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Revista SUMÁRIO

DOR
Pesquisa, Clínica e Terapêutica
Revista da
Sociedade Brasileira
para o Estudo da Dor
EDITORIAL
Volume 18 – nº 3 The psychologist role in the multidisciplinary clinic ____________________________187
Julho a Setembro 2017 A atuação do psicológico em clínica multidisciplinar
Martha Moreira Cavalcante Castro
Publicação Trimestral
ARTIGOS ORIGINAIS
DIRETORIA SBED Indexes of anxiety, depression and disability in patients with myofascial pain, with and
Biênio 2016-2017 without the additional diagnosis of migraine__________________________________189
Índices de ansiedade, depressão e incapacidade em pacientes com dor miofascial com e sem o diagnóstico
Presidente adicional de enxaqueca
Rodrigo Lorenzi Poluha, Rafael dos Santos Silva, Paulo Cesar Rodrigues Conti, Somsak
Irimar de Paula Posso
Mitrirattanakul, Robert Merril
Vice-Presidente
Eduardo Grossmann Assessment and correlation between subjective and physiological variables of chronic
Diretor Científico spinal pain_____________________________________________________________194
Paulo Renato Barreiros da Fonseca Avaliação e correlação entre as variáveis subjetivas e fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral
Diretor Administrativo Caroline de Castro Moura, Denise Hollanda Iunes, Aline Aparecida Machado Agostinho, Nara
Dirce Maria Navas Perissinotti dos Santos, Andréia Maria Silva, Erika de Cássia Lopes Chaves
Tesoureiro
José Oswaldo de Oliveira Junior Elaboration of a booklet for individuals with chronic pain_______________________199
Secretária Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica
Juliana Barcellos de Souza Sandra Porciuncula Mendez, Katia Nunes Sá, Paula Carneiro Silva de Araújo, Iasmyn Adélia
Victor Fernandes de Oliveira, Artur Padão Gosling, Abrahão Fontes Baptista

Sociedade Brasileira Prevalence of musculoskeletal pain in climacteric women of a Basic Health Unit in São
para o Estudo da Dor Paulo/SP_______________________________________________________________212
Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Prevalência de dor musculoesquelética em mulheres climatéricas em uma Unidade Básica de Saúde
Cj. 2 – Vila Mariana de São Paulo/SP
04014-012 São Paulo, SP Anny Caroline Dedicação, Tatiana de Oliveira Sato, Mariana Arias Avila, Ana Sílvia Moccellin,
Fone/Fax: (55) 11 5904-2881/3959 Maria Elisabete Salina Saldanha, Patricia Driusso
www.dor.org.br
E-mail: dor@dor.org.br Association between temporomandibular signs and symptoms and depression in
undergraduate students: descriptive study_____________________________________217
As citações da Revista Dor,
Associação entre sinais e sintomas de disfunção temporomandibular com depressão em universitários:
Pesquisa, Clínica e Terapêutica estudo descritivo
devem ser abreviadas para Rev Dor Raydelane Grailea Silva Pinto, Weryk Manoel Araújo Leite, Laylson da Silva Sampaio, Mariana
de Oliveira Sanchez
A Rev Dor não assume
qualquer responsabilidade Prevalence of musculoskeletal pain in primary care dentists______________________225
pelas opiniões emitidas nos artigos. Prevalência de dor musculoesquelética em cirurgiões-dentistas da atenção básica
Rayssa Nogueira de Sousa Silva, Jose Mario Nunes da Silva
Os anúncios publicados nesta edição
não geram conflitos de interesse. Relationship between musculoskeletal pain complaints and family agriculture work___232
Relação entre queixas de dor musculoesquelética e processo de trabalho na agricultura familiar
Marcelo Biazus, Cleide Fátima Moretto, Adriano Pasqualotti

Indexada na SciELO Indexada na LILACS Indexada na Latindex


Epidemiological and psychosocial profile of informal caregivers of patients with chronic
pain___________________________________________________________________238
Publicação editada e produzida pela Perfil epidemiológico e psicossocial dos cuidadores informais de pacientes portadores de dor crônica
MWS Design – Fone: (11) 3399-3028 Flávia Yumi Ataka, Raquel Lie Okoshi, Yuri Louro Bruno de Abreu

Jornalista responsável
Marcelo Sassine - Mtb 22.869 Bone pain assessment in patients with chronic kidney disease undergoing
hemodialysis____________________________________________________________245
Diretora de arte Avaliação da dor óssea em pacientes renais crônicos em hemodiálise
Anete Salviano Mariana Capelo Vides, Marielza Regina Ismael Martins
EDITOR CIENTIFICO Temporomandibular dysfunction, myofascial, craniomandibular and cervical pain: effect
Durval Campos Kraychete
Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA – Brasil. on masticatory activity during rest and mandibular isometry_____________________250
EDITORA EXECUTIVA
Disfunção temporomandibular, dor miofascial crâniomandibular e cervical: efeito na atividade
Silvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira mastigatória durante o repouso e isometria mandibular
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Carlos Eduardo Fassicollo, Maylli Daiani Graciosa, Barbara Flissak Graefling, Lilian Gerdi
COEDITORES
Ângela Maria Sousa
Kittel Ries
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Dirce Maria Navas Perissinotti
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. ARTIGOS DE REVISÃO
Eduardo Grossmann
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS – Brasil. The use of dry needling in the treatment of cervical and masticatory myofascial pain__255
Irimar de Paula Posso
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
O emprego do agulhamento seco no tratamento da dor miofascial mastigatória e cervical
Janaina Vall Andreia Valle de Carvalho, Eduardo Grossmann, Flávia Regina Ferreira, Eduardo Januzzi,
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE – Brasil.
José Aparecido da Silva Roberta Maria Drumond Furtado Bossi Fonseca
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP – Brasil.
José Oswaldo Oliveira Júnior
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Nurses’ role in the non-pharmacological pain treatment in cancer patients__________261
Juliana Barcellos de Souza
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC – Brasil. O papel da enfermagem no tratamento não farmacológico da dor de pacientes oncológicos
Lia Rachel Chaves do Amaral Pelloso
Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT – Brasil. Nery José de Oliveira Junior, Sandra Beatriz Silva de Oliveira, Eliana Rustick Migowski,
Maria Belén Salazar Posso Fernando Riegel
Fundação Universidade Cristã, Pindamonhangaba, SP – Brasil.
Paulo Renato Barreiros da Fonseca
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
Sandra Caires Serrano RELATOS DE CASOS
Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo, SP – Brasil.
Telma Regina Mariotto Zakka Experience with women with fibromyalgia who practice zumba. Case reports________266
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Experiência de mulheres com fibromialgia que praticam zumba. Relato de casos
CONSELHO EDITORIAL Joyce Thalita Medeiros de Araújo, Camila Fernandes Rocha, Gydila Marie Costa de Farias,
Abrahão Fontes Baptista
Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA – Brasil. Rafaela da Silva Cruz, José Cortez Assunção Júnior, Hugo Jario de Almeida Silva, Marcelo
Adrianna Loduca Cardoso de Souza
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Alexandre Annes Henriques
Hospital de Clinicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS – Brasil.
Andréa Golfarb Portnoi Program of combined physical exercise reduces the perception of pain in a patient with
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta sickle cell anemia. Case report______________________________________________270
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Programa de exercício físico combinado reduz a percepção da dor em paciente com anemia falciforme.
Guilherme Antônio Moreira de Barros
Faculdade de Medicina de Botucatu, Botucatu, SP – Brasil. Relato de caso
Hazem Adel Ashmawi
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Renata Botelho, Ricardo Luís Fernandes Guerra, Vânia D’Almeida, Alessandra Medeiros
Ismar Lima Cavalcanti
Universidade Iguaçu, Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
João Batista Santos Garcia Glossopharyngeal neuralgia of tumor origin diagnosed in dental care. Case report____275
Universidade Federal do Maranhão, São Luiz, MA – Brasil.
José Geraldo Speciali Neuralgia do glossofaríngeo de origem tumoral diagnosticada em atendimento odontológico. Relato
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP – Brasil.
José Tadeu Tesseroli de Siqueira
de caso
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Gisele Marchetti, Daniel Bonotto, Paulo Afonso Cunali
Kátia Nunes Sá
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Publica, Salvador, BA – Brasil.
Li Shih Min
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC – Brasil. Complex regional pain syndrome type I: impact on work activities of working age
Manoel Jacobsen Teixeira
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
individuals. Case reports__________________________________________________279
Marcelo Henrique Mascarenhas Síndrome complexa de dor regional de tipo I: impacto na atividade laboral de sujeitos em idade
Associação Brasileira de Odontologia, Seção Minas
Gerais, Belo Horizonte, MG – Brasil. produtiva. Relato de casos
Marcia Carla Morete Pinto Aline Sarturi Ponte, Mithielle de Araujo Machado, Miriam Cabrera Corvelo Delboni, Thais
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, São Paulo, SP – Brasil.
Miriam Seligman de Menezes Rosa Costa, Bárbara Santos Luccas Duarte
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS – Brasil.
Mirlane Guimarães de M. Cardoso
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM – Brasil.
Onofre Alves Neto INSTRUÇÕES AOS AUTORES____________________________________________286
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO – Brasil.
Oscar César Pires
Universidade de Taubaté, Taubaté, SP – Brasil.
Osvaldo José Moreira do Nascimento
Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
Paulo Cesar Rodrigues Conti
Faculdade de Odontologia de Bauru, Bauru, SP – Brasil.
Ruth Guinsburg
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.

INTERNATIONAL BOARD
Allen Finley
Dalhousie University, Halifax – Canada.
Antoon De Laat
Catholic University of Leuven – Belgica.
Gary M. Heir
Medicine and Dentistry University of New Jersey, New Jersey – EUA.
Jeftrey P. Okeson
Kentucky University, Lexington – EUA.
José Manoel Castro Lopes
Universidade do Porto, Porto – Portugal.
Lee Dongchul
Department of Anesthesiology and Pain Medicine
Guwol – Dong Mamdong-gu, Incheon – Korea.
Mark Jensen
Washington University, Washington – USA.
Ricardo Plancarte Sánchez
Instituto Nacional de Cancerologia, Mexico – Mexico
Os artigos deverão ser enviados através de submissão online:
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Evanilde Bronholi de Andrade http://www.sgponline.com.br/dor/sgp/.
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):187-6 EDITORIAL

The psychologist role in the multidisciplinary clinic


A atuação do psicológico em clínica multidisciplinar
DOI 10.5935/1806-0013.20170100

CUIDAR de pessoas que sofrem de dor crônica é um grande desafio. Isso decorre sobretudo, do fato de que, na maior parte dos cursos de
formação na área da saúde, os indivíduos são treinados e capacitados para tratar e curar. Essa premissa nem sempre pode ser aplicada ao pa-
ciente com dor. Felizmente, essa perspectiva vem mudando gradativamente no Brasil, e os profissionais imbuídos do tratamento em equipes,
passam a oferecer uma escuta mais atenta, compreensiva e integrada aos sofredores de dor crônica1.
Quando a dor se cronifica, deixa de ser apenas um sintoma e passa a ser definida como doença. Isso faz com que o sujeito, afastado da sua
rotina, tenha que se relacionar consigo próprio e com o mundo, a partir da história do seu sofrimento. O fato de ter uma dor contínua e diária
traz um impacto muito negativo na qualidade de vida dessas pessoas; afeta o padrão do sono, hábitos alimentares, relações afetivas, capacidade
de trabalho, funcionalidade, e outros aspectos da sua vida2. A estreita associação de transtornos psiquiátricos, dentre os quais a ansiedade e
depressão em pessoas com dor crônica, faz com que seja necessário um cuidado integral e interdisciplinar, cujo objetivo será o de proporcionar
o maior controle possível dos sintomas.
Avaliar o paciente que sofre de dor crônica implica em desenvolver uma escuta ativa; isso porque a dor é sempre inferida tendo como base
as informações fornecidas pelo próprio paciente. A história da dor está inserida em uma história de vida, no percurso do adoecimento, nas
relações estabelecidas com o trabalho e essa é uma rede de complexos significados envoltos em fatores culturais, sociais e fisiológicos3.
No Centro de Dor, a presença da equipe multiprofissional é de fundamental importância para que a assistência seja integral. Em nosso Ambu-
latório de Dor do C-HUPES/UFBA, criado em janeiro de 19991 foi desenvolvido com a premissa interdisciplinar. Após um ano de estudo e
elaboração do Projeto, o serviço foi criado por um médico, uma psicóloga, um fisioterapeuta e uma enfermeira, com a perspectiva de atender
pessoas de todo o estado da Bahia com diagnostico de dor crônica. Após a matrícula do paciente no serviço, é iniciado seu acompanhamento
pela equipe assistente, a começar pelo médico clínico que define o diagnóstico da dor e estabelece a conduta terapêutica mais adequada para
cada indivíduo. Em seguida, o paciente é encaminhado para avaliação psicológica para avaliar o comprometimento funcional despropor-
cional com o resultado clínico, intensos estresses psicológicos ou para pacientes que fazem uso exagerado dos serviços de saúde, de fármacos
psicotrópicos ou álcool. Na Psicologia, utiliza-se um protocolo específico, a partir de uma avaliação psicodiagnóstica com a utilização de
entrevistas para coleta de dados da história de vida e da dor, assim como uso de técnicas psicológicas e aplicação de diversas escalas, além do
acompanhamento clinico com base na terapia cognitivo-comportamental.
O atendimento psicológico visa minimizar o sofrimento percebido e provocado pela experiência do adoecimento. O sujeito, quase sempre,
peregrina por inúmeros especialistas em busca do diagnóstico e tratamento adequados. Quando, apesar dos tratamentos, o indivíduo não
responde positivamente ao tratamento, e não há alívio dos sintomas, ele frequentemente apresenta discurso de raiva e revolta pela persistência
da dor. Dessa forma, o psicólogo oferece uma escuta atenta e cuidadosa com o objetivo de amenizar e orientar o sujeito quanto à repercussão
do processo álgico na rede familiar, conjugal, social, sexual e laboral. Além do atendimento ao paciente, é fundamental que o psicólogo realize
entrevistas com familiares, desenvolvendo a psicoeducação e orientando acerca das limitações e possibilidades do novo significado; neste caso,
a família passa a ser um parceiro ativo na recuperação e reinserção no mundo4.
Sendo parte integrante da equipe de saúde, o psicólogo divide os saberes técnicos com os demais profissionais, e o compartilhamento desse
discurso é o que provoca uma comunicação efetiva. A autonomia de cada membro da equipe e uma boa comunicação entre eles, é um grande
diferencial para o sucesso das terapêuticas propostas e da vinculação do paciente ao tratamento5.
O atendimento psicológico, no referencial cognitivo-comportamental para o paciente com dor, tem como objetivo educar o sujeito acerca da
fisiopatologia da dor, estimulando a prática de exercícios físicos, a autoconfiança, ao estabelecimento de metas, das atividades de lazer, técnicas de
relaxamento, treina uma comunicação mais assertiva, desenvolve estratégias de coping e enfrentamento, ensina o paciente a fazer uma reestrutu-
ração cognitiva para que possa favorecer a modificação de comportamentos mais dolorosos e de uma postura mais ativa diante do tratamento2.
É necessário que essa equipe estabeleça um olhar cuidadoso um com o outro, para que as dificuldades advindas do atendimento ao paciente com
dor possam ser minimizadas. A equipe de saúde precisa “aprender” a ouvir o que o paciente fala, respeitando de forma integral suas crenças, as
atitudes tomadas para o controle da dor, e tendo muita tolerância com seu discurso e enfrentamento, pois afinal de contas, essa foi a nossa escolha.
A escuta cuidadosa da equipe de psicologia faz com que possamos, aos poucos, colher a história de vida do paciente e, como em um quebra-
-cabeça, reorganizar uma parte das suas peças para que, arrumando de outra forma, possamos tecer um novo caminho que seja funcional.
Assim, podemos ressignificar o processo vivido por ele, dando um novo sentido à sua história.

Martha Moreira Cavalcante Castro


Universidade Federal da Bahia
Instituto de Ciências da Saúde, Departamento de Fisioterapia
40110-902 Salvador, BA, Brasil.
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor E-mail: marthmccastro@gmail.com

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):187-6 Castro MM

REFERÊNCIAS 3. Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LA, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de
sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquia-
tr. 2014;63(3):213-9.
1. Rangel RF, Costenaro RG, Ilha S, Zamberlan C, Siqueira HC, Backes DS. Formação 4. Turra V, Almeida FF, Doca FN, Costa Júnior AL. Protocolo de Atendimento Psi-
para o cuidado integral: percepção de docentes e discentes de Enfermagem. Rev Pesq: cológico em Saúde Orientado para o Problema. Hospital Universitário de Brasília
Cuidado é Fundamental Online. 2017;9(2):488-94. Distrito Federal, DF, Brasil. Universidade de Brasília Distrito Federal, DF, Brasil.
2. Salvetti Mde G, Cobelo A, Vernalha Pde M, Vianna CI, Canarezi LC, Calegare RG. 2012;43(4):500-9.
[Effects of a psychoeducational program for chronic pain management]. Rev Lat Am 5. Castro EK, Barreto SM. Critérios de médicos oncologistas para encaminhamento psi-
Enfermagem. 2012;20(5):896-902. English, Portuguese, Spanish. cológico em cuidados paliativos. Psicol Ciênc Prof. 2015;35(1):69-82.

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):189-93 ARTIGO ORIGINAL

Indexes of anxiety, depression and disability in patients with myofascial


pain, with and without the additional diagnosis of migraine
Índices de ansiedade, depressão e incapacidade em pacientes com dor miofascial com e sem
o diagnóstico adicional de enxaqueca
Rodrigo Lorenzi Poluha1, Rafael dos Santos Silva1, Paulo Cesar Rodrigues Conti2, Somsak Mitrirattanakul3, Robert Merril4

DOI 10.5935/1806-0013.20170101

ABSTRACT xes (p<0.05), as well as moderate and severe disability levels con-
siderably higher than those with only myofascial pain.
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The aim of this study Keywords: Orofacial pain, Migraine, Temporomandibular
was to compare anxiety, depression and disability indexes in pa- disorders.
tients with myofascial pain with and without additional diagno-
sis of migraine. RESUMO
METHODS: We included 203 patients of the Orofacial Pain
Clinic of the University of California, Los Angeles, USA. Pa- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O presente estudo visou
tients were over 18 years of age, both genders, with a primary comparar os índices de ansiedade, depressão e incapacidade em
diagnosis of myofascial pain. The patients were also evaluated pacientes com dor miofascial, com e sem o diagnóstico adicional
for the presence of migraine according to the criteria of the In- de enxaqueca.
ternational Headache Society. The sample was divided into two MÉTODOS: Foram incluídos 203 pacientes da Clínica de Dor
groups: 120 patients with only myofascial pain (Group 1) and Orofacial da Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA, com
83 patients with myofascial pain and with an additional diag- idade acima de 18 anos, ambos os sexos, com diagnóstico primário
nosis of migraine (Group 2). The Beck Anxiety Inventory, Beck de dor miofascial. Os pacientes também foram avaliados quanto
Depression Inventory and Migraine Disability Assessment ques- à presença de enxaqueca, segundo os critérios da Sociedade Inter-
tionnaires were applied. The Mann-Whitney test was used to nacional de Cefaleias. A amostra foi dividida em dois grupos: 120
compare the groups at a significance level of 5%. pacientes com somente dor miofascial (Grupo 1), e 83 pacientes
RESULTS: Patients in group 1 presented significantly higher in- com dor miofascial e diagnóstico adicional de enxaqueca (Grupo
dexes in the Beck Anxiety Inventory (p=0.005), Beck Depression 2). Foram aplicados os questionários: Inventário de Ansiedade de
Inventory (p=0.025) and number of days lost and/or impaired Beck, Inventário de Depressão de Beck e Migraine Disability Asses-
(56.4 days) than those in group 2. The Migraine Disability Asses- sment Questionnaire. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para
sment Questionnaire scores for groups 1 and 2 were, respectively, comparar os grupos a um nível de significância de 5%.
48% and 24.1% for grade I; 9.2% and 3.6% for grade II; 8.2% RESULTADOS: Os pacientes do grupo 1 apresentaram índices
and 22.9% for grade III; and, 34.7% and 49.4% for grade IV. de Inventário de Ansiedade de Beck de p=0,005, Inventário de
CONCLUSION: Patients with myofascial pain and migraine Depressão de Beck de p=0,025, e número de dias perdidos e/
had significantly higher anxiety, depression and disability inde- ou prejudicados (56,4 dias) significativamente maiores que os
do grupo 2. Os escores Migraine Disability Assessment Question-
naire para os grupos 1 e 2 foram, respectivamente, para o grau
I de 48% e 24,1%; grau II de 9,2% e 3,6%; grau III de 8,2% e
22,9%; e, grau IV de 34,7% e 49,4%.
1. Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Odontologia, Maringá, PR, Brasil. CONCLUSÃO: Os pacientes com dor miofascial e enxaqueca
2. Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia, Departamento de Prótese, Bauru,
SP, Brasil. apresentaram índices de ansiedade, depressão e incapacidade sig-
3. Universidade de Mahidol, Faculdade de Odontologia, Departamento de Oclusão, Bang- nificativamente maiores (p<0,05), além de níveis de incapacida-
kok, Thailand.
4. Universidade da Califórnia, Faculdade de Odontologia, Departamento de Dor Orofacial, de moderado e grave, consideravelmente superiores em relação
Los Angeles, USA. ao grupo de pacientes com somente dor miofascial.
Apresentado em 05 de junho de 2017.
Descritores: Disfunção temporomandibular, Dor orofacial,
Aceito para publicação em 01 de agosto de 2017. Enxaqueca.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.

Endereço para correspondência:


Rodrigo Lorenzi Poluha INTRODUÇÃO
Universidade Estadual de Maringá - Departamento de Odontologia
Avenida Mandacaru, nº 1.550 – Vila Santa Izabel
87080-000 Maringá, PR, Brasil. As dores orofaciais englobam doenças representadas pelas disfunções
E-mail: rodrigopoluha@gmail.com
temporomandibulares (DTM), cefaleias e outras condições, que
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor acarretam redução na qualidade de vida dos pacientes e envolvem

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):189-93 Poluha RL, Silva RS, Conti PC, Mitrirattanakul S e Merril R

bilhões de dólares em cuidados de saúde, anualmente1,2. DTM são faleias8. As avaliações foram realizadas por quatro examinadores trei-
desordens musculoesqueléticas, que acometem a articulação tempo- nados em relação ao exame do pacientes e critérios de diagnóstico,
romandibular (ATM), os músculos da mastigação e estruturas asso- sob a supervisão de um profissional experiente.
ciadas3. Dentre as DTM, destaca-se a dor miofascial (DMF), que Foram excluídos da amostra pacientes com doenças de origem neu-
corresponde isoladamente a 45,3% dos diagnósticos4. É definida ropática, com outras cefaleias primárias como: cefaleia em salva ou a
com uma dor muscular regional, associada à sensibilidade à palpa- paroxística crônica, assim como eventuais cefaleias secundárias. In-
ção, caracterizada pela presença de pontos hipersensíveis de tecido divíduos com condições sistêmicas como artrite reumatoide, fibro-
muscular (pontos-gatilho)1,3,5. Pacientes com DMF são significativa- mialgia, entre outras, assim como, aqueles com problemas mentais
mente mais propensos à depressão e ansiedade quando comparados ou neurológicos.
aos pacientes com disfunções articulares6. Cerca de 55% dos pacien- Do total de 424 pacientes avaliados, apenas 203 se enquadraram
tes com DMF relatam episódios de enxaqueca7. A enxaqueca é de- nos critérios de inclusão. Os demais pacientes (n=221) foram exclu-
finida como uma dor de cabeça primária, com ataques de 4 a 72h, ídos das análises seguintes. A amostra foi dividida em dois grupos:
e caracterizada por dor pulsátil unilateral de intensidade moderada pacientes somente com DMF (Grupo 1) e pacientes com DMF e
a intensa, agravada pela atividade física de rotina, associada a com- diagnóstico adicional de enxaqueca (Grupo 2).
binações de náusea, vômito, fotofobia, fonofobia e aura8. Pacientes Para avaliar o nível de ansiedade foi empregado o Inventário de An-
com enxaqueca são mais propensos a ter depressão (2,2 a 4,0 vezes) siedade de Beck (BAI)14, composto por 21 itens. Os pacientes foram
e transtornos de ansiedade (3,5 a 5,3 vezes)9. orientados a assinalar, dentre os sintomas descritos, com que fre-
Embora a DMF e a enxaqueca apresentem fisiopatologias distintas, quência os percebiam durante a última semana, incluindo o dia de
os músculos da mastigação recebem inervação sensorial trigeminal, avaliação. A folha de respostas continha quatro graus: absolutamen-
que também é responsável pela condução de impulsos nociceptivos te não, levemente, moderadamente e gravemente, que na realidade
dos vasos sanguíneos cranianos, envolvidos na gênese da enxaqueca, constituem uma série escalar, de zero a 3 pontos. A soma dos escores
viabilizando uma possível sobreposição de estímulos nociceptivos individuais representa o escore total, que podia variar entre zero e
em casos de comorbidades10. Pacientes com DTM experimentam 63. Após essa somatória, uma tabela de conversão, padronizada pelo
aumento na frequência e gravidade das cefaleias, além de uma pre- inventário, classificou o nível de ansiedade em leve (zero-21 pontos);
valência 10 vezes maior de enxaqueca11. Embora seja relatada que moderado (22-35 pontos); e grave (36-63 pontos).
a ocorrência concomitante de DMF e enxaqueca acarrete maiores O estado depressivo foi analisado segundo o Inventário de Depres-
níveis de dor à palpação, percepção dolorosa subjetiva e problemas são de Beck (BDI)15, composto por um questionário de 21 itens,
com sono/descanso12, estudos investigando as condições psicológi- com afirmações graduadas de zero a 3, que refletem a intensidade
cas e emocionais nesses casos ainda são escassos. Esse conhecimento do sintoma. O escore máximo é 63, denotando o maior nível de
pode contribuir no entendimento dessas condições. depressão. Os níveis de depressão foram classificados em: ausente
O objetivo deste estudo foi comparar os índices de ansiedade, de- (zero-9 pontos); leve a moderado (10-18 pontos); moderado a grave
pressão e incapacidade em pacientes com DMF, com e sem o diag- (19-29 pontos); e grave (30-63 pontos).
nóstico adicional de enxaqueca. Com o intuito de avaliar a incapacidade relacionada à cefaleia, os
pacientes foram convidados a responder o Migraine Disability As-
MÉTODOS sessment Questionnaire (MIDAS)16. Esse questionário apresenta 7
questões, sendo que as 5 primeiras determinam o escore final e são
Foi realizado um estudo analítico observacional transversal, seguin- baseadas em 3 esferas de atividades. As questões 1, 3 e 5 avaliam o
do as recomendações da Strengthening the Reporting of Observational número de dias perdidos, devido à dor da cefaleia na escola ou tra-
Studies in Epidemiology (Strobe)13, em concordância com a Decla- balho, trabalho de casa, e em atividades sociais, familiares e de lazer
ração de Helsinque. Todos os participantes assinaram o Termo de nos últimos três meses. As questões 2 e 4 avaliam o número de dias
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram examinados adicionais, com significativa diminuição de atividade (pelo menos
pacientes que se apresentaram entre 01 de agosto de 2005 e 01 de 50% de redução na produtividade), tanto no trabalho remunerado
julho de 2006, na clínica de Dor Orofacial da Faculdade de Odon- ou doméstico, nos últimos três meses. Ainda, duas perguntas adicio-
tologia da Universidade da Califórnia (UCLA), Los Angeles, EUA, nais avaliam a frequência dos ataques e a intensidade da dor. Como
com queixa de dor na região facial. O cálculo da amostra foi realiza- essas 2 últimas não contribuem para o escore final, não foram in-
do considerando o nível de confiança de 95%, erro amostral de 5% cluídas no questionário na presente pesquisa. A somatória dos dias,
e percentual mínimo de 40%, com base na frequência de DMF e reportados nas 5 primeiras perguntas do teste, enquadra o indivíduo
enxaqueca, obtida na amostra piloto. Assim, o número mínimo pro- em um dos seguintes 4 graus de incapacidade: ausência (I: zero-5
posto para as análises foi de 198 pacientes. Partiu-se de um n=424 pontos); leve (II: 6-10 pontos); moderada (III: 11-20 pontos); e gra-
indivíduos consecutivos, considerando absenteísmo e perda de da- ve (IV: >21 pontos).
dos, para margem de segurança das análises. Todos os Inventários foram utilizados em sua versão oficial em lín-
Foram incluídos pacientes acima de 18 anos, ambos os sexos, com gua inglesa, seguindo suas recomendações especificas. A aplicação e
quadro primário de DMF, com presença de um ou mais pontos- a interpretação desses testes foram feitas por um psicólogo responsá-
-gatilho (PG) na musculatura mastigatória e/ou cervical, segundo os vel, especialista em psicologia da dor.
critérios da Academia Americana de Dor Orofacial1. O diagnóstico O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UCLA em
de enxaqueca seguiu os critérios da Sociedade Internacional de Ce- 27/07/2005.

190
Índices de ansiedade, depressão e incapacidade em pacientes com Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):189-93
dor miofascial com e sem o diagnóstico adicional de enxaqueca

Análise estatística tionário MIDAS, em cada grupo, estão expostas na tabela 3. Os


Para se detectar possíveis diferenças entre os grupos 1 e 2 em relação ao níveis ausente ou leve de incapacidade foram maiores no grupo 1,
BAI, o BDI e o MIDAS, utilizou-se o teste não paramétrico Mann- enquanto os níveis moderado e grave foram maiores no grupo 2.
-Whitney a um nível de significância de 5%. Todas as análises deste
estudo foram realizadas utilizando-se o software SPSS versão 13.0. Tabela 3. Distribuição percentual dos pacientes em relação ao esco-
re final, obtido no Migraine Disability Assessment Questionnaire, em
ambos os grupos
RESULTADOS
Grupo 1 Grupo 2
Escore MIDAS (%) (%)
A amostra foi composta por 203 pacientes, sendo 181 mulheres
Ausente (I) 48 24,1
(89,2%) e 22 homens (10,8%), com idade média de 40,3±15,44
Leve (II) 9,2 3,6
anos. O grupo 1 foi composto por 120 pacientes (59,11%), e o gru-
po 2 por 83 (40,89%). Quanto aos níveis de BAI e o BDI, as médias Moderado (III) 8,2 22,9
obtidas enquadrou ambos os grupos no escore leve de ansiedade, e Grave (IV) 34,6 49,4
no escore leve a moderado de depressão. Além disso, o grupo 2 apre-
sentou valores estatisticamente maiores que os do grupo 1 (p<0,05) DISCUSSÃO
em ambos os questionários. A tabela 1 expõe as medidas descritivas
e a comparação entre grupos dos níveis de ansiedade e depressão. A dor é uma experiência individual de alta complexidade, que en-
volve diferentes aspectos da vida1. Comparando os índices de an-
Tabela 1. Medidas descritivas e a comparação entre grupos dos ní- siedade, de depressão e de incapacidade, pacientes com DMF com
veis de ansiedade e depressão diagnóstico adicional de enxaqueca, apresentaram índices significa-
Grupos Mínimo Máximo Média Valor de p tivamente maiores (p<0,05), em relação aos pacientes com somente
(Desvio (Mann- DMF, suportando a rejeição da hipótese nula.
padrão) Whitney)
A amostra foi composta por 203 pacientes, com uma proporção
BAI 1 0 63 10,68(10,24) 0,005*
2 0 55 14,87(11,5)
mulher: homem de 8,2:1. Essa proporção é esperada, uma vez que
mulheres procuram tratamento para DTM sete vezes mais que os
BDI 1 0 55 9,79(9,48) 0,025*
2 7 44 12,77(10,22) homens3. O presente resultado também está próximo do encontra-
BAI = Inventário de Ansiedade de Beck; BDI = Inventário de Depressão de do por Zebenholzer et al.17, que em seu estudo multicêntrico sobre
Beck; *: estatisticamente significativo (p<0,05). o impacto da depressão e ansiedade, sobre a carga e a gestão de dores
de cabeça episódica e crônica, tiveram sua amostra composta por
A análise dos resultados do questionário MIDAS mostrou que o 84,1% de mulheres no grupo de dor de cabeça episódica, e 79,1%
grupo 2 apresentou um número maior de dias perdidos e/ou preju- no grupo de dor de cabeça crônica. Ainda em relação à amostra,
dicados em relação ao grupo 1 em todas as questões, com significân- 59,11% dos pacientes apresentaram diagnóstico adicional de enxa-
cia estatística nas 4 primeiras (p<0,05) (Tabela 2). O número total queca, valor próximo dos 56,5% encontrados em um estudo com
de dias perdidos e/ou prejudicados, também foi estatisticamente população brasileira18.
maior no grupo 2 (p<0,05). Dentre as inúmeras comorbidades de quadros dolorosos, especial-
Os pacientes do grupo 2 perderam, ou tiveram sua produção pre- mente crônicos, incluindo as enxaquecas e as DTM, destacam-se a
judicada em 56,40 dias e o grupo 1 em 35,33 dias. A distribuição ansiedade e a depressão, pela sua alta prevalência e pelo impacto que
percentual dos pacientes em relação ao escore final obtido no ques- exercem6,19. Neste estudo, foram encontradas diferenças significati-

Tabela 2. Medidas descritivas e a comparação entre grupos de cada item do Migraine Disability Assessment Questionnaire
Questões Grupos Mínimo Máximo Média (DP) Valor de p
(Mann-Whitney)
1- Quantos dias de trabalho, ou de escola você perdeu nos últimos três 1 0 90 3,06 (13,33) p<0,001*
meses por causa das suas dores de cabeça? 2 0 90 6,06 (17,47)
2- Em quantos dias dos últimos 3 meses, você observou que seu rendi- 1 0 90 5,01 (16,63) p<0,001*
mento no trabalho, ou na escola estava reduzido pela metade ou mais, 2 0 90 9,70 (20,91)
devido às suas dores de cabeça?
3- Em quantos dias dos últimos 3 meses, você não foi capaz de executar o 1 0 90 9,39 (19,51) 0,009*
trabalho de casa por causa de suas dores de cabeça? 2 0 90 13,24 (19,35)
4- Em quantos dias dos últimos 3 meses, seu rendimento no trabalho de 1 0 90 9,99 (19,85) 0,021*
casa foi reduzido pela metade, ou mais devido às suas dores de cabeça? 2 0 90 15,45 (23,45)
5- Em quantos dias dos últimos 3 meses, você perdeu atividades familia- 1 0 90 7,93 (18,97) 0,095
res, sociais ou de lazer, por causa das suas dores de cabeça? 2 0 90 10,84 (20,79)
Total 1 0 450 35,33 (65,34) 0,004*
2 0 540 56,40 (89,83)
DP = desvio padrão; *: estatisticamente significativo (p<0,05).

191
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):189-93 Poluha RL, Silva RS, Conti PC, Mitrirattanakul S e Merril R

vas nos níveis de ansiedade e depressão entre os grupos (p<0,05), cefaleias primárias28. Adicionalmente, os pacientes do grupo 1 apre-
sendo que o grupo 2 apresentou médias maiores nos dois casos sentaram escores maiores em relação aos do grupo 2 para os graus I
(14,87 para ansiedade e 12,77 para depressão) em relação ao grupo (48 e 24,1%, respectivamente) e II (9,2 e 3,6%, respectivamente).
1 (10,68 para ansiedade e 9,79 para depressão). Essa diferença, tal- Por outro lado, o grupo 2 apresentou escores de incapacidade maio-
vez possa ser explicada, pela correlação positiva entre intensidade de res em comparação aos do grupo 1 para os graus III (22,9 e 8,2%,
dor e níveis de ansiedade e depressão, ou seja, quanto mais intensa a respectivamente) e IV (49,4 e 34,6%, respectivamente). A distribui-
dor (como nos casos de ocorrência concomitante de comorbidades), ção nos graus do MIDAS no grupo 2 foi semelhante ao encontrado
maiores os níveis de ansiedade e depressão20. Utilizando os mesmos no estudo de Di Paolo et al.29, com população italiana avaliando a
instrumentos de avaliação (BAI e BDI), os resultados de ansiedade DTM e a enxaqueca (I: 28%; II: 8%; III: 8%; IV: 56%), porém di-
de depressão no grupo 2 comungam com os resultados de Santos, fere de estudos de Corrêa, Santos e Galato30 (I: 80,6%; II: 9,0%; III:
Sandin e Sakae21, que encontraram correlação positiva (p=0,031), 5,2%; IV: 5,2%) e de Queiroz e Silva Junior31 (I: 55,4%; II: 18,1%;
entre ansiedade e a prevalência de cefaleia em universitários brasilei- III: 13,5%; IV: 13%), com populações brasileiras. Possivelmente,
ros; e com os resultados de Falavigna et al.22, que constataram pre- essas diferenças decorrem de os fatos dos estudos brasileiros serem
valência maior de depressão (p=0,001) em adultos brasileiros com epidemiológicos e considerarem uma população mais ampla (não
cefaleia, do que nos sem cefaleia. apenas pacientes com DTM), e por avaliarem mais de um tipo de
Aproximadamente um terço dos pacientes com enxaqueca e ansieda- cefaleia (não apenas enxaqueca).
de, apresentam sinais de depressão; e dois terços dos pacientes com Isoladamente, a DMF e a enxaqueca estão associadas ao aumento
enxaqueca e depressão apresentam sinais de ansiedade, sendo a com- de índices de ansiedade, depressão e incapacidade, que implicam em
binação de ansiedade e depressão associadas com maior frequência das exacerbação dos quadros dolorosos6,23. O agravamento nesses índi-
crises de dores de cabeça e ansiedade relacionadas à exacerbação da ces (ansiedade, depressão e incapacidade) encontrados no grupo 2
intensidade da cefaleia23. No entanto, os maiores valores encontrados (coexistência das comorbidades DMF e enxaqueca) sugerem, que
não significaram, pelo menos neste estudo, mais depressão e ansie- clinicamente, os tratamentos dessas condições devem ser múltiplos e
dade. Apesar de diferirem estatisticamente, ambos os grupos foram englobar também os fatores psicológicos/emocionais para obtenção
incluídos no escore leve de ansiedade e no escore leve a moderado de de resultados satisfatórios. Futuros estudos podem ajudar a esclare-
depressão. Pode-se afirmar, portanto, que o grupo 2 apresentou sinto- cer essa questão.
mas mais intensos de depressão e ansiedade, sem que isso signifique Todos os resultados desta pesquisa devem ser analisados com cau-
necessariamente um quadro pior de depressão e ansiedade. tela, uma vez que há limitações por ser um estudo transversal, mo-
Um dos instrumentos mais utilizados para avaliar a incapacidade nocêntrico e com população restrita. Seria interessante replicar tal
associada às cefaleias é o questionário MIDAS16,24. Ele captura o pesquisa, com acompanhamento longitudinal, a fim de melhor
impacto da cefaleia no período de três meses, período considerado compreender a interrelação entre comorbidades, bem como estudar
longo o suficiente para representar a real experiência do paciente e, quais características do paciente o predispõe ou estão relacionadas
curto o suficiente para permitir uma confiável e precisa retomada da a uma maior ocorrência da concomitância de DMF e enxaqueca.
história da cefaleia25. No presente estudo não houve um estudo dos
resultados segundo o sexo, ou à presença ou não de emprego para CONCLUSÃO
os dados desse questionário, uma vez que ele não recebe influência
desses fatores24. Os pacientes com DMF e enxaqueca apresentaram índices de ansie-
Após comparar os resultados do questionário MIDAS, o grupo 2 dade, depressão e número de dias perdidos e/ou prejudicados signi-
apresentou significativamente mais incapacidade em relação ao gru- ficativamente maiores, além de níveis de incapacidade moderado e
po 1, em quatro das cinco questões (p<0,05). A única questão que grave consideravelmente superiores em relação ao grupo de pacien-
não apresentou estatística significativa foi a 5, que mensura os dias tes com somente DMF.
perdidos em atividades de lazer, sociais ou familiares. Esse dado pode
ser explicado em virtude de que os pacientes tendem a perder mais REFERÊNCIAS
dias no serviço doméstico (questões 3 e 4), do que em atividades de
1. De Leeuw R, Klasser GD. Orofacial Pain: Guidelines for Assessment, Diagnosis, and
lazer, sociais ou familiares (questão 5)26. No presente estudo, esse Management. 5th ed. Quintessence Publishing Co; 2013.
fato foi verificado, com ambos os grupos apresentando menos dias 2. Ahmad M, Schiffman EL. Temporomandibular joint disorders and orofacial pain.
Dent Clin North Am. 2016;60(1):105-24.
perdidos, ou prejudicados na questão 5 em relação à 3 e 4. 3. Schiffman E, Ohrbach R, Truelove E, Look J, Anderson G, Goulet JP, et al. Diag-
Embora no presente estudo, a média de dias em ambos os grupos os nostic Criteria for Temporomandibular Disorders (DC/TMD) for Clinical and Re-
search Applications: recommendations of the International RDC/TMD Consortium
coloque no escore IV (incapacidade grave) do MIDAS16, os pacien- Network* and Orofacial Pain Special Interest Group†. J Oral Facial Pain Headache.
tes do grupo 2 perderam, ou tiveram sua produção prejudicada em, 2014;28(1):6-27.
significativamente, mais dias (56,40 dias) em relação aos do grupo 1 4. Manfredini D, Guarda-Nardini L, Winocur E, Piccotti F, Ahlberg J, Lobbezoo F.
Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: a systematic review of
(35,33 dias). Os valores totais do MIDAS são semelhantes aos pré- axis I epidemiologic findings. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod.
vios da literatura, na qual pacientes com DTM e cefaleias primária 2011;112(4):453-62.
5. Simons DG, Travell J, Simons I. Myofascial pain and dysfunction: the trigger point
apresentaram um total de 49,3 dias perdidos ou prejudicados, en- manual. Upper half of body. 2nd ed. Baltimore: Williams & Wilkins; 1999.
quanto os pacientes somente com DTM tiveram 23,42 dias27. Esses 6. Bertoli E, de Leeuw R. Prevalence of suicidal ideation, depression, and anxie-
ty in chronic temporomandibular disorder patients. J Oral Facial Pain Headache.
resultados são esperados, uma vez que em pacientes com DTM, a 2016;30(4):296-301.
incapacidade é significativamente aumentada, quando associada às 7. Dahan H, Shir Y, Nicolau B, Keith D, Allison P. Self-reported migraine and chronic

192
Índices de ansiedade, depressão e incapacidade em pacientes com Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):189-93
dor miofascial com e sem o diagnóstico adicional de enxaqueca

fatigue syndrome are more prevalent in people with myofascial vs non myofascial 19. Ligthart L, Gerrits MM, Boomsma DI, Penninx BW. Anxiety and depression are as-
temporomandibular disorders. J Oral Facial Pain Headache. 2016;30(1):7-13. sociated with migraine and pain in general: an investigation of the interrelationships.
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2010;50(2):231-41. che. 2015;55(Suppl 1):32-8.

193
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):194-8 ARTIGO ORIGINAL

Assessment and correlation between subjective and physiological


variables of chronic spinal pain
Avaliação e correlação entre as variáveis subjetivas e fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral
Caroline de Castro Moura1, Denise Hollanda Iunes2, Aline Aparecida Machado Agostinho3, Nara dos Santos3, Andréia Maria Silva2,
Erika de Cássia Lopes Chaves3

DOI 10.5935/1806-0013.20170102

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Chronic pain on the JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor crônica na coluna ver-
spine has a high prevalence. The assessment of subjective and tebral possui uma prevalência elevada. A avaliação de parâmetros
physiological parameters over time, and how they relate is im- subjetivos e fisiológicos ao longo do tempo, e como se relacio-
portant to check changes in people’s health status who suffer nam, é importante para verificar as mudanças no estado de saúde
from this condition. The objective of this study was to evaluate das pessoas que sofrem com essa condição. O objetivo deste estu-
and correlate the subjective and physiological variables of chro- do foi avaliar e correlacionar as variáveis subjetivas e fisiológicas
nic pain on the spine. da dor crônica na coluna vertebral.
METHODS: Observational, prospective study of repeated me- MÉTODOS: Estudo observacional, prospectivo de medidas re-
asures, carried out from September 2015 to January 2016, with petidas, realizado entre setembro de 2015 e janeiro de 2016, com
99 people registered on the waiting list of a University physio- 99 pessoas registradas em fila de espera da clínica de fisioterapia
therapy clinic of Minas Gerais. Four evaluations were performed de uma universidade de Minas Gerais. Foram realizadas quatro
with a 15-day interval. avaliações, com um intervalo de 15 dias entre elas.
RESULTS: It was found statistically significant reductions over RESULTADOS: Verificou-se reduções estatisticamente signifi-
time in pain intensity (p<0.001), in its interference with daily ac- cativas, ao longo do tempo, na intensidade da dor (p<0,001), na
tivities (p<0.001), in pain threshold (p<0.001) and physical im- sua interferência nas atividades cotidianas (p<0,001), no limiar
pairment (p<0.001). There were negative correlations between de dor (p<0,001) e na incapacidade física (p<0,001). Houve
pain threshold and pain intensity in evaluations three (p=0.003) correlações negativas entre o limiar e a intensidade da dor nas
and four (p=0.001); a positive correlation between pain inten- avaliações três (p=0,003) e quatro (p=0,001); correlação positiva
sity and physical impairment in all evaluations (p<0.001); and entre intensidade da dor e a incapacidade física em todas as ava-
a negative correlation between pain threshold and physical im- liações (p<0,001); correlação negativa entre o limiar de dor e a
pairment in evaluations one (p=0.001), three (p=0.043) and four incapacidade física nas avaliações um (p=0,001), três (p=0,043) e
(p=0.004). There are also positive correlations between pain in- quatro (p=0,004). Também existem correlações positivas entre a
tensity and its interference with daily activities (p<0.001); and a intensidade da dor e a sua interferência nas atividades cotidianas
negative correlation between pain threshold and these activities, (p<0,001); e correlação negativa entre o limiar de dor e essas
especially in evaluations three and four. atividades, principalmente nas avaliações três e quatro.
CONCLUSION: There are correlations between subjective varia- CONCLUSÃO: Existem correlações entre as variáveis subjetivas
bles and physiological characteristics of chronic pain on the spine. com as fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral.
Keywords: Chronic pain, Pain measurement, Spine. Descritores: Coluna vertebral, Dor crônica, Mensuração da dor.

INTRODUÇÃO

A dor crônica na coluna vertebral, principalmente na região lombar,


possui elevada prevalência1. Muitos são os impactos que a dor pode
1. Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem, Belo Horizonte, MG, Brasil. provocar na vida das pessoas, como incapacidade física e funcional,
2. Universidade Federal de Alfenas, Departamento de Fisioterapia, Alfenas, MG, Brasil.
3. Universidade Federal de Alfenas, Escola de Enfermagem, Alfenas, MG, Brasil.
que implica em limitações nas atividades de vida diária (dificuldade
para vestir, sentar, fica em pé, andar e levantar objetos), alterações no
Apresentado em 11 de janeiro de 2017. sono e preocupações constantes2. Também podem ocorrer mudan-
Aceito para publicação em 18 de julho de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. ças no limiar de dor, uma vez que os indivíduos que possuem dor
na coluna vertebral apresentam maior sensibilidade nociceptiva, se
Endereço para correspondência:
Rua Gabriel Monteiro da Silva, 700, centro comparados às pessoas saudáveis3.
37130-001 Alfenas, MG, Brasil. As avaliações, tanto subjetivas como fisiológicas, são importantes
E-mail: carol_castro_m@hotmail.com
por apresentarem de maneira mais aprofundada o estado de saú-
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor de dessas pessoas e as mudanças que ocorrem com o tempo4, bem

194
Avaliação e correlação entre as variáveis subjetivas e Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):194-8
fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral

como facilitar a análise da resposta ao tratamento5. Tais avaliações, O QIRM avalia o grau de incapacidade funcional nas atividades de
quando não são consideradas, restringem a compreensão do curso vida diária em pessoas com dor em geral11, por meio de perguntas
da dor e da influência de fatores clínicos e demográficos6. dicotômicas, e um total que varia de zero (nenhuma incapacidade)
Observa-se, contudo, que tais investigações enfatizam apenas a região a 24 pontos (incapacidade grave). Sua pontuação é dada pelo soma-
lombar7. As evidências envolvendo a região cervical e, principalmente tório de todas as respostas ‘sim’11. Foi traduzido, adaptado e validado
a região torácica, ainda não estão bem consolidadas na literatura e, até para a versão brasileira15 e possui adequadas propriedades psicomé-
o presente momento, não foram encontrados estudos que propõem tricas11 (sensibilidade de 62%; especificidade de 55% e acurácia de
verificar o comportamento dessas variáveis relacionadas à dor crônica 64%)16, e é uma medida sensível para detectar diferenças entre gru-
nas três regiões da coluna vertebral, por meio de medidas repetidas. pos ou condições distintas11.
Diante do exposto, este estudo teve por objetivo avaliar e correla- Um algômetro digital, da marca Kratos®, foi utilizado para quan-
cionar as variáveis subjetivas e fisiológicas da dor crônica na coluna tificar o limiar de dor frente ao estímulo mecânico. O paciente foi
vertebral. posicionado em uma maca, em decúbito ventral. A avaliação seguiu
uma padronização em 14 pontos dolorosos, definidos pelos pesqui-
MÉTODOS sadores e realizados sempre na mesma ordem: inserções dos múscu-
los suboccipitais; no músculo trapézio descendente ao nível da 5ª e
Estudo observacional, prospectivo de medidas repetidas, realizado 6ª vértebras cervicais; ponto médio do trapézio descendente – entre
entre setembro de 2015 e janeiro de 2016, com uma população de o acrômio e a 7ª vértebra cervical; trapézio ascendente ao nível do
436 pessoas registradas em fila de espera da clínica de fisioterapia de ângulo inferior da escápula; espinhas ilíacas posterossuperiores; mús-
uma universidade de Minas Gerais. Como critérios de elegibilidade culo paravertebral ao nível da 4ª e 5ª vértebras lombares e músculo
da amostra utilizou-se a presença de dor nas regiões cervical, torácica glúteo na eminência do nervo ciático. A pressão de compressão foi
e/ou lombar, de qualquer origem e existente há três meses ou mais8. aumentada gradualmente a uma velocidade de 1kg/seg. O paciente
Nessa etapa, 111 voluntários foram rastreados por contato telefônico. foi orientado a pressionar o cabo de interrupção do aparelho, à me-
A fim de determinar o tamanho da amostra adequada para o estu- dida que sentiu que o estímulo mecânico transformou em estímulo
do, foi utilizado o software Stata versão 12.0, para o teste de médias doloroso, de forma que este cessou e o valor marcado no aparelho,
com medidas repetidas. Foi considerada como variável principal a referido como a latência do limiar nociceptivo, foi registrado. Foi
intensidade da dor (considerando um ponto de variação na escala realizada uma medida em cada um dos 14 pontos dolorosos, e a
numérica de 11 pontos), e foram adotados poder estatístico de 95% média dos pontos por área (cervical/torácica/lombar) foi utilizada
e nível de significância de 5%. Foi estimado, então, 57 indivíduos para a análise dos dados.
para compor a amostra deste estudo. Este estudo foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (pa-
Como critérios de inclusão foram considerados a idade (≥18 anos) recer no 1.041.266 de 2015), e seguiu os princípios estabelecidos na
e intensidade da dor ≥ três, segundo a escala numérica de intensida- Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial17.
de da dor9. Foram excluídas as pessoas que não responderam a três
tentativas de contato, as que não aceitaram a participar do estudo e Análise estatística
pessoas com dor neuropática ou mista. Portanto, 99 sujeitos consti- Os dados coletados foram analisados pelo Statistical Package for the
tuíram a amostra do estudo. Social Sciences, versão 23.0, por meio da estatística descritiva. Foi
Foram realizadas quatro avaliações, por um mesmo avaliador, com realizado o teste de Kolmogorov Smirnov para determinar a norma-
um intervalo de 15 dias entre elas (zero, 15, 30 e 45 dias). Nesse lidade dos dados, e para comparação foram utilizados os testes Q de
intervalo, os voluntários permaneceram aguardando o tratamento Cochran e Friedman, seguido pelo Wilcoxon, quando necessário, e
fisioterapêutico, e/ou continuaram o tratamento farmacológico. da Correlação de Spearman em cada tempo de avaliação. O nível de
Para a coleta de dados foram utilizadas medidas subjetivas e fisioló- significância adotado foi de 5%
gicas da dor. Dentre as medidas subjetivas, destacam-se o Brief Pain
Inventory (BPI)10 e o questionário de Incapacidade de Roland Morris RESULTADOS
(QIRM), para dor em geral11. Como variável fisiológica adotou-se
o limiar de dor. Dentre as 99 pessoas que concluíram o estudo, 77 (77,8%) eram
O BPI10 possui um diagrama, onde o paciente assinala o local da mulheres. A idade apresentou média de 49,87 e desvio padrão (σ)
dor, além de escalas numéricas utilizadas para mensurar a intensi- de 14,17 anos. A maioria dos indivíduos (n=59; 59,6%) era casado
dade da dor (zero – ausência de dor/ 10 – dor insuportável, e sua e possuía ensino médio completo (n=30; 30,3%). A presença de dor
interferência nas atividades do dia a dia (zero – sem interferência/ por região da coluna vertebral foi avaliada longitudinalmente e é
10 – interferência completa). Obtém-se dois escores finais, relacio- apresentada na tabela 1.
nados à média dos quatro itens que investigam a intensidade da dor, A tabela 2 apresenta o comportamento longitudinal da dor.
e a média dos sete itens que investigam a interferência da dor nas Correlações entre intensidade de dor com limiar de dor; intensidade
atividades cotidianas12. Tal instrumento foi traduzido e adaptado de dor com incapacidade física e limiar de dor com incapacidade
para cultura brasileira13, e possui adequadas características psicomé- física são apresentados na tabela 3.
tricas, uma vez que apresenta alta confiabilidade em teste-reteste, Correlação entre as atividades cotidianas com a intensidade da dor e
demonstrada quando a dor é estável ou não12, e ainda apresenta boa entre as atividades cotidianas com o limiar de dor são apresentadas
sensibilidade ao longo do tempo14. na tabela 4.

195
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):194-8 Moura CC, Iunes DH, Agostinho AA,
Santos N, Silva AM e Chaves EC

Tabela 1. Presença de dor por região ao longo do tempo, Minas Gerais, 2017 (n=99)
Regiões AV 1 AV 2 AV 3 AV 4
f (%) f (%) f (%) f (%)
Cervical 35 (35,40) 26 (26,30) 19 (19,20)* 20 (20,20)**
Torácica 27 (27,30) 25 (25,20) 27 (27,30) 22 (22,20)
Lombar 68 (68,70) 64 (64,60) 51 (51,50)*# 56 (56,60)**
Segundo o teste de Q de Cochran: *Avaliação 1 ≠ Avaliação 3; **Avaliação 1 ≠ Avaliação 4; #Avaliação 2 ≠ Avaliação 3.

Tabela 2. Comportamento da dor quanto à intensidade, interferência, limiar e incapacidade ao longo do tempo, Minas Gerais, 2017 (n=99)
AV 1 AV 2 AV 3 AV 4
µ±σ µ±σ µ±σ µ±σ Valor de
IC IC IC IC p
Intensidade da dor 4,97±2,11 3,98±2,49* 3,15±2,62**# 4,00±3,09***& <0,001
4,55-5,39 3,48-4,48 2,62-3,67 3,38-4,62
Interferência da dor nas atividades cotidianas 4,82±2,69 3,07±2,75* 2,36±2,84**# 2,96±3,21***& <0,001
4,28-5,35 2,52-3,61 1,79-2,92 2,32-3,60
Limiar de dor 2,87±1,46 1,96±0,84* 2,00±0,82 2,03±0,86 <0,001
2,58-3,16 1,79-2,12 1,84-2,17 1,85-2,20
Incapacidade física 12,24±6,14 9,97±6,64* 9,10±6,92 9,83±7,55& <0,001
11,01-13,46 8,64-11,29 7,71-10,48 8,32-11,33
µ = média; σ = desvio padrão; IC: intervalo de confiança à 95%. Segundo o teste de Friedman seguido do Teste de Wilcoxon: *Avaliação 1 ≠ Avaliação 2; **Avaliação
1 ≠ Avaliação 3; ***Avaliação 1 ≠ Avaliação 4; #Avaliação 2 ≠ Avaliação 3; &Avaliação 3 ≠ Avaliação 4.

Tabela 3. Correlações entre intensidade de dor com limiar de dor; intensidade de dor com incapacidade física e limiar de dor com incapacidade
física, Minas Gerais, 2017 (n=99)
AV 1 AV 2 AV 3 AV 4
Limiar de dor/intensidade da dor Valor p 0,018 0,019 0,003* <0,001*
R -0,283 -0,235 -0,298 -0,408
Incapacidade física/intensidade da dor Valor p <0,001 *
<0,001 *
<0,001 *
<0,001*
R 0,499 0,465 0,600 0,067
Incapacidade física/limiar de dor Valor p 0,001 *
0,143 0,043 *
0,004*
R -0,339 -0,148 -0,204 -0,029
*p< 0,05; Correlação de Spearman.

Tabela 4. Correlação entre as atividades cotidianas com a intensidade da dor e entre as atividades cotidianas com o limiar de dor, Minas Gerais,
2017 (n=99)
Atividades cotidianas Avaliação Intensidade da dor Limiar de dor
Valor de p R Valor de p R
Atividade geral 1 <0,001* 0,497 0,009* -0,260
2 <0,001* 0,596 0,185 -0,134
3 <0,001* 0,763 0,016* -0,243
4 <0,001* 0,777 0,002* -0,304
Humor 1 <0,001* 0,374 0,001* -0,257
2 <0,001* 0,434 0,115 -0,159
3 <0,001* 0,705 0,035* -0,212
4 <0,001* 0,672 <0,001* -0,400
Habilidade de caminhar 1 <0,001* 0,407 0,069 -0,184
2 <0,001* 0,557 0,066 -0,185
3 <0,001* 0,705 0,007* -0,269
4 <0,001* 0,701 0,005* -0,281
Continua...

196
Avaliação e correlação entre as variáveis subjetivas e Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):194-8
fisiológicas da dor crônica na coluna vertebral

Tabela 4. Correlação entre as atividades cotidianas com a intensidade da dor e entre as atividades cotidianas com o limiar de dor, Minas Gerais,
2017 (n=99) – continuação
Atividades cotidianas Avaliação Intensidade da dor Limiar de dor
Valor de p R Valor de p R
Trabalho 1 <0,001* 0,653 0,127 -0,154
2 <0,001* 0,541 0,017* -0,240
3 <0,001* 0,454 0,037* -0,210
4 <0,001* 0,481 <0,001* -0,402
Relacionamento com outras pessoas 1 <0,001* 0,324 0,075 -0,180
2 <0,001* 0,381 0,005* -0,278
3 <0,001* 0,551 0,039* -0,207
4 <0,001* 0,572 <0,001* -0,399
Sono 1 <0,001* 0,482 0,510 -0,067
2 <0,001* 0,553 0,246 -0,118
3 <0,001* 0,593 <0,001* -0,359
4 <0,001* 0,676 <0,001* -0,439
Apreciar a vida 1 <0,001* 0,387 0,194 -0,132
2 <0,001* 0,480 0,030* -0,218
3 <0,001* 0,531 0,133 -0,152
4 <0,001* 0,497 0,002* -0,301
*p< 0,05; Correlação de Spearman.

