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A MADEIRA-MAMORÉ E O IMPERIALISMO NA AMAZÔNIA

DANTE RIBEIRO DA FONSECA

Pretende-se neste trabalho, explicar as práticas e decisões da administração da ferrovia com


base no conceito de imperialismo. A partir deste conceito será possível, utilizando o suporte da
argumentação empírica, evidenciar o fato de que muitas das decisões tomadas pela companhia que
construiu a ferrovia Madeira-Mamoré‚ não possuíam o caráter exclusivamente técnico-
administrativo atribuído pela historiografia corrente, mas estavam informadas por determinadas
concepções políticas e ideológicas dominantes na época, cujo conjunto faz parte do conceito ora
utilizado.
A hipótese principal relaciona-se à decisão dos norte-americanos, empreendedores da
construção, de mudar o ponto inicial da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré‚ de Santo Antonio do Rio
Madeira para um ponto situado sete quilômetros abaixo, às margens do mesmo rio. Ao tomar esta
decisão, contrariando o estipulado no Tratado de Petrópolis, a companhia construtora deu origem ao
município de Porto Velho, atualmente capital do estado de Rondônia. A questão é que a transferência
em tela não é explicada satisfatoriamente pela historiografia local, podendo-se mesmo aduzir que as
causas da transferência citadas por essa historiografia foram assimiladas, originalmente, de
informações originárias da própria direção da ferrovia.
No momento em que as palavras da moda são internacionalização e globalização, vale o
esforço de fazer uma análise entre as relações do capital estrangeiro e a soberania nacional na
Amazônia pois, como já foi afirmado, escrever a História ‚ sempre ler o passado à luz de problemas
presentes1.
Pode-se vincular o presente com o passado, ou vice-versa, evidenciando-se certas
continuidades e, a título de exemplo, tomar o fato de que o atual presidente da república, que
implementa o projeto neoliberal, reconhece as conseqüências deste projeto sobre a soberania
nacional. Em artigo publicado na revista Veja é comentando o conteúdo da palestra proferida pelo
mandatário, no mês de fevereiro de 1996, a um grupo de intelectuais na cidade do México, que serve
de exemplo ao fenômeno da continuidade que se pretende evidenciar. Em determinado trecho do
comentário atribui-se ao presidente brasileiro a seguinte afirmação:
“... a globalização trouxe dinheiro e trouxe mercadorias, mas também está engolindo os Estados
nacionais e esterilizando os governantes de países periféricos, que, na competição por investimentos
externos, acabam transformados em políticos submissos à alta finança internacional, que possui um
“tribunal imaterial”, porém influente, capaz de desmontar um governo e até‚ um país inteiro, como
um castelo de cartas, na hora em que for de sua conveniência2.”
Mais adiante, no mesmo artigo, atribui-se ao sociólogo Alain Touraine a seguinte frase:
“... globalização era aquilo que, no passado, chamávamos de imperialismo3.”
O fato então não é novidade, a globalização é a continuação de um mesmo fenômeno
denominado imperialismo, em outras palavras, há uma relação de continuidade entre políticas
elaboradas nos países capitalistas centrais com os quais o Brasil, e outros países periféricos,
conviveram no passado e convivem no presente.
Em meados do século passado, o avanço na tecnologia, no transporte e nos meios de
produção, ocasionaram o surgimento de gigantescas corporações que resultaram da fusão entre o
capital financeiro e o capital industrial. O avanço desse processo de concentração de capitais
culminou com a criação de trustes, cartéis e, mais tarde, para fugir a legislações antitrustes, holdings.
Essas corporações visavam a obtenção de contratos privilegiados quanto ao monopólio de
determinados mercados contando, para esse intento, com a colaboração da diplomacia e
freqüentemente, quando esta falhava, do uso da força militar, além das práticas do dumping para
eliminar os concorrentes. São estes aspectos visíveis da economia mundial nesse período.
Já no ultimo quartel do século XIX, nações capitalistas emergentes como o Japão, EUA e
Alemanha pretendiam controlar novos mercados consumidores e fornecedores de matérias primas,
em franca concorrência com os mais fortes países capitalistas da época: a França e Inglaterra,
dividindo o mundo entre países capitalizados e não capitalizados.
Maurice Dobb descreve sinteticamente a tônica das relações internacionais nesse período:
“... a extensão do campo de investimentos e a busca de mercados novos para manter o equipamento
produtivo em pleno funcionamento, a corrida pelas partes não desenvolvidas do globo a dividir em
territórios exclusivos e mercados privilegiados, iriam tornar-se rapidamente as ordens do dia4.”
Para os objetivos desse trabalho interessa observar os aspectos político e militar desse
processo na medida em que forjaram determinada mentalidade que, de forma bem precisa, migrou
para a Amazônia juntamente com capitais e técnicos estrangeiros. A migração acima referida visava
o incremento da produção da borracha para o abastecimento das industrias dos países capitalistas
desenvolvidos.
Esta mentalidade desenvolveu-se a partir da forma mais extremada do imperialismo,
efetivada na África e no Oriente, particularmente na China onde para garantir ampla liberdade de
reprodução do capital, atritos entre o governo local e governos estrangeiros e mesmo pequenos
incidentes entre súditos nacionais (Chineses) e estrangeiros foram propositadamente acirrados,
transformados pelas potências imperialistas em questões diplomáticas e daí em agressões militares.
Com base nesta política as potências capitalistas conseguiram, a partir do segundo quartel do
século XIX em diante, impor à China os chamados tratados desiguais, os quais culminaram no
estabelecimento de verdadeiros enclaves estrangeiros pela alienação da autoridade pública,
agredindo a soberania daquele país.
Assim é que, após provocar guerra contra a China, a Inglaterra conseguiu impor aquele país o
Tratado de Nanquim, assinado em 29 de agosto de 1842. Pelos termos desse tratado, a China
obrigava-se junto ao governo britânico a limitar suas taxas alfandegárias para importação até o teto
de 5%; a reconhecer zonas reservadas nos portos abertos ao comércio internacional e, ainda, aceitar
que os cidadãos britânicos que cometessem crimes dentro do território chinês fossem julgados
apenas pelas autoridades e segundo as leis britânicas. Dois anos após a assinatura do tratado, a
França e os Estados Unidos conseguiram os mesmos privilégios.
O desenvolvimento desse tipo de diplomacia (se é que assim se pode chamar a diplomacia
das canhoneiras) culminou, no ano de 1864, com a completa autonomia desses enclaves
determinando para eles os privilégios chamados de extraterritorialidade. Funções reservadas à
soberania do Estado, tais como o recrutamento de milícias, o controle de alfândegas e a cobrança das

