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Introdução
A função tecidual e o desenvolvimento das formas de vida animal mais evoluídas dependem da manutenção e
do controle da composição dos líquidos corporais que banham todas as células teciduais. Toda forma de vida
está intimamente associada à água. A maioria dos íons e das moléculas que constituem a matéria viva tem
relações químicas e físicas com a água, e o número de compostos químicos que podem ser colocados em
solução aquosa é excepcionalmente grande. Devido à extrema importância da água e dos eletrólitos para os
processos biológicos, muitos sistemas orgânicos estão envolvidos na sua regulação e no seu equilíbrio. O
sistema gastrintestinal, os rins, a pele e várias glândulas endócrinas funcionam na manutenção da água corporal
e da concentração de eletrólitos em delicado equilíbrio, apesar das grandes variações na ingestão e na perda
destes elementos. Por esta característica de balanceamento e sua complexa regulação, muitas das doenças
que afetam os animais domésticos envolvendo os órgãos ou sistemas participantes deste processo resultam em
alterações dos equilíbrios dos fluidos corporais, dos eletrólitos e acidobásicos. A alteração do balanço da água
corporal, em que mais fluido é perdido do que é absorvido pelo corpo, ocasiona redução do volume do sangue
circulante e desidratação dos tecidos. As alterações do balanço eletrolítico ocorrem comumente como resultado
de perdas de eletrólitos, desvios de certos eletrólitos entre os compartimentos de fluidos corporais e alterações
relativas em suas concentrações devido à perda de água. Os desequilíbrios acidobásicos, sejam acidoses ou
alcaloses, ocorrem em consequência da adição de ácido ou da depleção da reserva alcalina orgânica, ou por
perda de ácido com um aumento relativo de bases, particularmente bicarbonato.
Sob várias condições, todos os desequilíbrios citados de fluidos e eletrólitos poderão ocorrer
simultaneamente, em graus variados, na dependência da causa inicial. Exemplificam essa situação os distúrbios
do sistema gastrintestinal, como a anorexia, o vômito e a diarreia, que com frequência resultam em significativas
alterações dos equilíbrios hídrico, eletrólito e acidobásico. A menos que sejam corrigidos de modo e em tempo
apropriados, essas alterações na homeostase dos fluidos corporais poderão retardar ou impedir a recuperação
dos pacientes afetados, mesmo que outros tratamentos específicos tenham sido realizados.
A terapia para restaurar e manter os equilíbrios dos fluidos corporais, dos eletrólitos e acidobásico depende
de conhecimentos e conceitos básicos que serão relacionados a seguir.
Equilíbrio hídrico
A quantidade total de água no corpo mantémse relativamente constante a cada dia. A água é obtida pela
ingestão ou como produto final do metabolismo celular. A água é perdida pela urina, pela pele, com os gases
expirados na respiração, e pelas fezes; os animais em lactação também perdem água pelo leite que produzem.
Apenas a ingestão e a excreção urinária de água são controladas, no sentido de regulagem do volume corporal
de água.
O sistema neuronal que controla a sede e o comportamento associado ao ato de beber localizase na região
hipotalâmica do cérebro. À medida que se desenvolve o déficit de água, as concentrações osmótica e de sódio
aumentam no LEC, estimulando o hipotálamo e a sede; além disto, a queda de volume líquido e pressão
sanguínea estimulam também a sede, via sistema reninaangiotensina, e a liberação de hormônio antidiurético
(HAD), que diminui o volume urinário, retendo água como consequência.
Equilíbrio eletrolítico
A composição iônica característica dos líquidos corporais dos mamíferos tem diversidade e obedece à
necessidade de haver neutralidade elétrica, de modo que o número de miliequivalentes (mEq) resultantes dos
cátions seja exatamente igual àquele dos ânions em cada fluido. No LEC, o principal cátion é o sódio, e os
principais ânions são o cloreto e o bicarbonato. No LIC, os principais cátions são o potássio e o magnésio, e os
principais ânions os fosfatos orgânicos e as proteínas, e em menor proporção, o sulfato e o bicarbonato. O
componente plasmático do LEC apresenta como ânions considerável quantidade de proteínas.
A pequena diversidade de composição do LEC presente no interstício e no plasma é essencial para a
manutenção do volume plasmático normal, por meio das variações das pressões oncótica e hidrostática no nível
das porções proximal e distal dos capilares. A composição visivelmente distinta do LIC, quando comparada à do
LEC, é mantida pela permeabilidade seletiva da membrana celular e a atividade da bomba de sódio (Na+)
potássio (K+), ligada à membrana e dependente de energia, que permite a entrada de K + e a saída de Na+ do
meio intracelular, contra um gradiente eletroquímico. Por outro lado, a impermeabilidade da membrana aos
fosfatos e às proteínas provoca grande pressão oncótica intracelular, que é suplantada pelo deslocamento iônico
ativo, evitando a entrada de LEC para o interior das células.
A composição iônica característica dos líquidos corporais dos mamíferos em termos de equivalentes
químicos é de aproximadamente 300 mEq/ de H2O no LEC e de 400 mEq/ de H2O no LIC. Se a composição
for expressa em termos de concentração osmótica, observase padrão similar.
Equilíbrio acidobásico
Por equilíbrio acidobásico entendese a concentração de íons hidrogênio (H+) relativamente constante no LEC,
resultante do balanço entre o total dos ácidos e bases presentes nos fluidos corporais e gerados pelo
metabolismo orgânico. A concentração dos íons H+ no LEC é uma das variáveis corporais com mais rigorosa
regulação. O pH apresentado no sangue dos animais domésticos varia em uma faixa estreita, considerandose
como fisiológica aquela situada entre 7,35 e 7,45, com um valor médio de 7,4. Nos mamíferos consideramse,
em geral, como seus limites vitais de variação, valores entre 7 e 7,8.
A manutenção da constância do pH é essencial para o metabolismo celular, porém desvios da normalidade
podem ocorrer quando se adicionam ácidos ou bases aos líquidos corporais ou removemse os mesmos
daqueles fluidos. A queda do pH sanguíneo abaixo do seu limite mínimo normal é conhecida como acidemia, e
a sua elevação a um valor superior ao limite máximo fisiológico é denominada alcalemia. O processo pelo qual
o excesso de ácido é acrescentado ou a base é removida do LEC é chamado de acidose. De modo oposto, o
processo pelo qual o excesso de base é adicionado ou o ácido é perdido do LEC é denominado alcalose. A
acidose e a alcalose podem ainda ser classificadas, conforme a origem, em metabólicas, quando resultantes da
adição ou da remoção anormal de íons H+ ou bicarbonato (HCO3–), e em respiratórias, quando geradas pelo
acréscimo ou pela perda em excesso de dióxido de carbono (CO2).
Sob condições normais, há no sistema orgânico uma adição contínua de ácidos e bases aos fluidos
corporais, devido à ingestão ou como resultado da produção destas substâncias pelo metabolismo celular. Em
condições patológicas, como diarreias, vômito, doenças renais ou respiratórias, podem estas provocar perdas ou
ganhos anormais de ácidos ou bases. Fisiologicamente, no interior do corpo, o metabolismo da maioria dos
compostos constituídos por átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio resulta na formação de água,
CO2 e ureia. O CO2 reage com a água, sob ação da anidrase carbônica, para formar o ácido carbônico, o qual
quantitativamente é o ácido mais importante que se forma no organismo. A eliminação deste ácido se faz pelos
pulmões, por meio da expiração, sob a forma de CO2. Os aminoácidos que contêm enxofre produzem, no
desdobramento metabólico, o ácido sulfúrico, o qual sofre tamponamento, sendo transformado em um ácido
fraco, sendo então eliminado pela via renal. Outros ácidos, que não o carbônico, sofrem eliminação por processo
semelhante.
Os compostos básicos são formados também como resultado do metabolismo de muitos alimentos de
origem vegetal. Um exemplo é o do citrato de sódio, que sofre oxidação, gerando CO2 e água; são, porém, para
isto necessários íons H+ que são obtidos da reação de CO2 e água, que gera ácido carbônico e dissociase em
H+ e HCO3. Resulta disto a produção de bicarbonato. Existem outros ânions orgânicos com semelhante
comportamento metabólico, razão pela qual nos herbívoros a urina é alcalina, pois o excesso de bases é
eliminado pela via renal. Em animais carnívoros e onívoros que ingerem alimentos ricos em proteínas ou
aqueles privados de alimentos, há produção excessiva de ácidos e, em consequência, a urina é ácida.
O combate às alterações potenciais, gerado pelo metabolismo normal, e às oriundas de situações
patológicas, com vistas à manutenção do equilíbrio acidobásico, se faz por meio de três mecanismos básicos:
tamponamento químico; respiratório (ajuste de concentração de ácido carbônico no sangue, pela variação do
nível de ventilação pulmonar) e renal (variação do nível de excreção de H+ e HCO3–). A ação dos tampões e do
mecanismo respiratório de correção do equilíbrio acidobásico ocorre em minutos, evitando grandes alterações
na concentração de H+. Esses são os mecanismos acionados na compensação de desequilíbrios acidobásicos
de origem metabólica. O tamponamento químico e a ação do mecanismo renal pela variação da excreção de H+
e HCO3– atuam na compensação de desequilíbrios de origem respiratória. Todavia, a longo prazo, a via renal
atuará também na compensação dos problemas de origem metabólica.
