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Do malandro ao trabalhador honesto: o Estado Novo e o mundo do trabalho.

Só o trabalho - esta ideia-fato - pode constituir-se em medida de avaliação


do "valor social" dos indivíduos e, por conseguinte, em critério de justiça
social. Só o trabalho pode ser um princípio orientador das ações de um
verdadeiro Estado democrático, isto é, de um Estado "administrador do bem
comum" (p.155)
As políticas empreendidas por Getúlio Vargas durante a ditadura do Estado Novo
(1937-1945) foram de forte intervenção estatal, em um contexto de crise do
liberalismo, onde o maior problema brasileiro era a fome. Em um estado liberal, os
problemas são individuais e o estado deve ser ausente de políticas públicas e que
intervenham na economia, mas esse modelo não se sustentava, no Brasil que
estava faminto e o desemprego era o comum. Durante um longo período histórico, a
pobreza foi naturalizada, vista como comum e até mesmo útil para o estímulo do
trabalho, mas no Brasil da década de 30, ela era incômoda e gerava comoções
coletivas (greves nos centros urbanos) e agitações na zona rural.
Vargas, reconhece os problemas das massas sociais e vai se apropriar de questões
dos operários, fazendo do trabalho uma das suas grandes medidas políticas, longe
de questões humanas, mas a pobreza devia acabar para que o país caminhasse a
um progresso e calasse as mazelas sociais que custavam em incomodar o capital.
Estrutura-se uma ideologia política de valorização do trabalho e de reabilitação do
papel e do lugar do trabalhador nacional (p.152). Dessa maneira, o Estado Novo,
como definido segundo Ângela Maria de Castro Gomes, sofre um processo de
produção do consentimento, visto que, a pobreza é uma questão que recai
principalmente sobre os operários, as medidas do governo se configuram em
concessão de direitos que façam com que as greves se calem e os cidadão
brasileiro busque uma ascensão por meio da dignificação do trabalho honesto.
Combinando a incorporação das questões do brasileiro pobre e medidas legislativas,
foram instituídos, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; Ministério da
Educação e Saúde; a medicina social que promovia a segurança não só física mas
espiritual do trabalhador; Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS); A
Liga Nacional Contra o Mocambo (a promoção de moradia na cidade do Recife);
construção de casas populares; A Marcha para o Oeste que procurava “colonizar” o
interior do país; Departamento Nacional de Imigração e o Serviço de Imigração,
Reflorestamento e Colonização em Divisão de Terras e Colonização.
Dessa forma, o antigo malandro brasileiro que se rebelava contra o Estado, deveria
ser transformado no cidadão ideal, o “homem novo”, esse tem no trabalho honesto
sua maior satisfação pessoal em um governo que o nota e se preocupa com seu
bem estar físico e mental. Essa foi uma estratégia político-ideológica
instrumentalizada pelo Estado Novo, onde o trabalho nacional se tornou uma
expressão política norteadora. Sob a égide de uma concepção totalista do trabalho,
onde todas as classes eram homogeneizadas, as questões não eram individuais ou
coletivas, mas do país, o que gerava a desmobilização de greves e luta por direitos.
O governo Vargas, usava de propagandas, músicas e da arte para repercutirem
seus ideais. Definido por Kátia Rodrigues Paranhos, como um engajamento às
avessas, uma literatura proletária fora incentivada pelo Estado Novo, mas trazendo
não na revolução, mas na valorização do trabalho o seu ideal. Em fevereiro de 1942,
o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, promoveu o Concurso de Romance e
Teatro, suscitado pelo então ministro Marcondes Filho, seu discurso era que no
Brasil não existia “ressentimento de classe”, pois o país havia alcançado condições
