programa Biochlor (USEPA, 2000), resultando que as plumas se encontram em
expansão e sob pequenas taxas de biodegradação anaeróbica.

ABSTRACT
The results of a detailed investigation of soil and groundwater contamination by
chlorinated ethenes are presented and discussed. The geological context is the sediments
of São Paulo Basin and the parent contaminant is tetrachoroethene (PCE), which was
observed both as a dense non-aqueous phase liquid (DNAPL) and dissolved in water,
together with its daughter products. Around 118 boreholes and 66 monitoring wells were
accomplished aiming at the delimitation of the DNAPL and dissolved plumes. PCE NAPL
plumes were delimited in three aquifer levels interbedded with clayey layers until the depth
of 25 m. These three DNAPL plumes sum an area of 248 m2. The PCE dissolved plumes,
together with its daughter products plumes, were also delimited in the same aquifer levels,
with a maximum extent of 150 m. The conditions for natural attenuation of the chlorinated
ethenes were assessed with Biochlor (USEPA, 2000), resulting that the plumes are in
continuous expansion under a very low rate of anaerobic biodegradation.

Palavras-chave: Etenos clorados, atenuação natural, fase livre.


1 Essencis Soluções Ambientais S/A. Av. Paulista, 2644, São Paulo, SP. Email mbraga@essencis.com.br; msiqueira@essencis.com.br
2 Instituto de Geociências (IGc-USP). Rua do Lago 562 Cidade Universitária, São Paulo, SP. Email bertolo@igc.usp.br

I Congresso Internacional de Meio Ambiente Subterrâneo 1


1 - INTRODUÇÃO

A determinação mais precisa dos riscos ambientais decorrentes de uma área


contaminada, assim como a eficácia de um sistema de remediação durante a sua etapa
de operação, dependem de maneira fundamental da prévia realização de uma precisa
investigação detalhada da contaminação no solo e na água subterrânea.
Com relação aos riscos ambientais, a realização inexata e imprecisa de uma
investigação detalhada frequentemente resulta em valores superdimensionados ou
subdimensionados dos riscos, desta forma resultando na obtenção de metas de
remediação superdimensionadas ou subdimensionadas. Como consequência, a
remediação destas áreas pode ser mais cara do que o necessário ou ineficaz.
No que se refere à eficácia do sistema de remediação, a execução incompleta da
investigação detalhada pode redundar na escolha equivocada da técnica de remediação
e, mais comumente, no subdimensionamento e posicionamento inadequado do sistema
no subsolo. Não raro, o posicionamento equivocado do sistema de remediação pode
tornar o problema ambiental mais complexo, por conta do possível deslocamento do
centro de massa da contaminação para locais indesejados.
Os procedimentos para a execução de uma investigação detalhada encontram-se
bem definidos pela CETESB no seu Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas
(CETESB, 2001). Em resumo, os procedimentos indicam que se deve determinar o mais
precisamente possível o comportamento espacial dos estratos geológicos em
subsuperfície e os aquíferos impactados, incluindo as suas características de reservação
e fluxo (ou seja, o modelo hidrogeológico conceitual). Adicionalmente, deve-se delimitar
de forma tridimensional todas as áreas fontes e as plumas de contaminação de fase
dissolvida da água subterrânea (ou seja, determina-se o modelo conceitual da
contaminação). Tais determinações são realizadas com base na execução de sondagens
e instalação de poços que possibilitam a coleta de amostras representativas de solo e
água subterrânea para análises químicas dos compostos presentes nestes meios.
Dada a complexidade da tarefa de se determinar os modelos conceituais de fluxo e
da contaminação com a delimitação completa da contaminação nos principais estratos
permeáveis em subsuperfície, é comum acontecer de haver a necessidade de se
proceder a duas ou mais mobilizações de campo para construção de novos poços de
monitoramento. Embora a etapa de investigação detalhada possa aparentemente se
mostrar demorada e dispendiosa, a prática revela que o investimento de esforços nesta