Tamponamento químico
Um sistematampão consiste na mistura de um ácido fraco com a sua base conjugada. A ação de um sistema
tampão, quando do acréscimo de ácido ou base a um fluido, consiste em atenuar o desvio do pH que
normalmente ocorreria em sua ausência. Ao acrescentarse um ácido forte a uma solução, os íons H+
adicionados ligamse à base conjugada, formando mais ácido fraco. No sistematampão constituído pelo ácido
carbônico e o bicarbonato, a adição de ácido sulfúrico resulta na seguinte reação:
2H+ + SO4–+ 2HCO–3 2H2CO3 + SO4– –
Em que o efeito tamponante se dá pela substituição de um ácido forte por um ácido fraco do sistema
tampão. A relação entre o pH e a mistura de ácido fraco com sua base conjugada é dada pela equação de
HendersonHasselbalch (ver Capítulo 4).
Ao adicionarse um ácido a um sistematampão, há resistência a um desvio do pH, porém a proporção
base:ácido diminui, pois da ação tamponante resulta o consumo de base e a formação de ácido fraco, e o pH
sofre pequena diminuição. O acréscimo de mais ácido intensifica a diminuição da proporção base:ácido e, em
consequência, há maior redução do pH, sendo pois a função protetora dos sistemastampão limitada e, a menos
que se restaurem as concentrações e uma proporção favorável entre a base e o ácido, a adição contínua de
ácido determina a depleção dos tampões, resultando em acidemia. A adição de uma base forte aos líquidos
corporais resulta, pela ação do tampão, em uma reação da base com o ácido fraco e na consequente formação
de mais base tampão. A restauração da base e do ácido, componentes do sistematampão, depende da ação
renal, por meio da secreção de íons H+ e da excreção de base com retenção de H+, respectivamente.
Os principais sistemastampão no LEC são o do bicarbonato, da hemoglobina, das proteínas plasmáticas e
dos fosfatos; destes, os mais importantes são o do bicarbonato e o da hemoglobina. No acréscimo de um ácido
forte ao sangue in vitro, observase uma ação tamponante com participação de 53% do bicarbonato, de 35% da
hemoglobina, de 7% das proteínas do plasma e de 5% dos fosfatos. A capacidade tampão total do sangue é
adequada para impedir um desvio do pH além ou aquém dos limites vitais (7 a 7,8)/todavia, no sistema orgânico
parte da ação tamponante é rapidamente assumida pelos tampões do líquido intersticial e das células teciduais.
O sistematampão bicarbonato é o principal presente no LEC, não só pela sua eficiência, mas também pela
ampla distribuição, pela pronta disponibilidade, pelas grandes quantidades de HCO3– existentes nesse fluido,
bem como pelo controle renal e pulmonar que este sistema pode dispor para manter níveis adequados,
respectivamente, de HCO3– e de CO2, formando ácido carbônico. A proporção entre o HCO3– (base conjugada) e
o H2CO3 (ácido fraco) presente no LEC é de 20 para 1.
A hemoglobina (Hb) é o segundo tampão sanguíneo mais importante. Quando o pH do sangue é normal,
parte das moléculas de Hb das hemácias está sob a forma de íons proteinato, Hb– (base). Com seus ácidos
fracos, HHb, esses dois íons formam o par tampão. As proteínas do plasma, em parte, também estão
presentes na forma de íons proteinato no pH corporal, formando o par tampãoproteína (base) e proteínaH
(ácido fraco). Os componentes dos tampões fosfato no pH do sangue são HPO4– (base) e H2 PO4– (ácido
fraco), porém têm pouca participação no tamponamento do LEC.
No LIC, os tampões considerados mais importantes são os dos fosfatos e das proteínas.
Embora os diferentes sistemastampão tenham sido considerados isoladamente, todos eles no LEC atuam
de forma uníssona, participando da ação tamponante em conjunto. Como o pH é o mesmo para todos os
tampões em uma solução e como em um estado de equilíbrio todos os tampões estão presentes de forma
balanceada entre si, a mensuração de um sistematampão indica o estado de todos os outros. A relação entre
os diferentes tampões pode ser ilustrada da seguinte maneira:
A consequência deste fato é que pela sua disponibilidade no LEC e relativa facilidade de mensuração, o
sistema bicarbonato é aquele utilizado rotineiramente para a avaliação clínica da capacidade tamponante do
sistema orgânico animal e, em associação com outras determinações hemogasométricas, para a análise do
próprio equilíbrio acidobásico.
Desidratação
Conceito
Literalmente o termo desidratação significa esgotamento de água, porém é utilizado clinicamente para definir
alterações do equilíbrio hídrico corporal, em que a perda de água é maior do que a absorção, com redução do
volume de sangue circulante e depleção de fluidos tissulares, associandose, em muitas situações, simultâneos
desequilíbrios eletrolíticos e acidobásicos, na dependência da etiopatogenia do processo patológico.
Basicamente existem duas causas principais de desidratação, ou seja, as falhas da ingestão de água ou as
perdas excessivas de fluidos corporais. Dentre as falhas da ingestão incluemse a privação de água (não
suprimento e a incapacidade de chegar à fonte de água por debilidade física), a ausência de sede (comum nos
estados de endotoxemia) e a impossibilidade de beber a água (na obstrução esofágica, na fratura mandibular e
secundariamente às alterações do sistema nervoso central [SNC]). A causa mais comum da desidratação é a
excessiva perda de líquidos corporais. A diarreia tem destacada importância como causadora dessas perdas,
embora o vômito, as doenças renais, cardíacas e hepáticas sejam responsabilizados com frequência também.
Em casos esporádicos, podem ser importantes as perdas fluídicas resultantes de grandes lesões da pele,
sudorese e salivação excessivas, pancreatite, obstruções agudas gástricas ou intestinais e peritonite difusa.
Pode ainda ocorrer intensa desidratação, por sequestro de fluidos, em ruminantes acometidos por acidose
láctica ruminal por ingestão excessiva de carboidratos altamente fermentáveis e dilatação e deslocamento com
torção de abomaso. Quadros patológicos específicos, como os de diabetes melito ou insípido, podem também
provocar grande depleção de fluidos.
A desidratação pode, ainda, ser classificada em diferentes tipos, quando além das perdas de fluidos, se
consideram as variações dos teores do íon Na+ no LEC, onde é o cátion mais abundante e o principal
responsável pela manutenção da pressão osmótica. Podese caracterizar assim, três tipos de desidratação:
hipertônica, isotônica e hipotônica. A hipertônica ocorre nos casos de simples privação de água, ou seja,
quando há desidratação simples sem perda de íons Na+ e com discretas manifestações clínicas da perda de
fluidos. A isotônica é observada nas perdas de fluidos isotônicos em casos de sudorese excessiva, nefrose,
enterite simples, e caracterizase por perdas de água e de sódio, porém com concentrações deste íon similares
à do LEC. São observados sinais de desidratação leve e hiponatremia. Na forma hipotônica, constatada por
exemplo em colidiarreia de bezerros e salmonelose em equinos, associase intensa perda de fluidos com
elevada concentração de íons Na+. Neste tipo de desidratação as manifestações e a hiponatremia são intensas.
Etiopatogenia
Dois fatores estão envolvidos na patogenia da desidratação: a diminuição dos teores de fluido tecidual com
consequente interferência no seu metabolismo e na redução do conteúdo de água (anidremia) e/ou do líquido
no sangue circulante.
A resposta inicial ao balanço negativo de água é o desvio de fluidos dos tecidos e a manutenção do volume
do sangue normal. O líquido é drenado primariamente do espaço intersticial que compõe o LEC. Órgãos vitais
(sistema nervoso, coração) e o esqueleto pouco contribuem; as principais perdas são provenientes do tecido
conectivo, músculos e pele. O desvio de fluidos dos espaços intersticial e a seguir do intracelular resulta em
diminuição da elasticidade da pele, secura de pele e mucosas e redução e retração do globo ocular (enoftalmia)
em consequência à diminuição dos depósitos de gordura retrorbital.
Não havendo equilíbrio, ocorre redução no conteúdo de fluido do sangue, causando diminuição do volume
de sangue circulante (oligoemia) e hemoconcentração, com aumento da viscosidade sanguínea, o que dificulta o
fluxo de sangue com posterior exacerbação da insuficiência circulatória periférica. Há ainda mecanismos
compensatórios que reduzem as perdas de fluidos contínuos pelas fezes, pela urina e pela sudorese. Quando a
causa da desidratação é a privação de água, os sinais desta são mínimos, pois os rins fazem compensação
efetiva pela diminuição da produção e pelo aumento da concentração de urina; adicionalmente, a água é
preservada pela redução de eliminação fecal e aumento da sua absorção, resultando em desidratação do
conteúdo ruminal e daquele do intestino grosso, com eliminação de fezes secas e escassas. Em animais com
diarreia de pouca intensidade, os rins compensam de forma eficaz a perda de água pelas fezes, e o volume de
plasma pode ser mantido se houver adequada ingestão de fluidos.
