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Artigo aceito (Ago 20) para publicação na Vibrant (Virtual Brazilian Anthropology http://www.vibrant.org.

br/)

Parto, corporalidade e cuidado entre as Guarani-Mbyá do Brasil meridional

Maria Paula Prates


Porto Alegre Federal University of Health Sciences (UFCSPA)
Department of Education and Humanities (DEH)

Parir e nascer são acontecimentos que explicitam relações e afetos. São acontecimentos, no
sentido de Walter Benjamin (1940), pois não entendidos como um fato encerrado em si ou uma narrativa
linear de eventos, mas como um fluxo de agoras nos quais as indagações como quem pare, quem nasce,
onde se pare, quem está junto, o que se vê e o que não se vê, entre outras, se presentificam. Para a mulher,
centro de atenções e investimentos, por vezes tecnocráticos, por vezes reveladores de comunicação com
mundos invisíveis, ser a protagonista de parir e fazer nascer agencia atualizações de parentesco e a coloca
em um interstício entre o que se passa até o momento e o que virá a partir de uma incontornável
experiência corporal. São acontecimentos pois também tecem memórias, criam e refundam laços.
Entre as mbyá mulheres1, parir sozinha ou com a ajuda de pessoas próximas é ainda um dos modos
mais correntes de dar à luz. Embora a medicalização do parto e do nascimento também se faça presente,
sobretudo entre as mais jovens e as que vivem em lugares não distantes de grandes centros urbanos, parir
na aldeia e entre parentes continua a ser um ideal. O parto entre as Mbyá é um acontecimento silencioso,
resguardado. Poucas pessoas participam e se passam dias até que a novidade circule entre os parentes
mais longínquos. E se de imediato noticiados, são palavras murmuradas, protegidas de amplitude, que
fazem chegar as boas novas. Os perigos do mundo invisível ou do que aparenta ser o que não é estão à
espreita, à espera de um descuido. Ruídos, cheiros e contato visual podem ser armadilhas que levam o
recém-nascido a perder a vitalidade humana. O mesmo está em jogo para a mulher que acaba de parir:
perder sua subjetividade mbyá é um risco, e o cheiro do sangue que de seu corpo exala, um atrativo para
seres com intencionalidade.
A fim de explorar esse intercurso entre silêncios, corpos e socialidades humanas e não-humanas,
ou, em outras palavras, o acontecimento parir-nascer entre as Mbyá, recorro às histórias de parto de Yva
e as entrelaço com reflexões sobre modos de cuidar e processos de medicalização do parto advindos da

1
Coletivos guarani-mbyá habitam atualmente os territórios nacionais da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do
Uruguai. No Brasil meridional, e aqui me refiro sobretudo à região compreendida pelo estado do Rio Grande do
Sul, existem aproximadamente 3000 pessoas guarani-mbyá. Dados populacionais e linguísticos sobre esse
coletivo podem ser conferidos no site da Organização Não-Governamental Instituto Socioambiental
(www.socioambiental.org).
relação com o “sistema do juruá”2. Mostro a centralidade de um idioma do cuidado no ato de parir e fazer
nascer, sustentado pela produção de corpos humanos e de parentes. Uma irredutibilidade dos
entendimentos de vida e saúde no processo de tradução de epistemologias de cuidado, entre
sociocosmologias indígenas e biomédicas, também acompanha o argumento central. O artigo está
estruturado em três partes. As primeiras duas são dedicadas ao parto e à parteria entre as Mbyá, e no
terceiro estendo a discussão aos limites e inflexões do “atendimento diferenciado em saúde”, previstos em
políticas públicas brasileiras.

1. Parindo sozinha, parindo-se parteira


A mãe que pariu o Mundo.
(Bigio, 2007)

Yva pariu oito filhos. Três deles sozinha. Há não muito tempo detalhou-me cada um de seus partos,
orgulhando-se de ter parido sem gritar, silenciosamente. Isso trata-se de um grande feito. Considero Yva
uma amiga de longa data: a conheço há quase duas décadas, e, já que estamos a empregar o verbo parir,
porque não dizer que Yva ajudou a me parir antropóloga? Ela sabe tão bem disso que, em nosso último
encontro, sentou-se em um banquinho, em frente ao fogo, e, em tom professoral, disse-me: “é hoje que
tu vais gravar o vídeo em que te conto tudo sobre parto e parteiras?”3. Acabara de amanhecer e ela já
estava com o mate e o petyngua nas mãos4, como de costume. Sempre quisera gravar um vídeo seu,
sobretudo a respeito desse tema, mas nunca desejei que ela se sentisse forçada a fazê-lo. Possivelmente
diria não, caso não desejasse, mas mesmo assim sentia-me constrangida de querer capturar sua imagem e
suas narrativas sem que isso fosse proposto por ela mesma.
Yva mudou muito desde que nos conhecemos nos idos de 2003. À época, ela era uma das tantas
guarani-mbyá mulheres invisíveis aos olhos de interlocutores juruá (“brancos”), em sua absoluta maioria
homens em busca de “grandes homens” indígenas que pudessem revelar segredos do mundo xamânico ou
do campo de embates com o Estado-nação. Yva foi casada com Chunu, que era o cacique do teko'a (espaços
existenciais guarani-mbyá) onde moravam. Ele faleceu anos atrás e, desde então, Yva acabou, sem intenção
inicial, transformando-se em uma das vozes mais ativas dos coletivos mbyá do Brasil meridional. Com o
vácuo de representatividade e uma disputa entre os mais jovens para assumir o lugar outrora ocupado por

2
Entre os Guarani-Mbyá são chamadas de Juruá as pessoas consideradas por eles “brancas”, ou, de modo geral,
pessoas não indígenas.
3
No decorrer do texto, usarei aspas quando em questão estiverem frases, palavras e expressões em português
empregadas por interlocutores guarani-mbyá.
4
Mate: bebida quente feita à base de erva-mate (ilex paraguariensis). Para bebê-la são usadas a cuia e a bomba
(algo parecido com um canudo de metal). É também conhecida como chimarrão. Trata-se de um hábito comum
aos povos da região geográfica e cultural do pampa, que descende de coletivos indígenas guarani.
Petynguá: recipiente feito de barro (argila) com a finalidade de comportar tabaco (pety). Trata-se de um objeto
significativo para os Mbyá, pois atua como potente meio de comunicação com as divindades. A fumaça
consequente da queima do tabaco (tatachy) está relacionada com a criação do primeiro mundo mbyá e é
concebida como tendo um poder curativo e restaurativo da humanidade.
Chunu, Yva foi, aos poucos, se tornando uma conselheira interna para o seu coletivo. Se, em 2003, ela
falava pouco o português, e pouco ou nada se relacionava com o mundo exterior ao seu teko’a, após a
morte do marido ela se tornou “liderança”5.
Entre os Mbyá do Brasil meridional, lideranças mulheres são raras. Conheço apenas duas que são
chamadas “cacicas” pelas suas próprias comunidades, e que surgiram em anos recentes6. Uma delas é Yva.
A interlocução com os Juruá, com o mundo externo ao do coletivo mbyá, é, por excelência, um terreno de
homens. Isso por alguns motivos, dentre eles o fato de a absoluta maioria das mulheres não falar ou não
gostar de falar o português. Trata-se de evitar contato com o mundo do branco. Yva, nos dias de hoje, fala
fluentemente o português e tem a cada dia aceitado mais convites para participação em eventos públicos.
Esse movimento caracteriza-se por uma certa oscilação de sua parte, que vai de uma abertura às demandas
por representatividade feitas pelos Juruá a uma vontade por distanciamento requerida para aprofundar
seu conhecimento xamânico enquanto uma kunhã karaí (xamã mulher) em preparação7. São posições
praticamente inconciliáveis à medida que exigem comunicações e performances com mundos exteriores
distintos.
Transformar-se em uma kunhã Karaí requer um investimento que implica resguardo e proteção
do perigoso e voraz mundo do branco. O sangue menstrual e o cuidado necessário dispensado para fazer
filhos crescerem fortes são alguns dos empecilhos para se tornar kunhã karaí ainda jovem. Por se tratar de
um processo que requer dedicação por parte da aprendiz, as mulheres efetivam seus saberes e atuações
quando já pertencem a uma categoria de anciã. Sem filhos pequenos e sem o sangue menstrual, que as
coloca e coloca seus parentes em situação vulnerável a “cada volta de lua”, como dizem as Mbyá, o
caminho para consolidar-se enquanto kunhã karaí se abre8.