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etapa implica em economias amplamente compensadoras no momento de se colocar em
prática as atividades de remediação.
Este trabalho objetiva apresentar um caso que se encontra em fase de
investigação detalhada pela ESSENCIS, em que se mapeou uma pluma de fase livre de
tetracloroeteno (PCE) e as respectivas plumas de fase dissolvida de PCE e compostos de
degradação, distribuídas em três níveis de um aquífero sedimentar. Um número
considerável de sondagens e poços de monitoramento foi executado para mapear
tridimensionalmente os locais com fase livre e fase dissolvida e julga-se que este caso
seja um bom exemplo de investigação que pode dar sustentação para a instalação
adequada do sistema de remediação. De forma complementar, este trabalho também
objetiva apresentar os resultados de uma avaliação preliminar da possibilidade de
ocorrência de atenuação natural dos contaminantes. Esta avaliação se deu com base nos
resultados prévios das análises químicas de água subterrânea proveniente da rede de
poços de monitoramento existente e na utilização do programa Biochlor (USEPA 2000) e
do protocolo de avaliação de atenuação natural de compostos organoclorados (USEPA
1998).

2 - HISTÓRICO

O trabalho foi desenvolvido em uma antiga área industrial localizada na região


metropolitana de São Paulo contaminada por etenos clorados, sendo o tetracloroeteno
(PCE) o principal composto que gerou a contaminação. Em razão da ocorrência de
alguma taxa de degradação do PCE, entretanto, ocorre no site também a contaminação
por seus subprodutos, como tricloroeteno (TCE), dicloroetenos (DCE) e cloreto de vinila
(CV).
A atividade industrial se utilizou de solventes clorados por mais de 40 anos, sendo
identificada uma área fonte principal de contaminação do solo e da água subterrânea
onde ocorria o processo de desengraxe de peças metálicas (Figura 1A). É certa também
a existência de outras áreas fontes de contaminação menores no site.

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Visando identificar os impactos no solo e na água subterrânea decorrentes destas
atividades foram realizados trabalhos de investigação ambiental na área industrial. Estes
trabalhos tiveram início em meados da década de 90, estendendo-se até o presente.
Desde o início dos trabalhos de investigação foram realizadas 6 mobilizações de equipes
de campo que resultaram na execução de 118 furos de sondagem e na instalação de 66
poços de monitoramento em três diferentes profundidades. Foram instalados 38 poços no
aquífero “raso” (com profundidades variando de 2,5 m a 7,5 m), 15 no aquífero
“intermediário” (com profundidades variando de 8,5 m a 20,0 m) e 13 no aquífero
“profundo” (com profundidades variando de 16,5 m a 28,0 m). Estes poços encontram-se
distribuídos numa área com comprimento que se estende por aproximadamente 200
metros a jusante da principal fonte de contaminação (Figura 1A).

3 – ESTRATIGRAFIA E DELIMITAÇÃO DE FASE LIVRE

A área de estudo situa-se sobre sedimentos terciários da Bacia Sedimentar de São


Paulo e o manto de intemperismo desenvolvido sobre esses sedimentos.
Durante uma das etapas de investigação foi identificada a presença de fase livre
densa (DNAPL) na área fonte principal. Visando a delimitação da fase livre e também a
melhor caracterização estratigráfica dos sedimentos no local, foram realizadas 52
sondagens de solo com equipamento mecanizado hollow stem auger, sendo 08 rasas (até
15,0 metros de profundidade), 04 intermediárias (até 21,0 metros de profundidade) e 40
profundas (até 31,50 metros), conforme localização na Figura 1B. Em todas as
sondagens, ocorreu a amostragem contínua do material de perfuração com a utilização de
liners de polietileno transparentes, de onde foi possível identificar a olho nu a ocorrência
do produto livre móvel ocupando o espaço poroso do material perfurado (Fotografia 1).