O desvio preferencial circulatório que se estabelece quando da oligoemia determina menor perfusão
sanguínea renal, com diminuição da excreção de urina, que se torna progressivamente mais concentrada e a
falha da função renal pode acentuar a acidose preexistente e o desequilíbrio eletrolítico, sendo, pois,
fundamental a restauração da função renal nos processos de desidratação. São significativos, ainda, alguns
efeitos que a desidratação exerce no metabolismo tecidual. Há aumento no catabolismo de gorduras, em
seguida daquele de carboidratos e, por último, de proteínas, para produzir água metabólica e energia. O
metabolismo endógeno aumentado sob condições relativamente anaerobióticas resulta em formação de
metabólitos ácidos, entre os quais o ácido láctico, e no desenvolvimento de acidose. A diminuição da formação
de urina (oligúria), devido à restrição de fluxo de sangue renal, exacerba essa acidose, pela diminuição da
excreção de íons hidrogênio, além de causar moderada elevação dos teores sanguíneos de nitrogênio não
proteico.
A diminuição do volume de sangue circulante também contribui para a depressão mental nos animais
desidratados, como resultado dos variados graus de acidose e toxemia, dependendo da causa da desidratação.
A fraqueza muscular, a hipotermia e a anorexia também estão presentes. A desidratação pode causar morte,
especialmente na obstrução intestinal aguda, vômito e diarreia, porém ela é considerada causa contribuidora da
morte quando combinada com outros estados sistêmicos, como acidose, desequilíbrios eletrolíticos, toxemia e
septicemia.
Sintomas clínicos
Os sintomas variam de natureza e gravidade conforme o tipo e o modo pelos quais ocorrem as perdas de
líquidos, ou seja, na dependência da etiologia da desidratação, da evolução do processo patológico que a
determinou e até da espécie acometida. Segundo o tipo de desidratação, podese dizer que nas hipertônicas e
isotônicas as manifestações clínicas em geral são discretas, sendo, todavia, intensas no tipo hipotônico. Em
relação ao modo como os líquidos são perdidos, é necessário considerar se a evolução do quadro foi aguda ou
crônica e pode ocorrer por falta de aporte de água ou por perdas para o meio exterior ou por sequestro de
fluidos no interior de vísceras ou cavidades naturais, além da simultânea depleção ou retenção de eletrólitos
(Na+, Cl–, K+, HCO–3 e H+). Essas variáveis podem influenciar a intensidade dos sintomas, por meio de um
diferente nível de comprometimento dos compartimentos de líquidos no sistema orgânico. Em geral, ao início do
quadro de desidratação as perdas são mais evidentes no LEC, em primeira instância no espaço plasmático,
após no intersticial, para finalmente ser afetado o LIC. Em geral, os sintomas são mais evidentes se a perda de
água e eletrólitos ocorrer em um curto período de tempo. As perdas superagudas e agudas podem não ser
óbvias clinicamente em um primeiro exame, pois o maior prejuízo ocorre no compartimento
intravascular/plasmático e somente pequenos desvios de líquidos ocorrem do espaço intersticial.
Quanto aos sintomas clínicos, é importante ressaltarse que são utilizados para estabelecer ou indicar o grau
de desidratação em relação à perda de peso corporal (p.c.) em porcentagem (%), todavia, as perdas de até 5%
do p.c. não apresentam sintomas clínicos específicos, sendo o grau máximo de perda de 12% em ruminantes
domésticos e de 15% em cães e gatos, e acima deles, haverá incompatibilidade com a vida.
Os sintomas mais importantes na desidratação são o ressecamento e o enrugamento da pele, tendo, em
particular, na região facial uma aparência retraída. O globo ocular apresentase afundado na cavidade orbitária
(enoftalmia). A elasticidade e o turgor da pele diminuem, podendose avaliar este fato por meio do
pregueamento do tegumento nas regiões da tábua do pescoço, sobre a escápula e da pálpebra superior,
verificandose o tempo necessário para o retorno da pele à posição inicial. Em condições normais o retorno é
imediato ou se faz em até 2 s; o tempo de persistência do pregueamento aumenta conforme a maior intensidade
da desidratação, alcançando o extremo de até 45 s. As mucosas podem demonstrar ressecamento e estar
pegajosas. O tempo de preenchimento capilar (TPC), que normalmente é de 1 a 3 s, prolongase à medida que
se intensifica a desidratação.
Em associação a estas manifestações, devem ser consideradas as alterações do estado geral dos animais
desidratados que podem variar de leves a intensas. Caracterizamse estas por perda de peso ou do estado
cárneo, em geral proporcional à intensidade da desidratação e, se relacionada a quadros crônicos, combinase
com alterações da pele/pelame, e diminuição evidente de massa muscular; atitudes anormais – dependendo
da espécie animal, a alternância de estação com decúbito esternal, manutenção em decúbito esternal ou lateral
podem indicar progressiva gravidade da desidratação; apatia, depressão, com diminuição ou ausência de
respostas reflexas estão relacionadas com a intensidade da desidratação e a presença de acidose; a perda de
apetite, de sede e a incapacidade de sugaçãodeglutição são indicativas de acidose e presença de
endotoxemia; alterações das funções vitais como hipotermia e taquicardia com pulso filiforme podem estar
presentes nos estados préchoque ou no choque hipovolêmico, e as modificações da frequência respiratória e
características da respiração podem acompanhar aquelas da função cardiocirculatória, todavia, em muitas
situações são compensatórias dos desequilíbrios acidobásicos de origem metabólica.
A avaliação do grau de desidratação relacionado à porcentagem de perda de peso corporal segundo o
exame físico é apresentada em Quadros 61.1 e 61.2.
Devese ainda ressaltar que certas manifestações sintomáticas podem ser relacionadas aos desequilíbrios
eletrolíticos e acidobásicos. Muitas das alterações eletrolíticas ocorrem pela perda destes eletrólitos nas doenças
do trato alimentar. A sudorese, a exsudação por queimaduras extensas, a salivação excessiva e o vômito são
também acompanhados por depleção de eletrólitos, porém são menos importantes em animais de produção,
com exceção daquelas que ocorrem por sudorese intensa em cavalos. Os eletrólitos mais importantes a
considerarse são o sódio, o potássio, o cloreto e o bicarbonato.
QUADRO 61.1 Avaliação da intensidade de desidratação em cães e gatos, segundo exame físico, relacionada
com a porcentagem de perda do peso corporal.
7a9 0,07 a 0,09 Perda da elasticidade da pele (observa-se discreto aumento do tempo de
retorno da pele a sua posição normal); discreto prolongamento do tempo de
preenchimento capilar (TPC); possível discreta enoftalmia; possível discreto
ressecamento de mucosas
QUADRO 61.2 Avaliação da intensidade da desidratação em animais ruminantes, segundo o exame físico,
relacionada com a porcentagem de perda do peso corporal.
<5 Ausência de sintomas clínicos de desidratação; história ou observação de perdas ou não ingestão de fluidos
6a7 Diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por 5 a 8 s); enoftalmia discreta ou ausente; discreta
apatia; apetite mantido; capacidade de manter-se em estação preservada
8a9 Intensificação da diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por 9 a 12 s); enoftalmia notável;
mucosas pegajosas/ressecadas ou sem brilho; apatia moderada; incapacidade de sugação/deglutição; alterna
estação com decúbito esternal, ou se mantém em decúbito
10 Intensa diminuição da elasticidade da pele (pregueamento persiste por mais de 12 s até não se desfazer);
enoftalmia muito evidente; mucosas secas; apatia intensa; anorexia; reflexos bem diminuídos ou ausentes,
extremidades frias
O sódio é o íon mais abundante no LEC e o principal responsável pela manutenção da pressão osmótica
neste fluido. A causa mais comum de hiponatremia é a perda aumentada de sódio pelo trato intestinal nas
enterites. Esta é particularmente marcada em cavalos com diarreia aguda, e também ocorre em bezerros
neonatos. Nos casos crônicos a hiponatremia pode ser mais intensa. Em cães e gatos essa diminuição pode
eventualmente ser evidenciada em diarreias, no diabetes melito e em casos de vômito. Nessa situação pode
haver aumento da excreção renal de água como tentativa de manutenção da pressão osmótica normal,
agravando a desidratação, além de promover fraqueza muscular, depressão mental, hipotermia e hipotensão,
devido à insuficiência circulatória periférica, todavia estes sintomas não são exclusivos da hiponatremia.
A hipernatremia pode ser também observada em pequenos animais, tendo em geral como causas a
excessiva ingestão do sódio, a inadequada tomada de água ou a intensa perda de água acompanhada por sua
insuficiente ingestão (vômitos, diarreia, poliúria – diabetes insípido, pielonefrite etc.). São considerados
sintomas de hipernatremia a depressão, a sede, as fasciculações musculares, as convulsões e o coma.
A hipocloremia ocorre como resultado de um aumento na perda líquida do íon cloreto no trato intestinal, na
dilatação gástrica aguda, na dilatação com torção do abomaso e na obstrução intestinal anterior aguda. Nestas
situações, a grande quantidade de íons H+ e Cl– secretados no estômago ou no abomaso e trocados por
bicarbonato de sódio circulante, normalmente no intestino delgado, são absorvidos junto com K +. Há nestas
condições sequestro destes íons e em consequência há alcalose hipoclorêmica e hipopotassêmica. Não há
manifestações clínicas características.