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taxas de importação, a administração da justiça, não somente criminal mas também cível e penal, não
somente entre os estrangeiros e nacionais mas também entre os próprios nacionais, foram
transferidas aos mercadores estrangeiros que possuíam plena jurisdição sobre esses enclaves. Xangai
foi um modelo típico desses do fenômeno da extraterritorialidade, caracterizando-se como verdadeiro
estado estrangeiro5 dentro da China.
Os Estados Unidos, embora participassem do assalto internacional à China justificando suas
ações através da doutrina Hay (1900) que pretendia ser este país território aberto a todas as grandes
potências, empenhava-se em consolidar sua hegemonia sobre as Américas. Destarte, já desde o inicio
do século (1823) surgia a doutrina Monroe cujo slogan era “a América para os americanos", ou seja
os problemas internos das Américas deveriam ser resolvidos pelos próprios Estados do continente
sendo ilícito aos estados europeus intervirem.
De início os presidentes norte-americanos dedicaram-se a ampliar seus territórios comprando
ou ocupando e, por esses meios, anexando vários dos atuais estados tais como Lousiania, Texas,
Califórnia, de tal maneira que grande parte das áreas antes pertencentes ao México passaram ao
domínio dos Estados Unidos. Já a partir do terceiro quartel do século XIX os EUA passaram a
intervir em áreas mais distantes, na América Central.
É desse período a doutrina Roosevelt (big stick) cujo texto abaixo, da lavra do presidente
Theodore Roosevelt, é bem ilustrativo:
“Incidentes crônicos, a incapacidade (de certos governos) (...) podem, na América, como em outros
lugares, requerer a intervenção de uma nação civilizada e no hemisfério ocidental a adesão dos
Estados Unidos à Doutrina Monroe pode forçá-los, mesmo contra sua vontade, a exercer poderes de
polícia internacional em certos casos claros de incidentes ou incapacidades6.”
O presidente Taft foi mais explícito:
"Se é verdade que nossa política estrangeira não deve desviar-se ... do caminho reto da justiça, isto
não exclui de modo algum uma intervenção ativa para assegurar a nossas mercadorias e a nossos
capitalistas facilidades para investimentos lucrativos, fontes de benefícios para as duas partes em
presença7."
Tratava-se, segundo essa ideologia, de levar a ação civilizadora a povos atrasados em termos
de costumes, religião, instituições políticas e estruturas econômicas mesmo que à força e, em troca,
beneficiar-se com negócios lucrativos. Apoiando-se, ao nível da ideologia, nessas doutrinas, os
Estados Unidos iniciaram por interferir no processo de independência de Cuba (1895) auxiliando os
separatistas contra a Espanha, com vistas a resguardar seus volumosos investimentos nas plantações
de cana-de-açúcar. Derrotada a Espanha (1898), os Estados Unidos anexaram, como protetorados,
Porto Rico, Filipinas e Guam (Tratado de Paris). Cuba tornou-se um país independente porém ficou
sob o controle dos norte-americanos até 1902, quando foi aprovada pelo congresso dos Estados
Unidos a Emenda Platt que autorizava ao governo a intervir em Cuba quando necessário.
Ainda em 1902 os Estados Unidos repudiaram a intervenção franco-anglo-italiana na
Venezuela e, evocando a Doutrina Monroe, advogaram para si o direito à intervenção. As
intervenções norte-americanas em Honduras, Nicarágua, México, São Domingos e Colômbia são
também desse período. Para ilustrar o que foi a política internacional naquele momento tomar-se-á o
caso destes dois últimos países. Em são Domingos, em face da inadimplência do estado em honrar
suas dívidas, o presidente Theodore Roosevelt determinou uma intervenção branca (1903) e

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seqüestrou por vários anos 55% de suas rendas a fim de garantir o pagamento das dívidas daquele
país.
A Colômbia constitui o caso mais interessante para este estudo porque se trata de concessão
semelhante àquela contratada entre a Bolívia e o Bolivian Syndicate. Resumidamente, o caso iniciou
quando foi firmado um acordo entre o governo colombiano e os EUA destinado a arrendar, com
direitos perpétuos, as faixas de terras adjacentes ao canal do Panamá. O congresso colombiano
porém recusou-se a ratificar os termos do arrendamento e, como reação, o governo norte-americano
fomentou uma rebelião separatista na faixa do canal. O resultado foi o surgimento do Panamá como
país independente de direito, mas como estado fantoche de fato8. Dessa forma, os Estados Unidos
fortaleceram sua posição predominante, estendendo à América Central sua área de influência.
Se a guerra é a continuação da política por outros meios ficou claro, nesse período, pela
doutrina do big stick e pela doutrina do dólar, que a política (ao menos a política internacional) por
sua vez é a continuação dos negócios por outros meios e assim, pelo princípio lógico da identidade, a
guerra é a continuação dos negócios por outros meios.
Qual a relação entre as práticas imperialistas e a Amazônia? Não há registro histórico de
intervenções ou estabelecimento de protetorados nessa região, contudo, foi dito no início que
determinada mentalidade formada por certas práticas bem sucedidas em partes do Oriente e da
América Central foram transmigradas para esta região juntamente com o capital estrangeiro. É com
base nas pretensões do imperialismo que se intenta evidenciar a referida transmigração a partir de
alguns eventos relatados a seguir.
Já em meados do século XIX o governo norte-americano demonstrava interesse em abrir a
Amazônia aos capitais daquele país. Por essa época, o governo imperial9 recusou autorização para
que a Amazon Steam Navigation Co. Ltd. operasse no vale amazônico fato que resultou em imediata
reação da parte contrariada. Alegou o governo dos Estados Unidos que a posição brasileira era
representativa da política de isolamento, semelhante à chinesa, sendo contrária aos interesses da
humanidade na medida em que a abertura ao estrangeiro viria trazer a civilização sem nenhum perigo
para a soberania nacional.
Conforme relata Santos10, tratava-se exatamente disso, ou seja, de que o governo imperial
temia que se repetisse no Brasil o que ocorreu na China a partir do final da Guerra do ópio.
Reforçava o temor do governo imperial o fato de que nos Estados Unidos um oficial da marinha
norte-americana, chamado Mattnew Maury, movia intensa campanha através de artigos publicados
em jornais e mesmo num memorial endereçado ao seu governo, sustentando que as riquezas naturais
da Amazônia mereciam ser exploradas pela civilização através da conquista científica, econômica e
política. A recusa do governo imperial às pretensões da Amazon Steam Navigation Co. Ltd. deu
motivo para a campanha de Maury crescer em intensidade do que resultou em denúncia secreta
enviada pelo representante brasileiro em Washington, Teixeira de Melo, ao ministro das relações
exteriores daquele país considerando o fato uma ameaça à soberania brasileira11.
Em 1867 o rio Amazonas foi aberto à navegação internacional, limitada porém a alguns
trechos: no Tocantins até Cametá, no Tapajós até Santarém, no Madeira até Borba e no Negro até
Manaus. Mauá investiu na Amazônia, por concessão do governo imperial, até 1872 quanto a
Amazon Steam Navigation Co. Ltd. finalmente penetrou no negócio incorporando as três
companhias de navegação em operação naquela região e, assim, monopolizando o transporte fluvial
no Amazonas.

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A descoberta do processo de vulcanização da borracha fez crescer enormemente a procura
pelo látex, contudo, a matéria prima em escala suficiente para abastecer a indústria necessitava para
sua oferta de alguns pressupostos tais como: a oferta de capitais que viabilizassem a produção e o
transporte; o aumento da mão-de-obra ocupada na produção; a incorporação de novas áreas
produtoras. Em face da intensidade da exploração ocorreu a exaustão das zonas iniciais de
exploração, obrigando o avanço sobre novas áreas de seringais. Assim, passou-se dos rios próximos
a Belém para os rios Tapajós, Madeira, Purus, Juruá e a região do Acre, ainda quando pertencente à
Bolívia.
Se no início da exploração comercial da borracha na Amazônia os capitais necessários ao
processo extrativo eram inexpressivos, podendo ser obtidos dentro do país ou mesmo dentro da
região Norte, o enorme crescimento da procura do produto no mercado internacional tornou
impossível aos capitais nacionais a inversão em escala suficiente para atender a demanda. Em função
da exigüidade dos capitais nacionais prontamente foram atraídos os capitais estrangeiros que, com o
passar do tempo, obtiveram o controle do processo produtivo12, financiando as importações, o capital
de giro e, freqüentemente, os governo locais.
Destarte, já nas últimas décadas do século passado, capitais estrangeiros controlavam a
navegação fluvial através da firmas Amazon Steam Navigation Co. Ltd. e The Amazon River Steam
Navigation Co. Ltd., ambas de capital inglês. O capital estrangeiro controlava também vastos
seringais e os portos de Belém e Manaus, construídos através de concessões dos governos locais. Os
maiores mercados consumidores do látex eram a Inglaterra e os Estados Unidos, países que mais
investiam na Amazônia.
A parte do financiamento funcionava da seguinte maneira: as casas aviadoras cuidavam da
importação dos produtos necessários à manutenção dos seringais, abrindo créditos para o
abastecimento dos seringalistas, créditos esses honrados com a própria produção; enquanto que o
capital estrangeiro, especialmente inglês e norte-americano monopolizava o comércio de exportação
da borracha que compravam das casas aviadoras, impondo os preços em razão desse monopólio.
O controle do comércio de exportação da borracha na Amazônia pelo capital estrangeiro está
plenamente em consonância com o período do capitalismo monopolista. Como exemplo Martinello13
faz referência à reação das casas aviadoras, que tentaram exportar a borracha comprada dos
seringalistas e das casas aviadoras menores, obtendo imediata resposta do capital monopolista,
concretizada na práticas do dumping e responsável por uma das maiores quedas no preço da borracha
antes de 1912.14
O Acre possuía as maiores reservas de seringueiras da Amazônia, sendo por muito tempo
região de litígio entre o Brasil e a Bolívia. Os direitos deste último país sobre aquela área foram
reconhecidos pelo governo brasileiro quando da assinatura do Tratado de Ayacucho (1867). A
expansão em busca de seringais nativos fez com que os brasileiros penetrassem aquela região
tornando-se, com o tempo, superiores em número aos bolivianos. O fato é que o governo boliviano
sentia-se inseguro quanto à ocupação daquela área tão rica em recursos naturais.
Em 1899 foi entregue a um funcionário do consulado da Bolívia em Belém um documento
para ser vertido para o inglês. Tratava-se da minuta de acordo diplomático, assinada pelo cônsul da
Bolívia no Pará (Luiz Trucco), pelo ministro da República da Bolívia e Enviado Plenipotenciário
(José‚ Paravicini) e pelo cônsul dos EUA (Kennedy). O documento previa a gestão do governo norte-
americano, junto ao governo brasileiro no sentido do reconhecimento, por este último, dos direitos da
Bolívia aos territórios do Acre, Purus e Iaco, ocupados segundo o acordo de 1867. O mais grave