DISCUSSÃO Constatou-se ainda, ao longo do tempo, reduções estatisticamente


significativas na intensidade da dor, na sua interferência nas ativida-
Ao avaliar a dor crônica na coluna vertebral nos quatro tempos de des cotidianas, no limiar de dor e na incapacidade física. Tais mu-
avaliação, por meio de variáveis subjetivas e fisiológicas, verificou-se danças reforçam a importância da avaliação dessas variáveis para um
reduções estatisticamente significativas na intensidade da dor, na sua acompanhamento multidimensional da dor crônica.
interferência nas atividades cotidianas, no limiar de dor e na incapa- A intensidade da dor, obtida por meio da escala numérica, pode
cidade física, bem como as correlações entre tais variáveis em cada ser considerada o padrão-ouro para a mensuração desse fenômeno23.
tempo, de forma que foi possível perceber o impacto negativo que Ressalta-se, ainda, que como os distúrbios musculoesqueléticos da
ela acarreta na vida das pessoas. coluna vertebral são a causa mais comum de dor persistente e inten-
A região lombar é considerada o local afetado pela dor de forma sa, e de incapacidade física, torna-se imperativa a avaliação de fatores
mais intensa18, como também foi evidenciado no presente estudo. que são impactados pela dor, como a capacidade funcional, a fadiga,
A avaliação por medidas repetidas permitiu acompanhar a frequ- o sono, o bem-estar em geral, dentre outros9.
ência de pessoas acometidas pela dor nesse local, de forma que Além desses fatores, a avaliação de variáveis fisiológicas também é
houve diminuição até a AV 3 e, em seguida um aumento, estatis- importante para auxiliar a compreensão do comportamento da dor
ticamente significativo. A coluna lombar integra o complexo lom- crônica, como o seu limiar, uma variável quantitativa que fica redu-
bo-pélvico, local do eixo de gravidade da coluna vertebral, onde zida em pessoas com dor persistente24. Isso pode estar relacionado à
grande parte dos movimentos é iniciada e ocorre a transmissão de mecanismos de sensibilização central que alteram o processamento
carga entre as vértebras. Essa região é, portanto, mais suscetível à normal de informações nociceptiva e não nociceptiva25. Essa neuro-
ocorrência de dor19. plasticidade causa hiperalgesia e alodínea26, com respostas dolorosas
A dor que acomete a região cervical também apresentou um compor- a estímulos normais24.
tamento similar ao observado na região lombar, que foi estatistica- Ao verificar a existência de correlações entre o limiar e a intensida-
mente significativo. Uma em cada duas pessoas podem experimentar de da dor durante as quatro avaliações, foram encontrados valores
dor no pescoço ao longo de suas vidas20. Geralmente, a deterioração estatisticamente significativos nas AV 3 e AV 4, como também foi
persistente do controle neuromuscular dos músculos do pescoço con- observado no estudo realizado por Imamura et al.7. Diante disso,
tribui, em parte, para a cronicidade e recidiva do problema21. a fim de estabelecer uma avaliação fidedigna da dor crônica, faz-se
Acredita-se que a diminuição do número de pessoas que relata- imperativo confrontar variáveis subjetivas (intensidade da dor), com
ram dor nessas duas regiões, ao longo das avaliações, pode ser variáveis fisiológicas (limiar de dor), para que o processo de avaliação
devida a mudanças de atitudes, pelo fato de estarem sendo ob- ao longo do tempo, não fique focado apenas no relato do indivíduo,
servadas, fenômeno esse conhecido como efeito Hawthorne22; ou permitindo inferências mais concretas.
pela adesão às estratégias de controle da dor ao longo do período Foi possível observar também correlação significativa entre a intensi-
de acompanhamento. dade da dor e a incapacidade física em todas as avaliações, de forma

197
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):194-8 Moura CC, Iunes DH, Agostinho AA,
Santos N, Silva AM e Chaves EC

que a incapacidade física aumentou proporcionalmente à intensidade REFERÊNCIAS


da dor. A intensidade da dor, ao limitar o movimento, impedir a rea-
1. Balagué F, Mannion AF, Pellisé F, Cedraschi C. Non-specific low back pain. Lancet.
lização de atividades cotidianas e trazer prejuízos às interações sociais, 2012;379(9814):482-91.
influencia diretamente os índices de incapacidade física27. Assim, a 2. Hoy D, March L, Brooks P, Blyth F, Woolf A, Bain C, et al. The global burden of low
avaliação longitudinal e conjunta da intensidade da dor e da incapa- back pain: estimates from the Global Burden of Disease 2010 study. Ann Rheum Dis.
2014;73(6):968-74.
cidade física, é essencial para estabelecer medidas de prevenção e con- 3. Farasyn A, Lassat B. Cross friction algometry (CFA): Comparison of pressure pain
trole da dor, uma vez que uma variável sofre influência direta da outra. thresholds between patients with chronic non-specific low back pain and healthy sub-
jects. J Bodyw Mov Ther. 2016;20(2):224-34.
Essa mesma relação também ocorreu entre o limiar de dor e o nível 4. de Vet HC, Terwee CB, Ostelo RW, Beckerman H, Knol DL, Bouter LX. Minimal
de incapacidade, contudo inversamente proporcionais, nas AV 1, changes in health status questionnaires: distinction between minimally detectable
change and minimally important change. Health Qual Life Outcomes. 2006;4:54.
AV 3 e AV 4, como também verificado por Imamura et al.7. A cor- 5. Herndon CM, Zoberi KS, Gardner BJ. Common questions about chronic low back
relação entre essas variáveis, fisiológica e subjetiva, fortalece ainda pain. Am Fam Physician. 2015;91(10):708-14.
mais a associação existente entre o limiar da dor e a incapacidade, 6. Stanton TR, Latimer J, Maher CG, Hancock MJ. How do we define the condition
‘recurrent low back pain’? A systematic review. Eur Spine J. 2010;19(4):533-9.
de forma que devem compor os parâmetros para a avaliação da dor 7. Imamura M, Alfieri FM, Filippo TR, Battistella LR. Pressure pain thresholds in
crônica nos indivíduos com dor na coluna vertebral. patients with chronic nonspecific low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil.
2016;29(2):327-36.
Sabe-se, também, que a incapacidade física, além da intensidade da 8. Sociedade Brasileira para Estudo da Dor (SBED). Capítulo Brasileiro da International
dor, sofre influência de outros fatores, como: da assistência de saúde Association for the Study of Pain. Classificação. 2015.
recebida, da reabilitação, do ambiente social e físico, do estilo de vida e 9. Salaffi F, Ciapetti A, Carotti M. Pain assessment strategies in patients with muscu-
loskeletal conditions. Reumatismo. 2012;64(4):216-29.
dos atributos psicológicos18,28. Quanto ao limiar, a modulação da dor 10. Daut R, Cleeland C, Flanery R. Development of the Wisconsin Brief Pain Question-
pode estar relacionada à variação individual. Dessa forma, pacientes naire to assess pain in cancer and other diseases. Pain. 1983;17(2):197-210.
11. Sardá Junior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Valida-
com o limiar de dor comprometido são mais suscetíveis à incapacida- ção do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral. Rev Dor.
de e, consequentemente, toleram menos o estímulo doloroso29. 2010;11(1):28-36.
12. Cleeland CS. The Brief Pain Inventory. Texas: User Guide; 2009. 66p.
Verificou-se, ainda, correlações positivas entre a intensidade da dor 13. Toledo FO, Barros PS, Herdman M, Vilagut G, Reis GC, Alonso J, et al. Cross-
e a sua interferência nas atividades cotidianas, de forma que o au- -Cultural Adaptation and Validation of the Brazilian Version of the Wisconsin Brief
mento ou a diminuição nessas variáveis são diretamente propor- Pain Questionnaire. J Pain Symptom Manage. 2013;46(1):121-30.
14. Keller S, Bann CM, Dodd SL, Schein J, Mendoza TR, Cleeland CS. Validity of the
cionais. Especificamente, foram encontradas correlações estatistica- brief pain inventory for use in documenting the outcomes of patients with noncancer
mente significativas frente às atividades gerais, humor, habilidade pain. Clin J Pain. 2004;20(5):309-18.
15. Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and valida-
de caminhar, trabalho, relacionamento com outras pessoas, sono e tion of the Roland-Morris questionnaire - Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res.
apreciação da vida, em todas as avaliações relacionadas à intensidade 2001;34(2):203-10.
16. Monticone M, Baiardi P, Vanti C, Ferrari S, Pillastrini P, Mugnai R, et al. Responsiveness
da dor. Da mesma forma, foram encontradas correlações negativas of the Oswestry Disability Index and the Roland Morris Disability Questionnaire in Ita-
entre o limiar de dor e essas atividades, principalmente nas AV 3 e lian subjects with sub-acute and chronic low back pain. Eur Spine J. 2012;21(1):122-9.
AV 4. A existência de correlação entre essas varáveis e a observação 17. Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial (WMA). Princípios éticos
para a pesquisa médica envolvendo seres humanos. 2000. 1-6p.
do seu comportamento ao longo do tempo, também permite verifi- 18. Costa Lda C, Maher CG, McAuley JH, Hancock MJ, Herbert RD, Refshauge KM,
car a importância de suas associações para estabelecer uma avaliação et al. Prognosis for patients with chronic low back pain: inception cohort study. BMJ.
2009;339(b3829):1-8.
adequada da dor. 19. Andrade SC, Araújo AG, Villar MJ. Escola de Coluna: revisão histórica e sua aplicação
Diante da associação entre a intensidade da dor, a sua interferência a lombalgia crônica. Rev Bras Reumatol. 2005;45(4):224-48.
20. Fejer R, Kyvik KO, Hartvigsen J. The prevalence of neck pain in the world popula-
em atividades cotidianas e o seu limiar, percebe-se que quando a dor tion: a systematic critical review of the literature. Eur Spine J. 2006;15(6):834-48.
crônica deixa de ser apenas um sintoma e passa a ser uma doença, 21. Falla D, Farina D. Neural and muscular factors associated with motor impairment in
implica em várias alterações na vida das pessoas, limitando atitudes e neck pain. Curr Rheumatol Rep. 2007;9(6):497-502.
22. McCambridge J, Witton J, Elbourne DR. Systematic review of the Hawthorne effect:
decisões e definindo comportamentos. No estudo realizado por San- new concepts are needed to study research participation effects. J Clin Epidemiol.
tos et al.30, os autores apontaram que os aspectos mais influenciados 2014;67(3):267-77.
23. Puntillo K, Neighbor M, Nixon R. Accuracy of emergency nurses in assessment of
pela dor são a realização de atividades gerais, seguido de impactos patients pain. Pain Manag Nurs. 2003;4(4):171-5.
sobre o humor, a capacidade de andar e o trabalho. Nesse cenário, 24. O’Neill S, Kjær P, Graven-Nielsen T, Manniche C, Arendt-Nielsen L. Low pressure
pain thresholds are associated with, but does not predispose for, low back pain. Eur
a dor lombar crônica é uma importante causa de incapacidade e Spine J. 2011;20(12):2120-5.
limitação funcional, de forma que ela afeta diretamente a realização 25. Özdolap S, Sarikaya S, Köktürk F. Evaluation of pain pressure threshold and widespre-
das atividades diárias31. ad pain in chronic low back pain. Turk J Phys Med Rehab. 2014;60(1):32-6.
26. Latremoliere A, Woolf CJ. Central sensitization: a generator of pain hypersensitivity
Dentre as limitações do presente estudo, evidencia-se o curto perío- by central neural plasticity. J Pain. 2009;10(9):895-926.
do de seguimento, o efeito Hawthorne, e o fato de que algumas va- 27. Garbi Mde O, Hortense P, Gomez RR, da Silva Tde C, Castanho AC, Sousa FA. [Pain
intensity, disability and depression in individuals with chronic back pain]. Rev Lat
riáveis que interferem na sensibilidade à dor não foram controladas, Am. Enfermagem. 2014;22(4):569-75. English, Portuguese, Spanish.
como o ciclo menstrual. Para estudos futuros sugere-se a realização 28. Lundberg M, Frennered K, Hagg O, Jorma SJ. The impact of fear-avoidance model
variables on disability in patients with specific- or non-specific chronic low back pain.
das avaliações em um período mais prolongado, controlando possí- Spine (Phila Pa 1976). 2011;36(19):1547-53.
veis variáveis de confusão, como o ciclo menstrual. 29. Arendt-Nielsen L, Skou ST, Nielsen TA, Petersen KK.Altered central sensitization
and pain modulation in the CNS in chronic joint pain. Curr Osteoporos Rep.
2015;13(4):225-34.
CONCLUSÃO 30. Santos GV, Viera AS, Goes BT, Mota RS, Baptista AF, Sá KN. Pain assessment
through the brief pain inventory in a low socioeconomic level population. Rev Dor.
2015;16(3):190-4.
Existem correlações entre as variáveis subjetivas com as fisiológicas 31. Zavarize SF, Wechsler SM. Perfil criativo e qualidade de vida: implicações em adultos
da dor crônica na coluna vertebral. e idosos com dor lombar crônica. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):403-14.

198
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211 ARTIGO ORIGINAL

Elaboration of a booklet for individuals with chronic pain


Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica
Sandra Porciuncula Mendez1,2, Katia Nunes Sá2,3, Paula Carneiro Silva de Araújo2, Iasmyn Adélia Victor Fernandes de Oliveira4,5, Artur
Padão Gosling6, Abrahão Fontes Baptista3,4,5

DOI 10.5935/1806-0013.20170103

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Chronic pain is consi- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor crônica é considerada
dered a public health problem. The best way to deal with it is still um problema de saúde pública. A melhor forma de enfrentá-la
a challenge. However, socio-educational interventions have been ainda é um desafio. Contudo, intervenções socioeducativas têm
recommended in national and international guidelines that deal sido recomendadas por diretrizes nacionais e internacionais que
with it. The objective of this study was to develop an educational tratam do seu manuseio. O objetivo deste estudo foi elaborar
booklet written in the Brazilian Portuguese language for people uma cartilha educativa escrita na língua portuguesa brasileira
who face the problem of chronic pain. para pessoas que vivenciam o problema da dor crônica.
METHODS: This study on the development of a light technology MÉTODOS: Este estudo de desenvolvimento de tecnologia leve
was conducted in three phases: the narrative of the literature review foi realizado em três fases: revisão narrativa da literatura para
to identify the appropriate content; the approach of target audience identificar o conteúdo adequado; aproximação da população
through structured interviews; and the elaboration of a booklet by alvo, por meio de entrevistas estruturadas; e construção da carti-
professionals specialized in the treatment of chronic pain. lha por profissionais especializados no tratamento da dor crônica.
RESULTS: The study resulted in the production of a booklet RESULTADOS: O estudo resultou na confecção de uma car-
named “EducaDor,” ludically illustrated with 18 pages, divided tilha nomeada de “EducaDor”, ilustrada ludicamente, com 18
into the following sections: 1. What is pain? 2. Acute pain: useful páginas, divididas nas seguintes seções: 1. O que é dor? 2. Dor
pain; 3. Chronic pain: the persistent pain; 4. Living with the aguda: a dor útil; 3. Dor crônica: a dor persistente; 4. A convi-
pain; 5. False ideas about chronic pain, do not believe them; vência com a dor; 5. Falsas ideias sobre a dor crônica, não acre-
6. Strategies to deal with the pain. Using plain language, the dite nelas; 6. Estratégias para lidar com a dor. Por meio de lin-
booklet provides data on neurophysiology and psychological and guagem acessível, a cartilha fornece dados sobre neurofisiologia
behavioral aspects related to chronic pain. The booklet can con- e aspectos psicológicos e comportamentais envolvidos com a dor
tribute to modifying misbeliefs about pain and bad behaviors, as crônica. A cartilha pode contribuir para a modificação de crenças
well as to provide strategies to cope with chronic pain. errôneas sobre a dor e de comportamentos mal adaptativos, além
CONCLUSION: This study has successfully developed a light de fornecer estratégias para o enfrentamento da dor crônica.
health technology which offers inputs for socio-educational pro- CONCLUSÃO: Este estudo desenvolveu com sucesso uma tec-
grams to handle chronic pain. nologia leve em saúde que fornece subsídios para programas so-
Keywords: Chronic pain, Health education, Self-management. cioeducacionais para o manuseio da dor crônica.
Descritores: Automanejo, Dor crônica, Educação em saúde.

INTRODUÇÃO
1. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Curso de Fisioterapia, Salvador, BA, Brasil.
2. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Programa de Pós-graduação em Tecnologias Dor é a principal razão para a procura de serviços de saúde1. Embora
em Saúde, Salvador, BA, Brasil. seja um fenômeno fisiológico no estágio agudo, quando evolui para
3. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Programa de Pós-graduação em Medicina e
Saúde Humana, Salvador, BA, Brasil. a condição crônica torna-se uma morbidade que produz impactos
4. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-graduação em negativos para as sociedades contemporâneas2.
Medicina e Saúde, Salvador, BA, Brasil.
5. Universidade Federal do ABC, Centro de Matemática, Computação e Cognição, São Estimativas da prevalência de dor crônica (DC) variam de 12 a 30%
Bernardo do Campo, SP, Brasil. em nível mundial3 e no Brasil afeta cerca de 40% da população4-6.
6. Aliviar – Medicina da Dor, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Trata-se de uma condição complexa, cujo manuseio ainda é um de-
Apresentado em 14 de dezembro de 2016. safio. O cuidado biomédico é insuficiente para o controle da DC.
Aceito para publicação em 14 de agosto de 2017. Para compreendê-la é preciso considerar as relações entre mudanças
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
biológicas e aspectos filosóficos, sociais e emocionais7-9.
Endereço para correspondência: A DC é influenciada por pensamentos, crenças, atitudes e expectati-
UFABC - Alameda da Universidade, s/n - Anchieta
09606-045 São Bernardo do Campo, SP, Brasil. vas10. Crenças errôneas, pouco adaptativas, geralmente estão associa-
E-mail: abrahao.baptista@gmail.com das à pior evolução do quadro doloroso, tais como: a dor é um sinal
de lesão; não é possível o controle da dor; é preciso evitar atividades
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor que possam provocá-la; a solicitude de familiares e amigos é dese-

199
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211 Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP e Baptista AF

jável; não existe relação entre emoção e dor; a dor é incapacitante; A segunda fase do estudo envolveu a aproximação do principal pú-
fármacos são o melhor tratamento; e existe cura médica7,11-13. blico alvo, formado por pacientes de um centro de referência para
A abordagem biopsicossocial implica em uma mudança na relação tratamento da dor crônica da cidade de Salvador, registrado na So-
entre o profissional de saúde e o paciente. O protagonismo da pessoa ciedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) e subsidiado pelo
com DC em seu processo terapêutico é fundamental para que possa Sistema Único de Saúde (SUS).
assumir uma postura ativa14. Nesse sentido, intervenções socioedu- Para permitir a ampliação dos significados do processo saúde-do-
cativas têm sido recomendadas por diretrizes internacionais que tra- ença, a abordagem qualitativa foi considerada a mais adequada.
tam de seu manuseio15-17. Optou-se pela entrevista estruturada com perguntas fechadas e em
Um estudo realizado sobre a prevalência de DC em Salvador4 moti- sequência pré-estabelecida27. Buscou-se, por meio das entrevistas, o
vou o desenvolvimento de uma tecnologia leve, direcionada a pes- levantamento das necessidades, dos conhecimentos, das lacunas e
soas que vivenciam o problema da DC. Intervenções baseadas em das crenças corretas e errôneas sobre a DC28.
educação foram efetivas no controle da DC na população austra- Com base em temas considerados necessários para a compreensão do
liana18, porém a aplicação direta de uma intervenção dessa natureza fenômeno doloroso pela IASP29, foram utilizados quatro roteiros nas
em outra cultura não é recomendada. Os escassos recursos em língua temáticas: conceito, percepção, processamento e controle da dor. As
portuguesa motivaram o desenvolvimento de um recurso próprio entrevistas foram gravadas e transcritas e seu conteúdo foi tratado a
para as condições socioambientais, socioeconômicas e educacionais partir da análise de conteúdo, na modalidade de análise temática27,30.
do Brasil. As entrevistas foram aplicadas por equipe treinada. A coleta ocorreu
Materiais socioeducativos impressos, incluindo livros, cartilhas e no período de junho a agosto de 2013. Apesar de não se tratar de
folhetos, podem ser considerados como formas de tecnologia leve. ambiente reservado e silencioso, a sala de espera foi escolhida para
Esses materiais ampliam a possibilidade de comunicação entre os a coleta por ser o local onde habitualmente os pacientes trocam ex-
interessados, proporcionam a uniformização das orientações e ainda periências.
podem ser levados para casa e consultados sempre que necessário19,20. Foram incluídos pacientes maiores de 18 anos, com diagnóstico de
Direcionado para diferentes públicos, recomenda-se que a elabora- dor musculoesquelética crônica de acordo com os critérios da IASP.
ção desses materiais seja precedida por ampla revisão da literatura e Foram excluídos os que relatavam estar em acompanhamento para
inclua a aproximação do público-alvo, a fim de conhecer o contexto dor oncológica e os que apresentaram dificuldade de comunicação.
sociocultural, expectativas, interesses e preocupações. Além do con- Foram considerados perdas os casos em que os pacientes foram cha-
teúdo a ser abordado, critérios como linguagem utilizada, ilustrações mados para a consulta durante a entrevista.
e diagramação do material devem ser observados para facilitar sua Durante o planejamento da pesquisa, foi estimado entrevistar 10
leitura e compreensão. É preciso considerar as barreiras sociocultu- pessoas com cada roteiro, porém a coleta foi interrompida quando
rais, principalmente quando associadas ao nível de escolaridade, que atingiu o critério de saturação30.
podem dificultar a leitura e o entendimento do instrumento19,21-26. A análise temática do conteúdo consistiu em três etapas: 1) pré-
O presente estudo teve como objetivo elaborar uma cartilha educa- -análise; 2) exploração do material; e 3) tratamento, inferência e
tiva voltada para pessoas com DC. interpretação dos dados.
Na primeira etapa (pré-análise) foi realizada a leitura flutuante de
MÉTODOS todo o material, os objetivos do estudo foram retomados e foram
selecionadas perguntas entre as que pertenciam aos quatro roteiros
A metodologia envolveu três fases: 1) revisão narrativa da literatura; que estruturaram o conteúdo deste estudo. A leitura das questões
2) interlocução com pacientes com dor crônica; e 3) a elaboração selecionadas foi retomada e os dados brutos, organizados em forma
da cartilha. de tabelas e agrupados por semelhança na temática aos quais faziam
Com o objetivo de garantir que o conteúdo do material estivesse referência. Os relatos dos pacientes foram codificados com a letra
atualizado e baseado em evidências científicas7, optou-se por realizar “R” e um numeral arábico por paciente.
uma revisão da literatura. A busca foi realizada na biblioteca virtual Na segunda etapa, o material foi explorado por processo de catego-
do Pubmed de fevereiro a maio de 2015. Foram incluídos estudos rização, permitindo a redução dos textos em palavras ou expressões
em português, inglês ou espanhol, publicados entre 2000 e 2015, significativas agregadas em torno das categorias temáticas. No estu-
com resultados de ensaios clínicos randomizados e revisões de lite- do em questão, as categorias e subcategorias utilizadas foram aprio-
ratura, que indicassem pelo menos uma intervenção socioeducativa rísticas31 (Tabela 1), estabelecidas pela revisão narrativa da literatura
para DC em adultos. A estratégia de busca foi: “chronic pain” AND e relacionadas com os temas tratados na cartilha. Os dados foram
“patient education” AND “patient education handout or models edu- então examinados e agrupados por categorias, não mais consideran-
cational or self-care or guideline or self-management or educational pro- do as perguntas e os roteiros pré-estabelecidos.
gram or management or education or pamphlet or brochure or booklet” Na terceira etapa (tratamento e análise dos dados) foram realiza-
NOT (cancer or children). das interpretações dos dados. Esta fase do estudo foi aprovada pelo
Os artigos foram selecionados pelo título e resumos, sendo excluídos Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Ma-
os que não tratavam de intervenções socioeducativas, os duplicados, ternidade Climério de Oliveira da Universidade Federal da Bahia
os que ainda estavam em desenvolvimento e os que abordavam prá- (UFBA), sob os pareceres 098/2012 e 108/2011. Todas as recomen-
ticas educativas exclusivas, sem possibilidade de aplicação por equipe dações da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde foram
interdisciplinar. rigorosamente cumpridas.

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Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211

Tabela 1. Categorias e subcategorias temáticas As principais recomendações, preconizadas pela literatura científica,
Categorias Subcategorias utilizadas no desenvolvimento da cartilha, foram relativas à lingua-
1. O que é dor? Significados da dor gem escrita, ilustrações e diagramação (Tabela 2).
Causas da dor
2. Dor aguda Significados da dor aguda RESULTADOS
Processamento da dor aguda
3. Dor crônica Significados da dor crônica Na primeira fase, a revisão da literatura identificou 704 estudos se-
Processamento da dor crônica lecionados por título. Desses, 179 foram selecionados para a leitura
A (con)vivência com a dor
do resumo, dos quais 43 foram selecionados para a leitura completa
Fatores associados
Crenças errôneas do texto. Dos artigos completos, oito eram estudos de revisão e 35
Estratégias de enfrentamento ensaios clínicos (Tabela 3).
Fonte: os autores Os estudos eram heterogêneos quanto à metodologia científica, di-
dática do recurso, profissionais envolvidos, duração e frequência dos
Com base nos dados obtidos na literatura e nas entrevistas, uma encontros, modelo de abordagem em saúde, nomenclatura e con-
equipe formada por seis fisioterapeutas pesquisadores se reuniu para teúdo apresentado. Devido à necessidade de selecionar o conteúdo
o desenvolvimento da cartilha (terceira fase), que envolveu a defini- apropriado para confecção da cartilha, optou-se por focar nos temas
ção dos objetivos, seleção do conteúdo, escrita e formatação. abordados e não na metodologia.
As ilustrações tiveram o papel de favorecer o interesse pela leitura, Os modelos de abordagem socioeducativa se distribuíram em bio-
criar um sentimento de identificação e de descontração23,26. Durante médico, biopsicossocial e também um modelo misto. Os principais
a produção da cartilha, foram selecionadas algumas imagens dispo- temas abordados, orientações e os principais resultados são apresen-
níveis em páginas eletrônicas que pudessem servir como base para a tados na tabela 4.
confecção das ilustrações finais, pois foi observada a necessidade de Os estudos que mostraram predomínio de conteúdo biomédico
criação de ilustrações próprias, que permitisse identidade ao material apresentaram como temas anatomia, biomecânica, epidemiologia e
produzido e noção de continuidade. fisiopatologia da dor. As orientações ministradas aos pacientes fo-
Como forma de auxiliar a compreensão dos conceitos apresentados ram, principalmente, relativas à postura e aos movimentos corretos
e também para promover a identificação do leitor, foram incluídos durante atividades diárias, sobre a prática de exercícios físicos e tam-
alguns trechos das falas dos entrevistados. Foram selecionadas falas bém sobre a importância de manter-se ativo. A diminuição da inten-
que expressassem sentimentos e crenças relativas à dor, experiências sidade da dor e da incapacidade foram os resultados mais relatados.
da convivência com a dor crônica e estratégias de enfrentamento, Os estudos alinhados com o modelo biopsicossocial abordaram te-
tendo o cuidado de não incluir falas que expressassem pensamentos mas como gestão da dor, fármacos, nutrição, fisiologia da dor, ergo-
catastróficos ou algum tipo de preconceito. nomia, gerenciamento do estresse, crenças disfuncionais e estratégias
O público mais acometido por DC, tanto pelos dados levantados da de enfrentamento. As orientações envolveram a prática de exercício
literatura como pelo perfil dos entrevistados, é constituído, predo- físico, incentivo ao movimento, aceitação da dor, exercício de re-
minantemente, por pessoas de baixo nível socioeconômico e baixa laxamento e participação ativa. Como principais resultados foram
escolaridade. Entre as modalidades escritas, a cartilha se adequou observados diminuição da dor, da incapacidade, melhora do estado
melhor à proposta, por permitir a apresentação do conteúdo de for- geral, qualidade de vida, autoeficácia, estratégias de enfrentamento e
ma atraente e compreensível para o público-alvo. diminuição das crenças mal adaptativas.

Tabela 2. Recomendações que foram utilizadas no desenvolvimento da cartilha


Linguagem escrita
· Uso de linguagem simples, clara, de fácil compreensão, não técnica, de forma que pudesse ser compreendida independentemente do grau
de instrução do leitor19,20,22,24,26,32
· Ideias apresentadas em ordem lógica20,22,26
· Uso de analogias familiares ao público alvo20,22,32
· O tom não infantil ou alarmista, mas construtivo, positivo e animador20
· Informações escritas em forma de conversa20,22,26
· Não foram usadas expressões preconceituosas, nem palavras ou expressões de duplo sentido24
Ilustração
· Imagens familiares ao público alvo, que permitem ao leitor se identificar com a mensagem20,26
· Imagens utilizadas para descontrair, animar, tornar a leitura mais leve19
Diagramação
· Impressão preta sobre fundo claro20,32
· Fonte legível, maior que a usual, de boa definição20,22,26,32
· Informações apresentadas da forma mais breve possível, substituindo frases longas por frases mais curtas20,26,32
· Bom espaçamento entre linhas e parágrafos20,26
· Não foram utilizados textos com fontes estilizadas ou maiúsculas20,22,32
· Fonte em negrito apenas para os títulos ou destaques22,26,32
· Uso de títulos e subtítulos para favorecer a aprendizagem26,32

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211 Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP e Baptista AF

Tabela 3. Artigos utilizados


Modelo Biomédico
População Intervenção/comparação Medidas de acompa- Resultados
nhamento
Udermann Indivíduos Receberam uma cópia de Intensidade da dor, epi- Melhora na dor, na compreensão do conteúdo e
et al.32 com lombalgia um livro educativo, exame sódios de dor, compor- opiniões sobre o texto geralmente positivas.
crônica escrito de seu conteúdo, e tamentos de autocui- Em 9 meses de follow-up: melhora significativa na
duas entrevistas por tele- dado, conhecimento e dor, número de episódios e benefício percebido.
fone. opinião sobre o livro. Aos 18 meses de follow-up, esses ganhos ou foram
mantidos ou houve ainda mais melhorias.
Garcia et al.33 Indivíduos Back school em grupo / Intensidade da dor (esca- O método McKenzie foi ligeiramente mais eficaz do
com lombalgia McKenzie individual. Am- la analógica visual (EAV)), que o método back school para a deficiência, mas
crônica bos realizaram um conjun- incapacidade (Roland- não para a intensidade da dor, imediatamente após
inespecífica to diário de exercícios em -Morris), movimento de o tratamento.
casa. flexão do tronco, Quali- Não houve grupo contole não tratado.
dade de vida (BREF)
Hodselmans, Indivíduos GI(grupo intervenção): Pro- Função física e incapa- O GI melhorou significativamente o estado funcio-
Jaegers e com lombalgia grama Back school – cogni- cidade física (RAND-36), nal e a deficiência percebida, provavelmente atribu-
Göeken34 crônica tivo somático ADM da região lombar, ível a percepções apropriadas de sintomas físicos.
GC (grupo controle): lista de
espera
Shirado et al.35 Indivíduos Fase 1. Programa gerido Intensidade da dor (EAV), O resultado foi considerado satisfatório para o tra-
com lombalgia por equipe interdisciplinar flexibilidade do tronco tamento de pacientes com dor lombar crônica. En-
crônica realizado em grupos com e isquiotibiais (distância sinar a mecânica do corpo e realizar os exercícios
duração de 3h. . dedo-chão, elevação da terapêuticos, por meio da abordagem de equipe
perna), força muscular e multidisciplinar é essencial para a gestão da lom-
resistência de tronco e balgia crônica em um cenário geral
satisfação do paciente.
Tavafian et al.36 Mulheres com Os grupos 1 e 2 foram ava- Short Form Health Sur- O “Programa Back School” foi eficaz na melhora da
lombalgia liados e receberam trata- vey (SF-36) qualidade de vida das pacientes. No G2 a melho-
crônica mento. O Grupo 1 parcipou ra foi observada em três domínios (dor, vitalidade e
do Programa Back school saúde mental), mas essas melhoras foram menores
do que no G1.
Gaskell, Indivíduos Nove sessões de grupo de Dor (EAV), incapacidade Níveis de dor, incapacidade, ansiedade e depressão
Enright e com lombalgia 2 h executados ao longo de (Roland Morris), ansieda- foram significativamente reduzidos. Níveis de apti-
Tyson37 crônica ines- 5 semanas de e depressão (HADS), dão e controle percebido melhoraram significativa-
pecífica. percepção de controle mente, sugerindo que os participantes eram mais
sobre dores, testes de capazes de gerir a sua dor lombar. Limitações: Não
Fitness e teste de cami- houve grupo controle e houve alta taxa de abando-
nhada de 5 minutos no durante o estudo.
Cecchi et al.41 Mulheres com Back school, fisioterapia Incapacidade (Roland A manipulação da coluna foi associada à melhora
lombalgia indivídual e manipulação. Morris Disability Questio- funcional e alivio da dor de longo prazo do que a
crônica ines- Todos recebram uma carti- nnaire) e back school ou fisioterapia individual, mas recebeu
pecífica lha com informações sobre dor (Pain Rating Scale). mais tratamento adicional no follow-up. Recorrên-
anatomia e biomecânica da cias de dor e consumo de fármacos também foram
coluna, orientações postu- reduzidos em comparação com back school ou fi-
rais e ergonomia. sioterapia individual.
Sahinet al.38 Indivíduos GI: realizou exercícios, moda- Intensidade da dor Melhora da dor e da funcionalidade em ambos os
com lombalgia lidades de tratamento físico e (EAV) e funcionalidade grupos, mas a diferença entre os escores no final
crônica um programa back school (Oswestry Low Back do tratamento e 3 meses após o tratamento não foi
GC: realizou exercícios e Pain Disability Questio- significativa.
recebeu modalidades de nnaire)
tratamento físicos.
Sadeghi- Trabalhadores Programa Back school Intensidade da dor (EAV); Melhora, mas não significativa, da intensidade da
Abdollahi com lombalgia qualidade de vida (Short dor. Três meses após o final das sessões a melhora
et al.39 crônica Form inquérito (SF-36). se tornou significativa. Não foi observada melhora
na qualidade de vida.
Andrade et al.40 Indivíduos GI: Programa de Escola de Intensidade da dor (EAV), Melhora estatisticamente significativa da intensida-
com lombalgia coluna teórico prático. capacidade funcional de da dor, capacidade funcional e mobilidade da
crônica GC: lista de espera. (Roland-Morris) e mobi- coluna lombar no GI. Foi observada diferença es-
lidade da coluna lombar tatisticamente significativa intragrupo na segunda e
(Índice de Schöber). terceira avaliações nas variáveis capacidade funcio-
nal e mobilidade da coluna lombar.

Continua...

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Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211

Tabela 3. Artigos utilizados – continuação


Abourazzak Indivíduos Programa de educação te- Conhecimento da AR O conhecimento do paciente 3 anos após o progra-
et al.42 com órico prático (auto-questionário), ati- ma educativo, melhorou significativamente. A ati-
artrite reuma- vidade da doença (DAS vidade da doença foi significativamente menor no
toide 28), capacidade funcio- grupo de educação após 3 anos, do que no início
nal (HAQ) e qualidade do estudo.
de vida
Modelo Biopsicossocial
População Intervenção/comparação Medidas de acompa- Resultados
nhamento
Pieber et al.49 Indivíduos Programa: 40 sessões que ADM indolor, força dos Todas as mensurações melhoraram significativa-
com lombalgia incluíam treino de resis- músculos extensores mente na avaliação pós-reabilitação e se mantive-
crônica tência, intervenções psi- lombares, dor (EAV), ram 18 meses após cessar a intervenção.
cológicas e sessões de incapacidade (Roland- Não houve grupo controle.
ergonomia e alimentação -Morris) e qualidade de
saudável. vida (SF-36).
Buchner et al.56 Indivíduos Terapia biopsicossocial Retorno ao trabalho, Ambos os grupos de tratamento melhoraram signi-
com cervical- multidisciplinar durante 3 Qualidade de vida (SF- ficativamente em todos os critérios. Ao final do se-
gia ou lombal- semanas de internamento e 36), intensidade da dor guimento não houve diferenças significativas entre
gia crônica. 6 meses de follow-up . (EAV), capacidade fun- o grupo com cervicalgia crônica e o grupo com lom-
cional (Hannover back balgia crônica nos critérios de retorno ao trabalho,
capacity score), e satis- melhoria da qualidade de vida, capacidade funcio-
fação com a terapia. nal, satisfação com a terapia e redução da dor .
Morone et al.46 Pacientes GI: Back school: Educação Intensidade da dor (EAV) A qualidade de vida e a incapacidade melhoraram
com lombalgia breve e exercícios ativos Qualidade de vida (SF36) significativamente ao longo do tempo no GI. O re-
crônica para a coluna. e incapacidade (Oswes- sultado de percepção de dor mostrou uma redução
GC: assistência médica. O try Disability Index). em ambos os grupos, mas foi significativamen-
fármaco foi o mesmo em te menor no GI no final do tratamento e nos dois
ambos os grupos. acompanhamentos.
Sorensen Indivíduos Programa educacional/ Dor (Numerical Rating Houve melhora da incapacidade e também nas
et al.52 com lombalgia Programa individual de Scale), incapacidade crenças de medo e evitação no grupo da educação.
crônica treinamento físico baseado (Roland Morris), atitudes Todas as outras variáveis foram quase igualmente
nos sintomas. frente a dor (Fear-Avoi- influenciadas pelos dois tratamentos
dance Beliefs Questio-
nnaire e Back Beliefs
Questionnaire), qualida-
de de vida, licença mé-
dica, uso de serviços
médicos.
Rundelle Mulher de 70 Educação da paciente com Incapacidade (Oswestry Melhora da incapacidade, dos comportamentos de
Davenport57 anos de idade base na teoria cognitivo- Disability Questionnai- medo-evitação, dos sintomas depressivos e da au-
lombalgia -comportamental. re), crenças sobre dor toeficácia.
crônica. (Fear-Avoidance Belief
Questionnaire), sinto-
mas depressivos (Beck
Depression Index) e
autoeficácia (The Low
Back Activity Confiden-
ce Scale).
Coudeyre Pacientes GI: Back book e fisioterapia Satisfação, capacidade Receber o “back book” teve um impacto significa-
et al.58 com dor lom- habitual. funcional; intensidade tivo sobre a incapacidade em 3 meses, e também
bar subaguda GC: fisioterapia habitual da dor (EAV), crenças de teve um impacto significativo sobre o conhecimento
ou crônica juntamente com informa- medo e evitação (Fear- dos pacientes e satisfação, mas pouco efeito sobre
ções orais despadroni- -Avoidance Questionnai- a crenças de medo e evitação.
zada (se restringiam às re) e conhecimento.
perguntas realizadas pelos
pacientes)
Wu et al.53 Indivíduos O programa ofereceu Infor- Arthritis Self-efficacy Diferenças significativas foram encontradas nas
com osteoar- mações sobre e habilida- Scale (ASE); The Sur- crenças da dor e dias de dor após a intervenção.
trite de joelho des de enfrentamento para vey of Pain Attitudes Após 8 semanas, houve melhoria significativa na
a osteoartrite. (SOPA-35), consultas a autoeficácia, episódios de dor e número de consul-
profissionais de saúde, tas médicas não planejadas.
numero de dias com dor
e incapacidade.

Continua...

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211 Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP e Baptista AF

Tabela 3. Artigos utilizados – continuação


Coleman Pacientes Programa educativo espe- Dor, função física e es- Houve melhora nos índices de dor, função e saúde
et al.48 com osteoar- cífico de autogestão junta- calas de saúde mental mental.
trite mente com material escrito. (WOMAC e SF-36)
Goeppinger Pacientes Intervenção específica para Qualidadede vida, com- O grupo ASHC apresentou melhora significativa na
et al.50 com osteoar- pessoas com artrite (Ar- portamentos de auto- auto-eficácia, alongamento e fortalecimento mus-
trite thritis Self-Help Course - gestão e autoeficácia cular e saúde geral. O Grupo CDSMP: apresentou
ASHC) e outra para a artrite. melhora significativa na autoeficácia, incapacidade,
genérica, o Chronic Disease dor e estado geral de saúde. O CDSMP produziu
Self-Management Program melhores resultados.
(CDSMP).
Watson, Veteranos Classes Back School + Pesquisa de opinião e Os participantes relataram aprendizagem de infor-
Cosioe Lin47 com dor crô- apostilas satisfação, eficácia glo- mações “novas e úteis”, consideraram o programa
nica idiopá- bal do programa. “fácil de entender”, usaram a informação aprendida,
tica. e recomendaram o programa para outros.
Salvetti et al.51 Indivíduos Programa que incluía prá- Dor (EAV), incapacidade Observou-se redução significativa na intensidade
com dor tica de exercícios, grupo (Oswestry Disability In- da dor, incapacidade e sintomas depressivos.
crônica por psicoeducativo, sessões dex) e Inventário de De- Esses efeitos se mantiveram em um período de 6
diferentes com terapeuta ocupacional pressão de Beck. meses.
doenças e uma sessão com nutricio-
nista.
Steihaug, Mulheres com Da educação à inte- Análise de dados quali- O programa de treinamento está agora concentra-
Ahlsene dor muscular ração: Oito grupos de tativos a partir de notas do em alguns exercícios simples, e é caracteriza-
Malterud54 crônica tratamento,cada um com de campo, grupos fo- do pela consciência da relação entre respiração e
duraçãode 12 semanas, e cais, vídeos de treina- tensão muscular. Os grupos se tornaram o principal
três grupos com duração mento e grupos de dis- pilar do programa,caracterizado por segurança e
de 10 meses. cussão. um sentimento de pertencimento, reflexão e desen-
volvimento.
Man et al.45 Pacientes Programa que inclui a Dor, catastrofismo, au- Melhora da dor, qualidade de vida, catastrofização,
com dor crô- educação em dor, treina- toeficácia, capacidade autoeficácia, capacidade funcional e melhora da
nica mento em habilidades de funcional e uso de fár- taxa de emprego.
comunicação e estraté- macos.
gias de enfrentamento,
exercícios físicos e ativi-
dades funcionais.
Thorn et al.44 Grupo hete- Terapia cognitivo-compor- Intensidade de dor (Wis- Pacientes em ambas as condições relataram uma
rogêneo com tamental (TCC): abordou consin Brief Pain In- melhora significativa em todos resultados relaciona-
dor crônica. pensamentos e sentimen- ventory), incapacidade dos à dor. Uma tendência não significativa foi en-
Área rural tos em resposta à dor e (Roland-Morris), contrada para o humor deprimido em melhorar mais
estresse. Educação (EDU): catastrofismo, depres- na TCC do que EDU. Ganhos do tratamento foram
abordou fatos sobre o cor- são, satisfação e quali- mantidos a 6 meses de follow-up.
po e dor e aprendizagem. dade de vida.
Quintneret al.55 Pessoas com Oficinas educativas Self- Número de pacientes A introdução de STEPS foi associada a redução dos
dor persis- -Training (STEPS): progra- que concluiu, custos por custos dos serviços de saúde pública, aumento do
tente. ma de educação em grupo novo paciente, utilizacao uso de estratégias de gestão da dor e satisfação
oito horas por dois dias, de cuidados de saúde, do paciente.
seguido de consultas mé- mudanças percebidas
dicas opcionais iniciadas e estratégias de gestão
pelo paciente. de dor.
Modelo misto - Neurofisiologia
População Intervenção/comparação Medidas de acompa- Resultados
nhamento
Moseley59 Pacientes Cada paciente recebeu Dor e incapacidade (Es- O programa de fisioterapia reduziu a dor e incapa-
com lombalgia semanalmente dois aten- cala numérica da dor e cidade e o efeito do tratamento foi mantido por um
crônica dimentos de fisioterapia e Roland Morris Questio- ano.
uma sessão individual de nnaire)
educação em neurofisiolo-
gia da dor durante quatro
semanas.
Moseley16 Pacientes Uma sessão de educação Atitudes frente a dor Houve uma forte relação entre mudança cognitiva e
com lombalgia individual sobre coluna (SOPA), catastrofismo mudança no desempeno físico, principalmente ex-
crônica lombar e fisiologia da dor. (PCS) e desempenho plicado pela mudança na convicção catastrófica de
físico. que dor significa dano tecidual.

Continua...

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Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211

Tabela 3. Artigos utilizados – continuação


Van Pacientes Duas sessões educacionais Dor, cinesiofobia, atitu- Diminuição significativa na cinesiofobia a nas estra-
Oosterwijck com doen- de 30 minutos e um folheto des frente à dor, teste de tégias de enfrentamento passivo.
et al.66 ças crônicas informativo sobre a neurofi- extensão cervical e teste
associadas a siologia da dor. de provocação do plexo
whiplash. braquial.
Van Pacientes GI: Educação em fisiologia Eficácia do mecanismo GI: melhora o conhecimento da neurofisiologiada dor,
Oosterwijck com fibromial- da dor GC: auto-gestão inibitório da dor, limiar menor preocupação com a sua dor a curto prazo. Fo-
et al.60 gia de dor a pressão e ques- ram observadas melhorias a longo prazo no funciona-
tionários que avaliam mento físico, vitalidade, saúde mental e estado geral
cognições de dor, com- de saúde. Além disso, o GI relatou menor índices de
portamento e estado de dor e apresentou melhora da inibição da dor endóge-
saúde. na em comparação com o grupo controle.
Ryan et al.62 Indivíduos Educação em biologia da Dor (escala numérica) e Resultados mais favoráveis para o grupo ED. A cur-
com lombalgia dor e aulas de ginástica em incapacidade (Roland to prazo, o ensino da biologia da dor foi mais eficaz
crônica grupo (EDEX) e ensino de Morris), auto-eficácia, do que uma combinação de ensino da biologia da
biologia da dor em único testes de desempenho fí- dor e aulas de ginástica em grupo.
grupo (ED) sico e monitoramento de
atividades de vida diária.
Louw, Indivíduos Eduação em neurociên- Dor (EAV), crenças e A paciente relatou melhora nas quatro medidas de
Puentedura e com lombalgia cia; educação antes e re- medos frente à dor (Fear resultado, principalmente nas crenças e comporta-
Mintken61 crônica forço durante a realização Avoidance); depressão mentos frente à dor. Num seguimento de sete meses,
de exercícios e terapia (Zung Depression Scale) todas as medidas continuaram a ser melhoradas.
aquática. e incapacitade (Oswes-
try Disability Index)
Moseley, Indivíduos GI: uma sessão individual Atitudes frente à dor No GI foi observado normalização das atitudes e
Nicholas e com lombalgia sobre neurofisiologia da dor. (SOPA); catastrofismo crenças sobre a dor, redução do catastrofismo e
Hodges63 crônica. GC: aula sobre anatomia e (Pain Catastrophizing uma melhora no desempenho físico. Os pacientes
fisiologia da coluna verte- Scale); incapacidade foram menos propensos a procurar cuidados de ou-
bral. (Roland Morris); tarefas tras pessoas, mais propensos a acreditar que pode-
No final da sessão, cada de desempenho físico. riam controlar a própria dor, que dor é influenciada
participante foi dado um por estados emocionais, menos propensos a acre-
caderno de exercícios com ditar que a dor seja um indicativo de dano tecidual,
10 seções. e se perceberam como menos incapacitados.
Moseley64 Estudo de Educação em fisiologia Questionário de Dor Redução acentuada da ativação cortical em áreas
caso. Mulher, da dor : A sessão de fi- McGill, Roland Mor- normalmente envolvidas na dor. A educação em fi-
36 anos com sioterapia inicial envolvia ris Questionnaire, Fear siologiada dor pode ser uma estratégia eficaz para
lombalgia ensinar o paciente como Avoidance Question- a superação das barreiras à aquisição do controle
crônica. executar uma tarefa. Diá- naire e dor autoeficácia muscular de tronco normal, em pacientes com dor
rio da prática questionário. lombar
Gallagher, Indivíduos Protocolo: Duas interven- Questionário sobre bio- Aumento do conhecimento sobre a biologia da dor
McAuleye com dor crô- ções, ambas usando um logia da dor, catastrofis- no G1, mas não no GC. Maior redução dos pensa-
Moseley65 nica livreto. mo, dor e incapacidade. mentos catastróficos relacionados a dor no GI do
Bookled 1 (GI): Metáforas e que no GC.
histórias para ajudar a en- Embora ambos os grupos melhoraram ao longo do
tender a biologia da dor e tempo, não houve efeito diferencial na dor e na de-
conceitos sobre gestão da ficiência.
dor. Booklet 2 (GC): Conse-
lhos sobre manuseio da dor.

Os estudos considerados mistos abordaram conteúdos de neurofi- de 59 pacientes. Os quatro roteiros foram respondidos conforme
siologia da dor (características, finalidade e processamento das dores diagrama de fluxo (Figura 1).
aguda e crônica), fatores de sustentação, comportamento, crenças e Uma síntese dos resultados das entrevistas, dividida entre os roteiros
valores culturais. Como estratégia foi observado o uso de ilustrações, A, B, C e D pode ser observada na tabela 5. Os principais achados
exemplos e metáforas, entrega de caderno de exercícios para ser levado das entrevistas são apresentados nas seguintes subcategorias:
para casa, diário de dor, folheto informativo e aplicação de questio- 1) Significados da dor, na qual se observou o entendimento da dor
nário sobre neurofisiologia da dor. Foi observada também a inclusão como sendo um estímulo sensitivo: “todos sentem dor da mesma ma-
da prática de exercícios e orientações para a sua prática em domicílio. neira” (R27), “Dor é sempre Dor” (R35).
Na segunda fase foram entrevistadas 60 pessoas com DC, sendo 52 2) Causas da dor, na qual a maior parte dos entrevistados relatou asso-
(86,6%) do sexo feminino e idade variando de 28 a 67 anos. Um ciação com causas físicas: carregar peso, permanecer sentado ou em pé por
dos pacientes teve que ser excluído pela interrupção da entrevista períodos prolongados – R2, R11, R12; e causas emocionais: pressões no tra-
por ser chamado para atendimento, sendo analisadas as respostas balho e dificuldades no relacionamento com outras pessoas – R4, R6 e R14.

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211 Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP e Baptista AF

Tabela 4. Modelos com respectivos temas e orientações abordados e resultados encontrados


Modelos Temas Orientações/estratégias Resultados principais
Anatomia e biomecâni- Postura e movimentos corretos em ati- Diminuição da dor32,33,35,37-40;
Biomédico ca32-40; vidades diarias33,35-39,41; Diminuição da incapacidade34,37,38,40;
Epidemiologia e fisiopato- Exercícios físicos33,34,37,41; Melhora da qualidade de vida36;
logia da dor33,37,38,40,41. Manter-se ativo35,37,41; Conhecimento sobre o problema42;
Satisfação42;
Ganho de mobilidade da coluna vertebral40;
Redução da ansiedade e da depressão37;
Controle percebido37;
Melhora da aptidão física37.
Gestão da dor43,47; Exercícios físicos46,51,53,55; Redução da intensidade da dor44,46,48-51,56;
Biopsicossocial Fármacos47,48; Incentivo aos movimentos espontâneos52; Redução da incapacidade física44,46,47,49-51,53,56-58;
Nutrição47,49-51; Aceitação da dor e utilização do relaxa- Melhora do estado geral de saúde e da qualidade
Sono44,47; mento durante as atividades diárias56; de vida44,46,47,49,50;
Anatomia e patolo- Abandono do fumo47; Melhora da autoeficácia e das estratégias de gestão
gia47,49,53,53; Controle do peso47,48; e enfrentamento da dor43,50,53;
Fisiologia básica da Mapeamento do problema52; Redução do catastrofismo e das crenças mal adap-
dor44,51,54,55; Sessões de aconselhamento53; tativas44,52;
Ergonomia46,49,51,54,56; Princípios da terapia cognitivo-com- Redução dos sintomas de depressão e ansieda-
Respostas à dor, gerencia- portamental48,50,51,55-57; de44,51;
mento do estresse e saúde Folhetos explicativos48; Melhora do conhecimento43,58;
mental, crenças disfuncio- Folhas de atividades55; Satisfação55,56,58;
nais, comportamentos mal Técnicas de motivação e autorregula- Redução dos gastos com saúde53,55;
adaptativos e capacidade ção43. Aumento da taxa de retorno ao trabalho56.
de enfrentamento43,45,51,53,56.
Neurofisiologia Características, finalidade Uso de ilustrações, exemplos e metá- Educação da dor59-62;
da dor e processamento da dor foras61,64,66; Maior tolerância à dor62,66;
aguda e processamento e Caderno de exercícios para casa59,63; Redução da Incapacidade59,61,61;
fatores de sustentação da Diário de dor64; Normalização das atitudes e crenças sobre a
dor crônica como emo- Folheto informativo60,66; dor16,61-63;
ções, estresse, cognições Questionário de neurofisiologia da Melhora da vitalidade e saúde mental60;;
e comportamentos16,59,60-66. dor65,66; Redução do catastrofismo16,61-63,65;
Prática de exercícios59,61. Melhora no desempenho físico60,61,65,66;
Aumento do conhecimento sobre biologia da dor65;
Diminuição da preocupação com a dor a curto prazo60;
Melhora da inibição endógena60;
Alteração da atividade cerebral64.
(Elaborado pelos autores).

3) Processamento da dor, que observou desconhecimento da maio-


ria dos entrevistados como ilustrado pela fala do R23: “é uma inter-
Indivíduos abordados rogação em nossa cabeça”.
(n=65)
4) Crenças errôneas, na qual foi observado que, mesmo se tratando
Indivíduos que se de pessoas que convivem com a dor, existe forte associação entre dor
recusaram a participar e lesão: “Com certeza, é por isso que eu digo que é um sinal de alerta
(n=5) para nós” (R10); “Quando a dor é provocada ela vai lhe alertar para
que você pare” (R1).
A cartilha “EducaDor” (http://www7.bahiana.edu.br//jspui/handle/
Roteiro A Roteiro B Roteiro C Roteiro D
bahiana/540) foi confeccionada em tamanho A5 (14,8cmx21,0cm)
(n=12) (n=14) (n=17) (n=17)
com 18 páginas. As seções foram assim subdivididas: 1) O que é
dor?; 2) Dor Aguda: a Dor Útil; 3) Dor Crônica: a Dor Persistente;
Entrevistas realizadas 4) A convivência com a dor 5) Falsas Ideias sobre Dor Crônica: Não
(n=60) Acredite Nelas; 6) Estratégias para lidar com a Dor.
Uma ilustração do cérebro (Figuras 2 e 3) foi criada para esclarecer as-
Entrevistas válidas Entrevistas excluídas pectos relacionados a neuromodulação e a sensibilização central da dor.
(n=59) (n=1) Na conclusão da cartilha adotou-se as recomendações; “seja curio-
so”, “observe a dor” e “olhe para além da dor” reforçando positi-
vamente ajustes necessários para uma vida com melhor qualidade,
Figura 1. Diagrama de fluxo da coleta de dados menor incapacidade e menor sofrimento, mesmo que a convivência
(Elaborado pelos autores). com a dor seja necessária.

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Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211

Tabela 5. Síntese dos roteiros de entrevistas


Roteiro A - Temática: O que é dor?
Você acha que o tamanho da lesão no corpo determina o quanto a pessoa sentirá dor?
A associação entre o tamanho da lesão e a presença de dor foi relatada por 5 dos 12 entrevistados, como pode ser observado na fala de
R12, que relacionou o tamanho da lesão à maior dor: “ Eu acho que a lesão intensa vai gerar uma dor maior.... e na fibromialgia você tem que
aprender a conviver com ela, senão você e se desespera... tem época que eu estou bem, tem época que eu não consigo nem levantar. Então
isso não é comparado a uma lesão pequena, é comparado a uma lesão grande”. Já para quatro indivíduos, essa associação não existe, como
exemplifica o relato de R10 sobre sua experiência após procedimento cirúrgico: “Quando eu fiz minha cirurgia de coração eu senti muita dor,
eu cheguei a tomar morfina. Tinham pacientes lá que fizeram a mesma cirurgia que eu e a dor não era tão intensa. Por isso não importa o
tamanho do machucado, da lesão, não tem nada a ver”.
Você acha que existe a possibilidade de haver uma lesão no corpo que não provoque dor?
A maior parte dos entrevistados (8) declarou não existir a possibilidade de uma lesão que não provoque dor. Alguns desses foram enfáticos,
embora outros não tivessem tanta certeza. Duas pacientes entrevistadas citaram a hérnia de disco como um exemplo de lesão cuja dor alivia,
mas não cessa, com o uso do fármaco. R12, porém, fez referência à hérnia de disco para justificar sua compreensão de que pode existir lesão
que não provoque dor, o que fica visível em sua afirmação: “É possível porque eu já ouvi o relato de várias pessoas dizer que tem três, quatro
hérnias e não sente nada”. Outra respondente, R2, mencionou a hanseníase, para exemplificar a existência de lesão sem dor.
Você acha que a dor pode funcionar como um sistema de aviso para que você pare de fazer o que está fazendo?
Apenas uma entrevistada não acredita que a dor possa funcionar como um sistema de alerta para que a indivíduo pare o que está fazendo. As
demais entrevistadas, apesar de terem dor crônica, afirmaram que a dor pode funcionar como aviso. Uma delas, R11, foi enfática ao relatar:
“Com certeza, é por isso que eu digo que é um sinal de alerta para nós”.
Você acha que a quantidade de dinheiro ou estudo que uma pessoa tem influência a quantidade de dor que ela sente?
A questão que investigou se existe uma relação entre a quantidade de dinheiro ou estudo e a quantidade de dor que a pessoa sente dividiu
opiniões. As entrevistadas relacionaram a condição financeira à possibilidade de buscar recursos para o seu alivio e até para descobrir a
cura, mas também relacionaram ao aumento do estresse e preocupações. Esses dados podem ser observados pelos relatos de duas delas:
R7 afirmou que “dinheiro nenhum faz parar a dor... a dor crônica não, porque a dor crônica é horrível mesmo” e R11, ao refletir sobre a sua
própria história lamentou: “eu passei muitas horas sentada, trabalhando, e aí eu prejudiquei a minha própria saúde. Então hoje eu olho pra trás
e vejo o mal que causei pra mim”.
Você recorre a mesma forma de tratamento quando sente uma dor momentânea ou quando essa dor perdura por vários meses?
Quando perguntado se recorriam a mesma forma de tratamento ao sentir tanto uma dor momentânea quanto uma dor que perdurasse meses,
a maior parte das respostas foi negativa. A dor momentânea, como fica claro, tem uma duração pequena. A fala de R12 exemplifica bem essa
representação, pois ela afirma que se trata de uma dor “que vem e passa”. No que tange ao manuseio da dor momentânea, as respostas
indicaram duas estratégias: o uso de fármacos e a ida à emergência. Por sua vez, a dor que perdura foi considerada à que apenas melhora,
mas não passa. Para o seu manuseio foram citados diversos métodos, a saber, acupuntura, fisioterapia, bloqueio, RPG, hidroginástica, con-
dicionamento físico, quiropraxia, natação e também o ambulatório de dor.
Existe diferença no incômodo entre uma dor que vai e passa e outra que fica permanentemente?
Apenas uma pessoa afirmou não existir diferença entre uma dor que vai e passa e outra que fica permanentemente, mas não explicou o moti-
vo. A dor que não passa foi citada como a dor que não se esquece, que tem a intensidade diminuída, mas permanece por todo o tempo. Foi
também relacionada a desespero, distúrbio de sono e dependência do fármaco. Para R12, a diferença consiste no seguinte: “Uma dor que
vem e passa, uma dor de cabeça você toma analgésico e passa na mesma hora. A dor que chega sorrateira deixa você nervosa, estressada,
você tem que aprender a conviver com ela, para que eu possa viver bem eu tenho que acostumar com a dor”.
Roteiro B - Temática: Como o corpo percebe e processa a dor?
Como você acha que um estímulo agressivo se transforma em dor no nosso corpo?
A grande maioria dos indivíduos entrevistados afirmou desconhecer como acontece a transformação de um estímulo agressivo em dor, como
pode ser observado na fala de R23: “É uma interrogação em nossa cabeça”.
Você é capaz de diferenciar um nervo, a medula e o cérebro? Como cada um poderia estar relacionado à dor?
Poucos entrevistados souberam apresentar diferenças entre nervo, medula e cérebro. Houve algumas tentativas, observadas em falas como:
“cada um dói em um lugar”; “nosso corpo é um conjunto”; “tudo está ligado ao sistema nervoso”; “pode estar ligado ao sistema emocional que
desencadeia as dores pelo corpo todo”. Três dos entrevistados deram destaque ao cérebro. Um deles, R15, afirmou “quando a gente trabalha
nosso “célebro” a gente pode melhorar, quando a gente bota em nossa mente que pode, que a gente é capaz, se esforça e pode melhorar”.
Um dos entrevistados atribuiu a dor que sente ao nervo: “ Eu acho que dói por causa do nervo”.
Você acha que no corpo existe alguma forma ou substância para diminuir a dor que uma pessoa sente?
A maior parte dos entrevistados acredita que no corpo exista alguma forma ou substância que possa diminuir a dor que uma pessoa sente.
Foram mencionadas algumas estratégias para diminuição da dor, tais como: Fazer exercícios, alongamentos, descansar, ficar alegre e ficar
tranquilo. Uma entrevistada condicionou a melhora à presença de uma profissional: “se tiver um profissional que possa nos orientar e o que
é que tem, e o que é que pode melhorar, e como a gente pode colaborar”. Uma pessoa atribuiu aos anticorpos o papel de diminuir a dor,
enquanto outra citou os hormônios. R26 foi mais específica: “Endorfina né? Que estimula... quando estamos mais alegres a dor diminui”.
Há quanto tempo sente dor? Você acha que a informação dolorosa poderia ficar gravada no corpo?
Os entrevistados relataram um tempo variado de convivência com a dor. A maioria deles afirmou sentir dor entre 2 e 12 anos. Quanto ao
questionamento sobre a possibilidade de gravação da informação dolorosa, as opiniões se dividiram. Entre os que acreditam que a dor fique
gravada R19, que já convive com a dor crônica há 10 anos, citou o sofrimento como causa: “porque a gente sofre tanto que fica marcado”.
R16, que também tem dor há 10 anos, relacionou à crença da presença da dor: “E tudo vem da cabeça né? Se eu disser que a mão ta doendo
e colocar isso na cabeça vai doer”. R17 concordou quanto à gravação da dor e explicou da seguinte forma: “porque a gente só em ver aquele
local parece que já tá sentindo dor”.

Continua...