Fotografia 1 – Fase livre móvel em amostra de material de perfuração

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Dado que o PCE possui densidade mais elevada que a da água (d=1,62 kg/L),
tomou-se o cuidado para não permitir a migração vertical da fase livre para porções mais
profundas do aquífero durante a execução das tarefas de perfuração. Para tanto, ao final
de cada perfuração, procedeu-se a selagem do furo com a injeção sob pressão de calda
de bentonita a partir da sua base, por dentro do trado oco.
Nas sondagens de reconhecimento realizadas para identificação da fase livre, as
seguintes unidades litológicas foram identificadas:
- Aterro: compostos predominantemente por material argilo-arenoso de coloração
vermelha e marrom;
- Sedimentos argilo-arenosos (Litologia A – LA): compreende uma sequência de
sedimentos argilo-arenosos com variação na proporção argila – areia;
- Sedimentos argilosos (Litologia B – LB): consiste em pacotes de argila plástica e
localmente compacta;
- Sedimentos arenosos a areno-argilosos (Litologia C – LC): consiste em sequência
de sedimentos arenosos de granulometria fina a média, podendo ocorrer ou não
contribuições argilosas;
- Sedimentos argilosos compactos (Litologia D – LD): fechando o pacote
litoestratigráfico identificado na área, ocorrem sedimentos argilosos extremamente
compactos de coloração verde oliva e cinza. Esta camada é atribuída a Formação
Tremembé, típica de ambiente lacustre de deposição, e foi identificada nas profundidades
entre 18,0 e 27,5 m. Esta camada foi perfurada no site por 5 metros e sua base não foi
identificada. A camada ocorre em toda a área do site, estendendo-se continuamente até
pelo menos 200 metros a jusante da área fonte, sendo considerada a superfície de base
do aquífero estudado e confinando os estratos aquíferos subjacentes. A descrição do
perfil geológico de dois poços de abastecimento profundos situados a 400 metros de
distância da área fonte indicam a ocorrência de uma camada de argila compacta cinza
esverdeada em profundidades compatíveis com aquelas observadas no site e com
espessuras variando de 32 a 43 metros.
A Figura 2A apresenta um bloco diagrama representativo da geologia do subsolo
da área onde foi identificada a fase livre. Observa-se que por sobre a camada basal de
argila compacta (LD), ocorre a intercalação de três níveis de sedimentos arenosos a
areno-argilosos (estrato LC) com duas camadas de argila plástica (LB). Essa sequência
compreende os níveis aquíferos determinados como intermediário (dois níveis arenosos
superiores) e profundo (o nível arenoso sobre a camada LD). Ambos os níveis aquíferos
(intermediário e profundo) foram caracterizados como semiconfinados, uma vez que
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apresentam camadas argilosas pouco permeáveis na base e no topo dos pacotes
arenosos. Sobre os sedimentos arenosos do aquífero intermediário, ocorre um espesso
pacote argiloso plástico (LB) que sustenta uma camada de sedimentos argilo-arenosos
(LA) e lentes de sedimentos arenosos (LC), que correspondem ao aquífero raso. A zona
não saturada é composta predominantemente pelo material argilo-arenoso e pela camada
de aterro.
A fase livre móvel foi identificada a olho nu na base dos pacotes arenosos a areno-
argilosos mais permeáveis (camadas LC) e sobre as camadas argilosas menos
permeáveis (LB e LD) (Figura 2A). A espessura média aparente de fase livre nos liners foi
de 0,5 m, com espessura máxima alcançando 2,0 m. As camadas argilosas funcionam
como armadilhas estratigráficas, retardando a migração vertical da fase livre, que se
acumula em bolsões.
A Figura 2B apresenta a distribuição da fase livre em planta nos 3 horizontes mais
permeáveis onde ela foi identificada. Avalia-se que a fase livre móvel distribui-se em
bolsões contínuos de área de 156 m2 e de 70 m2 nos dois níveis do denominado aquífero
intermediário e numa área de 22 m2 no nível aquífero mais profundo. A fase livre não foi
identificada na camada aquífera rasa. A estimativa do volume total de fase livre nos níveis
aquíferos não foi calculada, pois não se realizou até o momento uma avaliação do grau de
saturação do DNAPL nos poros do sedimento.
Chama a atenção o fato do primeiro bolsão de DNAPL ser identificado no primeiro
nível do aquífero intermediário, situado sob a camada contínua de argila homogênea de
aproximadamente 5 metros de espessura (camada LB), ao mesmo tempo em que não se
observa o produto livre na base do aquífero freático (camada LA). Não há até o momento
uma explicação clara que justifique este padrão. Considera-se inesperada, porém, a
ocorrência de contaminação subjacente à camada de argila compacta LD, devido à sua
provável baixa condutividade hidráulica e às suas propriedades geométricas de contínua
extensão horizontal e vertical, conforme descrito acima.