1.1 Fazendo corpo para parir

Assim como se tornar uma kunhã karaí, fazer um corpo que sabe parir demanda ações. E tempo.
Diferentemente de uma concepção naturalista de corpo, cuja capacidade de reprodução se dá com a

5
Entre aspas porque se trata de uma categoria ampla e relativamente recente, empregada também
emicamente. Pode-se tomá-la como uma consequência da relação com o mundo dos brancos e pela busca por
direitos territoriais indígenas ou a garantia deles. Em muitas ocasiões, liderança significa uma representação
pontual em reuniões com agências estatais e não estatais. Em outras, representatividade constante legitimada
pelo apoio de tais agências. A figura do “cacique” é ainda a mais usada para referendar uma representatividade
do teko'a, sem com isso excluir a co-existência de lideranças.
6
Rebelo (2015) se dedica ao tema na dissertação de mestrado intitulada “Kunhangue Mba’e Kua: as trajetórias
das mulheres cacicas Guarani-Mbyá de Santa Catarina”.
7
O artigo de Colpron (2006) aprofunda a discussão sobre xamanismo e mulheres a partir de etnografia realizada
entre o povo shipibo-conibo.
8
Entre coletivos ameríndios, o sangue é potencializador de perigos por acentuar a comunicação com o mundo
invisível. O menstrual, em particular, é um veículo de ligação entre seres celestes, como a lua, à animalidade e
à corporalidade da mulher (Belaunde, 2005). Aline Regitano, antropóloga que trabalha com o coletivo mehinako,
em informação pessoal, disse-me que uma de suas interlocutoras, Iamony, também se tornou xamã depois de
uma certa idade. No entanto, ela ainda menstruava.
maturidade biológica do aparelho reprodutor, seja ele feminino ou masculino, entre as Mbyá, nada está
dado de antemão. Um corpo mbyá precisa ser feito e um corpo que sabe parir faz parte dessa premissa.
Os textos ora clássicos de Viveiros de Castro (1979) e de Seeger, da Matta & Viveiros de Castro (1987) já
apontaram a centralidade do corpo nas socialidades indígenas das terras baixas sul-americanas. A
sociocosmologia dos coletivos guarani-mbyá do Brasil meridional está contemplada nesse esquadro
teórico.
Se pensarmos comparativamente, sociedades de matriz euro-americanas não experienciam ver ou
participar do parto e do nascimento de seus parentes nos tempos atuais. Mulheres pertencentes a tais
sociedades crescem, há décadas, sem ver e sem testemunhar outras mulheres parirem. Parir, em alguns
países como Brasil e México, por exemplo, é mesmo um ato desprovido de atualidade uma vez que uma
grande parte dos nascimentos se dão através de cirurgias cesarianas. Até mesmo em países como a
Inglaterra, onde a profissão parteira é prestigiada e o parto domiciliar recomendado9, a maioria dos partos
ocorrem em maternidades, longe do ambiente familiar. Sem entrar em discussões mais aprofundadas
sobre o governo de corpos grávidos em sociedades tecnocráticas (Davis-Floyd, 1992), o ponto que ressalto
é a distância tomada da corporalidade inerente ao ato de parir. Ensinar como parir é um ato incompleto
em si mesmo, bem como ensinar como ajudar ou cuidar de uma mulher a parir. Ambos saberes estão
colocados no corpo: se aprende efetivamente parindo, se aprende efetivamente cuidando mulheres a
parir.
É da ordem do sensível tocar a viscosidade do útero, sentir o cheiro dos líquidos e se deixar tomar
por estados afetivos na expectativa de um desfecho, entrelaçado a uma temporalidade disruptiva, do
acontecimento de parto. E estudos concentrados na interface entre ciência e tecnologia com educação
obstétrica têm evidenciado os desafios, já antigos, de reproduzir em materiais educacionais o corpo
grávido e o processo de parto (Nott & Harris, 2020). Simuladores que intentam traduzir a viscosidade, a
fricção e a aderência do útero e da placenta, por exemplo, têm resultados parciais, incompletos e que não
cumprem a função de substituir a experiência de assistir ou atuar em um parto. Além da materialidade em
si, incompleta em sua eficácia sensorial, há uma purificação do acontecimento de parir nesse “educar” que
exclui odores, afetos, substâncias. Entre coletivos ameríndios, mas não somente entre eles, mulheres
reconhecidas como sábias na arte de cuidar de outras mulheres a parir são mulheres que já pariram. São
mulheres que já trazem em si, em seus corpos, a experiência da dor, dos cheiros, dos tempos, dos afetos.
Isso se contrasta com a institucionalização da profissão de obstetriz e médico obstetra em sociedades
modernas, uma vez que o que legitima o conhecimento desses profissionais é uma formação acadêmica
relativamente independente de uma experiência corporificada.

9
Site Sistema Nacional de Saúde (NHS) Britânico: https://www.nhs.uk/conditions/pregnancy-and-baby/where-
can-i-give-birth/ Acesso em 20 de abril de 2020.
Uma purificação do acontecimento de parto, transformando-o em um evento biomédico, alocado
em uma esfera controlada por mensuramento de riscos e técnicas de docilização do corpo da mulher, segue
o mesmo processo histórico de distanciamento da morte (Elias, 2001). O lugar para nascer e para morrer
foi, ao longo do século XX, cristalizado nas instituições hospitalares. Se parir parece ser um ato puramente
fisiológico, consequência derivada de uma ação biológica de expulsão de um bebê através do canal vaginal,
ao apreendermos comparativamente diferentes sociocosmologias veremos que existem múltiplas
intersecções entre aspectos relacionais, geracionais, de poder e de gênero nos atos de parir e de fazer
nascer.
As mbyá mulheres preparam-se para parir e aprendem a parir. Além de toda uma corporalidade
que conforma desde sempre o corpo, como cozinhar acocorada, sentar-se acocorada à beira do fogo, lavar
roupa acocorada no córrego de rios ou em torneiras, o que ajuda substancialmente a moldar uma
musculatura que sustenta o ato de parir, jovens meninas têm também seus corpos feitos a partir de
qualidades extrínsecas à humanidade mbyá. Muito antes da primeira menstruação, no período de
transição entre mitã e iengué10, inicia-se um processo para diferenciar corpos de mbyá mulheres dos
corpos de mbyá homens. Incide neste momento um investimento mais direto em fazer um corpo para
parir. Um exemplo é a utilização da graxa de mbykuré (didelphis marsupialis), que é esfregada na parte
lombar das meninas com uma frequência regular: retira-se a gordura presente entre a carne e a pele do
animal e armazena-se tal substância no oco de uma taquara. Essa “graxa”, como diz Yva, é reservada para
ser usada em várias meninas (kunha'i), em recorrentes ocasiões. Esse é o método mais frequente e direto
de ação nos corpos, pois as Mbyá atribuem ao mbykuré a capacidade de parir sem dificuldade. Ao terem a
graxa do animal esfregada e consequentemente absorvida pela parte inferior das costas, os corpos das
mbyá meninas adquirem também a qualidade de parir sem intercorrências. É literalmente um feitio de
corpo que está em curso; o feitio de um corpo de mulher, de um corpo com capacidade para parir. Tende-
se a colocar foco em materialidades quando estamos a pensar epistemologias indígenas de cuidado.
Referir-se à graxa de mbykuré facilita na visualização de um corpo feito; afinal, pode-se em algum nível
comparar a materialidade da graxa a um fármaco. No entanto, não somente de substâncias ditas materiais
se faz um corpo apto a parir.
Antes de se fazer um corpo que pare, é importante colocar atenção em um corpo-pessoa mbyá. É
preciso ser um Mbyá para então diferenciar-se enquanto homem e mulher. E são ações corporais e
relacionais que configuram a diferenciação entre os sexos. Ressalto isso porque, embora o foco aqui esteja
no parto, os corpos mbyá são sucessivamente alvo de investimentos desde o nascimento. E não
necessariamente voltados para uma diferenciação intra-humana, ou seja, entre mbyá homens e mbyá

10
Pode-se traduzir mitã como criança e iengué como menina que tem seios. Não considero apropriado empregar
o uso de categorias biomédicas como infância e adolescência entre coletivos indígenas, razão pela qual
mantenho a nominação nativa. Nimbé, por sua vez, é o modo como são chamadas as meninas que tiveram a sua
primeira menstruação.
mulheres, mas também entre humanos e não humanos11. O canal vaginal, por exemplo, é também aberto.
É necessário um estímulo sexual para que seja possível menstruar. Entre as Mbyá, assim como em grande
parte dos coletivos ameríndios, o sangue menstrual é fruto de uma relação íntima com a lua, agente celeste
e divino. O “menino lua”, como contam as mbyá mulheres, descumpriu uma regra de distanciamento ao
se relacionar sexualmente com a irmã de sua mãe. O sangue menstrual é fruto desse ato incestuoso, desse
ato provocado intencionalmente e que desrespeitou as regras de casamento entre os Mbyá. O canal vaginal
foi literalmente aberto pelo pênis do menino lua12 e por conta disso as mbyá mulheres menstruam a cada
quatro voltas de lua.
O mundo ameríndio é habitado por uma multiplicidade de seres, visíveis e invisíveis, e o corpo é
um lugar de diferenciação entre esses seres. É necessário fazer um corpo mbyá não somente para parir
como para, antes de tudo, ser uma pessoa mbyá. No caso em cena, a diferenciação entre mbyá homens e
mbyá mulheres conta com a participação de uma agência não-humana, jachy (lua). É uma relação
incestuosa que provoca o sangramento, abre o canal vaginal e instaura assim os perigos relacionados à
menstruação e ao parto, frutos de um agenciamento extra-humano.