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211 Mendez SP, Sá KN, Araújo PC, Oliveira IA, Gosling AP e Baptista AF

Tabela 5. Síntese dos roteiros de entrevistas – continuação


Você acredita que o seu estado emocional influencia na sua dor? Por quê?
Apenas um entrevistado afirmou não acreditar que o seu estado emocional influencia na sua dor: “Acho que não, acho que tudo é a mesma
coisa”. Os outros entrevistados expressaram a influência do estado emocional de muitas formas, como pode ser observado na seguinte fala:
“eu mesma quando fico nervosa eu sinto meu corpo todo dolorido”. Dois entrevistados comentaram que o pensamento influencia a dor que
sentem. Um deles foi enfático: “E como... quanto mais você pensa na dor, mais dói”.
Roteiro C - Temática: Como influencio a minha dor?
Você acha que o nível intelectual de uma pessoa influencia na forma como ela sente a dor?
O questionamento sobre a influência do nível intelectual na forma que a dor é sentida dividiu opiniões. Alguns aspectos foram citados como
favoráveis àqueles com nível intelectual mais elevado, tais como: ter outros meios de lidar com o seu problema, saber agir, saber se cuidar,
pedir ajuda e poder se distrair. R33 acredita que o que o mais importante seja a forma de lidar com a dor: “Se você é fraco, fica só pensando
em sua dor, que não vai ter jeito, aí termina piorando. Se você não levar muito a sério, pensar que vai passar logo”.
Você acha que a cultura afeta a dor?
A grande maioria dos respondentes (13) afirmaram não acreditar que a dor seja influenciada pela cultura. A forma de tratar a dor, o acesso
a recursos naturais e o recebimento de orientações foram citados como aspectos influenciados pela cultura. R37 destacou a importância da
forma como a pessoa lida com o problema: “Acho que dor é dor, depende de como você encara. Eu vivo assim há 20 anos. Ou você aprende
a viver com essa dificuldade, ou você morre. E eu prefiro viver, por que eu já estive quase morta. E a minha atitude positiva influencia outras
pessoas mais próximas que não sabem encarar a dor. A gente tem que lutar pra viver. Tem gente que desiste de viver. As pessoas mais pobres
têm mais facilidade em lidar com essa situação”.
Você já deixou de ir à escola ou trabalho por causa da dor?
A maior parte das pessoas entrevistadas (9) relatou dificuldade em conciliar o trabalho com o quadro de dor. Dificuldades relativas ao am-
biente de ambiente de trabalho, necessidade de voltar para casa, estresse e idas à emergência foram os aspectos mencionados. R38 atribuiu
o seu afastamento do trabalho ao quadro de dor: “Hoje eu não trabalho por causa da dor, sou afastado. Era muito ruim, eu não conseguia
desenvolver meu trabalho direito, qualquer movimento ela aumentava, e isso tirava a minha alegria”. Quatro pessoas relataram que nunca
deixaram de ir ao trabalho por estar sentindo dor. Uma delas, R30, apesar de dizer que “era horrível”, ponderou: “é a maneira que eu encaro
minha vida”. Uma entrevistada relatou ter deixado de estudar por não conseguir ficar parada. Outra, porém, observou que durante as aulas
se distraia e esquecia a dor.
Você acredita que a gordura influencia a dor que uma pessoa sente?
Apenas duas pessoas entrevistadas afirmaram não acreditar que exista relação entre obesidade e dor. Uma delas, R29, justificou a sua opi-
nião com o próprio exemplo: “Acho que não influencia, por que eu era gorda e não sou mais, e continuo sentindo dor”. Entretanto, a maior
parte dos entrevistados (15), entende que há associação entre obesidade e dor. As justificativas foram relacionadas à dificuldade de caminhar,
movimentar e realizar atividades diárias. R33 ponderou: “Já é complicado carregar a dor, quanto mais o peso”.
Quem sente mais dor, homem ou mulher?
Quanto ao questionamento sobre a relação entre o sexo e a dor, a grande maioria acredita que a mulher sinta mais dor do que o homem.
Uma delas, R34 justificou o fato pelas múltiplas atividades que a mulher desenvolve: “Porque a mulher trabalha em casa, na roça, tem filho.
O trabalho da mulher a expõe mais a dor, por que ela cai, corta o dedo no machado”. O homem foi identificado como o que tem menor limiar
e também menor tolerância à dor, como pode ser observado na fala de R36: “Porque os homens quando sentem uma dorzinha passam o dia
todo na cama. A maioria dos homens é assim. Eu “tô” morrendo de dor, e estou fazendo as coisas sempre”. R37, que tem a mesma opinião,
acrescenta: “O homem quando sente já diz que tá “morrendo”.
A atividade física pode influenciar a dor?
Quase a totalidade dos respondentes (15) afirmou acreditar que a prática de atividade física contribui para a melhora da dor. R28, entre-
tanto, fez uma ressalva: “Se a atividade física for feita corretamente, melhora a dor”. A respondente R37 afirmou que seu médico lhe reco-
mendou que fizesse atividade física, mas percebe que não tem condição: “Eu tenho artrose, não tenho condições de fazer caminhada”.
Uma entrevistada (R40) apresentou um ponto de vista diferente das demais: “Tem pessoas que fazem atividades físicas e relatam uma piora
da dor, logo após”.
Você acha que consumir bebidas alcoólicas influencia na dor que as pessoas sentem?
O consumo de bebidas alcoólicas está associado ao aumento da dor, na opinião da maioria dos respondentes a esta questão. Três pessoas
relacionaram o uso da bebida ao alívio temporário da dor, afirmando que ela “amortece” (R30), “adormece” (R37), “anestesia” a dor (R38).
Alguns respondentes afirmaram que a bebida é apontada por outras pessoas como associada ao alívio da dor, como observado na fala de
R32: “Já vi um bocado de gente dizendo que bebe pra ficar bom”. Foi observado um posicionamento contrário ao uso de bebida alcoólica por
parte de alguns respondentes: “A bebida alcoólica afeta tudo! Afeta o juízo, o coração”. (R35) “Eu não bebo mais, e sou contra quem bebe,
porque eu acho que afeta tudo, a moral, o corpo” (R39).
Você acha que o fumo influencia na dor que as pessoas sentem?
O consumo de cigarro está associado ao aumento da dor, na opinião da maioria dos respondentes a esta questão. Muitos deles, inclusive,
fizeram observações sobre outros malefícios causados pelo cigarro. Assim como o consumo de álcool, um respondente considerou que o
uso do cigarro “anestesia” a dor (R30). Foi observada forte rejeição ao uso de cigarro por parte de alguns respondentes: “O cigarro causa
doença, piora as dores” (R33); “O fumo não presta. Você fica com aquela coceira na garganta, pigarro, fazendo mal ao pulmão” (R35); “O fumo
faz mal à saúde, traz vários problemas” (R40).
Você acha que as práticas espirituais influenciam a dor que as pessoas sentem?
A relação entre práticas espirituais e dor dividiu opiniões. Os respondentes que acreditam que as práticas espirituais contribuem positivamen-
te foram mais detalhistas nas suas observações, como observado na fala de R39: “Acho que melhora, a gente se sente mais seguro, temos
que acreditar em alguma coisa, se não as coisas pioram”. As orações e as crenças foram citadas como fatores de alívio da dor. R42 acredita
que as práticas espirituais não influenciam na melhora ou piora da dor, mas promovem consolo e conclui: “Dá um suporte, uma paz de espírito
para a gente ficar tranquilo”.
Continua...

208
Desenvolvimento de uma cartilha educativa para pessoas com dor crônica Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):199-211

Tabela 5. Síntese dos roteiros de entrevistas – continuação


Roteiro D - Temática: Como controlar a dor?
O que você faz quando tem dor?
Quando questionados sobre o controle da dor, a principal referência foi a medicação, citada por todos os respondentes. Alguns, como R42,
mencionaram o bloqueio venoso como forma de controle da dor“. É um paliativo que pra mim é ótimo! Se eu pudesse eu tomava todo dia
pra não tem que sentir “ela” (a dor). Por que quando a gente sai daí a gente sai renovada, o sono é mais tranquilo”. Além do fármaco, outras
práticas foram mencionadas para o alívio da dor, tais como: oração, repouso, relaxamento, atividades físicas, bordado, massagem, acupun-
tura e fisioterapia.
Você acha que existe relação entre movimento e dor?
A maior parte dos respondentes relacionou a dor que sente aos movimentos que realiza, como pode ser observado na fala de R46: “quando
começa a movimentar, começa a sentir dor”. Alguns observam que apesar disso, precisam movimentar: “eu acho que quando para é pior, aí
é que tem que se movimentar” (R50). O mesmo entendimento foi relatado por R52: “tem que continuar fazendo as coisas, eu faço, toda a vida
eu fiz, eu não me encosto não, mesmo doendo eu faço, passa, aí depois volta, passa de novo, eu levo a vida assim”.
Você acredita que pode se reeducar para poder se movimentar apesar da dor?
A grande maioria dos respondentes afirmou acreditar que pode se reeducar para poder se mover apesar da dor. Apenas R44 demonstrou não
acreditar nessa possibilidade: “não, só se eu tomar o remédio, pra mim é o remédio, porque eu ainda não vi mais nada pra fazer melhorar, não
vejo nada”. R54 afirmou acreditar na reeducação, apesar de não ter essa experiência: “Eu sei que em algumas pessoas funcionam, comigo
eu nunca tentei fazer”.
Fonte: elaborada pelos autores

Olá! Eu sou o
CÉREBRO, e
vou te ajudar a
entender sua dor

Vamos lá!

Figura 2. O cérebro, principal personagem da cartilha

os
Significad

Lembra
nças
O alarme dispara: DOR!
Se o cérebro entender que a
entos
situação é perigosa, então o Pensam
resultado pode ser DOR!
A dor é a resposta do seu
cérebro à ameaça de perigo!

Sen
time
ntos

Valores

Figura 3. O cérebro diante de uma ameaça de perigo

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DISCUSSÃO Nijs et al.72 sugerem ensinar o fenômeno da sensibilização central


baseado no livro Explain Pain18, com conteúdo denso. Foram en-
O processo de desenvolvimento resultou em uma cartilha para pes- tão selecionados tópicos essenciais que pudessem ser compreendidos
soas que vivenciam a DC. O conteúdo, tanto textual como ilustra- pela população alvo. Um estudo realizado em 2013 pelo Ministério
tivo, visou reconceituar a dor crônica e modificar crenças errôneas da Educação identificou 17,8% de analfabetos funcionais no Brasil.
sobre a dor e comportamentos mal adaptativos frente ao problema. Essa realidade é ainda mais grave no Nordeste que apresenta maior
Com sustentação teórica da literatura científica, aliada à experiência nível de analfabetismo funcional74.
de fisioterapeutas especializados no tratamento da DC, a aproxima- Em relação às crenças errôneas, observa-se que o comportamento
ção de pessoas que vivenciam o problema e a análise de recursos mal adaptativo e a sua persistência podem resultar em descondicio-
semelhantes disponíveis em outros idiomas; chegou-se ao produto namento físico e dificuldade em retomar as atividades domésticas e
final apresentado no presente estudo. de trabalho7. A compreensão de atitudes necessárias para o controle
Diretrizes internacionais recomendam programas socioeducativos da dor e da não exposição a fatores preditores tem sido amplamente
para o manuseio da DC15-17. A falta de compreensão dos significados recomendada4,15,17.
de uma dor contínua tem sido apontada como responsável pela exa- A expectativa de cura médica e atribuição de aspectos religiosos para o
cerbação do sintoma60. O desconhecimento faz o sujeito encarar a problema ou para sua solução são os maiores fatores para perpetuação
dor como uma ameaça, manter comportamentos mal adaptativos28 e dos sintomas18. O controle e a gestão da DC exigem uma consciência
impede o desenvolvimento de estratégias efetivas de enfrentamento. mais plena da realidade e uma atitude positiva frente ao problema.
Por esse motivo, intervenções socioeducativas têm sido testadas e O trabalho apresenta como limitação a ausência de dados sócio-
demonstram resultados promissores para pessoas com DC7,16,67. -demográficos dos entrevistados, porém, por se tratar de uma po-
Alinhada com o modelo biopsicossocial, a presente cartilha buscou pulação atendida em um ambulatório do SUS, a maior parte foi
esclarecer o caráter subjetivo e individual da DC, demonstrando a composta por pessoas com baixo nível educacional e socioeconômi-
incapacidade de generalização do problema10. Além disso, foram co como demonstram outros estudos desenvolvidos nesta mesma
abordados os aspectos socioculturais perpetuadores da DC, bem população75. Uma revisão sistemática no futuro poderá fundamen-
como a relevância de mudança de comportamento do indivíduo tar melhor o desenvolvimento de tecnologias leves como a proposta
para resultados mais efetivos de seu controle68,69. Quanto aos aspec- no presente estudo.
tos biológicos da DC, foram incluídos conteúdos sobre neurofisiolo-
gia e neuromodulação, que encontram evidências na literatura para CONCLUSÃO
sua recomendação60.
Os conceitos foram apresentados de forma simples e objetiva, com A cartilha “EducaDor” é uma tecnologia leve em saúde, que fornece
utilização de metáforas. Semelhantes metodologias foram aplicadas subsídios para programas socioeducativos de abordagem da dor crô-
em outros estudos, e demonstram impactos positivos quanto ao co- nica. Futuros estudos devem validar e avaliar sua eficácia por meio
nhecimento e ao nível de satisfação com as informações. Entretanto, de um ensaio clínico randomizado.
referem pouco efeito sobre crenças, medo e evitação58. Esses resulta-
dos apontam para a necessidade de testar amplamente os vários as- REFERÊNCIAS
pectos biopsicossociais como desfechos que podem ser modificados
1. Traue HC, Jerg-Bretzke L, Hrabal V. Fatores Psicológicos na Dor Crônica. In: Kopf A,
por este modelo de intervenção. Patel NB, editors. Guia para o Tratamento da Dor em Contextos de Poucos Recursos.
A densidade dos temas abordados foi considerada, pelo grupo de espe- 2010.
cialistas, adequada ao público alvo. Estudos que avaliaram ferramentas 2. International Association for the Study of Pain TF on T. Classification of chronic pain.
Merskey H, Bogduk N, editors. Austr Dent J. 1994.
semelhantes70,71 verificaram a importância de adequação do material 3. Goldberg DS, McGee SJ. Pain as a global public health priority. BMC Public Health.
ao público-alvo. Linguagem acessível, escrita em forma de conversa, 2011;11:770.
4. Sá KN, Baptista AF, Matos MA, Lessa I. Chronic pain and gender in Salvador popula-
ilustrações coloridas e recortes de falas dos pacientes foram alguns dos tion, Brazil. Pain. 2008;139(3):498-506.
recursos utilizados para facilitar a leitura e torná-la atrativa19,21,26,71. 5. de Moraes Vieira EB, Garcia JB, da Silva AA, Mualem Araújo RL, Jansen RC. Prevalen-
ce, characteristics, and factors associated with chronic pain with and without neuropa-
A subcategoria, significado da dor, demonstrou a necessidade de am- thic characteristics in São Luís, Brazil. J Pain Symptom Manage. 2012;44(2):239-51.
pliar o conceito de dor, reforçando seu caráter subjetivo e individual e 6. Costa Cabral DM, Bracher ES, Depintor JD, Eluf-Neto J. Chronic pain prevalen-
evidenciando o papel da sociedade e da cultura na experiência dolo- ce and associated factors in a segment of the population of São Paulo City. J Pain.
2014;15(11):1081-91.
rosa69. Personagens da cartilha esclarecem que dor não é sinônimo de 7. Gatchel RJ, Peng YB, Peters ML, Fuchs PN, Turk DC. The biopsychosocial approach to
nocicepção e ilustram a subjetividade da experiência dolorosa. Este as- chronic pain: scientific advances and future directions. Psychol Bull. 2007;133(4):581-624.
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211
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):212-6 ARTIGO ORIGINAL

Prevalence of musculoskeletal pain in climacteric women of a Basic


Health Unit in São Paulo/SP
Prevalência de dor musculoesquelética em mulheres climatéricas em uma Unidade Básica de
Saúde de São Paulo/SP
Anny Caroline Dedicação1, Tatiana de Oliveira Sato1, Mariana Arias Avila1, Ana Sílvia Moccellin2, Maria Elisabete Salina Saldanha3,
Patricia Driusso1

DOI 10.5935/1806-0013.20170104

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: The objective of this JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O objetivo deste estudo foi
study was to evaluate the prevalence of musculoskeletal pain in avaliar a prevalência de dor musculoesquelética em mulheres
climacteric women of a Basic Health Unit in Sao Paulo. climatéricas de uma Unidade Básica de Saúde do município de
METHODS: This is a descriptive cross-sectional study, with São Paulo.
the participation of 93 climacteric women with average age of MÉTODOS: Trata-se de um estudo descritivo transversal, no
49.1±6.1 years, with medical history containing obstetric back- qual participaram 93 mulheres climatéricas, com idade média de
ground and pain characterization, including the presence, loca- 49,1±6,1 anos, submetidas a anamnese, contendo: antecedentes
tion, and intensity of these complaints. For data collection, we tocoginecológicos e caracterização da dor, incluindo a presença,
used a map of pain and a visual analog scale associated with the o local e a intensidade dessas queixas. Para a coleta desses dados,
faces pain rating scale. foi utilizado um mapa de dor, e uma escala analógica visual asso-
RESULTS: Of the total, 87 women (93%) reported pain, with ciada à escala de faces.
an average onset of symptoms of 5.8±7.7 years, and average pain RESULTADOS: Do total, 87 mulheres (93%) referiram dor,
in the visual analog and the faces scales of 6.9±3mm. The pain
com média de início dos sintomas há 5,8±7,7 anos, e média de
was classified by most of the women (53%) as intense, and the
dor na escala analógica visual, e de faces de 6,9±3,0mm. A dor foi
places of greater involvement were the spine (71%), followed by
classificada pela maioria das mulheres (53%) como intensa, sen-
the knees (58%) and shoulders (47%). Thus, the musculoskele-
do os locais de maior acometimento a coluna vertebral (71%),
tal pain showed to be a frequent complaint among climacteric
seguido de joelhos (58%) e ombros (47%). Sendo assim, a dor
women, involving 93% of the volunteers in this study, ranked by
the majority as an intense pain. musculoesquelética mostrou-se como queixa frequente entre as
CONCLUSION: It is important to recognize the magnitude of mulheres climatéricas, afetando 93% das voluntárias deste estu-
this complaint in primary care to elaborate preventive and the- do, classificada pela maioria como intensa.
rapeutic actions aiming at improving the quality of life of these CONCLUSÃO: É importante reconhecer a magnitude dessa
women. queixa na atenção primária em saúde para traçar ações preventi-
Keywords: Basic health care, Climacteric, Physiotherapy, Pain vas e terapêuticas que visem melhorar a qualidade de vida dessas
measurement. mulheres.
Descritores: Atenção básica em saúde, Climatério, Fisioterapia,
Mensuração de dor.

INTRODUÇÃO

Com o aumento da expectativa de vida, a maior parte das mu-


lheres passará mais de um terço, ou mesmo metade das suas vi-
1. Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Fisioterapia, São Carlos, SP, Brasil. das no período pós-menopausa1. O impacto na economia e na
2. Universidade Federal de Sergipe, Departamento de Fisioterapia, Aracaju, SE, Brasil. sociedade é enorme, já que boa parte das mulheres passam por
3. Universidade Cidade de São Paulo, Departamento de Fisioterapia, São Paulo, SP, Brasil.
mudanças significativas no seu estado geral de saúde durante o
Apresentado em 15 de maio de 2017. climatério, o que impacta negativamente a sua qualidade de vida
Aceito para publicação em 17 de julho de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. (QV)1. Cerca de 70% das mulheres climatéricas apresentam sin-
tomas relacionados à deficiência de estrógeno, como instabili-
Endereço para correspondência:
Rodovia Washington Luís, km 235
dade vasomotora, distúrbios do sono, diminuição da densidade
13565-905 São Carlos, SP, Brasil. mineral óssea, atrofia genitourinária, alterações lipoprotéicas e
E-mail: maafisio01@gmail.com
dor musculoesquelética2, esta última sendo relatada por mais de
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor metade das mulheres climatéricas3.

212
Prevalência de dor musculoesquelética em mulheres climatéricas Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):212-6
em uma Unidade Básica de Saúde de São Paulo/SP

No Brasil, o sistema público de saúde, conhecido como Sistema


NZ 2c p(1 – p)
Único de Saúde (SUS), adotou a Estratégia de Saúde da Família n=
(ESF), como o ponto de entrada crucial do cuidado para os usuá- (ε2p (N – 1) + Z 2c p (1 – p)
rios inseridos no SUS. Nesse modelo, as equipes da ESF trabalham
em áreas geográficas específicas, e são responsáveis pela implemen- Com essa informação, o tamanho amostral estimado foi de 93
tação de ações para a promoção de saúde, prevenção de doenças, voluntárias. As mulheres incluídas no estudo realizaram o mes-
tratamento de condições comuns de saúde e de reabilitação4,5. mo protocolo de avaliação, aplicado em um único dia, em uma
Apesar de sua responsabilidade na identificação dos fatores de ris- sala da UBS. As avalições duravam cerca de 60 minutos.
co e da presença e prevalência de sintomas musculoesqueléticos na
população sob sua tutela, não há muitos registros desses sintomas. Instrumentação
Serviços considerados como Atenção Primária à Saúde devem A ficha de avaliação usada no presente estudo continha questões
reconhecer a importância e a prevalência dos sintomas mus- referentes a dados pessoais, estilo de vida e antecedentes tocogi-
culoesqueléticos na população sob sua tutela. Entretanto, necológicos. Uma balança antropométrica (R-110 CH, Welmy)
acredita-se que esses elementos estejam subestimados, dado foi utilizada, para obter dados de massa corporal e altura para o
que, no Brasil, os mesmos não são reportados e registrados nas cálculo do índice de massa corporal (IMC).
Unidades Básicas de Saúde (UBS). O profissional que atua na A localização da dor foi avaliada com um mapa corporal composto
UBS deve: 1) estudar e detectar as necessidades e as metas de de duas figuras do corpo humano em vistas anterior e posterior.
saúde da população que o utilizam; 2) desenvolver um plano As mulheres foram orientadas a pintar os locais correspondentes
e elaborar estratégias para atingir suas metas, para oferecer à aos locais em que sentiam dor. Essa figura foi adaptada do mapa
população atenção integrada e humanizada, de acordo com as de dor no Questionário de Dor McGill7. A intensidade de dor foi
necessidades e especificidades de cada território. Esses trabalhos avaliada pela escala analógica visual (EAV), a escala numérica asso-
são parte de sua atribuição.
ciada a faces de dor. A EAV permite melhor avaliação da sensação
Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi investigar a prevalên-
subjetiva de dor, e as faces facilitam a compreensão individual na
cia de dor musculoesquelética em mulheres climatéricas de uma
necessidade de classificar a dor em número de zero a 108, com 10
Unidade Básica de Saúde e usuárias da ESF de uma comunidade
sendo considerada a pior dor possível.
de baixa de renda na cidade de São Paulo, Brasil.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Secretaria Municipal da Saúde do município de São Paulo, sob
MÉTODOS
parecer nº 292/11.
Estudo de caráter transversal, em que foram incluídas mulheres
Análise estatística
com idade entre 40 e 60 anos, moradoras da comunidade de Parai-
Utilizou-se o software Statistica (v. 7.0, Stat Soft, EUA). A nor-
sópolis, distrito de Vila Andrade, zona Sul de São Paulo, inseridas
no programa de Estratégia Saúde da Família da UBS Paraisópolis malidade dos dados foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk.
I. Essa comunidade possui uma população de aproximadamente Para comparação entre categorias, a Análise de Variância (ANO-
80.000 habitantes, de acordo com o Censo realizado pelo Insti- VA) foi utilizada, e um teste post hoc de Duncan foi aplicado
tuto Brasileiro de Geografia e Estatística6. Aproximadamente 5% para identificar as diferenças. No caso de apenas duas categorias,
(3.872) dos habitantes se encontram na faixa acima dos 40 anos. o teste t de Student foi utilizado. Os dados estão expressos em
Os critérios de inclusão foram: fazer parte da comunidade de média (desvio padrão) e porcentagem. O nível de significância
Paraisópolis, com idade entre 40 e 60 anos, e estar inserida na foi estabelecido em 5%.
ESF da UBS de Paraisópolis I. Os critérios de exclusão foram:
estar restrita à cama, usar cadeira de rodas, afecções neurológicas RESULTADOS
e presença de prejuízos cognitivos, que impedissem a voluntária
de compreender os questionários. Os dados demográficos, pessoais e dados gerais de saúde estão
As participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimen- representados na tabela 1. A média de idade das voluntárias foi
to Livre e Esclarecido (TCLE), conforme determina o parecer 49,1 (6,1) anos e a média do IMC foi de 27,7 (6,7) kg/m². Trinta
466/12 do Conselho Nacional de Saúde. e quatro voluntárias (36%) foram classificadas com sobrepeso, 37
Um pesquisador que não fez parte da coleta de dados foi o res- (40%) relataram hipertensão, 13 (14%) diabetes mellitus, e sete
ponsável pelo cálculo do tamanho da amostra. As voluntárias ele- (8%) doenças cardiovasculares. Os níveis de dor foram maiores
gíveis para o estudo foram listadas na UBS e, com uma lista de para mulheres com baixo nível de escolaridade, e para aquelas
randomização feita no programa Excel, foram selecionadas e con- que viviam com 2 ou 3 gerações no mesmo domicílio (Tabela 1).
vidadas para o estudo. O cálculo amostral obedeceu à equação: As características ginecológicas e as obstétricas estão apresentadas
Em que n é o tamanho amostral, n é o tamanho da população na tabela 2. Observou-se que a idade média da ocorrência da
total (mulheres climatéricas moradoras da região adscrita à UBS menopausa foi de 50,8 (4,9) anos.
Paraisópolis I) = 3872 mulheres, Zc é o valor da distribuição nor- De acordo com a tabela 3, a prevalência de dor musculoesquelé-
mal (95%), p é a prevalência estimada de mulheres climatéricas tica foi de 93%, associada à dor intensa e piora progressiva dos
(4,8%), e εp é o erro de amostra estimado (10%). sintomas. A média de dor relatada foi de 6,9 (3,0) pontos.

213
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):212-6 Dedicação AC, Sato TO, Avila MA,
Moccellin AS, Saldanha ME e Driusso P

Tabela 1. Caracterização da amostra em relação aos dados demográficos, pessoais e autorrelato de doenças associadas
Variáveis Categorias Total EAV Valor de p

Faixa etária (anos) 40 – 45 30 (32,3%) 6,3±3,1 0,48


46 – 50 29 (31,2%) 6,8±3,3
51 – 55 19 (20,4%) 7,7±3,1
56 – 60 12 (12,9%) 5,9±3,7
61 – 64 3 (3,2%) 5,7±4,9

Índice de massa corporal Abaixo do peso (<18,5) 3 (3,3%) 3,3±5,8 0,14


Adequado (18,5 – 24,9) 27 (29,4%) 6,5±3,1
Sobrepeso (25 – 29,9) 34 (37,0%) 6,3±3,5
Obesidade (>30) 28 (30,4%) 7,5±2,7

Profissão Do lar 35 (37,6%) 6,07±2,2 0,28


Limpeza 21 (22,6%) 7,3±3,4
Cuidadora 18 (19,4%) 6,66±2,2
Serviços gerais 9 (9,7%) 6,08±2,5
Comércio 8 (8,6%) 6,67±3,0
Aposentada 2 (2,2%) 6,20±1,1

Situação conjugal Sem vida conjugal 29 (31,2%) 7,4±2,9 0,13


Com vida conjugal 64 (68,8%) 6,3±3,4

Escolaridade Nenhuma 12 (12,9%) 7,83±3,2* 0,03


Ensino fundamental 57 (61,3%) 6,95±3,0
Ensino médio + superior 22 (23,7%) 5,21±3,5

Cor/Raça Branca 55 (59,1%) 6,1±3,4 0,33


Negra 26 (28,0%) 7,1±3,5
Parda 12 (12,9%) 7,9±1,3

Moradia Sozinha 14 (15,1%) 5,0±4,0 0,016.


Cônjuge 4 (4,3%) 8,0±2,8
1 geração 62 (66,7%) 6,4±3,2
2-3 gerações 13 (14,0%) 8,8±1,3#

Atividade física Sim 16 (17,2%) 5,8±3,7 0,25


Não 77 (82,8%) 6,8±3,2

Tabagismo Sim 22 (23,7%) 7,6±2,6 0,09


Não 71 (76,3%) 6,3±3,4

Hipertensão arterial sistêmica Sim 37 (39,8%) 6,6±3,4 0,98


Não 56 (60,2%) 6,6±3,2

Diabetes mellitus Sim 13 (14,0%) 7,8±2,7 0,17


Não 80 (86,0%) 6,4±3,3

Cardiopatia Sim 7 (7,5%) 8,9±1,2 0,06


Não 86 (92,5%) 6,4±3,3
EAV = escala analógica visual; * p<0,05 versus ensino fundamental e ensino médio + superior; # p<0,05 versus 1 geração, e sozinha.

Tabela 2. Características ginecológicas e obstétricas das participantes Tabela 3. Avaliação da ocorrência e frequência da dor musculoes-
quelética
Variáveis Categorias Frequência EAV Valor
de p Variáveis Categorias Frequência EAV
Idade da menarca 13,1±1,6 Dor musculoesquelética Sim 87 (93,6%) 6,9±3,0
Não 6 (6,5%) -
Número de gestação 3,8±2,3
Início dos sintomas 5,78±7,73
Menopausa Sim 39 (41,9%) 6,8±3,4 0,60
Não 54 (58,1%) 6,5±3,2 Desde que começou Melhor 18 (20,7%) 6,9±3,1
Igual 20 (23,0%) 6,0±2,7
Idade da menopausa 50,8±4,9 Pior 49 (56,3%) 7,2±3,1
Ciclos regulares Sim 14 (25,9%) 6,1±1,8 0,59 Intensidade da dor Leve 11 (12,64%) 0,64±0,92
Não 40 (74,1%) 6,6±3,6 Moderada 30 (34,48%) 5,80±1,40
Atividade sexual Sim 60 (64,5%) 6,5±3,3 0,65 Intensa 46 (52,87%) 9,09±0,89
Não 33 (35,5%) 6,8±3,1 EAV = escala analógica visual.
EAV = escala analógica visual.

214
Prevalência de dor musculoesquelética em mulheres climatéricas Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):212-6
em uma Unidade Básica de Saúde de São Paulo/SP

A tabela 4 mostra a localização da dor relatada por todas as vo- tem um impacto importante sobre a vida profissional e social, bem
luntárias, e as mais prevalentes foram lombar, joelhos e ombros. como sobre a QV. Custos para o controle da dor crônica podem
levar a uma sobrecarga financeira, pelo aumento da necessidade de
Tabela 4. Regiões dolorosas relatadas e intensidade da dor obtida serviços médicos e fármacos, especialmente no sistema público de
por meio da escala visual analógica
saúde. Custos anuais para o manuseio da dor crônica são de apro-
Variáveis Frequência e % EAV ximadamente R$100 milhões, incluindo diagnóstico, tratamento,
Coluna vertebral 66 (70,97) 6,61±3,25 fatores relacionados ao desempenho laboral, bem como serviços de
Ombro 44 (47,31) 6,54±3,32 seguridade social17.
Cotovelo 37 (39,78) 6,61±3,25 Dadas todas as mudanças pelas quais uma pessoa com dor crônica
Punho 28 (30,11) 6,59±3,28 passa para tentar controlar sua condição, a crise também afeta a sua
família18. A família é o sujeito central do cuidado na Atenção Primá-
Mão 29 (31,18) 6,59±3,26
ria à Saúde, a principal “porta de entrada” para o SUS17. Consideran-
Quadril 14 (15,05) 6,56±3,33
do a importante prevalência de dor crônica em mulheres climatéricas
Joelho 54 (58,06) 6,59±3,26 em situação de baixa renda, é necessário que a Atenção Primária à
Tornozelo 31 (33,33) 6,53±3,34 Saúde desenvolva ações preventivas e terapêuticas que foquem a dor
Pé 32 (34,41) 6,59±3,26 musculoesquelética. Um diagnóstico e manuseio adequado da dor
aguda pode ser de extrema importância para a saúde pública, pois
DISCUSSÃO representa uma diminuição nos custos e melhor funcionamento nos
níveis de maior complexidade da Atenção à Saúde19. Outro resulta-
Os resultados do presente estudo indicam, que a dor é altamente do notável do presente estudo se refere ao fato de que mulheres com
prevalente em mulheres climatéricas, com as localizações mais afe- baixa escolaridade apresentam maiores níveis de dor, corroborando
tadas sendo a lombar, joelhos e ombros, com a dor relatada, como os resultados de Hoy et al.18 e Gulbrandsen et al.19. Indivíduos com
sendo moderada a intensa. Não foram encontrados estudos epide- baixa escolaridade podem iniciar sua vida laboral em idades mais
miológicos brasileiros, que caracterizaram a prevalência de dor em prematuras18; e podem ter dificuldade de acesso para cuidados com a
mulheres climatéricas em comunidades de baixa renda; este é o pri- saúde19, o que leva a uma saúde mais frágil, tornando-os indivíduos
meiro estudo conduzido em uma comunidade de baixa renda no ainda mais vulneráveis.
Brasil. A maior parte dos estudos focou nos sintomas vasomotores Park et al.20 encontraram que a dor lombar é muito comum na fase
da síndrome climatérica. Vários estudos são dos Estados Unidos da climatérica, devido a níveis diminuídos de estrógeno e densidade
América e Europa, sendo realizado com mulheres caucasianas e com mineral óssea. Hoy et al.18 correlacionam a dor lombar com o pro-
status socioeconômico mais favorecido9. Neslihan et al.10 relataram cesso de envelhecimento e a maior prevalência de doenças crônicas
dores articulares e musculoesqueléticas em 82% das mulheres clima- como a osteoartrite. As mulheres do presente estudo combinam a
téricas. Olaolorun e Lawoyin11 observaram que a dor foi relatada por realização de tarefas domésticas com o trabalho fora de casa, onde
mais de 50% de mulheres climatéricas. podem estar expostas à sobrecarga física, como serviços de limpeza
A Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED, capítulo e cuidadoras. De acordo com Dennerstein et al.21, a falta de qualifi-
brasileiro da International Association for the Study of Pain, IASP), cação profissional, de ocupação e níveis mais baixos de escolaridade
afirma que a dor musculoesquelética é a mais prevalente na popu- estão associados à maior prevalência e gravidade dos sintomas cli-
lação mundial, afetando todas as idades12. No período climatérico, matéricos.
uma possível explicação para a dor musculoesquelética pode estar O presente estudo tem algumas limitações. Primeiramente, foi reali-
relacionada com as alterações hormonais, especialmente o hipoes- zado apenas em um distrito de São Paulo, e generalizar os resultados
trogenismo, que pode provocar o desgaste da cartilagem, similar à pode ser difícil. Entretanto, ele demonstra indícios da prevalência de
perda de massa óssea que mulheres climatéricas podem apresen- dor crônica musculoesquelética em mulheres climatéricas em regiões
tar13. Por outro lado, os hormônios sexuais fazem parte do proces- com características sociodemográficas semelhantes. Outra limitação
so de modulação da dor, o que predispõe mulheres climatéricas a foi de que não foram realizadas medidas objetivas de dor. No entan-
serem mais sensíveis à dor14. Diferenças entre os estudos podem to, o estudo foi conduzido em uma situação real do sistema público
ser relacionadas a vários aspectos, como diferenças culturais, eco- de saúde no Brasil, e está de acordo com a maneira mais comum de
nômicas, sociais, psicológicas, ambientais, condição de saúde, tipo avaliação nas Unidades Básicas de Saúde.
de estudo, população avaliada, seleção da amostra, presença de va-
riáveis confundidoras e utilização de diferentes instrumentos para CONCLUSÃO
a avaliação da dor14.
A dor, especialmente no nível relatado pelas mulheres avaliadas no Os resultados do presente estudo demonstraram um alto nível de
presente estudo, pode ser muito incapacitante, afetando todas as di- presença de dor musculoesquelética em mulheres em situação de
mensões da vida de uma pessoa, levando a diferenças significativas baixa renda, com a dor sendo classificada como moderada a intensa.
em relações interpessoais, familiares, além do convívio social, e da Levando em consideração a magnitude do impacto que a dor pode
capacidade de realizar atividades de vida diária15,16. Resultado que ter na vida de uma pessoa, parece necessário e urgente que a Atenção
a maioria das mulheres do presente estudo apresenta há anos, há Primária à Saúde, desenvolva estratégias preventivas e curativas para
anos, a dor delas pode ser classificada como crônica. A dor crônica essa população específica.

215
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):212-6 Dedicação AC, Sato TO, Avila MA,
Moccellin AS, Saldanha ME e Driusso P

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216
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):217-24 ARTIGO ORIGINAL

Association between temporomandibular signs and symptoms and


depression in undergraduate students: descriptive study
Associação entre sinais e sintomas de disfunção temporomandibular com depressão em
universitários: estudo descritivo
Raydelane Grailea Silva Pinto1, Weryk Manoel Araújo Leite1, Laylson da Silva Sampaio1, Mariana de Oliveira Sanchez2

DOI 10.5935/1806-0013.20170105

ABSTRACT Keywords: Depression, Health Sciences Students, Illness severity


score, Signs and symptoms, Temporomandibular joint syndrome.
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Temporomandibular
joint dysfunction is a chronic condition that affects a large part RESUMO
of the college population, deserving greater importance in public
health due to the negative consequences in students’ performan- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A disfunção temporomandi-
ce and in the quality of life of these individuals. The objective of bular é uma condição crônica que afeta grande parte da popula-
this study is to check the association and correlation of temporo- ção universitária, merecendo maior importância na saúde públi-
mandibular dysfunction symptoms and signs with depression in ca, devido as consequências negativas que pode proporcionar no
students from the School of Science and Technology of Maranhão. rendimento acadêmico e na qualidade de vida desses indivíduos.
METHODS: Epidemiological, descriptive and cross-sectional Esta pesquisa teve como objetivo verificar a associação e correla-
study with the quantitative approach with 199 undergraduate ção entre os sinais e sintomas de disfunção temporomandibular
students. For data collection, we used Fonseca’s Anamnestic In- com depressão em universitários da Faculdade de Ciências e Tec-
dex and the Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular nologia do Maranhão.
Disorders, Axis II. Data were analyzed using Pearson’s Chi-square MÉTODOS: Estudo epidemiológico, descritivo e transversal
test, Fisher’s Exact test, and Spearman’s Correlation, considering a de abordagem quantitativa com 199 estudantes universitários.
statistical significance of 5%. Para a coleta de dados, foram aplicados o Índice Anamnésico de
RESULTS: 37.7% students showed signs and symptoms of Fonseca e o Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular
mild temporomandibular dysfunction, 19,6% moderate and Disorders eixo II. Os dados foram analisados por meio dos testes
9% severe. Temporomandibular dysfunction was more frequent Qui-quadrado de Pearson, Exato de Fisher e correlação de Spear-
in female students (70.2%) between the ages of 19 to 24 years man, considerando uma significância estatística de 5%.
(70.2%). When assessing the level of depression symptoms, it RESULTADOS: 37,7% dos acadêmicos apresentavam sinais
was found that 25.1% students had moderate depression and e sintomas de disfunção temporomandibular leve, 19,6% mo-
17.1% severe. There was no statistically significant association derada e 9% grave. A disfunção temporomandibular foi mais
(p<0.001) and weak positive correlation (r=0.38; p<0.001) be- frequente em acadêmicos do sexo feminino (70,2%) e na faixa
tween the presence of temporomandibular dysfunction signs etária dos 19 aos 24 anos (70,2%). Ao avaliar os graus de sinto-
and symptoms and depression. mas de depressão, verificou-se que 25,1% dos acadêmicos apre-
CONCLUSION: The results of this study suggest that there is sentavam depressão moderada e 17,1% grave. Houve associação
a relationship between temporomandibular dysfunction and de- estatisticamente significativa (p<0,001) e correlação positiva fra-
pression in undergraduate students, with higher prevalence in wo- ca (r=0,38; p<0,001) entre a presença de sinais e sintomas de
men, however, more specific diagnostic methods are necessary to disfunção temporomandibular com depressão.
confirm this relationship and the need for treatment. CONCLUSÃO: Os resultados desta pesquisa sugerem que existe
uma relação entre disfunção temporomandibular e depressão em
universitários, com maior prevalência em mulheres, entretanto
1. Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão, Departamento de Fisioterapia, Caxias, necessita-se de métodos diagnósticos mais específicos para com-
MA, Brasil. provar essa relação e necessidade de tratamento.
2. Universidade Federal do Maranhão, Caxias, MA, Brasil.
Descritores: Depressão, Estudantes de Ciências da Saúde, Índi-
Apresentado em 23 de setembro de 2016. ce de gravidade de doença, Sinais e sintomas, Síndrome da arti-
Aceito para publicação em 17 de julho de 2017. culação temporomandibular.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Científica – PIBIC.
INTRODUÇÃO
Endereço para correspondência:
Rua Aarão Reis, 1000 – Centro
65606-020 Caxias, MA, Brasil. Disfunção temporomandibular (DTM) é um termo que engloba
E-mail: raydelane.silva@gmail.com
um conjunto de condições dolorosas crônicas, e disfunção na região
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor orofacial afetando os músculos da mastigação, as articulações tem-

217
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):217-24 Pinto RG, Leite WM, Sampaio LS e Sanchez MO

poromandibulares (ATM) e estruturas associadas1. A DTM apresen- dantes universitários matriculados no ano letivo de 2015 na FACE-
ta uma variedade de sintomas que incluem dor na articulação e sua MA (2392), uma prevalência de DTM em universitários de 19%,
área circunjacente, fadiga muscular, estalos na mandíbula, limitação segundo o estudo de Khan, Khan e Hussain15, erro amostral de 5%
da abertura bucal, distúrbios otológicos, dores de cabeça e distúrbios e nível de confiança de 95%, resultando em uma amostra final, de
psicológicos2,3. aproximadamente, 215 estudantes.
Mais de 50% da população brasileira apresenta pelo menos um ou A coleta dos dados ocorreu entre os meses de fevereiro e agosto de
mais sinais de DTM, o que necessariamente não significa que essas 2015, durante o intervalo de aulas dos acadêmicos e realizada por
pessoas necessitem de tratamento. Estima-se que somente de 3,6 a duas fisioterapeutas e dois acadêmicos do curso de Fisioterapia. Os
7% dos indivíduos procuram atendimento, e necessitam de alguma avaliadores foram previamente capacitados pela coordenadora da
intervenção4. A prevalência de DTM está entre 40 e 60% na popu- pesquisa quanto à utilização dos questionários Índice Anamnésico
lação em geral5. Entre estudantes universitários, essa prevalência va- de Fonseca (IAF) e Research Diagnostic Criteria for Temporomandi-
ria de 15 a 92%, dependendo da origem dos estudantes e do método bular Disorders (RDC/TMD), objetivos da pesquisa e coleta dos da-
diagnóstico utilizado, representando um problema de saúde comum dos. Os avaliadores receberam uma lista dos alunos matriculados na
neste grupo populacional6-9. FACEMA e cópias do questionário do IAF, do questionário RDC/
A DTM pode ocorrer em todas as faixas etárias, mas sua incidência TMD e do TCLE.
maior é entre 20 e 45 anos de idade. Entre 15 e 30 anos as causas A capacitação dos avaliadores foi realizada coletivamente e teve du-
mais frequentes são as de origem muscular e, a partir de 40 anos, de ração de dois dias e, após essa etapa, os mesmos foram divididos em
origem articular. Acometem mais mulheres que homens, em uma duplas. Foi solicitada a permissão do professor para a abordagem
proporção de cinco mulheres para cada homem (5:1)10. dos acadêmicos na sala de aula para o esclarecimento dos objetivos/
Muitos estudos citam a depressão como um dos principais fatores justificativa do estudo, bem como a verificação do interesse dos es-
associados à presença de DTM, gerando indagações e inúmeras in- tudantes em participar da pesquisa. Os acadêmicos que aceitaram
vestigações a respeito da influência dos fatores psicológicos, princi- participar da pesquisa, foram convidados a comparecer em uma sala
palmente a depressão, no surgimento e/ou agravamento da DTM. reservada no intervalo das aulas para assinar o TCLE, e responder
Depressão, incapacidade e alterações comportamentais são aspectos aos questionários.
críticos do perfil dos pacientes com DTM, porém, não é dada a Os critérios de inclusão adotados foram: universitários matriculados
devida importância para a classificação desses fatores como auxilia- em um dos cursos da FACEMA, com idade entre 18 e 45 anos,
res no conhecimento mais detalhado da condição, ou para guiar o de ambos os sexos. Foram excluídos universitários que estavam em
tratamento clínico e a avaliação dos resultados físicos e psicossociais tratamento ortodôntico, gestantes e aqueles que relataram uso de
a longo prazo11. anti-inflamatórios nos últimos 6 meses.
Na população em que há manifestação clínica de DTM, ocorre sig- Para o levantamento dos sinais e sintomas de DTM entre os univer-
nificativo comprometimento psicossocial e diminuição da qualidade sitários foi utilizado o IAF, pois trata-se de um instrumento brasilei-
de vida12. A perpetuação da DTM deve-se às tensões mecânicas e ro, desenvolvido na língua portuguesa, que avalia a gravidade dos
musculares e aos problemas metabólicos, e principalmente, às va- sinais e sintomas de DTM. É composto por 10 questões com possi-
riantes comportamentais, sociais e emocionais, que levam ao espas- bilidade de três respostas: “sim”, que equivale a 10 pontos; “às vezes”,
mo dos músculos mastigatórios, causado pela contração excessiva ou equivalendo a 5 pontos; e “não”, cuja pontuação é zero. As questões
fadiga muscular, devido aos hábitos parafuncionais13,14. verificam a presença de dor na ATM, na nuca, ao mastigar, dor de
Nesse contexto, esta pesquisa teve como objetivo verificar a associa- cabeça, dificuldades de movimentação mandibular, ruídos articula-
ção e correlação entre sinais e sintomas de DTM com depressão, em res, hábitos parafuncionais (apertar e ranger os dentes), percepção da
universitários da Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão má oclusão e sensação de estresse emocional. Pela soma dos pontos,
– FACEMA. o índice pode classificar os participantes em categorias de gravidade
de sintomas, como sem DTM (zero a 15 pontos), DTM leve (20 a
MÉTODOS 40 pontos), DTM moderada (45 a 65 pontos) e DTM grave (70 a
100 pontos)16.
A pesquisa respeitou os aspectos éticos que envolveram os estudos Quanto ao estado emocional, os universitários foram avaliados den-
dessa natureza, respaldada na resolução 466/2012 do Conselho Na- tro do eixo II do RDC/TMD pelo Symptom Checklist 90 - Revised
cional de Saúde, que institui as normas de pesquisa em saúde. A (SCL-90-R) – questão 20 (Nas últimas quatro semanas, o quanto
concordância dos sujeitos em participar da pesquisa foi obtida por você tem estado angustiado ou preocupado?), uma escala que con-
meio da assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Escla- tém 20 itens referentes à avaliação dos sinais e sintomas de depres-
recido (TCLE). são, que inclui os 13 itens da escala de depressão SCL-90-R e 7 itens
Trata-se de um estudo epidemiológico, descritivo e transversal de adicionais destinados a avaliar sintomas vegetativos de depressão. Os
abordagem quantitativa, realizado na FACEMA, no município de 7 itens adicionais foram incluídos no instrumento de depressão do
Caxias, Maranhão. O tamanho da amostra foi calculado de acor- eixo II, devido à sua validade de conteúdo como parte da constru-
do com a fórmula: n = N.z2.p.(1-p)/e2.(N–1)+z2.p.(1–p), onde n ção do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM)
é a amostra calculada, N é a população, z é o nível de confiança da depressão17. A escala de depressão do RDC/TMD fornece cinco
95% (1,96), p é a frequência pelo qual o evento ocorre e e é o erro opções de resposta com pontuação de zero a 4: “nem um pouco”,
amostral (0,05). Levou-se em consideração uma população de estu- cuja pontuação é zero, “um pouco” que equivale a 1 ponto, “mode-

218
Associação entre sinais e sintomas de disfunção temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):217-24
com depressão em universitários: estudo descritivo

radamente”, que equivale a 2 pontos, “muito”, que equivale a 3 pon- entre as variáveis independentes (sexo, faixa etária e depressão), com
tos e “extremamente”, que equivale a 4 pontos. A soma dos pontos a variável dependente (DTM).
classifica os indivíduos de acordo com o grau de sinais e sintomas A correlação entre as variáveis foi avaliada por meio do teste de cor-
de depressão, como normal (resultado <0,535), depressão moderada relação de Spearman, considerando-se correlação fraca (0,26-0,49),
(resultado >0,535 e <1,105) e depressão grave (resultado >1,105)18. correlação moderada (0,50-0,69), correlação forte (0,70-0,89) e cor-
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do relação muito forte (0,9-1)19,22. Para todas as análises em estudo foi
Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão/HU/ considerada uma significância de 5%.
UFMA, sob parecer nº CAAE: 42793015.5.0000.5086.
RESULTADOS
Análise estatística
Os dados foram organizados e tabulados utilizando o Microsoft Excel Dos 300 questionários distribuídos, 221 foram respondidos (taxa de
versão 2016 para Windows e a análise estatística foi feita por meio do resposta: 79,6%). Destes, 22 foram excluídos por não terem com-
software Stata® versão 12.0 para Windows. pletado os itens referentes à depressão. Entre os 199 universitários
A análise univariada foi realizada por meio de descrição de todas incluídos, 75,9% (151) pertenciam ao sexo feminino e 24,1% (48)
as variáveis estudadas. Para verificar a normalidade dos dados foi ao masculino. A idade dos participantes avaliados variou de 19 a 42
utilizado o teste de Shapiro Wilk. As variáveis numéricas foram re- anos, com média de 24,2±4,6 anos e mediana de 23 anos (Q1 21;
presentadas por média e desvio padrão (média±DP), ou medianas Q3 26), em que 69,4% (138) dos universitários encontravam-se en-
e quartis, enquanto as categóricas por meio de frequências absoluta tre 19 e 24 anos, 20,1% (40) entre 25 e 30 anos, 7% (11) entre 31 e
e relativa, respectivamente. A comparação entre os sexos masculino 36 anos e apenas 3,5% (7) entre 37 e 42 anos (Tabela 1).
e feminino, quanto à presença dos sinais e sintomas de DTM e de- A prevalência de sinais e sintomas de DTM nos seus diferentes
pressão, foi avaliada por meio do teste de Mann-Whitney. graus foi de 66,3%, totalizando 132 indivíduos com presença dos
Na análise bivariada dos dados foram empregados, os testes Qui- sintomas da disfunção. Entre os que manifestaram a DTM, 37,7%
-quadrado de Pearson e Exato de Fisher’s para verificar associações apresentavam grau leve, 19,6% moderado e 9% grave. O sintoma
de DTM foi mais frequente no sexo feminino, com prevalência de
70,2% (106), bem como os graus leve (39,7%), moderado (21,2%)
Tabela 1. Distribuição dos universitários quanto à idade e sexo. Ca- e grave (9,3%), porém não houve diferença estatisticamente signi-
xias - MA, 2016
ficativa em relação ao sexo masculino (p=0,078). Em relação à fai-
Variáveis f % xa etária, a presença de sinais e sintomas de DTM foi maior nos
Sexo universitários com faixa etária dos 19 aos 24 anos (70,2%), bem
Feminino 151 75,9 como o grau leve (44,3%); o grau moderado foi mais frequente nos
Masculino 48 24,1 universitários com faixa etária dos 31 aos 36 anos (35,7%), estando
Faixa etária (anos)
ausente entre os universitários com faixa etária dos 37 a 42 anos e o
grau grave teve maior frequência entre aqueles com mais de 31 anos
19 a 24 138 69,4
(28,6%) (Tabela 2).
25 a 30 40 20,1
A prevalência do sintoma de depressão entre os universitários foi
31 a 36 14 7,0 de 42,2%, dos quais 57,8% foram classificados como normais,
37 a 42 7 3,5 25,1% apresentavam depressão moderada, e 17,1% grave. Segundo
Total 199 100,0 o sexo, os sinais e sintomas de depressão tiveram maior prevalência
f = frequência absoluta; % = frequência relativa. nas mulheres (45%), bem como os graus moderado (25,8%) e o

Tabela 2. Distribuição dos universitários quanto ao grau dos sinais e sintomas de disfunção temporomandibular. Caxias - MA, 2016
Variáveis Disfunção temporomandibular
Sem DTM Leve Moderada Grave Total Valor de p*
f % f % f % f % f %
Sexo 0,255
Feminino 45 29,8 60 39,7 32 21,2 14 9,3 151 100,0
Masculino 22 45,8 15 31,3 7 14,6 4 8,3 48 100,0
Faixa etária (anos) 0,461
19 a 24 41 29,7 61 44,2 26 18,8 10 7,2 138 100,0
25 a 30 17 42,5 10 25,0 8 20,0 5 12,5 40 100,0
31 a 36 5 35,7 2 14,3 5 35,7 2 14,3 14 100,0
37 a 42 4 57,1 2 28,6 0 0,0 1 14,3 7 100,0
Grupo total 67 33,7 75 37,7 39 19,6 18 9,0 199 100,0
* Teste Exato de Fisher; f = frequência absoluta; % = frequência relativa.

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):217-24 Pinto RG, Leite WM, Sampaio LS e Sanchez MO

grave (19,2%), entretanto, também não foi observada diferença es- gar (37,7%), má oclusão (34,2%) e ruído na ATM (31,2%), como
tatisticamente significativa em relação ao sexo masculino (p=0,259). mostra a tabela 4.
Os sinais e sintomas de depressão foram mais frequentes entre os Dos 132 universitários que apresentavam sintomas de DTM, 72
universitários com faixa etária dos 31 aos 36 anos (57,2%), e a sua apresentavam sintomas de depressão, representando uma preva-
ausência foi maior entre os universitários com faixa etária dos 37 aos lência de 54,5% de universitários com sinais e sintomas de am-
42 anos (71,4%). Tanto o grau moderado (28,6%), quanto o grave bas as doenças. Houve associação estatisticamente significativa
(28,6%) foram mais frequentes nos universitários com idade entre entre a presença de sinais e sintomas da DTM com depressão
31 e 36 anos (Tabela 3). (p<0,001) (Tabela 5). Observou-se também correlação positiva
Os sinais e sintomas de DTM mais relatados pelos universitários fraca e estatisticamente significativa entre as variáveis (r=0,38;
foram: dor de cabeça (60,8%), zumbido (40,2%), estalo ao masti- p<0,001) (Figura 1).

Tabela 3. Distribuição dos universitários quanto ao grau dos sinais e sintomas de depressão. Caxias - MA, 2016
Variáveis Depressão
Normal Moderada Grave Total Valor de p
f % f % f % f %
Sexo 0,143*
Feminino 83 55,0 39 25,8 29 19,2 151 100,0
Masculino 32 66,7 11 22,9 5 10,4 48 100,0
Faixa etária (anos) 0,741**
19 a 24 75 54,3 39 28,3 24 17,4 138 100,0
25 a 30 25 62,5 9 22,5 6 15,0 40 100,0
31 a 36 6 42,8 4 28,6 4 28,6 14 100,0
37 a 42 5 71,4 1 14,3 1 14,3 7 100,0
Grupo total 115 57,8 50 25,1 34 17,1 199 100,0
*Qui-quadrado de Pearson, **Exato de Fisher; f = frequência absoluta; % = frequência relativa.

Tabela 4. Percentual dos sinais e sintomas de disfunção temporomandibular mais frequentes entre os universitários. Caxias - MA, 2016
Sinais e sintomas Não Sim Total
f % f % f %
Dor na face 146 73,4 53 26,6 199 100,0
Travamento da mandíbula 160 80,4 39 19,6 199 100,0
Estalo ao mastigar 124 62,3 75 37,7 199 100,0
Ruído na ATM 137 68,8 62 31,2 199 100,0
Bruxismo 165 82,9 34 17,1 199 100,0
Zumbido 119 59,8 80 40,2 199 100,0
Má oclusão dentária 131 65,8 68 34,2 199 100,0
Dor de cabeça 78 39,2 121 60,8 199 100,0
ATM = articulação temporomandibular; f = frequência absoluta; % = frequência relativa.

Tabela 5. Associação entre os sinais e sintomas de disfunção temporomandibular com a depressão entre os universitários. Caxias - MA, 2016
Depressão Disfunção temporomandibular
Sem DTM Leve Moderada Grave Total Valor de p
f % f % f % f % f %
Normal 53 79,1 42 56,0 13 33,3 7 38,9 115 57,8 <0,001*
Moderada 11 16,4 20 26,7 15 38,5 4 22,2 50 25,1
Grave 3 4,5 13 17,3 11 28,2 7 38,9 34 17,1
Total 67 33,7 75 37,7 39 19,6 18 9,0 199 100,0
* Exato de Fisher; f = frequência absoluta; % = frequência relativa.

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Associação entre sinais e sintomas de disfunção temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):217-24
com depressão em universitários: estudo descritivo

que obtiveram prevalência de sinais e sintomas de DTM em 63,9%


Depressão dos universitários avaliados, Bezerra et al.21 encontraram prevalência
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 de 62,5%, Barbosa e Swerts22, que verificaram uma prevalência de
66% dos sinais e sintomas da DTM em estudantes de Odontolo-

3,0
gia, e Dantas23, com prevalência de 64,4%. Resultados inferiores de
sinais e sintomas de DTM foram encontrados em diversos estudos

2,5
realizados em outros países, com prevalências que variaram de 15
a 57,7%6,9,14,15,24-26. Outros autores encontraram prevalência maior

2,0
entre os universitários avaliados em seus respectivos estudos, que va-
riou de 74,9 a 92,3%7,8,10,12,27,28.