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4 – DELIMITAÇÃO DA FASE DISSOLVIDA

4.1 - Hidrogeologia
A hidrogeologia na área de estudo é caracterizada por um aquífero multicamadas
onde predomina a intercalação de camadas argilosas de baixa permeabilidade e pacotes
arenosos mais permeáveis. A partir da distribuição dos pacotes de sedimentos
identificados na área de estudo e das diferenças de cargas hidráulicas medidas nos poços
de monitoramento multiníveis construídos nas diversas etapas de campo desenvolvidas
no site, foi possível a distinção em subsuperfície de três níveis aquíferos (Figura 2B):
• Aquífero freático (superior), de porosidade primária e caráter livre, é formado
por sedimentos argilo-arenosos e arenosos das camadas LA e LC, limitado em
sua base por um pacote argiloso (LB) de espessura média de 5 metros;
• Aquífero semiconfinado (intermediário), de porosidade primária, é formado
pelos sedimentos arenosos da camada LC. Este aquífero é limitado em seu
topo e base por camadas argilosas de baixa permeabilidade (LB), o que induz a
característica de semiconfinamento.
• Aquífero semiconfinado (profundo), de porosidade primária, é composto por
sedimentos arenosos podendo apresentar contribuição argilosa (LB). Este
aquífero é limitado no topo por camadas argilosas (LA e LB) e na porção basal
é limitado por um espesso pacote argiloso, compacto (LD) que se estende por
toda a área.
As cargas hidráulicas das camadas aquíferas foram obtidas a partir da leitura das
profundidades de níveis d’água nos poços de monitoramento e da cota altimétrica da boca
dos poços. Os mapas potenciométricos resultantes de cada nível aquífero (Figura 3)
indicam que o fluxo preferencial da água subterrânea se dá para leste nos três níveis
aquíferos considerados. As linhas equipotenciais da camada aquífera freática (Figura 3A)
indicam uma maior variação de cargas hidráulicas e a ocorrência de zonas onde há uma
maior densidade destas linhas equipotenciais, provavelmente indicando a ocorrência de
trechos com menor condutividade hidráulica ou menor espessura do aquífero freático. As
camadas aquíferas inferiores (Figuras 3B e 3C) apresentam linhas equipotenciais mais
espaçadas e um menor gradiente hidráulico, indicando uma maior homogeneidade
relativa do material geológico. As camadas aquíferas apresentam potenciais hidráulicos
que decrescem com a profundidade, o que é indicativo da ocorrência de potenciais de
fluxos verticais descendentes da água subterrânea ao longo da área estudada (Figura 2).

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As velocidades dos fluxos advectivos da água subterrânea nas três camadas
aquíferas foram estimadas com base nos valores obtidos de condutividade hidráulica,
gradiente hidráulico e porosidade efetiva e aplicando-se a Lei de Darcy (Tabela 1). Para a
obtenção dos valores de condutividade hidráulica, foram realizados 13 ensaios do tipo bail
test, com a interpretação dos dados segundo o método de Hvorslev. As velocidades
obtidas são compatíveis com os tamanhos e idade das plumas de contaminação.

Tabela 1 – Velocidades de fluxos advectivos da água subterrânea nas três


camadas aquíferas identificadas
Gradiente Porosidade Velocidade
K (cm/s)
hidráulico (%) efetiva (%) (m/ano)
Aquífero raso 5,47 x 10-5 8,8% 7% 21,6
Aquífero intermediário 1,35 x 10-4 5,1% 21% 10,3
Aquífero profundo 2,20 x 10-4 3,0% 21% 9,8

4.2 - Plumas de contaminação


Historicamente os principais compostos detectados na área de estudo são os
cloroetenos, sendo encontrado o tetracloroeteno (PCE) e os seus produtos de
degradação tricloroeteno (TCE), dicloroeteno (DCE) e cloreto de vinila (CV). Através da
compilação dos resultados de análises químicas referentes à última campanha de
amostragem dos poços de monitoramento instalados nos três níveis aquíferos
investigados, foi possível realizar uma boa delimitação horizontal e vertical das plumas de
etenos clorados dissolvidos nas águas subterrâneas.
A Figura 3 apresenta a distribuição das plumas de tetracloroeteno (PCE) nos
aquíferos raso, intermediário e profundo. A Figura 3A apresenta a delimitação do
tetracloroeteno (PCE) no aquífero raso (freático), que tende a ser menos permeável que
os níveis aquíferos subjacentes. Observam-se concentrações na ordem de 14000 µg/L
junto à área fonte principal, concentrações de 6600 µg/L à montante e de 65000 µg/L à
jusante da área fonte principal. As concentrações elevadas observadas à montante e à
jusante da área fonte principal devem relacionar-se a outras áreas fontes além daquela
principal identificada. Apesar de não ter sido observada a presença de fase livre nos
poços de monitoramento deste nível freático, as concentrações obtidas são indicadores
indiretos da sua ocorrência no aquífero por estarem muito acima do limite de 1% de
solubilidade total do PCE (206 mg/L). A área de ocorrência de fase dissolvida de PCE e
dos demais produtos de degradação encontra-se bem delimitada no aquífero freático,

