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Uma pequena passagem, do tamanho do dedo mínimo, pouca luz passa por ali.

Os
olhos, através da fechadura, buscam algo do outro lado da porta. “O que as estrelas
disseram?” se pergunta a jovem, ela então faz uma expressão surpresa e então
começa a vasculhar sua bolsa. Serra. Maçã. Martelo. Chave inglesa. Saco de
pregos. Chave de fenda. Paninho dobrado, ela o pega cuidadosamente.
Desdobra colocando as pontinhas que se encontravam no meio para os cantos, mas
não havia nada ali. “Sumiu?” exclamou a jovem, inquieta não parava de mexer em
seus longos cachos castanhos. “E agora? As estrelas disseram que era a única
chave”. Enquanto enrolava seu cabelo olhou fixamente para o buraco da fechadura,
depois para seu dedo e novamente para a pequena fresta. “A antiga chave se
parecia com um pequeno osso” pensou a menina.
Sem nem titubear levou as mãos de volta a bolsa de ferramentas pegou a maçã e a
mordeu com força, depois a serra e levantou o dedo mínimo da mão esquerda.
Hesitação. Frio na espinha. Calor. Determinação. Movimentos rápidos. Seu sangue
estava quente, não sentiu tanta dor, na verdade a dor de não conhecer seus irmãos
era maior do que qualquer outra, a dor de ter sido uma possível causa de eles terem
sido amaldiçoados e expulsos de sua vila era maior. Dor.
Delicadamente pegou seu dedo e vibrou quando destrancou, não era qualquer tipo
de porta, era uma porta de jequitibá vivo, segundo as estrelas “Através das árvores
e do rio, uma passagem se esconde por de trás das águas quem caem e brilham
feito cristal, somente aquilo que respira se manifesta, nenhuma ferramenta
construída pelo o homem ou pelas fadas toca aquele local”.
Lentamente pôs seu pé direito à frente e começou sua caminhada, árvores e mais
árvores, a floresta engoliu a jovem moça. Perdida. Desnorteada. Gnomo. “Oi? O que
é aquilo? Um gnomo?” a jovem ficou perplexa ela nunca tinha feito contato visual
com criaturas mágicas da floresta antes, apesar de conversar com os astros ser
bem aceito pela comunidade era extremamente proibido qualquer contato com
fadas.
“Você, vai comer essa maçã?” perguntou o gnomo cinzento, a jovem negou com a
cabeça. “Você, não fala menina? Comeram sua língua?”, ela olhou ao redor
buscando algum rosto familiar, porém percebeu que estava longe de casa e que
ninguém a perseguiria por falar com gnomos. “Eu... eu... Eu sei falar” respondeu
ainda insegura, o gnomo revirou os olhos e então com um ar de deboche disse
“Garota, você veio aqui fazer o que? Não tenho o dia todo”.
A menina ainda desnorteada respondeu algo como “Estou atrás dos meus irmãos,
não sou daqui, estou perdida”. E então ela concordou em dar a maçã ao gnomo em
troca de informações. “Adoro maçãs!” exclamou o ser cinzento da floresta. A
morena o seguiu até sua humilde residência onde ele estava prestes a fazer a janta
para seus colegas pássaros.
Enquanto cozinhava explicava para a menina como ela deveria pôr a mesa “Na
floresta fazemos diferente, nada de talheres dos dois lados, apenas no lado
esquerdo, sempre o esquerdo não se esqueça”. Foi chegando a hora e os
convidados começaram a chegar. Ariramba-de-cauda-ruiva. Tucano. Alma-de-gato.
Corujinha-do-mato. Águia-pescadora. Urubu-rei. Uma ave mais curiosa que a outra,
uma ave mais falante que a outra, elas não se calavam um segundo.
“Cadê o jantar?”, “Desculpe o atraso”, “Vocês, ficaram sabendo do que aconteceu
com a dona Elvira?”, “Aquela beija-flor? Mentira!”, “De novo?”. Fofocas e mais
fofocas, as aves eram tão tagarelas que nem notaram a presença de uma humana
no jantar. Com exceção de uma que não conseguia retirar seus olhos negros da
jovem desde que chegou, se aproximou lentamente do anfitrião e sussurrou em seu
ouvido.
A menina estava desconcertada, perdida e longe dali. “Onde estão meus irmãos?
Como vou acha-los? Talvez uma dessas aves fofoqueiras me ajude” pensou a
menina enquanto comia uma massa fedorenta. E então o urubu-rei que não tirava
seus olhos da menina levantou voo e foi embora sem nem soltar um pio. “Que mal
educado!” disse a coruja, “Só veio pra comer”, “Interesseiro!”.
Quando o relógio marcou quinze para as onze todas as aves agradeceram a comida
e levantaram voo. O gnomo convidou a menina para passar a noite ali e disse que
de manhã ajudaria ela, a jovem agradecidamente retirou a mesa e lavou a louça.
Deixou tudo limpo e foi deitar.
Calor. Clarão. Canto de pássaros. Umidade. Batidas na porta. A jovem acorda
assustada, mais batidas na porta, a menina procura o gnomo, mas ele não está em
casa, o sol brilha, alguém bate outra vez na porta. “Devo aten...” seu pensamento é
interrompido por uma batida mais forte.
Ela caminha até a porta com calma, “Quem é?” grita esperando uma resposta. “Abre
a porta!” responde uma voz grossa e rouca do outro lado. Ela prende seus cachos
no alto da cabeça e então se prepara para abrir. Lentamente gira a maçaneta e
então abre só o suficiente para uma pequena parte da luz passe pela porta. Seus
olhos espiam o lado de fora. Penas. Asas. Bicos. Cheiro de carniça. Urubu-rei.
A jovem sente quem está do lado de fora, forçar a porta para entrar, ela empurra
com toda sua força mais não consegue, quem tenta entrar é mais forte, a porta se
abre violentamente com um estrondo, a garota agora no chão se rasteja para trás
sem tirar os olhos da porta. O sol brilha atrás da silhueta do que parecem ser uma
infinidade de aves de rapina.
A garota sente a maldade daqueles seres e corre para tentar se esconder na
cozinha, os pássaros voam por dentro da casa se batendo e soltando penas, voam
tão rápido que é impossível a menina escapar. Então ela se enxerga naquela nuvem
negra de penas, com cheiro podre que sai das garras daquelas aves. Desarmada,
aceita seu destino.

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