DTM
1,5
Essas diferenças em relação ao presente estudo podem ser atribuídas
à utilização de diferentes métodos diagnósticos de DTM, distribui-

1,0
ção de sexo e diferenças na amostra, em que a origem e os hábitos
culturais, econômicos e alimentares são considerados, pois alguns

0,5
autores avaliaram estudantes de procedência oriental e europeia, e
0,0 outros avaliaram apenas estudantes do sexo masculino, uma vez que
é cientificamente comprovado que a prevalência de DTM é maior
em mulheres.
Figura 1. Correlação entre os sinais e sintomas de disfunção temporo-
Os estudantes universitários são candidatos em potencial para o sur-
mandibular com depressão
gimento de alterações na ATM, levando às desordens que afetam
essa articulação, uma vez que os mesmos, no decorrer da graduação,
desenvolvem hábitos parafuncionais, tais como apoiar a mão sobre
DISCUSSÃO a mandíbula, bruxismo, briquismo, mascar chiclete, morder o lábio,
onicofagia e morder objetos20,22,28,29, devido à descarga das tensões
A DTM representa um quadro crônico para o portador desse dis- nervosas sobre a musculatura mastigatória e, consequentemente hi-
túrbio, afetando as funções motoras da ATM, bem como a fala, a peratividade muscular, que por sua vez podem ser desencadeadas por
respiração, a deglutição, a qualidade de vida e a interação social do alterações emocionais, como a depressão e o estresse11,14, requerendo
indivíduo. Por isso, hoje se tem buscado processos de avaliação me- investigações mais elaboradas e específicas a fim de determinar cien-
nos elaborados, de maior aplicabilidade e que abranjam os principais tificamente a influência que a depressão exerce no surgimento e/ou
resultados clínicos, permitindo seu uso, tanto em estudos epidemio- agravamento da DTM. Devido a essa sobrecarga nos músculos mas-
lógicos ou populacionais, como também um instrumento ímpar na tigatórios desencadeada pela adoção de hábitos parafuncionais dele-
calibração de pesquisas que envolvam coletas de amostras20. Neste térios, esse grupo está mais propenso ao acometimento por DTM de
estudo foram utilizados os questionários IAF e RDC/TMD eixo II, origem muscular que a de origem articular.
pois são instrumentos de avaliação precisos, simples, confiáveis e de Os hábitos parafuncionais desencadeiam contração muscular do
grande reprodutibilidade para o diagnóstico de DTM. tipo isométrica, inibição do fluxo sanguíneo normal para os tecidos
Por ser um questionário simples, o IAF favorece seu uso em estudos musculares, aumento de dióxido de carbono e resíduos metabólicos
epidemiológicos populacionais, apresentando alta acurácia, pois foi nos tecidos musculares, culminando com fadiga, espasmos e dor.
previamente testado em pacientes com DTM, e demonstrou uma Em consequência disso, há maior probabilidade dos hábitos para-
correlação de 95% com o índice clínico de Helkimo14. Neste es- funcionais ocasionarem alterações no sistema muscular e na ATM,
tudo, optou-se por esse índice pelo fato de ser um instrumento de visto que as estruturas do sistema mastigatório toleram uma certa
aplicação rápida e fácil, e por não se tratar de sujeitos que estavam quantidade de força gerada pela hiperatividade e, após esse nível
em busca de tratamento para DTM, portanto, a intenção inicial foi pode ocorrer um colapso nos tecidos20.
apenas rastrear os sinais e sintomas dessa disfunção em estudantes Em relação aos graus de gravidade, a DTM leve foi a mais frequen-
universitários. Além disso, diversos estudos brasileiros e internacio- te (37,7%), seguida de moderada (19,6%) e grave (9%), corrobo-
nais, têm utilizado o IAF para classificação dos pacientes quanto aos rando com estudos prévios realizados com universitários, os quais
sinais e sintomas de DTM3,4,7-9,14,15,20-27. verificaram maior frequência do grau leve dos sinais e sintomas
Observou-se que a maior parte dos universitários participantes deste da DTM4,9,10,14,21,24-26,28. Neste estudo, apesar de ter sido observa-
estudo era do sexo feminino, o que mostra que, atualmente, a quan- da maior prevalência de sinais e sintomas de DTM geral entre os
tidade de mulheres inseridas nas universidades é maior que a quan- universitários de 21 a 24 anos, os graus de comprometimento mais
tidade de homens. Isso se deve ao crescente espaço que as mulheres graves e que podem ser uma possível indicação de tratamento (graus
vêm ganhando na sociedade e no mercado de trabalho, portanto há moderado e grave), foram mais frequentes entre os universitários
maior demanda para a sua qualificação, obtida por meio do ingresso com idade acima de 31 anos, comprovando que a DTM se agrava
no ensino superior. com a idade, fato já descrito na literatura10,28.
De acordo com os resultados, percebeu-se que é considerável a par- Corroborando outros estudos12,14,15,20-22,24,26,28, observou-se que as
cela de universitários com sinais e sintomas de DTM (66,3%), o que mulheres são mais afetadas pelos sintomas da DTM que os homens,
confere com resultados encontrados nos estudos de Goyatá et al.4, com prevalência de 70,2% portadoras de sintomas da disfunção ver-

221
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):217-24 Pinto RG, Leite WM, Sampaio LS e Sanchez MO

sus 55,2% dos homens, porém não foi observada diferença estatis- graves de somatização podem confundir a interpretação do exame
ticamente significativa entre os sexos (p=0,078). Entretanto, outros clínico17,38. No intuito de sanar esses problemas, um novo RDC/
estudos encontraram maior prevalência de DTM em homens6,9. TMD vem sendo elaborado para avaliação de fatores psicológicos e
De acordo com Martins et al.30 as mulheres tendem a ter côndilos sua relação com o diagnóstico de DTM38.
mandibulares retroposicionados, quando comparadas aos homens, Quando distribuídos de acordo com o grau de sintomas de depres-
o que provavelmente possa predispô-las a deslocamentos anteriores são, percebeu-se que mais da metade (57,9%) dos universitários
de disco. Para Medeiros, Batista e Forte28, essa maior prevalência no apresentou condições normais. Ao analisar a presença do sintoma de
sexo feminino deve-se ao fato das mulheres procurarem tratamento depressão, observou-se que a maioria dos universitários acometidos
com maior frequência, ou seja, são mais cuidadosas e atenciosas com apresentou grau moderado (25,1%) e 17,1% apresentaram sinais
a saúde que os homens. Minghelli, Kiselova e Pereira24 afirmam que e sintomas graves. Em estudos anteriores comprovou-se também,
as mulheres são mais suscetíveis à DTM, devido à influência das ca- que o grau de depressão mais presente entre os avaliados era o grau
racterísticas fisiológicas, variações hormonais e estruturas do tecido moderado, constatando-se que a maioria apresentava condições psi-
conjuntivo e muscular, uma vez que a maior flacidez desses tecidos, cológicas normais, para a presença dos sinais e sintomas significa-
relacionada com os níveis de estrogênio, explica o fato de esses teci- tivos de depressão13,31,33,36. Entretanto, ressalta-se que neste estudo
dos apresentarem menor capacidade de suportar pressão funcional a presença de sintomas graves foi mais significativo em relação aos
levando à DTM. Wahid et al.8 defendem que as mulheres têm mais estudos mencionados.
DTM, devido ao maior estresse mental. Ao comparar a ocorrência de sintomas de depressão em ambos os
Na distribuição do grau de DTM em relação ao sexo, percebeu-se sexos, as mulheres obtiveram destaque (45%), enquanto os homens
que tanto no sexo feminino quanto no masculino o grau leve foi obtiveram prevalência de 33,3%, porém, apesar da diferença nu-
o mais frequente em relação aos outros graus, com prevalência de mérica, não houve diferença estatisticamente significativa entre os
39,7 e 31,3% respectivamente, estando esses resultados de acordo sexos (p=0,278). Os resultados obtidos nesta pesquisa, bem como
com outros estudos18,24,26,28. Bezerra et al.21, Barbosa e Swerts22 e em outros estudos14,18,24,31,36, mostraram que as mulheres são mais
Al Moaleem et al.9 também encontraram maior prevalência de suscetíveis a quadros de depressão, visto que são necessários estudos
sintomas de DTM leve em ambos os sexos. Entretanto, ao contrário que investiguem as causas para a maior prevalência dos sintomas
dos resultados encontrados neste estudo, e na maioria dos estudos dessa condição em mulheres.
disponíveis na literatura, essa prevalência foi maior nos homens em Na classificação do grau dos sintomas de depressão quanto ao sexo,
relação às mulheres (51,7, 46,3 e 40,2%, respectivamente). Por ser observou-se que tanto as mulheres quantos os homens apresentaram
uma população jovem, admite-se maior ocorrência de DTM leve, maior prevalência para o grau moderado (25,8 e 22,9%, respectiva-
visto que os sintomas podem se agravar com o avançar da idade, e mente), sendo também observado nos estudos de Toledo, Capote
agravamento dos fatores etiológicos da DTM, tais como os hábitos e Campos18 (17,8% para mulheres e 16,1% para homens) e Iqbal,
parafuncionais e a tensão emocional. Gupta e Venkatarao36 (22,7% para mulheres e 11% para homens).
A prevalência de sinais e sintomas de depressão entre os universi- A maior prevalência de sintomas de depressão em mulheres pode ser
tários avaliados, dentro do eixo II do RDC/TMD foi significativa explicada pelo fato das mulheres referirem mais frequentemente os
(42,2%), o que chama atenção, visto que é uma população relati- sintomas depressivos que os homens e por apresentarem um maior
vamente jovem e supostamente com boas condições de saúde geral. índice de doenças psicossomáticas24,36. Justo e Calil39 explicam que
Outros estudos realizados encontraram prevalência equivalente de alterações nos níveis de produção de estrogênio nas mulheres afetam
sintomas de depressão18,31,32 em 41,1, 43,9 e 41% dos universitários, o humor e a cognição, atuando não só no hipotálamo, mas também
respectivamente. No entanto, a maior parte dos estudos13,14,24,33-36 no hipocampo e cerebelo, deixando as mulheres mais vulneráveis a
encontrou prevalência divergente deste estudo, com valores de 50, quadros de depressão. Outros fatores como abuso sexual na infância,
30,5, 18,3, 34,6, 24,2, 54,2 e 51,4, respectivamente. dupla jornada de trabalho, conflitos nas relações sócio familiares,
O uso do RDC/TMD, eixo II, é considerado um indicador con- menor nível educacional e maternidade podem contribuir para a
fiável e válido para rastrear sintomas de depressão, somatização e alta prevalência da depressão em mulheres.
disfunção psicossocial em resposta à dor, pois apesar de não fornecer Observou-se que o sintoma da depressão esteve mais presente nos
diagnóstico psiquiátrico, fornece suporte científico inicial para vali- universitários com idade entre 31 e 36 anos (57,2%), em ambos os
dar a tomada de decisão clínica baseada em evidências, no sentido de graus de acometimento (moderado e grave), fato que pode ser ex-
encaminhar esses pacientes para avaliação psicológica e intervenções plicado pelo fato de ser justamente a fase mais produtiva do indiví-
nas barreiras psicossociais em prol da minimização da DTM17,37. duo, período em que está mais exposto a fatores estressantes devido
Além disso, o eixo II tem sido utilizado por diversos estudos clínicos a demanda da rotina profissional, entretanto esta afirmação requer
e epidemiológicos para descrever altos níveis de depressão e somati- mais estudos específicos para se chegar a uma conclusão comprovada
zação, bem como alta prevalência de incapacidade relacionada à dor cientificamente. Para Jadoon et al.31, a depressão pode levar a resulta-
em atividades sociais de pacientes com DTM12,18,34,35,37. No entanto, dos negativos, incluindo a evasão escolar, diminuição da capacidade
alguns autores alertam que o uso do eixo II deve ser utilizado com de trabalhar de forma eficiente, a deterioração em relacionamentos,
cautela, considerando-se que ele apresenta alta sensibilidade (87%), esgotamento, aumento da tendência suicida e problemas existentes,
porém baixa especificidade (53%) na identificação de pacientes com compostos de prestação de cuidados de saúde.
depressão (comparando escores baixo com moderado/grave de de- Os profissionais da saúde tendem a apresentar maiores índices de pro-
pressão), podendo gerar diagnósticos de falso positivo, onde níveis blemas mentais, em destaque a depressão, característica essa que se

222
Associação entre sinais e sintomas de disfunção temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):217-24
com depressão em universitários: estudo descritivo

inicia nos anos de graduação e que traria repercussão não somente no CONCLUSÃO
desempenho acadêmico, como no aumento do risco de surgirem ou-
tras doenças, como a DTM21. Esta realidade pode provavelmente ser Os resultados deste estudo evidenciaram alta prevalência de sinais e
explicada pelo elevado nível de pressão mental e cobrança em obterem sintomas de DTM entre universitários, semelhante a outros estudos
altos resultados acadêmicos e, consequentemente, temor ao fracasso da literatura. Dentre eles, as mulheres e aqueles com menor faixa
na vida profissional, visto que lidam com vidas humanas diariamente etária apresentaram maior prevalência de sintomas desta disfunção.
Os sinais e sintomas de DTM mais relatados foram dor de cabeça
(60,8%), zumbido (40,2%), estalo ao mastigar (37,7%), má oclu- AGRADECIMENTOS
são dentária (34,2%) e ruído na ATM (31,2%) e o menos relatado
foi a presença de dor ou cansaço ao acordar, com prevalência de Os autores agradecem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e
14,1%. A dor de cabeça também foi o sintoma mais relatado em ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão – FA-
alguns estudos15,24, com prevalências de 20 e 31,6%, respectivamen- PEMA para a realização desta pesquisa e a todo o grupo de pesquisa
te. Em outros estudos21,29,30, a dor na nuca ou pescoço obteve maior de DTM da Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão – FA-
prevalência, com 47,3, 93 e 38%, respectivamente. Goyatá et al.4 e CEMA pela indispensável contribuição durante a coleta dos dados.
Toledo, Capote e Campos18 identificaram o bruxismo como o sinal
da DTM mais presente entre os avaliados (41,2 e 23,2%, respecti- REFERÊNCIAS
vamente), já Habib et al.25 verificaram maior frequência para a má
1. Al-Khotani A, Naimi-Akbar A, Albadawi E, Ernberg M, Hedenberg-Magnusson B,
oclusão dentária (23,2%). A possível relação da DTM com a dor Christidis N. Prevalence of diagnosed temporomandibular disorders among Saudi
de cabeça pode ser atribuída ao fato de que as dores de cabeça estão Arabian children and adolescents. J Headache Pain. 2016;41.
relacionadas às atividades musculares, sendo assim, as atividades que 2. Blanco-Hungría A, Blanco-Aguilera A, Blanco-Aguilera E, Serrano-del-Rosal R,
Biedma-Velázquez L, Rodríguez-Torronteras A, et al. Prevalence of the different Axis
envolvem a cabeça e o pescoço provavelmente desempenham um I clinical subtypes in a sample of patients with orofacial pain and temporomandibu-
papel importante na etiologia dessa condição24. lar disorders in the Andalusian Healthcare Service. Med Oral Patol Oral Cir Bucal.
2016;21(2):e169-77.
Neste estudo, verificou-se associação estatisticamente significante 3. Oliveira CB, Lima JA, Silva PL, Forte FD, Bona PR, Batista AU. Temporomandibular
(p<0,001) e correlação positiva (r=0,38; p<0,001) entre a presença disorders and oral habits in high-school adolescents: a public health issue? RGO - Rev
Gaúch Odontol. 2016;64(1):8-16.
de sinais e sintomas de DTM com a presença de sintomas de depres- 4. Goyatá FR, Taira NV, Almeida SD, Silva DD, Taira CV. Avaliação de sinais e sintomas
são, observando-se que mais da metade dos universitários (54,5%) de disfunção temporomandibular entre os acadêmicos do curso de odontologia da
universidade Severino Sombra, Vassouras – RJ. Int J Dent. 2010;9(4):181-6.
apresentavam sintomas de ambas as condições, o que leva a sugerir 5. Plesh O, Adams SH, Gansky SA. Temporomandibular joint and muscle disorder-type
que os fatores psicológicos, especialmente a depressão, influenciam pain and comorbid pains in a national US sample. J Orofac Pain. 2011;25(3):190-8.
nas condições clínicas da DTM, como descrito na literatura. Estes 6. Rani S, Pawah S, Gola S, Bakshi M. Analysis of Helkimo index for temporomandibu-
lar disorder diagnosis in the dental students of Faridabad city: a cross‑sectional study.
resultados são corroborados pelos estudos de Toledo, Capote e Cam- J Indian Prosthodont Soc. 2017;17(1):48-52.
pos18, os quais verificaram que 53,3% dos universitários avaliados 7. Sousa EF, Moreira TR, Santos LH. Correlação do nível de ansiedade e da qualidade
de vida com os sinais e sintomas da disfunção temporomandibular em universitários.
apresentavam sinais e sintomas da DTM e da depressão e Nery32, Clipe Odonto. 2016;8(1):16-21.
que verificou a prevalência de sinais e sintomas de depressão em 8. Wahid A, Mian FI, Razzaq A, Bokhari SAH, Kaukab T, Iftikhar A, et al. Prevalence and
severity of temporomandibular disorders (tmd) in undergraduate medical students
52% dos indivíduos com sinais e sintomas de DTM. Minghelli, using Fonseca’s Questionnaire. Pakistan Oral & Dental Journal. 2014;34(1):38-41.
Morgado e Caro14 e Minghelli, Kiselova e Pereira24 encontraram pre- 9. Al Moaleem MM, Okshah AS, Al-Shahrani AA, Alshadidi AA, Shaabi FI, Mobark
valência menor de sinais e sintomas de depressão em universitários AH, et al. Prevalence and severity of temporomandibular disorders among undergra-
duate medical students in association with Khat Chewing. J Contemp Dental Pract.
que apresentavam também sintomas de DTM, em 44 e 30,7%, res- 2017;18(1):23-8.
pectivamente. Outro estudo encontrou prevalência maior dos sinais 10. Parente IA, Cerdeira DQ. Disfunção temporomandibular: a avaliação fisioterapêutica
em discentes de uma instituição de ensino superior do município de Sobral – Ceará.
e sintomas de ambas as doenças (64%)35. SANARE. 2013;12(2):27-33.
Orhbach et al.17 relatam que distúrbios psiquiátricos como depres- 11. Pasinato F, Corrêa EC, Souza JA. Avaliação do estado e traço de ansiedade em indiví-
duos com disfunção temporomandibular e assintomáticos. Saúde. 2009;35(1):10-5.
são e ansiedade generalizada, bem como distúrbios psicológicos, são 12. Geres GS, Pachioni CA, Masselli MR, Minonroze D, Ferreira A, Gomes DC, et al.
comuns entre os pacientes que procuram tratamento para dor crôni- Análise de condições clínicas em estudantes com disfunção temporomandibular. Ter
ca de DTM e podem interferir com a resposta a tratamentos de dor. Man. 2013;11(53):361-6.
13. Paiva RC. A depressão e a disfunção temporomandibular – estudo clínico [disserta-
Em muitos pacientes existe um ciclo em que a DTM gera trans- ção]. Viseu (PT): Universidade Católica Portuguesa; 2012.
tornos emocionais que aumentam os sintomas da DTM, podendo 14. Minghelli B, Morgado M, Caro T. Association of temporomandibular disorder
symptoms with anxiety and depression in Portuguese college students. J Oral Sci.
também ser observado o oposto, ou seja, os transtornos emocionais 2014;56(2):127-33.
geram DTM e esta, por sua vez, agrava os transtornos emocionais. 15. Khan M, Khan A, Hussain U. Prevalence of temporomandibular dysfunction (TMD)
among university students. Pakistan Oral & Dental Journal. 2015;35(3):382-5
Contudo, não se sabe ainda se são os transtornos emocionais, em 16. Fonseca DM, Bonfarte G, Valle AL, Freitas SF. Diagnóstico pela anamnese da disfun-
condições crônicas, que desencadeiam a DTM, ou se é o agrava- ção crâniomandibular. Rev Gaúcha Odontol. 1994;42(1):23-8.
mento da DTM que leva ao surgimento de transtornos emocionais, 17. Ohrbach R, Turner JA, Sherman JJ, Mancl LA, Truelove EL, Schiffman EL, et al.
The Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders. IV: evaluation
especialmente a depressão40. of psychometric properties of the Axis II measures. J Orofac Pain. 2010;24(1):48-62.
A importância dos resultados deste estudo reafirma, que para que 18. Toledo BA, Capote TS, Campos JA. Associação entre disfunção temporomandibular
e depressão. Cienc Odontol Bras. 2008;11(4):75-9.
haja eficácia no tratamento da DTM é necessário acompanhamento 19. Munro BH. Correlation. In: Munro BH, (editors). Statistical Methods for Health
psicológico desses pacientes com alterações emocionais, pois somen- Care Research. 4th ed. Philadelphia, PA: Lippincott; 2001. 223-43p.
20. Alves-Rezende MC, Silva JS, Soares BM, Bertoz FA, Oliveira DT, Alves-Claro AP.
te tratando a causa base será possível ter resultados satisfatórios no Estudo da prevalência de sintomatologia temporomandibular em universitários brasi-
tratamento das alterações funcionais causadas pela DTM. leiros de odontologia. Rev Odon Araç. 2009;30(1):9-14.

223
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):217-24 Pinto RG, Leite WM, Sampaio LS e Sanchez MO

21. Bezerra BP, Ribeiro AI, Farias AB, Farias, AB, Fontes LD, Nascimento SR, et al. Pre- mica e fatores demográficos na ocorrência da disfunção temporomandibular. Ciênc
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224
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):225-31 ARTIGO ORIGINAL

Prevalence of musculoskeletal pain in primary care dentists


Prevalência de dor musculoesquelética em cirurgiões-dentistas da atenção básica
Rayssa Nogueira de Sousa Silva1, Jose Mario Nunes da Silva1,2

DOI 10.5935/1806-0013.20170106

ABSTRACT mal projetado, o estresse e o manuseio de materiais químicos


e biológicos. O objetivo deste estudo foi analisar a prevalência
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Dentistry is among de dor musculoesqueléticas em cirurgiões-dentistas da atenção
the occupational categories that most inflicts its practitioners to básica, relacionada ao trabalho.
a series of risk factors to develop musculoskeletal disorders, es- MÉTODOS: A amostra foi constituída por 167 cirurgiões-den-
pecially the maintenance of static postures, repetitive activities, tistas vinculados à atenção básica, sendo aplicados questionários
long work days, poorly designed work environment, stress and referentes a dor musculoesquelética, dados sociodemográficos,
handling of chemical and biological materials. The objective of estilo de vida, caraterísticas ocupacionais, fadiga e capacidade
this study was to analyze the prevalence of work-related muscu- para o trabalho.
loskeletal pain in primary care dentists. RESULTADOS: A prevalência de dor musculoesquelética foi
METHODS: The sample consisted of 167 primary care dentists, elevada nos membros superiores (38,3%), nos membros inferio-
who answered questionnaires relating to musculoskeletal pain, res (34,7%) e no dorso (27,5%) e, se associou estatisticamente
social-demographic data, lifestyle, occupational characteristics, nos três segmentos corporais com renda familiar, morbidades
fatigue and ability to work. associadas, jornada diária e semanal de trabalho, percepção de
RESULTS: The prevalence of musculoskeletal pain was high fadiga e capacidade para o trabalho.
for upper limbs (38.3%), lower limbs (34.7%) and on the back CONCLUSÃO: Na amostra estudada observou-se elevada pre-
(27.5%). The was a statistical association in the three body seg- valência de dor musculoesquelética, o que serve de alerta para
ments, with family income, associated morbidities, daily and we- adoção de políticas públicas para a melhoria das condições de
ekly working time, the perception of fatigue, and ability to work. trabalho dos cirurgiões-dentistas pesquisados.
CONCLUSION: The studied sample showed a high prevalence Descritores: Condições de trabalho, Dor musculoesquelética,
of musculoskeletal pain, which serves as a warning flag to the Odontólogos, Saúde do trabalhador.
adoption of public policies to improve the working conditions
of the dentists surveyed. INTRODUÇÃO
Keywords: Dentists, Musculoskeletal pain, Occupational heal-
th, Working conditions. Dentre as profissões da área da saúde expostas a distúrbios osteo-
musculares relacionados ao trabalho (DORT), a odontologia se en-
RESUMO quadra entre as categorias mais associadas a esses sintomas dolorosos,
especialmente nas regiões cervical, lombar e de membros superiores
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O exercício da odontologia (MMSS)1-6. Isso ocorre principalmente pela manutenção de postu-
enquadra-se entre as categorias profissionais que mais impõe a ras estáticas inflexíveis, atividades repetitivas, longas jornadas de tra-
seus praticantes uma série de fatores de risco ao desenvolvimento balho, ambiente de trabalho mal projetado, manuseio de materiais
de distúrbios musculoesqueléticos, entre eles destacam-se, prin- químicos e biológicos e fadiga3-5.
cipalmente, a manutenção de posturas estáticas, as atividades re- A prevalência de distúrbios musculoesqueléticos em cirurgiões-dentis-
petitivas, as longas jornadas de trabalho, o ambiente de trabalho tas (CD) é alta1-6, fato que provoca elevados índices de absenteísmo,
incapacidade temporária ou permanente, diminuindo a capacidade
produtiva do trabalhador, e resultando em reflexos negativos na sua
qualidade de vida (QV) e nos serviços prestados à população5-9.
1. Faculdade de Ciências e Tecnologia do Maranhão, Departamento de Fisioterapia, Caxias, Esse conjunto de doenças ocupacionais não está presente só na
MA, Brasil. população brasileira, os relatos constam também em países como,
2. Universidade Federal do Piauí, Departamento de Medicina Comunitária, Teresina, PI, Brasil.
Inglaterra, Escandinávia, Japão, Estados Unidos e Austrália, entre
Apresentado em 16 de fevereiro de 2017. outros. A evolução das epidemias de DORT nesses países varia mui-
Aceito para publicação em 17 de julho de 2017. to, e alguns deles continuam ainda como sendo um problema signi-
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
ficativo, entre os quais o Brasil encontra-se em destaque10.
Endereço para correspondência: Os gastos de saúde e sociais advindos dessa problemática têm cresci-
Rua Aarão Reis, 1000, Centro
Departamento de Fisioterapia do de maneira vertiginosa nos últimos anos, atingindo parte consi-
65606-020 Caxias, MA, Brasil. derável desses profissionais, representando significativo impacto na
E-mail: zemariu@hotmail.com
saúde e na QV dos trabalhadores6,7,10. Portanto, a análise e adequado
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor dimensionamento do problema, bem como a investigação de seus

225
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):225-31 Silva RN e Silva JM

fatores associados, são relevantes para constituir medidas que pos- (valor inferior a 40 pontos) e a partir de 35 anos (valor inferior a 37
sam intervir sobre essa problemática, principalmente em cirurgiões- pontos). O coeficiente de confiabilidade interna (alfa de Cronbach)
-dentistas da atenção básica que lidam com anseios e expectativas dos itens foi 0,79.
dos pacientes na manutenção da sua saúde bucal. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pes-
Desse modo, o objetivo geral deste estudo foi analisar a prevalência quisa da Universidade Federal do Piauí (UFPI) com o CAAE nº
de distúrbios musculoesqueléticos em CD da atenção básica e sua 22135013.8.0000.5214. Todos os participantes da pesquisa assi-
relação com fatores ocupacionais. naram um termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
obedecendo a resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde
MÉTODOS e Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial.

Foi realizado um estudo epidemiológico de corte transversal. Fize- Análise estatística


ram parte da pesquisa cirurgiões-dentistas vinculados à Estratégia Na análise univariada foram aplicados os procedimentos de estatís-
Saúde da Família (ESF), no município de Teresina, Piauí, no perío- tica descritiva. Na análise bivariada, para a associação entre o relato
do de janeiro a março de 2014. de DME e variáveis sócio-demográficas, estilo de vida, ocupacionais,
Para ser incluído no estudo os CD deveriam estar em exercício pro- fadiga e capacidade para o trabalho foi utilizado o teste Qui-quadra-
fissional no período da coleta de dados e aceitar participar da pes- do de Pearson (c²).
quisa. Os CD que não estavam realizando atividades assistenciais Para análise multivariada foi utilizada a regressão de Poisson com
diretas, trabalhando em atividade administrativa, e/ou afastado por variância robusta dos erros-padrão15 com todas as covariáveis de
algum motivo foram excluídos da pesquisa. interesse que apresentaram p<0,20 na análise bivariada. Calcula-
Considerando um total de 220 CD na ESF trabalhando no período ram-se as razões de prevalência brutas e ajustadas com seus respec-
pesquisado, o cálculo da amostra foi estimado mediante uma preva- tivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), e significância ob-
lência de 50% para as variáveis relacionadas ao desfecho, margem tida pelo teste de Wald para heterogeneidade. Em todas as análises
de erro de 5% para um intervalo de confiança de 95%, totalizando realizadas foi utilizado um nível de significância de 5%, através do
uma amostra ideal para o desenvolvimento do estudo de 140 CD. software SPSS versão 18.0 para Windows (SPSS Inc. Chicago, IL
A amostra foi aumentada em 20%, pressupondo uma taxa de não 60606, EUA).
resposta de 10% e mais 10% para controlar fatores de confusão,
resultando em uma amostra final de 167 CD. RESULTADOS
A variável dependente, frequência de dor musculoesquelética
(DME) foi obtida a partir da investigação das estruturas corporais Em relação aos entrevistados, observou-se predominância no sexo
(MMSS, inferiores e dorso), por meio do autorrelato de dor nas per- feminino (56,9%), com faixa etária entre 23 e 40 anos (57,5%), ren-
na, braços e ombros. A frequência da dor foi mensurada por uma da mensal maior ou igual a 10 salários mínimos (47,3%), e casados/
escala tipo Likert: zero=nunca, 1=raramente, 2=pouco frequente, união estável, na maioria (60,0%). A maioria praticava atividade
3=frequente e 4=muito frequente. A queixa de DME foi conside- física (70,1%), não tinha hábito de fumar (97,6%), não consumia
rada quando os CD referiram sentir dor frequentemente ou muito bebidas alcoólicas (71,3%) e estado nutricional adequado (70,1%)
frequentemente11. (Tabela 1).
As variáveis independentes investigadas foram: Com relação à inserção do profissional, observou-se a maior propor-
• Sócio-demográficas: sexo; faixa etária; estado civil e renda familiar ção no setor público e privado (62,9%). Avaliando-se o tempo de
mensal; exercício da profissão, observou-se que a maioria (68,3%) tinha mais
• Ocupacionais: local de trabalho; tempo de trabalho; jornada de ou menos 10 anos na profissão, cumprindo jornada de trabalho di-
trabalho diária. No que se refere à organização do trabalho foi apli- ária de 8-10h (62,9%) no total (Tabela 1).
cado um questionário autorizado e adaptado de Vasconcelos et al.12
referente à estrutura organizacional e ambiente físico do trabalho Tabela 1. Distribuição dos profissionais segundo variáveis sociode-
com respostas que variam de: sim (sempre ou muito frequente), às mográficas, estilo de vida, ocupacionais, aspectos de saúde, percep-
ção de fadiga e capacidade para o trabalho
vezes (pouco frequente) ou não (pouquíssimo frequente ou nunca);
• Estilo de vida: prática de atividade física, consumo de álcool, fumo Variáveis sociodemográficas n % Média DP
e estado nutricional segundo o índice de massa corporal; Sexo
• Aspectos de saúde autorrelatado: satisfação com sono, estresse, es- Masculino 72 43,1
tado de saúde, além da quantidade de morbidades referidas com Feminino 95 56,9
diagnóstico médico; Faixa etária (anos) 40,3 10,7
• Fadiga: foi utilizado o questionário de percepção de fadiga13, com-
23├ 40 96 57,5
posto por 30 questões de múltipla escolha com escore variando de
≥40 71 42,5
30 até 150 pontos, correspondendo a menor e maior fadiga respec-
tivamente. O coeficiente alfa de Cronbach foi de 0,93; Estado civil
• Capacidade para o trabalho: foi avaliada por meio do Índice de Não casado(a) 66 39,5
Capacidade para o trabalho (ICT)14, sendo a capacidade inadequa- Casado(a)/união estável 101 60,5
da para o trabalho para indivíduos com idade entre 18 e 34 anos Continua...

226
Prevalência de dor musculoesquelética em Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):225-31
cirurgiões-dentistas da atenção básica

Tabela 1. Distribuição dos profissionais segundo variáveis sociode- Tabela 1. Distribuição dos profissionais segundo variáveis sociode-
mográficas, estilo de vida, ocupacionais, aspectos de saúde, percep- mográficas, estilo de vida, ocupacionais, aspectos de saúde, percep-
ção de fadiga e capacidade para o trabalho – continuação ção de fadiga e capacidade para o trabalho – continuação

Variáveis sociodemográficas n % Média DP Variáveis sociodemográficas n % Média DP


Renda familiar (SM) Percepção de fadiga**
4├ 5 11 6,6 Baixa 123 73,7
5├ 10 77 46,1 Alta 44 26,3
≥10 79 47,3 Capacidade para o trabalho***
Estilo de vida Adequada 89 53,3
Atividade física Inadequada 78 46,7
Sim 117 70,1 SM = salário mínimo (R$: 720), IMC = Índice massa corporal. *Adaptado12 **Ques-
tionário de percepção de fadiga13; ***Índice de capacidade para o trabalho14.
Não 50 29,9
Tabagismo
Sim 04 2,4 Ainda na tabela 1 estão apresentados os dados referentes à distribui-
Não 163 97,6 ção relativa sobre a saúde e percepção de fadiga muscular em CD,
Consumo de bebida alcoólica em que predominaram as respostas referentes a estar satisfeito com
Sim 48 28,7
o sono (40,1%), relatam sentir estresse às vezes (58,6%), em bom
estado de saúde (67,6%); parte considerável teve alta percepção de
Não 119 71,3
fadiga (26,2%), e capacidade inadequada para o trabalho (46,7%).
Estado nutricional (IMC kg/m²) 24,0 3,0
A tabela 2 apresenta os dados com relação às características do am-
Eutrófico 117 70,1
biente de trabalho e sua organização.
Excesso de peso 50 29,9 A prevalência de DME foi de 38,3% (IC95%: 30,9-45,8) para os
Ocupacionais MMSS, 34,7% (IC95%: 27,4-42,0) para MMII, e 27,5 (IC95%:
Local de trabalho 20,7-34,4) para o dorso (Figura 1). A prevalência global para
Apenas serviço público (UBS) 62 37,1 DME relacionada a qualquer um dos três segmentos corporais foi
Serviço público (UBS) e privado 105 62,9 de 68,9%: 45,5% referiram dor apenas em um dos três segmentos
Tempo de trabalho (UBS) (anos) 18,9 9,0 corporais, 15,0% em dois segmentos, 8,4% nos três segmentos
Até 10 114 68,3 corporais.
≥10 53 31,7
Jornada de trabalho diária (horas) 7,8 2,4
4├ 8 45 26,9 50,00

8├10 105 62,9


45,00
≥10 17 10,2
Aspectos de saúde*
Satisfação com sono 40,00
38,3%
Muito insatisfeito(a) 11 6,6
95% CI

Insatisfeito(a) 40 24,0 35,00 34,7%

Nem insatisfeito(a)/nem satisfeito(a) 42 25,1


Satisfeito(a) 67 40,1 30,00

Muito satisfeito(a) 07 4,2 27,5%

Estresse autorrelatado 25,00

Sempre 04 2,4
Frequentemente 25 15,0 20,00

Às vezes 98 58,6 Membros Membros Dorso


Raramente 00 0,0 superiores inferiores

Nunca 40 24,0 Figura 1. Prevalência de dor musculoesquelética nos cirurgiões-den-


Estado de saúde tistas, segundo a localização corporal
Muito ruim 00 0,0
Ruim 00 0,0 Maiores prevalências de DME em MMSS foram verificados nas va-
Regular 30 18,0 riáveis dos indivíduos que apresentavam faixa etária ≥ 40anos com
Bom 113 67,6 (RP=1,04), que possuíam renda familiar entre 5 e 10 SM (RP=1,16)
Muito bom 24 14,4 e, nos indivíduos que tinham comorbidades associadas (RP=1,25)
Continua... (Tabela 3).

227
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):225-31 Silva RN e Silva JM

Tabela 2. Distribuição dos profissionais segundo características relacionadas ao ambiente físico e à organização de trabalho
Variáveis* Sempre ou muito frequente Pouco frequente Pouquíssimo frequente ou nunca
n % n % n %
Limpeza adequada 74 44,3 52 31,1 41 24,6
Iluminação satisfatória 86 51,5 51 30,5 30 18,0
Sistema de refrigeração adequado 57 34,1 61 36,6 49 29,3
Ambiente úmido 18 10,8 52 31,1 97 58,1
Muito barulho no ambiente de trabalho 58 34,7 54 32,3 55 33,0
Ambiente de trabalho com odor desagradável 23 13,8 60 35,9 84 50,3
Ambiente organizado 71 42,5 63 37,7 33 19,8
Materiais necessários à realização dos procedimen- 26 15,6 76 45,5 65 38,9
tos são suficientes
Equipamentos utilizados estão adequados aos proce- 46 27,6 53 31,7 68 40,7
dimentos assistenciais
Ritmo de trabalho excessivo 21 12,6 84 50,3 62 37,1
Número suficiente de auxiliares de saúde bucal 140 83,8 14 8,4 13 7,8
Tarefas repetitivas e monótonas 68 40,8 52 31,1 47 28,1
Dificuldade de comunicação entre a chefia e a equipe 33 19,8 62 37,1 72 43,1
Chefia apoia o crescimento profissional 41 24,6 52 31,1 74 44,3
Autonomia para tomar decisões 72 43,1 60 35,9 35 21,0
*Adaptado12.

Tabela 3. Prevalência de dor musculoesquelética segundo variáveis sociodemográficas e estilo de vida


Membros superiores Membros inferiores Dorso
% RP (IC95%) % RP (IC95%) % RP (IC95%)
Sexo
Masculino 37,9 1 34,7 1 27,8 1
Feminino 38,9 1,01 (0,87-1,17) 34,9 1,01 (0,88-1,17) 27,4 0,96 (0,84-1,10)
Faixa etária (anos)
23├ 40 37,5 1 23,9 1 22,9 1
≥40 39,4 1,04 (0,75-1,28) 42,7 1,27 (1,09-1,49)** 33,8 1,04 (0,88-1,24)
Estado civil
Não casado(a) 37,9 1 27,3 1 21,2 1
Casado(a)/união estável 38,6 1,03 (0,87-1,21) 39,6 1,04 (0,89-1,22) 31,7 1,09 (0,96-1,26)
Renda familiar (SM)
4├ 5 27,1 1 18,2 1 23,4 1
5├ 10 36,4 1,16 (1,04-1,34)** 27,3 1,09 (1,02-1,29)** 29,1 1,01 (0,88-1,17)
>10 49,4 1,36 (1,22-1,54)** 44,3 1,24 (1,18-1,46) ** 45,5 1,27 (1,01-1,48) **
Atividade física
Sim 37,6 1 33,3 1 24,8 1
Não 40,0 1,03 (0,88-1,20) 38,0 1,02 (0,88-1,18) 34,0 1,09 (0,94-1,25)
Tabagismo
Sim 38,7 1 50,0 1,38 (1,15-1,66) ** 25,0 1
Não 25,0 1,05 (0,70-1,56) 34,4 1 27,6 1,08 (0,94-1,25)
Consome bebida alcoólica
Sim 45,8 1 41,7 1,13 (0,96-1,32) 27,1 1
Não 35,3 0,92 (0,77-1,09) 31,9 1 27,7 1,01 (0,76-1,35)
Estado nutricional
Eutrófico 38,0 1 34,2 1 26,5 1
Excesso de peso 38,5 0,93 (0,79-1,09) 36,0 1,02 (0,87-1,19) 30,0 1,03 (0,89-1,20)
Morbidades associadas
Nenhuma 31,0 1 8,8 1 19,5 1
1-4 doenças 32,4 1,02 (0,88-1,17) 34,5 1,33 (1,16-1,54)*** 23,5 1,09 (0,94-1,26)
5 ou mais 56,5 1,25 (1,01-1,55) ** 54,3 1,67 (1,40-1,98) *** 45,7 1,21 (1,01-1,39) **
SM = salário mínimo (R$: 720,00), RP = razão de prevalência, IC95%: Intervalo de confiança de 95%; *p<0,05; **p<0,01, ***p<0,001.

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Prevalência de dor musculoesquelética em Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):225-31
cirurgiões-dentistas da atenção básica

Foram encontradas também altas prevalências de DME em mem- UBS igual ou maior a 10 anos (RP=1,27), jornadas de trabalho >10h
bros inferiores (MMII), destacando os indivíduos que tinham faixa (RP=1,37), ritmo de trabalho excessivo (RP=1,21), tarefas repetiti-
etária ≥40anos com (RP=1,27), os que possuíam hábito de fumar vas/ monótonas (RP=1,05), alta percepção de fadiga (RP=1,32) e
(RP=1,38), e os com 1 a 4 e mais que 5 comorbidades associadas capacidade inadequada para o trabalho (RP=1,21) (Tabela 4).
(RP=1,33 e RP=1,67, respectivamente) (Tabela 3).
Já na região dorsal foram encontrados índices significativos de DISCUSSÃO
DME nas variáveis renda familiar >10SM (RP=1,27) e 5 ou mais
comorbidades associadas (RP=1,21). As demais variáveis analisa- A atividade laboral dos CD tornou-se ao longo do tempo, tema de
das não apresentaram variação significativa neste estudo (p>0,05) diversas pesquisas e discussões. Regis Filho, Michels e Sell16 mencio-
(Tabela 3). naram em estudo que os profissionais da odontologia fazem parte
Maiores prevalências de DME em MMSS foram encontra- da classe trabalhadora mais afetados pelos DME, e que se encontra
das nos indivíduos com tempo de trabalho igual/maior que 10 em primeiro lugar no que se refere ao afastamento do trabalho por
anos (RP=1,22), com jornadas de trabalho maior que 10 horas incapacidade temporária ou permanente. Graça, Araújo e Silva17
(RP=1,55), indivíduos que realizavam tarefas monótono-repetitivas ressaltaram que deveriam ser tomadas medidas preventivas, pois o
(RP=1,19), com alta percepção de fadiga (RP=1,08), e com capaci- próprio ambiente de trabalho desses profissionais faz com que eles se
dade inadequada para o trabalho (RP=1,24) (Tabela 4). exponham a fatores de riscos ergonômicos que podem predispor o
Quanto à prevalência nos MMII, altos níveis de DME foram encon- desenvolvimento de DORT.
trados em cirurgiões-dentistas que tinham jornadas de trabalho diá- Os resultados da presente pesquisa são similares ao estudo de Santos
ria de mais de 10h (RP=1,59), alta percepção de fadiga (RP=1,18) e e Vogt18, observando em seu estudo que 58,0% dos CD entrevista-
capacidade inadequada para o trabalho (RP=1,17) (Tabela 4). dos apresentavam queixas dolorosas, com prevalência na região do
No tocante às características de trabalho, a prevalência de DME pescoço (20,0%), seguidas do ombro (17,0%) e coluna torácica e/
associou-se significativamente no dorso, com tempo de trabalho na ou lombar (21,0%).

Tabela 4. Prevalência de dor musculoesquelética segundo variáveis relacionadas ao trabalho, percepção de fadiga e capacidade para o trabalho
Membros superiores Membros inferiores Dorso
% RP (IC95%) % RP (IC95%) % RP (IC95%)
Local de trabalho
Apenas serviço público (UBS) 36,2 1 25,8 1 25,7 1
Serviço público (UBS) e privado 41,9 1,12 (0,96-1,32) 40,0 1,08 (0,94-1,26) 30,6 1,12 (0,96-1,30)
Tempo de trabalho (UBS) (anos)
< 10 32,1 1 34,0 1 20,2 1
≥10 41,2 1,22 (1,04-1,47) * 35,0 1,09 (0,92-1,30) 43,4 1,27 (1,05-1,45) ***
Jornada de trabalho diária (horas)
4├ 8 31,1 1 26,7 1 26,7 1
8├ 10 39,0 1,04 (0,93-1,32) 29,4 1,05 (0,97-1,15) 25,7 0,98 (0,86-1,46)
>10 52,9 1,55 (1,12-1,71)*** 39,0 1,59 (1,35-1,86) *** 35,3 1,37 (1,10-1,76) **
Mobiliário é adequado
Sim 32,4 1 34,6 1 18,9 1
Não 40,0 1,10 (0,95-1,29) 35,1 0,99 (0,85-1,15) 30,0 1,10 (0,96-1,27)
Existe muito barulho
Sim 39,7 1,02 (0,87-1,18) 43,1 1,08 (0,92-1,27) 32,8 1,02 (0,89-1,16)
Não 37,6 1 30,0 1 24,8 1
Ritmo de trabalho excessivo
Sim 57,1 1,19 (0,95-1,50) 47,6 1,07 (0,88-1,30) 47,6 1,21 (1,01-1,46) *
Não 35,6 1 32,9 1 24,7 1
Tarefas repetitivas e monótonas
Sim 52,9 1,19 (1,02-1,39) * 44,1 1,07 (0,92-1,26) 30,9 1,05 (1,01-1,38) *
Não 28,3 1 28,3 1 25,3 1
Fadiga
Baixa 35,8 1 26,8 1 18,7 1
Alta 45,5 1,08 (1,01-1,29) * 56,8 1,18 (1,07-1,43)** 52,3 1,32 (1,10-1,58) **
Capacidade para o trabalho
Adequada 28,1 1 22,5 1 18,0 1
Inadequada 50,0 1,24 (1,04-1,47) * 48,7 1,17 (1,03-1,39) ** 38,5 1,21 (1,01-1,46) *
RP = razão de prevalência, IC95% = intervalo de confiança de 95%, *p<0,05; **p<0,01, ***p<0,001.

229
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):225-31 Silva RN e Silva JM

Rambabu e Suneetha19 em estudo comparativo com 100 médicos de ergonomia nos equipamentos e mobiliários, levando esses profis-
que praticavam a medicina moderna ou alternativa (MDA), e 200 sionais a adotarem posturas inadequadas.
CD verificaram que a DME foi mais prevalente entre os dentistas Autores como Garbin et al.2 sugerem que ocorram consolidação e apli-
(61,0%). Similarmente no estudo de Gupta et al.8 realizado no Nor- cação de normas e diretrizes que indiquem, modifiquem o ambiente
te da Índia revelou que dos 2879 CD analisados, 80,0% apresenta- de trabalho desses profissionais corrigindo as inadequações posturais
ram perturbações musculoesqueléticas. Verificaram ainda que dos referentes à prática odontológica, visando, dessa forma, promover e
dentistas que utilizaram medicina complementar, 70,0% apresenta- garantir segurança, alto desempenho, motivação e satisfação.
ram diminuição dos sintomas álgicos, em comparação com aqueles No estudo de Cunha, Marques e Farias27 no que concerne à salubri-
que relataram não usar. dade do ambiente de trabalho, 45,83% dos entrevistados relataram
Em pesquisa de Nokhostin e Zafarmand20 realizada com 600 como médio, e 29,2% como muito pouco saudável. Similarmen-
CD, observaram que 67,5% tinham problemas físicos, sendo te, Ellerro e Lepera28 concluíram em sua pesquisa que 80,0% dos
observados no pescoço (51,9%), pulso (93,0%), cintura (11,1%) profissionais segundo eles, não tinham suas necessidades atendidas
e ombro (7,4%). no que se refere aos recursos para alcançar uma posição de trabalho
Dessa forma, a dor torna-se um dos principais fatores que pode pre- adequada, tais como mobiliário e iluminação do ambiente.
dispor ao surgimento de LER/DORT em CD, podendo variar de Simões et al.29 incluíram ainda a temperatura, que influencia na
intensidade em todos os indivíduos. Garbin et al.2 revelaram que vasoconstrição ou vasodilatação, podendo gerar desconforto ao in-
um dos fatores que levaria ao aparecimento de dor nos CD, seria o divíduo através do calor ou frio excessivo. Também, a iluminação
posicionamento incorreto na realização da atividade laboral como a insuficiente ou mal distribuída pode gerar pontos de reflexos, pode
rotação da cabeça (73,1%), rotação da coluna (41,8%) e angulação ocasionar posturas viciosas e equipamentos vibratórios, entre outros
das pernas menor que 90° (91,6%). fatores, agravam as sobrecargas decorrentes do trabalho.
Khan e Chew21 observaram em seu estudo amplo com 575 estu- Já no estudo realizado por Regis Filho, Michel e Sell16 buscaram, por
dantes de odontologia, que cerca de (95,0%) dos pesquisados apre- meio de um método epidemiológico transversal, correlacionar as tare-
sentaram queixas dolorosas em mais de um segmento corporal, fas realizadas pelo CD e o surgimento das LER/DORT. Houve indi-
sendo as mulheres com maior prevalência de autorrelato de DME. cativo de associação estatisticamente entre os sexos e doenças. Para os
Outro resultado importante foi que a maior parte dos entrevistados autores, os indivíduos do sexo feminino foram os que mais apresen-
(92,0%) não dava importância ao posicionamento que tinham no taram lesões, sendo as regiões mais afetadas ombro/braço (39,40%),
exercício da profissão. Fato que merece destaque em si tratando de punho/mão (18,30%) e pescoço (17,20%). Essa maior prevalência
futuros profissionais da odontologia, que ainda não foram inseridos de DME no sexo feminino pode ser explicada, em parte, porque a
no mercado de trabalho. sociedade moderna exige cada vez mais que a mulher se enquadre no
Sanchez et al.22 ressaltaram que a prevalência de dor na região lom- mercado de trabalho, e pelo fato de apresentar maior preocupação
bar e cervical, estaria associada ao fato de a região lombar possibili- com a saúde do que os homens, procurando mais assistência médica.
tar maior mobilidade ao profissional ao realizar a atividade laboral. Avaliando o tempo de exercício da profissão, observou-se que a
Dessa forma, como busca um melhor campo de visão, estaria oca- maioria (68,3%) tinha mais ou menos 10 anos de profissão, cum-
sionando sobrecargas e tensões nos músculos, e como consequência, prindo jornada de trabalho diária de 8-10h (62,9%). Houve asso-
o aparecimento de dor na região lombar. Pargali e Jowkar23 concluí- ciação significativa que longas jornadas de trabalho geram DME.
ram em seu estudo, que o exercício prático desses profissionais por si Tal resultado também foi apontado por Gazzola, Sarto e Ávila30
só não é um fator desencadeante do aparecimento de dores na região que observaram que mais da metade dos odontologistas avaliados
cervical e lombar, contudo, agem de forma a acelerar o aparecimento (56,3%) apresentaram jornadas de trabalho semanais de 30 a 40h,
da dor e agravamento dos sintomas. tal atividade ultrapassa a capacidade física/mental do trabalhador,
Outro resultado importante observado na presente pesquisa foi que gerando assim lesões.
parte considerável teve alta percepção de fadiga muscular (26,2%), Do ponto de vista de Saliba et al.6 constataram que a etiologia da
corroborando com o presente estudo, Scopel e Oliveira24 em sua DME é multifatorial e que além dos fatores os psicossociais apresen-
pesquisa com CD atuantes em clinicas privadas de Porto Alegre, 34 taram associação significativa com a ocorrência de lesões.
dos 39 entrevistados relataram sentir cansaço muscular (74,4%) e
algum sintoma de dor (71,8%). Tais resultados indicam que a ativi- CONCLUSÃO
dade exercida por essas categorias profissionais, pode ter como con-
sequência o surgimento de lesões. A prevalência de DME na presente pesquisa foi alta nos segmentos
No aspecto fisiológico os autores Casarin e Caria25, ao realizarem corporais analisados. Havendo associação significativa com tempo de
uma investigação do comportamento eletromiográfico e de fadiga trabalho igual/maior que 10 anos, jornadas de trabalho diária maior
referida nos músculos deltoide e trapézio bilateral, constataram que que 10h, indivíduos que consideram o ritmo de trabalho excessivo,
o exercício odontológico por longas jornadas acarreta dores e fadiga tarefas monótono-repetitivas, morbidades associadas, alta percepção
dos músculos da cintura escapular e cervical. de fadiga e capacidade inadequada para o trabalho.
Souza et al.26 corroborando com estudo de Nokhostin e Zafar-
mand20 concluíram em sua pesquisa no Centro Odontológico do AGRADECIMENTOS
Brasil, que altas prevalências de LER/DORT relacionados ao traba-
lho em cirurgiões-dentistas são decorrência de fatores como: a falta A CAPES e à UFPI.

230
Prevalência de dor musculoesquelética em Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):225-31
cirurgiões-dentistas da atenção básica

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231
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):232-7 ARTIGO ORIGINAL

Relationship between musculoskeletal pain complaints and family


agriculture work
Relação entre queixas de dor musculoesquelética e processo de trabalho na agricultura familiar
Marcelo Biazus1, Cleide Fátima Moretto2, Adriano Pasqualotti3

DOI 10.5935/1806-0013.20170107

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Musculoskeletal pain JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor musculoesquelética


is increasingly common in the field of workers’ health. When the é cada vez mais frequente no âmbito da saúde do trabalhador.
work is characterized by rudimentary activities, as in the case of Quando o trabalho é caracterizado por atividades rudimentares,
family farming, which requires the use of manual labor, intense como no caso da agricultura familiar, que exige o emprego de
and prolonged working journey, exposure to physical, chemical, força física, jornada intensa e prolongada, exposição a riscos fí-
biological, mechanical and ergonomic risks, the worker is pro- sicos, químicos, biológicos, mecânicos e ergonômicos, o traba-
ne to develop musculoskeletal diseases, and consequently pain. lhador fica propenso a desenvolver doenças de ordem musculo-
The objective of this study was to investigate the prevalence of esquelética, e, consequentemente, dor. O objetivo deste estudo
musculoskeletal pain in family farmers, as well as to identify the foi investigar a prevalência de dor musculoesquelética em agri-
body segments mostly affected and evaluate the tools used in the cultores familiares, bem como identificar os segmentos corporais
working process that may influence the development of muscu- mais acometidos e avaliar as ferramentas utilizadas no processo
loskeletal diseases and pain. de trabalho que podem influenciar o desenvolvimento de doen-
METHODS: A research form that includes social-demographic ças e dores musculoesqueléticas.
data, the Nordic Musculoskeletal Questionnaire, and the visual MÉTODOS: Utilizou-se um formulário de pesquisa que con-
analog pain scale were used. 150 farmers participated in the stu- templa dados sociodemográficos, o Questionário Nórdico de
dy. Statistical tests were applied to the data obtained, including Sintomas Osteomusculares e a escala analógica visual para dor.
the Fisher Exact. The H0 hypothesis was rejected for a signifi- Participaram do estudo 150 agricultores familiares. Aos dados
cance level of p≤0.05, stipulating a confidence interval of 95%. obtidos foram aplicados os testes estatísticos, inclusive o Exato de
RESULTS: The results show a high prevalence of musculoske- Fisher. A rejeição da hipótese H0 foi realizada para um nível de
letal pain in surveyed farmers, whose most affected regions were significância de p≤0,05, estipulando um intervalo de confiança
the lower back and shoulders. The pain reported by farmers is de 95%.
associated with the activities performed and the tools used, such RESULTADOS: Os resultados apontam alta prevalência de dor
as the hoe and the hand spray, used at work. musculoesquelética nos agricultores pesquisados, cujas regiões
CONCLUSION: Farmers are susceptible to the development mais acometidas foram a parte inferior das costas e ombros. A
of work-related musculoskeletal disorders, and the prevalence of referência de dor pelos agricultores está associada às atividades
the referred pain is high. desempenhadas e ferramentas, como a enxada e o pulverizador
Keywords: Agriculture, Musculoskeletal pain, Occupational ha- manual, utilizadas no trabalho.
zards, Workload, Worker’s health. CONCLUSÃO: Os agricultores são suscetíveis ao desenvolvi-
mento de distúrbios musculoesqueléticos relacionados ao traba-
lho e que a prevalência de dor referida é elevada.
Descritores: Agricultura, Carga de trabalho, Dor musculoesque-
1. Universidade de Passo Fundo. Programa de Pós-Graduação em Envelhecimento Humano, lética, Riscos ocupacionais, Saúde do trabalhador.
Passo Fundo, RS, Brasil.
2. Universidade de Passo Fundo, Programa de Pós-Graduação em Envelhecimento Humano,
Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Trabalho, Passo Fundo, RS, Brasil.
INTRODUÇÃO
3. Universidade de Passo Fundo, Programa de Pós-Graduação em Envelhecimento Humano,
Grupo de Pesquisa de Tecnologia de Informação em Saúde, Passo Fundo, RS, Brasil.
A agricultura familiar pode ser definida com base em três caracte-
Apresentado em 16 de maio de 2016. rísticas essenciais, descritas como a gestão da unidade produtiva, a
Aceito para publicação em 27 de junho de 2017. força de trabalho fornecida por membros da família e a propriedade
Conflito de Interesses: não há – Fontes de fomento: Taxa Capes/ppgeh/UPF
dos meios de produção1. Nesse grupo de trabalhadores prevalecem
Endereço para correspondência: atividades rudimentares, tais como o ritmo de trabalho intenso e
Universidade de Passo Fundo
BR 285, Km 292. Bairro São José prolongado, acúmulo e sobrecarga de funções, manuseio ergonomi-
99001-970 Passo Fundo, RS, Brasil. camente incômodo ou incorreto de ferramentas, exposição às condi-
E-mail: marcelo_biazus@hotmail.com
ções climáticas adversas (sol, chuva, calor, frio), a ruídos e vibrações,
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor a animais peçonhentos, a agentes químicos (fertilizantes, agrotóxi-

232
Relação entre queixas de dor musculoesquelética e Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):232-7
processo de trabalho na agricultura familiar

cos), infecciosos e parasitários2, à manipulação e ao transporte de tendo: 1) o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares
cargas, aos esforços físicos e mentais intensos ou contínuos, ao estres- (QNSO) adaptado; 2) o questionário sociodemográfico e a escala
se decorrente do trabalho e às posturas inadequadas. analógica visual (EAV). O QNSO foi desenvolvido com a proposta
Essas características do processo de trabalho da agricultura familiar de padronizar a mensuração de relato de sintomas osteomusculares
podem contribuir para o surgimento de distúrbios musculoesquelé- e facilitar a comparação dos resultados entre os estudos5. Compre-
ticos, cujos fatores de risco são multifatoriais, com destaque para os ende questões com escolhas múltiplas ou binárias relacionadas à
de natureza ergonômica: quando há alta repetitividade de um mes- ocorrência de sintomas nas diversas regiões anatômicas comumente
mo movimento, esforço excessivo de grupos musculares, ambiente referidas, tomando como base os sintomas observados nos 12 meses
frio e com vibração, mobiliário inadequado, que obriga a adoção de e sete dias que precederam à entrevista. O respondente deve relatar
posturas incorretas, posturas estáticas, e outros; e de natureza orga- a ocorrência de afastamento de suas atividades de rotina no último
nizacional, que compreendem execução de tarefas monótonas que ano. Quanto à EAV para dor é um instrumento unidimensional
exigem gestos repetitivos, jornadas prolongadas de trabalho, ritmo para a avaliação da intensidade da dor, tratando-se de uma linha
acelerado e ausência de pausas, além da pluriatividade no caso da com as extremidades numeradas de zero a 10, onde zero representa
agricultura familiar e a sobrecarga de trabalho. “nenhuma dor” e 10 a “pior dor imaginável”. As respostas entre zero
Os distúrbios musculoesqueléticos são as causas mais frequentes re- e 2 são enquadradas como dor leve, de 3 a 7 como moderada e de 8
lacionadas às síndromes dolorosas, que correspondem a quadros clí- a 10 como intensa.
nicos caracterizados pela ocorrência de sintomas concomitantes, ou A amostra foi composta por 150 sujeitos de ambos os sexos, com
não, de dor, parestesia, sensação de peso e fadiga, de início insidioso, idade superior a 18 anos, que trabalham na agricultura familiar e
geralmente acometendo os membros superiores (MMSS), podendo, que residem na área rural do município de Floriano Peixoto (RS). A
entretanto, acometer também membros inferiores, como resultado seleção dos sujeitos atendeu aos critérios de aleatoriedade, em que foi
de utilização excessiva, imposta ao sistema musculoesquelético, e da levado em conta a proporção de caso por localidade do município.
falta de tempo para sua recuperação3. Os distúrbios musculoesque- A população total em estudo foi de 1.726 pessoas, correspondentes
léticos correspondem a uma variedade de condições inflamatórias e à população total rural do município. O procedimento amostral foi
degenerativas, afetando os músculos, os tendões, os ligamentos, as do tipo aleatório simples. A amostra contempla um erro amostral
articulações e as sinóvias, tais como tendinites, bursites, compressões máximo de 3%, para um intervalo de confiança de 95%.
nervosas, lombalgias e dorsalgias, dentre outras4, e podem se desen- A aplicação do formulário foi realizada nas residências dos agriculto-
volver a partir da atividade laboral. res selecionados. Após o esclarecimento sobre a pesquisa, o Termo de
A saúde do trabalhador é uma área ampla, entretanto, a literatura Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado. O processo
científica se reduz diante do trabalhador rural, e, principalmente, de coleta de dados ocorreu no período de junho a outubro de 2015.
na agricultura familiar. Essa literatura, que já é escassa, atende aos Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de
riscos potenciais e agudos presentes no setor agrícola, como o uso de Passo Fundo, com o Parecer número 1.083.663.
agrotóxicos e acidentes de trabalho, e pouco explora os problemas
crônicos como o desenvolvimento de distúrbios musculoesqueléti- Análise estatística
cos e, especificamente, a dor musculoesquelética. Os dados foram analisados pelo pacote estatístico IBM SPSS Statis-
As síndromes dolorosas relacionadas ao desempenho de uma ativi- tics 22. Os resultados foram apresentados em termos de frequência
dade laboral são o campo de atuação da fisioterapia, que objetiva relativa. Foi aplicado o teste Exato de Fisher. A rejeição da hipótese
promover a qualidade de vida, prevenir e alertar sobre os possíveis H0 foi realizada para um nível de significância de p≤0,05, estipulan-
riscos, bem como reabilitar as doenças oriundas do trabalho. A exi- do um intervalo de confiança de 95%.
gência física resultante do trabalho rural e os excessivos esforços estão
associados com o aumento do risco de desenvolvimento de infla- RESULTADOS
mações nas articulações, tendões, processos crônicos degenerativos,
doenças do disco intervertebral e câimbras musculares, ocasionan- Foram entrevistados 150 indivíduos, que trabalham com agricultura
do um quadro álgico5. Nesse sentido, a saúde do trabalhador rural familiar, cujos resultados que refletem o perfil desses trabalhadores
constitui importante campo de atuação para a fisioterapia, devendo estão pormenorizados na tabela 1.
esses profissionais se apropriarem de técnicas de manuseio, alívio e As informações apresentadas na tabela 1 refletem que a idade pre-
tratamento da dor, bem como de orientação para mudanças postu- dominante entre os pesquisados foi entre 41 e 60 anos (média de
rais e ergonômicas. 48,37 anos), correspondente a 64,0% do total de entrevistados, dos
O objetivo deste estudo foi investigar a prevalência de dor muscu- quais, apenas 7 possuem de 20 a 30 anos, e 5 possuem 71 anos ou
loesquelética em trabalhadores da agricultura familiar, buscando mais. A prevalência de sexo não teve grande diferença, sendo 50,7%
identificar as regiões corporais mais acometidas, além dos possíveis do sexo masculino e 49,3% do sexo feminino. Quanto à situação fa-
fatores causais e variáveis sociodemográficas determinantes. miliar, 88,7% dos entrevistados eram casados, 90,0% residiam com
o cônjuge e 47,3% com os filhos. Grande parte dos entrevistados
MÉTODOS acumulava funções domésticas (60,7%) com funções na agricultura
e pecuária (98,0%). Em relação à escolaridade, 87,3% não conclu-
Estudo do tipo transversal com abordagem descritiva e analítica. íram o ensino fundamental, os quais apresentavam até quatro anos
Para a coleta de dados, utilizou-se um formulário de pesquisa con- de estudo. Nenhum entrevistado aposentou-se por invalidez, mora

233
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):232-7 Biazus M, Moretto CF e Pasqualotti A

Tabela 1. Descrição das variáveis sociodemográficas (n=150). Passo rizadores costais, 64,0% ferramentas de corte e 28,0 % empregavam
Fundo, RS, 2015
instrumentos mecanizados, como o trator. No entanto, identificou-
Variáveis n % -se que os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) eram usados
Sexo por apenas 12,7% dos entrevistados, o que deixa o trabalhador ain-
Feminino 74 49,3 da mais exposto a acidentes de trabalho.
Masculino 76 50,7 A tabela 2 permite identificar, ainda, a distribuição do uso de fer-
Estado civil ramentas de trabalho por sexo, em que é perceptível que os traba-
lhadores do sexo feminino faziam maior uso de enxada; 86,5% dos
Casado 133 88,7
entrevistados que fazem uso dessa ferramenta (p<0,000), enquanto
Solteiro 16 10,7
que os do sexo masculino usam mais os pulverizadores costais, com
Divorciado 1 0,7 52,6% (p=0,001) e o trator, com 51,3% (p<0,000). Outro dado
Composição familiar/reside com significativo diz respeito ao uso de EPI, onde ambos os sexos não são
Cônjuge 135 90,0 adeptos, porém, apesar de uma proporção menor, os trabalhadores
Filhos 71 47,3 do sexo masculino demonstram que usam mais (18,4%) do que do
Outros familiares 20 13,3 sexo feminino (6,8%; p=0,048).
Escolaridade
A figura 1 apresenta os resultados obtidos com a aplicação do QNSO
sobre a presença de dor e as regiões corporais mais acometidas.
Analfabeto(a) 2 1,3
Quanto à prevalência de dor musculoesquelética, 121 entrevistados
Ensino fundamental incompleto 131 87,3
(80,7%) indicaram que sentiram dores nos últimos 7 dias, cuja in-
Ensino fundamental completo 8 5,3 tensidade variou de leve a moderada, com menção de 64,7% dos
Ensino médio incompleto 2 1,3 entrevistados, distribuídos da seguinte forma: 17,3% com grau 3,
Ensino médio completo 6 4,0 16,0% com grau 4, 18,7% com grau 5 e 12,7% com grau 6. Quanto
Ensino superior incompleto 1 0,7 ao impedimento de trabalhar nos últimos 12 meses, em decorrência
Anos de estudo de dor musculoesquelética, 114 entrevistados (76,0%) indicaram tal
Até 4 133 88,7
situação. Em relação à prevalência de dor, a região mais acometida
foi a parte inferior das costas (lombar), em 71,3% dos entrevistados,
Mais que 4 17 11,3
seguida pela região dos ombros (37,3%), punhos e mãos (28,7%),
joelhos (26,7%), pescoço (24,7%), quadril e coxas (14,0%), coto-
sozinho ou realiza outras atividades. Além disso, o estudo demons- velos (14,0%), tornozelos e pés (8,7%) e parte superior das costas
trou a centralidade do trabalho no núcleo familiar, uma vez que (3,3%). A tabela 3 apresenta a prevalência de dor por sexo.
apenas 0,7% dos entrevistados contratava funcionários temporaria- Conforme se pode observar na tabela 3, os trabalhadores do sexo
mente para ajudar na produção, sendo a grande maioria da força de feminino apresentam maior referência de dor que os do sexo mas-
trabalho originária da própria família, por parte de cônjuge (82,0%) culino na região dos ombros (48,6%; p=0,007), cotovelos (20,3%;
ou dos filhos (40,0%). p=0,035) e punhos/mãos (36,5%; p=0,047), enquanto que os tra-
A tabela 2 apresenta a descrição do uso de ferramentas de trabalho balhadores do sexo masculino apresentam maior prevalência de dor
pelos agricultores familiares, por sexo. na parte inferior das costas (86,8%; p<0,001). Vale destacar que os
No que se refere ao uso de ferramentas de trabalho, apresentado trabalhadores do sexo feminino também apresentam alto valor para
na tabela 2, observa-se que 63,3% dos entrevistados usavam enxada dor na parte inferior das costas, com 55,4% das entrevistadas.
pelo menos uma vez na semana, 56,0% utilizavam a pá com a mes- Os resultados indicam que a dor lombar está mais associada ao uso de
ma frequência, 45,3% utilizavam o carrinho de mão, 39,3% pulve- algumas ferramentas, como o carrinho de mão (79,3%, p=0,029), a

Tabela 2. Descrição do uso de ferramentas de trabalho pelos agricultores e familiares, por sexo, e total (n=150). Passo Fundo, RS, 2015
Ferramentas utilizadas no trabalho Sexo Total Valor de p
Masculino Feminino
n (%) n (%) n (%)
Enxada 31 (40,8) 64 (86,5) 95 (63,3) <0,000
Pá 39 (51,3) 45 (60,8) 84 (56,0) 0,254
Carrinho de mão 30 (39,5) 38 (51,4) 68 (45,3) 0,189
Pulverizador manual 40 (52,6) 19 (25,7) 59 (39,3) 0,001
Instrumento de corte 50 (65,8) 46 (62,2) 96 (64,0) 0,734
Plantadeira manual 3 (3,9) 6 (8,1) 9 (6,0) 0,324
EPI 14 (18,4) 5 (6,8) 19 (12,7) 0,048
Trator 39 (51,3) 3 (4,1) 42 (28,0) <0,000
EPI = Equipamento de proteção individual; teste Exato de Fisher; Valor significativo para p≤0,05.

234
Relação entre queixas de dor musculoesquelética e Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):232-7
processo de trabalho na agricultura familiar

Pescoço (24,7%)
Ombros (37,3%)

Parte superior das costas (3,3%)

Cotovelos (14,0%)

Parte inferior das costas (71,3%)

Punhos e mãos (28,7%)

Quadril e coxas (14,0%)

Joelhos (26,7%)

Tornozelos e pés (8,7%)

Figura 1. Prevalência de dor musculoesquelética referida pelos agricultores e regiões corporais mais acometidas (n=150). Passo Fundo, RS,
Brasil 20157

Tabela 3. Relação entre sexo e referência de dor musculoesquelética (n=150). Passo Fundo, RS, Brasil, 2015
Local da dor Sexo Valor de p
Feminino Masculino
n (%) n (%)
Pescoço 20 (27,0) 17 (22,4) 0,572
Parte superior das costas (dorsal) 3 (4,1) 2 (2,6) 0,679
Ombros 36 (48,6) 20 (26,3) 0,007
Cotovelos 15 (20,3) 6 (7,9) 0,035
Punhos/mãos 27 (36,5) 16 (21,1) 0,047
Parte inferior das costas (lombar) 41 (55,4) 66 (86,8) <0,000
Quadril/coxas 10 (13,5) 11 (14,5) 1,000
Joelhos 23 (31,1) 17 (22,4) 0,270
Tornozelos 7 (9,5) 6 (7,9) 0,779
Teste Exato de Fisher; Valor significativo para p≤0,05.

plantadeira manual (73,8%; p=0,017) e o trator (90,5%, p=0,001), utilização, o que corresponde a 12,7% da população estudada. Des-
já a dor nos ombros relaciona-se ao uso de enxada (23,6%; p=0,009); ses, 14 (18,4%) são do sexo masculino e 5 (6,8%) do sexo feminino
a dor no quadril tem relação com o uso de pá (22,7%; p=0,009); (p=0,048). Pela expressividade dessa informação, foi estabelecida
dores nos punhos relacionou-se ao uso de pulverizadores (20,9%, uma relação entre o uso de EPI e o uso de pulverizador como apre-
p=0,010) e o uso de plantadeira manual apresentou relação à dor na sentado na tabela 4.
região dos cotovelos (12,1%; p=0,017). Um dos fatores que pode
interferir na prevalência da dor é a presença de doença reumática, Tabela 4. Relação entre pulverizador e o equipamento de proteção
todavia, não foi relatada a sua presença nas informações prestadas individual (n=150). Passo Fundo, RS, Brasil
pelos entrevistados. EPI Pulverizador Valor de p
Apesar de não corresponder diretamente aos objetivos deste estu- Pelo menos uma vez na semana 84 (64,1) 47 (35,9) 0,042
do, os dados referentes ao uso de EPI demonstraram evidências im- Não usa 7 (36,8) 12 (63,2)
portantes. Como já observado na tabela 2, é baixa a sua utilização, EPI = equipamento de proteção individual; teste Exato de Fisher; Valor signifi-
sendo que, dos 150 entrevistados, apenas 19 mencionaram a sua cativo para p≤0,05.