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sendo que os poços de monitoramento situados mais a jusante não apresentam a
detecção dos compostos.
A Figura 3B apresenta a pluma de PCE no aquífero intermediário. Observa-se que
as maiores concentrações encontram-se na área onde foi observada as maiores
quantidades de fase livre, alcançando valores da ordem de 156000 µg/L no centro de
massa da pluma, valor este muito próximo do limite de solubilidade do composto. A
distribuição espacial da pluma neste nível aquífero é mais restrita se comparada com o
aquífero freático, reflexo da menor velocidade do fluxo advectivo da água subterrânea e
possivelmente porque a contaminação neste nível aquífero esteja relacionada a apenas
uma área fonte de contaminação. A borda norte da pluma de contaminação neste nível
aquífero necessita de melhor detalhamento.
A Figura 3C apresenta a pluma de PCE no aquífero profundo (entre profundidades
de 21 e 25 m). As concentrações mais elevadas de PCE encontram-se a jusante do local
onde foi observada fase livre, com valores variando entre 2600 µg/L e 9100 µg/L. A pluma
de contaminação possui área menor que a dos níveis mais rasos, provavelmente devido à
menor velocidade relativa do fluxo advectivo da água subterrânea, e necessita de um
melhor fechamento na sua borda sudeste.
Considerando que as concentrações mais elevadas de PCE estão associadas com
o bolsão de DNAPL mapeado no aquífero intermediário, a Figura 4 apresenta a
distribuição dos compostos etenos clorados filhos, resultantes da degradação do PCE. As
Figuras 4A, 4B e 4C apresentam a distribuição do tricloroeteno (TCE), cis 1,2-dicloroeteno
(DCE) e cloreto de vinila (CV) neste nível aquífero. Nota-se que as concentrações mais
elevadas também se encontram próximas da área fonte de contaminação, mas estas são
expressivamente menores que aquelas observadas para o composto pai. Da mesma
forma, as concentrações do composto filho mais leve tendem a ser menores que o
composto imediatamente degradado. A distribuição em área das plumas de contaminação
apresenta o mesmo padrão identificado para o PCE.

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5 – MODELAÇÕES COM BIOCHLOR

O modelo Biochlor (USEPA, 2000) foi utilizado com a intenção de se realizar uma
avaliação preliminar da possibilidade de ocorrência de atenuação natural dos compostos
etenos clorados nas plumas de fase dissolvida e, complementarmente, verificar se a estas
apresentam sinais de se encontrar em estado estacionário ou em expansão.
A avaliação é considerada preliminar pois o modelo possui uma série de
simplificações. Dentre as principais, destacam-se: (1) o modelo resolve analiticamente a
equação de fluxo e transporte de contaminantes, assumindo condições hidrogeológicas
simplificadas, como homogeneidade e anisotropia e ausência de componentes verticais
de fluxo; e (2) assume-se que a decloração redutiva seja o único processo geoquímico de
degradação dos compostos e que o decaimento seja de primeira ordem. Além das
limitações próprias do modelo, há que se levar em conta que há outras relacionadas com
a investigação, tal como o número limitado de poços de monitoramento com dados de
campo utilizados para calibração do modelo e o número insuficiente de análises no
mesmo ponto de monitoramento, a fim de se obter um valor específico do site para os
coeficientes de decaimento dos compostos.
A Figura 5 apresenta os dados de entrada do modelo, que se relacionam com o
aquífero intermediário, que é o nível aquífero mais permeável e onde há um maior
acúmulo de DNAPL de PCE, além das maiores concentrações dissolvidas do composto
na água subterrânea junto à área fonte de contaminação (na ordem de 150 mg/L).
A área modelada foi construída considerando-se as concentrações da área fonte e
dimensões das plumas de fase dissolvida, que possui extensão menor que 150 m (500
pés). Três poços de monitoramento se encontram na linha de fluxo que se origina na área
fonte. Os dados de campo para calibração do modelo são apresentados na Figura 5.
O fluxo advectivo da água subterrânea foi obtido considerando os dados de campo
de condutividade hidráulica e de níveis d`água da camada aquífera modelada (nível
intermediário). Os valores de dispersividade foram obtidos a partir do método de Xu &
Eckstein (USEPA, 2000). O fator de retardação foi uma variável de calibração do modelo,
tendo sido utilizado um valor que resultou numa pluma de contaminação com
comprimento compatível com aquele observado no campo hoje. Considerou-se, para
tanto, um tempo de simulação fixado em 40 anos, ou seja, a geometria da pluma
observada como resultado do modelo é consequência de uma contaminação que atingiu o
aquífero intermediário há 40 anos atrás, tempo este compatível com o histórico de
utilização de solvente clorado na área de estudo. Apesar de ser uma variável de