Alterações do equilíbrio de K+, resultando em hipopotassemia ou hiperpotassemia são relativamente comuns
em animais de pequeno porte. As causas de hipopotassemia são o vômito, as diarreias e, com menor
frequência, as enfermidades com poliúria. Nos animais de produção resulta de diminuída ingestão na dieta,
excreção renal aumentada, estase abomasal, obstrução intestinal e enterite. As doenças do abomaso
apresentam sequestro de fluidos com íons H+, Cl– e K+, resultando em hipopotassemia, hipocloremia e alcalose
metabólica. A fraqueza muscular é um sintoma que ocorre por alteração do potencial de repouso de membrana;
decúbito, depressão, tremores musculares, arritmia cardíaca e coma.
A hiperpotassemia pode ter como causa o aumento da ingestão na dieta e principalmente por diminuição
da excreção renal (obstrução do sistema urinário, lesões graves no túbulo contornado distal,
hipoadrenocorticismo etc.).A acidose metabólica pode agravar o quadro de hiperpotassemia, pela entrada de H+
para o meio intracelular e saída de K+ para o extracelular como mecanismo celular de compensação. Em
animais de produção a hiperpotassemia não é tão comum quanto a hipopotassemia e ocorre após acidose
metabólica grave. Potencialmente é mais perigosa que a hipopotassemia devido à ação cardiotóxica, tendo
marcado efeito sobre a função cardíaca, determinando bradicardia e arritmia, além de poder ocorrer a parada
cardíaca súbita. No eletrocardiograma podem ser constatados inversão e desaparecimento da onda P, aumento
da amplitude da onda T (pontiaguda) e aumento do intervalo QRS.
Considerandose as alterações do equilíbrio acidobásico que podem ocorrer em associação com
desequilíbrios hidreletrolíticos e que são passíveis de tratamento por meio de fluidoterapia, devese ressaltar
aquelas de origem metabólica. Estas, quando presentes, influenciam as manifestações clínicas observadas,
sendo importante a consideração da causa primária das acidoses e alcaloses metabólicas. As acidoses
metabólicas têm como causas gerais a excessiva perda de base (bicarbonato), o acúmulo de ácidos, ou a
combinação de ambos processos. Em pequenos animais as causas mais comuns são a diarreia intensa, a
insuficiência renal, a cetoacidose diabética, a acidose tubular renal, a acidose láctica (parada cardíaca, choque,
hipoxemia), a administração de drogas ácidas, medicamentos (cloreto de amônio etc.) ou substâncias tóxicas
(etilenoglicol, metaldeído, metanol etc.). Nos animais de produção são causas comuns específicas a diarreia
aguda em neonatos, a enterite aguda de cavalos e bovinos adultos, a ingestão excessiva de carboidratos
(acidose láctica ruminal) ou de grãos (cavalos), a cetoacidose (toxemia gravídica dos pequenos ruminantes,
cetose dos bovinos), a doença renal e a asfixia neonatal de bezerros. A obstrução intestinal aguda em cavalos é
comumente acompanhada por acidose com a evolução do quadro, ao contrário de outras espécies em que a
alcalose ocorre inicialmente. As manifestações clínicas da acidose metabólica são a depressão mental e
variados graus de fraqueza muscular. Bezerros e cabritos neonatos apresentamse deprimidos, fracos e
incapazes de mamar. Animais com grave acidose apresentamse em decúbito lateral e coma terminal. Nas
formas compensadas de acidose metabólica, observase respiração com frequência e profundidade
aumentadas. Nos casos não compensados, quando há depressão de centro respiratório (choque hipovolêmico
ou colibacilose enterotoxigênica) ocorrem bradipneia e respiração superficial, taquicardia, pulso fraco e coma
terminal. Em presença de movimento compensatório de potássio para o espaço extracelular, a hiperpotassemia
pode determinar bradicardia e arritmia.
As alcaloses metabólicas podem ser causadas pela absorção aumentada de bases ou perda excessiva de
ácidos. Em pequenos animais as causas mais comuns desse desequilíbrio são os vômitos persistentes,
hiperadrenocorticismo, utilização de diuréticos que depletam os cloretos e administração excessiva de
substâncias alcalinas (bicarbonato). Em animais ruminantes a dilatação e o deslocamento à direita com torção
do abomaso são causas das mais comuns. Pode ainda ocorrer nas indigestões vagais posteriores e na
síndrome de refluxo, em que também há sequestro de ácido clorídrico e de potássio no rúmen. Em equídeos
com obstrução proximal do intestino podese observar inicialmente um quadro de alcalose metabólica.
As manifestações clínicas de alcalose não são específicas, havendo em geral predomínio dos sintomas
resultantes do processo nosopatológico primário e causador da alcalose. Nas formas graves de alcalose
metabólica podem ocorrer tremores musculares e tetania, com sinais de excitabilidade do SNC evidenciados por
convulsões tônicas e clônicas. As manifestações respiratórias compensatórias caracterizamse por bradipneia e
respiração superficial; todavia, na fase terminal da alcalose taquipneia e dispneia podem estar presentes.
Hematócrito e dosagem da proteína total (plasma ou soro): seus aumentos podem indicar desidratação e
sua intensidade, além de ter utilidade em monitorar a fluidoterapia e na interpretação clínica segundo os
valores do hematócrito e da concentração de proteína plasmática (Quadro 61.3)
Leucograma: a leucopenia por neutropenia com desvio à esquerda degenerativo indica prognóstico
desfavorável, enquanto o desvio regenerativo é indicativo de evolução favorável
Exame de urina: as variações da densidade urinária podem ser úteis na detecção de função renal
adequada frente à desidratação, bem como a análise de urina pode auxiliar na verificação da presença de
desequilíbrios acidobásicos, de cetoacidose diabética e de doença renal, respectivamente, por meio das
alterações do pH, presença de cetonúria e de glicosúria e proteinúria com sedimento anormal
Taxas de ureia ou nitrogênio ureico sanguíneo e de creatinina: complementam a avaliação da função
renal
Glicemia: permite a identificação dos casos de diabetes melito ou de hipoglicemia associada à desidratação
Taxas de íons séricos: em geral indicam a gravidade das suas perdas e qual a necessidade de reposição
Hemogasometria: permite determinar a gravidade e a natureza do desequilíbrio acidobásico.
QUADRO 61.3 Interpretação clínica simultânea dos valores do hematócrito e da concentração de proteína
plasmática.
Déficit total do eletrólito (mEq) = déficit do eletrólito (mEq/ ) × 0,3 × peso corporal
Fórmula semelhante pode ser utilizada para estimar o déficit de bicarbonato nos animais afetados por
acidose metabólica. Nesse caso, podemse usar os valores de bicarbonato (HCO3–) ou do excesso ou déficit de
bases determinados pela hemogasometria. Assim, temse:
Déficit de bicarbonato (mEq ou mmol/ ) = (HCO–3 normal – HCO–3 medido) × 0,3 × peso corporal
Obs.: o índice 0,3 pode ser substituído pelo valor 0,5, principalmente para os animais das espécies canina e
felina.
Ou
Repor ou corrigir o volume do LEC: a solução deve restaurálo sem sua alteração qualitativa; são
soluções que contêm Na+, Cl–, K + e HCO–3 ou precursores, em concentrações similares às do LEC (plasma)
Alcalinização do LEC: são soluções indicadas para a correção da acidose metabólica; são aquelas que
contêm bicarbonato de sódio ou seus precursores (lactato, acetato)
Acidificação do LEC: em princípio, esses fluidos têm a finalidade de corrigir a alcalose metabólica, todavia
na atualidade não se recomendam soluções contendo agentes acidificantes específicos (soluções de HCl ou
de NH4Cl)
Diluição do LEC: deve proporcionar água sem provocar choque osmótico nas hemácias (soluções
isotônicas)
Manutenção: são fluidos que devem substituir a água de bebida, nutrientes e eletrólitos contidos nos
alimentos
Aditivos concentrados: geralmente são soluções que contém um único sal e são adicionadas a outras
soluções para repor determinadas substâncias deficitárias.
A fluidoterapia conservadora é eficiente quando não estão ocorrendo alterações eletrolíticas específicas ou
quando não existem meios para determinarse qual o desequilíbrio eletrolítico presente. Consideramse
soluções balanceadas aquelas que não induzirão anormalidades no paciente e que são isotônicas, ou seja, as
usadas para repor ou corrigir o volume do LEC. Todavia, não constituem meio eficiente para a correção de
acidose, alcalose, hiponatremia e hipopotassemia graves. As principais soluções utilizadas na fluidoterapia dos
animais domésticos, suas respectivas composições, finalidades e indicações de cada uma delas estão contidas
no Quadro 61.4. No Quadro 61.5 mostrase a composição normal do plasma nas diferentes espécies de animais
domésticos.
Vias de administração
A escolha da via de aplicação de fluidos dependerá de: (1) tipo de afecção a ser tratada e da sua gravidade; (2)
estado clínico e das funções orgânicas do paciente; (3) grau de desidratação e tipo de desequilíbrio eletrolítico;
(4) duração/evolução da enfermidade; e (5) tempo e equipamento disponíveis.
A via oral talvez seja a mais fácil, econômica e fisiológica das vias de administração de fluidos e eletrólitos.
É a mais segura via de aplicação porque a solução pode ser fornecida sem atenção rigorosa quanto a
tonicidade, volume e assepsia. É indicada na desidratação discreta, na administração de fluidos para
manutenção e suplementação nutricional. É contraindicada na desidratação intensa, quando há vômito ou íleo
paralítico, e para animais com incapacidade de sugação/deglutição (bezerros com acidose moderada a intensa)
em que a sondagem nasogástrica torna o procedimento pouco prático.