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porém‚ que os EUA comprometiam-se a apoiar a Bolívia, em caso de guerra com o Brasil, com
financiamento e material bélico; além de exigir do Brasil o aceite, em comum acordo com a Bolívia,
de uma comissão para esclarecer os problemas de fronteira entre o Purus e o Javari; exigiria também
do governo brasileiro a liberdade de navegação pelos afluentes do Amazonas aos barcos bolivianos
assim como o livre acesso pelas alfândegas de Belém e Manaus às mercadorias destinadas aos portos
bolivianos15.
Em contrapartida ao empenho do aliado a Bolívia comprometia-se, caso houvesse guerra, a
conceder o abatimento de 50% dos direitos sobre a borracha destinada a qualquer parte do território
norte-americano durante o prazo de dez anos; comprometia-se ainda a entregar parte do território em
litígio para a posse do seu aliado, além de hipotecar ao mesmo suas alfândegas para cobrir os gastos
do conflito. A 9 de maio de 1899 o acordo foi enviado ao presidente Mckinley (dos EUA) através de
uma canhoneira da esquadra norte-americana que partia de Belém.
Tratava-se, segundo Lima16, de garantir um contrato de arrendamento do Acre ao Bolivian
Syndicate, um cartel constituído basicamente pela United States Rubber Co., aliada ao capital inglês.
Como já foi visto, possuía o Acre as maiores reservas de seringueiras nativas da Amazônia e, assim,
caso fosse realizada a concessão, Manaus perderia as rendas provenientes dos impostos de
exportação e do abastecimento dos seringais que isolados da Bolívia pelo altiplano comerciavam
pelos rios da Amazônia brasileira.
O funcionário do consulado da Bolívia em Belém chamava-se Luiz Galvez Rodrigues de
Arias e fora membro do corpo diplomático de seu país, a Espanha, do qual se desligara. Ciente das
conseqüências para Manaus, em caso da efetivação do acordo, dirigiu-se Galvez àquela capital onde
informou ao presidente da província sobre os termos do acordo. Resultou do encontro que Galvez,
apoiado oficiosamente pelo presidente do estado do Amazonas, dirigiu-se ao Acre onde com o
suporte da população de brasileiros ali residentes declarou livre o território boliviano, pretendendo
autonomia de estado independente. Do confronto com as tropas bolivianas Galvez ultimou o seu
intento mas posteriormente foi deposto com o apoio de uma flotilha brasileira. Após a chegada de
uma forte expedição militar boliviana, foi garantido o domínio daquele país sobre o território em
litígio.
Em 11 de junho de 1901 reuniram-se em Londres o chefe da legação da Bolívia naquele país,
Sr. Felix Aramayo; e os Srs. Willingford Withridge, magnata e manejador de capitais anglo-
americanos; Martin Conway, da firma Cary & Withridge; Samuel P. Cret, representante do
presidente da United States Rubber Co. (que consumia naquela época 25% de toda a borracha
exportada anualmente pelos EUA); Charles R. Flint, diretor da Export Lumber Co.; que com a
promessa do rei da Bélgica em subscrever parte das ações, firmaram o contrato de arrendamento do
Acre sendo signatários Aramayo, na qualidade de ministro plenipotenciários da Bolívia, e Withridge,
que representava o Bolivian Syndicate of New York City. Curiosamente a presidência do truste é
dada ao primo do presidente Theodore Roosevelt.
O contrato celebrado com o Bolivian Syndicate assemelhava-se áquele da Colômbia, que deu
origem ao Panamá, nos aspectos referentes ao estabelecimento de enclaves extraterritoriais norte-
americanos. Pelo contrato foi admitido ao Bolivian Syndicate poderes absolutos de administração
fiscal e policial, monopólio da exploração econômica do território e, inclusive, poderes para manter
exército‚ e pequena esquadra.
No Acre, um brasileiro chamado José Plácido de Castro recebeu um pacote de jornais de La
Paz que traziam a íntegra do contrato entre o Governo boliviano e o Bolivian Syndicate, além da

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notícia de aprovação do contrato pelo congresso boliviano. Após a leitura dos jornais, Plácido de
Castro comungou então dos mesmos temores suscitados no governo imperial17 meio século antes,
por causa da insistência do governo norte-americano em abrir à navegação internacional o rio
Amazonas18. Supôs então que aquele seria um precedente perigoso na medida em que abriria
caminho para futuras intervenções norte-americanas na Amazônia, podendo resultar inclusive em
ofensa à soberania brasileira19.
Não estava destituído de razões20, o incidente de 1850, o protocolo de 1899, que motivou a
ação de Galvez, e a recente intervenção dos EUA em Cuba, que culminaram com a anexação das
Filipinas, de Guam e de Porto Rico permitiam tais previsões, aliás confirmadas pelas ações militares
do governo dos EUA na América Central e do Sul após o ano de 1901.
Liderando a população brasileira residente na Região do Acre, Plácido de Castro seguiu os
passos de Galvez e proclamou a República Independente do Acre, o que significou declarar guerra à
Bolívia. Após derrotar as poucas e mal abastecidas tropas bolivianas aquarteladas naquela Região
efetivou-se o domínio rebelde. Em resposta, o governo boliviano preparou uma grande expedição
militar comandada pelo próprio presidente da república, general Pando, para retomar o controle do
território21. Curiosamente, não se encontrou registro de interferência norte-americano nos moldes
previsto pela minuta de 1899. É possível que por essa época os Estados Unidos, ocupados em
inúmeras intervenções na América Central, não estivessem disponíveis para tratar com mais cuidado
dos interesses do Bolivian Syndicate. O fato é que o conflito foi resolvido pelos dois países por via
diplomática.
Quando o governo brasileiro manifestou-se publicamente a respeito do assunto pela primeira
vez, através do Ministro dos Negócios Exteriores, o barão do Rio Branco, demonstrou preocupação
semelhante à de Plácido de Castro. Assim é que, em 24 de janeiro de 1903, o barão do Rio Branco
enviou circular telegráfica dirigida aos jornais de La Paz, que abaixo se transcreve:
“Con respecto a la question del Acre hacemos dado a entender a Bolivia, qui el contrato de
arrendamiento del territorio, asi como los poderes concedidos al Bolivian Syndicate, fue una
monstruosidad legal, por cuanto imposto una enajenación parcial de la soberania en favor de una
companhia extrangera, sin personeria internacional. Es una concessión semejante a las
concessiones del Africa y indigna de nuestro continente. Por este contrato el gobierno de Bolivia ha
concedido al extrangero el poder de administrar una región habitada unicamente por brasileños,
para mantener fuerzas terrestres y fluviales y para disponer de la soberania de la navigacion del
Aquiry ó Acre22.”
As negociações entre o governo brasileiro e o Bolivian Syndicate já estavam adiantadas de tal
maneira que dois dias depois do envio da circular telegráfica aos jornais de La Paz, em 26 de janeiro,
foi assinada em Nova York, por aquele truste, a escritura pública de renúncia aos direitos de
concessão sobre o Acre. Em 17 de novembro do mesmo ano foi assinado o Tratado de Petrópolis,
entre o Brasil e a Bolívia, no qual este último país renunciava aos direitos sobre o território em litígio
mediante ao pagamento, pelo beneficiário, de uma indenização.
Em maio de 1903 o governo brasileiro autorizou a abertura de crédito extraordinário no valor
de 2.366:270$2200 para ser convertida, ao câmbio da época, em 114.000 libras esterlinas destinadas
a indenização ao Bolivian Syndicate23. Em 18 de fevereiro do ano seguinte foi sancionado o
decreto24 de aprovação do Tratado de Petrópolis e em 10 de março foi sancionado o decreto25 de
execução do tratado de permuta do território que em seu artigo terceiro estipulou uma indenização,
pelo território do Acre, de 2.000.000 de libras esterlinas.