235
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):232-7 Biazus M, Moretto CF e Pasqualotti A

Conforme a tabela 4, percebe-se que a maior frequência de uso flexão de braços e pescoço são exacerbadas, e podem ser fatigantes,
de EPI ocorre para os trabalhadores rurais que utilizam pulve- além de exigirem esforço físico e emprego de força para manter a
rizador, com a frequência de menos que uma vez na semana ferramenta posicionados acima dos ombros12,13. Assim, essas con-
(n=84; p=0,042). siderações corroboram com os resultados referentes a dor nos om-
bros e uso de enxada, uma vez que as posturas adotadas na execução
DISCUSSÃO da tarefa ultrapassam os limites físicos corporais. A má utilização
da enxada faz com que o agricultor adote posturas com inclinação
A agricultura familiar é caracterizada essencialmente pela gestão da de tronco, o que acarreta deterioração dos discos intervertebrais da
própria unidade produtiva, a força de trabalho fornecida por mem- região lombar, e pode justificar o quadro álgico que o trabalhador
bros da família e a propriedade dos meios de produção. Os resulta- refere ao desenvolver a tarefa de capinar12. Esse fato pode justificar,
dos ora apresentados refletem alta prevalência de dor musculoesque- no presente estudo, a alta prevalência de dor lombar nos sujeitos
lética entre os agricultores familiares entrevistados, tendo destaque pesquisados.
para a parte inferior das costas e ombros, indicando relação com os A relação entre distúrbios musculoesqueléticos e dores localizadas
instrumentos utilizados. Identificou-se que os trabalhadores do sexo (pescoço, ombros, costas, joelhos, entre outros) com os processos de
masculino apresentaram maior prevalência de dor na região inferior trabalho no uso de ferramentas (levantamento de peso, movimentos
das costas, ao mesmo tempo em que as ferramentas mais utilizadas bruscos, flexão exacerbada de tronco e membros, posturas inadequa-
foram os pulverizadores costais e o trator, enquanto que os trabalha- das, entre outros) são identificados em alguns estudos8,11,14,15. Um
dores do sexo feminino apresentaram maior prevalência de dor nos estudo realizado com agricultores irlandeses, concluiu que 56,0%
ombros e utilizaram mais a enxada como ferramenta. deles experimentaram algum tipo de desconforto musculoesqueléti-
Esses resultados estão em consonância com os de uma revisão de lite- co no ano anterior16. Em contrapartida, o presente estudo evidencia
ratura em nível global que, utilizando descritores para lesões muscu- prevalência ainda mais alta, com 80,7% dos entrevistados viven-
loesqueléticas e agricultura, identificaram alta prevalência de lesões ciando dores pelo menos nos últimos sete dias, enquanto 76,0%
musculoesqueléticas entre os agricultores. Os autores identificaram, sentiram-se impedidos de trabalhar no último ano.
ainda, que a região da coluna vertebral é a região mais acometida por A literatura científica é pouco diversificada quando se trata de tra-
dor musculoesquelética, seguida pelos MMSS e, em seguida, pelas balhadores rurais, sendo que a maioria dos estudos aborda riscos
extremidades inferiores. Além disso, confirmam que os agricultores potenciais para a saúde, como o uso de agrotóxico e acidentes de
têm taxas de prevalência mais elevadas de doenças musculoesquelé- trabalho. O presente estudo também obteve informações relevan-
ticas do que os controles não agricultores, sugerindo que agricultores tes sobre utilização de produtos químicos e falta de proteção indi-
correm um risco particular de desenvolver distúrbios musculoesque- vidual, dados que corroboram outros dois estudos17,18. O primeiro
léticas em comparação com outras ocupações8. estudo identifica que 42% da população estudada não utiliza o EPI,
Em um estudo realizado com agricultores no estado de Kansas/ justificado pelo desconforto e dificuldade de locomoção com a sua
EUA, obteve-se resultados semelhantes, com prevalência de dor utilização18. Já o segundo conclui que apenas 63% dos entrevistados
lombar (37,5%), seguida por dor nos ombros (25,9%), dor nos jo- utilizam o EPI padrão (boné ou chapéu, máscara, macacão, luvas
elhos (23,6%) e dor no pescoço (22,4%)9. Da mesma forma, outro e botas), 14,8% utilizam apenas luva e máscara e 22% não utiliza
estudo identifica que a dor lombar apresenta maior prevalência de nenhum EPI19.
dor musculoesquelética em agricultores (33,2%), seguida por pes-
coço/ombros (30,8%) e cotovelo, mãos e pulsos (21,6%), cujas as- CONCLUSÃO
sociações estatísticas significativas fazem relação entre realização de
reparação e manutenção de equipamentos e cuidado de animais a Os resultados do estudo evidenciam alta prevalência de dor e distúr-
lombalgia; ordenha de animais a dor no pescoço e ombro; e manu- bios musculoesqueléticos nos agricultores. Os segmentos corporais
seio de material a dor no cotovelo/pulsos/mãos10. Já autores de uma mais acometidos pela dor foram a parte inferior das costas e ombros,
pesquisa com trabalhadores que cultivam mandioca apontam que seguidos de punhos e mãos, joelhos e pescoço.
tarefas de plantio e extração do cultivo estão relacionadas a queixas
de dor e desconforto corporal focadas na região dorsal (84%), região REFERÊNCIAS
lombar (84%), região dos antebraços (84%) e região dos cotovelos
1. Paula MM, Kamimura QP, Silva JL. Mercados institucionais na agricultura familiar:
(68%), identificando que a curvatura do ângulo do tronco ultrapas- dificuldades e desafios. Rev Política Agrícola. 2014;23(1):33-43.
sa as angulações de flexão do tronco recomendadas pela literatura11. 2. Silva JM, Novato-Silva E, Faria HP, Pinheiro TM. Agrotóxico e trabalho: uma
combinação perigosa para a saúde do trabalhador rural. Ciênc Saúde Coletiva.
Corroborando com os resultados sobre relação entre local da dor e 2005;10(4):891-903.
a tarefa ou ferramenta utilizada, três estudos podem ser destacados. 3. Maeno M, Carmo JC, editor. Saúde do trabalhador no SUS: aprender com o passado,
O primeiro analisou queixas de dor musculoesquelética em agricul- trabalhar o presente, construir o futuro. São Paulo: Hucitec; 2005.
4. Alencar MC. Distúrbios musculoesqueléticos e as atividades de trabalho em uma em-
tores que utilizam pulverizadores costais manuais em plantações de presa de reciclagem: um enfoque em aspectos físicos. Rev Ter Ocup Univ São Paulo.
café e identificou que 81,81% dos entrevistados apresentam queixas 2009;20(2):126-34.
5. Corrêa DC, Melo M, Dohnert MB, Pavão TS. Alterações posturais e deformidades
de dor nos ombros e 54,54% dor na região inferior das costas, re- vertebrais em trabalhadores rurais de Morrinho do Sul - RS. Rev Bras Fisioter Traba-
sultados que corroboram com os encontrados no presente estudo11. lho. 2010;1(1):6-13.
6. Pinheiro FA, Troccoli BT, Carvalho CV. [Validity of the Nordic Musculoskeletal
Enquanto que os outros estudos analisam ergonomicamente os agri- Questionnaire as morbidity measurement tool]. Rev Saude Publica. 2002;36(3):307-
cultores no manuseio da enxada e identificam que as posturas de 12. Portuguese.

236
Relação entre queixas de dor musculoesquelética e Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):232-7
processo de trabalho na agricultura familiar

7. Fernandes CA, Mannrich G, Merino GS, Teixeira CS, Gontijo LA, Merino EA. Quei- 13. Martins AJ, Ferreira NS. A ergonomia no trabalho rural. Rev Eletrôn Atualiza Saúde.
xas musculoesqueléticas e a atividade de agricultura familiar. EFDeportes.com. (Bue- 2015;2(2): 125-34.
nos Aires). 2014;19(193). 14. Rocha LP, Cezar-Vaz MR, Almeida MC, Piexak DR, Bonow CA. Associação entre a
8. Osborne A, Blake C, Fullen BM, Meredith D, Phelan J, McNamara J, et al. Prevalen- carga de trabalho agrícola e as dores relacionadas. Acta Paul Enferm. 2014;27(4):333-9.
ce of musculoskeletal disorders among farmers: a systematic review. Am J Ind Med. 15. Fernandes HA, Minette LJ, Juvêncio JF, Silva EP, Souza AP, Diniz CS. Fatores de risco
2012;55(2):143-58. para distúrbios osteomusculares nos ombros de trabalhadores envolvidos na colheita
9. Rosecrance J, Rodgers G, Merlino L. Low back pain and musculoskeletal symptoms de café. Engenharia na Agricultura, Viçosa. 2008;16(3):318-28.
among Kansas farmers. Am J Ind Med. 2006;49(7):547-56. 16. Osborne A, Blake C, McNamara J, Meredith D, Phelan J, Cunningham C. Muscu-
10. Fethke NB, Merlino LA, Gerr F, Schall MC, Branch CA. Musculoskeletal pain loskeletal disorders among Irish farmers. Occup Med. 2010;60(8):598-603.
among Midwest farmers and associations with agricultural activities. Am J Ind Med. 17. Soares WL, Freitas EA, Coutinho JA. Trabalho rural e saúde: intoxicações por agrotó-
2015;58(3):319-30. xicos no município de Teresópolis – RJ. Rev Econ Sociol Rural. 2005;43(4):685-701.
11. Freitas CS. Análise ergonômica da atividade com pulverizador costal manual na cultu- 18. Monquero PA, Inácio EM, Silva AC. Levantamento de agrotóxicos e utilização de
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12. Costa CK, Lucena NM, Tomaz AF, Másculo FS. Avaliação ergonômica do traba- Biol. 2009;76(1):135-9.
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2011;6(2):101-12. escolaridade. Rev Est Psicol. (Natal). 2002;7(spe):53-63.

237
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):238-44 ARTIGO ORIGINAL

Epidemiological and psychosocial profile of informal caregivers of


patients with chronic pain
Perfil epidemiológico e psicossocial dos cuidadores informais de pacientes portadores de dor crônica
Flávia Yumi Ataka1, Raquel Lie Okoshi1, Yuri Louro Bruno de Abreu2

DOI 10.5935/1806-0013.20170108

ABSTRACT deste estudo foi realizar descrição epidemiológica e psicossocial


dos cuidadores dos pacientes do Hospital Estadual Mário Covas,
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The importance to eva- Santo André, SP.
luate the informal caregiver profile is usually neglected in the face MÉTODOS: Aplicação de questionário de perfil epidemiológi-
of the complaint of the patient with chronic pain, and because co geral e o WHOQOL-BREF traduzido, via telefone, para 33
there is no data on informal caregivers in the Brazilian literature. cuidadores informais de pacientes atendidos no Ambulatório de
The objective of this study was to elaborate the epidemiological Dor Crônica do Hospital Estadual Mário Covas.
and psychosocial description of caregivers of patients at the State RESULTADOS: Avaliação geral da qualidade de vida na popula-
Hospital Mário Covas in Santo André, SP. ção estudada foi de média para boa (pontuação de 64,01 - sendo
METHODS: Application of the general epidemiological profile zero = pior qualidade de vida e 100 a melhor). Com valores aci-
questionnaire and WHOQOL-BREF translated, by telephone, ma de 60 para os domínios físico (68,07), psicológico (67,04),
to 33 informal caregivers of patients treated at the Outpatient relações sociais (67,42) e meio ambiente (64,58). Cuidados reali-
Clinic of Chronic Pain at the State Hospital Mário Covas. zados em média por mais de 5 anos, por mais de 8 horas diárias e
RESULTS: The general evaluation of the quality of life of the na grande maioria por mulheres, cônjuges do paciente, católicas,
studied population was from average to good (score of 64.01 - com idade entre 30 e 60 anos. Aproximadamente 88% não dese-
being zero = the worst quality of life and the 100 the best). With ja que outra pessoa exerça sua atividade.
values above 60 for the physical domain (68.07), psychological CONCLUSÃO: Os cuidadores apresentam qualidade de vida de
(67.04), social relations (67.42) and environment (64.58). Care média para boa. O cuidado informal é realizado, em sua maioria,
lasting on average for more than 5 years, with more than 8 hours por mulheres.
per day and mostly by women, spouses, Catholic, aged between Descritores: Cuidadores informais, Dor crônica, Epidemiologia,
30 and 60 years. Approximately 88% do not want another per- Perfil psicossocial.
son to perform their activity.
CONCLUSION: Caregivers have a quality of life from average INTRODUÇÃO
to good. Informal care is mostly performed by women.
Keywords: Chronic pain, Epidemiology, Informal caregivers, No Brasil, em estudo realizado com pacientes com dor crônica,
Psychosocial profile. verificou-se que 94,9% dos entrevistados apresentavam comprome-
timento da atividade profissional1,2.
RESUMO Em casos mais graves, os pacientes têm sua mobilidade comprome-
tida e necessitam da atuação de um cuidador, responsável pelo zelo
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A importância de avaliar o contínuo e auxílio em suas atividades diárias. O cuidador informal,
perfil do cuidador informal, comumente negligenciado diante geralmente é proveniente do núcleo familiar, sendo normalmente o
da queixa do paciente com dor crônica, e por não haver dados responsável por auxiliar o paciente dependente no seu dia a dia. Os
sobre cuidadores informais na literatura brasileira. O objetivo cuidadores informais são familiares, amigos, vizinhos, membros de
grupos religiosos e outras pessoas da comunidade. São voluntários
que se dispõem à prática do cuidado, porém não apresentam forma-
ção profissional específica3.
1. Faculdade de Medicina do ABC, Hospital Estadual Mário Covas, Santo André, SP, Brasil. Diversos motivos levam à delegação ao cuidador informal, como grau
2. Faculdade de Medicina do ABC, Hospital Estadual Mário Covas, Departamento de Dor
e Cuidados Paliativos. Santo André, SP, Brasil.
de parentesco, relação afetiva, proximidade do ambiente em que se
encontra o paciente, falta de outra possibilidade, autodelegação etc.4.
Apresentado em 10 de dezembro de 2016. O foco de atenção na prática profissional, na maioria das vezes, é o
Aceito para publicação em 07 de junho de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. indivíduo doente, cabendo ao cuidador uma posição à margem dos
acontecimentos. Ainda hoje, os cuidadores familiares são percebidos
Endereço para correspondência:
R. Dr. Henrique Calderazzo, 321 – Paraíso como recurso em benefício do indivíduo, mas não como um alvo de
Santo André, SP, Brasil. atenção da equipe de saúde. São indivíduos rotulados, para ajudar
E-mail: ayflavia@hotmail.com
nesse processo de cuidar. Espera-se que cuidem “naturalmente” sem
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor que, muitas vezes, recebam o auxílio e o apoio devidos5.

238
Perfil epidemiológico e psicossocial dos cuidadores Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):238-44
informais de pacientes portadores de dor crônica

Há, nessa área de estudos sobre cuidadores, um número significativo O WHOQOL-BREF apresenta 26 perguntas, sendo as duas pri-
de trabalhos relacionados à deterioração da saúde e adoecimento do meiras sobre a QV em geral e o restante das 24 questões compõem
cuidador, tanto físico quanto psíquico, com maior carga de estresse, 4 domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente.
menor satisfação com a vida, perda do emprego, rupturas de víncu- As respostas seguem uma escala de Likert (variando de 1 a 5, sendo
los, isolamento e diminuição da participação social e perda do poder a QV melhor quanto maior a pontuação). As respostas da escala
aquisitivo para a família com o passar do tempo6-9. variam de intensidade (nada - extremamente), capacidade (nada -
Em relação ao comprometimento psicossocial na vida do cuidador, completamente), frequência (nunca - sempre) e avaliação (muito
inúmeros estudos identificaram casos de depressão, distúrbios do insatisfeito - muito satisfeito, e muito ruim - muito bom). Dos va-
sono, medo, maior uso de psicotrópicos, ruptura de vínculos, isola- lores encontrados para cada uma das 24 facetas que compõem os
mento, solidão, diminuição da participação social, perda de suporte domínios foram obtidas as medianas das respostas, ou seja, o valor
social e menos satisfação com a vida9,10. que separa 50% das respostas quando estas estão ordenadas.
A escassez de estudos brasileiros que dizem respeito aos cuidadores Os valores apontam 1 como a pior resposta e 5 como a melhor, o
informais, e mais especificamente a qualidade de vida (QV) desse que possibilitou verificar quais facetas receberam avaliação positiva
grupo, justifica a relevância deste trabalho. ou negativa. Para efeito de uniformização e possibilitar a compara-
O objetivo deste estudo foi realizar descrição epidemiológica dos ção, as medianas apresentadas nas facetas relacionadas à dor e ao
cuidadores informais de pacientes atendidos no Ambulatório de desconforto, à dependência de tratamentos ou de fármacos, e aos
Controle de Sintomas do Hospital Estadual Mário Covas. sentimentos negativos foram analisadas de forma invertida, confor-
me orientação da OMS13.
MÉTODOS O cálculo dos escores de avaliação da QV foi feito separadamente
em cada um dos quatro domínios. A pontuação bruta foi transfor-
A pesquisa foi realizada com 33 cuidadores informais de pacientes mada para uma escala de zero a 100 (escore transformado de acordo
atendidos no Ambulatório de Dor Crônica do Hospital Estadu- com sintaxe para SPSS, proposta pela OMS). Assim, o valor míni-
al Mário Covas (Santo André, SP), que é responsável por atender mo dos escores de cada domínio é zero e o máximo é 100, sendo
qualquer queixa relacionada à dor de difícil tratamento. O critério que quanto maior o escore, mais positiva é a avaliação do domínio.
de seleção do grupo escolhido para a pesquisa foi ser cuidador de O projeto foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa
pacientes que realizam acompanhamento por dor crônica, indepen- da Faculdade de Medicina do ABC, CAAE: 51237315.9.0000.0082.
dentemente de ser membro da família ou não, podendo haver mais
de um cuidador entrevistado por paciente. O número de convoca-
dos para a pesquisa foi de conveniência, e considerou a quantidade Análise estatística
de pacientes que passaram em consulta no ambulatório e que possu- A análise dos dados foi efetuada por meio do software estatístico IBM
íam cuidadores informais. SPSS 20.0 (Statistical Package for the Social Sciences) e incluiu análi-
Os critérios de inclusão foram os indivíduos que exerciam papel de ses estatísticas descritivas de frequência, tendência central e dispersão,
cuidador informal do paciente atendido em nível ambulatorial após e análise inferencial de comparação entre os domínios. As variáveis ca-
ciência dos objetivos do estudo. tegóricas foram expressas como frequência e percentuais. As variáveis
Todos os participantes do estudo receberam informações sobre o estu- numéricas foram apresentadas com média, mediana e desvio padrão.
do, objetivos, métodos, riscos e benefícios, além da garantia do sigilo A confiabilidade do instrumento foi analisada para avaliar a coerência
dos dados obtidos neste estudo. A participação voluntária foi formali- das respostas obtidas em medições repetidas e o grau de independên-
zada por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Es- cia entre os resultados quando aplicados em diferentes ocasiões. A con-
clarecido (TCLE) antes do agendamento para entrevista via telefone. fiabilidade de medida refere-se aos resultados consistentes e precisos.
Foi possível a inclusão de mais de um cuidador informal do mesmo O método utilizado para avaliar a confiabilidade do trabalho foi o alfa
paciente, não sendo necessária, obrigatoriamente, a relação familiar de Cronbach. Ele permite avaliar se cada item da escala mensura, de
entre cuidador-paciente. Houve 5 perdas de entrevista, que acon- forma equivalente, o mesmo conceito, ou seja, se os itens estão positi-
teceram por erro de cadastro do paciente no sistema (número de vamente relacionados. Os valores de alfa de Cronbach variam de zero
telefone errado ou falecimento do paciente em questão, antes do a 1, sendo considerados valores aceitáveis entre 0,70 e 0,9014.
período da ligação). Trata-se de um estudo observacional de corte
transversal, no qual foram realizadas entrevistas, via telefone com RESULTADOS
agendamento previamente marcado, com duração média de 20 mi-
nutos, em que foram aplicados dois instrumentos de pesquisa, um Foram entrevistados 33 cuidadores de pacientes com dor crônica.
deles foi elaborado especificamente para este estudo, sendo composto O perfil sociodemográfico dessa população pode ser observado na
por questões que abordam aspectos sociodemográficos, relacionados tabela 1.
com as características do cuidador (sexo, idade, estado civil, religião, A maioria dos cuidadores foi do sexo feminino (81,8%), com idade
tempo de trabalho, renda). Já o outro instrumento foi utilizado para média de 50,3 anos, sendo o cuidador mais jovem com 21 anos e o
avaliar a QV dos cuidadores e, para este fim, optou-se em utilizar mais velho com 87 anos de idade. Constatou-se que 66,7% dos cui-
o WHOQOL - BREF11, instrumento elaborado pela Organização dadores são casados e 54,5% possuem nível médio de escolaridade.
Mundial da Saúde (OMS), validado para a língua portuguesa12. Esse A maior parte do grupo estudado se denominou católica (45,5%),
questionário acessa a QV dos entrevistados nos últimos 15 dias. seguida de evangélicos (39,4%). Quanto ao grau de parentesco, 26

239
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):238-44 Ataka FY, Okoshi RL e Abreu YL

Tabela 1. Características demográficas e socioeconômicas dos cui-


dadores entrevistados
n=33 %
Sexo
Masculino 6 18,2
Feminino 27 81,8

Número de cuidadores
Faixa etária (anos)
20 a 30 2 6,1
30 a 40 8 24,2
40 a 50 8 24,2
50 a 60 8 24,2
>60 7 21,2
Estado civil
Casado 22 66,7
Separado 1 3,0
Solteiro 7 21,2 <1 1 2 3 4 5 ≥5
Tempo de acompanhamento do paciente (anos)
Viúvo 3 9,1
Escolaridade
Figura 1. Distribuição dos cuidadores quanto ao tempo de acompa-
Analfabeto 1 3,0 nhamento ao paciente, estratificado por ano
Fundamental 9 27,3
Médio 18 54,5
Superior 5 15,2
Religião
Católica 15 45,5
Evangélica 13 39,4
Outra 5 15,2
Parentesco
Pai ou mãe 1 3,0
Filho ou filha 10 30,3
Cônjuge 15 45,5 Diariamente 5 vezes por 2 vezes por 1 vez por
semana semana semana
Outro 6 18,2
Nenhum 1 3,0
Figura 2. Distribuição dos cuidadores quanto ao tempo destinado ao
cuidado do paciente, estratificado por frequência por semana
(78,8%) apresentaram algum grau de parentesco com o paciente,
sendo 45,5% dos cuidadores cônjuges e 30,3% filhos dos pacientes.
A característica das atividades de trato dos cuidadores foi descrita
na tabela 2. Notou-se que os cuidadores exerciam essa atividade há
vários anos, 42,4% da população acompanhava o paciente há mais
de 5 anos (Figura 1). Além disso, quase a totalidade (97,0%) não
Número de cuidadores

recebeu remuneração por esse trabalho, e a frequência dedicada, em


sua maioria, é diária (91,0%), com carga horária que excede 8 horas
por dia para 78,7% dos cuidadores (Figuras 2 e 3). Além das respon-
sabilidades de cuidador, 36,4% realizavam outras atividades no local
de trabalho e 42,4% dos cuidadores realizavam outras atividades
quando requeridas. Apenas 9,1% dos entrevistados gostariam que
outra pessoa exercesse o seu papel de cuidador. Com relação à estru-
tura econômica da família, 57,6% consideraram que esse parâmetro
foi afetado de forma significativa e 36,4% ficaram responsáveis por
arcar com os gastos dos fármacos. Apesar da população de cuidado-
Tempo por dia (horas)
res apresentar uma carga de trabalho elevada e estar nesse trabalho há
muito tempo, a maior parte não gostaria que outra pessoa assumisse Figura 3. Distribuição dos cuidadores quanto ao tempo destinado ao
o seu papel de cuidador. cuidado do paciente, estratificado por frequência por horas por dia

240
Perfil epidemiológico e psicossocial dos cuidadores Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):238-44
informais de pacientes portadores de dor crônica

Tabela 2. Características da atividade do cuidador Tabela 2. Características da atividade do cuidador – continuação


Avaliação geral n % Avaliação geral n %
Etiologia da dor crônica do paciente A doença do paciente afetou significativamente a estrutura econô-
mica da família?
Neuropática 13 39,4
Não 8 24,2
Oncológica 8 24,2
Sim 19 57,6
Fibromialgia 3 9,1
Às vezes 6 18,2
Outras 9 27,3
No caso de familiar, você é o responsável por arcar com as despe-
Há quanto tempo acompanha o paciente? (anos)
sas com fármacos?
<1 3 9,1
Não 5 15,1
1 2 6,1
Sim 12 36,4
2 2 6,1
Às vezes 9 27,3
3 6 18,2
Além de cuidador, você exerce outra atividade no mesmo local?
4 5 15,2
Sem resposta 5 15,2
5 1 3,0
Não 2 6,1
>5 14 42,4
Sim 12 36,3
A atividade é remunerada?
Às vezes 14 42,4
Não 30 91,0
Sim 3 9
Qual a frequência dessa remuneração? O questionário WHOQOL-BREF teve confiabilidade satisfatória
Por hora 2 6,0 pelo resultado do teste Alfa de Cronbach de 0,797.
Não definida 1 3,0
As médias e os desvios padrão obtidos das pontuações com os valores
brutos de cada domínio estão apresentados na tabela 3. Na tabela
Qual sua disponibilidade de tempo para cuidar?
4 está apresentada a média dos valores de cada domínio em escala
Diariamente 30 91,0
de zero a 100, conforme orientação da OMS, para melhor visibi-
5 vezes por semana 1 3,0
lidade dos dados. Dessa forma, verifica-se que nas duas primeiras
2 vezes por semana 1 3,0
questões do questionário sobre a QV global, destaca-se o fato de que
1 vez por semana 1 3,0 a população estudada obteve uma pontuação média de 3,56 (64,01
Quantas horas do seu dia são destinadas ao cuidado? na tabela 4, ou seja, ela apresenta QV geral de média para boa (ou
2 2 6,0 de médio para bom). Com relação às pontuações obtidas para cada
3 2 6,0 Domínio, no geral, a média é acima da pontuação 3 e, na escala de
5 2 6,0 zero a 100, acima dos 60%, sugerindo que a QV desses cuidadores
8 1 3,0 está entre média e boa. O domínio com melhor pontuação foi o
>8 26 79,0 Físico com 3,72 na tabela 3 e 68,07 na tabela 4, e o pior foi o Meio
Você alterna com outra pessoa sua atividade? Ambiente, com 3,58 na tabela 3 e 64,58 na tabela 4.
Não 15 45,5
Tabela 3. Análise geral dos domínios de qualidade de vida
Sim 14 42,4
Às vezes 4 12,1 Referências Média Desvio padrão

Você tem auxílio de outros membros da família? Avaliação global 3,56 0,82

Não 9 27,3 Domínio físico 3,72 0,67

Sim 18 54,5 Domínio psicológico 3,68 0,65


Às vezes 6 18,2 Domínio relações sociais 3,69 1,06
Você gostaria que outra pessoa assumisse seu papel de cuidador? Domínio meio ambiente 3,58 0,53
Não 29 87,9
Sim 3 9,1 Tabela 4. Análise dos domínios de qualidade de vida transformando
Às vezes 1 3,0 as escalas para valores de zero a 100, conforme orientações da Or-
ganização Mundial da Saúde
Qual motivo?
Referências Média Desvio padrão
Sem resposta 29 87,9
Avaliação global 64,01 20,43
Tenho outras atividades 1 3,0
Domínio físico 68,07 16,74
Sou cuidador há muito tempo 1 3,0
Domínio psicológico 67,04 16,26
Não tenho tempo 0 0,0
Outro motivo 2 6,1 Domínio relações sociais 67,42 26,69
Domínio meio ambiente 64,58 13,23
Continua...

241
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):238-44 Ataka FY, Okoshi RL e Abreu YL

Na tabela 5 foram analisados os domínios a respeito da percepção de Tabela 8. Análise do domínio relações sociais
QV e a satisfação em relação à saúde. Obteve-se em ambas as ava- Média Desvio padrão Mediana
liações mediana de 4, demonstrando, que pelo menos, metade dos Relações pessoais 3,91 1,40 4
entrevistados está satisfeito quanto aos quesitos analisados. Suporte social 3,48 1,23 4

Tabela 5. Análise por domínios de qualidade de vida


Tabela 9. Análise do domínio meio ambiente
Avaliação global Média Mediana
Média Desvio padrão Mediana
Percepção da qualidade de vida 3,56 4
Segurança física e proteção 3,91 0,68 4
Satisfação com a saúde 3,59 4
Ambiente no lar 3,70 1,04 4
Com relação aos resultados em cada uma das facetas, apresentam-se Recursos financeiros 3,36 0,96 4
a média, mediana e o desvio padrão das pontuações para cada uma, Cuidados de saúde e sociais: 3,91 0,84 4
no seu respectivo domínio. A tabela 6 refere-se às facetas do Domínio disponibilidade de qualidade
Físico, no qual nota-se que o item “energia e fadiga” apresenta me- Oportunidade de adquirir no- 2,67 1,43 2
diana de 5, ou seja, pelo menos a metade dos entrevistados avaliou vas informações e habilidades
esse quesito como muito satisfeito. A menor mediana foi referente Participação em oportunida- 3,76 0,90 4
às atividades da vida cotidiana (mediana=3). Quanto ao Psicológico, des de recreação e lazer
apresentado na tabela 7, todas as facetas apresentaram uma mediana Ambiente físico 3,48 0,90 4
de 4, demonstrando que pelo menos metade dos cuidadores está Transporte 3,88 0,78 4
satisfeita quanto à autoestima, imagem corporal e aparência, senti-
mentos negativos e espiritualidade. Nesse domínio, destaca-se que
DISCUSSÃO
82% dos cuidadores referiram estar satisfeitos ou muito satisfeitos
com a aparência física e autoestima. Apenas 33,3% referiram algum
problema com a concentração e 30,3% dos entrevistados apresen- Neste estudo, assim como em muitos outros, a prevalência de cui-
taram sentimentos negativos (mau humor, desespero, ansiedade e dadores do sexo feminino encontrada é superior ao do sexo mas-
depressão) frequentes, muito frequentes ou sempre. culino15-20. Vários podem ser os motivos, como o sentimento de
Na tabela 8 estão presentes os resultados obtidos no Domínio Rela- obrigação filial e condição cultural da mulher dentro da sociedade,
ções Sociais e nota-se que os cuidadores estavam satisfeitos com suas ainda machista15.
relações pessoais e com o apoio recebido de amigos. Em ambos a A avaliação geral mostrou que cerca de 78,8% dos cuidadores têm
mediana foi de 4 e média de 3,91 e 3,48, respectivamente. algum grau de parentesco com o paciente, sendo 45,5% deles, côn-
O Meio Ambiente na tabela 9 apresenta dados de oito facetas, sen- juge, fato que é apontado com alta frequência na literatura18,20. A
do que sete delas apresentaram boas avaliações dos cuidadores, com maior parte dos cuidadores acompanha o paciente por mais de 5
pontuação mediana de 4: segurança, ambiente no lar, recursos finan- anos e essa atividade não é remunerada em 97% dos casos. A carac-
ceiros, disponibilidade e qualidade dos cuidados de saúde e sociais, terística econômica do grupo estudado, cuidadores de pacientes com
oportunidade de novas informações, oportunidade de recreação/ dor crônica que frequentam o serviço público deste hospital, pode
lazer, ambiente físico e transporte. O único item avaliado com me- justificar este fato, pois manter um cuidador formal requer gastos
diana 2 foi o relacionado com a oportunidade de novas informações muitas vezes além dos limites financeiros familiares. Em 91% dos
e habilidades. Nessa faceta, 54,6% dos cuidadores consideraram o entrevistados, o cuidado ocorre diariamente e por mais de 8 horas
acesso às novas informações e habilidades muito pouco ou pouco. por dia, somando semanalmente mais de 60 horas.
Quando se perguntou a respeito da alternância do trabalho com outra
Tabela 6. Análise de domínio físico pessoa, os resultados foram fortemente semelhantes. Cinquenta e qua-
Domínio Físico Média Desvio padrão Mediana tro por cento dos entrevistados disseram ter auxílio de outros membros
Energia e fadiga 3,91 1,33 5 da família. A atividade de cuidar, geralmente, é realizada por um dos
Sono e repouso 3,79 0,89 4 membros da família, sem que este tenha ajuda ou reconhecimento de
Atividades da vida cotidiana 3,03 1,40 3 outros23,24, de acordo com Pavarini et al.25. Ainda, 87,9% afirmaram
Dependência de fármacos, 3,94 0,61 4 não ter o desejo de que outra pessoa assumisse o papel de cuidador.
ou de tratamentos Apesar da sobrecarga, os cuidadores sentem satisfação em cuidar do
Capacidade de trabalho 3,97 0,67 4 paciente, pois este faz parte da família e, em geral, acredita-se que essa
atitude é um dever moral e de responsabilidade social e familiar15,26.
Tabela 7. Análise do domínio psicológico Deve-se considerar como um viés o fato desse questionário envolver o
Domínio Psicológico Média Desvio padrão Mediana lado ético do entrevistado, que pode sentir-se inibido para demonstrar
Autoestima 3,12 1,41 4 seu sentimento em relação à sua função. Entre os que gostariam que
Imagem corporal e aparência 4,03 0,64 4 outra pessoa realizasse suas funções, nenhum entrevistado apontou a
Sentimentos negativos 3,94 0,66 4 falta de tempo como razão para esse desejo. Os motivos não mencio-
Espiritualidade, religião, 3,64 1,39 4 nados poderiam ser fadiga emocional e física, estresse e motivação para
crenças pessoais realizar outras atividades.

242
Perfil epidemiológico e psicossocial dos cuidadores Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):238-44
informais de pacientes portadores de dor crônica

Apontou-se alterações significativas na estrutura econômica familiar tra que o cuidador acaba ficando restrito à rotina de cuidados, sem
em 57,5% dos casos. A compra de fármacos foi apontada como uma ter a chance de ter acesso a outras atividades. Vale salientar que em
das causas para esse aumento de gastos, já que quando eles não são relação ao ambiente familiar, a resposta foi positiva, mostrando que
adquiridos no posto de saúde, são comprados pelos pelos membros mesmo com a carga emocional que o cuidado envolve, as famílias
da família. Além disso, um outro fator que contribui para a mudan- mantêm um ambiente saudável em suas casas, sem que as relações
ça da estrutura econômica é o afastamento do trabalho, uma vez sejam afetadas.
que o cuidador passa a maior parte do tempo e diariamente com o
paciente, não podendo, em alguns casos, realizar outras atividades CONCLUSÃO
remuneradas.
No estudo, viu-se que o quesito capacidade de trabalho foi indicado Ao contrário do que se imagina frente a esta desgastante atividade
como o menos afetado pela função de cuidador, enquanto que a de cuidador informal, diante das diferentes esferas analisadas, os cui-
realização das atividades cotidianas foi apontada como a mais pre- dadores consideram sua QV de média para boa. Devido à escassez
judicada. Isso mostra que os cuidadores mantêm a capacidade de de pesquisas nacionais sobre os cuidadores, bem como de trabalhos
trabalho, porém têm dificuldade de realizar outras funções de seu inovadores para a área, nota-se a necessidade de se avançar em polí-
dia a dia. Pode-se ver a forte influência que o cuidado tem no co- ticas e práticas que de fato diminuam o estresse e a sobrecarga per-
tidiano de quem o realiza. Muitos estudos mostraram que ambos, cebida por esse grupo.
cuidador e paciente, residem no mesmo local, o que acaba por gerar
um aumento nas tarefas diárias, somatória dos cuidados com os afa- REFERÊNCIAS
zeres domésticos16,17. No domínio Psicológico, a imagem corporal e
1. Organization WH, editor. National cancer control programmes: policies and manage-
aparência foram apontadas como as menos afetadas pelo trabalho de rial guidelines. 2nd ed. Geneva: HDN; 2002.
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possa ser uma justificativa para esse fato ocorrer, pois o cuidador dei- ce from family members, friends, paid givers, and volunteers in the care of terminally
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está relativamente satisfeito com os laços sociais que possuem. Ob- 10. Brasil. Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor. [online] São Paulo. Disponível em:
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social a ida à igreja aos finais de semana. Relação com vizinhos tam- Organization’s WHOQOL-BREF quality of life assessment: psychometric properties
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desfecho de ansiedade e sentimentos negativos, dificultando a tarefa facet and domain scores. Disponível em: http://www.ufrgs.br/psiquiatria/psiq/who-
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colocado como o mais satisfatório, bem como os cuidados de saúde 15. Falcão DV. Convivendo com outros Pais? Um estudo sobre as filhas cuidadoras de
idosos com Alzheimer. [periódico online] 2006; [citado 26 outubro 2015]. Disponí-
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Como ponto negativo, houve a oportunidade de adquirir novas in- -com-outros-pais-um-estudo-sobre-as-filhas-cuidadoras-de-idosos-com-alzheimer/
formações e habilidades. Questionou-se também sobre o ambiente itemid-906.html.
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243
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):238-44 Ataka FY, Okoshi RL e Abreu YL

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244
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):245-9 ARTIGO ORIGINAL

Bone pain assessment in patients with chronic kidney disease


undergoing hemodialysis
Avaliação da dor óssea em pacientes renais crônicos em hemodiálise
Mariana Capelo Vides1, Marielza Regina Ismael Martins2

DOI 10.5935/1806-0013.20170109

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: The objective of this JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O objetivo deste estudo foi
study was to descriptively evaluate the symptom of pain and its avaliar, de forma descritiva, o sintoma da dor e sua influência na
influence on the quality of life in patients with chronic renal qualidade de vida, de pacientes com insuficiência renal crônica
failure on hemodialysis treatment. em tratamento de hemodiálise.
METHODS: This is a descriptive, cross-sectional exploratory, MÉTODOS: Trata-se de uma abordagem descritiva, transversal,
quantitative approach. We evaluated 50 chronic renal failure pa- exploratória e quantitativa. Foram avaliados 50 pacientes renais
tients on hemodialysis treatment through the Brief Pain Inven- crônicos em tratamento de hemodiálise, por meio do Inventário
tory and the Kidney Disease and Quality of Life Short Form. de Dor Breve e do questionário especifico de doença renal. Os
The emotional factors were evaluated by the Toronto Alexithy- fatores emocionais foram avaliados pelas escalas de Alexitimia de
mia and Hospital Anxiety and Depression Scales. Toronto e Hospitalar de Ansiedade e Depressão.
RESULTS: The predominant age group was 40 to 60 years. RESULTADOS: A faixa etária predominante foi de 40 a 60 anos.
72% of the patients showed some bone changes and the majori- Setenta e dois por cento dos pacientes apresentaram algumas altera-
ty interviewed did not have formal jobs at the time of interview. ções ósseas, e a grande maioria entrevistada, não tinha empregos re-
There was a noticeable increase in the intensity of pain in pa- munerados no momento da entrevista. Houve um aumento notável
tients with bone alterations when compared to those without, na intensidade da dor em pacientes com alterações ósseas, quando
as well as an increased ambulation impairment. The Hospital comparado com aqueles sem, bem como um aumento da deficiên-
Anxiety and Depression Scale showed a slight increase in both cia de caminhada. Através da escala de Hospitalar de Ansiedade e
parameters in those with bone pain. Regarding the quality of life, Depressão, observou-se que houve um ligeiro aumento em ambos
physical function and work status were the most affected. There os parâmetros naqueles com dor óssea. Quanto à qualidade de vida,
was the absence of alexithymia in most of the interviewees, a a função física e o status de trabalho foram os mais afetados. Houve
positive correlation between pain intensity versus physical func- ausência de alexitimia na maioria dos entrevistados, correlação posi-
tion (r=-0.14, p=0.03), physical function x work status (r=-0.28, tiva entre a intensidade da dor versus função física (r=-0,14, p=0,03),
p=0.04) and a negative correlation between alexithymia versus função física versus status do trabalho (r=-0,28, p=0,04), e correlação
anxiety (r=0.03, p=0.62) and moderate pain versus overall health negativa entre alexitimia versus ansiedade (r=0,03, p=0,62), dor mo-
(r=0.06, p=0.40). derada versus saúde geral (r=0,06, p=0,40).
CONCLUSION: We found worse outcomes in hemodialysis CONCLUSÃO: Encontrou-se resultados piores em pacientes
patients who presented bone alterations, regardless of the source. em hemodiálise, que apresentaram alterações ósseas, indepen-
Keywords: Affective symptoms, Chronic pain, Chronic renal dentemente da fonte.
failure, Metabolic bone disease, Quality of life. Descritores: Doença óssea metabólica, Doença renal crônica,
Dor crônica, Qualidade de vida, Sintomas afetivos.

INTRODUÇÃO

1. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
A doença renal crônica (DRC) é uma síndrome metabólica decor-
2. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Departamento de Ciências Neurológi- rente de perda progressiva, geralmente lenta, da capacidade excre-
cas, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
tória renal1. O alarmante a respeito dessa doença é seu crescimento
Apresentado em 26 de abril de 2017. visível em todo o mundo. O quadro atual, nos EUA, é que sua taxa
Aceito para publicação em 02 de agosto de 2017. de incidência dobra a cada 10 anos2. As informações obtidas junto à
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: PIBIC/CNPq.
Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e Ministério da Saúde no
Endereço para correspondência: Brasil são semelhantes. A prevalência de pacientes necessitando tera-
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto
Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416 - Vila São Pedro pia renal substitutiva dobrou nos últimos 5 anos3. Conforme dados
15090-000 São José do Rio Preto, SP, Brasil. da SBN, o número de pacientes tem aumentado 9,9% por ano3.
E-mail: marielzamartins@famerp.br
No Brasil, o gasto com o programa de diálise e transplante renal
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor situa-se ao redor de 1,4 bilhões de reais ao ano3.

245
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):245-9 Vides MC e Martins MR

Os distúrbios secundários à DRC são inúmeros: hipotensão arterial dados referentes ao número de pacientes renais em hemodiálise, ad-
(como uma das principais), câimbras, náuseas e vômitos, cefaleia, mitidos em um turno. Esses números variaram em torno de 56 pes-
dor no peito, dor lombar, prurido, febre e calafrios, diarreia, reações soas. Com base nesse dado, uma amostra com 95% de nível de con-
alérgicas, arritmia cardíaca, embolia gasosa, hemorragia gastrintesti- fiança, erro máximo igual a 5% e, considerando uma estimativa da
nal, problemas metabólicos, convulsões, espasmos musculares, insô- proporção igual a 50% (variância máxima), foi obtido um tamanho
nia, inquietação, demência, infecções, pneumotórax ou hemotórax, de amostra igual a 49 pacientes9. Assim a amostra estudada contou
isquemia ou edema na mão e anemia4,5. Dentre todas, destacam-se com 50 entrevistados de forma a atender ao requisito estatístico de
as manifestações musculoesqueléticas como significantes na qualida- validade do estudo. Esses pacientes realizaram tratamento hemodia-
de de vida (QV) do paciente com insuficiência renal crônica1. lítico no Hospital de Base de São Jose do Rio Preto/SP, no período
Os distúrbios na homeostase do cálcio, do fósforo, do calcitriol e do de outubro de 2015 a fevereiro de 2016. Os critérios de inclusão fo-
paratormônio ocorrem precocemente nos pacientes com DRC, e de- ram: pessoas com DRC em tratamento hemodialítico e sem déficit
sempenham papel fundamental na fisiopatologia das doenças ósseas cognitivo e, por meio da consulta aos prontuários eletrônicos foram
que acometem esses pacientes, conhecidos como distúrbio mineral e verificadas as comorbidades apresentadas com relação às alterações
ósseo (DMO) e DRC6. Dentre os DMO-DRC, os mais importantes ósseas (ombro doloroso, câimbras, osteodistrofia, deformidades ós-
são: artralgia, ombro doloroso, síndrome do túnel do carpo e dedo em seas, osteoporose, entre outras).
gatilho, decorrentes da deposição da proteína B2-microglobulina nos Os pacientes foram abordados durante as sessões de hemodiálise,
tecidos, além de artrite induzida por cristais, necrose avascular, artrite em que a pesquisadora esclarecia sobre a pesquisa e, posteriormen-
séptica, fraqueza muscular e câimbras musculares1,6. te, realizava a entrevista. Nenhum paciente recusou a realização do
As dores perfazem cerca de 40% do total de queixas apresentadas pe- questionário. Os instrumentos utilizados foram: Inventário Breve
los pacientes com DRC em hemodiálise7, e uma grande parcela des- de Dor (IBD)10, para avaliação da dor, que contém 15 itens, sub-
ses sintomas dolorosos tem seu mecanismo fisiopatológico conheci- divididos em duas partes: a primeira avalia a intensidade da dor e,
do, podendo ser tratado adequadamente no decorrer do tratamento: a segunda avalia a interferência da dor em aspectos da vida (ativi-
a dor muscular que se segue às câimbras, ocasionadas por remoção dades em geral, humor, habilidade para caminhar, sono, trabalho,
rápida de líquido corporal; as cefaleias, associadas às elevações da relacionamento com outras pessoas e aproveitamento da vida). A
pressão arterial; a dor torácica que ocorre na chamada síndrome da intensidade e a interferência da dor foram avaliadas em uma escala
reação ao dialisador, antes conhecida como a síndrome de primeiro numérica de zero (sem dor) a 10 (pior dor possível). Para avaliar a
uso6. Tal situação revela que a dor na doença renal reduz o funciona- QV, foi utilizado o Kidney Disease and Quality-of-Life Short-Form
mento físico e profissional, e a percepção da própria saúde tem um (KDQOL-SF)11, instrumento específico que avalia a DRC. Fatores
impacto negativo sobre os níveis de energia e vitalidade, o que pode emocionais foram avaliados pela Escala de Alexitimia de Toronto
diminuir ou limitar as interações sociais e comprometer a QV7. (TAS)12, que se utiliza de 20 afirmações como instrumento de au-
Nesse contexto, é de grande importância reconhecer o quadro de do- toavaliação da dificuldade em identificar sentimentos, em descrever
res provocado pelas alterações que ocorrem nos pacientes com DCR. os sentimentos dos outros e estilo de pensamento orientado para o
Quando são alterações ósseas agrupadas sob o termo Osteodistrofia exterior, e Escala de Ansiedade e Depressão (HAD)13, composta de
Renal, englobam as desordens esqueléticas secundárias às alterações 14 afirmações, 7 relacionadas à ansiedade e 7 à depressão. A pontu-
do metabolismo de cálcio e fósforo, e as consequentes remodelações ação global em cada subescala vai de zero a 21.
ósseas que se seguem1. Essas podem provocar dores difusas, progres- Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Ins-
sivas, com acometimento de coluna vertebral, joelhos, tornozelos e tituição em estudo (parecer 435.511). Todos os participantes assina-
coxas, podendo levar à imobilidade total. Também como causa de do- ram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
res ósseas e musculares, tem-se a síndrome musculoesquelética, que se
manifesta em pacientes em hemodiálise por longos anos, e que seria Análise estatística
provocada pela deposição de amiloide e beta 2-microglobulina6,7. Ou- Os dados foram registrados em planilhas utilizando-se o software
tros tipos de dores, como manifestações de dor neuropática por lesão (Microsoft) e analisados por meio de estatística descritiva. Para as
nervosa, também estão presentes, porém intensidade, incapacidade, perguntas de variáveis sim e não, utilizou-se o teste McNemar para
lesão física, fatores emocionais e ocupacionais relacionando as dores à comparação do antes e depois, dentro de cada grupo e entre os dois
DRC, não foram encontrados na literatura nacional8. Nesse sentido, grupos, sendo avaliadas as possíveis combinações de sim e não. As
há necessidade de compreender o impacto da dor crônica e suas con- variáveis quantitativas foram avaliadas por testes não paramétricos e,
sequências na DRC, pois são frequentemente subestimados. as correlações, pelo Coeficiente de Pearson.
Assim, o objetivo deste estudo foi realizar a avaliação da dor óssea
em pacientes renais crônicos em hemodiálise, considerando a com- RESULTADOS
preensão global de todos os processos, a fim de identificar também a
qualidade da expressão emocional que apresentam. Pela análise geral, identificou-se que, na população em estudo,
predominou a faixa etária de 40 a 60 anos, variando entre 15 e
MÉTODOS 84 anos, com maioria do sexo masculino. Setenta e dois por cen-
to (n=36) apresentavam osteodistrofia renal com alterações ósseas
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, transversal com abor- em joelho e tornozelo (20%), coluna (23%), fraqueza muscular
dagem quantitativa. O cálculo amostral foi realizado a partir dos (25%), câimbras (11%), ombro doloroso (11%), osteoporose

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Avaliação da dor óssea em pacientes renais crônicos em hemodiálise Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):245-9

(5%) e neuropatia (5%). Além disso, as condições de comorbi- que apresentavam alterações ósseas (ombro doloroso, osteoporose,
dade, tais como doença arterial periférica isquêmica, neuropatia neuropatia, entre outras (n=36). Contudo, houve ausência de alexi-
diabética e osteopenia/osteoporose (devido à hipertensão de longa timia na maioria entrevistada (n=50).
duração, diabetes, ou idade avançada), resultou em vários tipos Não houve variação dentre os grupos com e sem alteração óssea
de dor (50% dor óssea, 28% dor articular e 22% dor muscular). (n=50), em relação à presença de alexitimia avaliada pela TAS. O
Todos esses dados foram verificados em prontuário eletrônico estudo revelou que 64% (n=32) não eram alexitímicos, 18% (n=9)
onde constam exames laboratoriais, resultados de biópsia óssea, eram inconclusivos e 18% (n=9) se autoidentificavam alexitímicos.
indicadores bioquímicos e alterações radiográficas. Esses dados Em relação à QV, todos os pacientes responderam ao questionário
permitiram triar os pacientes hemodialisados, que apresentavam específico para doença renal (KDQOL-SF). As pontuações mais
alterações ósseas. Outros dados clínicos e sociodemográficos estão elevadas foram obtidas para as dimensões relacionadas à “estimulo
apresentados na tabela 1. por parte da equipe de hemodiálise” e “função sexual”, sendo que as
Os resultados da avaliação de dor, ansiedade, depressão e alexitimia mais baixas foram para a “situação de trabalho” e “função física”. As
estão apresentados na tabela 2. Obteve-se maior queixa em relação dimensões com as respectivas médias e desvios padrão são demons-
ao sono e à habilidade de caminhar quando separados os indivíduos tradas na tabela 3.

Tabela 1. Perfil sociodemográfico dos pacientes avaliados (n=50)


Variáveis n Media e desvio padrão (±) % (n)
Sexo
Feminino 50 48 (n=24)
Masculino 52 (n=26)
Estado civil
Solteiro 50 24 (n=12)
Casado 64 (n=32)
Divorciado 6 (n=3)
Viúvo 8 (n=3)
Escolaridade (anos)
Fundamental completo 50 5,8±2,5 26 (n=13)
Fundamental incompleto 46 (n=23)
Médio completo 10 (n=5)
Médio incompleto 8 (n=4)
Superior 8 (n=4)
Analfabeto 2 (n=1)
Idade (anos) 50 49,34±16,06
Tempo de hemodiálise (meses) 50 54,5±8,6
Situação trabalhista
Ativo 50 20 (n=10)
Inativo 80 (n=40)
Sintomas associados mais frequentes
Coceira 50 35 (n=18)
Fraqueza 27 (n=13)
Câimbras 11 (n=5)
Fadiga 35 (n=17)
Sonolência 47 (n=23)
Dor de cabeça 45 (n=22)

Tabela 2. Escores obtidos na avaliação de dor, ansiedade, depressão e alexitimia da amostra avaliada com alterações ósseas (n=36) e sem (n=14)
Instrumentos Média ± DP Média ± DP Valor de p
n (=14) n (=36)
Inventario Breve de Dor
Intensidade da dor
Interferência da dor em atividades em geral 4,70±2,50 7,8±2,3 0,048*
Humor 4,12±3,54 5,12±3,54 0,065
Habilidade para caminhar 4,66±3,69 7,66±3,69 0,035*
Sono 4,66±3,69 5,66±3,69 0,054
Trabalho 3,72±4,18 5,72±4,18 0,048*
Relacionamento pessoal 1,30±2,65 2,30±2,65 0,055
Aproveitamento da vida 2,50±3,35 4,50±3,35 0,058
Escala de ansiedade e depressão
Ansiedade 11,8±3,8 13,5±3,4 0,048*
Depressão 4,7±4,5 5,8±4,8 0,065
* p<0,05 – diferença estatisticamente significativa.

247
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):245-9 Vides MC e Martins MR

Tabela 3. Valores médios e desvios padrão das dimensões do Kidney Disease and Quality-of-Life Short-Form dos pacientes em tratamento por
hemodiálise com alterações ósseas (n=36) e sem essas alterações (n=14)
Dimensões Média±DP (n=36) Média±DP (n=14) Mediana Mediana Valor de p
(n=36) (n=14)
Funcionamento físico 48,34±18,02 60,20±24,09 55,00 65,00 0,052
Função física 36,54±12,85 56,22±42,71 0,00 0,00 0,038*
Dor 58,95±23,40 67,30±30,12 65,00 70,00 0,045*
Saúde geral 52,45±15,08 58,88±23,52 55,00 65,00 0,062
Bem-estar emocional 63,55±22,35 67,92±29,01 65,00 76,00 0,055
Função social 58,46±35,80 62,59±40,04 56,25 66,67 0,065
Energia/fadiga 48,55±23,80 54,39±26,96 50,00 55,00 0,051
Lista de sintomas/problemas 60,50±25,30 62,56±24,60 65,00 65,63 0,067
Efeitos da doença renal
Sobrecarga da doença renal 45,80±12,70 51,91±31,59 52,25 56,25 0,055
Situação de trabalho 28,57±39,53 45,84±24,80 0,00 0,00 0,048*
Função cognitiva 65,52±13,40 74,83±30,59 75,00 86,67 0,065
Qualidade de interação social 75,80±20,55 81,63±21,97 80,25 86,67 0,058
Função sexual 74,65±12,40 88,75±21,80 82,25 100,00 0,065
Sono 58,40±32,50 66,02±26,70 60,20 70,00 0,052
Suporte social 89,56±18,50 91,07±20,09 82,50 100,00 0,052
Satisfação do paciente 73,58±15,80 78,57±19,25 78,50 83,33 0,062
Saúde Geral 59,46±20,55 66,94±23,38 60,25 70,00 0,055
*p<0,05 – diferença estatisticamente significativa.

A fim de analisar o impacto da dor nos pacientes que apresentavam sa, já que o Hospital de Base é um centro de referência para casos
alterações ósseas (n=36) foi aplicado o Coeficiente de correlação de graves e pacientes com múltiplas comorbidades. Deve-se ressaltar
Pearson para algumas variáveis, onde se verificou correlação positiva que a depressão e a ansiedade são distúrbios de humor muito preva-
entre intensidade da dor versus função física (r=-0,14, p=0,03*), fun- lentes entre os pacientes que realizam hemodiálise, por isso devem
ção física versus situação de trabalho (r=-0,28,p=0,04*), correlação ser diagnosticadas e tratadas adequadamente para melhorar a QV
negativa entre alexitimia versus ansiedade (r= 0,03, p= 0,62) e dor desses indivíduos.
moderada versus saúde geral (r=0,06,p=0,40). Quanto à presença de alexitimia, 18% dos entrevistados neste es-
tudo, apresentaram resultados inconclusivos, e 18% positivaram. A
DISCUSSÃO média total foi de 57,6, o que caracteriza ausência de alexitimia na
amostra estudada. No Brasil, ainda não se dispõe de valores de corte,
O perfil epidemiológico traçado no atual estudo condiz com o Cen- embora algumas pesquisas tenham algumas indicações20,21. A DRC
so de Diálise de 20133, apresentando a média de 49,34 anos, en- é uma doença com importante atuação no psicológico do paciente,
quanto que a faixa etária brasileira de maior incidência de pacientes influenciando substancialmente, não só na ansiedade e na depressão,
em hemodiálise é dos 19 aos 64 anos. A faixa etária média equivale como também na alexitimia20. Assim, compreende-se uma dificul-
ao surgimento também dos grupos de risco, e das doenças de base dade para expressão de seus afetos em doenças psicossomáticas. No
para a DRC14, como a hipertensão, diabetes e doenças cardiovas- estudo de Pregnolatto22, pacientes submetidos à hemodiálise apre-
culares, doenças de base, que aumentam sua prevalência na idade sentaram altos escores na TAS, independentemente do sexo, nível
adulta8,15. de escolaridade, estado civil, atividade profissional, idade e hipótese
Em relação ao sexo, embora a diferença seja mínima, houve predo- diagnóstica, discordando assim do presente estudo.
mínio do sexo masculino no presente estudo, corroborando outros Na avaliação da QV relacionada a saúde obtiveram-se os piores índi-
estudos16,17, e consoantes com estudos patrocinados pelo Ministério ces nas dimensões do estado laboral e função física. Esses resultados
da Saúde1, que também demonstram que o sexo masculino tem sido foram concordantes com o estudo de Lopes et al.23, que indicou a
o mais acometido por doenças crônicas, incluindo as renais. diminuição da capacidade para executar atividades de rotina diária
Stasiak et al.18 revelam uma taxa de 11,7% de ansiedade e 9,3% ou trabalhar. Alguns estudos já têm sugerido a implantação de um
de depressão em pacientes em hemodiálise. Em outro estudo19, fo- programa de prática regular de exercícios para essa população13,19. As
ram constatadas 11,4% de ansiedade no sexo feminino, 7,31% no pontuações médias elevadas foram nos domínios função cognitiva,
masculino. Já a respeito da depressão, encontrou-se 11,3% para o função sexual, qualidade de interação e suporte social. É importante
sexo feminino e 11,8% para o masculino. Os resultados do presente ressaltar que se deve realizar avaliações periódicas da função cogni-
estudo foram de 30% para a ansiedade e 9% para a depressão. Essa tiva dessa população porque vários são os fatores de risco para o seu
alta taxa de ansiedade pode ser devido ao local de coleta da pesqui- declínio cognitivo24.

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Avaliação da dor óssea em pacientes renais crônicos em hemodiálise Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):245-9

Neste estudo, a média do tempo de tratamento de hemodiálise foi so_2013-14- 05.pdf.