QUADRO 61.4 Composição, finalidade e indicações das principais soluções utilizadas em fluidoterapia.
Soluções alcalinizantes
A via retal, relativamente pouco usada, poderia ser considerada especialmente em animais muito jovens.
A via intraóssea é referida em pequenos animais, particularmente filhotes, porém não é muito utilizada
pelas dificuldades que apresenta, além dos riscos de contaminação.
As vias parenterais são as mais usadas e talvez as mais práticas para a aplicação de fluidos e eletrólitos:
intravenosa ou endoflébica, subcutânea ou intraperitoneal.
A via intravenosa é a mais versátil, sendo a via de eleição para a terapia de perdas agudas de líquidos, nas
alterações do equilíbrio hidreletrolítico de moderadas a graves, prostração intensa com incapacidade de
sugação/deglutição, nos estados de choque e na administração de fluidos não isotônicos. Todos os fenômenos
tóxicos de soluções administradas por essa via, fundamentalmente, se relacionam mais à velocidade de
aplicação do que à composição e ao volume ministrado. Alguns dos problemas vistos com o uso desta via
referemse a manutenção e assepsia de cateteres para fluidoterapia de longo tempo, coagulação e hematomas,
maior risco de tromboembolismo e infecção. Grandes volumes de fluidos administrados rapidamente podem
determinar sobrecarga do sistema cardiocirculatório, provocando efusão pleural, edema pulmonar e até a morte.
É a via preferida, ainda, para a administração de sangue, plasma sanguíneo e expansores do volume
plasmático.
A via subcutânea é utilizada particularmente em pequenos animais, podendo ser usada em ruminantes de
pequeno porte ou bezerros jovens, todavia, não é indicada em grandes animais adultos por causa dos enormes
volumes de fluidos que devem ser administrados. Nos pequenos animais é usada com certa frequência, porém
as soluções devem ser isotônicas e são absorvidas mais lentamente que pela via intravenosa. É recomendada
para manutenção de fluidoterapia em doenças crônicas, desidratação discreta e em animais jovens ou muito
pequenos. É uma via contraindicada em perdas agudas de fluidos, desidratação grave, hipotermia, hipotensão e
quando existe edema de subcutâneo. A glicose em qualquer concentração ou soluções que não contenham
eletrólitos em teores isotônicos são contraindicadas pela via subcutânea.
A via intraperitoreal é de mais rápida absorção do que a via subcutânea para a infusão de fluidos, sendo,
todavia, potencialmente mais perigosa que esta, pois apresenta riscos de peritonite, se não houver rigorosa
assepsia, como também de perfuração de órgãos abdominais. É uma boa via para a absorção de água e
eletrólitos, sendo o plasma e a grande porcentagem de eritrócitos do sangue total absorvidos pelo peritônio.
Tem recomendação em neonatos das espécies ovina e suína, podendo ser usada para administração de
grandes volumes de fluidos em grandes animais, porém a principal indicação desta via seja, talvez, para a
lavagem peritoneal.
Avaliação da fluidoterapia
O único método eficiente para a avaliação do êxito da terapia é a utilização do exame clínico. Neste julgamento
devese considerar a gravidade inicial da desidratação e das alterações dos equilíbrios eletrolítico e acidobásico.
A boa resposta clínica à fluidoterapia é indicada pela recuperação das funções vitais, melhoria na coloração das
mucosas, regularização da arritmia e bradicardia presentes na hiperpotassemia, pela micção com retorno da
função renal dentro de 30 a 60 min, melhoria da depressão e mais tardia recuperação do turgor de pele e pelo
desaparecimento da enoftalmia. As respostas desfavoráveis incluem: dispneia, tosse, estertores úmidos em
caso de edema pulmonar; ausência de micção devido a insuficiência renal ou paralisia de bexiga urinária;
taquicardia e persistência da depressão.
Se houver retaguarda laboratorial disponível: a determinação seriada do hematócrito e as proteínas totais
séricas servem para avaliar a reidratação; a diminuição da azotemia (principalmente da ureia sérica) indica
retorno da perfusão renal; a hemogasometria – pH, bicarbonato/BE e pCO2 – possibilita avaliar a recuperação
do equilíbrio acidobásico. O retorno ao valor normal dos diversos parâmetros avaliados é indicativo do sucesso
da fluidoterapia.
Afecções gastrintestinais
Vômitos
Os episódios eméticos estão relacionados com os processos primários localizados no estômago e no duodeno, e
também com algumas alterações metabólicas em que há o comprometimento central (ativação do centro do
vômito decorrente de várias substâncias), como na insuficiência renal, na doença hepática, na pancreatite e na
cetoacidose pelo diabetes melito. O surgimento de déficit de eletrólitos, ácidos e água está na dependência da
frequência, do volume e da composição do material eliminado durante os episódios eméticos. Geralmente, as
principais alterações observadas estão associadas aos quadros de desidratação, alcalose metabólica,
hipocloremia e hipopotassemia.
A hipopotassemia ou hipocalemia que se desenvolve durante os episódios eméticos pode estar
relacionada a: (1) perda de potássio presente no material emético (suco gástrico; (2) perda de potássio através
da urina decorrente da ativação do sistema reninaangiotensinaaldosterona, em resposta ao quadro de
desidratação (a aldosterona favorece a reabsorção de sódio e a eliminação de potássio no segmento do túbulo
contornado distal) e; (3) presença de alcalose metabólica (bicarbonatúria favorece a reabsorção renal de sódio e
a eliminação de potássio no nível do túbulo contornado distal).
Com relação à hipocloremia, esta pode ocorrer como consequência da perda de cloro presente no material
emético, pois este íon encontrase em altas concentrações no suco gástrico de origem do ácido clorídrico (HCl,
ácido forte – dissociado em H+ e Cl–), conforme descrito no Quadro 61.6.
No atinente à variação da concentração sérica do íon sódio, alterações mais evidentes podem estar
presentes nos quadros frequentes de vômito. Quanto ao desenvolvimento de hiponatremia, observase que
esta pode estar relacionada à perda de sódio presente no suco gástrico, bem como ao aumento da ingestão de
água e à ação do hormônio antidiurético (ADH), em resposta ao quadro de desidratação.
Quanto ao desequilíbrio acidobásico, a alcalose metabólica é a principal alteração relatada nos casos de
episódios frequentes ou incoercíveis de vômito e de obstrução de piloro, e ocorre devido à perda de grande
quantidade de ácido clorídrico (HCl) presente no suco gástrico. Entretanto, alguns animais podem não
apresentar alterações na hemogasometria, pois a perda de suco gástrico (HCl) pode ser compensada pela
perda de bicarbonato (HCO3–) presente no suco pancreático, não comprometendo o pH sanguíneo.
Eventualmente, a acidose metabólica também pode ser observada nos casos de vômitos em que ocorre a perda
predominante de suco pancreático ou, ainda, associada à desidratação (azotemia prérenal), à acidose láctica
por diminuição de perfusão tecidual e à diarreia.
Os episódios eméticos frequentemente estão associados à perda, também, de grande quantidade de íon
cloro (HCl ou KCl), fato este que pode contribuir para o desenvolvimento de alcalose metabólica hipoclorêmica
ou para a perpetuação da alcalose. Durante o processo de reabsorção de sódio nos túbulos renais, na tentativa
de manter a volemia no organismo, geralmente ocorre a reabsorção concomitante de Cl–; entretanto, como
existe o déficit de cloreto, ocorre a saída de íons K+ ou H+ da célula e, em seguida, a reabsorção de bicarbonato
(HCO3–). Nessas condições, é possível a detecção de urina de pH ácido associada a alcalose metabólica,
chamada de acidúria paradoxal.
O Quadro 61.6 apresenta a composição das secreções gastrintestinais do cão.
Suco pancreático 149 a 162 4a5 71 a 106 135 a 148 7,1 a 8,2
É importante lembrar que o volume de água deve ser sempre considerado nos cálculos para a reposição de
eletrólitos ou de base.
Diarreia
A diarreia pode manifestarse em consequência de 4 mecanismos: osmótico, secretório e por alterações na
permeabilidade e na motilidade intestinal. Geralmente, a diarreia desenvolvese pela combinação de vários
mecanismos que acarretam perdas hídrica, eletrolítica e de substâncias tampão (bicarbonato). A magnitude do
déficit dos elementos retrocitados depende do mecanismo responsável pela manifestação da diarreia, bem como
do volume fecal, da frequência e da duração do processo.
As alterações hidreletrolítica e acidobásica estão na dependência, na maioria das vezes, dos mecanismos
que ocasionaram a diarreia. A diarreia osmótica (por insuficiência pancreática exócrina ou por má absorção)
pode propiciar a perda de maior quantidade de água e também de outros elementos, exceto o sódio. Assim,
observase tendência ao desenvolvimento de hipernatremia nos casos de diarreia do tipo osmótico, quando se
compara com outros casos de diarreia de etiologia diversa. A diarreia causada por alteração da permeabilidade
intestinal (linfangiectasia, histoplasmose e linfossarcoma intestinal) pode vir acompanhada de hipoproteinemia e,
geralmente, este fato requer atenção especial no momento da indicação da fluidoterapia.