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Uma segunda cláusula a ser destacada (artigo VII) foi aquela em que o Brasil obrigava-se a
construir uma ferrovia que contornasse o trecho encachoeirado do rio Madeira determinava o
seguinte:
“Os Estados Unidos do Brazil obrigam-se a construir em território brazileiro, por si ou por empresa
particular, uma ferro-via desde o porto de Santo Antonio, no rio Madeira, até Guajará Mirim, no
Mamoré, com um ramal que, passando por Villa-Murtinho ou outro ponto próximo (Estado do Matto
Grosso), chegue a Villa-Bella (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré. Dessa ferro-via que o
Brazil se esforçará por concluir no prazo de quatro annos, usarão ambos os paizes com direito às
mesmas franquezas e tarifas26.”
Os motivos econômicos da cláusula citada vinculavam-se a mesma atividade que motivou a
anexação do Acre ao Brasil, a exploração do látex. Tratava-se de garantir o escoamento, por via
ferroviária, da borracha produzida no oriente boliviano. Mais uma vez o capital monopolista entrou
em cena por via de Concessão do governo, pois já dominava a economia amazônica nesse início do
século XX .
Apesar de várias tentativas de construir a ferrovia que contornasse o trecho encachoeirado do
rio Madeira, anteriores ao Tratado de Petrópolis, a última e bem sucedida empresa iniciou em 1907.
Entrou em cena nesse momento uma figura cujo perfil de empreendedor que concluiu a tarefa, assim
como sua atividade empresarial dentro e fora do Brasil, representa bem a época em que viveu, a
referência é a Percival Farquhar.
Filho de um importante industrial norte-americano, foi desde cedo preparado para ser um
homem de negócios. Cursou engenharia na universidade de Yale onde, mais importante que a
obtenção do diploma, estabeleceu laços de amizade junto à elite empresarial de seu país, amizades
estas que se demonstrariam importantes para seus investimentos no futuro. Em 1898, com o término
da guerra hispano-americana (independência de Cuba), Farquhar, como outros, dirigiu-se àquele país
ávido de obter concessões e efetivamente obteve-as, na área de transporte (bondes) e de energia
elétrica. Participou também de empreendimentos ferroviários em Cuba e na Guatemala.
Em 1904, incorporou no Brasil a Rio de Janeiro Light and Power, parte de uma série de
iniciativas que culminaram com a obtenção do controle acionário de empresas de energia elétrica,
bondes e serviços de telefonia no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Esta atividade baseava-se na
associação com capitais europeus e norte-americanos, incorporando tal quantidade de empresas que
despertavam o temor da formação de um truste que acabaria por controlar setores importantes da
economia nacional, tais temores eram, sempre que necessário, explorados pelos concorrentes
nacionais.
No caso da Rio Light and Power, Farquhar disputou com a dupla de empresários nacionais
Cândido Gafree e Eduardo Guinle, estes últimos promoveram campanhas carregadas de
nacionalismo contra o grupo Farquhar. A disputa foi resolvida com a interferência do embaixador
norte-americano (Thompson) junto ao presidente Rodrigues Alves e o Ministro Lauro Muller, como
resultado o governo reconheceu o direito ao monopólio das concessões adquiridas pelo grupo
Farquhar. Na verdade, Farquhar esteve no Rio de Janeiro em 1905, onde se entrevistou com o
ministro Lauro Muller e com Thompson.
Nessa entrevista, o embaixador informou ao seu interlocutor que a Rio Light apesar de ser
financiada por capitais canadenses era considerada pelo Departamento de Estado como uma empresa
norte-americana sendo, portanto, ordenado por aquele governo que defendesse, junto ao governo

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brasileiro, aquela concessão. Além da confirmação dos direitos de monopólio Farquhar adquiriu
ainda naquele ano, e ainda em concorrência com a dupla Gafree/Guinle, empresas de gás, iluminação
pública e bondes em Salvador.
Em resumo, por volta de 1912 o grupo Farquhar controlava, em todo o Brasil, companhias
que exploravam concessões de portos, ferrovias, bondes, iluminação e energia elétrica, gás, serrarias,
fazendas de gado, frigoríficos e hotéis. Tal apetite empresarial impulsionou, como reação, uma forte
campanha nacionalista que explorava o temor do controle de nossa economia pelo capital
estrangeiro. As campanhas em jornais, nas quais participaram, entre outros, Alberto Torres,
fortaleceram o movimento em prol da estatização das ferrovias e da lei antitruste, além de
incrementar o receio em relação ao imperialismo ianque.
Na Amazônia, obteve Farquhar em 1905 concessão do governo para obras no porto de
Belém; em 1909 formou a Companhia de Navegação do Amazonas, que ocupou o lugar da Amazon
River Steam Navigation Co.; em 1911 fundou a Amazon Land & Colonization Co. que recebeu no
mesmo ano de sua fundação, após uma visita de Farquhar a Belém, uma concessão de 60.000
quilômetros quadrados de terras onde hoje fica o estado do Amapá. A concessão para a construção
da ferrovia Madeira-Mamoré‚ foi adquirida por compra ao engenheiro Joaquim Catramby, em 1907.
No mesmo ano foi iniciada a construção da ferrovia.
Farquhar era um homem do seu tempo, com as relações que possuía nas finanças
internacionais obtinha a fusão de capitais para explorar concessões monopolistas, obtidas junto aos
governos estrangeiros por via de influência política. Acostumado da promover suas ações
empresariais em países sob o controle norte-americano, no Brasil utilizava-se da influência do
embaixador de seu país, que agia como emissário do departamento de estado, para alcançar seus
intentos. Certamente, era muito incômodo ter que negociar, para quem estava acostumado a agir com
o respaldo de intervenções militares. Enfim era um típico representante do imperialismo, e talvez
seja esta uma variável importante para explicar a origem da cidade que é hoje a capital do estado de
Rondônia.
Ao contrário das tentativas anteriores e do estipulado na cláusula VII do Tratado de
Petrópolis, ficou decidido pela administração da ferrovia que esta não teria seu ponto inicial em
Santo Antônio do Rio Madeira, situado no estado do Mato Grosso, mas em um ponto situado sete
quilômetros abaixo do rio e denominado Porto Velho, situado no estado do Amazonas. A explicação
para esta decisão é encontrada em Pontes Pinto:
“A partir de 1907, quando foi alterado em mais de sete quilômetros o tratado original da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré‚ - por ter sido constatada a precariedade do ancoradouro de Santo Antônio
-, seu ponto inicial, desceu até‚ o local onde houve um porto velho, antigo estacionamento do
distrito militar do Jamary, em terras pertencentes à jurisdição do estado do Amazonas27.”
Sobre o mesmo tema, informa Menezes:
“A melhor e mais cordata versão que ouvi foi que, averiguada a impossibilidade de ser iniciada a
construção da Estrada em Santo Antônio tanto pela exigüidade do porto como de campo para
operações materiais e construção de edifícios para oficinas, armazéns‚ escritórios e residências, foi
resolvida a transferência da sede para um ponto mais conveniente, em terras do Cel. José‚ da Costa
Crespo pertencentes ao Estado do Amazonas28.”
Ainda, segundo Cantanhede:

9
“... entre outras razões que levaram a empresa contratante da construção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré‚ a preferir este local para sede dos seus escritórios e início da linha férrea, as
mais importantes foram: ser o povoado de Santo Antônio do Madeira ser considerado muito
doentio; a dificuldade com que seus antecessores conseguiram para obter um bom porto para
atracação dos navios que transportavam material para a estrada e suprimento de víveres; alguns
desses navios de grande calado, tinham que ficar a certa distância de Santo Antônio, cujo porto é
cheio de escolhos; terem encontrado, naquele povoado, comércio legalmente estabelecido com
suprimento, em regular escala, de bebidas alcoólicas29.”
Os motivos da transferência serão abaixo sintetizados:
1. pela impossibilidade do ancoradouro de Santo Antonio receber navios de grande calado;
2. exigüidade de espaço, tanto do porto como de locais suficientemente amplos para as instalações da
administração, logística e manutenção dos equipamentos ferroviários;
3. insalubridade constatada no povoado de Santo Antonio;
4. controle da mão-de-obra, a transferência dificultaria o acesso dos operários ao consumo de bebidas
alcoólicas.
Um quinto aspecto que se deseja aqui ressaltar é que a mudança do ponto inicial da ferrovia
implicou em mudança de jurisdição estadual, do Mato Grosso para o Amazonas. Este aspecto que é
observado como conseqüência de decisões de ordem estritamente técnico-operacionais, pode ser
visto como uma quinta causa, não publicada, da decisão. Ao transformar a conseqüência em causa as
implicações de ordem teórica e analítica são previsíveis, se for lembrado o conceito histórico que tem
permeado esse trabalho.
Primeiramente, sobre a questão do porto30, é interessante observar que as inconveniências
alegadas somente foram suficientes para motivar a transferência, e portanto o aumento no custo da
obra, para o pessoal do Farquhar, e não para as companhias que tentaram construir a ferrovia
anteriormente. Cantanhede observa que as dificuldades do porto de Santo Antonio causaram
problemas aos antecessores da May, Jekyll & Randolph, porém tais transtornos não foram suficientes
para motivar a transferência para outro local.
Em 1872 a empresa inglesa Public Works iniciou a primeira tentativa de construção da
ferrovia, desembarcando em Santo Antonio grande quantidade de material ferroviária31; em 1878 a
P. & T. Collins fez a segunda tentativa trazendo também volumoso equipamento ferroviário e
desembarcando no mesmo local32.
Das duas comissões mandadas pelo governo imperial, uma comandada pelo engenheiro
Carlos Morsing em 1883 que ficou em Santo Antônio durante seis meses e outra comandada pelo
engenheiro Julio Pinkas em 1884, os relatórios de viabilidade da construção da ferrovia, se é que
existem, podem revelar alguma coisa a respeito da questão do porto.
Quanto à questão do pátio de operações, não se trata aqui de condições topográficas, mas
supostamente de falta de espaço como conseqüência da existência, às margens da ferrovia, da vila de
Santo Antonio. Ocorre que, pelo decreto de concessão ficou determinado que uma faixa de 150
metros de cada lado dos trilhos era concedido a ferrovia para construção, exploração de madeira e
comércio, então o problema da falta do espaço poderia ser resolvido com a simples desapropriação
ou compra dos imóveis particulares situados nessa área, como de fato aconteceu em função da
transferência decidida pela ferrovia.

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De fato ao transferir o ponto inicial da ferrovia, a Madeira-Mamoré‚ defrontou-se com o
mesmo problema, pois situou o ponto inicial em terras de particulares. Entre Santo Antonio e Porto
Velho existiam duas propriedades ocupando o que seria o leito da ferrovia nesse trecho, uma foi
comprada e outra desapropriada, através de demanda judiciária, pela Madeira-Mamoré. Ainda mais
importante é o fato que, o exato ponto onde se construiu as instalações da ferrovia pertenciam ao Cel.
Costa Crespo, que moveu ação judicial contra a união - não foi obtida a informação do resultado da
demanda mas, ao que parece, a união ganhou a causa, tendo sido também as terras do Cel. Crespo
desapropriadas em benefício da ferrovia33. Ganhou assim a ferrovia o alegado espaço “inexistente”
em Santo Antonio.
A insalubridade, não parece também explicar satisfatoriamente a transferência do ponto
inicial da ferrovia. Nos textos estudados não há nenhuma referência a insalubridade da vila de Santo
Antonio em função de condições naturais (topográficas por exemplo), que fariam daquele local mais
propenso a transmissão de doenças, particularmente a malária34, que Porto Velho. Faz sim, referência
a criação de determinada infra-estrutura em Porto Velho que diminuiu a possibilidade de reprodução
do vetor e, portanto, de transmissão da doença. Dessa forma, nada impediria que a mesma infra-
estrutura fosse criada em Santo Antonio, tornando aquela vila mais salubre. Tanto isto ‚ um fato que
o hospital da Candelária ficava muito mais próximo da vila de Santo Antonio que de Porto Velho, o
que quer dizer que cuidados técnicos poderiam evitar a transmissão da doença.
Em seu relatório de 1910, Osvaldo Cruz descreve as condições sanitárias da vila de Santo
Antonio: sem esgotos, água canalizada ou iluminação; lixos e dejetos humanos e animais eram
despejados nas ruas; o abate dos animais era realizado também nas ruas, a céu aberto, onde eram
abandonados os restos não aproveitáveis da carcaça dos animais; não havendo calçamento, em
tempos de chuvas as poças de água que se formavam nas ruas favoreciam a procriação dos
anofelinos.
Já em Porto Velho a situação era completamente diversa: todas as habitações eram teladas;
havia abastecimento de água, luz, esgoto sanitário e um hospital35; o que favorecia a menor
incidência de doenças entre os 800 habitantes daquela vila operária. A citação abaixo bem demonstra
a diferença quanto à preocupação em criar condições propícias à salubridade em Porto Velho:
“As construções elevam-se sobre uma pequena colina cujas vertentes dão para um igarapé‚ ou
riacho do qual se acha separado pela mata ainda não derrubada; entre a colina e Porto Velho existe
uma zona baixa de terreno alagadiço e que se acha atualmente em parte dessecada por um sistema
de valetas36.”
Nada parecido com as águas empoçadas, Tão benéficas à reprodução dos anofelinos, encontradas em
Santo Antonio.
Cabe agora analisar a quarta razão, relativa ao fácil acesso dos trabalhadores ao consumo de
bebidas alcoólicas. Essa de fato constitui uma explicação mais convincente. Tratava-se de manter o
controle da mão-de-obra, condição necessária á maior produtividade do trabalho37, e ao exercício das
ações que limitavam as liberdades civis dos trabalhadores. Vincula-se ainda essa razão à nossa
hipótese principal, a de que a mudança da jurisdição estadual do ponto inicial da ferrovia não foi
conseqüência mas causa não revelada da decisão. O interesse do capital monopolista em ter, sempre
que possível, jurisdição própria já foi suficientemente demonstrado aqui, porém, na medida em que o
território da ferrovia constituía uma concessão de serviços públicos e, por isso, submetida á
jurisdição do governo brasileiro, diferentemente do que pretendia no Acre o Bolivian Syndicate, ou
as Companhias de Carta na África, ou os enclaves extraterritoriais na China. Contudo, o hábito do