4. II Diretrizes Brasileiras de Prática Clínica para o Distúrbio Mineral e Ósseo na DRC.
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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):250-4 ARTIGO ORIGINAL

Temporomandibular dysfunction, myofascial, craniomandibular and cervical


pain: effect on masticatory activity during rest and mandibular isometry
Disfunção temporomandibular, dor miofascial crâniomandibular e cervical: efeito na atividade
mastigatória durante o repouso e isometria mandibular
Carlos Eduardo Fassicollo1, Maylli Daiani Graciosa1, Barbara Flissak Graefling1, Lilian Gerdi Kittel Ries1

DOI 10.5935/1806-0013.20170110

ABSTRACT Keywords: Chewing, Electromyography, Myofascial pain, Tem-


poromandibular dysfunction.
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Craniomandibular
and cervical symptoms interfere with mandibular stability. De- RESUMO
termining whether these disorders influence muscle activation
when chewing, it is possible to improve interventions for this JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Sintomas crâniomandibu-
population. The objective of this study was to verify the effect lares e cervicais interferem na estabilidade mandibular. Ao de-
of the temporomandibular joint dysfunction, craniomandibular terminar se essas desordens influenciam na ativação muscular
and cervical pain on the electromyographic activity of the masti- durante a mastigação é possível aprimorar intervenções para essa
catory muscles during rest and mandibular isometry. população. O objetivo deste estudo foi verificar o efeito da dis-
METHODS: Fifty-five women aged between 18 and 30 years were função temporomandibular, dores crâniomandibular e cervical
divided into two groups: with temporomandibular dysfunction na atividade eletromiográfica dos músculos mastigatórios, du-
(n=28) and without temporomandibular dysfunction (n=27). The rante o repouso e a isometria mandibular.
diagnosis of temporomandibular dysfunction was established using MÉTODOS: Cinquenta e cinco mulheres com idade entre 18 e
the Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorder 30 anos, foram divididas em grupo com disfunção temporoman-
(RDC/TMD). The RDC was also used to determine the presence dibular (n=28) e sem disfunção temporomandibular (n=27). O
of craniomandibular pain. Cervical pain was defined by physical diagnóstico de disfunção temporomandibular foi estabelecido por
examination. The electromyographic activity of masseter and tem- meio do Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disor-
poralis muscles was evaluated in the rest position and mandibular der (RDC/TMD). O RDC também foi utilizado para determinar
isometry. The amplitude of muscle activation was represented by the a presença de dor crâniomandibular. A dor cervical foi definida
root mean square values (RMS%) and normalized by maximum vo- por meio de um exame clínico. A atividade eletromiográfica dos
luntary contraction. The Mann-Whitney U test was used to detect músculos temporal e masseter foi avaliada durante o repouso e a
differences between the groups with and without temporomandi- isometria mandibular. A amplitude de ativação muscular foi repre-
bular dysfunction; with and without myofascial craniomandibular sentada por valores de raiz quadrada da média (RMS%) e normali-
pain; and with and without cervical myofascial pain. zada pela contração voluntária máxima. O teste U de Mann-Whi-
RESULTS: It was observed greater amplitude in the activation tney foi utilizado para detectar diferenças entre os grupos, com
of masseter and right temporalis muscles in the rest position in e sem disfunção temporomandibular; com e sem dor miofascial
individuals with myofascial craniomandibular pain compared to crâniomandibular; e com e sem dor miofascial cervical.
asymptomatic (p<0.05). There was no difference among indivi- RESULTADOS: Observou-se maior amplitude de ativação dos
duals with and without cervical myofascial pain, and with and músculos temporais e masseter direito durante o repouso para
without temporomandibular dysfunction. indivíduos com dor miofascial crâniomandibular em relação a
CONCLUSION: The presence of myofascial craniomandibular assintomáticos (p<0,05). Não houve diferença entre indivíduos
pain did not affect the masticatory activity, with greater muscle com e sem dor miofascial cervical e com e sem disfunção tem-
activation in mandibular rest. poromandibular.
CONCLUSÃO: A presença de dor miofascial crâniomandibular
exerceu efeito sobre a atividade mastigatória, com uma maior
1. Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.
ativação muscular no repouso mandibular.
Descritores: Disfunção temporomandibular, Dor miofascial,
Apresentado em 09 de março de 2017. Eletromiografia, Mastigação.
Aceito para publicação em 04 de agosto de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
INTRODUÇÃO
Endereço para correspondência:
Rua Paschoal Simone, 385, Coqueiros
88080-350 Florianópolis, SC, Brasil. A disfunção temporomandibular (DTM) é caracterizada por um
E-mail: maygraciosa@gmail.com
grupo de condições clínicas associadas a ruídos e travamentos na
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor articulação temporomandibular (ATM)1. O Research Diagnostic

250
Disfunção temporomandibular, dor miofascial crâniomandibular e cervical: Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):250-4
efeito na atividade mastigatória durante o repouso e isometria mandibular

Criteria (RDC/TMD) consiste em um conjunto de critérios, que As voluntárias avaliadas pelo presente estudo foram classificadas
determinam o diagnóstico da DTM por meio de uma variedade de quanto a presença ou ausência de três condições: DTM, dor miofas-
sinais e sintomas2. Esse método de avaliação pode diagnosticar um cial na região crâniomandibular e dor cervical.
indivíduo com DTM por meio de sintomas discais e articulares, ou
devido a presença de dor muscular, ou ainda de forma mista incluin- Instrumentos clínicos
do ambos os tipos de alteração3. Todas as voluntárias foram avaliadas pelo RDC/TMD14 para de-
A dor nos músculos mastigatórios e na região da ATM é o sintoma terminar a presença da DTM. Foram incluídas no grupo com
de maior prevalência nos indivíduos com DTM4. Além desses sinto- DTM, voluntárias que apresentaram um ou mais diagnósticos de
mas, 60% dos indivíduos que tem DTM apresentam dor em outras DTM, com base na história e presença de sinais clínicos segundo
regiões como a cabeça e a cervical5. A presença de dor nessa região o RDC/TMD. No grupo sem DTM foram incluídas as voluntá-
é decorrente da conexão entre as estruturas cervicais e a ATM que, rias que não apresentaram diagnósticos de DTM de acordo com
através de músculos e ligamentos, formam o complexo denominado RDC/TMD.
sistema crânio-cervical-mandibular6. Essas ligações estruturais têm O RDC/TMD14 consiste em um instrumento que contempla as-
incentivado estudos que busquem compreender a relação entre a pectos físicos (eixo I) e psicossociais (eixo II) e determina a presença
DTM e os sintomas cervicais. ou ausência da DTM, classificando os indivíduos em três grupos:
Já se sabe que sujeitos com sintomas crâniomandibulares apresen- I) Diagnósticos musculares (dor miofascial com ou sem abertura
tam dor cervical com mais frequência do que aqueles assintomáti- limitada); II) Deslocamento do disco (com ou sem redução e com
cos1,7. Outro estudo observou a relação entre alterações posturais na abertura limitada ou sem redução e sem abertura limitada); III) Ar-
cervical e aumento na ativação do músculo masseter8. Além disso, tralgia, osteoartrite, osteoartrose da ATM. Para ser classificado como
foi observada uma relação entre a presença de dor cervical com o DTM, o indivíduo deve apresentar no mínimo um diagnóstico, po-
aumento da sensibilidade muscular no sistema crâniomandibular9. dendo ter no máximo cinco diagnósticos14.
Fatores como o aumento da sensibilidade e presença de dor são as- O exame clínico por meio de palpação muscular do RDC/TMD,
sociados a déficit proprioceptivos e interferem no padrão de ativação também foi usado para determinar a presença de dor miofascial na
muscular10,11. Desse modo, tem-se que as disfunções dos movimentos região crâniomandibular, independentemente do diagnóstico de
mandibulares também podem ser influenciadas por sintomas cervicais DTM. As voluntárias foram classificadas como “dor miofascial crâ-
em pacientes com DTM. A frequência desses sintomas nessa popula- niomandibular presente” quando referissem relato de dor em, pelo
ção sugere a presença de estratégias compensatórias, com o objetivo de menos, uma área muscular durante a avaliação por palpação.
promover estabilidade para os movimentos mandibulares e manter a A presença de dor cervical foi detectada por um exame clínico15, que
efetividade funcional do sistema musculoesquelético12. consiste na avaliação de movimentos ativos, passivos, testes (dinâ-
Dessa forma, é importante considerar os sintomas cervicais e crânio- mico-estáticos) e palpação de músculos cervicais. Classificaram-se
mandibulares durante a avaliação muscular mastigatória. A análise como “dor miofascial cervical presente” as voluntárias que apresen-
eletromiográfica desses músculos possibilitará determinar se essas tassem relato de dor durante a palpação muscular e a movimentação
desordens influenciam no padrão de ativação muscular de sujeitos da cabeça conforme esse exame.
sintomáticos, e aprimorar avaliações e intervenções terapêuticas para Com base na inspeção visual da relação anteroposterior entre a man-
essa população. díbula e o maxilar, utilizou-se a classificação de mal oclusão de An-
Este estudo teve como objetivo verificar o efeito da DTM, dor miofas- gle, para avaliar os aspectos morfológicos da oclusão dentária13.
cial crâniomandibular e dor cervical na atividade eletromiográfica dos
músculos mastigatórios durante o repouso e a isometria mandibular. Eletromiografia
A eletromiografia (EMG) foi utilizada para avaliar a atividade elé-
MÉTODOS trica dos músculos masseter (MA) e temporal (TA) bilateralmen-
te, durante a isometria e o repouso mandibular. O eletromiógrafo
A amostra probabilística e intencional foi recrutada por meio de di- Miotool USB (Miotec) foi utilizado com placa conversora analó-
vulgação do projeto de pesquisa em universidades e centros de saúde gico/digital de 14 bits de resolução para uma taxa de aquisição de
de Florianópolis. 2000 Hz, mínima Relação de Rejeição de Modo Comum de 110
As voluntárias foram esclarecidas quanto aos objetivos da pesquisa e dB. Para a captação do sinal eletromiográfico adotou-se eletrodos
assinaram do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). de superfície da marca Meditrace Kendall-LTP, modelo Chicopee
Foram considerados como critérios de inclusão: apresentar idade MA 01022.
entre 18 e 30 anos e ser do sexo feminino. Os critérios de exclusão Para essa avaliação, os indivíduos mantiveram-se sentados em uma
foram: uso de aparelho ortodôntico/ortopédico funcional, uso de cadeira, com apoio para as costas, joelhos a 90° e cabeça na posição
fármacos analgésicos e anti-inflamatórios, doenças sistêmicas como de Frankfurt (plano paralelo ao solo). Foi realizada higienização da
artrite e artrose, classificados com classes II e III de Angle13, alte- pele sobre o local de fixação dos eletrodos com álcool a 70% e trico-
rações no sistema vestibular, falhas dentárias, histórico de trauma tomia, quando necessário.
cervical, cintura escapular, face e ATM. A fixação de eletrodos sobre a pele que envolve os músculos MA e TA
Foram avaliadas 60 mulheres. Cinquenta e cinco participaram do seguiu as recomendações SENIAM (Surface ElectroMyoGraphy for
estudo, e cinco foram excluídas por problemas no processamento the Non-Invasive Assessment of Muscles)16. O melhor posicionamen-
de dados. to dos eletrodos foi determinado por uma contração isométrica de

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):250-4 Fassicollo CE, Graciosa MD, Graefling BF e Ries LG

referência por meio do apertamento dentário. Os eletrodos foram fi- Análise estatística
xados sobre os MA (2cm acima do ângulo da mandíbula), e TA (verti- A estatística descritiva foi utilizada por meio de média e desvio pa-
calmente, a partir da margem anterior do músculo) bilateralmente17,18. drão com intervalo de 95%. A normalidade dos dados foi testada
Fixou-se o eletrodo de referência sobre o manúbrio do osso esterno. pelo teste Kolmogorov–Smirnov. Utilizou-se o teste U de Mann-
Foi feito um treino pré-protocolo de avaliação para as participantes -Whitney para detectar diferenças entre as médias dos grupos: a)
compreenderem a execução das atividades. A aquisição do sinal ele- com e sem DTM; b) com e sem dor miofascial crâniomandibular;
tromiográfico aconteceu durante as seguintes atividades: c) com e sem dor miofascial cervical.
Repouso: lábios tocando-se levemente com dentes fora da oclusão Para isto, utilizou-se o Statistical Package for the Social Science
por três repetições de 10 segundos; (SPSS) versão 20.0 com um nível de significância de 5% (p<0,05) e
Isometria: com uma barra de Parafilme M (Neenah, Wisconsin, distribuição bicaudal.
EUA), dobrada 15 vezes (1,5cmx3,5cm), posicionada entre os úl-
timos contatos dentários bilateralmente; solicitou-se uma contração RESULTADOS
voluntária máxima mantida por cinco segundos. Foram realizas três
tentativas com um minuto de intervalo entre elas. A figura 1 mostra a distribuição das voluntárias (número de
sujeitos) em relação à presença ou ausência das três condições:
Análise dos dados DTM, dor miofascial crâniomandibular e dor cervical. Os indi-
Para o processamento dos dados foi utilizado o software MATLAB víduos com dor miofascial crâniomandibular exibiram maiores
R2009a. A análise da amplitude foi pelo cálculo do RMS, root mean amplitudes de ativação durante o repouso dos músculos TD, TE
square, em microvolts (µv). Foram selecionados dois mil dados de e MD do que indivíduos assintomáticos (p<0,05). A dor crâ-
um segundo (o segundo mais central de cada músculo). Para reduzir niomandibular não exerceu efeito durante a isometria (p>0,05).
os ruídos externos foi usado o filtro passa-alta de 20Hz e passa-baixa Para a dor miofascial cervical, a atividade elétrica dos músculos
de 500Hz. A normalização da amplitude de atividade muscular mastigatórios durante o repouso e isometria não apresentou dife-
mastigatória (RMS%) foi feita pela percentagem do valor do RMS renças estatísticas entre os grupos (p>0,05) (Tabela 1).
durante um segundo de cada músculo pela isometria. A comparação das médias dos índices de EMG de superfície de am-
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres plitude (RMS%) durante o repouso e a isometria não apresentaram
Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina-UDESC, diferenças estatísticas (p>0,05) entre indivíduos com e sem DTM
sob parecer n° 149.333. (Tabela 2).

N = 55

Disfunção Dor Miofascial


Dor Cervical
Temporomandibular Craniomandibular

Ausente N = 28 N = 32 N = 17

Presente N = 27 N = 23 N = 38

Figura 1. Distribuição das voluntárias quanto à presença ou ausência de disfunção temporomandibular, dor miofascial crâniomandibular e dor
cervical
N = número de voluntárias.

Tabela 1. Comparação entre as médias da amplitude de ativação para os músculos temporal direito, temporal esquerdo, músculos masseter di-
reito e esquerdo, durante o repouso e durante a isometria segundo a presença de dor miofascial na região crâniomandibular e na região cervical
AAM% Média DP IC Média DP IC Valor de p
Ausente (n=23) Presente (n=32)
Dor miofascial crâniomandibular
Repouso TD 2,39 1,30 1,98-2,81 3,20 1,28 2,49-3,91 0,02
TE 2,44 1,19 2,06-2,82 3,15 1,29 2,44-3,86 0,03
MD 1,82 0,72 1,59-2,05 2,73 1,55 1,87-3,59 0,03
ME 1,52 1,10 1,17-1,87 1,50 0,63 1,16-1,86 NS
Isometria TD 88,00 9,71 84,85-91,14 85,95 10,12 80,35-91,55 NS
TE 89,73 4,13 88,39-91,07 88,76 5,82 85,54-91,98 NS
MD 85,55 9,33 82,52-88,57 86,08 6,65 82,39-89,77 NS
ME 85,36 7,79 82,83-87,88 84,40 7,95 79,99-88,80 NS
Continua...

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Disfunção temporomandibular, dor miofascial crâniomandibular e cervical: Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):250-4
efeito na atividade mastigatória durante o repouso e isometria mandibular

Tabela 1. Comparação entre as médias da amplitude de ativação para os músculos temporal direito, temporal esquerdo, músculos masseter
direito e esquerdo, durante o repouso e durante a isometria segundo a presença de dor miofascial na região crâniomandibular e na região cer-
vical – continuação
AAM% Média DP IC Média DP IC Valor de p
Ausente (n=23) Presente (n=32)
Dor miofascial cervical
Repouso TD 2,64 1,49 2,15-3,13 2,55 0,91 2,08-3,02 NS
TE 2,61 1,27 2,19-3,03 2,69 1,21 2,07-3,31 NS
MD 2,05 1,14 1,67-2,42 2,12 0,95 1,63-2,61 NS
ME 1,55 1,12 1,18-1,92 1,45 0,61 1,14-1,76 NS
Isometria TD 88,08 7,84 85,47-90,69 86,01 13,22 79,21-92,81 NS
TE 89,72 4,63 88,17-91,26 88,90 4,71 86,48-91,32 NS
MD 85,84 9,34 82,73-88,95 85,38 7,02 81,77-88,99 NS
ME 85,30 8,52 82,46-88,14 84,64 6,04 81,53-87,75 NS
AAM = amplitude de ativação; TD = músculo temporal direito; TE = temporal esquerdo; MD = masseter direito; ME = masseter esquerdo; NS = não significativo; DP
= desvio padrão; IC = intervalo de confiança; teste U de Mann-Whitney.

Tabela 2. Comparação entre as médias da amplitude de ativação para os músculos temporal direito), temporal esquerdo, masseter direito e
masseter esquerdo (AAM%) durante o repouso e isometria segundo a presença de disfunção temporomandibular
AAM% Sem DTM Com DTM
(n=27) (n=28)
Média DP IC Média DP IC Valor de p
Repouso TD 4,26 1,74 2,03-3,14 4,57 1,92 2,14-3,14 NS
TE 2,63 1,35 2,09-3,17 2,64 1,16 2,19-3,09 NS
MD 1,82 0,78 1,51-2,13 2,31 1,28 1,81-2,80 NS
ME 1,68 1,28 1,17-2,19 1,36 0,57 1,14-1,58 NS
Isometria TD 87,12 11,36 82,63-91,62 87,73 8,08 84,54-90,93 NS
TE 88,87 3,85 87,34-90,39 90,05 5,29 87,96-92,15 NS
MD 83,67 10,17 79,64-87,69 87,72 6,26 85,24-90,20 NS
ME 84,62 8,59 81,22-88,02 85,56 6,99 82,79-88,33 NS
AAM = amplitude de ativação; TD = músculo temporal direito; TE = temporal esquerdo; MD = masseter direito; ME = masseter esquerdo; NS = não significativo; DP
= desvio padrão; IC = intervalo de confiança; teste U de Mann-Whitney.

DISCUSSÃO ter influenciado os resultados. Indivíduos com DTM com intensida-


de moderada e intensa apresentaram maior ativação durante o repou-
Este estudo avaliou o comportamento da atividade elétrica da mus- so, em comparação com aqueles com dor leve, ou do grupo controle23.
culatura mastigatória durante o repouso e a isometria mandibular em O presente estudo incluiu no mesmo grupo indivíduos com DTM
mulheres com e sem DTM, e buscou compreender o efeito da presen- leve, moderada e grave. A inclusão de indivíduos com DTM leve pode
ça de dor miofascial crâniomandibular e cervical sobre a atividade dos ter diminuído as diferenças entre esse grupo e o controle.
músculos mastigatórios desses indivíduos. O principal resultado mos- Apesar de não haver a presença de DTM, a presença de dor miofascial
trou que a ativação dos músculos TD, TE e MD ao repouso é maior crâniomandibular no grupo controle pode ter aumentado a ativação
na presença da dor miofascial crâniomandibular do que na ausência dos músculos mastigatórios durante o repouso. A exclusão no grupo
desse sintoma, independente do diagnóstico de DTM. controle de qualquer sinal ou sintoma de disfunção foi considerada em
Como durante o repouso a mandíbula se encontra em uma posição outro estudo22. Quando alguma perturbação interfere no funciona-
de suspensão involuntária resultante do relaxamento dos músculos mento do sistema estomatognático, o organismo utiliza vários processos
mastigatórios, a atividade eletromiográfica esperada é mínima19,20. adaptativos para manter a eficiência das funções que envolvem as suas
Todavia, no presente estudo, indivíduos com presença de dor mio- estruturas24. É provável que por meio de interações sensitivas e moto-
fascial crâniomandibular apresentaram maior amplitude elétrica ras, a presença de dor miofascial nessa região modifique a geração de
de ativação dos músculos mastigatórios durante o repouso do que um potencial de ação em repouso, alterando o padrão de ativação dos
aqueles assintomáticos, resultado encontrado por Bodéré et al.21. músculos craniomandibulares22. No estudo da DTM é necessário que
Já com a presença de DTM, não houve diferença entre os grupos. o grupo controle não apresente qualquer sinal e sintoma da disfunção.
Considerou-se que a maior amplitude de ativação dos músculos A amplitude de ativação muscular não se diferenciou na isometria
mastigatórios durante o repouso em sujeitos do grupo com DTM, entre os grupos com e sem dor miofascial e com e sem DTM. O
comparado ao grupo controle encontrada em outros estudos22,23 foi mesmo resultado foi observado por Rodrigues-Bigaton et al.22 e Lau-
decorrente de diferenças metodológicas. riti et al.23, indicando que tanto a presença quanto a intensidade da
O grau de gravidade da DTM e a inclusão no grupo sem DTM de dor em sujeitos com DTM, não influenciaram a atividade elétrica
indivíduos que apresentaram dor miofascial crâniomandibular podem dos músculos mastigatórios.

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):250-4 Fassicollo CE, Graciosa MD, Graefling BF e Ries LG

Contudo, outros estudos encontraram menor atividade elétrica du- poromandibular joint (TMJ) dysfunction: comparison with the clinical dysfunction
index. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2010;15(1):e14-9.
rante a contração voluntária máxima dos músculos mastigatórios 5. Ozkan F, Cakır Özkan N, Erkorkmaz U. Trigger point injection therapy in the mana-
em sujeitos com desordens na ATM25 ou com DTM artrogênica e gement of myofascial temporomandibular pain. Agri. 2011;23(3):119-25.
6. Armijo-Olivo S, Fuentes JP, da Costa BR, Major PW, Warren S, Thie NM, et al.
psicogênica, mas não da miogênica26. No presente estudo, o grupo Reduced endurance of the cervical flexor muscles in patients with concurrent tempo-
DTM foi constituído por indivíduos com um ou mais diagnóstico romandibular disorders and neck disability. Man Ther. 2010;15(6):586-92.
segundo o RDC/TMD. A maioria dos indivíduos com DTM apre- 7. Weber P, Corrêa EC, Ferreira Fdos S, Soares JC, Bolzan Gde P, Silva AM. Cervical spi-
ne dysfunction signs and symptoms in individuals with temporomandibular disorder.
sentou dor apenas à palpação muscular14. A dor espontânea (dor ati- J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):134-9. English, Portuguese.
va) ao repouso, que é característica na dor miofascial por apresentar 8. McLean L. The effect of postural correction on muscle activation amplitudes recorded
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de acordo com o RDC/TMD como grupo II (deslocamento de dis- 10. Silveira A, Gadotti IC, Armijo-Olivo S, Biasotto-Gonzalez DA, Magee D. Jaw dys-
co) não apresentavam sinais de dor articular e muscular. Como dor function is associated with neck disability and muscle tenderness in subjects with and
without chronic temporomandibular disorders. Biomed Res Int. 2015;2015:512792.
é um importante modificador da função muscular26,28,29, é provável 11. Cheng CH, Wang JL, Lin JJ, Wang SF, Lin KH. Position accuracy and electromyo-
que a ausência do sintoma ou sua localização também pode ter con- graphic responses during head reposition in young adults with chronic neck pain. J
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Como a presença de dor pode alterar o equilíbrio funcional e a efe- children with cerebral palsy. J Electromyogr Kinesiol. 2013;23(1):260-6.
tividade da ação mastigatória32, os resultados deste estudo reforçam 19. Carr AB, Christensen LV, Donegan SJ, Ziebert GJ. Postural contractile activities of hu-
a importância de considerar a dor miofascial crâniomandibular man jaw muscles following use of an occlusal splint. J Oral Rehabil. 1991;18(2):185-91.
20. Galo R, Vitti M, Santos CM, Hallak JE, Regalo SC. The effect of age on the func-
durante a avaliação e tratamento de pacientes com DTM. As in- tion of the masticatory system-an electromyographical analysis. Gerodontology.
formações obtidas por meio desta pesquisa fornecem subsídios para 2006;23(3):177-82.
21. Bodéré C, Téa SH, Giroux-Metges MA, Woda A. Activity of masticatory muscles in
protocolos de pesquisas que identifiquem aspectos mais específicos subjects with different orofacial pain conditions. Pain. 2005;116(1-2):33-41.
da influência da dor na atividade dos músculos mastigatórios contri- 22. Rodrigues-Bigaton D, Berto R, Oliveira AM, Bérzin F. Does masticatory muscle hype-
ractivity occur in individuals presenting temporomandibular disorders? Braz J Oral
buindo para a intervenção clínica desses sujeitos. Sci. 2008;24(7):1497-501.
23. Lauriti L, Motta LJ, de Godoy CH, Biasotto-Gonzalez DA, Politti F, Mesquita-Ferrari
CONCLUSÃO RA, et al. Influence of temporomandibular disorder on temporal and masseter muscles
and occlusal contacts in adolescents: an electromyographic study. BMC Musculoskelet
Disord. 2014;15:123.
A dor cervical e DTM não exerceram efeito sobre a atividade elétrica 24. Douglas CR, Avoglio JL, de Oliveira H. Stomatognathic adaptive motor syndro-
me is the correct diagnosis for temporomandibular disorders. Med Hypotheses.
mastigatória no repouso ou na isometria. Durante o repouso houve 2010;74(4):710-8.
maior amplitude de ativação dos músculos mastigatórios na presen- 25. Ferrario VF, Tartaglia GM, Luraghi FE, Sforza C. The use of surface electromyography
as a tool in differentiating temporomandibular disorders from neck disorders. Man
ça de dor miofascial crâniomandibular. Assim, a dor miofascial crâ- Ther. 2007;12(4):372-9.
niomandibular parece interferir no comportamento fisiológico dos 26. Tartaglia GM, Moreira Rodrigues da Silva MA, Bottini S, Sforza C, Ferrario VF.
músculos mastigatórios quando a mandíbula está em repouso e deve Masticatory muscle activity during maximum voluntary clench in different research
diagnostic criteria for temporomandibular disorders (RDC/TMD) groups. Man Ther.
ser investigada na avaliação e intervenção de indivíduos com DTM. 2008;13(5):434-40.
Ressalta-se a importância da ausência de sintomas em grupos con- 27. Partanen JV, Ojala TA, Arokoski JP. Myofascial syndrome and pain: A neurophysiolo-
gical approach. Pathophysiology. 2010;17(1):19-28.
troles no estudo da DTM. 28. Ries LG, Graciosa MD, Medeiros DL, Pacheco SC, Fassicolo CE, Graefling BC, et al.
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study of activity of the masseter and anterior temporalis muscles in patients with tem- disorders. J Oral Rehabil. 1999;26(1):33-47.

254
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):255-60 ARTIGO DE REVISÃO

The use of dry needling in the treatment of cervical and masticatory


myofascial pain
O emprego do agulhamento seco no tratamento da dor miofascial mastigatória e cervical
Andreia Valle de Carvalho1, Eduardo Grossmann2, Flávia Regina Ferreira1, Eduardo Januzzi1, Roberta Maria Drumond Furtado
Bossi Fonseca1

DOI 10.5935/1806-0013.20170111

ABSTRACT temporomandibular joint dysfunction and the cervical region,


the literature still lacks studies with a high level of evidence pro-
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Dry needling is an in- ving the effectiveness and efficacy of this technique. This is a
terventionist, minimally invasive technique, used in the treat- minimally invasive, low cost, and safe therapy that provides lo-
ment of myofascial pain. The objective of this study was to des- cal, segmental, extra segmental and placebo effects. Therefore, its
cribe the use of dry needling and to perform a critical literature use should be recommended by different health professionals in
analysis about the technical aspects of its use by qualified health cases of myofascial pain.
care professionals. Keywords: Dry needling, Myofascial pain syndrome, Myofascial
CONTENTS: A search in the literature was carried out for books trigger points, Temporomandibular joint dysfunction.
in English, review articles, randomized controlled or quasi-ran-
domized clinical trials, blind or double-blind and published case RESUMO
studies series in Portuguese or in English. The following databases
were used: Cochrane, LILACS, and Pubmed. Articles published JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O agulhamento seco é uma
from September 1996 to January 2017 were selected according to técnica intervencionista, minimamente invasiva, utilizada no tra-
the following keywords: dry needling versus myofascial pain syn- tamento da dor miofascial. O objetivo deste estudo foi descrever
drome versus temporomandibular joint dysfunction syndrome) o emprego do agulhamento seco e realizar a análise crítica da
versus trigger points versus musculoskeletal manipulations versus literatura sobre os aspectos técnicos de sua utilização por profis-
trapezius muscle, superficial back muscles versus masseter muscle sionais capacitados da área da saúde.
versus secular muscle versus pterygoid muscles versus digastric mus- CONTEÚDO: Foi realizada uma busca na literatura por livros em
cle, neck muscles. Reports of clinical cases, “open-label” studies, inglês, artigos de revisão, estudos clínicos controlados randomiza-
studies with animal models and articles not related to DN were dos ou quase-randomizados, encobertos, ou duplamente encober-
excluded. After the matching descriptors and the implementation tos e estudos de séries de casos publicados em português ou inglês.
of inclusion and exclusion criteria, we selected six articles. Foram utilizadas as seguintes bases de dados: Cochrane, LILACS
CONCLUSION: The diagnosis of myofascial pain can be a e Pubmed. Foram selecionados artigos publicados no período de
difficult task since it can simulate different masticatory system setembro de 1996 a janeiro de 2017, recrutados após a utilização
pain, from a toothache to a trigeminal neuropathic pain. This dos seguintes descritores: agulhamento seco versus síndromes da
can be minimized with proper history taking, clinical examina- dor miofascial versus síndrome da disfunção da articulação tem-
tion involving muscle palpation, as well as the own experience poromandibular versus pontos-gatilho versus manipulações mus-
and professional training. The deactivation of myofascial trigger culoesqueléticas versus músculo trapézio (superficial back muscles)
points should be a priority in myofascial pain therapy since there versus músculo masseter versus músculo temporal versus músculo
is a significant improvement of local and referred pain when we pterigoideo versus músculo digástrico. Foram excluídos relatos de
use this approach. Despite the favorable results of studies about casos clínicos, estudos abertos “open-label”, estudos em modelos
the use of dry needling in myofascial pain treatment related to animais e artigos não relacionados ao agulhamento seco. Após o
cruzamento dos descritores e aplicação dos critérios de inclusão e
exclusão, foram selecionados seis artigos.
1. Faculdade Ciodonto, Belo Horizonte, MG, Brasil. CONCLUSÃO: O diagnóstico da dor miofascial pode se apre-
2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Disciplina de Dor Craniofacial aplicada à
Odontologia, Porto Alegre, RS, Brasil.
sentar como uma tarefa difícil, uma vez que ela pode simular
diferentes algias do sistema mastigatório, desde uma odontalgia
Apresentado em 20 de abril de 2017. até uma dor neuropática trigeminal. Isso pode ser minimizado
Aceito para publicação em 19 de julho de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. com uma adequada anamnese, exame clínico envolvendo pal-
pação muscular, além da própria experiência e treinamento pro-
Endereço para correspondência:
Rua Coronel Corte Real, 513 fissional. A desativação dos pontos-gatilho miofasciais deve ser
90630-080 Porto Alegre, RS, Brasil. prioridade na abordagem terapêutica da dor miofascial já que é
E-mail: edugdor@gmail.com
observada melhora significativa da dor local e referida, quando
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor essa é realizada. Apesar de resultados favoráveis em estudos sobre

255
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):255-60 Carvalho AV, Grossmann E, Ferreira FR, Januzzi E e Fonseca RM

o agulhamento seco no tratamento da dor miofascial, relacio- Simons, Travell e Simons9 mais utilizado na prática clínica, preco-
nada à disfunção temporomandibular e a região cervical, ainda niza que o agulhamento seja realizado diretamente nos PGM ativos
faltam na literatura pesquisas com elevado nível de evidência que e latentes, pois esses são postulados como o fator hegemônico da
comprovem a eficácia e a eficiência dessa técnica. Essa é uma DM1. A intenção é que o AS provoque um efeito conhecido como
terapia minimamente invasiva, de baixo custo, segura e apresenta “resposta de contração rápida” (RCR), que se caracteriza por um
efeitos locais, segmentares, extrassegmentares e placebo. Diante reflexo espinal, resultante da contração súbita e involuntária das fi-
do exposto, pode-se recomendar seu emprego por diferentes pro- bras musculares presentes na banda muscular tensa, que contém o
fissionais da área da saúde nos casos da dor miofascial. PGM9,10. Esse efeito é considerado necessário nesse modelo para a
Descritores: Agulhamento seco, Disfunção da articulação temporo- eficácia da técnica e, quando atingido indica que a agulha foi inseri-
mandibular, Pontos-gatilho miofasciais, Síndrome de dor miofascial. da corretamente11,12.
Gunn13, um dos pioneiros no uso do AS, propôs a partir de obser-
INTRODUÇÃO vações empíricas um modelo denominado “Radiculopatia”. Nesse
modelo a agulha é inserida na região paraespinal (principalmen-
O agulhamento seco (AS), utilizado para tratamento da dor miofas- te nos músculos multífidos) relacionada à musculatura periférica
cial (DM), apesar de ser confundido com a acupuntura tradicional atingida e, na junção musculotendínea dos músculos que contém
chinesa, é uma técnica ocidental baseada em princípios neurofisio- os PGM. Esse mesmo autor baseou sua técnica no princípio que
lógicos distintos. Descrito pela primeira vez por Travell na década considera a DM como uma síndrome resultante de uma neuro-
de 1960, o AS foi utilizado em maior escala após a publicação dos patia ou radiculopatia periférica. Essa síndrome se caracteriza por
estudos de Lewits e amplamente difundido na última década1,2. alterações neurofisiológicas na região emergente dos nervos espi-
O AS foi desenvolvido originalmente com o objetivo de desativar nais, associada às compressões discais, ao estreitamento de forames
pontos-gatilho miofasciais (PGM). Esses são caracterizados por um intervertebrais e às compressões nervosas. Essas alterações podem
ponto hiperirritável, localizado em uma banda tensa de um mús- estar associadas ao comprometimento da função muscular, com
culo, ou fáscia muscular associado à dor local e/ou referida. Estão consequente aparecimento de PGM em músculos inervados pela
também associados às manifestações clínicas da DM e fonte de sen- raiz atingida6,11,13.
sibilização periférica e central3,4. O modelo de sensibilização espinal segmentar foi proposto pelo
Além de intimamente ligados à fisiopatologia da DM os PGM estão fisiatra Fischer14. Nele, o agulhamento é realizado nos ligamentos
relacionados à fraqueza muscular, à irritabilidade local, ao desequilí- interespinhosos e supraespinhosos, na musculatura paravertebral e
brio muscular e à incoordenação motora no músculo afetado e nos diretamente nos PGM. Segundo esse modelo a sensibilização seg-
grupos sinérgicos a ele5,6. mentar resulta de uma hiperativação do corno dorsal medular cau-
Wrigth e North7 analisaram 190 pacientes com dor temporoman- sada por estímulos nociceptivos oriundos de tecidos lesados. Esse
dibular para demonstrarem quais músculos mastigatórios e cervicais quadro resulta em hipersensibilidade no dermátomo e ativação do-
relacionados à disfunção temporomandibular (DTM) mais afetados lorosa do esclerótomo correspondentes, além da formação de PGM
e mais capazes de gerar dor referida na região craniofacial. Encon- na musculatura relacionada àquele nível espinal3,11,12,15.
traram uma prevalência do músculo trapézio superior em 60% dos
pacientes, o pterigoideo lateral em 50% e o masseter, feixe superfi- MECANISMOS DE AÇÃO E EFEITOS FISIOLÓGICOS
cial, em 47%.
Outro estudo epidemiológico, conduzido por Fernández-de-las-Pe- Os efeitos de diminuição da dor e da tensão muscular, da melho-
nas et al.8 investigou o número, a localização e a área de referência da ria da coordenação e do comprimento muscular, além do restabe-
dor de PGM ativo nos músculos trapézio superior, esplênio da cabe- lecimento da mobilidade atribuída ao AS são bastante complexos
ça, esternocleidomastoideo, masseter, oblíquo superior, levantador e estão associados à desinibição dos PGM. Por isso, serão descritos
da escápula e suboccipitais em 13 mulheres, com idade entre 30 e 50 inicialmente a fisiopatologia da formação do ponto-gatilho (PG) e
anos, com diagnóstico de cefaleia do tipo tensional. Encontrou-se a posteriormente os mecanismos que explicam os efeitos dos AS agru-
média de sete pontos-gatilho ativo (PGMA) em cada paciente com pados em locais, segmentares e extrassegmentares, segundo descri-
a seguinte prevalência de localização: músculos suboccipitais (92%), ções mais atuais da literatura. Esses efeitos se diferenciam conforme
músculo oblíquo superior (85%), músculo trapézio superior (85%) a localização, a profundidade e a movimentação da agulha além da
e músculo masseter (69%). A maior área de referência de dor pelos presença ou não a RCR.
PGMA foi à região frontal (5,9 cm2), seguida das regiões occipital
(4,1 cm2), lateral esquerda (3,3 cm2) e direita (2,8 cm2). PONTO-GATILHO MIOFASCIAL
O objetivo deste estudo foi descrever o emprego do AS e realizar a
análise crítica da literatura sobre os aspectos técnicos de sua utiliza- Os PGM podem ser objetivamente observados em exames de res-
ção por profissionais capacitados da área da saúde. sonância magnética nuclear (RMN), de ultrassonografia (US)1 e de
termografia infravermelha (TIN)16,17. Os dois primeiros exames são
MODELOS TEÓRICOS de difícil aplicação na prática clínica pelo alto custo, enquanto que
no caso da TIN há falta desse equipamento em serviços especializa-
Nos últimos 30 anos, várias escolas e modelos conceituais foram de- dos e em hospitais. Diante disso, a sua identificação deve ser realiza-
senvolvidos em relação ao AS. O modelo dos PGM proposto por da por meio de palpação manual, ou pelas técnicas de rolamento ou

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O emprego do agulhamento seco no tratamento Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):255-60
da dor miofascial mastigatória e cervical

de pinçamento dos músculos afetados, seus sinergistas e seus anta- Quando a agulha é inserida, um reflexo axônico é disparado na rede
gonistas1,6. Após a identificação, os PGM podem ser classificados em terminal das fibras A delta e fibras C, que está associado à liberação
três subtipos: ativos, latentes e satélites, dos quais os dois primeiros de várias substâncias vasoativas6,19,20. Essas atuam na vasodilatação
são os mais abordados pela terapia de AS. O PGM ativo é doloro- e no aumento do fluxo sanguíneo local que resulta em redução da
so espontaneamente, produzindo um padrão de dor à distância. O concentração das substâncias algogênicas, e diminuição da ativação
latente caracteriza-se por desencadear dor somente quando estimu- dos nociceptores culminando na resolução da sensibilização perifé-
lado, enquanto o satélite é resultado de PG primários (latente ou rica18. Além da vasodilatação local, um estudo com a utilização de
ativo) presentes por longos períodos de tempo9,15,18. câmera termográfica demonstrou vasodilatação distal, na região de
referência da dor21,22.
FISIOPATOLOGIA DO PONTO-GATILHO MIOFASCIAL
EFEITOS SEGMENTARES
Segundo as pesquisas atuais, existem três fatores essenciais envol-
vidos na formação do PGM: liberação excessiva de acetilcolina, o A inserção da agulha estimula as fibras A delta e A beta presentes
encurtamento dos sarcômeros e a liberação de substâncias inflama- nos músculos e na pele, que por sua vez acionam as células inter-
tórias e algogênicas como, por exemplo, a substância P. O aumento mediárias no corno dorsal da medula espinal, por meio dos termi-
de acetilcolina na junção neuromuscular causa elevação da tensão nais colaterais. As células intermediárias liberam a encefalina que
das fibras musculares e, consequentemente, isquemia e hipóxia lo- bloqueia a transmissão da dor, efeito conhecido como “analgesia
calizadas que induzem à liberação de substâncias algogênicas (crise segmentar”, o qual leva alguns minutos para se iniciar, mas pode
energética). Essas substâncias causam maior liberação de acetilcolina durar por vários dias23.
completando um ciclo vicioso2,18,19. A manutenção dos estímulos
nocivos aumenta progressivamente a sensibilização do corno dorsal EFEITOS EXTRASSEGMENTARES
da medula e neurônios, antes silenciosos, passam também a enviar
estímulos ascendentes, ativando sistemas supraespinais que resultam O AS estimula a liberação de neuropeptídios opioides como, por
na sensibilização central18-20. exemplo, betaendorfina, encefalina e dinorfina. Esses opioides são
capazes de inibir diretamente a ascendência da transmissão nocicep-
EFEITOS LOCAIS tiva iniciada no corno dorsal medular. A betaendorfina liberada após
o agulhamento causa uma supressão na liberação de substância P,
A inserção da agulha no PGM lesiona e/ou destrói as placas moto- inibindo também a transmissão de dor2,4. Esses peptídeos também
ras, com consequente desnervação axônica distal e indução de rege- ativam uma área no mesencéfalo, a substância cinzenta periaquedu-
neração fisiológica, que ocorre após 7 a 10 dias. Essa lesão é focal e tal (SCP), a partir da qual várias fibras descendem a cada nível da
não causa risco significativo de formação cicatricial6,11. medula espinal até o corno dorsal. A SCP é ativada pela betaendorfi-
A RCR, quando atingida, diminui a ativação elétrica da placa mo- na, que é liberada pelas fibras nervosas descendentes do hipotálamo
tora afetada (pela diminuição da ação excessiva de acetilcolina), fato (mais precisamente o núcleo arqueado). O sistema descendente da
observado pela diminuição da atividade elétrica espontânea na zona SCP libera serotonina que estimula as células intermediárias a libe-
das bandas tensas21. rarem encefalina, a qual, por sua vez, inibe as células do corno dorsal
Outro provável efeito local é o alongamento das estruturas citoes- espinal, bloqueando a transmissão da dor. Outra via descendente da
queléticas, seguido de recuperação do comprimento normal dos SCP causa liberação de noradrenalina difusamente em todo corno
sarcômeros devido à diminuição da sobreposição dos filamentos de dorsal, gerando um efeito de bloqueio inibitório pós-sináptico das
actina e da miosina6,20. células de transmissão (Figura 1)23.
A pressão mecânica provocada pela agulha associada à sua rotação, A estimulação das fibras A delta parece ativar os sistemas inibitórios
polariza o tecido conjuntivo, que possui a característica intrínseca de descendentes mediados por uma relação sinérgica entre a serotonina
pisoeletricidade. Esse estresse mecânico transformado em atividade e a norepinefrina. A norepinefrina possui um efeito inibitório direto
elétrica parece auxiliar a remodelação tecidual6. sobre a membrana pós-sináptica das células de transmissão2.

Inibição da transmissão
Liberação de nociceptiva (corno dorsal
neuropeptídeos opioides da medula espinal)
Inserção • Betaendorfina = alívio da dor
da agulha
• Encefalina
Ativação da substância
• Dinorfina cinzenta periaquedutal

Figura 1. Efeitos extrassegmentares

257
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):255-60 Carvalho AV, Grossmann E, Ferreira FR, Januzzi E e Fonseca RM

Estudos mais recentes apontam que o AS aumenta o número de efeito analgésico e sedativo alcançado pode ser explicado pelo fenô-
opioides via sistema endocanabióide2. Esses canabinóides podem meno de controle inibitório nocivo difuso. Essa forma de agulha-
inibir a liberação de várias citocinas pró-inflamatórias diminuindo mento pode ser escolhida quando a área principal a ser tratada está
assim, a dor e a inflamação. muito sensível (hiperalgesia e/ou alodínea).

EFEITO PLACEBO TEMPO DE APLICAÇÃO E FREQUÊNCIA

A expectativa gerada por procedimentos terapêuticos é capaz de mo- Estudos não são conclusivos quanto ao melhor tempo de permanên-
dular a percepção da dor, mecanismo conhecido como “analgesia cia das agulhas em ambas as técnicas, e nem há consenso em relação
placebo”16. Exames de neuroimagem demonstram que áreas cere- à quantidade de sessões necessárias4. Na prática clínica há uma va-
brais como a substância cinzenta periaquedutal, amígdala, ínsula e riação de 5 até 30 minutos de duração4. Alguns autores indicam de
tálamo são recrutadas durante a analgesia placebo. Por isso, ressalta- 2 a 3 sessões para casos agudos e 3 a 5 sessões para casos crônicos1.
-se a consideração desses efeitos ao utilizar a técnica de AS4.
CONTRAINDICAÇÕES
TÉCNICA DE APLICAÇÃO
As contraindicações absolutas do AS são: fobia à agulha, áreas com
O AS pode ser utilizado com a técnica profunda (ASP) e a super- linfedema, urgências médicas, histórico de reação anormal a proce-
ficial (ASS). No ASP a agulha é inserida, através da pele, e se apro- dimentos anestésicos e estados de inconsciência, ou confusão men-
funda em direção ao centro do PGM. Quando o sinal de RCR é tal. Já as contraindicações relativas são: terapia com anticoagulante,
provocado, a técnica parece ser mais efetiva, provavelmente pela distúrbios vasculares, epilepsia, alergia ao metal da agulha, gravidez
rápida despolarização das fibras musculares envolvidas, associada à e em crianças1,11.
contração reflexa12.
Um estudo recente2 de revisão concluiu que a RCR não é um compo- CONTEÚDO
nente crucial no tratamento. O ASP atinge os receptores polimodais
das unidades motoras e, estudos sugerem que esses receptores são mais Estratégias de busca na literatura
efetivos em induzir analgesia do que os receptores cutâneos12,23. Esses Com a intenção de analisar criticamente as evidências científicas so-
receptores respondem a estímulos químicos, térmicos e mecânicos e bre o uso do AS no controle da dor muscular mastigatória e cervical,
podem gerar efeitos analgésicos efetivos quando estimulados pelo agu- foi realizada uma busca na literatura por livros em inglês, artigos
lhamento. O ASP está associado à diminuição na ativação das placas de revisão, estudos clínicos controlados randomizados ou quase-
motoras terminais envolvidas na redução da dor local e referida, ao -randomizados, encobertos, ou duplamente encobertos e estudos de
aumento da amplitude de movimento e à redução na concentração de séries de casos publicados em português ou inglês. Foram utilizadas
substâncias inflamatórias presentes no local do PGM20,24,25. as seguintes bases de dados: Cochrane, LILACS e Pubmed. Foram
Este pode ser realizado com diferentes formas de penetração da agu- selecionados artigos publicados no período de setembro de 1996
lha. Na técnica estacionária, a agulha é inserida no local desejado e a janeiro de 2017, recrutados após a utilização dos seguintes des-
mantida sem nenhuma manipulação extra. Na pistonagem, a agulha critores: agulhamento seco (dry needling) versus síndromes da dor
é inserida e parcialmente retirada, repetidas vezes, no ponto escolhi- miofascial (myofascial pain syndromes) versus síndrome da disfun-
do e ao redor dele. Outra forma de aplicação é realizar rotações da ção da articulação temporomandibular (temporomandibular joint
agulha, nos sentidos horário e anti-horário, mantendo-a fixa em um dysfuction syndrome) versus pontos-gatilho (trigger points) versus
mesmo ponto. Essa rotação parece ativar mais precisamente as fibras manipulações musculoesqueléticas (musculoskeletal manipulations)
C e os mecanorreceptores superficiais e profundos quando compa- versus músculo trapézio (trapezius muscle, superficial back muscles)
rada à pistonagem2. Acredita-se que a pistonagem seja mais efetiva versus músculo masseter (masseter muscle) versus músculo temporal
em provocar um relaxamento local das fibras musculares, porém (temporal muscle) versus músculo pterigoideo (pterygoid muscles)
está associada à maior número de efeitos adversos2. Já o modo esta- versus músculo digástrico (digastric muscle, neck muscles). Foram
cionário parece ser mais efetivo como analgesia12,24,26. Apesar dessas excluídos relatos de casos clínicos, estudos abertos “open-label”, es-
considerações, os estudos não são conclusivos sobre qual abordagem tudos em modelos animais e artigos não relacionados ao AS.
é mais eficaz. Após o cruzamento dos descritores e aplicação dos critérios de in-
No ASS a agulha é inserida no local do PGM, na camada subcutânea, clusão e exclusão, foram selecionados seis artigos cujos resultados
entre 5mm e 10mm de profundidade, numa angulação entre 20 e resumidos estão a seguir:
30°. Pode ser mantida fixa no local, ou serem realizados movimentos
de rotação da agulha. Por não penetrar no tecido muscular, não é es- Agulhamento seco em ponto-gatilho miofascial na região cervical
perada a RCR. O ASS apresenta a vantagem de ser menos doloroso Ong e Claydon27 em seu estudo de revisão sistemática, com meta-
que o ASP, além de ser indicado para aplicação em áreas consideradas -análise, teve como objetivo determinar a eficácia do AS, comparado
de risco como pulmões e grandes vasos. Estudos mostram que o ASS a outras técnicas (agulhamento com lidocaína e placebo) no trata-
é mais eficaz que o placebo em diminuir quadros dolorosos12. mento de PGM, na região cervical e do ombro. A escala analógica
O ASP ou ASS podem ser utilizados em músculos situados distal- visual (EAV) foi o instrumento de avaliação escolhido para mensurar
mente em relação ao PGM ativo em um mesmo dermátomo3. O a dor desses pacientes. Foi aplicada no início do tratamento, logo

258
O emprego do agulhamento seco no tratamento Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):255-60
da dor miofascial mastigatória e cervical

após o seu término, 1 e 6 meses após o tratamento. Foram encontra- receberam o ASP pela técnica de pistonagem. A EAV e a algometria
dos PGMA no músculo trapézio superior em todos os estudos, mas de pressão foram aplicadas imediatamente antes da 1ª intervenção e,
não houve referência a qual técnica do AS foi aplicada, e se houve novamente uma semana após a última intervenção. Os resultados do
aplicação em outros PGMA nas regiões analisadas. Concluíram que estudo apontaram diminuição da dor e, aumento no limiar de dor
o AS é tão efetivo quanto à aplicação de lidocaína nos PGM ativo à pressão em ambos os grupos. Outros estudos já citados também
e destacam as características do primeiro ser minimamente invasi- apontaram não haver diferença entre a técnica de AS e o agulhamen-
vo, de baixo custo e incorrer em menores efeitos adversos do que o to Sham (superficial).
anestésico local. Também citaram não haver diferença entre o AS e Gonzalez-Perez et al.32 realizaram um estudo com 48 pacientes que
o placebo. apresentavam quadro de dor miofascial mastigatória crônica, com
Ziaeifar et al.28 conduziram um estudo randomizado, com 33 pa- envolvimento do músculo pterigoideo lateral. Esse músculo, por ser
cientes, que também apresentavam PGM no músculo trapézio de difícil acesso para aplicação de outras técnicas como alongamento
superior. Os pacientes foram divididos em grupo padrão (n=17) e e massagem profunda, foi selecionado para receber a técnica de AS,
grupo experimental (n=16). O primeiro grupo recebeu a terapia de por via extraoral no grupo-teste (n=24). Foram realizadas 3 sessões,
digito pressão nos PGM e o segundo grupo, agulhamento seco (AS) uma vez por semana, totalizando 3 semanas. O grupo-controle re-
pela técnica de pistonagem. Foram realizadas 3 sessões em 1 semana cebeu terapia farmacológica com metocarbamol/paracetamol pres-
de tratamento. A EAV e o algômetro foram utilizados antes e depois critos a cada 6 horas, por 3 semanas33. A EAV e as mensurações de
de cada procedimento, para a mensuração da intensidade da dor e amplitude de movimento, como abertura bucal máxima, lateralida-
do limiar de dor à pressão. As medidas foram realizadas novamente 2 de e protrusão da mandíbula, foram mensuradas no início e ao final
dias após o término da 3ª sessão. Os resultados desse estudo sugerem do tratamento. Os autores concluíram que o AS foi mais eficaz em
que, tanto a digito pressão como o AS foram eficazes em reduzir reduzir a dor, e restaurar a amplitude dos movimentos mensurados
a dor e aumentar o limiar de dor à pressão, porém a diferença na do que o grupo tratado farmacologicamente.
medida da EAV no grupo que recebeu o AS foi significativamente
maior. Segundo o estudo, esse fato pode ser explicado pelo maior CONCLUSÂO
aporte sanguíneo e oxigenação local promovidos pelo AS.
Pecos-Martín et al.29 observaram, em uma pesquisa randomizada O diagnóstico da dor miofascial pode se apresentar como uma tarefa
com 73 pacientes com dor cervical unilateral, que os pacientes sub- difícil, uma vez que pode simular diferentes algias do sistema masti-
metidos ao AS sobre o PGM ativo do músculo trapézio inferior, gatório, desde uma odontalgia até uma dor neuropática trigeminal.
apresentaram redução significativa da intensidade da dor, aumento Isso pode ser minimizado frente a uma adequada anamnese, exame
do limiar de dor à pressão e diminuição do grau de incapacidade clínico envolvendo palpação muscular, além da própria experiência
quando comparados aos pacientes submetidos ao agulhamento no e treinamento profissional. A desativação dos PGM deve ser priori-
mesmo músculo só que a uma distância de 1,5cm do PGM ativo. dade na abordagem terapêutica da dor miofascial, já que é observada
melhora significativa da dor local e referida, quando essa é realizada.
Agulhamento seco em ponto-gatilho miofascial na musculatura Apesar de resultados favoráveis em estudos sobre o AS no tratamen-
mastigatória to da dor miofascial relacionada à DTM e à região cervical, ainda
Fernándes-Carnero et al.30 pesquisaram os efeitos do ASP, compa- faltam na literatura pesquisas com elevado nível de evidência que
rado ao placebo (falso agulhamento superficial) em 12 pacientes comprovem a eficácia e a eficiência dessa técnica. Essa é uma terapia
do sexo feminino com DTM, do tipo dor miofascial. O ASP e o minimamente invasiva, de baixo custo, segura e apresenta efeitos lo-
placebo foram realizados no PGM ativo do músculo masseter, em cais, segmentares, extrassegmentares e placebo. Diante do exposto,
2 sessões com 2 dias de intervalo entre eles. Um algômetro eletrô- pode-se recomendar seu emprego por diferentes profissionais da área
nico foi utilizado para mensuração do limiar de dor à pressão antes da saúde nos casos da dor miofascial.
da intervenção, 5 minutos depois e 1 semana após. A abertura bu-
cal máxima sem dor foi mensurada da mesma maneira. A técnica REFERÊNCIAS
utilizada no ASP foi a de pistonagem, realizada no PGM ativo do
1. Unverzagt C, Berglund K, Thomas JJ. Dry needling for myofascial trigger point pain:
músculo masseter, até que se obtivessem 5 repostas de contração rá- a clinical commentary. Int J Sports PhysTher. 2015;10(3):402-18.
pida localizada (RCR). Concluíram que o ASP no masseter foi mais 2. Butts R, Dunning J, Perreault T, Mourad F, Grubb M. Peripheral and spinal mecha-
nisms of pain and dry needling mediated analgesia: a clinical resourse guide for health
eficaz em aumentar o limiar de dor à pressão e em ganhar amplitude care professionals. Int J Phys Med Rehabil. 2016;4(2):2-18.
de abertura bucal sem dor, embora o grupo que recebeu o placebo 3. Vulfsons S, Ratmansky M, Kalichman L. Trigger point needling: techniques and ou-
tcome. Curr Pain Headache Rep. 2012;16(5):407-12.
também tenha obtido melhora nessas mensurações. 4. Dunning J, Butts R, Mourad F, Young I, Flannagan S, Perreault T. Dry needling: a literature
Outros autores31, após verificarem que os músculos masseter e review with implications for clinical practice guidelines. Phys Ther Rev. 2014;19(4):252-65.
temporal anterior são mais comumente afetados na dor miofascial 5. Lucas KR, Rich PA, Polus BI. Muscle activation patterns in the scapular positioning
muscles during loaded scapular plane elevation: the effects of latent myofascial trigger
mastigatória, conduziram um estudo randomizado, duplamente en- points. Clin Biomech. 2010;25(8):765-70.
coberto, comparativo entre a técnica de ASP e o agulhamento pla- 6. Dommertholt J, Grieve R, Layton M, Hooks T. Myofascial trigger points: an eviden-
ce-informed review. J Man Manip Ther. 2006;14(4):203-21.
cebo (Sham) nos PGM ativo desses músculos. Foram incluídos 52 7. Wrigth EF, North SL. Management and treatment of temporomandibular disorders: a
indivíduos (45 mulheres e 7 homens) em idades entre 18 e 57 anos, clinical perspective. J Man Manip Ther. 2009;17(4):247-54.
8. Fernández-de-las-Penas C, Ge HY, Alonso-Blanco C, González-Inglesias, Arendt-Niel-
divididos entre grupo estudo e controle. No grupo-estudo foram sen L. Referred pain areas of active myofascial trigger points in head, neck, and shoulder
realizadas 3 sessões com intervalo de 7 dias cada, onde os PGM ativo muscles, in chronic tension type headache. J Bodyw Mov Ther. 2010;14(4):391-6.

259
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):255-60 Carvalho AV, Grossmann E, Ferreira FR, Januzzi E e Fonseca RM

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260
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):261-5 ARTIGO DE REVISÃO

Nurses’ role in the non-pharmacological pain treatment in cancer patients


O papel da enfermagem no tratamento não farmacológico da dor de pacientes oncológicos
Nery José de Oliveira Junior1, Sandra Beatriz Silva de Oliveira1, Eliana Rustick Migowski1, Fernando Riegel1

DOI 10.5935/1806-0013.20170112

ABSTRACT CONTEÚDO: Revisão integrativa da literatura. Foram avalia-


das publicações científicas indexadas nas bases de dados Medline,
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Non-pharmacological Integrated Building Environmental Communications System, LI-
therapy is important and complements the pharmacological tre- LACS e Base de Dados em Enfermagem, acessadas por meio da
atment to relieve the pain and anxiety in many patients, and it Biblioteca Virtual em Saúde, em outubro de 2016. Seguindo os
is also classified as complementary and integrative therapy. The critérios de inclusão, selecionaram-se sete estudos com publica-
objective of this study was to describe the nurses’ role in non- ções entre 2006 e 2016. Os dados foram submetidos à análise de
-pharmacological pain management in cancer patients. conteúdo. Com base nessa análise, os artigos foram descritos em
CONTENTS: Integrative literature review. Scientific publica- três categorias: 1) a percepção do enfermeiro; 2) a percepção do
tions indexed in the Medline, Integrated Building Environmen- paciente; e 3) as ações de enfermagem.
tal Communications System, LILACS and Nursing databases, CONCLUSÃO: Evidenciou-se o fundamental e importante pa-
accessed through the Virtual Health Library in October 2016, pel da equipe de enfermagem no manuseio não farmacológico da
were evaluated. Following the inclusion criteria, seven studies dor do paciente oncológico. Tanto pacientes quanto familiares
were selected, published between 2006 and 2016. Data were devem participar de forma ativa do tratamento. Recomenda-se o
subjected to content analysis. Based on this analysis, the articles desenvolvimento de vínculos de confiança e eficaz comunicação,
were described in three categories: 1) the perception of nurses; 2) além da implementação de ações educativas envolvendo a tríade
the perception of the patient, and 3) nursing actions. paciente-família-equipe.
CONCLUSION: It was evident the fundamental and important Descritores: Cuidados de enfermagem, Manuseio da dor, Neo-
role of the nursing staff in the non-pharmacological pain mana- plasias, Percepção da dor.
gement in cancer patients. Both patients and family members
should actively participate in the treatment. It is recommended INTRODUÇÃO
the development of reliable and effective communication links,
in addition to the implementation of educational actions invol- O câncer pode ser definido como o crescimento descontrolado
ving the triad patient-family-team. das células que podem atingir diversas regiões do corpo. A doen-
Keywords: Neoplasia, Nursing care, Pain management, Percep- ça representa uma das principais causas de morte na população
tion of pain. mundial. Cerca de 8,2 milhões de pessoas morrem por ano no
mundo devido à doença, representando 13% das mortes globais.
RESUMO Além disso, estima-se um crescimento de 70% nos casos de cân-
cer nas próximas duas décadas1. Existem mais de 100 tipos de
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A terapia não farmacológi- câncer que exigem diagnósticos e tratamentos específicos. As re-
ca é importante e complementa o tratamento farmacológico no giões mais comumente atingidas nos homens são os pulmões, a
alívio da dor e da ansiedade em muitos pacientes, e também é próstata, o intestino (região colorretal), o estômago e o fígado;
classificada como terapia complementar e integrativa. O objetivo e nas mulheres, a mama, o intestino (região colorretal), os pul-
deste estudo foi descrever o papel da enfermagem no manuseio
mões, o útero e o estômago1.
não farmacológico da dor de pacientes oncológicos.
No Brasil, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da
Silva (INCA), estimou um aumento de quase 600 mil novos casos
de câncer em 2016. Segundo o Instituto, tal fato pode ser atribuí-
do, em parte, ao aumento da expectativa de vida, à urbanização e à
1. Centro Universitário FADERGS, Porto Alegre, RS, Brasil.
globalização. Com relação aos tipos de câncer no país, as maiores
incidências são os de pele não melanoma, próstata e mama2.
Apresentado em 25 de junho de 2017. A prevalência de dor em pacientes oncológicos aumenta com a pro-
Aceito para publicação em 31 de julho de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. gressão da doença. A dor é presente em cerca de 30% dos casos de
câncer durante o tratamento; e, nos casos nos quais houve a dissemi-
Endereço para correspondência:
Rua Luiz Afonso, 84 nação da doença, em torno de 60 a 90% dos pacientes apresentam
90050-310 Porto Alegre, RS, Brasil. dor. Por outro lado, em cerca de 80 a 90% dos casos, a dor pode
E-mail: nery.oliveirajr@gmail.com
ser completamente aliviada e um nível aceitável de alívio pode ser
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor alcançado na maioria dos outros casos3.

261
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):261-5 Oliveira Junior NJ, Oliveira SB, Migowski ER e Riegel F

Vivenciar o câncer traz consigo alterações importantes do cotidia- Para a extração de dados dos artigos incluídos, foi utilizado um ins-
no, que exigem reorganização pessoal e familiar nos âmbitos sociais, trumento construído para essa finalidade, título, autores, revista e
orgânicos, emocionais e espirituais. Nesse contexto, a enfermagem ano de publicação, tipo de pesquisa, local de pesquisa, objetivo, mé-
se insere na assistência a esses pacientes com o objetivo de visualizar todos, principais resultados e conclusão. O material foi agrupado
a necessidade dessa população, bem como de repensar um cuidado e comparado por similaridade de conteúdo. Foram construídas 3
direcionado para a problemática vigente4. categorias de análises: a percepção do enfermeiro, a percepção do
O controle e o alívio da dor são funções da equipe multiprofissio- paciente e as ações de enfermagem. As buscas realizadas nos bancos
nal. Como a equipe de enfermagem é a classe de profissionais que de dados eletrônicos resultaram em 2034 citações, sendo que nesse
permanece a maior parte do tempo próxima ao paciente, sendo res- número estavam incluídos estudos relacionados com a dor, e não
ponsável pelos seus cuidados, é evidente seu importante papel na somente no campo da enfermagem ou abordando tratamento não
avaliação e manuseio da dor de pacientes oncológicos, em especial, farmacológico.
o manuseio não farmacológico5. Considerou-se como pergunta de Dos 2034 artigos, 61 foram publicados entre 2006 e 2016, no idio-
pesquisa: os enfermeiros possuem conhecimento acerca do manu- ma português. Desses, 36 eram textos duplicados, restando 25 ci-
seio da dor com medidas não farmacológicas? Dessa forma, eviden- tações para análise de títulos e resumos. Dos 25 estudos, 10 foram
cia-se a importância do manuseio adequado da dor nessa classe de excluídos por não atenderem aos critérios de elegibilidade, restando
pacientes. 15 artigos para a análise de texto completo. Desses, sete atenderam
O objetivo deste estudo foi descrever o papel da enfermagem no aos critérios de elegibilidade previamente definidos e foram incluí-
manuseio não farmacológico da dor de pacientes oncológicos. dos neste estudo (Figura 1).
Os sete artigos incluídos foram publicados entre 2008 e 2015 e uti-
CONTEÚDO lizaram metodologia qualitativa, sendo que um deles é uma revisão
da literatura6. Os participantes incluíram enfermeiros e também pa-
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, com abordagem cientes oncológicos. Tais informações, assim como o objetivo e o
qualitativa, para identificação de manuscritos científicos sobre o local de realização de cada estudo, estão expostos na tabela 1.
papel da enfermagem no manuseio não farmacológico da dor de Conforme já descrito, com base nos resultados dos estudos incluí-
pacientes oncológicos. Para a realização do estudo, foram seguidos dos, foram organizadas três categorias: a percepção do enfermeiro, a
os seis passos para revisão integrativa, sendo eles: seleção da pergunta percepção do paciente e as ações de enfermagem. A tabela 2 sumari-
de pesquisa; definição dos critérios de inclusão de estudos e sele-
ção da amostra; representação dos estudos selecionados em formato
de tabelas; análise crítica dos resultados, identificando diferenças e Total de 2034 citações
conflitos; interpretação dos resultados a reportar, de forma clara, a Medline: 1896
IBECS: 27
evidência encontrada.
LILACS: 64
Para a seleção dos estudos, foi utilizada a busca de publicações in- BDENF: 47
dexadas nas bases de dados Medline (Medical Literature and Retrie-
val System on Line), IBECS (Integrated Building Environmental 2009 citações excluídas por:
publicações anteriores a 2006,
Communications System), LILACS (Literatura Latino-Americana outros idiomas que português
e do Caribe em Ciências da Saúde) e a Base de Dados em Enferma- e publicações duplicadas
gem (BDENF); acessadas por meio da Biblioteca Virtual em Saúde
(BVS), durante o mês de outubro de 2016. 25 citações para
análise de títulos
Para a busca dos artigos nas bases de dados, foram utilizados os e resumos
seguintes descritores em ciências da saúde (DeCS): «Avaliação em
Enfermagem», «Cuidados de Enfermagem», «Dor», «Medição da 10 citações com base em
Dor», «Percepção da Dor», «Manejo da Dor», «Neoplasias», «Can- análise de títulos e resumo
cerinismo». 15 citações para
Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: estudos en- análise de textos
volvendo pacientes oncológicos, incluindo a avaliação do papel da completos
enfermagem no manuseio não farmacológico do paciente oncoló-
8 citações excluídas por:
gico; incluindo somente pacientes adultos, todos os delineamentos não abordarem questões
de estudo, tais como ensaios clínicos randomizados, estudos obser- relacionadas ao manuseio não
vacionais, estudos qualitativos, caso controle, estudos transversais, farmacológico da dor pela
enfermagem (6 citações).
relatos de caso, revisões sistemáticas e meta-análise, e revisões da li- Não ser artigo científico
teratura; publicados entre 2006 e 2016, em português. Quanto aos (2 citações)
critérios de exclusão, consideraram-se ilegíveis para o estudo capítu-
los de livros, dissertações, teses e publicações com dados duplicados. 7 estudos incluídos
Para os estudos potencialmente elegíveis, foram buscados os textos
completos para avaliação minuciosa. Foram incluídos os estudos que Figura 1. Fluxograma de seleção dos estudos
atenderam os critérios de elegibilidade previamente estabelecidos. Fonte: os autores.