1.2 Aata ambo jau: driblando o que não se vê

Ao iniciar a narrativa sobre seus oito partos, Yva me disse: “Guarani gosta de chegar de noitinha,
bem devagarinho, quando está todo o mundo dormindo”. A ideia da quietude e do silêncio como ambiente
acolhedor para um novo ser é evocada. É a própria criança, se levarmos em conta onde está o sujeito na
frase, que deseja nascer no período da noite. Ao anunciar que um novo ser mbyá está a chegar neste
mundo, a pessoa que se dirige ao encontro da mulher que pare, a fim de cuidá-la, costuma dizer aata ambo
jau, que eu traduzo por vou dar banho. Dribla-se o que não se vê e o que pode ameaçar a humanidade
mbyá, valendo-se de uma linguagem dissuasiva de ataques. Ambo'a, por seu turno, pode significar parir,
fazer cair e banhar13. E isso vale tanto para quem cuida quanto para quem pare: aata ambo jau (vou dar
banho) e ambo’a che memby (pari/banhei meu filho/a). Trata-se da forma direta de anunciar que um parto
se aproxima e põe-se ênfase no sentido de banhar. Dar banho é a primeira ação investida. Banhar o
pequeno ser recém parido é transformá-lo em parte do coletivo. Não é o ato fisiológico de parir que faz
nascer uma criança mbyá, é a ação de pegá-la no colo e banhá-la que ratifica que um novo membro chegou.

11
Em livro publicado, aprofundo a discussão sobre corpo e pessoa entre os Mbyá (Autor, 2019). E os artigos de
Villaça (2005) e Surrallés (2003) são referência para pensar, entre coletivos ameríndios, corpos como entidades
instáveis e feitas também e através de afetos.

12
Durante a realização de trabalho de campo, há muito tempo, Yva e sua irmã Jachuká iniciaram-me no que eu
chamaria de saberes de mbyá mulheres acerca da menstruação e da transformação de seus corpos. Foi nesta
ocasião que ouvi pela primeira vez, em língua portuguesa, o designativo “Menino lua”. Em língua guarani ele é
nominado como Jachy, agente celeste e divino e de relevante importância na mitologia deste coletivo.
13
Conforme dados de campo e respaldada pelo dicionário Montoya (2002).
Nas primeiras páginas do livro Crônicas dos índios Guayaki, de Pierre Clastres (1995: 11), encontra-
se uma preciosa descrição de parto-nascimento e dos significados cosmológicos desse acontecimento
entre o coletivo guayaki. São muitas as correlações possíveis entre esse povo, também falante de dialeto
da língua guarani, e o povo guarani-mbyá. Clastres oferece uma leitura sobre a passagem para a existência
humana a partir da tradução do verbo cair, waa, que significaria ser parido e o de subir, upi, que seria o
ato de suspender, no caso, a criança. Para o autor, banhar o recém-nascido significa o restabelecimento de
uma ordem cósmica, é um realocar das relações guayaki à luz do mito de origem de sua humanidade (1995:
14). Assim como entre as Mbyá, há um interstício entre o parir e o nascer: é preciso reconhecer esse ser
recém parido como um dos seus e banhá-lo para lhe conferir um nascimento social14.
Um fio estreito de taquara, acentuadamente cortante, é o que separa, entre as Mbyá, a placenta
da criança recém-parida. A mulher pare acocorada e, quando acompanhada, amparada pelas costas. O
bebê cai no chão, geralmente de terra batida, e antes que comece a chorar é segurado ou nos braços da
mulher que o pariu ou de seu/sua acompanhante. Imediatamente é lavado, com água já preparada em um
recipiente. De forma alguma pode ser lavado com água corrente, seja na torneira ou no rio. A água
corrente, assim como ruídos e contatos visuais, é veículo para seres não humanos se aproveitarem do
momento de vulnerabilidade da humanidade mbyá. Como disse em linhas anteriores, tudo se passa em
silêncio, o regente espaço-temporal desse acontecimento. Tanto a mulher que pariu quanto a pessoa que
cuidou dela enquanto paria precisam também se banhar. Não em água corrente, mas sim do mesmo modo
que se banhou o recém-nascido: com água parada, colocada em um recipiente. Aqui, o problema da água
corrente é o cheiro. Não se trata do que vem com ela, mas do que se vai através dela. A água corrente é
um veículo para espalhar o cheiro do sangue, e assim acionar o interesse de predadores, isto é, outras
intencionalidades.
Como já referi, Yva pariu sozinha por três vezes. Uma delas na roça (kokué), outra no taquaral e
uma enquanto caminhava por uma estrada de terra. Disse que tão logo pariu, “juntou” a criança ainda com
a placenta, na saia que vestia, e correu para casa. Somente entre as paredes da sua casa, cortou o cordão
umbilical e banhou o bebê recém-parido. Em nenhuma das situações teve a intenção de parir sozinha. Diz
ter sentido muita dor somente no seu primeiro parto, razão pela qual não chegava a perceber que estava
prestes a parir nas demais gravidezes. Na língua guarani, diz-se imemby achy para a dor do parto, algo
como dor de filho ou dor de filha. Para anunciar que está parindo, a mulher costuma dizer, reservadamente,
xeera achy ma (estou me fazendo doente ou estou me fazendo com dor). Os partos ocorrem com frequência
na opy (casa de rezas e cerimônias). Yva chama de “casinha” em português. E a depender da demora do
trabalho de parto, uma kunha karaí ou um karaí (xamã mulher, xamã homem) podem ser chamados para
ajudar a cuidar da parturiente. O cuidado se dá na comunicação com os seres invisíveis, incluindo aqui as

14
É um interstício entre ações que define fazer viver ou não deixar viver.
divindades, com a intenção de facilitar o percurso de chegada da ñe’e15 (vitalidade divina) da criança no
atual mundo terreno.

2. Mitã jary’i: mulheres que sabem cuidar outras mulheres a parir


Nossas avós contarão o caminho bonito
Vamos caminhar todos juntos
Com as nossas avós
(Cântigo guarani-mbyá)16

Entre as Mbyá, assim como entre muitos coletivos humanos17, não há a figura institucionalizada
de uma parteira. Cuidar de outras mulheres a parir é, antes de tudo, uma relação entre proximidade
(parentesco) e experiência corporificada. Algumas mulheres acabam por se destacar como sábias e
experientes na arte de cuidar de outras mulheres: isso por já terem parido, já terem cuidado de outras
mulheres a parir e por serem parentes próximas, afins ou consanguíneas, da parturiente. Raramente uma
mulher distante, sem relação alguma com a mulher que pare, será acionada para cuidar dela. E muito
embora não seja prioritário acionar homens para que cuidem de mulheres no ato de parir, a presença deles
é, em certa medida, recorrente. Não raro são os partos que ocorrem aos cuidados de homens-maridos.
Trata-se de um momento delicado, de risco e vulnerabilidade, e qualquer contato com pessoas estranhas
é evitado.
Mitã jaryi pode ser traduzido literalmente por avó da criança (mitã/ criança, jaryi/ avó ou anciã).
A mãe da mãe da mulher que está a parir geralmente cuida dela. Yva teve seu primeiro parto assistido por
sua avó, mãe de sua mãe. Em dois deles, foi seu companheiro Chunu que assumiu esse papel. Aliás,
narrativas sobre homens que cuidaram de suas mulheres enquanto estas pariam foram recorrentes em
meus trabalhos de campo. O espaço-temporal do acontecimento de parto é sobretudo das mulheres, mas
não exclusivamente. Homens podem cuidar de mulheres a parir. Por certo que eventuais circunstâncias
podem favorecer uma participação de homens como cuidadores de parto em detrimento de mulheres, a
exemplo de quando a mulher grávida não está, no momento de parir, no mesmo lugar onde vivem sua mãe
e/ou sua avó. O que enfatizo, no entanto, é que os dados etnográficos mostram que não é raro encontrar
relatos sobre partos que foram “cuidados” por homens. Partos que ocorrem na calada da noite, sem

15
Ñe'e, traduzido como alma-palavra por estudiosos dos coletivos guarani (Cadogan, 1997), é designativo tanto
da vitalidade de origem divina quanto da linguagem. A palavra ou ação de falar está relacionada com a
comunicação entre humanos e divindades. Essa relação intrínseca entre falar e existir enquanto humano é um
traço importante da sociocosmologia mbyá.
16
“Ñande jary’i tomobeú tape porã/Jaguatakatu joupive’i/Ñande jary’i roupive’i”. Trecho do cântico guarani-
mbyá Nãnde jary’i mbaraété’a (A força das nossas avós primeiras), de autoria do coral Ñamandu Ñemõpu’a.
Versão similiar pode ser encontrada no livro Yvy Poty, Yva’á (Lucas & Stein, 2009).
17
Pode-se pensar que a “parteira” institucionalizada é (era) uma exceção na maior parte dos coletivos humanos.
Para mais exemplos sobre o arranjo social entre parentesco, proximidade e cuidado no parto, os textos de
Gutschow (2011) e Belaunde (2000) são, entre outros, uma referência.
maiores intercorrências, tendem a acontecer silenciosamente no interior das casas. A reclusão de pai e
mãe do recém-nascido acaba por ser o anúncio à comunidade de parentes de que um novo membro
chegou. Nos dias subsequentes ao parto, restrições e prescrições alimentares são seguidas. O mesmo se
dá em relação a evitar esforços físicos e estados afetivos considerados quentes (aku), como raiva e ciúme18.