11
cachimbo faz a boca torta: as evidências empíricas indicam certas pretensões da Madeira-Mamoré‚
próprias à jurisdição do Estado.
Tais pretensões já são observadas durante a aventura da P. & T. Collins, em 1878. Um
remanescente da empreitada o engenheiro Neville Craig, ao descrever a greve promovida por braçais
italianos recrutados para construir a ferrovia narra o desenlace do movimento, ocorrido quando a
administração da ferrovia organizou uma guarda de quarenta homens armados que invadiram o
acampamento dos trabalhadores, prenderam seus líderes e suspenderam o fornecimento de víveres. O
comentário de Craig sobre o ocorrido é sintomático da mentalidade que se pretende aqui ressaltar:
“Felizmente não havia tribunais nem advogados para criar injunções, nem políticos ansiosos por
granjear popularidade, defendendo o crime, nem detetives para precipitar o derramamento de
sangue onde apenas se precisava de firmeza e calma, nem finalmente, soldados assustados prontos a
abrir fogo contra suas próprias sombras38.”
Em resumo, para arbitrar um “crime” (a greve) felizmente não havia o Estado que, segundo o
liberalismo, deve ser único detentor do poder de coerção. Liberalismo aliás em cuja fonte bebe Craig
mas que distorce, nesse caso, em defesa da ordem privada39. Felizmente não havia também o Estado
para impedir a usurpação de suas atribuições constitucionais, dentre eles o poder de polícia.
Em várias outras ocasiões esse poder de polícia foi utilizado pela companhia até mesmo
contra determinações expedidas pelos poderes públicos40. Em 1910 o governo central embarcou no
navio Satélite 441 pessoas, 105 marinheiros que haviam participado da Revolta da Chibata, 292
homens e 44 mulheres provenientes da Casa de Detenção do Rio de Janeiro‚ com o objetivo de
deportá-los para a Amazônia.
Vários depoimentos sobre a reação da ferrovia ao desembarque dos prisioneiros sobreviveram
até nossos tempos41 e, de modo geral, confirmam o fato de que o sindicato da Madeira-Mamoré‚
recusou-se a autorizar ao comandante do navio sequer o desembarque dos degredados, recusando-se
ainda, terminantemente, a receber o auxílio daquela mão-de-obra, ameaçando responsabilizar o
governo por qualquer tumulto proveniente do desembarque daquela gente42.
O depoimento do engenheiro alemão Guilherme Voss ilustra, de forma contundente, os
poderes excessivos a que se arrogava a companhia, chegando mesmo a enfrentar, com homens e
armas, as ordens de desembarque expedidas pelo Governo Central:
“A companhia estava de sobreaviso. Foram distribuídas manlicher e carabinas com muita munição
para sustar o desembarque. O vapor passou em frente de Porto Velho. Comunicaram ao
comandante (ou encarregado, pois isso eu não sei), que não era desejado o desembarque. Porque
não havia só os revoltosos, também um grande número de mulheres de rua, e em Porto Velho não
era consentida a parada de mulheres naquele tempo. O Satélite‚ foi a Santo Antonio e enfiaram
todos na linha telegráfica do marechal Rondon43.”
De outra feita, certo capitão Matos Costa comandante militar da guarnição em Santo Antonio,
sendo inclusive o oficial que recebeu os degredados do Satélite, entrou em atrito com um norte-
americano, funcionário da ferrovia, como segue:
“Os pagadores, todos norte-americanos, usavam grandes revolveres na cinta. Ora aquele capitão
Matos Costa, resolveu, em Santo Antonio, tomar o revolver de um pagador norte-americano. Como
este reagisse, foi colocado num tronco, isto é, preso pelas pernas a um trilho ferroviária, com
corrente e cadeado. Exposto à vista de todos, o norte-americano debatia-se e acabou quebrando a
perna. Veio então em seu socorro o seu chefe norte-americano, dirigente da empresa construtora.

12
Foi um Deus nos acuda! O telégrafo, que já existia, foi posto a funcionar, e o capitão Matos Costa,
retirado incontinenti de Santo Antonio. Disseram depois, que aquele capitão Matos Costa foi
transferido para o Paraná, onde morreu na revolta do Contestado44.”
O arbítrio e a truculência de autoridades nessa região repete-se no caso da revolta dos
madeireiros, que extraiam toras de madeira para os dormentes da ferrovia, indignados com a taxação
sobre a atividade, promovida pela recém instituída administração municipal de Porto Velho O
intendente ordenou que se amarrasse determinado manifestante e o flagelasse publicamente, não era
um norte-americano e desta feita nada aconteceu.
A pretensão da ferrovia em constituir-se como um tipo de “municipalidade privada” não se
deriva do fato de ter construído uma cidade, e portanto, ser a proprietária de toda a infra-estrutura
urbana existente no município em seus pródromos, mas em regulamentar esferas de atividade
particulares ferindo as liberdades civis, de manter polícia e cárcere próprios e usá-los quando julgava
necessários e, principalmente de questionar as determinações do poder público usando a força e a
influência econômica, como veremos adiante. O conflito entre tais pretensões e o poder público
torna-se mais visível no momento da criação do município de Porto Velho, desmembrado do
município de Humaitá, quando da chegada de seu primeiro intendente. Sobre Porto Velho nessa
época, os anos 10, é o seguinte comenta:
“Ao mesmo tempo, sua Condição de cidade ainda não se distinguia muito bem; pois permanecia
nesse momento, a rigor, como núcleo isolado sob controle e jurisdição de uma empresa privada,
algo distante do conceito formal de espaço público45.”
De fato, não foi essa uma das razões da transferência de jurisdição de um município do Mato
Grosso, onde mal ou bem a companhia deveria se entender com um intendente e com um
comandante militar como o capitão Matos Costa, para uma parte distante do município de Humaitá,
no Amazonas, onde o Estado era ausente? O incomodo causado à ferrovia com a criação do
município de Porto Velho e com a posse do primeiro intendente municipal, é uma evidência dessa
hipótese.
O município de Porto Velho foi criado em 1914, dois anos após a conclusão da ferrovia,
através da lei no. 757 sancionada pelo governador do estado do Amazonas. O artigo 2o. da referida
lei dá bem a dimensão das dificuldades que o poder público teve para se impor, em face da
dependência em relação às instalações da ferrovia:
“O Poder Executivo fica autorisado a entrar em acordo com o Governo Federal, a Madeira-
Mamoré‚ Railway Company e os proprietários de terras para a fundação imediata da povoação,
aproveitando, na medida do possível, as obras de saneamento feitas ali por aquella companhia, e
abrir créditos necessários à execução da presente lei46.”
A intendência municipal ficava então desde cedo dependente das instalações da companhia e
da interpretação em relação aos privilégios‚ a ela concedidos pelo governo federal, nesse ponto,
qualquer negociação fugia à jurisdição do município. Desta forma, o trabalho da intendência foi
acompanhado por inúmeros problemas, pois além da dependência física havia uma percepção
generalizada de que a companhia norte-americana não era apenas uma concessionária de serviço
público, mas possuía privilégios‚ de jurisdição, conforme bem ilustra o depoimento abaixo:
“Santo Antônio era um território livre, mas Porto Velho estava sob jurisdição da Companhia
construtora norte-americana. (...) Até fins de 1911, na nascente cidade era assim, mesmo porque
havia uma polícia mantida pela companhia construtora e chefiada por um norte-rio-grandense47.”

13
Em 1915, chegou a Porto Velho e tomou posse, no cargo de intendente municipal o Major de
Engenharia do Exército Fernando Guapindaia. No discurso proferido na ocasião e transcrito na ata da
seção solene de instalação do município, em que estiveram presentes entre outros os diretores da
ferrovia, Guapindaia já delineia os pontos de atrito48 conforme segue:
“Era com grande desvanecimento que tinha a honra de, nestas longínquas paragens vir inaugurar o
município de Porto Velho, trazendo para este remoto rincão nacional uma das grandes conquistas
da democracia - o governo do povo pelo próprio povo - na soberana autonomia municipal,
assegurada pelos preceitos constitucionais. (...) Constituindo o município - differenciados e fixados
os deveres de cada um para com a administração pública e desta para com todos tem a lucrar (sic):
primeiro o município isolado senhor da terra que ocupa - e, pela compensação do imposto será
assegurada a sua tranqüilidade physica e moral, pois que, a hygiene pública será executada e a
garantia individual se tornará um fato49.”
Não deve ter sido agradável áqueles que antes governavam o local ouvir a pregação de
conceitos como soberania municipal, preceitos constitucionais, deveres para com a administração
pública e garantia individual. Disse mais ainda o Major Guapindaia, que ao município era reservada
a garantia do exercício da cidadania, dos direitos civis e políticos50, terminando por agradecer a
solicitude da ferrovia ao recebe-lo.
O atrito inicial surgiu porém com o decreto no. 1 da intendência municipal, que determinava
a arrecadação de alguns impostos municipais, no caso, o imposto que mais incomodou foi a
tributação dos contratistas que forneciam dormentes e lenha para a E.F.M.M., que em resposta
retirou seu apoio à administração municipal. A querela inicial girou em torno da interpretação exata
sobre a área de terras, isenta de tributos, concedida pelo governo, para a exploração pela companhia
ferroviária. Guapindaia considerava que a companhia interpretou de tal maneira a concessão que
invadiu a área municipal, taxando a extração da madeira na área que julgava fora da concessão e,
portanto, pertencente ao município, ali também anulou títulos provisórios de terras dados pela
Company aos extratores além de demolir edificações da ferrovia.
A administração da ferrovia, como no caso do capitão Matos Costa, oficiou às autoridades
federais, e como resultado o major Guapindaia recebeu ofício do engenheiro-chefe do 1o. distrito da
inspetoria federal de estradas, que julgou oportuno:
“... fazer sciente a essa superintendência que os terrenos de Porto Velho foram desapropriados pelo
Decreto n, 8776 de junho de 1911, e arrendados com a Madeira-Mamoré‚ Railway Company Ltda.;
que essa tem plena jurisdição nos referidos terrenos de acordo com os contractos celebrados com
ella pelo governo da união51.”
A resposta do intendente municipal demonstra a consciência do que realmente estava em jogo:
“... sabeis melhor do que eu cumprir-vos o dever de salvaguardar os interesses jerais da união a não
contribuir para que a companhia, entidade de direito privado, se arrogue poderes públicos, como
são os de jurisdição, que nem ao menos podem ser delegados52.”
Algumas outras informações ajudam a reforçar a hipótese de que a razão mais importante de
a Company ter mudado a jurisdição do ponto inicial da ferrovia diz respeito à ausência do Estado,
como por exemplo a de informação de que a vila de Santo Antonio possuía comarca organizada e
Câmara dos Vereadores53, possuía também um Posto Fiscal que chegou a recolher em determinado
ano do final do s‚século XIX a quantia de cem contos de reis54. Já em 1913, antes da vinda do
primeiro intendente municipal a Porto Velho, o município de Humaitá instalou uma mesa de rendas