262
O papel da enfermagem no tratamento não Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):261-5
farmacológico da dor de pacientes oncológicos

Tabela 1. Características dos estudos incluídos


Autores Objetivos Delineamento dos Locais Participantes
estudos
Stübe et al.7 Apreender a percepção de enfermeiros que atuam em Estudo descritivo, Unidades de clínica oncológi- 7 enfermeiros
Oncologia, referente à dor do paciente e conhecer as qualitativo. ca, quimioterápica e radiote-
ações para seu manuseio. rápica de um hospital geral no
Rio Grande do Sul.
Rennó e Analisar a percepção dos pacientes de um ambulató- Estudo de caso qua- Unidade de alta complexida- 13 pacientes
Campos8 rio de oncologia acerca da comunicação interpessoal litativo exploratório. de em Oncologia do sul de oncológicos
profissional-paciente. Minas Gerais.
Macedo, Refletir sobre o gerenciamento da dor no pós-opera- Estudo descritivo, NA NA
Romanek e tório imediato de pacientes com câncer pela equipe qualitativo. Revisão
Avelar9 de enfermagem perioperatória. da literatura.
Fernandes Conhecer a percepção do enfermeiro diante do pa- Estudo qualitativo, Hospital que atende pacien- 9 enfermeiros
et al.10 ciente com câncer sob cuidados paliativos. exploratório. tes oncológicos em regime de
cuidados paliativos no municí-
pio de João Pessoa, Paraíba.
Waterkemper Revelar as concepções e contribuições de enfermei- Pesquisa qualitativa Unidade de Cuidados Paliati- 6 enfermeiras
e Reibnitz11 ras sobre a avaliação da dor em pacientes com câncer do tipo convergen- vos do Centro de Pesquisas
em cuidados paliativos, por meio de uma proposta de te-assistencial. Oncológicas (CEPON), em
educação no trabalho fundamentada nos pressupos- Florianópolis, Santa Catarina.
tos da educação problematizadora de Paulo Freire.
Leal et al.12 Conhecer e analisar os meios de avaliação e registros Pesquisa qualitativa.
realizados pelas enfermeiras no contexto da dor dos
pacientes oncológicos.
Nobre13 Identificar como os enfermeiros percebem a dor crô- Qualitativo, descriti-
nica em pacientes com câncer e analisar os cuidados vo, exploratório.
de enfermagem para esses pacientes.

za a distribuição dos artigos identificados nas categorias, seguido da sideração a individualidade, singularidade, estilo de vida, crenças e
descrição dos achados em cada uma delas. valores culturais7.
Com relação ao alívio da dor do paciente oncológico em fase ter-
Tabela 2. Distribuição dos artigos identificados nas categorias minal, enfermeiros relacionam o alívio da dor e do sofrimento à
Ordem da Nome da categoria Artigos incluídos qualidade de vida do paciente. Os cuidados paliativos promovem
categoria uma assistência integral, humanizada e multidisciplinar e visam mi-
Categoria 1 A percepção do en- Stübe et al.7 nimizar os anseios do paciente e da família e dar suporte terapêutico.
fermeiro Fernandes et al.10 Nesse contexto, a comunicação parece ser uma ferramenta de gran-
Waterkemper e Reibnitz11
Nobre13
de relevância em cuidados paliativos, por promover uma assistência
adequada para que o paciente chegue ao seu destino final com dig-
Categoria 2 A percepção do pa- Rennó e Campos8
ciente nidade10. Além disso, é importante ressaltar que a dor é entendida
como um estressor não somente para o paciente, mas também para
Categoria 3 As ações de enfer- Stübe et al.7
magem Macedo, Romanek e Avelar9 a equipe e familiares7.
Waterkemper e Reibnitz11
Leal et al.12 A PERCEPÇÃO DO PACIENTE

A PERCEPÇÃO DO ENFERMEIRO Para o paciente oncológico, parece ser um consenso a importância


da comunicação no intuito de promover conforto, acalmar, aliviar
A dor vivenciada pelo paciente oncológico vai além do âmbito fi- sintomas, diminuir angústias e equilibrar. Nesse sentido, a comuni-
siológico, estendendo-se para as dimensões psicológicas e sociais e cação inadequada ou ruidosa com o paciente pode provocar angús-
é percebida pelos enfermeiros por meio de relatos verbais, expressão tias, medos, ansiedade, entre outros sentimentos negativos, podendo
facial e pelo olhar7,11. A dor emocional, também chamada de dor provocar interferências na assistência8.
da alma, dor psicológica ou emocional ou espiritual, é também fre-
quentemente mencionada pelos enfermeiros. Trata-se de um aspecto AS AÇÕES DE ENFERMAGEM
imensurável, o qual pode manifestar-se por meio de mecanismos de
negação com relação ao diagnóstico e tratamento. Nesse contexto, a Com relação a minimizar a dor do paciente oncológico, o enfermei-
percepção da equipe de enfermagem referente às atitudes do pacien- ro deve estar capacitado a realizar a adequada avaliação do paciente
te oncológico é de notável importância, visto que pode contribuir a fim de identificar as causas da dor e possíveis condutas de enfer-
para o planejamento de ações rápidas e adequadas, levando em con- magem. No estudo de Stübe et al.7, as condutas mais identificadas

263
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):261-5 Oliveira Junior NJ, Oliveira SB, Migowski ER e Riegel F

foram a administração de analgésicos, especialmente os opioides, Sabe-se que a avaliação da dor é complexa por tratar-se de um sin-
assim como cuidados quanto à posologia, indicações, cumprimento toma subjetivo, influenciado não somente pelo processo fisiopato-
de horários, especialmente no domicílio do paciente e orientações à lógico, mas também pela emoção e pela cultura. Nesse contexto,
equipe de enfermagem. No mesmo estudo, foram também citadas organizações internacionais como a Joint Comission Acreditation of
outras condutas como aplicação de calor, mudanças de decúbito e Healthcare Organizations (JCAHO), a American Pain Society (APS)
estímulo à deambulação; além de atenção, carinho, cuidados indi- e a Organização Mundial de Saúde (OMS) propõem políticas de
vidualizados, medidas de conforto e proximidade com o paciente7. avaliação e tratamento embasadas na necessidade da implementação
Além disso, ressalta-se a importância do trabalho da equipe multi- sistemática de rotinas de avaliação e registro da dor em instituições
disciplinar favorecendo uma assistência integral ao paciente, assim de saúde. A APS sugere a incorporação da avaliação da dor como
como ações educativas junto a essa equipe e integração da família no a rotina de verificação dos sinais vitais, criando então a expressão
cuidado ao paciente oncológico7. Destaca-se a importância da busca “Dor: 5° Sinal Vital”, na tentativa de conscientizar os profissionais
por uma relação dialógica, que busque e saiba ouvir o paciente e sua da saúde para a importância da avaliação desse parâmetro16.
família, reforçada pelo vínculo e pela confiança entre o profissional Destaca-se também o papel de ações educativas junto à equipe mul-
e o paciente/família9,11. tiprofissional, por meio da conscientização sobre a importância de
Com relação às formas de avaliação da dor, estudo de Waterkem- se identificar causas geradoras de ruído, de luminosidade excessiva,
per e Reibnitz11 não identificou qualquer instrumento específico além de conversas paralelas, o que pode intensificar o desconforto e
para a avaliação da dor do paciente oncológico entre os enfermei- a dor do paciente no âmbito hospitalar17.
ros entrevistados; além disso, os itens identificados nos históricos Evidenciou-se também, neste estudo, o papel importante da co-
de enfermagem foram considerados pouco abrangentes. Logo, a municação no manuseio da dor do paciente oncológico. A comu-
avaliação da dor ocorre de forma individualizada e assistemática, nicação pode ser definida como um processo de compreensão e
sendo que a subjetividade é apontada como o maior obstáculo11. compartilhamento de mensagens e que pode interferir no com-
Macedo, Romanek e Avelar9 identificaram, por meio de uma re- portamento das pessoas envolvidas. Trata-se de uma competência
visão da literatura, a necessidade da utilização de instrumentos interpessoal fundamental no contexto da assistência de enferma-
específicos para a avaliação da dor, a fim de guiar o tratamento. gem, que permitirá o atendimento adequado das necessidades do
Todavia, não traz descrições de quais instrumentos deveriam ser paciente8. Na perspectiva do paciente, o equilíbrio no processo de
utilizados9. Com relação ao gerenciamento da dor do paciente saúde-doença e a humanização nas relações interpessoais foram al-
oncológico em período pós-operatório, revelou-se que o manu- cançados quando a comunicação foi estabelecida8. Diversas vezes,
seio, a sensibilidade e a percepção da equipe de enfermagem são a dor é manuseada de forma inadequada pela dificuldade de se
fundamentais9. ouvir a queixa do paciente11.
A dor vivenciada pelo paciente oncológico estende-se, além da dor A tríade paciente-família-equipe necessita ser construída com con-
fisiológica, para os âmbitos psicológicos, sociais e espirituais. A im- fiança e vínculo para o sucesso do tratamento. Diante da complexi-
plementação das condutas de enfermagem adequadas depende da dade e variabilidade dos problemas decorrentes do tratamento on-
sensibilidade e da perspicácia para a avaliação correta da dor, que cológico, devem-se considerar aspectos clínicos, sociais, psicológicos,
envolve ações farmacológicas e não farmacológicas. espirituais e econômicos associados ao câncer, bem como o cuidado
No contexto de ações farmacológicas para alívio da dor do paciente com o familiar7. A integração da família no cuidado do paciente
oncológico, a equipe de enfermagem deve estar apta para manipular oncológico é de extrema importância em diversas iniciativas visando
fármacos, especialmente os opioides. O gerenciamento adequado à minimização da dor, incluindo ações educativas quanto a cuidados
dos fármacos e materiais é de extrema importância e pode influen- domiciliares. A equipe de enfermagem deve estimular a família a ser
ciar diretamente nos desfechos clínicos do paciente, na redução de presente e ser ativa no processo de cuidar e no enfrentamento da
tempo de internação hospitalar e nos custos9,14. doença18.
Todavia, o controle adequado da dor envolve intervenções múltiplas,
a fim de se atuar nos diversos componentes da dor. Intervenções não CONCLUSÃO
farmacológicas compreendem um conjunto de medidas de ordem
educacional, física, emocional, comportamental e espiritual. Em ge- Os enfermeiros reconhecem a existência de medidas não farmacoló-
ral, são medidas de baixo custo e de simples aplicação, que podem gicas para o alívio da dor, porém as inúmeras demandas de trabalho
ser ensinadas aos pacientes e cuidadores. No entanto, é atribuição da em inúmeras frentes terminam por ocupar demasiadamente o tem-
enfermagem a escolha das intervenções para cada paciente, com base po de assistência desses profissionais, sendo as medidas farmacológi-
em uma avaliação adequada15. cas, em muitos casos, a primeira escolha para tratar a dor dos pacien-
No contexto da avaliação da dor, evidenciou-se, neste estudo, a tes. Das medidas não farmacológicas que podem ser empregadas e
falta de sistemáticas padronizadas por parte das equipes de enfer- que são de conhecimento dos enfermeiros para o tratamento da dor,
magem para a avaliação adequada da dor do paciente oncológico. destacam-se: orientações ao paciente no que se refere à posição antál-
Considera-se que essas ações possam ser aprimoradas mais especi- gica, apoio emocional, massagem, musicoterapia, Reiki, massagem
ficamente com o uso da Sistematização da Assistência de Enfer- relaxante, aplicação de calor ou frio, uso de coxins, imobilizações
magem (SAE)7. O processo de enfermagem é sistemático por con- mecânicas, dentre outras medidas podem ser implementadas pelos
sistir-se de cinco passos: investigação, diagnóstico, planejamento, enfermeiros, suas equipes e familiares, contribuindo decisivamente
implementação e avaliação16. para o alívio da dor dos pacientes internados.

264
O papel da enfermagem no tratamento não Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):261-5
farmacológico da dor de pacientes oncológicos

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265
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):266-9 RELATO DE CASO

Experience with women with fibromyalgia who practice zumba. Case reports
Experiência de mulheres com fibromialgia que praticam zumba. Relato de casos
Joyce Thalita Medeiros de Araújo1, Camila Fernandes Rocha1, Gydila Marie Costa de Farias1, Rafaela da Silva Cruz1, José Cortez
Assunção Júnior1, Hugo Jario de Almeida Silva1, Marcelo Cardoso de Souza1

DOI 10.5935/1806-0013.20170113

ABSTRACT evidência que o padrão-ouro para o tratamento não farmacoló-


gico dessa doença é o exercício aeróbico. O objetivo deste estudo
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Different types of exer- foi coletar relatos de experiência de pacientes com fibromialgia
cises are being used for the treatment of fibromyalgia, such as ae- que praticaram três meses de dança (Zumba), e tiveram que sus-
robic, resistance, flexibility exercises and body awareness therapy, pender a dança por três meses devido ao recesso da atividade
but there is strong evidence that the gold standard for the non- acadêmica no final de 2016 e início de 2017.
-pharmacological treatment of this disease is the aerobic exercise. RELATO DOS CASOS: Este é um estudo de abordagem quali-
The objective of this study was to collect reports of patients with tativa, sobre um relato de experiência de 16 mulheres com fibro-
fibromyalgia who practiced three months of dance (Zumba) and mialgia, que realizaram três meses de zumba no segundo semes-
had to stop dancing for three months due to the recess of the tre de 2016. Os relatos foram coletados no retorno das atividades
academic activity at the end of 2016 and beginning of 2017. em março de 2017, desse modo, as pacientes ficaram três meses
CASE REPORTS: This is a qualitative study about the experien- sem a intervenção durante o recesso acadêmico. Os relatos das
ce of 16 women with fibromyalgia, who participated in Zumba pacientes foram escritos por elas em uma folha, respondendo três
class for three months in 2016. The reports were collected when perguntas. De acordo com os relatos foi percebido que a zumba
they resumed their dance activities in March 2017. Therefore, trouxe vários benefícios para essas pacientes, como alívio da dor,
the patients remained with no intervention for three months, melhora na qualidade do sono, autoestima e desempenho físico.
during the academic recess. The patients wrote their reports on CONCLUSÃO: Baseado nos relatos das pacientes, podemos
a sheet of paper, answering three questions. According to the re- concluir que a zumba como intervenção realizada por três me-
ports, we noticed that Zumba brought several benefits for these ses, produziu efeitos positivos na melhora da dor, da capacidade
patients, such as pain relief, improved sleep quality, self-esteem funcional e da qualidade de vida de mulheres com fibromialgia.
and physical performance. Descritores: Exercício aeróbico, Fibromialgia, Zumba.
CONCLUSION: Based on patients’ reports we can conclude
that Zumba, as a three-month intervention, produced positive INTRODUÇÃO
effects in improving pain, functional capacity, and quality of life
of women with fibromyalgia. A fibromialgia (FM) é uma doença crônica e dolorosa de etiopato-
Keywords: Aerobic exercise, Fibromyalgia, Zumba. genia multifatorial complexa, não totalmente conhecida. O princi-
pal sintoma encontrado nesses pacientes é a dor em vários pontos
RESUMO dolorosos (Tender Points) espalhados pelo corpo, por no mínimo
três meses. Sua prevalência no Brasil é de 2,5% acometendo prin-
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Diferentes tipos de exercí- cipalmente as mulheres, com pico de ocorrência entre 30 e 50 anos
cios estão sendo usados para o tratamento da fibromialgia, tais de idade1-5.
como, o exercício aeróbico, treinamento resistido, exercício de Algumas pesquisas das últimas décadas relatam que existem inúme-
flexibilidade e terapia de consciência corporal, mas existe forte ros fatores na fisiopatologia da FM, incluindo alterações no cérebro
e sua estrutura, função neural, fisiologia muscular, fatores hormo-
nais, e influências genéticas. Uma evidência crescente mostra que
pessoas com FM vivenciam a dor de forma diferente da geral, devido
1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi, ao processamento disfuncional da dor no sistema nervoso central6.
Curso de Fisioterapia, Santa Cruz, RN, Brasil.
Seus sintomas são inúmeros e podem estar associados à fadiga, dis-
Apresentado em 29 de abril de 2017. túrbios do sono, sintomas cognitivos1, ansiedade, depressão, além
Aceito para publicação em 26 de julho de 2017. de alguns casos apresentarem sintomas gastrintestinais (síndrome
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: PROEX/UFRN pelo Financiamento
Interno (edital UFRN/PROEX número 011/2015 – Projetos de Extensão para 2016). do intestino irritável) e somatossensoriais (hiperalgesia, alodínea,
parestesia).Todos esses sintomas afetam a qualidade de vida (QV)
Endereço para correspondência:
Rua Vila Trairi, S/N – Centro do indivíduo de forma negativa, interferindo na qualidade do sono,
59200-000 Santa Cruz, RN, Brasil. na capacidade de realizar atividades da vida diária, na produtividade
E-mail: marcelocardoso@facisa.ufrn.br
no trabalho, impacta na dinâmica familiar, além de prejudicar a in-
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor dependência do indivíduo6.

266
Experiência de mulheres com fibromialgia que Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):266-9
praticam zumba. Relato de casos

As mulheres com FM têm demonstrado ter capacidade física pre- energético e promovendo melhoras na postura, no sistema cardio-
judicada e também demonstram ser fisicamente menos ativas em vascular, fortalecimento osteomioarticular e aptidão física9.
comparação com pessoas saudáveis, tendo impacto na QV dessas O objetivo deste estudo foi descrever relatos de experiência de pa-
pessoas4. cientes com FM que praticaram três meses consecutivos de dança
Portanto, para que o tratamento da FM seja benéfico e com mais no ritmo zumba em 2016, e tiveram que suspender a dança por três
resultados positivos é necessária uma abordagem multidisciplinar, meses devido ao recesso das atividades acadêmicas, no final de 2016
que envolva desde a educação do paciente quanto à doença, o tra- e início de 2017.
tamento farmacológico, prática de exercícios físicos e terapia com-
portamental, para que contemple todas as necessidades sentidas por RELATO DOS CASOS
esses pacientes4.
Diferentes tipos de exercícios estão sendo usados para o tratamento Estudo de abordagem qualitativa, realizado com 16 mulheres com
da FM tais como o exercício aeróbico, treinamento resistido, exercí- FM, que participaram três meses consecutivos de zumba no segun-
cio de flexibilidade e terapia de consciência corporal4. do semestre do ano de 2016. Os relatos foram coletados no retorno
O exercício aeróbico comparado com outros tipos de exercícios tem das atividades em março de 2017, desse modo, as pacientes ficaram
mostrado maior efeito positivo na QV das pessoas, apresentando três meses sem a intervenção durante o recesso acadêmico.
melhora na dor, estado depressivo, distúrbios de ansiedade, estado O estudo foi realizado na Clínica Escola de Fisioterapia da Faculda-
mental e função física. Um estudo demonstrou que o movimento de de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA) da Universidade Fede-
do corpo, com exercícios de baixo impacto, associado à percepção, ral do Rio Grande do Norte (UFRN), localizada na cidade de Santa
trouxe benefícios quanto à percepção corporal, melhora da dor, re- Cruz, interior do Rio Grande do Norte.
laxamento, podendo reduzir os números de pontos dolorosos e con- Este estudo surgiu a partir do projeto de extensão “Zumbafibro: dan-
traturas musculares7. ça e arte na promoção de saúde em mulheres com fibromialgia”, realiza-
De acordo com a EULAR (Liga Europeia Contra o Reumatismo) do em 2016 na FACISA/UFRN, e renovado para 2017, a partir da
em uma de suas revisões, o exercício aeróbico foi associado com me- necessidade de agilizar o atendimento da alta demanda de pacientes
lhora na dor e na função física de pacientes com FM. Existe uma com FM que se encontravam na lista de espera da Clínica Escola de
forte evidência que o exercício aeróbico é o padrão-ouro para o tra- Fisioterapia da mesma instituição.
tamento dessa doença8. As pacientes incluídas no projeto tinham encaminhamento médico
Atividade física é qualquer movimento do corpo realizado pelos com hipótese diagnóstica de FM. Foram submetidas a duas sessões
músculos, que gere um aumento do gasto energético. O exercício semanais de dança zumba por três meses, durante o segundo semes-
é uma atividade física de forma programada, elaborada e repetitiva, tre de 2016, ministrada por uma aluna com formação na área. As
portanto a dança é classificada como um tipo de exercício físico7. sessões eram realizadas em uma sala ampla com ar condicionado.
A dança é uma forma envolvente e agradável de atividade física, que Foram excluídas pacientes com hipertensão arterial não controlada;
quando realizada em grupo fica mais atraente e dinâmica, devido doença cardiorrespiratória descompensada; história de síncopes ou
à realização dos movimentos em conjunto, troca de laços e experi- arritmias induzidas por exercício físico; diabetes descompensado;
ências. Promove também maior motivação para o exercício, maior doenças psiquiátricas graves; história de exercício físico regular (pelo
atenção e capacidade cognitiva, devido ao aumento das conexões menos 2 vezes por semana), nos últimos 6 meses, qualquer outra
neurais e do fluxo sanguíneo e tem efeitos favoráveis sobre o humor6. condição que impossibilitasse a paciente de realizar exercícios físicos
Além disso, contribui para o treinamento físico do equilíbrio, co- e viagem planejada nas próximas 12 semanas.
ordenação, força, flexibilidade, capacidade aeróbica e propriocep- O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fa-
ção. A dança também oferece estimulação auditiva, visual, senso- culdade de Ciências da Saúde do Trairi, sob parecer nº 1.933.939,
rial e aprendizagem motora, tudo unido em um único ambiente conforme Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde,
de aprendizagem que estimula a plasticidade. Estudos avaliaram e e todas as pacientes leram e assinaram o Termo de Consentimento
sugerem que a dança alivia os sintomas da FM6. Livre e Esclarecido (TCLE).
Um tipo de dança que vem crescendo e ganhando espaço na atuali- A tabela 1 apresenta as características sociodemográficas das pacientes.
dade é a zumba, sendo praticada em mais de 120 países no mundo.
A zumba é um tipo de dança inspirada nas músicas e danças latino- Tabela 1. Características das pacientes na avaliação inicial
-americanas, que une um pouco de outros ritmos de danças, como a Variáveis Média
salsa, samba, merengue, reggeaton entre outros ritmos. São realizados Idade (anos) 51,5
passos aeróbicos básicos, com conjunto de passos da dança do ven-
Tempo de diagnóstico da doença (anos) 5
tre, hip-hop e outros9.
Os praticantes da zumba sentem-se envolvidos com os ritmos, os Índice de massa corporal (kg/m )2
27,82
movimentos e as coreografias que são de fácil aprendizagem, não
existe um conceito de movimento certo ou errado, cada indivíduo Durante o retorno das atividades do projeto em março de 2017, as
dança no seu tempo e ritmo, deixando se envolver ao som da músi- 16 mulheres com FM responderam três perguntas. O intuito foi
ca, portanto não são necessárias habilidades específicas para dançar a analisar como elas se sentiram sem a dança durante o recesso de
zumba10. Esse ritmo faz a associação dos princípios básicos do treina- três meses. As perguntas foram feitas individualmente e as respostas
mento físico aeróbico e fortalecimento, gerando aumento do gasto escritas em uma folha. Os resultados encontram-se na tabela 2.

267
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):266-9 Araújo JT, Rocha CF, Farias GM, Cruz RS,
Assunção Júnior JC, Silva HJ e Souza MC

A primeira pergunta foi realizada com o objetivo de entender como Tabela 4. O que você acha que melhorou depois da zumba?
as pacientes se sentiram durante o tempo prolongado sem a zumba. “Melhorou as dores e o sono”
A segunda pergunta foi realizada com o objetivo de compreender o
“Melhorou as dores”
real significado da dança zumba para as pacientes (Tabela 3).
A pergunta 3 foi realizada com o objetivo de descobrir a opinião das “Reduziu as dores e melhorou a autoestima”
pacientes em quais aspectos da doença a zumba apresentou alguma “Melhorou o sono, a disposição e ajudou a reduzir a pressão arterial”
melhora (Tabela 4).
“Melhorou o desempenho físico, a disposição, o sono e as dores”

“Melhorou a disposição, a dor e o andar”


Tabela 2. Como você se sentiu nesses três meses de recesso, sem
praticar zumba? “Durmo bem, alivia as dores”
“Senti-me muito ruim, com muita tensão e dor” “Fico com mais força, mais energia para realizar as atividades, dur-
mo bem”
“Muito cansada e com muitas dores”
“Me sinto mais disposta, diminui as dores e melhore minha auto-
“Senti-me muito mal”
estima”
“Me senti mal, e com muita dor”
“Melhorou as dores, sinto as articulações menos rígidas e menos
“Cheia de dores e senti falta de dançar Zumba” cansaço”

“Senti-me mal, tive crises com muitas dores” “Sinto-me mais estimulada”

“Terrível, muitas dores” “Melhora a autoestima, diminui as dores”

“Senti falta de dançar, muitas dores, piorou” “Emagreci e diminuiu as dores”

“Senti um pouco de dor” “Alivia as dores e melhorei muito”

“Senti muita dor, e fiquei desanimada” “Diminuiu as dores nos ossos”

“Senti-me muito mal” “Melhorou as dores, o sono”


Respostas das pacientes em relação a pergunta 3.
“Senti muita dor sem a Zumba”

“Senti-me mal, não tenho como pagar particular”


DISCUSSÃO
“Senti-me muito ruim sem fazer os exercícios”
Respostas das pacientes em relação a pergunta 1.
Como se pode perceber nos relatos das pacientes, a zumba interfere
positiva e diretamente na vida de cada uma delas, abrangendo vários
Tabela 3. Qual a importância da zumba para você? aspectos da melhora da dor, da QV e da funcionalidade.
“Importante, pois melhora a qualidade de vida” Em relação à primeira pergunta que se refere a como elas se senti-
“Acho importante, me sinto bem”
ram nos três meses de recesso sem praticar zumba, relataram que
sentiram falta da dança, sentiram-se pior sem dançar, mais cansadas,
“Importante, melhora minha autoestima” as dores aumentaram significativamente, se sentiram mais tensas e
“Muito importante, me ajuda a relaxar” também interferiu na autoestima.
A literatura mostra que os exercícios aeróbicos realizados em grupo
“Muito importante, me sinto feliz”
além de apresentarem melhoras na função física, também favorecem
“Muito importante, para socializar e fazer novas amizades” melhora no aspecto emocional desses pacientes, pois ocorrem altera-
“Muito importante, amo a zumba”
ções neuroendócrinas como o aumento da serotonina, o que resulta
na melhora do humor11. Além disso, as atividades em grupo aumen-
“Me acho melhor com a zumba, relaxo” tam a adesão dos pacientes, pois ocorre a criação de laços afetivos,
“É tudo” compartilhamento de experiências com relação à doença, e a atividade
torna-se mais dinâmica. Um estudo realizado em pacientes com FM
“Tudo de bom, adoro”
para avaliar os efeitos de um programa de condicionamento físico
“Alivia muito minhas dores, me sinto mais leve” supervisionado como a academia, observou que houve aumento da
“Sinto-me muito bem” capacidade funcional, melhora da dor e da QV dos participantes11.
Na segunda pergunta realizada que aborda a importância da zumba
“Sinto-me mais corajosa e com mais autoestima” para as pacientes, foi possível observar nas respostas relatadas que
“Muito importante, eu gosto muito e me sinto bem” a zumba é de extrema relevância para a QV dessas pessoas. Com a
zumba, elas se sentem melhores, mais relaxadas, com melhor autoes-
“É bom demais, alivia mais as dores”
tima, se sentem mais corajosas e com alívio das dores.
“É importante, porque ajuda muito, me sinto leve” A literatura corrobora esses resultados mostrando que alguns estu-
Respostas das pacientes em relação a pergunta 2. dos que realizaram exercícios aeróbicos em solo, verificaram que as

268
Experiência de mulheres com fibromialgia que Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):266-9
praticam zumba. Relato de casos

pacientes apresentaram efeitos antidepressivo, relaxante e redução da dalidade de exercício é aquela na qual o paciente sente maior prazer
dor nos pontos dolorosos12. e redução dos sintomas durante e após a sua realização14.
Com relação à terceira pergunta realizada, pode-se observar que a
zumba foi efetiva na melhora relatada em diversos aspectos da vida CONCLUSÃO
dessas pacientes, tendo principal enfoque no alívio das dores, além
de melhorar a qualidade do sono, a autoestima, o desempenho físi- A zumba como intervenção, realizada por três meses, produziu efei-
co, e elas relataram que se sentem mais dispostas praticando a zum- tos positivos na melhora da dor, da capacidade funcional e da QV,
ba. Um estudo mostra que o exercício praticado de maneira regular segundo o relato de mulheres com FM.
promove melhora do condicionamento físico, propicia uma sensa- O estudo apresenta limitações como pequeno número amostral,
ção geral de bem-estar que resulta na redução da sensação de alguns falta de um grupo controle, embora tenha sido escolhido realizar
sintomas da FM e aumenta a QV desses pacientes13. somente um relato de experiência com as pacientes que participaram
A inatividade física leva pacientes com FM à um declínio funcional do projeto de extensão.
geral, havendo diminuição da resistência muscular e da função car-
diorrespiratória. Esses fatores alteram o desempenho funcional pre- AGRADECIMENTOS
judicando a realização das atividades de vida diária (AVD)11.
O exercício atualmente mais prescrito e com resultados bastante satisfa- Agradecemos a PROEX/UFRN pelo Financiamento Interno (edi-
tórios é o exercício aeróbico que produz efeitos na diminuição da dor, tal UFRN/PROEX número 011/2015 – Projetos de Extensão para
melhora do sono, humor, cognição e melhora geral no bem-estar11. 2016).
Um plano de exercícios físicos apropriados e realizados de manei-
ra regular melhora a coordenação motora e outras capacidades fí- REFERÊNCIAS
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Um estudo realizado com 80 mulheres com FM que faziam aulas de Desporto da Universidade do Porto; 2014.
11. Cunha IM. Benefícios do exercício aeróbio em indivíduos portadores de fibromialgia:
dança do ventre mostrou resultados satisfatórios, houve melhora na uma revisão sistemática. Rev Bras Prescr Fisiol Exerc. São Paulo. 2013;7(38):123-30.
dor, sono, capacidade funcional e autoimagem das pacientes, além 12. Buenoa CR, Abreua FM, Piresb NG, Silva RD. Exercício físico e fibromialgia. Cad
disso, por ser uma forma de terapia mais lúdica houve melhora da Ter Ocup UFSCar, São Carlos. 2012;20(2):279-85.
13. Ferreira G, Martinho GU, Tavares CF. Fibromialgia e atividade física: reflexão a partir
QV e maior aderência das pacientes7. de uma revisão bibliográfica. SALUSVITA, Bauru. 2014;33(3):433-46.
Acredita-se que os exercícios físicos devam ser prescritos de acordo 14. Carvalho PM, Pereira KC. A atividade física na melhora da qualidade de vida em
pacientes portadores de fibromialgia. Rev Div Cient Sena Aires. 2014;(1):47-56.
com a individualidade de cada paciente e serem programados para se 15. Jones KD. Recommendations for resistance training in patients with fibromyalgia.
obter resultados positivos. É importante lembrar que a melhor mo- Arthritis Res Ther. 2015;17:258.

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):270-4 RELATO DE CASO

Program of combined physical exercise reduces the perception of pain


in a patient with sickle cell anemia. Case report
Programa de exercício físico combinado reduz a percepção da dor em paciente com anemia
falciforme. Relato de caso
Renata Botelho1, Ricardo Luís Fernandes Guerra1,2, Vânia D’Almeida3, Alessandra Medeiros1,4

DOI 10.5935/1806-0013.20170114

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Sickle cell anemia is JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A anemia falciforme é uma
one of the most common hereditary hematological disease in the das doenças hematológicas hereditárias mais frequentes no mun-
world. Among many clinical manifestations, the main characte- do. Dentre as diversas manifestações clínicas, a principal caracte-
ristic of this disease is the painful crises. Considering the increa- rística dessa doença são as crises dolorosas. Considerando o cres-
sing number of individuals with sickle cell anemia in Brazil, the cente número de indivíduos com anemia falciforme no Brasil, o
increase in life expectancy of these individuals, who are advised aumento da expectativa de vida desses indivíduos, e que ainda
to restrict physical activity, it is important to investigate this sub- recebem orientação para restringirem práticas de esforços físicos,
ject since exercises have been listed as relevant in health promo- investigações sobre o tema se tornam relevantes, uma vez que o
tion. The objective of this study was to analyze the perception exercício físico tem sido elencado como estratégia na promoção
of pain, some physiological responses and the quality of life of a da saúde. O objetivo deste estudo foi analisar a percepção da
patient with sickle cell anemia undergoing a program of physical dor, algumas respostas fisiológicas e a qualidade de vida de uma
exercises (aerobic and resistance). portadora de anemia falciforme submetida a um programa de
CASE REPORT: Female patient, 56 years old, diagnosed with exercício físico combinado (aeróbio e resistido).
sickle cell anemia as a child, and in the course of this research did RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 56 anos de
not make routine use of drugs in the control of the disease. On idade, diagnosticada com anemia falciforme quando criança, e
physical and ergo-spirometric examination, and during four-mon- no decorrer desta pesquisa não fez uso rotineiro de fármacos para
th of combined exercise, she did not present critic clinical condi- o controle da doença. No exame físico e ergoespirométrico, e
tion, only some characteristic difficulties such as musculoskeletal durante o período de intervenção de quatro meses de exercício
pain, low cardiorespiratory resistance, and early fatigue. físico combinado, não apresentou quadro clínico crítico, apenas
CONCLUSION: The results suggested that a program of com- algumas dificuldades características, como: dores osteomuscula-
bined and regular exercises produced important changes in the res, baixa resistência cardiorrespiratória e fadiga precoce.
patient, in several aspects related to her health, including the CONCLUSÃO: Os resultados sugeriram que um programa de
reduction of musculoskeletal pain and increased general physical exercício físico combinado e regular produziu alterações impor-
fitness, contributing to the improvement of the perception of tantes para a paciente, em diferentes aspectos relacionados à sua
quality of life. saúde, dentre elas destacam-se a diminuição da dor osteomuscu-
Keywords: Health promotion, Musculoskeletal pain, Physical lar e aumento da aptidão física geral, contribuindo para a melho-
exercise, Physiology, Quality of life, Sickle cell disease. ra da percepção da qualidade de vida.
Descritores: Anemia falciforme, Dor musculoesquelética, Exer-
cício físico, Fisiologia, Promoção da saúde, Qualidade de vida.
1. Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, Programa de Pós-Gradua-
ção Interdisciplinar em Ciências da Saúde, Santos, SP, Brasil. INTRODUÇÃO
2. Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, Departamento de Ciências
do Movimento Humano, Santos, SP, Brasil.
3. Universidade Federal de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia, São A anemia falciforme (AF) é uma hemoglobinopatia decorrente da
Paulo, SP, Brasil. troca de um ácido glutâmico por uma valina na sexta posição da beta-
4. Universidade Federal de São Paulo. Campus Baixada Santista, Departamento de Biociên-
cias, Santos, SP, Brasil.
globina, dando origem à hemoglobina S (HbS). O gene responsável
por codificar essa proteína está localizado no cromossomo 11. Em si-
Apresentado em 05 de abril de 2017. tuações de ausência ou diminuição da tensão de oxigênio, a HbS sofre
Aceito para publicação em 17 de julho de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. polimerização, alterando a morfologia das hemácias (falcização), as
quais carreiam menos oxigênio e apresentam dificuldades em circular
Endereço para correspondência:
Unidade I, Av. Ana Costa, 95 - 1° Andar - Vila Mathias adequadamente pelos pequenos vasos sanguíneos, resultando em obs-
11060-001 Santos, SP, Brasil. trução do fluxo sanguíneo capilar e sua própria destruição precoce1.
E-mail: renatabotelho2@gmail.com
AF é uma das doenças hematológicas hereditárias mais frequentes
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor no mundo. No Brasil, tem importância epidemiológica significativa

270
Programa de exercício físico combinado reduz a percepção da Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):270-4
dor em paciente com anemia falciforme. Relato de caso

em virtude da prevalência, de 2 a 8% da população, e da morbi- junto à família, para maior compreensão sobre a doença, os sinais de
mortalidade que apresenta e por isso, tem sido apontada como uma gravidade e as medidas adequadas para prevenção e tratamento das
questão de saúde pública2. Contudo, devido aos avanços no trata- crises. No decorrer desta pesquisa e nos seis meses anteriores, ela não
mento, a taxa de mortalidade infantil diminuiu significativamen- fez uso rotineiro de fármacos para controle da doença, apenas rela-
te nas últimas décadas, porém, o número de adultos com AF com tou o uso nas crises dolorosas. No teste de hemoglobina apresentou
complicações tardias aumentou3. anemia moderada (9,7 g/dL), segundo a Organização Mundial de
O mecanismo fisiopatológico da doença pode acarretar diversas ma- Saúde (OMS)15. No exame físico e ergoespirométrico, não apresen-
nifestações clínicas agudas e crônicas, como: síndrome torácica agu- tou quadro clínico crítico (úlceras, infecções bacterianas e demais
da, hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca e acidente vascular complicações renais, oftalmológicas, neurológicas, cardiovasculares
cerebral4. Dentre as manifestações características da doença, as crises e pulmonares)16, apenas algumas dificuldades características da do-
de dor vaso-oclusiva são frequentes, promovendo dor nos ossos, nos ença, como: dores osteomusculares (principalmente nos membros
músculos e nas articulações, resultantes da obstrução da microcircu- inferiores e na região lombar), baixa resistência cardiorrespiratória e
lação pelos eritrócitos falciformes5. fadiga precoce no teste ergoespirométrico. No mais, levava uma vida
O esforço físico intenso é um dos fatores que pode contribuir para fisicamente ativa de acordo com dados obtidos pelo International
esse processo6, podendo agravar as complicações e ocasionar a morte Physical Activity Questionnaire (IPAQ).
súbita nesses pacientes. No entanto, estudo de Harmon et al.7 ob- Antes do início das atividades, foram aplicados os questionários de
servou que o número absoluto de óbitos em pessoas com AF, devido dor (Inventário Breve de Dor - BPI)17 e nível de atividade física pelo
ao exercício físico (EF), é pequeno e que a mortalidade ocorreu com IPAQ, forma Curta)18, foram realizadas avaliações antropométricas
praticantes de EF intenso. Desse modo, existem algumas recomen- (massa corporal, estatura e índice de massa corporal - IMC), e os
dações para a prática de EF, a fim de diminuir os riscos e agravos na testes de aptidão física (flexibilidade de membro superior e inferior,
doença, como: controle da intensidade e duração do exercício e da coordenação motora, agilidade, força de membro superior, inferior
hidratação durante a sua realização8,9. Seguindo as recomendações, o e abdominal e equilíbrio estático)19. Para mensuração da capacida-
estudo de Barbeau et al.10 demonstrou que o EF regular em intensi- de cardiorrespiratória foi realizado o teste de ergoespirometria em
dade moderada (60-75%) pode diminuir o risco de reação inflama- esteira rolante, sendo adotado o protocolo de Bruce adaptado, com
tória relacionada ao exercício, e aumentar a reserva vasodilatadora, carga progressiva até a exaustão voluntária máxima. Durante o teste
diminuindo os riscos de crise vaso-oclusiva. foi realizado o acompanhamento da frequência cardíaca (FC), por
As deficiências sistêmicas causadas pela doença podem levar a um meio de um frequencímetro (POLAR® T31), da pressão arterial (es-
estilo de vida mais sedentário, que por sua vez pode resultar em uma figmomanômetro e estetoscópio Premium) e da percepção subjetiva
perda global de força muscular e capacidade cardiorrespiratória. Ivo de esforço (PSE-Escala de Borg)20. Ainda nas avaliações, foi mensu-
e de Carvalho11 relataram que pacientes com AF apresentaram disp- rado o nível de hemoglobina, por meio da coleta sanguínea capilar e
neia ao caminhar, subir as escadas ou rampas, ou realizando ativi- análise por hemoglobinômetro (Agabe®).
dades físicas vigorosas, o que indica uma perda da capacidade fun- Além disso, para análise do efeito pré e pós-programa de EF na QV
cional nessa população. Em virtude dessas alterações, limitações e da paciente (caráter qualitativo), foi elaborada uma entrevista se-
dores, é comum também ocorrer um impacto variável na qualidade miestruturada, objetivando a autopercepção de melhoras ou pioras
de vida (QV) desses pacientes12. em relação a: dores, sono, humor, autoestima, saúde, prazer, estímu-
Em consequência dos riscos inerentes da prática de EF mal orienta- lo, postura e exercícios.
do, e informações ainda insipientes na literatura científica, profissio- O programa de EF adotado teve duração de quatro meses (48 ses-
nais ainda relutam em recomendar o EF. Estudos sobre os efeitos do sões). O treinamento ocorreu de forma combinada (aeróbio e resis-
EF em pacientes com AF relataram efeitos benéficos na dor, na força tido na mesma sessão)21, e a sobrecarga foi aplicada de acordo com
e na QV em crianças13,14. Porém, pouco se conhece sobre os possí- os resultados obtidos nos testes e pela PSE no decorrer do programa.
veis efeitos em adultos, especialmente, do EF combinado. Conside- Foram realizadas três sessões semanais de 60 minutos cada, compos-
rando o crescente número de casos de AF no Brasil, o aumento da ta por 30 minutos de treinamento aeróbio (realizada na FC entre o
expectativa de vida desses indivíduos e a progressiva diminuição da limiar anaeróbio um e o limiar anaeróbio dois [110-125 bpm]) e
capacidade funcional devido às complicações, especificamente as cri- 30 minutos de treinamento resistido, com a realização de três séries,
ses dolorosas, investigações sobre o tema se tornam relevantes, tanto de 10 a 12 repetições, para os grandes grupos musculares, sendo
para pacientes que irão se beneficiar diretamente dos efeitos do EF, intercalado trabalho para membros inferiores e superiores. A ordem
quanto para profissionais da área da saúde, que poderão identificar adotada durante todo experimento foi o treinamento aeróbio segui-
estratégias terapêuticas para esses pacientes. do do resistido e a voluntária realizou as 48 sessões de EF previstas
O objetivo deste estudo foi analisar a percepção de dor, algumas (100% de presença).
repostas fisiológicas e a QV de uma portadora de AF submetida a As características gerais da paciente, os resultados absolutos e as res-
um programa de EF combinado. pectivas classificações dos testes funcionais (aptidão física), antes e
após o período de EF, podem ser observadas na tabela 1. Destaca-se
RELATO DO CASO o aumento da pressão arterial diastólica (PAD) após o protocolo de
treinamento e o discreto decréscimo no valor da hemoglobina. Além
Paciente do sexo feminino, 56 anos de idade, obteve diagnóstico de disso, os resultados finais indicaram que a paciente apresentou me-
AF quando criança, e passou por um tratamento multiprofissional lhora em todas as variáveis após o programa de EF, exceto, no equilí-

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Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):270-4 Botelho R, Guerra RL, D’Almeida V e Medeiros A

Tabela 1. Valores de índice de massa corporal, frequência cardíaca, pressão arterial, testes bioquímicos e de aptidão funcional antes e após
programa de exercícios físicos

Variáveis Pré Pós ∆%


Índice de massa corpórea (kg/m²) 21,7 21,4 -1,38
Frequência cardíaca de repouso (bpm) 70 68 -2,86
Pressão arterial sistólica (mmHg) 120 120 0,00
Pressão arterial diastólica (mmHg) 70 90 28,57
Hemoglobina (g/dL) 9,7 9,4 -3,09
Testes Pré Classificação Pós Classificação ∆%
Flexibilidade em membros inferiores (cm) 61,1 Bom 61,3 Bom 0,33
Coordenação (seg.) 8,26 Muito Bom 7,45 Muito Bom -9,81
Agilidade (seg.) 18,8 Muito Bom 16 Muito Bom -14,89
Resistência de força em membros superiores (rep/t) 20 Fraco 22 Regular 10,00
Flexibilidade em membros superiores (cm) + 4,0 Muito Bom + 7,50 Muito Bom 87,50
Resistência abdominal (rep/t) 13 Bom 15 Bom 15,38
Resistência de força em membros inferiores (rep/t) 17 Regular 21 Muito Bom 23,53
Equilíbrio estático (seg.) 30 Muito Bom 30 Muito Bom 0,00
Pré = pré-período de treinamento físico; Pós = pós-período de treinamento físico; ∆% = Percentual de mudança da avaliação pré para a pós; Rep/t: repetições por tempo.

brio estático, que se manteve. As capacidades que obtiveram maiores Tabela 3. Percepção da dor – Inventário Breve de dor antes e após
diferenças foram: flexibilidade de membro superior, resistência de programa de exercícios físicos
força de membro inferior, resistência abdominal e agilidade. Dor Pré Pós ∆%
Os resultados da FC, da PSE, consumo máximo de oxigênio (VO2 Intensidade média 7 5 - 20
máx.), e tempo total obtido durante o teste de ergoespirometria es- No momento da entrevista 8 4 - 40
tão apresentados na tabela 2. Pode-se observar diminuição nos resul- Alivio com o exercício - 80% -
tados do VO2 máx. e maior permanência no teste após o programa Interferência da dor Pré Pós ∆%
de EF. Além disso, para uma mesma carga de trabalho, a voluntária
Atividade geral 7 4 - 30
apresentou a FC e a PSE menor em relação aos dados iniciais.
Em relação à dor, no BPI, a paciente relatou que os principais pon- Disposição 6 2 - 40
tos de dor em ambas as avaliações, se concentraram nos membros Capacidade para andar 3 0 - 30
inferiores e na coluna lombar. Porém, na avaliação após o programa Trabalho 8 5 - 30
de EF, foi relatado diminuição na intensidade da escala de dor e Relações com outras pessoas 0 0 0
redução da interferência da dor nas atividades diárias para caminhar, Sono 2 1 - 10
no trabalho, nas atividades sociais, no sono e no humor (Tabela 3). Humor 2 0 - 20
Em relação à avaliação qualitativa sobre a QV, a paciente relatou Pré = pré-período de treinamento físico; Pós = pós-período de treinamento físi-
redução da dor na coluna lombar, sentiu significativa melhora na co; ∆% = percentual de mudança da avaliação pré para a pós.

Tabela 2. Dados obtidos no teste ergoespirométrico: frequência cardíaca, escala de Borg, VO2 máximo e tempo total do teste antes e após
programa de exercícios físicos
Fases Pré Pós
Adaptação FC: 75 bpm FC: 70 bpm
1° (3 min) Fácil (9) - 83 bpm Muito fácil (7) – 78 bpm
2° (3 min) Relativamente fácil (11) – 92 bpm Fácil (9) – 89 bpm
3° (3 min) Ligeiramente cansativo (13) – 107 bpm Relativamente fácil (11) – 100 bpm
4° (3 min) Cansativo (16) – 118 bpm Ligeiramente cansativo (13) – 112 bpm
5° (3 min) Exaustão - 129 bpm Exaustão – 123 bpm
VO2 máximo (mL/kg/min) 21,7 20,31
Tempo total (min) 12,48 14,10
Pré = pré-período de treinamento físico; Pós = pós-período de treinamento físico; FC = frequência cardíaca; bpm = batimentos por minuto; VO2máx = capacidade
máxima de oxigênio.

272
Programa de exercício físico combinado reduz a percepção da Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):270-4
dor em paciente com anemia falciforme. Relato de caso

postura, passou a ter mais disposição para as atividades do dia a dia e A paciente apresentou VO2 máximo e FC máxima abaixo do pre-
sentiu aumento significativo da força ou resistência muscular. visto para a idade e condição física35, tanto antes quanto depois da
“Sinto que estou melhorando, não me sinto mais tão cansada durante o intervenção pelo EF combinado. Essa condição pode ser atribuí-
meu trabalho, ou com as atividades em casa mesmo e sinto falta quando da, em parte, à disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (devido
não venho aos exercícios, acho que meu corpo fica mais pesado”. a FC máx menor do que a prevista), e/ou a diminuição do nível
de hemoglobina. No entanto, apesar da diminuição no VO2 máx
DISCUSSÃO relativo, a participante apresentou um aumento no tempo total do
teste (13%), diante do mesmo protocolo (Bruce adaptado). Assim,
As manifestações clínicas da AF diferem entre os pacientes, enquanto pode-se suscitar que o baixo nível de hemoglobina possa ter levado
alguns têm quadros graves e passam por diversas complicações, ou- à diminuição do teor de oxigênio total, mas por outro lado pode ter
tros evoluem apenas com sintomas leves22,23. Em relação à paciente melhorado o fluxo sanguíneo e, consequentemente, aumentado o
do caso, apesar de levar uma vida fisicamente ativa, como visto pelo débito cardíaco após o período de treinamento36.
IPAQ, o diagnóstico precoce e o acompanhamento profissional e Em relação à causa da AF, não há indícios evidentes na literatura que
familiar adequado foram muito importantes e, provavelmente, con- o EF tenha potencial para alterar a concentração de hemoglobinas S
tribuíram para um quadro clínico controlado, sem necessidade de ou reverter o processo de falcização. No presente relato detectou-se
uso rotineiro de fármacos, permitindo assim, maior expectativa de redução de 0,3 g/dL na concentração de hemoglobina plasmática
vida. De fato, autores afirmam que o diagnóstico precoce, somado à após o programa de EF, porém, tal diferença não apresenta grande
atuação de equipe multiprofissional especializada e à participação da relevância biológica. Ademais, não foi mensurado se essa discreta
família tem um papel central na redução das complicações associa- redução foi de hemoglobinas alteradas (HbS) ou de hemoglobinas
das à doença, além de prolongar o tempo de vida dos pacientes24,25. normais (HbAA). No entanto, não apresentou qualquer sintoma
A dor é uma manifestação clínica comum da AF e os pacientes, via grave da doença durante o experimento, sugerindo que o EF com-
de regra, procuram atendimento médico26. De fato, o estudo de binado, programado e orientado, não traz riscos ou malefícios para
Martins, Moraes e Silveira27 realizado em um hemocentro no Brasil, o portador de AF.
demonstrou que a causa mais prevalente dos atendimentos realiza- A capacidade funcional pode influenciar o desempenho em realizar
dos em indivíduos com AF decorreram das crises álgicas, perfazendo as atividades da vida diária. Neste contexto, foi relatado pela par-
um total de 64,4% dos casos. ticipante que, na maioria das vezes, sua capacidade funcional era
No presente caso, os maiores incômodos relativos à dor, apresen- influenciada pela dor. No estudo de Lobo, Marra e Silva36, os resul-
tados pela participante, foram nos membros inferiores e na região tados do domínio referente aos aspectos físicos, que incluem impac-
lombar, o que corrobora com o estudo de Taylor et al.28 sobre a múl- to da saúde física no desempenho das atividades diárias e/ou profis-
tipla dimensão da dor crônica em adultos com doença falciforme, sionais, também foram significativamente comprometidos pela dor.
sendo a região do quadril a mais acometida pela dor crônica, seguida Nesse âmbito, também foram avaliados parâmetros de aptidão física
pela coluna. sendo que os valores absolutos demonstraram que após o programa
Com relação às variáveis hemodinâmicas, a voluntária apresentou de EF houve melhora em todas as variáveis, exceto para equilíbrio
pressão arterial sistólica (PAS) e PAD dentro dos limites de normali- estático a qual apresentou manutenção. Além disso, nos testes de
dade, porém, notou-se aumento da PAD após o programa de EF. O resistência de força de membros superiores e inferiores a classifica-
aumento da PAD para 90 mmHg caracteriza o ponto de corte entre ção passou de fraca para boa e de regular para boa, respectivamente.
normotensão e hipertensão29,30. Neste caso, a proposta de interven- Não foram encontrados na literatura estudos que utilizassem testes
ção pelo exercício combinado pode ter sido responsável pelo aumen- semelhantes em portadores de AF, porém, tais respostas encontradas
to da PAD (porém, dentro da normalidade), ao final do período tornam-se relevantes, principalmente, quando se trata do contexto
de EF, provavelmente por uma maior resistência vascular periférica da QV da participante, uma vez que é influenciada por aspectos
total e pelo estresse parietal telessistólico ocasionados pelo exercício físicos, além dos emocionais e sociais37.
resistido³¹. Sendo assim, este caso demonstra que, apesar das condições cardior-
Os resultados obtidos na ergoespirometria confirmaram que a capa- respiratórias não terem sido melhoradas pelo protocolo de EF com-
cidade cardiorrespiratória da paciente, definida pelo VO2 pico, foi binado, observou-se tendência à melhora nos aspectos de aptidão fí-
menor comparada a pessoas sem a doença, assim como no estudo de sica, de dor e na percepção da QV, tendência que deve ser enfatizada,
Liem et al.32. O estudo de Van Beers et al.33, também afirmou que uma vez que a paciente em questão era fisicamente ativa (conforme
as respostas cardiorrespiratórias, mostraram-se abaixo da média em classificação do IPAQ), permitindo suscitar que melhores resultados
83% dos pacientes com AF. Além disso, a eficiência de captação de poderiam ter sido observados em caso de indivíduos sedentários.
oxigênio parece ser menor entre adultos com AF submetidos a testes É importante salientar os riscos inerentes a prática de EF não contro-
de esforço submáximo34. lado e supervisionado por profissionais qualificados, principalmente
Alguns estudos examinaram os mecanismos responsáveis ​​pela in- as pessoas que possuem complicações graves da AF. Os riscos são
tolerância ao exercício em pacientes com AF, e descobriram que desde agravos nas complicações da doença, até a morte súbita, que
vários fatores podem contribuir, como: redução da capacidade de por sua vez, estimulam o receio dos médicos sobre as recomendações
transporte de oxigênio relacionada ao baixo nível de hemoglobina, de EF em pacientes com AF9. De forma geral, o EF induz mudanças
as adaptações cardíacas funcionais e as estruturais resultantes da ane- metabólicas (produção de ácido lático, espécies reativas de oxigênio
mia crônica e as disfunções pulmonares9,32,33. e outras citocinas circulantes)38,39, alterações de temperatura e a desi-

273
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):270-4 Botelho R, Guerra RL, D’Almeida V e Medeiros A

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274
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):275-8 RELATO DE CASO

Glossopharyngeal neuralgia of tumor origin diagnosed in dental care.


Case report
Neuralgia do glossofaríngeo de origem tumoral diagnosticada em atendimento odontológico.
Relato de caso
Gisele Marchetti1, Daniel Bonotto1, Paulo Afonso Cunali1

DOI 10.5935/1806-0013.20170115

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: The glossopharyngeal JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A neuralgia do glossofa-


neuralgia is a neuropathy considered rare that manifests itself in ríngeo é uma neuropatia considerada rara que se manifesta na
the IX cranial nerve distribution characterized by an electric sho- distribuição do IX par craniano com característica de dor em
ck-like pain, often associated with hyperalgesia and allodynia. choque elétrico, muitas vezes associada à hiperalgesia e alodínea.
The etiology may be related to vascular changes, brain tumor, A etiologia pode estar relacionada a alterações vasculares, a tumor
or even idiopathic. The aim of this study was to report a case of intracraniano, ou ainda idiopática. O objetivo deste estudo foi
glossopharyngeal neuralgia secondary to a brain tumor diagno- relatar um caso de neuralgia do glossofaríngeo secundário a tu-
sed in a dental clinic, highlighting its clinical manifestations and mor intracraniano, diagnosticada em ambulatório odontológico,
discussing its nosological limit with other orofacial pain. destacando suas manifestações clínicas e discutindo seu limite
CASE REPORT: Female patient, 63 years old, sought care at nosológico com outras dores orofaciais.
a dental outpatient clinic of Orofacial Pain complaining about RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 63 anos pro-
an intense electric shock and jumping pain of sudden onset on curou atendimento em ambulatório odontológico de Dor Oro-
the lower right edge region and right tongue base. She reported facial com queixa de dor intensa em choque elétrico e pontadas
that the events were triggered and exacerbated when chewing, de início súbito na região de rebordo inferior direito e base de
opening the mouth, laughing and talking. The diagnostic hy- língua direita. Relatou que os eventos eram deflagrados e exacer-
pothesis of glossopharyngeal neuralgia was tested by momen- bados na mastigação, ao abrir a boca, rir e falar. A hipótese diag-
tary depletion to the application of benzocaine 20% and pain nóstica de neuralgia do glossofaríngeo foi testada pela depleção
remission with the administration of carbamazepine (400mg/ momentânea à aplicação de benzocaína a 20% e pela remissão da
day) for 20 days. The patient was referred to the Neurology dor com administração de carbamazepina (400mg/dia) por 20
service of the hospital, where the magnetic resonance imaging dias. A paciente foi referida para serviço hospitalar de neurologia,
presented an expansive, solid, extra-axial lesion in the right pre- onde após ressonância magnética foi diagnosticada lesão expan-
pontine cistern, suggesting meningioma. siva sólida extra-axial na cisterna pré-pontina à direita, sugestiva
CONCLUSION: The professional should be aware of the diffe- de meningioma.
rential diagnosis of orofacial pains, especially in episodic neuro- CONCLUSÃO: O profissional deve estar atento no diagnóstico
pathies, to rule out the tumor etiology. In these cases, the quick diferencial das dores orofaciais, especialmente nas neuropatias
referral to tertiary centers is fundamental for the good prognosis. episódicas, pois a etiologia tumoral deve ser descartada. Nesses
Keywords: Neoplasia, Neuralgia, Orofacial pain. casos, a rápida referência a centros terciários é fundamental para
o bom prognóstico.
Descritores: Dor orofacial, Neoplasia, Neuralgia.

INTRODUÇÃO

A dor orofacial é um fator de preocupação para o paciente porque


muitas vezes afeta importantes funções fisiológicas, como mastigar,
1. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.
deglutir, falar e rir, podendo comprometer o bem-estar e a qualidade
de vida (QV) do indivíduo. O conceito de QV é marcado pela sub-
Apresentado em 17 de janeiro de 2017. jetividade, envolvendo todos os componentes essenciais da condição
Aceito para publicação em 17 de abril de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. humana, quer sejam físicos, psicológicos, sociais ou culturais. A dor,
tanto facial quanto dentária, é o aspecto mais citado dentre os in-
Endereço para correspondência:
Rua Engenheiro Ostoja Roguski, 631 – Jardim Botânico dicadores da saúde bucal que impactam a QV, seguida do prejuízo
80210-390 Curitiba, PR, Brasil. das horas de sono e dos problemas mastigatórios1. No entanto, além
E-mail: marchettiodontologia@gmail.com
dessas, uma série de condições dolorosas afetam a face, tornando
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor indispensável o estabelecimento do diagnóstico diferencial2.