A hipopotassemia (ou hipocalemia) é achado relativamente frequente nos casos de diarreia profusa, e
independe do tipo de mecanismo que a ocasionou. A perda de potássio também pode ser agravada pelo
processo de desidratação que se associa ao hiperaldosteronismo (ativação do sistema reninaangiotensina
aldosterona pela hipovolemia/hipotensão). Em alguns casos, os animais podem apresentar hiperpotassemia e,
geralmente, a acidose metabólica parece ser a causa desencadeante.
Em relação ao íon sódio, os valores da concentração sérica podem ser variados; geralmente não se
observam alterações significativas. Eventualmente, a hipernatremia pode estar presente nos casos de diarreia
osmótica, e a hiponatremia pode ocorrer em consequência da ativação do mecanismo da sede (ingestão de
grande quantidade de água) devido à desidratação. No que tange ao ânion cloreto, observase com mais
frequência a presença de hipocloremia, sendo esta associada a hiponatremia, principalmente nos casos de
diarreia acompanhada de vômitos.
A perda de bicarbonato durante os quadros diarreicos pode acarretar o desenvolvimento de acidose
metabólica, sem alteração do anion gap, sendo esta condição normalmente observada em casos graves de
diarreia.
QUADRO 61.7 Quantidade (mEq de KCl) a ser suplementada no fluido, para administração intravenosa, de
acordo com a concentração sérica (cães e gatos).
<2 20 6
2,1 a 2,5 15 8
2,6 a 3 10 12
3,1 a 3,5 7 16
Valor de referência de potássio sérico: 3,9 a 5,2 mEq/ (cães); 4 a 4,5 mEq/ (gatos). Fonte: Chew e DiBartola, 1986. Observação: a solução de
cloreto de potássio a 19,1% (KCl 19,1%) corresponde a 1 m da referida solução e equivale a 2,56 mEq/ de potássio.
QUADRO 61.8 Volume (m ) de manutenção de fluido para cães e gatos durante o período de 24 horas.
Gatos 13 a 20 m /kg/dia
Observações: os volumes mencionados não se aplicam aos animais com insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal em fase oligúrica,
pois cada caso merece atenção diferenciada.
Obstrução intestinal
Os principais processos associados à obstrução intestinal estão relacionados com presença de corpos
estranhos, intussuscepção, vólvulo, neoplasia, lesão inflamatória transmural, aderências e constrições e
alterações funcionais, como o íleo paralítico, observado em casos de parvovirose, peritonite, hipopotassemia e
devido à ação de anticolinérgicos.
Nos processos prolongados de obstrução intestinal, localizada principalmente na região proximal, observase
o aumento da secreção intestinal, e este acúmulo de líquido favorece ainda mais a manifestação de vômitos.
Assim, os principais desequilíbrios eletrolíticos observados estão relacionados com hipopotassemia e
hipocloremia. Quanto às alterações do equilíbrio acidobásico, tanto a alcalose quanto a acidose metabólica
podem estar presentes.
Geralmente, os quadros de obstrução intestinal evoluem para lesão da parede do sistema gastrintestinal,
que pode predispor a endotoxemia, peritonite e, consequentemente, ao choque séptico e, por sua vez, evolução
para acidose metabólica.
Afecções pancreáticas
Pancreatite aguda
A pancreatite aguda é um quadro mórbido relatado com mais frequência na espécie canina, sendo o agente
etiológico geralmente indeterminado. Alguns relatos associam a pancreatite aguda com obesidade, dieta,
hiperlipidemia e uso de fármacos como os corticosteroides. Independentemente da etiologia do processo,
observamse aumento da permeabilidade celular e lisossomal, lesão da célula acinar pancreática e, por fim, a
autodigestão pancreática.
Os quadros de pancreatite aguda caracterizamse pela presença de hipovolemia, associada a
hipopotassemia e acidose metabólica. A hipovolemia, que ocorre como consequência da perda de líquido
(vômitos, diarreia, sequestro de líquido intestinal e peritoneal) e da vasodilatação que se instala por ação das
substâncias vasoativas e da endotoxina, pode, por sua vez, ser a causa de perpetuação da lesão pancreática
por diminuição da perfusão tecidual.
As alterações eletrolíticas observadas na pancreatite aguda são pouco frequentes; os distúrbios mais graves
estão geralmente relacionados com hipopotassemia, hiponatremia e hipocloremia, principalmente nos casos
associados a episódios de vômitos incoercíveis.
Com relação ao equilíbrio acidobásico, a acidose metabólica é o distúrbio mais frequentemente observado
associado ao choque séptico, mas, eventualmente, a alcalose metabólica pode estar presente nos casos de
perda de grande quantidade de suco gástrico.
Afecções hepáticas
O parênquima hepático é acometido por várias doenças que culminam em graves alterações do equilíbrio
hídrico, eletrolítico e acidobásico. As principais alterações observadas em relação ao distúrbio eletrolítico
relacionamse ao déficit de potássio e à retenção de sódio. A hipopotassemia desenvolvese devido às perdas
gastrintestinais, à diminuição de ingestão e à perda renal em consequência do hiperaldosteronismo (ativação do
sistema reninaangiotensinaaldosterona), devido à diminuição do metabolismo hepático.
No que se refere ao íon sódio, apesar de o balanço geral indicar a retenção de sódio no organismo devido à
estimulação do sistema nervoso simpático, à ativação do sistema reninaangiotensinaaldosterona e à ação do
hormônio ADH, observase, normalmente, normonatremia ou hiponatremia. A normonatremia é passível de ser
detectada, pois os animais acometidos pela hepatopatia não apresentam alteração na relação sódio:água, pois
ambos os elementos encontramse retidos no organismo. A hiponatremia, por sua vez, parece ocorrer em
consequência da expansão de volume intravascular, em consequência do comprometimento renal de excreção
de água e da ingestão contínua de água.
Já no que se relaciona ao desequilíbrio acidobásico, a alcalose respiratória parece ser a alteração mais
frequentemente relatada; entretanto, a alcalose e a acidose metabólicas, bem como os distúrbios mistos, podem
acompanhar as afecções hepáticas.
Em seres humanos, descrevese que o desenvolvimento da alcalose respiratória parece estar relacionada
com hiperamonemia, fatores hormonais estimulando o centro respiratório, acidose intracelular do sistema
nervoso central, hiponatremia, sepse etc. e a alcalose metabólica ao uso contínuo de diuréticos (furosemida), à
hipopotassemia, ao hiperaldosteronismo e aos casos de episódios eméticos frequentes. A manifestação de
acidose metabólica nos casos de hepatopatia acompanha, na maioria das vezes, a acidose láctica. Por ser
atribuída ao fígado a função de remoção de ácido láctico, nos processos hepáticos em que ocorre a produção
do referido ácido, a exemplo dos casos acompanhados de hipovolemia, sepse e alcalemia, existe a propensão
ao acúmulo dessa substância.
Em cães e gatos, descrevese também que outros fatores podem contribuir para o desenvolvimento de
acidose metabólica nos casos de hepatopatia, como a presença de diarreia, desidratação e choque.
Afecções renais
Basicamente, a lesão do parênquima renal pode ocasionar a perda da capacidade do rim em reabsorver água
(manutenção da água no organismo), como também em excretar os metabólitos tóxicos (diminuição da taxa de
filtração glomerular), sendo que essas alterações são evidentes, para o caso do cão, quando aproximadamente
cerca de 2/3 e 3/4 do parênquima renal apresentase comprometido (insuficiência renal), respectivamente. Para
a espécie felina, a poliúria ou a perda da capacidade renal de concentração urinária ocorre após a diminuição da
taxa de filtração glomerular, ou seja, quando da perda de 3/4 e 2/3 do parênquima renal, respectivamente.
A insuficiência renal aguda (IRA) caracterizase por apresentar perda repentina da função renal e, portanto,
de evolução clínica aguda. Geralmente os animais apresentam vômitos, diarreia, prostração, alterações
neurológicas, oligúria etc. decorrente do acúmulo de toxinas urêmicas que acompanham a deterioração rápida
da função renal. Muitos dos casos de IRA evoluem para oligúria pois há lesão concomitante da maioria dos
néfrons; entretanto, a fase não oligúrica, ou ainda poliúrica, pode estar presente. A indicação de fluidoterapia
inicial é idêntica para qualquer caso de doença renal aguda, independente do agente etiológico. Caso seja
possível, por se tratar de processo agudo, recomendase a elucidação da provável causa, para que se possa
instituir outras medidas terapêuticas e assegurar ou evitar o desenvolvimento de mais lesões nos rins.
Alterações dos equilíbrios acidobásico e eletrolítico são também frequentes na IRA. Existe a tendência ao
desenvolvimento de acidose metabólica, pois os rins perdem a capacidade de excretar os radicais ácidos
(oriundos das toxinas urêmicas que deveriam ser excretadas pela taxa de filtração glomerular), como também
de reabsorver o bicarbonato. Ainda, o comprometimento da taxa de filtração glomerular e do fluxo sanguíneo
renal acarretam o acúmulo de potássio sérico (hipercalcemia), favorecendo o aparecimento de distúrbios da
condução elétrica da musculatura cardíaca. Já em relação à insuficiência renal crônica, atualmente denominada
doença renal crônica (DRC), classificada em estágios, observase que de acordo com a fisiopatologia da DRC, a
perda gradativa dos néfrons não ocasiona o aparecimento de sintomas clínicos evidentes, pois os mecanismos
adaptativos são ativados gradativamente. Por se tratar de doença de evolução crônica, as manifestações
clínicas observadas são discretas, sendo estas mais evidentes nos estágios mais avançados, tais como poliúria,
acompanhada de polidipsia compensatória, perda gradativa de peso, e quadros mais graves tais como vômito,
diarreia, desidratação, halitose e anemia.