2.1 Conectando mundos, fazendo pessoas: o que é “cuidado”?

O cordão umbilical (puru’a) conecta a humanidade mbyá às divindades, produz parentes e afetos.
Ao cortá-lo, se separa, em parte, a conexão entre humanidade e divindades e se fortalece as relações entre
pessoas mbyá. Puru’a liga mundos, visíveis e invisíveis, e opera como um veículo agenciador de uma
humanidade mbyá. O cordão umbilical de crianças nascidas nos teko’a são cortados mais longos do que os
habituais cortes realizados em partos hospitalares. Isso é, inclusive, um dos pontos de inflexão entre os
modos de cuidar mbyá e biomédicos. Para as Mbyá, o cordão umbilical precisa ser cortado distante do
umbigo da criança a fim de assegurar que, tão logo seque e caia, possa com ele ser feito um colar19. Isso
não no sentido decorativo mas compositivo do corpo do recém nascido, com o intuito de propiciar a
absorção das qualidades divinas do cordão umbilical e, assim, garantir-lhe saúde e humanidade mbyá. De
um ângulo de vista biomédico, o cordão umbilical precisa ser cortado curto pois assim seca e cai
rapidamente. A placenta (he’e ndague)20, traduzido por Yva como “casulo” do bebê, pode ser entendida
como um duplo da criança. Enterra-se a placenta, ainda quente, tão logo seja parida na sequência da
criança. É importante que, quando colocada debaixo da terra, a placenta ainda esteja na mesma
temperatura corporal de quando foi parida. Assim como o corte longo no cordão umbilical que assegura o
feitio do colar, o enterro da placenta garante o fortalecimento do corpo da criança e, por conseqüência,
uma boa saúde21.

18
O resguardo pós-parto e nascimento é nominado couvade em estudos etnológicos. Rival (1998) disserta sobre
o tema em artigo dedicado à couvade entre povos huaorani.
19
Trata-se de um colar, feito de algodão ou qualquer outro material flexível e confortável, com uma espécie de
pendente em formato retangular. Um tipo de casulo, como Yva traduz placenta do guarani para o português,
que protegerá os restos do cordão umbilical já diminuído de tamanho em função de ter secado. Esse objeto será
utilizado até que se desgaste, momento que será entendido como de finalização da absorção, pelo corpo, das
qualidades que justificaram sua confecção.
20
Não pude encontrar a palavra placenta no dicionário Montoya (2002) e a escrevo conforme anotações minhas
nos diários de campo.
21
Aline Regitano, em comunicação pessoal, disse-me que entre o coletivo mehinako, da região do Xingu, o
enterramento da placenta ocorre a fim de evitar que a predação seja operada através dela. Ou seja, há uma
aparente diferença entre as Mbyá e as Mehinako nas razões que levam ao enterramento. Entretanto, ao tomar
conhecimento da explicação primeira de Regitano para o enterro das placentas entre as Mehinako mulheres,
penso que entre as Mbyá é possível que ambos os motivos se façam presentes: tanto enterrar a placenta para
garantir que a criança cresça forte quanto garantir que a putrefação da placenta não ocorra antes de seu
enterramento, pois assim evita-se, do mesmo modo, a predação. O sangue e a carne do corpo entre os Mbyá
estão relacionados com angué (vitalidade telúrica) e é importante investir na vitalidade humana-divina mbyá
(ñe’e), que, por sua vez, está relacionada aos ossos, à fumaça, às boas palavras, ao milho e aos estados afetivos
de contentamento. Angué/ñe’e são partes intrínsecas da pessoa mbyá e a ambivalência é uma constante no
Ambos, cordão umbilical e placenta, são conectivos entre a pessoa mbyá, que está sendo investida
de cuidado para que assim torne-se plenamente humana, seus parentes e as divindades. Quando o parto-
nascimento ocorre no hospital, tanto o cordão umbilical quanto a placenta são descartados. Corta-se o
cordão quase rente ao umbigo do recém-nascido e o restante, assim como a placenta, devém lixo
hospitalar. Após a leitura do que ora descrevo sobre modos de cuidar e fazer pessoas entre os Mbyá,
existiria algo mais dissonante das noções de corpo, vida e saúde, em termos nativos, do que transformar
tais elementos em lixo?
Em 2008, o Estado de São Paulo, através de sua secretaria de saúde, lançou o “Projeto de Resgate
da Medicina Tradicional da População Indígena” garantindo assim que fossem respeitadas as prescrições e
restrições alimentares guarani nos hospitais, bem como que a placenta fosse entregue às mulheres, em
um isopor, devidamente acondicionada com gelo, para que pudessem ser enterradas em seus teko’a22. O
motivo para criação do projeto foi anunciado como decorrente da alta taxa de nascimentos ocorridos fora
do contexto hospitalar, o que estaria diretamente associado à mortalidade infantil, segundo seus
propositores. Não sei os pormenores dessa equação entre parto no teko’a e a mortalidade de crianças. Na
época, comentei com mbyá mulheres, residentes em teko’a do Brasil meridional, sobre tal iniciativa. Para
todas as interlocutoras, uma vez no hospital, as regras dos Juruá deveriam ser seguidas. E completavam
dizendo que de nada adiantaria trazer uma placenta “contaminada” - ainda mais congelada, completo por
minha conta, a frase.
Todas as práticas e técnicas para se fazer um corpo-pessoa mbyá, para garantir a produção de
parentes e de estados afetivos como alegria (vy’a), podem ser lidos a partir de um idioma do cuidado23.
Esse cuidar é coletivo, é investido de cooperação e troca em cada detalhe do cotidiano. O silêncio no parto,
o enterramento da placenta, a reclusão durante o ciclo menstrual, podem ser lidos como modos de
cuidado. Um cuidado de si, da pessoa para com seus parentes, e de seus parentes para com a pessoa em
situação de vulnerabilidade. Fazer parentesco é comer junto, é ter atenção ao que se fala, é ter uma
proximidade que permite cuidar. Cuidar é estar atento ao que se passa entre o mundo mbyá e o mundo
invisível. Cuidar de uma mulher a parir, por exemplo, requer não estar menstruada ou, no caso dos homens,
não ter tido contato com animal de caça no dia mesmo do parto ou nos que o antecedem. O estado quente,
tal como o período menstrual ou o pós-parto, é motivo para resguardo (jekoaku). Assim como a relação

decorrer do ciclo de vida. Logo, sendo a placenta composta basicamente por carne e sangue, faz também sentido
que o melhor seja evitar qualquer agenciamento de predadores. Ressalto neste artigo, no entanto, a placenta
como recurso para garantir o crescimento “forte” das crianças mbyá pois foi essa a ênfase dada pelas
interlocutoras.
22
Mais informações sobre o projeto podem ser encontradas no website do Governo de São Paulo através do
link https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/hospitais-estaduais-farao-parto-indigena-1/
23
(O)nhengarekó pode ser traduzido como cuidado, em alguma medida e levando em consideração algumas
ressalvas em relação ao carregado sentido semântico inerente à palavra em português. Valho-me da palavra
“cuidado” porque considero possível problematizá-la à luz das discussões correntes sobre o tema (Mol, 2008;
Platt, 2013) e, principalmente, por ser essa a tradução dada pelas interlocutoras mbyá ao termo (o)nhengarekó.
entre sangue e xamanismo feminino, cuidar a parir requer ausência de sangue no corpo, ausência de
estado quente. Saber cuidar significa também saber se cuidar. Saber quando e como se resguardar.
A primeira vez que Yva cuidou de outra mulher a parir foi por acaso. Conta ela que o companheiro
da mulher que estava a parir foi chamá-la em casa. Tratava-se de uma tia sua, irmã de sua mãe. Yva disse
que no momento não havia nenhuma outra mulher mais experiente do que ela própria no teko'a, e
inicialmente ficou receosa. No entanto, encorajou-se ao lembrar dos ensinamentos de sua avó Pará e de
como havia parido seus dois primeiros filhos. O parto transcorreu sem problemas e, a partir de então, Yva
passou a e sentir fortalecida (mbaraete) para cuidar de outras mulheres. Por vezes, os companheiros das
mulheres que estão a parir não se sentem confortáveis em cuidar delas. Yva disse-me inclusive que Chunu,
se pudesse, “corria” para não cuidar dela enquanto estava a parir.
Noto a forma como Yva agencia verbalmente suas experiências de parto, tanto como protagonista
quanto como cuidadora. São as configurações de parentesco, corporalidade e territorialidade que parecem
sustentar o quase inesperado acontecimento de parir sozinha e cuidar pela primeira vez uma mulher a
parir. Pariu sozinha sem ter a intenção de fazê-lo, cuidou de uma mulher que paria porque um outro alguém
a solicitou por considerá-la sábia na arte de parir. Ambas as experiências, que terminam por atualmente
conferir-lhe um reconhecimento entre parentes, a saber, o de mitã jaryi, são eventos consequentes do fato
de engendrar uma corporalidade artesanalmente feita, investida. Fez e ajudaram-na a fazer um corpo
capaz de parir, corporificando assim uma experiência que acabou por torná-la também capaz de cuidar de
outras mulheres a parir. A vida em coletivo tem a ver com esses traços micro produtivos de pessoas, de
relações, de parentes e, em relação ao espaço tempo desses acontecimentos, de territorialidades.
Na intersecção entre cuidado, parentes e territorialidade, por exemplo, deve-se registrar a
dificuldade, nos dias correntes, de construir uma opy (casa de rezas e cerimônias): faltam o barro, a taquara
e o capim adequados. Yva mudou-se recentemente de teko’a e, mesmo estando contente por ter
encontrado, junto com seus parentes, um lugar novo e bonito para viver, tem tido muitas dificuldades para
finalizar a construção da opy. A taquara pode ser encontrada em outras teko’a, porém o barro e o capim
estão em atuais reservas naturais, impossíveis de serem acessadas para fins de coleta. Algo relativamente
simples do ponto de vista “material” 24 e tão significativo para existência de um coletivo acaba obliterado
pelas restrições territoriais que lhe são impostas. Ao não terem seus territórios indígenas reconhecidos, ao
se destituir a possibilidade de uma existência mbyá segundo modalidades próprias de fazer parentes e de
cuidar, se está perpetuando um epistemicídio e, no limite, se está extinguindo vidas.
Se coletivos indígenas pudessem ter acesso ao que se designa por materialidade e que ajuda a
sustentar seus modos de vida, como plantas, animais, florestas, águas limpas, a relação com os brancos
seria de troca ou de ajuda, mas não de dependência. O que se nota, no entanto, é um avanço contínuo de