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calibração, o valor do fator de retardação utilizado pode ser considerado factível, pois
foram utilizados valores razoáveis e compatíveis de Koc e de foc.

BIOCHLOR Natural Attenuation Decision Support System Data Input Instructions:


Version 2.2 115 1. Enter value directly....or
Excel 2000 Run Name or 2. Calculate by filling in gray
TYPE OF CHLORINATED SOLVENT: Ethenes 5. GENERAL 0.02 cells. Press Enter, then C
Ethanes Simulation Time* 40 (yr) L (To restore formulas, hit "Restore Formulas" button )
1. ADVECTION Modeled Area Width* 500 (ft) W Variable* Data used directly in model.
Seepage Velocity* Vs 32.6 (ft/yr) Modeled Area Length* 500 (ft) Test if
Natural Attenuation
or Zone 1 Length* 500 (ft) Biotransformation
Hydraulic Conductivity K 1.3E-04 (cm/sec) Zone 2 Length* 0 (ft) Zone 2= is Occurring Screening Protocol
Hydraulic Gradient i 0.05 (ft/ft) L - Zone 1
Effective Porosity n 0.2 (-) 6. SOURCE DATA TYPE: Continuous Vertical Plane Source: Determine Source Well
2. DISPERSION Source Options Single Planar Location and Input Solvent Concentrations
Alpha x* 18 (ft) Calc.
(Alpha y) / (Alpha x)* 0.1 (-) Alpha x Source Thickness in Sat. Zone* 7 (ft)
(Alpha z) / (Alpha x)* 1.E-99 (-) Y1
3. ADSORPTION Width* (ft) 100
Retardation Factor* R ks*
or Conc. (mg/L)* C1 (1/yr)
Soil Bulk Density, rho 1.6 (kg/L) PCE 150.0 0
FractionOrganicCarbon, foc 1.0E-2 (-) TCE 0 View of Plume Looking Down
Partition Coefficient Koc DCE 0
PCE 270 (L/kg) 22.60 (-) VC 0 Observed Centerline Conc. at Monitoring Wells
TCE 94 (L/kg) 8.54 (-) ETH 0
DCE 36 (L/kg) 3.84 (-)
VC 19 (L/kg) 2.49 (-) 7. FIELD DATA FOR COMPARISON
ETH 302 (L/kg) 25.16 (-) PCE Conc. (mg/L) 150.0 8.3 .001
Common R (used in model)* = 8.54 TCE Conc. (mg/L) 2.4 .95 .001
4. BIOTRANSFORMATION -1st Order Decay Coefficient* DCE Conc. (mg/L) 5.3 .105 .001
Zone 1 η0 (1/yr) half-life (yrs) Yield VC Conc. (mg/L) 0.5 0.1 .001
PCE TCE 0.030 0.79 ETH Conc. (mg/L)
TCE DCE 0.120 0.74 Distance from Source (ft) 0 250 500
DCE VC 0.390 0.64 Date Data Collected
VC ETH 0.000 0.45 8. CHOOSE TYPE OF OUTPUT TO SEE:
Zone 2 η0 (1/yr) half-life (yrs) Restore
PCE TCE 0.000 η0∀η
RUN ARRAY
Help Formulas
RESET
TCE DCE 0.000 HELP RUN CENTERLINE
DCE VC 0.000 Paste
SEE OUTPUT
VC ETH 0.000 Example