Entre os cães, a perda da capacidade renal em conservar a água no organismo ocorre anteriormente ao
comprometimento da excreção de metabólitos tóxicos; em relação à espécie felina, geralmente os animais que
apresentam poliúria também já exibem diminuição da taxa de filtração glomerular (azotemia).
Nos casos de desidratação, a diminuição de volume no meio intravascular propicia a ativação do sistema
reninaangiotensinaaldosterona que, por sua vez, determina a perda urinária de potássio, favorecendo o
aparecimento de hipopotassemia. Para a espécie felina é provável também a existência de déficit de potássio no
meio intracelular, justificandose a necessidade de suplementação desse íon, mesmo nos casos de
normocalemia ou normopotassemia. A suplementação de potássio deve ser sempre monitorada.
Assim, a fluidoterapia na insuficiência renal apresenta como objetivo a correção dos déficits hídrico,
eletrolítico e acidobásico, bem como a terapia de manutenção, que visa, além da reposição dos elementos,
também auxiliar na manutenção hídrica e, assim, assegurar o fluxo da taxa de filtração glomerular.
Indicações de fluidos nos casos de afecções renais
Insuficiência renal aguda
A acidose metabólica é o distúrbio observado com frequência nos casos graves de insuficiência renal aguda.
Preconizase, portanto, a utilização de fluidos que contenham substâncias alcalinizantes. Podese inicialmente
administrar a solução de lactato de Ringer de sódio mas, na dependência da intensidade da acidose, será
necessária a administração de bicarbonato (adicionar o bicarbonato somente em soluções isentas de cálcio –
não utilizar as soluções de Ringer e de lactato de Ringer).
Os animais desidratados devem receber inicialmente volume de fluido calculado de acordo com o déficit
hídrico (volume de reposição), com base nas variáveis anteriormente citadas, dentro do período de
administração recomendado, e sempre submetido ao monitoramento contínuo, principalmente do sistema
cardiovascular e fluxo urinário. Uma vez alcançada a hidratação, devese recalcular a dose de fluido,
considerandose as necessidades de manutenção e de perdas, que deve estar baseada de acordo com a
existência ou não de poliúria ou oligúria, ou de perdas de líquido por episódios eméticos ou diarreia (Quadros
61.8 e 61.9). Ainda, é imprescindível monitorar não só pelo exame físico (peso corpóreo, elasticidade da pele,
estado mental, frequência e qualidade do pulso, frequência e padrão respiratório, auscultação pulmonar,
coloração de mucosas e perfil preenchimento capilar), mas também laboratorialmente (hematócrito, proteínas
totais, eletrólitos, ureia e creatinina séricas, lactato sanguíneo e hemogasometria) e avaliar o balanço dos
volumes da quantidade de fluido administrada e do volume urinário produzido para que se tenha informações
mais fidedignas para o cálculo de volume de infusão.
QUADRO 61.9 Volume (m ) de manutenção de fluido para cães e gatos durante o período de 24 horas em
quadros clínicos associados a perda de líquido/secreções.
Gatos 50 a 60 m /kg/dia
Observações: os volumes mencionados não se aplicam aos animais com insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência renal em fase oligúrica,
pois cada caso merece atenção diferenciada.
É importante ressaltar que a oligúria no paciente com insuficiência renal deve ser estabelecida somente
após a hidratação do animal e, assim, uma vez confirmado o baixo fluxo de volume urinário (oligúria < 1
m /kg/hora), outras medidas terapêuticas devem ser tomadas para se assegurar a diurese, como a utilização de
solução de glicose 25% (diuréticos osmóticos) e/ou de diurético potente de alça (furosemida), sempre sob
avaliação e monitoramento contínuo.
Outros tipos de fluidos também podem ser utilizados no tratamento da insuficiência renal aguda, como a
solução fisiológica e a solução glicofisiológica, acrescida de bicarbonato, quando necessário, sempre
baseada na avaliação laboratorial.
A hiperpotassemia é achado relativamente frequente nos casos de IRA, principalmente quando da presença
de oligúria e de acidose metabólica. Após a correção da acidose, observase a diminuição da concentração
sérica de potássio, devido ao deslocamento do cátion para o meio intracelular. Eventualmente, em casos mais
brandos, a simples correção da hiperpotassemia pode ocorrer após a fluidoterapia. A quantidade de potássio
presente nas soluções de Ringer e de lactato de Ringer de sódio não é suficiente para desencadear a
hiperpotassemia.
Choque
Face à complexidade do tema, a fluidoterapia no estado de choque será abordada de forma sucinta neste
capítulo. A definição clássica de choque consiste em:
“Estado clínico resultante de inadequado suprimento de oxigênio tecidual e inabilidade do tecido em utilizar
adequadamente o oxigênio, ou seja, insuficiência na microcirculação.”
O choque instalase em decorrência de inúmeras etiologias e geralmente são classificados em:
hipovolêmico, hemorrágico, endotóxico, cardiogênico e neurogênico, ou de acordo com a presença ou a
ausência de comprometimento dos mecanismos de controle circulatório. Assim, independentemente do agente
causal, o choque se caracteriza pela inadequada perfusão tecidual que acarreta hipoxia celular e acidose
metabólica. A solução de escolha seria o lactato de Ringer de sódio e a correção da acidemia deve ser instituída
quando o pH sanguíneo arterial for inferior a 7,1 a 7,2 com adição de bicarbonato de sódio. O lactato pode ser
ineficaz nos casos de comprometimento hepático, que geralmente acompanha o quadro de choque, devido à
dificuldade na conversão do lactato em bicarbonato.
Principalmente nos quadros de choque endotóxico, recomendase a suplementação de glicose e potássio,
pois observase, com certa frequência, a presença de hipoglicemia e hipopotassemia. Já em relação aos
choques hipovolêmico e hemorrágico, notase a tendência dos animais em apresentar
normoglicemia/hiperglicemia, principalmente por estimulação simpática e, além da recomendação da solução
cristaloide citada, principalmente no choque hemorrágico, recomendase a utilização de soluções hipertônicas à
base de cloreto de sódio (NaCl 7,5%), com o intuito de assegurar a hemodinâmica.
Cabe lembrar sobre a utilização de coloides, indicados primariamente na reposição de volume intravascular.
Coloides naturais podem ser encontrados no sangue total, produtos do plasma e concentrados de albumina e os
coloides sintéticos seriam dextrana 70 e hidroxietilamido. Devese estar atento à frequência e ao volume de
administração dos coloides, pois podem causar a diluição dos fatores de coagulação no plasma e predispor a
distúrbios na coagulação.
Fórmulas para o cálculo de volume de fluido, para os animais das espécies canina e felina, para correção da
desidratação
Fórmula 1:
Grau de desidratação (%) × peso (kg) × 10 = quantidade em mililitros
Fórmula 2:
Grau de desidratação (decimal) × peso (kg) = quantidade em litros
Obs.: o volume de reposição de fluido calculado deve ser administrado durante o período de 6 a 8 h, seguido
do volume de manutenção.
Dose (de segurança): 0,5 a 1 mEq por quilograma (kg) de peso vivo
Déficit de bicarbonato do paciente em mEq/ ou mmol/ . Obs: valores da concentração de bicarbonato normal
ou esperado no sangue venoso é de 20 a 29 mEq/
Peso do paciente em kg (quilograma)
Excesso de base (base excess) do paciente (mEq/ ).
Quantidade de HCO3– necessária (mEq) =0,5 × (peso corpóreo) × (HCO3– esperado – HCO3– do paciente)
Ou
Quantidade de HCO3– necessária (mEq) = 0,3 × (peso corpóreo) × (base excess do paciente)
Obs.: o bicarbonato de sódio não deve ser adicionado a soluções que contenham cálcio (glicinato de cálcio,
Soluções de lactato de Ringer de sódio e Ringer), epinefrina, insulina regular, meperdina, isoproterenol,
metoclopramida, penicilina G potássica, pentobarbital, tionembutal, complexo vitamínico B e C.
Tratamento de bezerros
A mais frequente indicação da fluidoterapia para bezerros é a diarreia neonatal. Independentemente do agente
etiológico, as alterações metabólicas resultantes da diarreia em bezerros são similares. Em geral incluem:
desidratação, acidose metabólica, anormalidades eletrolíticas (hiperpotassemia) e balanço energético negativo
e/ou hipoglicemia.
A desidratação resulta da perda fecal de fluidos, que pode alcançar até 12% ou mais do peso corporal em
24 h. Estas perdas ocorrem por diminuição da absorção intestinal em casos de enterites virais (atrofia das
vilosidades), salmonelose; ou por secreção aumentada, como nas infecções por E. coli enterotoxigênica. A
acidose é um achado consistente em bezerros com diarreia, sendo um fator que contribui com a morte. A
acidose metabólica resulta das perdas de bicarbonato nas fezes, produção aumentada de ácido láctico por
glicólise anaeróbica nos tecidos com má perfusão de sangue, redução da excreção renal de íons hidrogênio e
produção aumentada de ácidos orgânicos no cólon em diarreia por má absorção. Além de água e bicarbonato,
são perdidos nas fezes o sódio, o cloreto e o potássio, o que resulta em déficit desses íons em todo o
organismo. Apesar da diminuição do potássio total no organismo como um todo, desenvolvese
hiperpotassemia, que reflete uma tentativa de compensar a acidose, por mecanismo celular, caracterizado por
entrada de H+ para o LIC e saída de K + para o LEC.