24
A partir da sociocosmologia ocidental moderna, cuja bipartição natureza e cultura mostra-se delineadora das
fronteiras com o mundo não visível (Descola, 2005).
aniquilação do modo de vida indígena através de formas de governo que os tornam dependentes de
epistemologias de cuidado incompatíveis, em grande medida, com o que os mantém vivos enquanto tais.
Qualquer tentativa de fortalecer tais saberes e “culturas” que não passem pela consideração de uma
territorialidade indígena, aniquila ou ao menos desgasta uma gama de modos de existência imprescindíveis
para a vida enquanto coletivo. Imprescindíveis para o que significa “cuidado”, no final das contas, em
termos ameríndios.

2.2 Tentativas de captura: institucionalizar a parteira tradicional indígena?

Nos últimos anos, políticas públicas voltadas à saúde materna e infantil têm tentado introduzir
cursos de formação de parteira (Ferreira, 2013). Yva participou de alguns deles. Ela tem se identificado
como parteira em eventos públicos e vejo isso como um fato recente, que lhe confere um lugar na
interlocução com os Juruá. Um lugar que conta com duas dimensões: a de uma posicionalidade política,
que acaba por competir diretamente com a de mbyá homens; e a de uma mulher sábia e experiente na
arte de cuidar de outras mulheres. Esta segunda é, de alguma forma, considerada mais prestigiosa por ela
e nela Yva parece se sentir mais à vontade.
Lembro da narrativa sobre o primeiro curso de parteira de que Yva participou. Isso há muitos anos,
talvez dez anos ou mais. Ao retornar da cidade de São Paulo, lugar onde ocorrera o curso, nos encontramos
no centro de Porto Alegre para almoçarmos. Yva estava bastante contrariada com o fato de palestrantes
terem lhe dito que deveria usar luvas para segurar o bebê recém-nascido. Disse-me que não entendia por
que bebês são considerados sujos pelos Juruá. Os “brancos”, prosseguiu, “fazem coisas muito sujas, como
colocar a boca no órgão genital do parceiro/ parceira (referência ao sexo oral), e, no entanto, colocam luvas
para segurar um bebê!”25. Ao escutá-la, entendi que para ela não estavam em pauta apenas as concepções
de sujeira e de limpeza, ou modalidades sexuais estrangeiras às práticas mbyá, mas também um saber
anunciado técnico que lhe parecia desprovido de sentido. O toque, o corpo que sente um outro corpo, os
fluídos, os odores e a intensidade de um parto, não poderiam ser aprendidos a partir de capacitações e
panfletos explicativos. E muito menos se suas mãos estivessem revestidas por luvas, impedindo assim o
tato. Além do mais, não ter seu saber reconhecido a partir de seus próprios termos deixou-a desconfiada
de que queriam transformá-la em uma “enfermeira juruá”.
Outros convites para participar de oficinas sobre parteiras, não necessariamente com o intuito de
capacitação, foram feitos a ela no decorrer dos últimos anos. Sempre que tais convites deixam a entender
que a reconhecem como “parteira tradicional”, Yva mostra interesse em participar. É uma oportunidade
para viajar, conhecer outras pessoas, mulheres e homens indígenas, e então voltar com a mala cheia de
novas relações. Movimentar-se é um meio de estar alegre, como já mostrado na etnografia de Pissolato

25
Neste caso, não transcrevi literalmente as palavras usadas por Yva.
(2007). As trocas de conhecimento sobre parto e cuidado materno-infantil, com outras mulheres indígenas,
é um fenômeno novo. Refiro-me a isso enquanto pauta de um alargado entendimento de “mulheres”
indígenas - essa categoria genérica e universal de mulher, que esmorece outras formas de produção da
diferença e da alteridade em sociocosmologias ameríndias. O fato de destacar esse período da vida, além
do mais, é algo, de certa forma, distinto do que se passa nas relações intra-comunitárias. Diz bastante sobre
as sociedades de matriz euro-americanas, assentadas na lógica biomédica e de atenção à “vida” e à “saúde
reprodutiva”, mas pouco sobre o modo como coletivos indígenas situam o assunto em linguagem nativa.
Por um lado, esse realçar da saúde materno-infantil, deslocando-a do ciclo de vida como um todo,
certamente pode ser considerado como mais um indicativo de medicalização e de controle dos corpos
indígenas. Por outro, no entanto, trata-se de um ponto nevrálgico se pensarmos que, em dadas situações,
indígenas mulheres podem ser tratadas pela biomedicina dos brancos, e com isso não padecer de
complicações no parto e pós-parto. Significa dizer que, ao mesmo tempo que se trata de mais uma forma
de torná-las dependentes do mundo dos brancos, também se tornou um meio inevitável de, em certo
sentido, os coletivos continuarem a existir ao menos enquanto “corpos biológicos”, parafraseando Rose
(2006).
Em razão dos partos não serem assistidos por uma “parteira”, no sentido de existir uma figura
institucionalizada para tal ofício entre o coletivo, uma certa invisibilidade protege o acontecimento de
parto de uma medicalização mais incisiva. Como identificar uma “parteira”, se elas, no formato procurado,
não existem entre as Mbyá? Como identificar uma parteira se todas as pessoas mbyá são, em alguma
medida, parteiras em potencial? Elas não existem e ao mesmo tempo existem em alto número e por toda
a parte.

3. Alinhavando saberes, tecendo temporalidades


Seria tão bom enrolar essa coisa em torno do pulso para poder seguir o sol, mesmo à noite.
(Kopenawa & Albert, 2015)

A temporalidade do parto-nascimento é um nó a ser destacado na interface disjuntiva entre


modos de cuidar mbyá e o entendimento biomédico do cuidado. Em sociedades de matriz euroamericana,
o controle do tempo, através do relógio, configurou uma revolução no modo como se experiencia a
temporalidade vivida. Medir, controlar, verificar, cronometrar: ações que fracionam e que, na maior parte
das vezes, têm a intenção de maximizar uma produção corporal26. No livro Childbirth, Midwifery and
Concepts of Time, McCourt (2009) se debruça sobre a relação entre tempo e parto. Disserta sobre a
revolução industrial e o desenvolvimento do sistema capitalista como momentos chave para o início de um