14
cujos tributos recolhidos não foram considerados satisfatórios pelo major Guapindaia, ao mesmo
tempo este acusava a falta de empenho do agente fiscal da mesa de rendas55.
A querela sobre a delimitação da área de patrimônio de município arrastou-se até‚ próximo a
nacionalização da ferrovia, em 1931 pois, há notícias que em 1925 a questão ainda não havia sido
resolvida.
A própria nacionalização da ferrovia é um exemplo dos reais motivos, que se evidenciam
quando despidos de quaisquer ilusões ideológicas, pelos quais o imperialismo investe em países
periféricos. Não tendo como retorno o lucro considerado satisfatório, a administração da ferrovia
mandou às favas o papel de agente civilizador, tão defendido por gente como Maury, e ordenou a
suspensão do tráfego. O transtorno que causaria essa decisão à população e à economia local foi
antevisto por agentes do governo federal e, como resultado a ferrovia foi nacionalizada.
Procurou-se nesse trabalho explorar a idéia de que os motivos tradicionalmente aceitos que
ocasionaram a transferência do ponto inicial da E.F.M.M, fato do qual originou a cidade de Porto
Velho, não explicam satisfatoriamente o fato. As razões apontadas, todas de natureza técnica,
olvidam uma razão no mínimo subjacente, a de que o capital monopolista procurava fugir o quanto
possível à jurisdição do Estado. A história da época demonstra que esse tipo de capital estava
habituado a fugir a essa jurisdição, às vezes mesmo destruindo-a para criar uma outra. Por isso, o
conflito entre a ferrovia e o poder público não podem ser situados no plano das idiossincrasias muito
menos no plano das decisões técnicas, ao contrário compõe harmonicamente o cenário da época em
que ocorreram.
Situar a questão apenas no choque entre a ocupação da esfera do público pelo privado
também parece ser uma posição insuficiente. Se por um lado as práticas “autonomistas” da direção
da ferrovia nunca chegaram perto daquilo que intentou o Bolivian Syndicate, ou do que foi feito no
Panamá, ou mesmo no interior da China, se é também verdade que nos grandes latifúndios da época
aquelas atribuições exclusivas do estado também eram apropriadas pelo poder privado (materializado
na figura dos coronéis‚ no nordeste e também dos coronéis‚ de barranco no norte) situar ambos como
um só fenômeno e, portanto, atribuir a ambos uma mesma natureza é insatisfatório.
A diferença não decorre unicamente da origem do capital (nacional ou estrangeiro), mas da
combinação da origem do capital com o tipo de investimento. No caso da ferrovia tratava-se
primeiramente de uma concessão de serviço público que, a rigor e somente para ilustrar, não dava o
direito de propriedade tão amplo que permitisse à ferrovia decidir quais navios poderiam ou não
atracar em seu porto. Para finalizar é oportuno afirmar as posições referentes ao ponto principal
desse trabalho: tratava-se da pretensão a certos privilégios‚ de extraterritorialidade. Falar-se em
domínio do público pelo privado é pouco, embora correto, porque havia também este componente,
falar em privilégios‚ completos de extraterritorialidade é muito, pois que de fato isto nunca ocorreu.
FONTES CONSULTADAS
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DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. Rio de Janeiro. Zahar, 1977.
FALCON, Francisco José‚ Calazans e Gerson Moura. A formação do mundo contemporâneo. Rio de
Janeiro. Ed. Americana, 1974.
FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira. vol. III: o Brasil republicano, tomo I:
estrutura de poder e economia (1889-1930), 4a. ed., São Paulo. Ed. DIFEL, 1985.

15
FERREIRA, Manoel Rodrigues. Nas selvas amazônicas. São Paulo. Gráfica Biblos Ltda. Editora,
1961.
GOVERNO DO ESTADO DE RONDÔNIA. Coleção das leis de Rondônia: legislação referente aos
territórios e à Amazônia. Porto Velho, GH/Comunicação Gráfica, 1990.
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MENEZES, Esron Penha. Retalhos para a história de Rondônia. Manaus. Imprensa Oficial do Estado
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____________________. Retalhos para a história de Rondônia. 2ª ed. Porto Velho. Editora Gênese,
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____________________. Santo Antonio. In: Compêndio da história e da cultura de Rondônia. vol.
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PANIKKAR, K. M. A dominação ocidental na Ásia: do século XV aos nossos dias. Rio de Janeiro.
Ed. Saga, 1969.
PICHEL, Enrica Colloti. História da revolução chinesa: as origens da revolução. vol. I. Lisboa, Ed.
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PONTES PINTO, Emanuel. Rondônia, evolução histórica: a criação do Território Federal do
Guaporé, fator de integração nacional. Rio de Janeiro. Expressão e Cultura, 1993.
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SILVA, Amizael Gomes da. Amazônia Porto Velho: pequena história de Porto Velho. Porto Velho.
Gráfica Palmares, 1991.

NOTAS:
1
BLOCH, Marc. Introdução à História. 4ª ed. Lisboa. Ed. Europa América, sem data.
2
MALES GLOBALIZADOS. Revista veja, no. 1433, 28/02/96, p.p. 24-5.
3
Idem.
4
1977, p. 381.
5
Nas palavras de Panikkar, ocorreu que em todos os portos abertos ao com‚comércio: "... os estrangeiros,
apoiando-se na cláusula que lhes permitia residir e comerciar, estabeleceram a pouco e pouco
verdadeiras concessões e reclamaram o direito a ter sua própria municipalidade, sua própria justiça, etc.
Assim ‚ que se viu instalarem-se em Hankeu, a centenas de quilômetros da costa, verdadeiras "colônias"
inglesas, francesas, alemãs e russas que gozavam de todos os privilégios‚ de extraterritorialidade." (p.
175). Tratava-se portanto de enclaves ocidentais que solapavam a soberania do estado chinês.

16
6
Fohlen, C. L’Amérique‚ Anglo-Saxonne de 1815 a nous jour. Col. Nouvelle Clio, PUF, Paris. In: Falcon &
Moura, 1974, p. 102.
7
Idem.
8
Os fatos relativos à "extradição" do general Noriega demonstram a permanência da impotência daquele país
em afirmar sua soberania frente aos EUA.
9
Vide Nícia Vilela Luz, "A Amazônia para os negros americanos", (Rio de Janeiro, Ed. Saga, 1968.
10
1980, p. 53.
11
Maury pretendia também que a Amazônia fosse aberta à colonização anglo-saxônica ou como território para
a expatriação dos negros libertos nos EUA, conforme descreve Nícia Vilela Luz.
12
De tal maneira que, já em 1910 aproximadamente 25% da renda intra-regional da Amazônia era gasta com
o serviço do capital estrangeiro. Conforme Santos (1980, p. 302) de $485.833 de renda, $120.283 era
destinado ao serviço do capital estrangeiro.
13
1985, p. 33.
14
Um estudo aprofundado sobre o processo acima mencionado é o de: Barbara Weinstein. A borracha na
Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo. HUCITEC/EDUSP, 1993.