Figura 5 – Dados de entrada do modelo Biochlor

Os valores de coeficiente de decaimento de primeira ordem foram as variáveis de


calibração para que o modelo pudesse apresentar resultados de concentrações
compatíveis com aqueles observados em campo nos dois poços de monitoramento
situados a jusante da fonte de contaminação (poços X e Y – figura 3B). A Figura 6
apresenta os gráficos dos resultados modelados comparados com as concentrações
obtidas nos dois poços de monitoramento de jusante.
Observa-se que o modelo calcula a ocorrência de concentrações dos compostos
filhos apenas nos dois poços situados a jusante da área fonte principal. As elevadas
concentrações relativas de compostos filhos observadas no poço instalado junto à área
fonte podem estar ligadas com a existência de outra área fonte situada à montante ou
mesmo a outra forma de decaimento dos contaminantes que não a decloração redutiva,
como a degradação abiótica e a degradação por cometabolismo aeróbico, que
normalmente são menos expressivas que a primeira forma.
Os coeficientes de decaimento de primeira ordem (λ) obtidos representam a
resposta da avaliação preliminar da possibilidade de ocorrência de atenuação natural dos
compostos etenos clorados na área de estudo. Os valores obtidos são muito baixos,
indicando que a atenuação natural por decloração redutiva deve ocorrer de forma
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insignificante no site. A Tabela 2 apresenta uma comparação dos valores obtidos pelo
modelo com valores conservadores obtidos em literatura (USEPA, 2000) comprovando tal
afirmativa, principalmente com relação à degradação do PCE para TCE. Nota-se que os
valores de λ obtidos em literatura decrescem no sentido de formação do cloreto de vinila,
ao passo que os resultados obtidos com o modelo apresentam comportamento inverso.
Tal comportamento pode estar relacionado com as características hidrogeoquímicas da
área da pluma, que apresenta potencial redox (ORP) indicando ambiente relativamente
oxidante, fato comprovado pelo conteúdo de oxigênio dissolvido detectado (Tabela 3).
Tais condições hidroquímicas são impróprias para a redução dos etenos clorados, mas
relativamente propícias para a oxidação aeróbica das espécies de etenos clorados com
menor quantidade de cloro na estrutura, como o DCE e o VC. Talvez esta seja uma
possível explicação para a obtenção de um valor de λ mais elevado para o DCE no
modelo.

No Degradation/Production Sequential 1st Order Decay Field Data from Site No Degradation/Production Sequential 1st Order Decay Field Data from Site
1000.000 10.000
Concentração (mg/L)
Concentração (mg/L)

100.000
1.000
10.000

1.000 0.100

0.100
0.010
0.010

0.001 0.001
0 100 200 300 400 500 600 0 100 200 300 400 500 600

PCE Distância da área fonte (pés)


TCE Distância da área fonte (pés)
No Degradation/Production Sequential 1st Order Decay Field Data from Site No Degradation/Production Sequential 1st Order Decay Field Data from Site
10.000 1.000
Concentração (mg/L)

Concentração (mg/L)

1.000
0.100

0.100

0.010
0.010

0.001 0.001
0 100 200 300 400 500 600 0 100 200 300 400 500 600

DCE Distância da área fonte (pés)


CVinila Distância da área fonte (pés)

Figura 6 – Comparação das concentrações dos compostos etenos clorados calculadas pelo
modelo (tempo de simulação de 40 anos) com as concentrações medidas em três poços de
monitoramento (dois de jusante).

λ) obtidos pelo
Tabela 2 – Valores de coeficientes de decaimento de primeira ordem (λ
modelo em comparação com valores baixos destes coeficientes obtidos em literatura
λ (ano-1) – Obtidos com o
Decaimento de... para... λ (ano-1) – Obtidos em literatura
modelo
PCE  TCE 0.04 0.80
TCE  DCE 0.12 0.30
DCE  CV 0.40 0.10

I Congresso Internacional de Meio Ambiente Subterrâneo 16


Tabela 3 – Dados hidroquímicos de campo dos poços de monitoramento
Potencial redox O2 dissolvido
pH
(mV) (mg/L)
Poço área fonte + 233 4,1 5,5
Poço meio da pluma + 130 1,9 6,1
Poço borda jusante da pluma - 142 1,2 6,6