26
Em Vigiar e Punir (1987), Michel Foucault propõe uma genealogia das instituições disciplinares, entre elas o
hospital.
cronometrar do parto. Corpos passam a ter um tempo para entregar produtos no formato de bebês27.
Partos passam a ter etapas, passam também a ser cronometrados a fim de normalizar um tempo para
parir; etapas também passam a ser fracionadas com o propósito de uma mais acurada previsão do
momento de expulsão vaginal do bebê. McCourt mostra como, inclusive, se passa a ter orgulho de partos
que acontecem de forma rápida, sem maiores desgastes físicos tanto da mulher que pare quanto – e
sobretudo – para a equipe médica que a assiste. Parir, mas não mais somente parir, como ser submetida à
cirurgia cesariana, faz das mulheres corpos docilizados à mercê de uma intervenção biomédica que as
delega o lugar de coadjuvante na cena do nascimento (Davis-Floyd, 1992). Adequar corpos a um tempo
pré-determinado como normal passa a ser um grande objetivo para a racionalidade biomédica, ao passo
que tal adequação refletirá em um feito digno de validação e publicidade de eficácia. Driblar o tempo com
técnicas de intervenção e manejo de riscos devém sinônimo de modernidade.
Como já introduzido anteriormente, a co-existência de saberes e epistemologias de cuidado,
incluindo aqui a biomedicina e as indígenas, possui alguns limites. A irredutibilidade de certas noções como
as de corpo, saúde e tempo, por exemplo, podem ser destacadas como um desses pontos de inflexão. Isso
não necessariamente é um empecilho para co-existirem. Estudos do campo da antropologia da saúde
(Langdon, 2004; Gil, 2007; Garnelo, 2014, entre outras) evidenciam que se há um fechamento ao
tratamento de doenças e indicações terapêuticas em conjunto, este se dá por parte dos profissionais
biomédicos. Pessoas indígenas dos mais diversos coletivos tendem a transitar entre diferentes modos de
cuidar na tentativa de restabelecerem seu bem-estar físico e social. A irredutibilidade, nesse sentido, se dá
pelo não reconhecimento, por parte dos profissionais de saúde, de que o saber biomédico está também
assentado em uma base histórica e sociocultural de produção de conhecimento. Uma suposta
transcendência do regime de verdade da racionalidade biomédica é um impeditivo para o reconhecimento
de outros saberes como tão legítimos quanto o biomédico. Se a eficácia dos modos de curar da
biomedicina, pelo uso de fármacos e intervenções cirúrgicas, é entendida, em alguns casos, como eficaz
pelos coletivos indígenas, ela não dá conta inteiramente do que significa “saúde” e, menos ainda, do que
significa “cuidado” para esses coletivos, como já mencionado. Epistemologias indígenas de cuidado além
de significarem saúde em outros termos, como não restritos a um funcionamento biológico de um corpo,
estão abertas a novas modalidades e alianças, desde que o que esteja em cena seja a união de ações que
visem à recuperação de quem não se sente bem. Do ponto de vista das sociocosmologias indígenas, não
parece haver disputa por protagonismo pois é possível acomodar diferentes modos de cuidar. Aquilo que
vem do mundo do branco, quando considerado pertinente e apropriado, pode ser tomado como parte do
mundo indígena, mesmo que em outros termos, pois tais sociocosmologias costumam ser abertas à
diferença e à alteridade.

27
Vale notar que delivery (entrega) é também empregado para parir. To deliver é uma das traduções do inglês
para o verbo parir em português.
A ideia de que ser parteira advém de uma capacitação técnica, na acepção biomédica do termo, e
de um treino dado por repetição de atendimentos, não parece ser o ponto para uma atuação enquanto
mitã jaryi. Sem um pano de fundo sociocosmológico, que deixa antever relações de parentesco e
proximidade, a função de parteira pouco ou nada diz em termos de inserção comunitária. Podem, quem
sabe, virem a ser formadas muitas pessoas mbyá em parteiras ditas tradicionais e podem as mbyá grávidas
começarem a recorrer cada vez mais ao parto hospitalar. Qual é a diferença entre uma parteira, que
comunga dos mesmos preceitos de enfermeiras e médicas juruá, dos profissionais de saúde que atuam no
hospital? O parentesco é um forte componente nesta equação e a vantagem de ir para o hospital é que ao
menos lá o risco de ataques xamânicos mbyá - e de seres invisíveis - é menos suscetível de ocorrer. A
parteira tradicional - se assim circunstancialmente chamarmos a mitã jaryi -, não é, no final das contas,
uma profissional com técnicas de intervenção, com relógio no pulso que cronometra tempos e fases: é
uma anciã reconhecidamente sábia e próxima da parturiente, que também sabe intervir com técnicas de
cuidado. Suas intervenções ocorrem no corpo da mulher que pare através de massagens, infusão de ervas
medicinais, fumaça curativa do tabaco e conselhos em palavras que ligam a humanidade às divindades.
Todas essas técnicas são saberes mbyá, providos de sentido porque inseridos e expressos por um modo
singular de existir – e de parir.
Institucionalizar o lugar da parteira sem refletir globalmente sobre esse lugar a elas dedicado na
configuração guarani-mbyá de cosmos e de porosidade às políticas públicas de saúde, acaba por reificar
um dificultar de existências indígenas. Diferentemente do que vem acontecendo entre outros povos, como
os Paumari (Bonilla, 2016) e os Mehinako (Regitano, 2020), ou mesmo os co-habitantes territoriais
Kaingang, entre os quais o parto hospitalar é mais frequente, se não preponderante, coletivos guarani-
mbyá do Brasil meridional ainda veem no ato de parir em seus teko'a uma forma de manterem-se
protegidos do mundo do branco. E, do mesmo modo, de nutrir redes de parentesco e afeto.

3.1 Temporalidades dissonantes: entre o hospital e o teko’a

Durante os períodos em que estive em trabalho de campo e, mais recentemente, em pesquisa


especificamente voltada para o parto hospitalar entre guarani-mbyá mulheres28, muitas foram as
narrativas sobre partos ocorridos no teko'a que se deram sem interferência das equipes multidisciplinares
de saúde indígena (EMSI) 29, da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), mesmo quando tais partos

28
Entre os anos de 2014 e 2018, coordenei a pesquisa intitulada “De tensões cosmológicas à reversibilidade de
significados” e que foi financiada pelo CNPq. O trabalho de campo foi realizado em dois hospitais públicos da
região metropolitana de Porto Alegre (RS) e teve como interlocutores e interlocutoras de pesquisa profissionais
de saúde, tanto da SESAI quanto dos hospitais circunscritos ao estudo. Os dados desta pesquisa e a respectiva
análise são apresentados em artigo ainda no prelo (Autor, 2020).
29
As equipes multidisciplinares de saúde indígena (EMSI) realizam atendimentos em postos de saúde base,
localizados em territórios indígenas, quando da sua existência, e também por meio de visitas semanais das ditas
equipes volantes de atendimentos. Logo, nem todas as comunidades indígenas possuem um local específico
aconteceram simultaneamente ao atendimento das equipes no local. Enfermeiras e gestores públicos de
saúde entrevistados relataram que a orientação dada aos coletivos mbyá é para acionarem a EMSI de
referência ou o serviço de emergência SAMU (Serviço de Atendimento Médico de Urgência) somente se
desejarem que o parto ocorra no hospital ou, obviamente, caso observem que o trabalho de parto está se
desenvolvendo atipicamente.
Uma dessas narrativas me foi contada há pouco tempo e diz respeito ao acontecimento de um
parto, ocorrido no teko'a Nhuundy (bacia hidrográfica do Guaíba), no ano passado. Uma jovem mbyá pariu
seu bebê no silêncio de sua casa e com a ajuda da mãe, no início de uma manhã, no mesmo turno em que
a EMSI realizava atendimento no posto de saúde local. Os profissionais de saúde souberam na semana
seguinte que a criança já havia nascido. Uma imagem de resistência mbyá através do ato de parir, que não
segue moldes biomédicos, é o que tenho nos meus pensamentos desde então. Uma imagem a mais das
tantas micro-resistências do cotidiano, especialidade mbyá para driblar o faminto mundo do juruá. Evitam
conflitos diretos, mas não abdicam de seu ñande rekó (“modo de ser”). Outra maneira de conseguir evitar
desentendimentos sem deixar de seguir a orientação médica, quando em cena uma indicação por parto
hospitalar à revelia de um querer mbyá, é comunicar a EMSI ou acionar o SAMU somente quando a mulher
já está quase parindo. Isso significa que o parto transcorrerá no teko’a, com a mulher sendo cuidada pelos
parentes, mas que o coletivo não poderá ser repreendido por não ter entrado em contato com a EMSI ou
SAMU, conforme previamente orientados.
Grande parte dos profissionais de saúde que atuam nas EMSI e dos responsáveis pelo atendimento
de coletivos guarani-mbyá no Brasil meridional, sobretudo na região hidrográfica do Guaíba, tem boa
relação e receptividade nos teko'a. Inclusive, algumas dessas EMSI são solidárias e respeitosas para com as
decisões tomadas pelo coletivo. Costumam não se intrometer em um parto caso não sejam chamados. São,
segundo relatos de interlocutoras mbyá, “parceiras” e aliadas. É temerário generalizar, obviamente,
sobretudo porque em algumas localidades há uma alta rotatividade de profissionais de saúde nas EMSI.
Equipes que mantêm uma continuidade temporal de atendimento e relação com os Mbyá costumam
adquirir e compartilhar confiança mútua. E o resultado é considerado satisfatório para ambas as partes.
Vale ressaltar que há uma diferença significativa entre ser atendido por um profissional da EMSI, quando
ele está já familiarizado com o universo mbyá, e ser atendido por um profissional que atua em hospital. Os
Mbyá tendem a evitar ir ao hospital e não foram poucas às vezes que testemunhei técnicas de enfermagem
das EMSI acompanharem pessoas mbyá na realização de exames em instituições hospitalares. Isso não
necessariamente é uma função a ser desempenhada pelas profissionais, mas se o fazem é porque sentem-
se solidarizadas ou afetadas, pensando com Pereira (2012), sobre as possíveis dificuldades a serem vividas
por mbyá mulheres e mbyá homens, caso não estejam acompanhados por um ou uma juruá de confiança.