Um outro importante fato que ocorre em bezerros com diarreia é o balanço energético negativo devido às
diminuições da ingestão láctea, da digestão ou absorção de nutrientes, ou substituição do leite por soluções
orais de reidratação com baixa energia. Assim, a hipoglicemia pode ocorrer e também contribuir para a morte
dos neonatos afetados. Portanto, é recomendável a adição de glicose aos fluidos administrados pela via
intravenosa, não somente para prevenir a hipoglicemia, mas também para ajudar a superar o fluxo de água e de
eletrólitos para o lúmen intestinal. A glicose melhora a absorção de sódio do intestino quando dada oralmente e
favorece o movimento de potássio para dentro das células quando ministrada por via intravenosa.
Inicialmente, a prioridade no tratamento do bezerro desidratado deve ser a restauração do volume do LEC.
Na estimativa do volume de fluido necessitado pelo paciente, não se deve considerar apenas o déficit devido à
desidratação, mas também os requerimentos para a manutenção e compensação das perdas contínuas. Um
bezerro neonato necessita, para a manutenção diária, 50 a 100 m /kg, enquanto as perdas contínuas podem
variar de quantidades mínimas até um máximo de 4 em 24 h.
O segundo ponto a considerar é a correção da acidose. Tem sido sugerido que somente a restauração do
volume do LEC pode permitir aos rins a eliminação de ácidos em quantidade suficiente para restaurar o
equilíbrio acidobásico, todavia esse fato não tem sido observado na prática em bezerros com acidose moderada
a intensa. Assim, neste último caso a acidose deve ser corrigida pela administração de bicarbonato de sódio ou
dos chamados precursores de bicarbonato, que são sais de ácidos orgânicos fracos, como lactato, acetato,
gliconato e citrato. Em bezerros já se comprovou a maior eficiência alcalinizante do bicarbonato, quando
comparada ao lactato e ao acetato.
O uso de bicarbonato de sódio é mais econômico e a sua disponibilidade como agente alcalinizante é
imediata; não deve ser usado em soluções contendo cálcio e a sua utilização deve ser cuidadosamente
monitorada. Os agentes alcalinizantes alternativos oferecem vantagens e desvantagens. O lactato é
provavelmente o mais utilizado em Medicina Veterinária, apesar de suas limitações. Para a sua
biotransformação é necessário a integridade da função e perfusão hepática, além do fato de que o lactato
endógeno (ácido láctico) pode reduzir a sua biotransformação e está acumulado durante a hipovolemia e o
choque. Também deve ser ressaltado que só lactato é eficientemente metabolizado. O acetato tem a vantagem
de ser transformado em tecidos periféricos; o citrato e o gliconato podem ser usados preferencialmente em
soluções orais.
A taxa de administração intravenosa de agentes alcalinizantes, especialmente o bicarbonato de sódio, é
controversa, pois a rápida administração deste em soluções hipertônicas pode causar efeitos colaterais sérios
(hipernatremia e rápida alcalinização). Para evitaremse estes efeitos indesejáveis recomendase o uso de
solução isotônica de bicarbonato de sódio (1,3%) ou então, as hipertônicas diluídas em soluções fisiológica ou
de glicose a 5%. A estimativa da quantidade total de bicarbonato de sódio a ser utilizada pode ser feita com o
uso da avaliação hemogasométrica ou segundo o exame clínico, por meio da aplicação de fórmulas ou cálculos
anteriormente abordados.
Por medida de segurança, para evitarse a alcalinização excessiva, transformando a acidose em alcalose,
recomendase a administração inicial de 1/3 a 1/2 da quantidade total calculada de bicarbonato, seguida, se
possível, por reavaliação hemogasométrica ou clínica, para monitorar o efeito do tratamento, recalculandose a
quantidade ainda necessária, e dar seguimento à terapia.
A adição de glicose nas soluções reidratantes tem, no caso de soluções orais, a finalidade de melhorar a
absorção de sódio no intestino delgado; uma vez absorvida ou injetada intravenosa, promover a liberação de
insulina, o que melhora o movimento de potássio do LEC para o LIC, e ser fonte de energia. A importância da
reposição de sódio e cloreto não deve ser negligenciada. Administração de potássio deveria seguir aquela de
bicarbonato e glicose, o que melhoraria seu deslocamento do LEC para o LIC (na dose de 20 mEq/ , que é
considerada segura).
Se o grau de desidratação for inferior a 8%, em geral a reposição de fluido pode ser feita pela via oral. A
fluidoterapia oral tem vantagens em comparação à intravenosa. O custo do tratamento e os cuidados do
acompanhamento são menores e a segurança é maior. Vários estudos revelam que eletrólitos e glicose são
absorvidos e aproveitados por bezerros com diarreia de origem diversa.
Poucos são os produtos comerciais para uso oral disponíveis no mercado para bezerros e a descrição de
preparações caseiras e seu uso com sucesso para reidratar bezerros tem sido feita. Existem controvérsias sobre
o uso de reidratação oral com suspensão do fornecimento de leite ao início do tratamento. Algumas pesquisas
sugerem que esta prática não seja benéfica ao bezerro. Todavia, há concordância em que se o leite for retirado,
deve ser reintroduzido na alimentação gradualmente após 24 h. Na atualidade, se tem recomendado o uso de
leite diluído em igual volume com água, para manterse aporte de substrato de energia ao neonato.
As características das soluções reidratantes orais (SRO) são variadas. Quase todas as formulações incluem:
sódio, cloreto, potássio e glicose. Muitas contêm glicose, glicina, ou ambas, pois ajudam a absorção de sódio e
da água. Algumas apresentam na composição agentes alcalinizantes como o acetato, gliconato e citrato, ou o
próprio bicarbonato. Estão também presentes em algumas o cálcio, o magnésio e o fósforo.
As principais diferenças entre as formulações são relacionadas com: glicose, agentes alcalinizantes e
osmolalidade total. As soluções reidratantes orais com alta energia atendem as necessidades de manutenção e
reduzem a perda de peso, quando comparadas às de baixa energia. Soluções orais com bicarbonato
determinam alcalinização do conteúdo do abomaso, o que parece favorecer a proliferação bacteriana e a
passagem de patógenos ao intestino, além de interferir com a digestibilidade do leite.
Como soluções caseiras podem ser recomendadas as com concentrações equimolares de NaCl e glicose
isotônica (4,5 g e 25 g, respectivamente) e de NaCl e glicose hipertônica (9,0 g e 50 g, respectivamente). Ainda,
nas diarreias com discreta desidratação, além das SRO podem ser utilizadas substâncias protetoras de mucosa
(caolim, pectina) e adsorventes (carvão vegetal) misturadas às soluções ou junto com o leite. O volume total
estimado de fluido necessário deve ser parcelado e fornecido nas primeiras 24 h, com intervalos de 2 a 4 h entre
parcelas.
O tratamento pela via intravenosa é necessário em situações em que a desidratação é mais intensa (≥ 8%) e
o bezerro não é capaz de mamar adequadamente; recomendandose que o volume estimado para reidratação
seja ministrado por essa via. Em geral, após a reidratação do animal por via intravenosa (em período de 4 a 6
h), este demonstra capacidade de mamar e o volume estimado para manutenção/reposição de perdas contínuas
pode ser fornecido pela via oral nas 18 a 20 h seguintes, com uso de soluções reidratantes orais em biberões
(baldes com teteiras de borracha conectadas) ou em mamadeiras. A velocidade de administração pela via
intravenosa é de 30 a 40 m /kg/hora em bezerros, podendo chegar até 80 m /kg/hora. Recomendamse
soluções com osmolalidade entre 300 e 450 mOsm/ , contendo sódio e cloreto em concentrações próximas às
do plasma (soluções fisiológicas ou de Ringer), às quais podese adicionar 10 a 20 mEq/ de potássio (1 g de
KCl = 14 mEq) e 10 a 50 g/ de glicose. Como a acidose está presente devese usar solução isotônica de
bicarbonato de sódio (1,3%) ou contendo precursores como o lactato/acetato (25 a 50 mmol/ ) em volume
suficiente para corrigir o déficit básico estimado (lactato de Ringer e solução McSherry). Lembrar que o
bicarbonato não deve ser misturado à solução contendo o cálcio.
As dificuldades para uso intravenoso de soluções cristaloides e coloidais relacionadas respectivamente à
necessidade de grandes volumes e tempo gasto na aplicação, e ao custo elevado, têm motivado estudos com
uso de soluções hipertônicas, que têm como principal ação um efeito ressuscitador do paciente em choque
hipovolêmico e desidratação intensa em bezerros. As recomendações se fazem em situações naturais e
experimentais, para a utilização da solução salina hipertônica – SSH (solução entre 7,2 e 7,5% de cloreto de
sódio com cerca de 2.400 mOsm/ ) em doses de 4 a 5 m /kg p.c. ministradas em um período de 3 a 10 min.
Esse tratamento deve ser complementado com o uso de solução eletrolítica isotônica ministrada por via oral, em
dose de 60 m /kg p.c. aplicada imediatamente após a SSH, e a cada 8 h por mais duas vezes.
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