Considerando os dados de análises químicas disponíveis até o momento, uma


avaliação preliminar da possibilidade de ocorrência de atenuação natural dos compostos
etenos clorados na área de estudo foi também avaliada pela metodologia da USEPA
(1998), disponível no programa Biochlor. Embora uma série de dados ainda não se
encontre disponível (como análises de ferro bivalente, nitrato, sulfato, carbono orgânico
dissolvido natural e hidrogênio, dentre outros parâmetros), o protocolo da USEPA
confirmou a existência de evidências limitadas da ocorrência de decloração redutiva,
principalmente por conta dos dados de Eh e O2 dissolvido indicarem a ocorrência de um
ambiente não-redutor e, portanto, não propício para esta forma de atenuação natural.
Utilizando-se dos dados de constante de decaimento obtidos, procurou-se avaliar
com o Biochlor se as plumas de contaminação apresentam-se estacionárias ou em
expansão, alterando-se o dado de entrada do modelo de tempo de simulação. Como
resultado, concluiu-se que a pluma encontra-se em expansão, não alcançando um estado
estacionário mesmo com um tempo de simulação da ordem de 1000 anos. Considerando
um período de tempo da ordem de duas gerações a partir do presente (50 anos), há
condições para a pluma se desenvolver e alcançar uma extensão da ordem de 200 m a
partir da área fonte neste período.

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, a condução de sondagens com amostragem contínua junto à uma


área fonte de contaminação permitiu a definição da geometria de um bolsão de DNAPL de
tetracloroeteno que se distribui em três níveis aquíferos arenosos sobrepostos a níveis
argilosos, que se estendem até a profundidade de 25 m. As concentrações de PCE na
água subterrânea junto à principal área fonte encontram-se próximas do limite de
solubilidade do composto. O composto principal degrada-se para os demais etenos
clorados filhos e as respectivas plumas de contaminação na fase dissolvida foram
delimitadas, possuindo extensão que alcançam 150 m. Embora estima-se que a
contaminação do solo possa ter se iniciado há aproximadamente 40 anos, chama a
I Congresso Internacional de Meio Ambiente Subterrâneo 17
atenção que as concentrações dos compostos filhos são consideravelmente menores que
aquelas de PCE, indicando que a taxa de atenuação natural é pequena.
Uma avaliação preliminar da possibilidade de ocorrência de atenuação natural foi
executada com o modelo Biochlor e as taxas de decaimento verificadas resultaram em
valores baixos, indicando que a decloração redutiva deve ocorrer de forma insignificante
na área de estudo. Tal resultado está provavelmente vinculado (1) com as elevadas
concentrações na área fonte, que dificultam a ação dos microorganismos que
intermedeiam as reações de redução dos etenos clorados, e (2) com o ambiente aquífero
que se encontra relativamente oxidante, dificultando a degradação anaeróbica. O modelo
realizado indicou ainda que as plumas de contaminação se encontram em situação de
expansão.
Não obstante a área de estudo ainda se encontrar em processo de investigação
detalhada, julga-se que as plumas de contaminação de fase livre e dissolvidas estejam
em grande parte com suas geometrias definidas, num contexto em que o modelo de
circulação da água subterrânea encontra-se bem definido. Para tanto, foram necessárias
6 mobilizações de equipes de campo, que resultaram na execução de 118 furos de
sondagem e na instalação de 66 poços de monitoramento distribuídos em três níveis de
profundidades, que alcançam o máximo de 28 m. Acredita-se que o esforço utilizado
nesta fase de investigação seja adequado para um dimensionamento mais preciso dos
riscos ambientais e para a definição da forma mais eficaz de remediação que se fizer
necessária.

7 - REFERÊNCIAS

CETESB, 2001. Manual de gerenciamento de áreas contaminadas. Capítulo 8000 –


Investigação detalhada. Disponível em www.cetesb.sp.gov.br. Acessado em
abril/2009.
USEPA Environmental Protection Agency, 2000. BIOCHLOR. Natural Attenuation
Decision Support System. User’s Manual. Version 1.0. Office of Research and
Development Washington DC 20460. EPA/600/R-00/008.
USEPA Environmental Protection Agency, 1998. Technical Protocol for Evaluating Natural
Attenuation of Chlorinated Solvents in Ground Water. Office of Research and
Development Washington DC 20460.EPA/600/R-98/128.

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