para os atendimentos de saúde da EMSI, os chamados pólo-base, mas todas são atendidas pela equipe uma vez
que estas costumam realizar atendimentos semanais em cada uma das comunidades por elas assistida e façam
parte de uma mesma circunscrição de assistência de saúde.
Mbyá mulheres, sobretudo, não costumam falar o português e isso não só dificulta o atendimento como
desperta uma certa relutância da parte delas em levar adiante a indicação médica por exames que somente
são realizados em hospitais.
Os dados etnográficos da dissertação de mestrado de Rita Lewkowicz (2016) permitem
complementar a reflexão. Em uma rica etnografia realizada no teko’a guarani-mbyá Koenju, situado no
interior do estado do Rio Grande do Sul, na fronteira com a Argentina, descrições de atendimento de parto
e consultas no posto de saúde local são registradas em detalhes. A emergência de uma categoria de
“população indígena” como coletivo governável, a partir de uma perspectiva foucaultiana, é esteira para o
argumento central do trabalho de Lewkowicz (2016). O que interessa especificamente, aqui, no entanto, é
o entendimento de uma “hora certa” para se nascer, que aparece na fala de Ara, uma das interlocutoras
da antropóloga, no último capítulo da dissertação.
Ao explicar a baixa taxa de sobrevivência de pintinhos nascidos no inverno, Ará conta a Lewkowicz
que existe uma “hora certa” para se nascer e que nascer antes dessa hora implica em padecer futuramente
de problemas de saúde. De forma sensível e com respaldo etnográfico, a antropóloga entrelaça o
entendimento de “hora certa” com o nascimento, por meio de cirurgia cesariana, de uma criança em
Koenju. Fato este que parecia, segundo Lewkowicz, comover a toda a comunidade. “Ela foi sem dor e voltou
com um bebê”, diz uma interlocutora mbyá (Lewkowicz, 2016: 111). O nascimento da criança ocorrera sem
o devido anúncio, sem qualquer expressão corporal que deixasse antever um parto-nascimento. Sem,
como dizem as Mbyá mulheres, imemby achy (dor de filho/a)30.
Como pode uma mulher voltar com um bebê nos braços se fora encaminhada ao hospital sem
qualquer sinal de que pariria em breve? Se para os profissionais de saúde que a receberam no hospital, a
cirurgia cesariana se fez necessária porque a gestação já havia “passado do tempo”, para as Mbyá, por seu
turno, a preocupação era que a criança teria nascido “antes da hora certa”. E nascer antes da hora, assim
como costuma acontecer com os pintinhos, implica em carecer dos mínimos requisitos para não padecer
num futuro próximo.

3.2 Parir no hospital: as redes de atendimento e a “saúde diferenciada”

Levando em consideração todo o imbricamento entre solenidade e sabedoria que caracteriza o


acontecimento de parto entre as Mbyá, por qual razão algumas mbyá mulheres estão indo parir no
hospital? Nas primeiras linhas do presente artigo afirmei que quanto mais jovem for a mbyá mulher e mais
perto de um centro urbano ela estiver, maior é a chance de ela ir parir no hospital. O hodierno
hospitalocentrismo para nascer e morrer não foge à regra entre as Mbyá, desde que, para tanto, o acesso

30
As implicações de gestações que terminam “antes do tempo”, como dizem as Mbyá, têm sido estudadas desde
o ponto de vista biomédico e parecem corroborar com o entendimento mbyá de que a antecipação de partos
ou nascimentos que ocorrem via cirurgia cesariana trazem implicações para a saúde da criança (Diniz et al, 2016).
à medicalização de tais eventos não encontre obstáculos como distância e falta de veículo disponível. Logo,
se mbyá mulheres não se sentem amparadas por uma rede de cuidado em seu teko’a e se a EMSI local
indicar um parto hospitalar, mesmo à revelia de uma indicação médica justificada, é provável que ela vá
parir no hospital. Mulheres que pariram pela primeira vez no hospital não necessariamente irão parir pela
segunda vez na instituição. “Lá é ruim porque se fica sozinha” foi o que me contou Pará quando lhe
perguntei como foi o parto de sua primeira filha, ocorrido no hospital. No entanto, a depender da relação
estabelecida entre comunidade e EMSI, os partos podem ocorrer sem qualquer intervenção juruá no
próprio teko’a, como mostrado.
Ao revisitar as anotações que fiz em diários de campo de anos atrás, lembrei dos mbyá homens,
que quando o tema estava a girar em torno de parto e nascimento, mostravam-se muito taxativos em dizer
que as mbyá mulheres deveriam parir no teko’a para manter a “cultura”. Enquanto as interlocutoras
mulheres, embora sempre demonstrassem preferir parir entre parentes, não exprimiam com tanta
veemência uma obrigatoriedade de parir no teko’a para manter a tal “cultura” evocada por seus pares
homens. Um dos pontos mais salientados era que a mulher grávida deveria parir onde não sentisse
“medo”.
“Ela disse que tinha medo”, “o doutor disse que ela tinha pressão alta”, “levaram ela e já voltou
com a criança” são informações que se repetiram sobre o motivo pelo qual algumas mbyá grávidas pariram
no hospital – e que tenho anotadas em meus diários de campo. O motivo, ressalto, contado desde a
perspectiva de mbyá mulheres. O “medo” chamou minha atenção particularmente: medo do quê? E
parecem-me que dois fatores se entrecruzam aqui. Primeiro que o parto imaginado e representado em
novelas e filmes como um evento doloroso, coberto de sangue e desfechos que tendem a demonstrar o
salvamento de uma mulher do perigoso ato de parir por um gentil e heróico médico ou médica parece de
fato assustar e provocar o tal medo. As mbyá jovens não estão alheias a este entendimento de parto como
evento perigoso, presente nas cosmologias tecnocráticas e preponderantes no Brasil contemporâneo.
Além do mais, se uma mbyá grávida diz que quer ir ao hospital para parir, dificilmente será dissuadida a
não fazê-lo por sua rede de parentesco. Outro porém é que mulheres experientes na arte de cuidar outras
mulheres a parir não se sentem confiantes de aconselhar e insistir para que uma mulher fique para parir
no teko’a. Há um receio, implícito e tácito, de que caso algo ocorra durante o parto, a “parteira”
responsável será penalizada pela lei do juruá. Além do motivo que parece-me ser o mais forte, qual seja, o
de respeitar a “vontade” da mulher grávida31.
Lewkowicz (2016: 119-120) afirma, com base em sua etnografia, que parir no hospital ou no teko’a
decorre de múltiplos atravessamentos, entre eles “as relações entretecidas com os profissionais de saúde,
com os parentes, com as divindades, com os exames, com a dor, com o movimento do bebê, com os
ventos”. e acrescento aqui os sonhos como parte dos atravessamentos que a antropóloga nominará de

31
Emprego “vontade” como contraponto a “escolha”, que remete a toda uma economia moral neoliberal que
não se aplica ao entendimento mbyá de agência ou movimento em direção a um caminho ou outro.
“efeito parto aldeia”. Ao concordar com Lewkowicz, diria que me parece, em suma, tratar-se de uma
confluência entre a presença de mulheres experientes no cuidado de outras mulheres no parto (mitã jaryi)
no teko’a onde se encontra a mbyá grávida e uma postura menos invasiva da EMSI local como fatores que
acabam por influenciar fortemente sobre o local onde se pare.
Não pude ter acesso aos dados quantitativos sobre partos que aconteceram em territórios mbyá
e tampouco sobre os ocorridos no âmbito hospitalar, motivo pelo qual não posso afirmar a porcentagem
e proporção de cada um deles em relação à população total mbyá32. Entretanto, os dados coletados
etnograficamente indicam que menos da metade das mbyá mulheres pare em hospitais no estado do Rio
Grande do Sul (RS). Significa dizer, que a maior parte das crianças mbyá continua a nascer no silêncio de
seus teko’a, de “noitinha” e entre parentes. Uma das enfermeiras que trabalha na EMSI da região
hidrográfica do Guaíba contou-me que, em vinte anos de trabalho na equipe, lembra-se de apenas um
parto realizado por meio de cirurgia cesariana e que lhe parece que somente uma em cada três mbyá
grávidas pare no hospital. Essa mesma proporção foi ratificada por outras e outros profissionais de saúde
que trabalham nas EMSI e também por interlocutoras mbyá. Observações advindas de trabalho de campo
de longa duração, registradas em diários de campo, vão na direção de confirmar que a maior parte dos
partos mbyá continua a ocorrer nos teko’a.
Desde o começo dos anos de 1990, coletivos indígenas habitantes do território brasileiro têm
direito a um atendimento de saúde que leve em consideração seus modos de existir. A 1ª Conferência
Nacional de Proteção à Saúde do Índio, que ocorreu em 1986, há mais de três décadas portanto, é
considerada um marco para a configuração de um novo campo de reflexões e de políticas públicas no que
concerne ao assunto. Na esteira de uma nova carta magna, promulgada em 1988, e no embalo de ventos
democráticos, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) passa a ser desenhada
e implementada como subsistema vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS) nos anos subsequentes.
Nasceram desse processo a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e a atual Secretaria Especial de Saúde
Indígena (SESAI), ambas, juntamente com as contínuas conferências nacionais de saúde indígena, fruto da
sedimentação de direitos em consonância com a participação de movimentos sociais. Se as EMSI atuam
diretamente nos territórios indígenas, ensejando um relacionamento mais próximo e de confiança, o
atendimento hospitalar se distancia dessa lógica, como dito anteriormente.
O que se passa nos postos de saúde, chamados de polo-base e situados em comunidades
indígenas, nos atendimentos volantes das EMSI, nos itinerários indígenas de saúde em diálogo ou
divergência com o sistema biomédico, na implementação de políticas públicas, entre outros temas
concernentes à categoria “saúde indígena”, têm sido estudados por antropólogos e antropólogas ao longo