15
Conf. Lima, 1952, p. 41.
16
1952, p. 42.
17
Na realidade os mesmo temores eram compartilhados dentro da Bolívia, tendo sido os termos do contrato
com o Bolivian Syndicate motivo de discussões, dentro do congresso daquele país, que resultaram na
alteração de algumas de suas partes. Para maiores informações vide Leandro Tocantins, Formação
Histórica do Acre (Ed. Conquista, Rio de Janeiro, 1961).
18
"Devido a força das pressões, o governo brasileiro, temendo seu agravamento e até‚ mesmo uma investida
externa contra a Amazônia, decretou a monopolização da Navegação no rio Amazonas, em 1853,
designando uma empresa privada nacional, pertencente ao barão de Mauá , para ser o executor
exclusivo desse privilégios‚." (Pontes Pinto, 1993, p. 81).
19
Lima, descreve um trecho retirado dos Apontamentos sobre a revolução Acreana, escrito pelo próprio
Plácido de Castro em 1906: "Era uma completa expoliação feita aos Acreanos. Veio-me à mente a idéia
cruel de que as Pátria Brasileira se ia desmembrar, pois, a meu ver, aquilo não era mais do que o
caminho que os Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando-nos desde então a lhes franquear a
navegação dos nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência por parte do Brasil ensejaria aos
poderosos Estados Unidos o emprego da força e a nossa desgraça em breve estaria consumada." (Lima,
p.p. 113-4).
20
O Bolivian Sindicate: "... iria ocupar-se da administração civil e fiscal do Acre, podendo manter polícia,
exército‚ e esquadra." (Santos, p. 203).
21
A expedição saiu de La Paz com mais de mil homens tendo sido reduzida a metade, ao final da viagem, em
conseqüência de mortes por doenças tropicais. Ao chegar ao território do conflito a questão já estava
decidida pela via diplomática. Uma interessante memória a respeito desses fatos é a do expedicionário
boliviano Jose Aguirre Acha, que escreveu De los Andes al Amazonas: recuerdos de la campanha del
Acre, editado em La Paz pela Imprenta Superel em 1980.
22
In: Lima, 1952, p. 210.
23
Decreto no. 4832, assinado pelo presidente Rodrigues Alves.
24
Decreto no. 1179.

17
25
Decreto no. 5161.
26
Todos os decretos citados foram retirados da coleção das leis de Rondônia: legislação federal referente aos
territórios e à Amazônia, Porto Velho, GH/comunicação Gr fica, 1990.
27
1993, p. 126. O destaque em negrito ‚ nosso.
28
1980, P. 312.
29
Cantanhede, Antônio. Achegas para a história de Porto Velho. In: Menezes, 1980, p. 315.
30
“Nas duas últimas décadas do século XX, era Santo Antonio estação de transbordo de produtos advindos
da Bolívia destinados ao Oceano Atlântico." (Menezes, 1994, p. 77).
31
"A firma construtora inglesa Public Works, encarregada da construção, veio para o Brasil em 1872,
trazendo engenheiros, trabalhadores, e grande quantidade de material. Desembarcou no local
denominado Santo Antônio, na margem direita do Rio Madeira, em frente à Cachoeira de Santo
Antônio." (Ferreira, p. 113).
32
“Em fevereiro de 1878, a empresa norte-americana P. & T. Collins veio ao Brasil construir a ferrovia do
Madeira. Trouxe quase um milhar de trabalhadores, e uma quantidade espantosa de material e
equipamentos ferroviária rios, desembarcando-os em Santo Antônio.” (idem). Vide sobre essa tentativa a
interessante memória de Neville B. Craig intitulada Estrada de Ferro Madeira Mamoré: história trágica de
uma expedição, publicada em São Paulo pela Cia. Editora Nacional em 1947.
33
"De Santo Antonio a Porto Velho existiam duas propriedades de terras que foram atravessadas pela
ferrovia, uma de Suarez Hermanos, "CANDELÁRIA", e a outra "SANTA MARTHA", de André Frandolli,
ambas posteriormente adquiridas pela Companhia Madeira-Mamoré, a primeira pela importância de
duas mil libras esterlinas e a segunda por demanda judiciária vencida pela Companhia, a título de
desapropriação. O Cel. Costa Crespo também moveu ação judicial contra o Governo Federal, pela
ocupação de suas terras que eram desde o igarapé‚ Boeira primitivamente (sic. chamado?) de Candelária
até‚ muito além da Praia do Tamanduá ." (Menezes, 1980, p. 312).
34
Ao contrário, a iniciativa não parece ter diminuído muito o contágio da malária, conforme atesta essa
passagem: "Um outro comunicado do médico norte-americano, Dr. Lovelace, ao engenheiro fiscal
brasileiro Geraldo Rocha, com data de 08 de fevereiro de 1908, dizia que 95% dos habitantes de Porto
Velho estavam atacados de malária..." (Pontes Pinto, 1993, p. 91).
35
Segundo Osvaldo Cruz, além do hospital da Candelária: "... Mantém a E. F. Madeira-Mamoré‚ um serviço
de profilaxia fluvial e terrestre. O serviço fluvial consiste na visita sanitárias dos navios que chegam a
Porto Velho e a Santo Antonio." Relatório de Osvaldo Cruz. In: Menezes, 1980, p. 273.
36
Idem, p. 269. Obs.: o destaque em negrito ‚ nosso.
37
Um estudo sobre o tema do controle da mão-de-obra ‚ o de Evandro Rocha Lopes. Súditos e Cassacos: os
trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré‚, Fundação Universidade de Rondônia (xerox), Porto
Velho, 1995.
38
Craig, Neville. A estrada de ferro Madeira-Mamoré‚: história trágica de uma expedição. São Paulo, Editora
Nacional, 1947. In: Hardman, 1988, p. 135.
39
A crítica ao comentaário de Craig é de Hardman: "Aqui, também, o liberalismo de Craig se retrai e a defesa
da ordem privada, mais do que a lei pública, impõe-se de maneira inequívoca." (Hardman, 1988, p. 218).
40
O fato de que algumas dessas determinações pudessem ser arbitrárias não altera em nada o fato de que
houve o uso da força particular como ameaça contra o poder público, que deveriam ser resolvidas dentro
da legalidade, ou seja, pela via dos tribunais.
41
Podem ser encontrados em Hardman, 1988, p.p. 153-63.

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42
Classificados como perversos bandidos pelo próprio comandante do Satélite, o Sr. Carlos Storry. (Conf.
Hardman, 1988, p. 157).
43
Ferreira, Manoel Rodrigues. A ferrovia do diabo: história de uma estrada de ferro na Amazônia. são Paulo,
Ed. Melhoramentos/Secretaria de Estado da Cultura, 1981. In: Hardman, 1988, p. 159.
44
In: Ferreira, 1961, p. 165.
45
Hardman, 1988, p. 143.
46
In: Menezes, 1980, p. 61.
47
Depoimento do Sr. João de Deus Alves. In: Ferreira, 1961, p. 161.
48
Ainda, Pontes Pinto assim descreve as relações entre a ferrovia e o município: "A Intendência Municipal
não administrava a área onde estavam as instalações da ferrovia. (...) Os limites do patrimônio municipal
e da estrada de ferro, estavam definidos pela artéria‚ria denominada avenida divisória." (1993, p. 128).
49
Acta da Sessão Solemne da Installação do Municipio de Porto Velho. In: Menezes, 1980, p. 71-2.
50
Nota: O major Guapindaia, assim como o capitão Matos Costa, representavam por seus atos e pensamentos
o autoritarismo de nossas elites durante a Primeira República. Assim a democracia e as garantias
individuais a que se referiu o primeiro traduziu-se, historicamente, no voto de cabresto e no tratamento
dos problemas sociais como "caso de polícia". Em suas práticas não diferenciavam da truculência e do
autoritarismo da administração da ferrovia. Contudo, o que aqui interessa é o choque e a confusão entre
poderes públicos e a pretensão à jurisdição de uma companhia estrangeira.
51
Of. n. 49-29/04/15. In: Menezes, 1980, p. 76.
52
Idem, p. 77.
53
Idem, p. 76.
54
Menezes, 1994, p. 77.
55
Menezes, 1980, p. 75.

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