275
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):275-8 Marchetti G, Bonotto D e Cunali PA

Um exemplo de tais condições são as dores de origem neuropática, dores iniciaram. Relatou, ainda, que a dor interfere no seu sono e
que resultam de uma lesão primária ou doença do sistema nervoso atrapalha as suas atividades diárias.
somatossensitivo. Podem ser desencadeadas por trauma local ou por No exame físico constatou-se normalidade dos nervos cranianos,
doenças sistêmicas, afetando estruturas nervosas periféricas ou cen- exceto do glossofaríngeo, pela limitação motora da região posterior
trais e podem ser classificadas em episódicas ou contínuas3. da língua, que foi atribuída ao quadro álgico. O simples toque na
As neuropatias variam de acordo com o nervo afetado4. O nervo mucosa da região do rebordo inferior direito e da base da língua
glossofaríngeo (IX par) proporciona sensação somática geral de tato, geravam resposta dolorosa. A aplicação de benzocaína tópica a 20%
dor e temperatura do terço posterior da língua, da faringe, do ouvi- nessa região levou à depleção momentânea da dor, confirmando as-
do médio e da área próxima ao meato acústico externo³. A neuralgia sim a hipótese diagnóstica de NGF.
do glossofaríngeo (NGF) tem caráter paroxístico na área de iner- Como abordagem inicial, e com a finalidade de confirmar a hipó-
vação. A prevalência é muito baixa quando comparada com outras tese diagnóstica, foi prescrito carbamazepina (200mg/dia) durante
neuropatias, sendo estimada entre 0,2 e 0,7 casos a cada 100.000 os primeiros sete dias, prosseguindo com 400mg/dia. Foi ainda
pessoas/ano5. A descrição aceita para NGF é a de um distúrbio do- solicitada radiografia panorâmica (Figura 1) e lateral da articulação
loroso normalmente unilateral, caracterizado por dores breves, de temporomandibular (ATM) (Figura 2), com o objetivo de descartar
tipo choque elétrico, com início e término abruptos, afetando ore- causas somáticas ligadas ao sistema mastigatório.
lha, base da língua, fossa tonsilar ou abaixo do ângulo mandibular6.
A NGF é dividida em dois tipos clínicos baseados na distribuição de
dor: a timpânica (afeta o ouvido) e a orofaríngea (afeta a área da oro-
faringe)7. Muitas vezes é difícil para os pacientes com NGF identifi-
car quais são as áreas de origem da dor, uma vez que essas estruturas
se encontram em regiões profundas da boca, da faringe e da orelha8.
A etiologia da NGF parece estar relacionada à desmielinização de
axônios ou degeneração dos IX e X pares cranianos, podendo estar
associada à compressão do IX par por estruturas vasculares, lesões
ou tumores intracranianos. A compressão causa irritação mecânica
constante no nervo, podendo diminuir significativamente o limiar
de excitabilidade e promover aumento nos potenciais de ação9.
Assim, é de extrema importância o diagnóstico diferencial das dores Figura 1. Radiografia panorâmica dentro dos padrões de normalida-
orofaciais, tendo em vista seu grande impacto negativo na QV do de para idade e condição odontológica da paciente
paciente, sintomas e possíveis causas tumorais.
O objetivo deste estudo foi discutir as técnicas semiológicas e abor-
dagem da NGF com etiologia tumoral, cuja busca inicial de trata-
mento pelo paciente se deu em ambulatório odontológico.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 63 anos, usuária de prótese dentária total


(dentadura) nos arcos dentários superior e inferior há 8 anos, procu-
rou atendimento em ambulatório odontológico de Dor Orofacial.
A queixa principal era dor intensa com início há 8 anos, na região
de rebordo inferior e base da língua do lado direito, referindo 10 na
escala analógica visual (EAV). Descreveu a dor com característica de Figura 2. Radiografia lateral de articulação temporomandibular de-
choque elétrico e pontadas de início súbito. mostrando ausência de interferências externas ao local da dor
Na anamnese relatou que os eventos de dor eram deflagrados e exa-
cerbados durante a mastigação, bem como ao abrir a boca, rir, falar No retorno de 20 dias, a paciente relatou melhora significativa na
e utilizar a prótese dentária total inferior. Os episódios de dor foram dor (EAV=5). A remissão da dor com o uso de carbamazepina refor-
descritos como de curta duração e grande frequência, além de terem çou a hipótese diagnóstica de dor de origem neuropática. Reajustou-
sido associados à vertigem e tontura. Relatou fazer uso de paraceta- -se a dose para 200mg/dia por conta das queixas de sonolência com
mol e dipirona, porém sem efeito significativo na redução da dor. a utilização do fármaco. Estabelecida a hipótese diagnóstica, perce-
Ademais, foram relatados eventos de cefaleia de uma a duas vezes beu-se necessidade de atendimento multidisciplinar. Desse modo, a
por semana, sem náuseas ou mudanças na visão. Quanto ao históri- paciente foi encaminhada para o serviço de neurologia de um hospi-
co médico, a paciente relatou estar fazendo controle farmacológico tal local, onde, após ressonância magnética nuclear, foi diagnostica-
para hipertensão e hipotireoidismo. Na família havia histórico de da lesão expansiva sólida extra-axial na cisterna pré-pontina à direita,
acidente vascular cerebral, alterações cardíacas e câncer. Quanto à sugestiva de meningioma (Figura 3).
situação psicossocial, relatou sentir pouca esperança no futuro, ir- No controle de cinco meses, os episódios de dor durante o dia foram
ritação, falta de energia, cansaço e afastamento social desde que as descritos como raros e de menor intensidade. Foi realizado ajuste

276
Neuralgia do glossofaríngeo de origem tumoral diagnosticada Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):275-8
em atendimento odontológico. Relato de caso

Alguns estímulos apontados são mastigar, deglutir, tossir, bocejar,


espirrar, assoar o nariz, tocar a orelha, falar, rir, ingerir alimento áci-
do, doce, frio ou quente ou, até mesmo, virar a cabeça para um dos
lados1,13. Tais estímulos foram relatados pela paciente, reforçando o
diagnóstico para NGF.
Nesses casos, quando atividades diárias e comuns se tornam estímu-
los desencadeadores de dor, a QV do paciente pode ser seriamente
comprometida, impactando em grande escala seu bem-estar físico
e emocional1. Nesse sentido, a paciente do caso em estudo, relatou
que a dor atrapalha seu sono e o exercício de atividades diárias, cau-
sando irritação, falta de energia, cansaço e afastamento social.
Para alivio do quadro álgico a paciente fazia uso de paracetamol e
dipirona, entretanto, sem resultados satisfatórios. Dores somáticas
superficiais como as ulcerações de mucosa oral que frequentemente
acometem pacientes usuários de dentaduras costumam ceder com
esse tipo de fármaco. Porém, as dores neuropáticas como a NGF não
respondem aos analgésicos comuns10.
A avaliação da dor pela EAV ao longo do período de reavaliações
mostrou redução geral do quadro álgico. O uso da EAV é considera-
Figura 3. Ressonância magnética nuclear em corte axial com lesão su- do um instrumento útil e com boa reprodutibilidade para mensura-
gestiva de meningioma indicada pela seta ção da dor13, pois torna objetiva para avaliação clínica a subjetivida-
de da experiência dolorosa.
na prótese dentária total inferior, com objetivo de eliminar possíveis Durante o exame físico, a depleção momentânea da dor pela aplica-
compressões em áreas de gatilho sublingual. Foi reajustada a dose de ção de benzocaína a 20% na região posterior da língua, região iner-
carbamazepina de 200 para 400mg/dia. vada pelo nervo glossofaríngeo, confirmou a hipótese diagnostica de
No retorno de seis meses foi relatada ausência de eventos de dor. NGF. Essa resposta ao anestésico local tópico sobre a área de gatilho
Atualmente, a paciente realiza consultas trimestrais com neurologis- em mucosa é considerada um teste clínico útil para o diagnóstico
ta e aguarda vaga para neurocirurgia. diferencial6. Estudos demonstraram que a dor pode ser provada pela
estimulação de pontos específicos na área de distribuição superficial
DISCUSSÃO do nervo glossofaríngeo14. Assim, justificam-se os desgastes realiza-
dos na base da prótese inferior, com o objetivo de reduzir a compres-
O limite nosológico das dores neuropáticas orofaciais pode ser de di- são nessas áreas de gatilho.
fícil mensuração em função da ausência de lesão clinicamente diag- A farmacoterapia é a primeira linha de tratamento para NGF. Os
nosticável, da desproporção entre o estímulo e a resposta dolorosa e fármacos de escolha são carbamazepina, gabapentina e pregabali-
da sobreposição de estruturas com inervações distintas. Embora ain- na15. A escolha da carbamazepina é embasada em diversos estudos,
da não se possa definir um consenso universal de critérios de diag- nos quais esse fármaco se mostrou mais eficaz para o tratamento
nóstico, várias características clínicas são sugestivas dessas doenças, das neuralgias paroxísticas16,17. Entretanto, muitos pacientes são
como dor paroxística ao longo do trajeto do nervo afetado, alodínea, sensíveis à carbamazepina e desenvolvem reações adversas, sendo as
hiperalgesia e áreas de gatilho capazes de deflagrar eventos de dor de principais sonolência, vertigem, vômito, diarreia, erupções cutâne-
curta duração, com característica de choque elétrico10. as ou até mesmo bradicardia17. Tais efeitos podem ser minimizados
No caso clínico relatado, a paciente procurou um centro odontoló- quando a dose é aumentada gradualmente16.
gico com queixa principal de dor intensa na região de rebordo in- Torna-se, portanto, fundamental que o cirurgião-dentista conheça
ferior e base da língua do lado direito, sugerindo possível problema as características clínicas das neuralgias que acometem a face e esteja
com a prótese dentária. Contudo, a observação das características preparado para realizar o diagnóstico diferencial. Quando da formu-
da dor e o exame físico realizado levaram à formulação da hipótese lação de uma hipótese diagnóstica de dor neuropática paroxística é
diagnóstica de NGF, possibilidade reforçada pelo fato de que a pa- prioritário o descarte de neuralgia secundária, e o encaminhamento
ciente possuía mais de 50 anos, faixa etária a partir da qual as neu- para avaliação neurológica torna-se fundamental.
ropatias faciais dolorosas se tornam mais comuns9,11. Para descartar
neuralgia secundária a lesões intracranianas, foram realizados exames CONCLUSÃO
de imagem, procedimento esse justificado por vários autores11,12.
Verificou-se ainda, que a dor relatada pela paciente era unilateral, O cirurgião-dentista deve estar capacitado para o diagnóstico
fator esse que está de acordo com a literatura, que demostra que a diferencial das dores orofaciais, especialmente das neuralgias
dor neuropática é, na sua maioria, estabelecida em apenas um dos paroxísticas. Reconhecer as características clínicas e referir ade-
lados, sendo bilateral em casos raros6. quadamente o paciente para centros neurológicos é fundamental
Na NGF os eventos de dor podem ocorrer espontaneamente, mas para o bom prognóstico, principalmente em casos de neuralgias
são geralmente associados a um estímulo desencadeador específico. de etiologia tumoral.

277
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):275-8 Marchetti G, Bonotto D e Cunali PA

REFERÊNCIAS of glossopharyngeal neuralgia: clinical findings and 3-D visualization of neurovascular


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278
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):279-85 RELATO DE CASO

Complex regional pain syndrome type I: impact on work activities of


working age individuals. Case reports
Síndrome complexa de dor regional de tipo I: impacto na atividade laboral de sujeitos em idade
produtiva. Relato de casos
Aline Sarturi Ponte1, Mithielle de Araujo Machado2, Miriam Cabrera Corvelo Delboni3, Thais Rosa Costa4, Bárbara Santos Luccas Duarte5

DOI 10.5935/1806-0013.20170116

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Complex regional pain JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A síndrome complexa de
syndrome type I causes personal and social losses to the affected dor regional de tipo I causa prejuízos pessoais e sociais ao sujeito
subject. The objective of this study was to analyze life, health and acometido. Este estudo teve como objetivo analisar as condições
working condition of subjects with this syndrome, of working de vida/saúde e laborais de sujeitos com essa síndrome, em idade
age, in a city in the countryside of Rio Grande do Sul, RS. produtiva, no município do interior do Rio Grande do Sul, RS.
CASE REPORTS: Study of seven cases, with the diagnosis of RELATO DOS CASOS: Estudo de sete casos, diagnóstico de
complex regional pain syndrome type I, with a predominance síndrome complexa de dor regional de tipo I, com o predomínio
of female, married, relatively low educational level. In assessing do sexo feminino, casado, com nível escolar relativamente baixo.
physical health condition, the majority of participants conside- Na avaliação da condição de saúde física, a maioria dos partici-
red their physical health moderate, and bad mental/emotional pantes considerou sua saúde física moderada, e a saúde mental/
health. Most participants used assistive technology resources. emocional ruim. A maioria dos participantes utilizavam recursos
CONCLUSION: It was observed that the syndrome interfered de tecnologias assistivas.
in the participants’ work activities. The data of the Internatio- CONCLUSÃO: Observou-se que a síndrome interferiu nas ati-
nal Classification of Functioning, Disability, and Health showed vidades de trabalho dos participantes. Já os dados da Classifica-
that these subjects face several limitations in their daily activi- ção Internacional de Funcionalidade e Incapacidade e Saúde de-
ties. Therefore, this disease has negative impacts on life/health monstraram que esses sujeitos enfrentam diversas limitações em
condition of these workers, who are temporarily or permanently suas atividades cotidianas. Portanto esta doença causa impactos
forced to leave their work activities. negativos na condição de vida/saúde desses trabalhadores, que
Keywords: Daily activities, International classification of func- precisam, na maioria das vezes, serem afastados de suas atividades
tioning disability and health, Motor skills disorders, Work. laborais, temporariamente ou em definitivo.
Descritores: Atividades cotidianas, Classificação internacional
de funcionalidade e incapacidade e saúde, Trabalho, Transtornos
das habilidades motoras.

INTRODUÇÃO

Em 1994, a International Association for the Study of Pain (IASP)


criou o termo síndrome complexa de dor regional (SCDR), subdivi-
dida em duas categorias, de acordo com o mecanismo desencadean-
1. Universidade Federal de Santa Maria, Terapeuta Ocupacional, Programa de Pós-Gradua- te SCDR tipos I e II, classificando-as como dor neuropática (DN).
ção em Distúrbios da Comunicação Humana, Santa Maria, RS, Brasil.
2. Universidade Federal de Santa Maria, Fisioterapeuta, Programa de Pós-Graduação em Essa classificação prevaleceu por 17 anos, mas devido a críticas a
Distúrbios da Comunicação Humana, Santa Maria, RS, Brasil. essa definição, em 2011, a IASP reuniu o Neuropathic Special Interest
3. Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Terapia Ocupacional, Santa Ma-
ria, RS, Brasil. Group (NEUPSIG), com objetivo de redefinir o conceito de DN,
4. Universidade Federal de Santa Maria, Terapeuta Ocupacional, Santa Maria, RS, Brasil. criando critérios para o diagnóstico e o tratamento, tanto para a prá-
5. Universidade Federal de Santa Maria, Terapeuta Ocupacional, Programa de Pós-Gradua-
ção em Reabilitação Funcional, Santa Maria, RS, Brasil.
tica clínica, quanto para a pesquisa1.
A partir desse momento, a DN passou a ser definida como “aquela
Apresentado em 29 de março de 2017. decorrente de uma lesão ou doença que acomete diretamente o sis-
Aceito para publicação em 15 de agosto de 2017.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. tema somatossensitivo”2. Esta nova definição excluiu do conceito de
DN a SCDR I, a neuralgia essencial do trigêmeo e a fibromialgia,
Endereço para correspondência:
Av. Roraima nº 1000 – Cidade Universitária, Bairro Camobi entre outras1. A partir desse novo contexto passou-se a nomeá-las
97105-900 Santa Maria, RS, Brasil. “dores disfuncionais”2,3.
E-mail: alinesarturi@hotmail.com
A fisiopatologia da SCDR I é dada como inconclusiva3, e tendo
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor como características o aumento da perfusão vascular local, porém,

279
Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):279-85 Ponte AS, Machado MA, Delboni MC, Costa TR e Duarte BS

com nutrição tecidual pobre, acúmulo de macromoléculas, processo funções do corpo, atividade e participação, e a incapacidade é um
inflamatório exacerbado4, provocando dor intensa que persiste após termo que abrange deficiências, limitações de atividades ou restrição
a lesão5,6. na participação”16. O CID e a CIF são consideradas classificações
A SCDR é uma doença rara, apenas 1% das pessoas desenvolve esta complementares, as informações obtidas fornecem uma imagem
síndrome em consequência de uma lesão nervosa ou trauma tissu- mais ampla sobre as condições de vida e saúde do paciente14.
lar, sendo a segunda a causa mais comum (60%), e os membros Pode-se observar que essa doença causa limitações e restrições na
superiores são os mais frequentemente afetados. Mas não existem vida/saúde das pessoas. Sendo assim, o modelo proposto pela CIF
dados exatos sobre a prevalência da SCDR7. Existem poucos estu- irá proporcionar uma visão ampliada da funcionalidade e incapaci-
dos brasileiros sobre essa temática e os que são realizados abordam dade, não se fundamentando apenas na Estrutura e Função Cor-
situações específicas (trabalhadores, idosos, regiões corporais) ou poral, mas considerando todas as dimensões de saúde, incluindo as
ambulatoriais8. atividades e participação.
A SCDR I pode ser subdividida em três estágios, sendo o primeiro Diante da complexidade dessa doença, este estudo teve como obje-
estágio também conhecido como fase aguda, que ocorre logo após a tivo analisar as condições de vida/saúde e laborais de sujeitos com
lesão até o terceiro mês, apresentando como sinais e sintomas a pele SCDR I, em idade produtiva.
brilhante, hiperemiada, cianótica, fria, seca ou com hiper-hidrose
(sudorese). O segundo estágio, também conhecido como fase distró- RELATO DOS CASOS
fica, inicia-se a partir do terceiro mês e prolonga-se até o sexto mês
da lesão, em que se agravam os sinais e sintomas do primeiro estágio, Trata-se de um estudo descritivo, exploratório e com delineamento
e iniciam-se outras alterações, como por exemplo, as unhas apre- transversal de série de casos, com a participação de sete pessoas de
sentam aspecto quebradiço, diminuição das atividades polimotoras, ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, trabalhadores
atrofia da polpa digital e o espaçamento periarticular das articulações afastados do seu posto de trabalho em decorrência do diagnóstico de
afetadas. O terceiro estágio ou fase atrófica, tem início após o sexto SCDR I, que estavam iniciando os acompanhamentos terapêuticos
mês, podendo prolongar-se por toda a vida. Neste, a intensidade da (médico, fisioterapêutico, psicológico e terapêutico ocupacional) no
dor diminui, o edema evolui com fibrose e espessamento periarti- Grupo de Dor do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM).
cular, a pele pode apresentar-se escura ou pálida, e as extremidades A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro de 2013 a junho
acometidas rígidas9,10. de 2014, apoiando-se no Check List Resumido da CIF17. A coleta
Sabe-se que a SCDR I é difícil de ser tratada, visto que, além de ocorreu nas dependências do HUSM, em sessão única, individu-
ser diferente pela fisiopatologia tanto central, quanto periférica, almente, com tempo aproximado de uma hora. Nesse encontro fo-
tem também prevalência de alterações motoras11, que levam o su- ram coletados dados referentes a informações demográficas, funções
jeito acometido a desenvolver limitações funcionais que acabam por e estruturas do corpo, atividade e participação, fatores ambienteis e
comprometer as atividades de vida diária (AVD), atividades instru- pessoais e resumo de informação de saúde.
mentais de vida diária (AIVD), incapacidade nas atividades de lazer A CIF organiza-se em duas partes: i) funcionalidade e incapacidade
e de trabalho, sendo a aposentadoria precoce, uma das principais (Parte 1); e ii), fatores contextuais (Parte 2). A parte 1 divide-se em
consequências desta doença6. dois componentes: i) funções corporais (representado pela letra b:
As condições impostas pela doença comprometem a autonomia, body) e estruturas corporais (representado pela letra s: structure); e ii)
causando limitações no papel social, repercutindo na qualidade de atividade e participação (representada pela letra d: domain). Os fa-
vida (QV) dos sujeitos acometidos6, além de manifestações de or- tores contextuais são divididos em dois componentes: i) fatores am-
dem psicológica, podendo ocorrer casos de ansiedade e depressão12. bientais (representado pela letra e: environment); e os fatores pessoais
Somam-se ainda frustrações relacionadas aos tratamentos terapêuti- englobam características de um sujeito (sexo, idade, outros estados
cos sem grandes resultados no que diz respeito a dor, a grande de- de saúde, condições físicas, escolaridade, entre outros), sua história
manda de exames e informações da equipe de saúde insatisfatórias13. e estilo de vida. Estes não são classificados na CIF, no entanto com-
Pode-se observar que a SCDR I compromete a condição de saú- põem a sua estrutura, pois podem ter um impacto sobre a condição
de, a funcionalidade e a participação do paciente em atividades que de saúde do sujeito16.
são consideradas significativas. Desse modo, para compreender a Na CIF as letas b, s, d e e são seguidas por um código numérico e a
condição de saúde da população, a Organização Mundial da Saúde descrição da funcionalidade e incapacidade, restrição da atividade e
(OMS) adota atualmente dois sistemas de classificação. São eles: a participação e fatores ambientais, construindo assim um código alfa-
Classificação Internacional de Doenças (CID) “registra uma con- numérico. Além dele, utiliza-se um qualificador, atribuído por uma
dição anormal de saúde e suas causas, sem registrar o impacto des- escala numérica genérica, que irá apresentar a extensão da deficiência
sas condições na vida da pessoa”14. Essa classificação apresenta um ou da restrição. O componente das funções corporais conta com
modelo etiológico, o anátomofuncional, o anatomopatológico, o um qualificador referente à extensão da deficiência: zero – indica
clínico e o epidemiológico. E a Classificação Internacional de Fun- nenhuma deficiência, 1 – deficiência leve, 2 – deficiência moderada,
cionalidade e Incapacidade e Saúde (CIF) que tem como base um 3 – deficiência grave, 4 – deficiência completa, 8 – não aplicável,
modelo biopsicossocial, que engloba o ambiente físico e social, as 9 – não aplicável16.
diferentes percepções culturais e atitudes em relação à deficiência, a O componente relacionado às estruturas corporais conta com três
disponibilidade de serviços e a legislação15. Essa classificação apoia-se qualificadores, sendo dois solicitados pelo Check List e o terceiro op-
em dois conceitos: a funcionalidade - “termo que abrange todas as cional. O primeiro qualificador refere-se à extensão da deficiência

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Síndrome complexa de dor regional de tipo I: impacto na atividade Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):279-85
laboral de sujeitos em idade produtiva. Relato de casos

deste componente, seguindo a mesma escala das funções corporais Nas funções corporais, os participantes acometidos pela SCDR I
(localizado logo após o código alfanumérico, separado por ponto). apresentaram deficiências das funções mentais (b1), sendo as rela-
O segundo qualificador é referente à natureza da deficiência (ocupa tadas pelos participantes os componentes do sono (b134), orienta-
a segunda posição após o código alfanumérico): zero – nenhuma ção (b114), atenção (b140), memória (b144) e funções emocionais
mudança na estrutura, 1 – ausência total, 2 – ausência parcial, 3 (b152). Nas funções sensoriais e de dor (b2), a visão (b210), a au-
– parte adicional, 4 – dimensões aberrantes/anormais, 5 – descon- dição (b230), o vestibular (b235) e a dor (b280), foram os compo-
tinuidade, 6 – desvio de posição, 7 – mudanças qualitativas na es- nentes mais destacados. Nas funções dos sistemas cardiovasculares,
trutura, incluindo acúmulo de líquidos, 8 – não aplicável, 9 – não hematológico e respiratório (b4), os componentes das funções do
aplicável. O terceiro qualificador indica a localização da deficiência coração (b410), pressão sanguínea (b420) e funções do sistema
(apresenta-se na terceira posição após o código alfanumérico): zero – respiratório (b440), foram comentados. Nas funções do sistema di-
mais de uma região, 1 – direita, 2 – esquerda, 3 – ambos os lados, 4 gestivo, metabólico e endócrino (b5), o componente relacionado às
– parte anterior, 5 – parte posterior, 6 – proximal, 7 – distal, 8 – não funções digestivas (b515) foram mencionados. No que diz respei-
especificado, 9 não aplicável16. to às funções genitourinária e reprodutivas (b6), os componentes
O componente referente às atividades e participação organiza-se a das funções urinárias (b620) e sexuais (b640), foram relatados. Nas
partir de dois qualificadores. O primeiro qualificador indica o de- funções neuromusculoesqueléticas relacionadas ao movimento (b7),
sempenho (ocupa a posição após o código alfanumérico, este sepa- mobilidade das articulações (b710), força muscular (b730), tônus
rado por ponto). Este qualificador descreve o que um sujeito faz no muscular (b735) e movimento involuntário (b765) foram mencio-
seu ambiente habitual. O segundo qualificador refere-se à capacida- nados (Tabela 1).
de (ocupa a segunda posição após o código alfanumérico), este indi- Nas estruturas corporais – as estruturas do sistema nervoso (s1), cé-
ca a habilidade de um sujeito de executar uma tarefa ou ação (sem rebro (s110), medula espinhal e nervos periféricos (s120). Estruturas
assistência). A escala utilizada para qualificar esses componentes é a relacionadas ao movimento (s7) – região do ombro (s720), extremi-
mesma empregada nas funções corporais. Os fatores ambientais são dade superior (braço, mão) (s730) e extremidade inferior (perna, pé)
indicados como barreiras e facilitadores: zero – nenhum (a) facilita- (s750) (Tabela 1).
dor/barreira; 1 – barreira leve, 2 – barreira moderada, 3 – barreira Com relação às funções de atividade e participação, os participan-
considerável e 4 – barreira completa; +1 – facilitador leve, +2 – fa- tes apresentaram restrição no domínio aprendizagem e aplicação do
cilitador moderado, +3 – facilitador considerável e +4 – facilitador conhecimento (d1) no componente ouvir (d115). No domínio de
completo16. tarefas e demandas gerais (d2), os participantes encontram dificulda-
Os dados deste estudo foram analisados descritivamente. Os par- des em realizar uma única tarefa (d210) e tarefas múltiplas (d220).
ticipantes foram esclarecidos quanto aos objetivos do estudo e as- Na comunicação (d3) observou-se restrição na fala (d330). No do-
sinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). mínio relacionado à mobilidade (d4) nos componentes levantar e
Ressalta-se que os nomes dos mesmos serão mantidos em sigilo, carregar objetos (d430), uso fino das mãos – pegar, segurar (d440),
preservando-se suas identidades, portanto serão identificados por andar (d450), utilização de transportes – carros, ônibus, trem, avião
P1, P2, P3, P4 etc. etc. (d470) e dirigir – bicicleta, moto, carro etc. (d475). Cuidado
Os participantes do estudo eram de ambos os sexos, sendo dois ho- pessoal (d5), lavar-se – banhar-se, secar-se, lavar as mãos etc. (d510),
mens e cinco mulheres. A idade mínima foi de 28 anos e a máxima cuidar das partes do corpo – escovar os dentes etc. (d520), vestir-
de 59 anos. Quanto à situação/estado civil, cinco eram casados. O -se (d540), comer (d550), beber (d560) e cuidar da própria saúde
nível de escolaridade pode ser considerado relativamente baixo, pois (d570). Com relação à vida doméstica (d6), os componentes são:
quatro tinham o ensino fundamental completo, dois tinham ensino aquisição de bens e serviços – fazer compras etc. (d620), preparação
fundamental incompleto e um tinha ensino médio completo. Quanto de refeições – cozinhar etc. (d630), tarefas domésticas – limpar a
à atividade laboral, três participantes eram domésticas, dois eram fu- casa, lavar louça, roupa etc. (d640). Nas relações e interações in-
micultores, e um era auxiliar de carga e descarga e uma era babá, todos terpessoais (d7), interações interpessoais básicas (d710) e complexas
afastados de suas atividades laborais no momento da avaliação. (d720), relações formais (d740), sociais informais (d750) e familia-
Dos sete participantes, dois tinham acometimento no membro su- res (d760) foram os componentes relatados pelos participantes. Nas
perior direito (MSD), dois no membro superior esquerdo (MSE), áreas principais da vida (d8), o trabalho remunerado (d850) e as
um no membro inferior direito (MID) e dois no membro inferior transações econômicas básicas (d860) foram relatadas. Na vida co-
esquerdo. Na avaliação das condições de saúde atual, quatro dos par- munitária, social e cívica (d9), a vida comunitária (d910), recreação
ticipantes consideraram sua saúde física moderada, dois avaliaram e lazer (d920) e religião e espiritualidade (d930), foram menciona-
como ruim e um considerou muito ruim. Quanto à saúde mental/ dos pelos participantes (Tabela 2).
emocional, três dos participantes consideraram ruim, dois conside- No que diz respeito aos produtos e tecnologia (e1), os produtos e subs-
raram moderada, um avaliou como muito boa e um como ruim. tâncias para consumo pessoal – alimentos, remédios (e110), produ-
Quanto ao uso de recursos de tecnologias assistivas, quatro utiliza- tos e tecnologias para uso pessoal da vida diária (e115) e produtos e
vam algum dispositivo, sendo óculos e/ou muletas. Todos os par- tecnologia para mobilidade e transporte pessoal em ambientes (e120)
ticipantes faziam o uso de fármacos analgésicos e antidepressivos. foram mencionados pelos participantes. No domínio do ambiente na-
Observou-se que a SCDR I interferiu nas atividades de trabalho dos tural (e2), o clima (e225) foi o único componente citado pelos parti-
participantes do estudo, pois seis foram afastados do trabalho e um cipantes. No apoio e relacionamentos (e3), a família imediata (e310),
foi aposentado. amigos (e320) e profissionais de saúde (e355) foram relatados. No

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Tabela 1. Deficiências das funções (Parte 1a) e estruturas corporais (Parte 2a)

Partes Domínios Componentes P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7


Funções Funções mentais (b1) Sono (b134) 0 4 0 0 0 0 2
corporais Orientação – tempo, lugar, pessoa (b114) 0 2 0 0 0 0 0
(Parte 1a)
Atenção (b140) 0 3 0 0 1 2 2
Memória (b144) 0 4 0 0 2 1 2
Funções emocionais (b152) 1 1 0 0 1 0 3
Funções sensoriais e de dor Visão (b210) 0 3 0 1 2 2 2
(b2) Audição (b230) 0 3 0 0 0 0 0
Vestibular (b235) 0 4 0 0 0 0 0
Dor (b280) 2 4 3 3 4 4 4
Funções dos sistemas car- Funções do coração (b410) 0 3 0 0 0 0 0
diovasculares, hematológico, Pressão sanguínea (b420) 0 0 0 0 0 2 0
imunológico e respiratório (b4)
Funções do sistema respiratório (b440) 0 3 0 0 0 0 0
Funções dos sistemas digesti- Funções digestivas (b515) 0 0 0 1 0 2 0
vo, metabólico e endócrino (b5)
Funções geniturinárias e re- Funções urinárias (b620) 0 2 0 0 0 0 0
produtivas (b6) Funções sexuais (b640) 0 0 0 0 4 0 2
Funções neuromusculoesque- Mobilidade das articulações (b710) 3 0 3 2 4 4 3
léticas e relacionadas ao mo- Força muscular (b730) 3 0 4 3 4 4 3
vimento (b7)
Tônus muscular (b735) 0 0 3 2 0 4 3
Movimentos involuntários (b765) 0 3 0 0 0 0 0
Estruturas Estruturas do sistema nervoso Cérebro (s110) 000 300 000 000 000 000 000
corporais (s1) Medula espinhal e nervos periféricos (s120) 458 000 388 000 388 388 188
(Parte 2a)
Estruturas relacionadas ao Região do ombro (s720) 382 481 381 481 000 000 000
movimento (s7) Extremidade superior - braço, mão (s730) 382 481 381 481 000 000 000
Extremidade inferior - perna, pé (s750) 000 000 000 000 482 382 282
P = participantes; Qualificadores das Funções Corporais (Parte 1a) = zero – indica nenhuma deficiência; 1 – deficiência leve; 2 – deficiência moderada; 3 – deficiência
grave; 4 – deficiência completa; 8 – não especificado; 9 – não aplicável. Qualificadores das estruturas corporais (Parte 2a): Extensão da deficiência: 0 – indica nenhuma
deficiência; 1 – deficiência leve; 2 – deficiência moderada; 3 – deficiência grave; 4 – deficiência completa; 8 – não especificado; 9 – não aplicável. Natureza da deficiência:
zero – nenhuma mudança na estrutura; 1 – ausência total; 2 – ausência parcial; 3 – parte adicional; 4 – dimensões aberrantes/anormais; 5 – descontinuidade; 6 – desvio
de posição; 7 – mudanças qualitativas na estrutura, incluindo acúmulo de líquidos; 8 – não aplicável; 9 – não aplicável. Localização da deficiência: zero – mais de uma
região; 1 – direita; 2 – esquerda; 3 – ambos os lados; 4 – parte anterior; 5 – parte posterior; 6 – proximal; 7 – distal; 8 – não especificado; 9 – não aplicável.

Tabela 2. Limitação de atividade e restrição à participação (Parte 2)


Domínios Componentes P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7
Aprendizagem e aplicação Ouvir (d115) 00 22 00 00 00 00 00
de conhecimento (d1)
Tarefas e demandas gerais Realizar uma única tarefa (d210) 00 00 00 00 22 00 00
(d2) Realizar tarefas múltiplas (d220) 00 00 22 00 21 22 33
Comunicação (d3) Fala (d330) 00 11 00 00 00 00 00
Mobilidade (d4) Levantar e carregar objetos (d430) 44 44 33 31 33 33 32
Uso fino das mãos - pegar, segurar (d440) 44 33 11 33 00 00 00
Andar (d450) 00 00 11 00 33 00 33
Utilização de transportes - carros, ônibus, trem, avião etc. (d470) 00 00 22 44 33 33 44
Dirigir - bicicleta, motos, carro etc. (d475) 33 44 00 00 00 33 00
Cuidado pessoal (d5) Lavar-se, banhar-se, secar-se, lavar as mãos etc. (d510) 33 44 22 33 00 22 33
Cuidado das partes do corpo - escovar os dentes etc. (d520) 32 21 21 33 00 00 33
Vestir-se (d540) 22 44 33 33 00 22 33
Comer (d550) 22 33 11 33 00 00 00
Beber (d560) 00 11 00 11 00 00 00
Cuidar da própria saúde (d570) 00 21 00 00 00 21 00
Continua...

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laboral de sujeitos em idade produtiva. Relato de casos

Tabela 2. Limitação de atividade e restrição à participação (Parte 2) – continuação


Domínios Componentes P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7
Vida doméstica (d6) Aquisição de bens e serviços – fazer compras etc. (d620) 00 44 22 00 00 00 00
Preparação de refeições – cozinha etc. (d630) 33 43 22 44 33 00 22
Tarefas Domésticas – limpar a casa, lavar louça, roupas etc. (d640) 33 00 44 33 22 22 33
Relações e interações Interações interpessoais básicas (d710) 00 00 00 00 00 00 33
interpessoais (d7)
Interações interpessoais complexas (d720) 00 00 00 00 00 00 33
Relações formais (d740) 00 00 00 00 00 00 44
Relações sociais informais (d750) 00 00 00 00 00 00 44
Relações familiares (d760) 00 11 00 00 00 00 11
Áreas principais da vida Trabalho remunerado (d850) 34 33 44 44 33 34 33
(d8)
Transações econômicas básicas (d860) 00 00 22 00 00 00 00
Vida comunitária, social e Vida comunitária (d910) 00 00 00 00 22 33 22
cívica (d9)
Recreação e Lazer (d920) 21 00 44 00 22 33 33
Religião e Espiritualidade (d930) 00 00 00 00 22 00 00
P = Participante; Qualificadores referentes aos componentes de Atividade e Participação: zero – indica nenhuma deficiência; 1 – deficiência leve; 2 – deficiência
moderada; 3 – deficiência grave; 4 – deficiência completa; 8 – não especificado; 9 – não aplicável.

domínio atitude (e4), as atitudes individuais de membros da família DISCUSSÃO


imediata (e410), dos cuidadores e assistentes pessoais (e440) e dos pro-
fissionais de saúde (e450). E no domínio de serviços, sistemas e polí- Em estudos realizados por Raja e Grabow18, ocupados em discutir
ticas (e5), os componentes serviços, sistemas e políticas de transporte os mecanismos da psicopatologia da SCDR I, constataram que esta
(e540), da previdência social (e570), de saúde (e580) e de trabalho e síndrome é mais frequente em mulheres, numa relação de 3:1 e, ou-
emprego (e590) foram mencionados pelos participantes (Tabela 3). tro, realizado em nível nacional com 301 participantes, 288 eram do
No que diz respeito aos dados apresentados e analisados pela CIF, sexo feminino correspondendo a 96% dos casos19. Esses resultados
observou-se que os participantes deste estudo apresentavam limi- podem justificar-se, pois as mulheres tendem a apresentar maiores
tações nas funções e estruturas corporais e que estas refletem dire- índices de ocorrência de lesões musculoesqueléticas em relação aos
tamente nas atividades e participação que compõem o cotidiano homens. Tais lesões podem acarretar uma redução da capacidade la-
destes participantes. Cabe ressaltar que eles estavam ainda em um boral do sujeito20.
período produtivo de suas vidas e que após serem acometidos pela Quanto à idade, pode-se perceber que os participantes se encontram
síndrome foram afastados ou aposentados precocemente de suas ati- em idade produtiva, fato consonante a outros, os quais afirmam que
vidades laborais. pessoas em idade produtiva são mais acometidas pela SCDR I18,19.

Tabela 3. Fatores ambientais


Domínios Componentes P1 P2 P3 P4 P5 P6 P7
Produtos e tecnologia (e1) Produtos ou substâncias para consumo pessoal - comida, remé- +3 0 +3 +1 +3 +2 0
dios (e110)
Produtos e tecnologia para uso pessoal na vida diária (e115) 0 0 0 0 0 0 +2
Produtos e tecnologia para mobilidade e transporte pessoal em am- 0 0 0 +2 0 +3 0
bientes (e120)
Ambiente natural (e2) Clima (e225) 0 0 1 1 2 4 0
Apoio e relacionamentos Família imediata (e310) +2 +2 +3 +4 0 +4 +4
(e3)
Amigos (e320) +1 +1 +3 +2 0 0 +2
Profissionais de Saúde (e355) +3 0 +3 0 +3 +3 +2
Atitudes (e4) Atitudes individuais de membros da família imediata (e410) 0 0 +3 0 0 0 +2
Atitudes individuais dos cuidadores e assistentes pessoais (e440) +1 0 0 0 0 0 0
Atitudes individuais dos profissionais de Saúde (e450) 0 0 0 +4 0 0 0
Serviços, sistemas e políti- Serviços, sistemas e políticas de transporte (e540) 0 0 +3 0 0 0 0
cas (e5)
Serviços, sistemas e políticas da previdência social (e570) 3 3 3 3 3 3 2
Serviços, sistemas e políticas de saúde (e580) +3 0 +3 0 0 0 0
Serviços, sistemas e políticas de trabalho e emprego (e590) 3 3 2 0 3 0 3
P = participante; fatores ambientais são indicados como barreiras e facilitadores: 0 – nenhum(a) facilitador/barreira; 1 – barreira leve, 2 – barreira moderada, 3 – bar-
reira considerável e 4 – barreira completa; +1 – facilitador leve, +2 – facilitador moderado, +3 – facilitador considerável e +4 – facilitador completo.

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A condição de casado foi predominante neste estudo, não se en- dor “uma experiência sensorial e emocional subjetiva desagradável,
controu na literatura nacional e internacional estudos que relacio- difícil de quantificar e qualificar”25.
nassem o diagnóstico de SCDR I com a situação civil. Mas alguns Quanto ao uso de recursos de tecnologias assistiva (TA) utilizavam
estudos que abordam a temática da dor crônica (não especificando algum dispositivo, sendo óculos e/ou muleta. Os sujeitos com com-
o tipo) demostraram em seus resultados a prevalência de pessoas prometimento dos MMII referem os recursos de tecnologia para
casadas diagnosticadas com esta doença8,21-23. A escolaridade dos mobilidade e para uso pessoal na vida diária, como facilitadores em
participantes pode ser considerada relativamente baixa, assim como suas atividades cotidianas. Os dispositivos de TA (muletas, órteses,
no estudo realizador por Azambuja, Tschiedel e Kolinger24, em que entre outros) podem ser utilizados para o tratamento da dor crôni-
os participantes com SCDR apresentaram menos de oito anos de ca30. Esses recursos agem como facilitadores do desempenho ocupa-
escolaridade. cional dos sujeitos em suas atividades cotidianas30.
Os sujeitos acometidos pela SCDR I apresentam limitações nas Observou-se que a SCDR I interferiu nas atividades de trabalho dos
Funções e Estruturas Corporais. Ao atingir os membros superiores participantes do estudo, corroborando com o estudo realizado por
(MMSS), a síndrome compromete os movimentos da região do Azambuja et al.31 com trabalhadores celetistas, 87% dos participan-
ombro e extremidade superiores. Quanto aos membros inferiores tes estavam incapacitados para o trabalho e/ou em benefício previ-
(MMII), esta síndrome limita os movimentos da pelve e extremi- denciário em decorrência desta síndrome. O absenteísmo trabalhista
dade inferior, restringindo o movimento da marcha. Sabe-se que em decorrência da SCDR I pode caracterizar-se como um problema
o organismo humano apresenta uma complexa rede sensitiva, que de saúde pública, devido ao grande ônus causado aos cofres públi-
depende de uma integração dinâmica entre os sistemas laterais e me- cos pelos sujeitos afastados das atividades laborais ou aposentados
diais e vias descendentes. Neste estudo, cinco sujeitos apresentam a precocemente. Sujeitos com dor crônica que exercem trabalhos es-
SCDR I nos MMSS, corroborando com os dados encontrados por tritamente manuais, deparam-se limitados ao desenvolver suas ati-
Rocha25, o qual referem maior comprometimento no nervo media- vidades comprometendo sua capacidade produtiva e privando-o de
no, seguido do ulnar, do radial e do plexo braquial. exercer a sua atividade laboral.
Observaram-se alterações nas estruturas anatômicas de todos parti- Segundo Torres et al.26 o impacto do adoecimento vai além do efeito
cipantes. Eles apresentaram quadros de rigidez articular, diminuição da doença sobre o sujeito. “As consequências da doença são a perda
da força e comprometimento do tônus muscular. Devido ao qua- da identidade profissional, o redimensionamento da vida cotidiana
dro doloroso constante, os sujeitos que sofrem com esta síndrome e econômica, o sentimento de inutilidade e invalidez, o isolamento
têm medo de realizar movimentos (cinesiofobia), sendo assim, esses social, a insegurança e o medo de perder o emprego”26.
sujeitos tendem a diminuir e/ou evitar envolver o membro acome- Para alguns participantes do estudo, os produtos e substâncias, espe-
tido em atividades cotidianas, assim restringindo a sua funcionali- cialmente os fármacos, são considerados facilitadores pelos sujeitos
dade, ocasionando, portanto, perda de força muscular bem como acometidos. Os recursos farmacológicos assumem papel importante
tônus muscular23. “A limitação funcional é considerada como uma para o controle da dor. Muitos sujeitos usam simultaneamente fár-
das consequências mais marcantes”26 enfrentada pelos trabalhadores macos para dor e para distúrbios do sono, ansiedade e depressão,
adoecidos e interfere diretamente na atividade laboral26. ocasionando um impacto na esfera psicológica/emocional e social32.
Para ambos os grupos, os fatores climáticos interferem diretamente As atitudes de familiares, profissionais da saúde, companheiros, vizi-
na funcionalidade do membro acometido, sendo este considerado nhos, amigos, os serviços de transporte e serviços e políticas de saúde
uma barreira por quatro participantes deste estudo. Não foram en- são considerados por esses participantes como facilitadores do seu
contrados, na literatura nacional e internacional, estudos que relacio- cotidiano. Não corroborando ao estudo de Torres et al.26, em que
nassem o diagnóstico de SCDR I com fatores climáticos. Mas foram os indivíduos estudados apresentaram alterações psicoafetivas que
encontrados estudos sobre DN (não especificando o tipo), segundo comprometeram a relação familiar. Os serviços, sistemas e políticas
estes, as alterações climáticas (calor ou frio intenso) estão associadas da previdência social e de trabalho e emprego são apontados pelos
ao aumento da intensidade do quadro doloroso. Esses pesquisadores sujeitos como barreiras. Não se encontrou na literatura nacional e
ressaltam que essa relação ainda não está bem-esclarecida27,28. internacional estudos que relacionassem a SCDR I com questões
A partir dos dados coletados neste estudo, ficou evidente que os políticas previdenciárias e de trabalho e emprego.
sujeitos acometidos por SCDR I apresentam comprometimentos Foi possível observar no presente estudo que sujeitos acometidos por
em suas AVD e AIVD e em suas participações sociais. Esses sujeitos SCDR I sofrem uma ruptura significativa no cotidiano, interferindo
deixam de realizar suas atividades comunitárias, de lazer, trabalho e diretamente em todas as áreas do desempenho ocupacional.
econômicas, religiosas e espirituais, interferindo nas interações inter- O processo de reabilitação desses sujeitos deve ser caracterizado por
pessoais básicas e complexas, relações familiares, formais e sociais in- programas multidimensionais, que contemplem as características
formais. Essa situação afeta consideravelmente a QV desses sujeitos. biopsicossociais e uma equipe multidisciplinar. Tais programas de-
Os comprometimentos da SCDR I não se limitam apenas à saúde vem abranger aspectos biológicos, psicológicos/emocionais e sociais,
física. Esta síndrome influencia também a saúde emocional dos su- além de promover orientações sobre a SCDR I e seus agravos29.
jeitos. Sendo o quadro doloroso uma experiência multidimensional Sabe-se que esses sujeitos com SCDR I necessitam de acompanha-
e uma sensação desagradável para o sujeito, ele pode causar sequelas mento terapêutico envolvendo uma equipe multiprofissional. Os
emocionais29 que comprometem diretamente as atividades cotidia- profissionais de Fisioterapia e de Terapia Ocupacional têm papel
nas, principalmente as atividades laborais no caso de sujeitos em ida- fundamental no processo de reabilitação e reinserção efetiva dos su-
de produtiva6. Os estudos que abordam esta temática consideram a jeitos com SCDR I no mercado de trabalho. Contudo, observa-se

284
Síndrome complexa de dor regional de tipo I: impacto na atividade Rev Dor. São Paulo, 2017 jul-set;18(3):279-85
laboral de sujeitos em idade produtiva. Relato de casos

que esta temática é pouco abordada em ambas as profissões, sendo tesiol. 2002;52(5):618-27.
13. Barros N. Qualidade de vida no doente com dor. In: Teixeira MJ. Dor: contexto inter-
assim, pouco se tem discutido sobre o processo de reabilitação desta disciplinar. Curitiba: Maio; 2003.
síndrome. Nesse sentido, faz-se necessário outros estudos relaciona- 14. Di Nubila HB, Buchalla CM. O papel das Classificações da OMS - CID e CIF nas
definições de deficiência e incapacidade. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(2):324-35.
dos a condutas fisioterapêuticas e terapêuticas ocupacionais no tra- 15. Farias N, Buchalla CM. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacida-
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de vida/saúde e a atividade laboral dos sujeitos por ela acometidos. phy). Anesthesiology. 2002;96(5):1254-60.
O surgimento do quadro álgico e os agravos físicos decorrentes des- 19. Costa VV, Oliveira SB, Fernandes MC, Saraiva RA. Incidência de síndrome dolorosa
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ta síndrome comprometem diretamente as habilidades funcionais técnica anestésica realizada? Rev Bras Anestesiol. 2011;61(4):429-33.
dos trabalhadores. Esta doença impõe limitações nas AVD, AIVD, 20. Walsh IA, Corral S, Franco RN, Canetti EE, Alem ME, Coury HJ. [Work ability of
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os papéis ocupacionais dos sujeitos acometidos por esta síndrome. 21. Castro MM, Quarantini LC, Daltro C, Pires-Caldas M, Koenen KC, Kraychete DC,
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Instruções aos Autores

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ser enviado em português e inglês. Figuras e Tabelas - devem ser enviadas juntas com o texto principal do
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2. Relatos de caso que apresentem relevância e originalidade são convi- Lachmann B, van Daal GJ. Adult respiratory distress syndrome: animal
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1800 palavras. Os achados devem ser claramente apresentados e discu- tant. Amsterdam, 2nd ed. Batenburg: Elsevier; 1992. 635-63p.
tidos à luz da literatura científica, citando as referências. Incluir até três
autores. A estruturação do corpo do texto deve conter: INTRODU- Teses e dissertações: não são aceitas.
ÇÃO, RELATO DO CASO, DISCUSSÃO, Agradecimentos e Refe-
rências. Figuras e tabelas que ilustrem o texto podem ser incluídas. ILUSTRAÇÕES E TABELAS
Todas as ilustrações (incluindo figuras, tabelas e fotografias) devem ser
3. ARTIGOS DE REVISÃO obrigatoriamente citadas no texto, em lugar preferencial de sua entrada.
Revisões da literatura sobre assuntos relevantes em dor, com análise Enumerá-las em algarismos arábicos. Todas deverão conter título e legen-
crítica da literatura e realizada de forma sistemática, são bem-vindas. da. Utilizar fotos e figuras em branco e preto, e restringi-las a um máximo
Incluir até três autores. Devem conter não mais que 3000 palavras, e se- de três. Um mesmo resultado não deve ser expresso por mais de uma ilus-
rem estruturadas da seguinte forma: INTRODUÇÃO, CONTEÚDO, tração. Sinais gráficos utilizados nas tabelas, figuras ou siglas devem ter sua
CONCLUSÃO, REFERÊNCIAS. correlação mencionada no rodapé. Figuras e tabelas devem ser enviadas
em formato que permita edição, segundo recomendação a seguir:
4. CARTAS
Podem ser enviadas cartas ou comentários a qualquer artigo publicado Formato Digital
na revista, com no máximo 400 palavras e até cinco referências. A carta de submissão, o manuscrito, e tabelas deverão ser encaminhadas
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REFERÊNCIAS deverão ser encaminhadas em Excel (extensão XLS). Fotos deverão ser
A Revista Dor adota as “Normas de Vancouver” (http://www.icmje.org) digitalizadas com resolução mínima de 300 DPI, em formato JPEG.
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ser citados trabalhos não publicados e preferencialmente evitar a citação publicações serão permitidas apenas mediante a anexação de autorização
de resumos apresentados em eventos científicos. Referências mais anti- expressa da Editora ou do Autor do artigo de origem.
gas do que cinco anos deverão ser citadas caso sejam fundamentais para
o artigo. Artigos já aceitos para publicação poderão ser citados com a Ética:
informação de que estão em processo de publicação. Ao relatar experimentos com seres humanos, indique se os procedimen-
Deverão ser citados até seis autores e, se houver mais, incluir após os tos seguidos estavam de acordo com os padrões éticos do Comitê res-
nomes, et al. O título do periódico deverá ter seu nome abreviado. ponsável pela experimentação humana (institucional ou regional) e com
a Declaração de Helsinque de 1975, tal como revista em 1983. Deve-se
EXEMPLOS DE REFERÊNCIAS: citar o número de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.
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tempo de regressão do bloqueio motor induzido pela lidocaína. Estudo Entre elas está o Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC), que
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Dor. 2013;14(3):234. rimentais e não experimentais realizados em seres humanos, em anda-
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Artigo de suplemento: pode ser acessada no site http://www.ensaiosclinicos.gov.br. O número
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O título, o resumo e abstract não devem conter abreviações. Quando ex-
Livro: (quando estritamente necessários) pressões são extensas no texto, a partir da INTRODUÇÃO não precisam
Doyle AC, editor. Biological mysteries solved, 2nd ed. London: Science ser repetidas. Após a sua primeira menção no texto, precedida da sigla
Press; 1991. 477-80p. entre parêntesis, recomenda-se que suas iniciais maiúsculas as substituam.
OxyContin® (cloridrato de oxicodona) - APRESENTAÇÃO: Comprimidos revestidos de liberação prolongada 10 mg em embalagens com 14 ou 28 comprimidos, 20 mg e 40 mg em embalagens com
28 comprimidos. USO ORAL - USO ADULTO - INDICAÇÕES: Tratamento de dores moderadas a severas, quando é necessária a administração contínua de um analgésico, 24 horas por dia, por período
de tempo prolongado. Tratamento individualizado, iniciando a terapia com oxicodona depois da utilização de analgésicos não-opioides, tais como anti-inflamatórios não-esteroides, e paracetamol. Uso
pós-operatório apenas se o paciente tiver recebido a droga antes do procedimento cirúrgico ou quando se prevê que a dor pós-operatória será moderada a severa e perdurará por período de tempo
prolongado. Não deverá ser utilizado como analgésico condicionado à dor. CONTRAINDICAÇÕES: Hipersensibilidade à oxicodona ou a qualquer um dos excipientes da formulação; asma brônquica
severa; depressão respiratória, com hipóxia e/ou hipercapnia; pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica severa; cor pulmonale ou suspeita de íleo paralítico. Categoria B: Este medicamento
não deve ser utilizado por mulheres grávidas ou amamentando sem orientação médica ou do cirurgião-dentista. PRECAUÇÕES E ADVERTÊNCIAS: Riscos de depressão respiratória, estado
mental alterado e hipotensão postural. Deve-se ter cautela com pacientes idosos debilitados; pacientes com função pulmonar severamente comprometida; pacientes com função renal ou hepática
comprometida; pacientes com mixedema, hipotireoidismo, alcoolismo, psicose tóxica, Delirium tremens, pancreatite, hipotensão, lesão craniana ou em conjunto com inibidores da MAO. O uso prolongado
pode levar à dependência física e pode ocorrer síndrome de retirada caso o tratamento seja interrompido abruptamente. Pode agravar as convulsões em pacientes com transtornos convulsivos. REAÇÕES
ADVERSAS: Tontura, sonolência; constipação, náusea, vômito; prurido, confusão, dispneia; dependência; depressão respiratória, retenção urinária; hipotensão, hipotensão ortostática; reação anafilática
ou anafilactoide; hiperalgesia; síndrome da retirada neonatal. INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS E COM EXAMES LABORATORIAIS: Efeitos aditivos com álcool, outros opioides, sedativos, hipnóticos,
antidepressivos e drogas neurolépticas. Possível interação com medicamentos que bloqueiem a via de metabolização da CYP2D6 e CYP3A4. Os alimentos não têm efeito significativo sobre a absorção da
oxicodona. POSOLOGIA: Deve ser administrado cada 12 horas. Embora uma dosagem simétrica (doses matinal e vespertina iguais) a cada 12 horas seja adequada para a maioria dos pacientes, alguns
deles poderão beneficiar-se de uma dosagem assimétrica (com a dose da manhã diferindo da dose da tarde), ajustada ao caso. VENDA SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA - SÓ PODE SER VENDIDO COM
RETENÇÃO DA RECEITA. / Material de uso exclusivo à classe médica. / Para informações completas, consultar a bula do produto. / Informações adicionais disponíveis aos profissionais de saúde mediante
solicitação. / SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. / Reg. MS: 1.9198.0001 / Farm. Resp.: Kátia Esteves dos Santos – CRF/SP: 36.165 / Registrado e Importado por:
Mundipharma Brasil Produtos Médicos e Farmacêuticos Ltda. / CNPJ: 15.127.898/0001-30 / SAC: 0800 038 6040.

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HIPNÓTICOS, ANTIDEPRESSIVOS E DROGAS NEUROLÉPTICAS.
A família de pregabalina
completa 5
Eficácia e Flexibilidade para o tratamento
do Brasil.
da Fibromialgia e Dor Neuropática1-4 Concentrações exclusivas de 50 e 100 mg5

Nova
100 mg ConcentraçÃO

50 mg6 75 mg7 150 MG7 1o0 MG8

Flexibilidade 4,9
SEGURANÇA E TOLERABILIDADE 10,11

Início do tratamento com aumento gradual da Melhor opção de tratamento em esquema de


dose (50, 75, 100 e 150 mg/dia) no tratamento doses fixas ou flexíveis para pacientes idosos
das neuropatias (Diabética e Pós-herpética).4,6,7,9,10 com Dor Neuropática Diabética (DND).10,11
Referências bibliográficas: 1. Jensen MP, Chodroff MJ, Dworkin RH. The impact of neurophatic pain on health-related quality of life: review and implications. Neurology. 2007 April 68(15):1178-82. 2. Baidya DK, Agarwal A, Khanna O, et al. Pregabalin in acute and
chronic pain. J Anaesthesiol Clin Pharmacol. 2011 Jul;27(3):307-14. 3. Boomershine CS. Pregabalin for the management of fibromyalgia syndrome. J Pain Res. 2010 Jun 22;3:81-8. 4. Freynhagen R, Grond S, Schüpfer G, et al. Efficacy and safety of thiocolchicoside
and pregabalin in the treatment of acute non-specific low back pain: an open label randomized prospective study. Int J Clin Pract. 2007 Dec;61(12):1989-96. Epub 2007 Sep 24. 5. Revista Kairos, dez/2016. 6. Bula Prebictal® 50 mg. 7. Bula Prebictal® 75 mg e 150 mg.
8. Bula do produto – Prebictal® 100 mg. 9. Freynhagen R, Serpell M, Emir B, et al. A comprehensive drug safety evaluation of pregabalin in peripheral neuropathic pain. Pain Pract. 2015 January;15(1):47-57.10. Freynhagen R1, Strojek K, Griesing T, et al. Efficacy of
pregabalin in neuropathic pain evaluated in a 12-week, randomised, double-blind, multicentre, placebo-controlled trial of flexibleand fixed-dose regimens. 2005 Jun;115(3):254-63. 11. Verma V1, Singh N1, Singh Jaggi A1. Pregabalin in neuropathic pain: evidences and
possible mechanisms. Curr Neuropharmacol. 2014 Jan;12(1):44-56.
PREBICTAL® (pregabalina). Cápsulas. Embalagem com 14 ou 28 cápsulas de 50mg, 75mg, 100mg ou 150mg. Uso Adulto. Uso Oral. Indicações: Tratamento da dor neuropática; terapia adjunta na epilepsia;
1. Jensen MP, Chodroff MJ, Dworkin RH. The impact of neuropathic pain on health-related quality of life: review and implications. Neurology. 2007 Apr 10;68(15):1178-82. 2. Baidya DK, Agarwal A, Khanna P, Arora MK.
transtorno
Pregabalindein Ansiedade Generalizada
acute and chronic (TAG); fibromialgia.
pain. J Anaesthesiol Contraindicações:
Clin Pharmacol. 2011 Jul;27(3):307-14.Hipersensibilidade
3 à pregabalina ou componentes da fórmula. Advertências e Precauções:4.pacientes Publicadocom intolerância
em Revista Kairos -aAbril/2014.
galactose,
5
deficiência de lactase de Lapp ou má absorção de glicose-galactose não devem utilizar Prebictal®. Categoria de risco na gravidez: C. Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres
2010 Dec;32(14):2370-85. 6. Bula do produto. 7 8. Emir B,
grávidas sem orientação médica. Pacientes não devem dirigir, operar máquinas complexas ou se engajar em atividades potencialmente perigosas pois Prebictal 9 ® pode produzir tontura e sonolência. Interações
pregabalin for treating neuropathic pain associated with diabetic peripheral neuropathy: a 14 week, randomized, double-blind, placebo-controlled trial. Diabet Med. 2011 Jan;28(1):109-16.10. Dworkin RH, Corbin AE, Young JP Jr, et al. Pregabalin for
Medicamentosas: pregabalina
the treatment of postherpetic pode
neuralgia: potencializar
a randomized, efeitos do etanol
placebo-controlled trial.eNeurology.2003
lorazepam. Prejuízo aditivo na função
Apr 22;60(8):1274-83. 11 cognitiva e coordenação motora causado pela oxicodona. Redução da função do trato gastrintestinal inferior
(obstrução intestinal, íleo paralítico, constipação) quando pregabalina coadministrada com medicamentos com potencial 12. Trigo para
JL, Rieger JS. Pregabalina.
produzir constipação Un Nuevo tratamiento para
(ex: analgésicos el dolorReações
neuropático.Adversas:
Neurologia 2006; 21 (2):e96-103. 13.
14.opioides).
Espinoza WR Tontura
et al. Pregabalina y rehabilitación sonolência
integral en el
(mais frequentes e principais motivos da descontinuação). Posologia: Dose inicial: 150mg/dia, em
15. 2 ou
Ornelas 3 tomadas;
HÁ; Buzzo AR,pode
Garcíaser aumentada
L et para 300mg/dia
al. Cost-effectiveness Analysis (100mg três
of Pharmacologicvezes ao dia
Treatment ofouFibromyalgia
150 mg duas vezes
in Mexico.
2012;8(3):120–127. 16. Mittal M, Pasnoor M, Mummaneni RB et al. Retrospective chart review of duloxetine and pregabalin in the treatment of painful neuropathy. Int J Neurosci. 2011 Sep;121(9):521-7. Epub 2011 Jun 15.17. Montgomery S; Chatamra
ao dia)
Reumatol dentro
Clin.
de uma semana; dose máxima: 600mg/dia. Favor consultar a bula para lista completa de EA e detalhes sobre18.posologia. Cardenas DD, VENDA
MD, MHA, SOB PRESCRIÇÃO
Nieshoff EC, MD, Suda K,MÉDICA. SÓ PODEtrialSER
MD et al. A randomized VENDIDO
of pregabalin COMwithRETENÇÃO
in patients neuropathic
pain due to spinal cord injury.Neurology_ 2013;80:533–539. 19. Peres C, Navarro A, Saldaña MT et al. Patient-reported outcomes in subjects with painful trigeminal neuralgia receiving pregabalin: evidence from medical practice in primary care settings.
DABlackwell
RECEITA. Reg.
Publishing LtdMS: 12214.0082
Cephalalgia, (75mg e20150mg), 1.2214.0096 (100mg) e 12214.0092 (50mg). SAC: 0800-166575. Informações adicionais disponíveis21.
2009, 29, 781–7909. aosAprovação
profissionais
do MSde do saúde mediante
Protocolo Clínico
e Diretrizes
solicitação a Terapêuticas da DorFarmacêuticos
Zodiac Produtos Crônica 2012. S.A. Praça José Lannes, 40 – CEP 04571-100 – São Paulo, SP.
PREBICTAL® (pregabalina). Cápsulas. Embalagem com 14 ou 28 cápsulas de 75mg e 150mg. Indicações: Prebictal® (pregabalina) é indicado para o tratamento da dor neuropática em adultos; na epilepsia como terapia adjunta das crises parciais, com ou sem
Contraindicação: hipersensibilidade
pregabalina ou a qualquer componente da fórmula. Advertências e Precauções: conhecida a qualquer componente da formulação.
generalização secundária, em pacientes a partir de 12 anos de idade; para o tratamento do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) em adultos. Contraindicações: Prebictal (pregabalina) é contraindicado a pacientes com hipersensibilidade conhecida à
®

. Categoria
de risco na gravidez: C. Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica. Prebictal pode produzir tontura e sonolência que, portanto, podem prejudicar a habilidade de dirigir e operar máquinas. Os pacientes devem
®
®

Interação Medicamentosa: Pode potencializar os efeitos de no bebidas


estado de equilíbrio.alcoólicas e de oslorazepam.
ser aconselhados a não dirigir, operar máquinas complexas, ou se engajar em outras atividades potencialmente perigosas até que se saiba se este medicamento afeta a sua capacidade de executar tais atividades.Interações Medicamentosas: A coadministração
s agentes A pregabalina pode potencializar efeitos do etanol e lorazepan. Doses orais múltiplas de
pregabalina coadministrada com oxicodona, lorazepam ou etanol não resultaram em efeitos clinicamente importantes sobre a respiração. A pregabalina parece ser aditiva no prejuízo da função cognitiva e coordenação motora grosseira causado pela oxicodona.
Reações Adversas:
Prebictal® é um medicamento. Durante seu uso, não dirija veículos ou opere
foi de 13% para pacientes recebendo pregabalina e de 7% para pacientes recebendo placebo. As reações adversas mais comuns que resultaram em descontinuação nos grupos de tratamento com pregabalina foram tontura e sonolência.Posologia: Prebictal®
deve ser utilizado por via oral. A dose inicial recomendada de Prebictal®
Com base na resposta individual e na tolerabilidade do paciente, a dose poderá ser aumentada para 150mg duas vezes ao dia após um intervalo de 3 a 7 dias e, se necessário, até uma dose máxima de 300mg duas vezes ao dia após mais uma semana.VENDA

máquinas, pois sua agilidade e atenção podem estar prejudicadas.


SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. SÓ PODE SER VENDIDO COM RETENÇÃO DA RECEITA. Reg. MS – 12214.0082.
Edifício Berrini 500 – Praça José Lannes, 40 – CEP 04571-100 – São Paulo – SP. DUR 23/03/12. SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. Prebictal® é um medicamento. Durante seu uso, não dirija veículos ou opere
máquinas, pois sua agilidade e atenção podem estar prejudicadas.

Contraindicação: hipersensibilidade conhecida a qualquer componente da formulação.


Interação Medicamentosa: Pode potencializar os efeitos de bebidas alcoólicas e de lorazepam.
SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO.

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