32
Apesar de tais dados poderem, em tese, ser acessados por qualquer pessoa interessada (Lei Federal nº
12.527/2011, também conhecida por Lei de Acesso à Informação), não recebi retorno algum da SESAI durante
os quatro anos de tentativa. Os detalhes de tais tentativas são contados no artigo no prelo (Autor, 2020). A
Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, no entanto, disponibilizou os dados parciais que estavam sob
sua responsabilidade.
das últimas décadas33. Etnografias e estudos qualitativos têm sido produzidos a fim de enriquecer um
campo de discussão não somente restrito à antropologia, mas estendido à saúde coletiva, à epidemiologia,
à enfermagem, dentre outros campos de saber. No entanto, são ainda escassos os estudos atentos ao que
acontece, sobre como e em que termos se dá a relação e o atendimento de indígenas, em hospitais. Apesar
de o direito a um “atendimento diferenciado em saúde” continuar a ter validade fora dos espaços
territoriais indígenas, parece existir um apagamento de marcadores identitários fazendo com que
indígenas sejam usuários e usuárias do SUS, o que obviamente o são, mas não mais amparados pelo
subsistema de saúde que os protege em sua singularidade étnica (Subsistema de Atenção à Saúde Indígena
– SasiSUS). Uma vez que estejam internados em hospitais, os traços diacríticos que asseguram a eles um
“atendimento diferenciado de saúde” se esmorecem. Neste artigo não tenho como propósito discutir e
aprofundar tal temática, apenas destaco a ausência de similaridade entre o atendimento realizado pela
EMSI e o atendimento realizado no hospital às pessoas indígenas, mesmo que ambos os locais comunguem
de uma mesma política pública de saúde – o que torna ainda mais pertinente estudos neste e sobre esse
segundo contexto de atendimento.
O trabalho de Pereira (2012) é uma exceção no campo que antes nominei “saúde indígena”, pois
se dedica a refletir sobre os processos de tradução de concepções e transformações relacionais desde o
ponto de vista dos e das profissionais de saúde que trabalham com coletivos indígenas. Interessado em
aprofundar as consequências e possibilidades de entendimento situadas no interstício de uma prática
biomédica necessitada de intervenções e respostas e uma alteridade indígena na qual corpo, saúde e
doença são concepções ancoradas em cosmologias não restritas a uma corporalidade fisiológica, o autor
defende a ideia de que os processos de tradução, inerentes à relação entre diferentes, não se dão
unicamente na base conceitual. Refere-se o autor às dimensões de afeto e percepto, inspirado em Deleuze,
como composições do processo de tradução no qual a irredutibilidade da diferença pode por vezes se
revelar em um agente transformativo das relações - e das possibilidades de entendimento. A análise de
Pereira (2012) inspira-me a pensar os dados coletados em etnografia realizada em dois hospitais públicos
localizados no sul do Brasil, dedicadas ao parto hospitalar de mbyá mulheres e que são tratados em outro
artigo (Autor, 2020). A relação entre profissionais de saúde e pessoas indígenas acaba por gerar uma
microesfera de (des)entendimentos transformativos para essa relação.

Considerações finais

Na escrita deste artigo busquei dar sentido às narrativas de Yva sobre parto e nascimento,
amparada por uma etnografia de longa duração entre coletivos mbyá e uma recente pesquisa realizada em

33
A exemplo dos trabalhos de Conklin (2004); Langdon (2004, 2014); Langdon & Garnelo (2004); Gil (2007; Diehl,
Langdon & Dias-Scopel (2012); Ferreira (2013); Garnelo (2014); Pontes, Garnelo & Mendes (2014); Pontes,
Garnelo & Rego (2015); Cardoso (2015).
dois hospitais públicos sobre a ocorrência do parto hospitalar entre as mbyá mulheres. Os dados da última
pesquisa não foram aqui analisados, mas de forma indireta contribuíram para as reflexões apresentadas.
Dar atenção ao acontecimento de parto-nascimento permite entrelaçar um mundo indígena aberto à
transformação e aos descompassados inerentes a toda relação, no caso, com o “sistema do juruá”. Permite
também adentrar em um mundo ricamente povoado pelo visível e pelo invisível. Pretendi descrever o que
se passa entre coletivos indígenas guarani-mbyá, a partir de uma atenciosa descrição de noções e
significados êmicos acerca dos temas parto e cuidado para então suscitar reflexões a serem completadas
pelo leitor e leitora acerca de categorias amplamente utilizadas como “vida” e “saúde”, em um pretenso
diálogo estabelecido com políticas públicas de uma “saúde diferenciada”. Sem com isso, vale lembrar,
exaltar fronteiras como tradicional versus moderno ou qualquer outra oposição que finde por conferir uma
qualidade de exotismo às sociocosmologias indígenas. Da mesma forma, mesmo não sendo um dos focos
per se, intentei mostrar o saber biomédico longe de um entendimento que o situa como um bloco
monolítico e encerrado às implicações relacionais de uma atuação em contexto indígena. Há porosidade,
há afetos, há dissonâncias e há dramas sociais envolvidos em cada situação particular, tanto do ponto de
vista guarani-mbyá quanto das EMSI.
O verbo parir foi amplamente empregado e isso tem uma razão de ser. Parece-me refletir
exatamente a ideia de um corpo atuante, de um ato corporal protagonizado pela mulher sem eufemismos
como dar à luz, to deliver (inglês) ou accoucher (francês). Ambo’a, que pode ser entendido como dar banho,
parir e/ou fazer cair, em guarani-mbyá, nos remete plenamente a esse sentido de ação corporal agenciada
pela mulher. Parir não é algo que acontece por si só. É uma ação que exige um sujeito. E esse sujeito é a
mulher.
Em anos recentes os trabalhos de Belaunde (2000, 2015), McCallum (2001), Els Lagrou (2007), Lea
(2020) contribuíram para uma discussão, desde a etnologia, atinente à sexualidade e ao gênero entre
coletivos ameríndios. As duas primeiras antropólogas, inclusive, têm textos dedicados ao parto e ao
cuidado. Especificamente sobre parto e cuidado entre coletivos ameríndios, ainda, a tese de doutorado de
Scopel (2014) e as dissertações de mestrado de Lewkowicz (2016) e Regitano (2019) se destacam por terem
dado um enfoque especial à temática, não absorvendo parto e assuntos tangentes em descrições
etnográficas mais abrangentes. Entretanto, de modo geral, estudos antropológicos sobre tais temas,
englobados ou não por discussões de gênero, são ainda tímidos. Além do mais, pairam como pano de fundo
linhas teóricas divergentes sobre a rentabilidade ou não da categoria gênero ou cuidado como janela de
apreensão de modalidades ameríndias de se relacionar34. Embora não tenha aqui evocado gênero como
categoria analítica, ela se apresenta tangencialmente. Espero ter contribuído para somar, a esse campo de
estudos em crescimento, a saber, focado no parto, nas indígenas mulheres e no cuidado, com algumas
reflexões almejando aprofundá-las em trabalhos futuros.

34
No livro Gender in Amazonia and Melanesia (Gregor & Tuzin, 2001) é possível se situar na discussão teórica.
Quanto à Yva e suas histórias, sejam elas fruto de interlocução para fins etnográficos, seja como
fruto de uma relação de - kypy’y (irmãs), continuarão comigo enquanto eu escrever. O vídeo que dela gravei
sobre parto e parteiras talvez um dia seja compartilhado publicamente, mas por ora ressalto que Yva
contou-me sobre seus partos e cuidados como parteira para, de certa forma, me presentear: o que ela
queria mesmo, naquele amanhecer frio, era contar sobre os últimos acontecimentos envolvendo morte e
-djepotá (transformação em não humano). Seus olhos brilham quando, no silêncio compartilhado à beira
do fogo, conta-me entre hesitação e êxtase a aparição desses mortos ex-parentes. Mas isso fica para um
outro momento.

***

A Joachim Carreira, Ana Carolina da Costa e Fonseca, Aline Regitano e José Miguel Olívar agradeço imensamente
pela revisão, comentários e sugestões feitos a este artigo. A revisão por pares é uma bonita cooperação
acadêmica. Também sou muito agradecida a David Rodgers, que traduziu este texto do português para o inglês.

Endereço de e-mail: mariapm@ufcspa.edu.br


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