justas, O gênio político do Sr. Getúlio Vargas conseguiu fazer do Brasil uma
luminosa exceção dessa regra de violências, conseguiu transportar, do livro para a
vida, o governo para o povo.
Foram duas as peças que ganharam o concurso, Pedro Maneta de Paulo Licio Rizzo
e Julho, 10! de Leda Maria de Albuquerque e Maria Luisa Castelo Branco. O
primeiro, a história se configura em torno de Pedro Martinez que ao perder o braço,
se vê desempregado, abandonado pela namorada e sem esperança, se transforma
em Pedro Maneta assolado pela falta de trabalho, mas mesmo assim vai em busca
de trabalho, ao invés de apoiar seus amigos comunistas, segundo Pedro esses ao
lutarem por melhores condições de trabalho, estariam o fazendo da forma errada,
visto que incitavam a violência e as greves. Porém, com a ajuda de sua família e um
“bondoso” patrão ressurge para o trabalho:
Nunca trabalhei com tanto vigor como nesse dia. À medida que o tecido se
formava rapidamente sentia-me cada vez mais elevado a atmosferas de
felicidade indescritível.
Como era bom tecer! Como os desenhos da obra dirigida por minhas
próprias mãos me embriagavam! Será possível que esteja mesmo numa
fábrica?! Não (...) Você está no céu. Você descobriu o Paraíso no dia em
que alcançou a significação profunda de viver no seu próprio lugar. Lembrei-
me de Deus ao ouvir essas invocações da memória. (...) Fiquei a pensar no
milagre que se operava na mentalidade da nossa gente nesses três anos de
Estado Novo. (...) Não tínhamos agora privilégios garantidos os quais a
anarquia do sonhado Diretório bolchevista jamais nos poderia proporcionar?
O matracar dos teares aquecia e multiplicava meus pensamentos.
Trabalhava com voracidade numa ânsia febril de produzir. (p.112-113).
Deflagrando o “homem novo” que mesmo sem um braço, desolado pela vida, não se
torna um revolucionário, mas se empenha em uma árdua luta pelo trabalho honesto
e o consegue, tendo no trabalho sua dignificação e o ápice de sua vida, confunde o
trabalho com o próprio céu. Julho, 10!, foi uma peça de teatro que tem em sua
protagonista Maria Tereza que perdeu seu pai em uma greve pré-30 e sonha com o
dia em que os problemas serão solucionados sem que haja greves. Acontece uma
explosão na vila operária, enquanto Maria está se empenhando em conseguir com o
patrão uma idenização, seus colegas estão ocupados com uma greve:
Maria Teresa não proporia nunca uma greve, uma violência. Ela está tão
longe disto tudo, de ódios, de rancores... (...) Quem a conhece, como eu,
sabe perfeitamente que ela seria incapaz de coisa tão baixa. Mesmo
porque, com a greve, sofreriam todos, operários e patrões, e maior ainda
seria o prejuízo do Estado. (...) Maria Teresa não faria nunca uma coisa
assim. Prejudicaria em primeiro lugar sua Pátria, em segundo seus próprios
companheiros de trabalho e depois a ela mesma, pois (...) é ela quem ajuda
a família a viver.(p.116)
Enquanto Maria Tereza alcança com sua negociação uma idenização, seus colegas
grevistas não conseguiram nada. Ou seja, as duas peças vencedoras, promovem o
ideal do trabalhador propagado durante o Estado Novo. Refletindo no teatro e na
literatura, um engajamento às avessas, onde se rebelar estaria fora de cogitação,
visto que Getúlio promoveu uma concepção totalista do trabalho, onde a riqueza e o
prosperar da nação se definia como uma causa comum de todas as classes. O
conhecido pai dos pobres, acima de benevolência, promoveu políticas que tentavam
calar os operários, mesmo no mundo das artes.
Referências:
GOMES. Ângela Maria de Castro.“A CONSTRUÇÃO DO HOMEM NOVO: o
Trabalhador Brasileiro”. (p.151-164)
PARANHOS. Kátia Rodrigues. “Engajamento às avessas: textos e representações
do mundo do trabalho no Estado Novo”. (p.109-117)

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