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Resumo
Moçambique é um país onde a formação da personalidade é marcada pelos aspectos culturais e tradicionais, onde o
conceito sobre a deficiência é carregada de crenças tradicionais e a prática profissional de Psicologia encontra
embates entre o conhecimento ocidental e local. O presente estudo tem como objectivo discutir a importância do
conhecimento das diferentes concepções da deficiência na prática profissional de Psicologia em Moçambique. Para
isso, baseou-se na pesquisa bibliográfica para mapear concepções da deficiência no ocidente, narrativas para colher
informações sobre concepções da deficiência na sociedade moçambicana e a entrevista para abordar práticas
profissionais de Psicologia em Moçambique. Durante esse processo, foi possível verificar que há sempre um perigo
quando a história é contada de um lado apenas. Conclui-se que para melhor lidar com aspectos sobre a deficiência é
preciso partilhar os conhecimentos ocidentais, assim como os tradicionais moçambicanos, de modo que seja possível
ter uma prática profissional mais acessível e acolhedora.
Abstract
Mozambique is a country where the formation of a person’s personality is confronted by both cultural and traditional
aspects, where the concept of disability is fraught with beliefs and professional psychology practices encounters
clashes between western and local knowledge. This study aimed at discussing the importance of knowing the
different conceptions of disability in the professional psychology practices in Mozambique, and it was based on
review of relevant literature map conceptions of disability in the Western, narratives to gather information about the
different conceptions of disability in Mozambican society and interviews to address some professional psychology
practices in Mozambique. During this process it was learnt that there is always a danger when the told story is only
one sided at the risk of getting biased results. And it was concluded that in order to better deal with aspects of
disability, it is necessary to share western knowledge as well as Mozambican traditional so that it is possible to have
a more accessible and welcoming professional practice in relation to people with disabilities.
Resumen
Mozambique es un país donde la formación de la personalidad de una persona se enfrenta a aspectos tanto culturales
como tradicionales, donde el concepto de discapacidad está plagado de creencias y las prácticas profesionales de la
psicología chocan entre los conocimientos occidentales y locales. Este estudio tuvo como objetivo discutir la
importancia de conocer las diferentes concepciones de la discapacidad en las prácticas de la psicología profesional
en Mozambique, y se basó en la revisión de la literatura relevante sobre las concepciones cartográficas de la
discapacidad en Occidente, narrativas para recopilar información sobre las diferentes concepciones de la
discapacidad en Sociedad de Mozambique y entrevistas para abordar algunas prácticas de psicología profesional en
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Universidade Eduardo Mondlane.
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Mozambique. Durante este proceso se aprendió que siempre existe el peligro cuando la historia contada es solo
unilateral con el riesgo de obtener resultados sesgados. Y se concluyó que para abordar mejor los aspectos de la
discapacidad, es necesario compartir el conocimiento occidental y el tradicional mozambiqueño para que sea posible
tener una práctica profesional más accesible y acogedora en relación con las personas con discapacidad.
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Método
Há anos que os fenômenos
psicológicos na África são interpretados
Para a realização deste estudo,
com base numa Psicologia Ocidental, ou
recorreu-se à pesquisa bibliográfica,
seja, alicerçados em métodos, técnicas e
narrativas e entrevista, sendo que a pesquisa
instrumentos cientificamente estabelecidos
bibliográfica possibilitou fazer o
no ocidente. Essa psicologia, apesar de
mapeamento das diferentes concepções da
subsistir por bastante tempo, encontra na
deficiência no ocidente e na sociedade
África um terreno cheio de contradições e
moçambicana; as narrativas permitiram
embates que precisam ser levados em
colher informações sobre as concepções da
conta.5 Como elucida Boia Efraime, citado
deficiência em famílias que convivem com
por Serra (2014), os psicólogos
pessoas com deficiência, sendo usadas como
moçambicanos podem logo vir a descobrir
forma de produção de conhecimentos; e as
que, como terapeutas, o “remédio” da
entrevistas foram dirigidas a profissionais de
psicoterapia ocidental pode ter pouco valor
Psicologia, cujo objectivo foi perceber a
em certos contextos, especialmente se eles
importância do conhecimento da concepção
supõem que são os únicos a que indivíduos e
da deficiência na sua prática quotidiana. O
comunidades em crise têm acesso. Segundo
critério usado para identificar o tipo de
Honwana (2002),6 em todos os países
entrevistado que precisamos foi a
africanos existem múltiplas formas de
experiência na área de atendimento à pessoa
interpretar e intervir nos fenômenos
com deficiência.
psicológicos. Seguindo com Honwana,
buscamos pensar como cada cultura gesta
Modelos da deficiência: entre o Ocidente
suas próprias relações com o mundo, com a
e Moçambique
sua existência.
Assim, tomar a Psicologia Ocidental
As pesquisas no campo dos estudos da
como modelo hegemônico na interpretação
deficiência que se empreendem em
de todos os fenômenos psicológicos é um
articulação com autores e autoras
equívoco, é construir um comum na partilha
brasileiros/as, como Diniz, Medeiros &
de experiências que, paradoxalmente, não
Squinca, 2007, indicam que há diferentes
dizem respeito à experiência de ninguém.
modelos de deficiência, historicamente
Cabe sublinhar um outro modo de partilhar
construídos que também se encontram
as experiências feitas no plano sensível, de
presentes em Moçambique. Assim, os
forma local, encarnada, levando em conta o
modelos biomédico, social e feminista são
modo como cada povo se relaciona,
apresentados como modos de articular a
deficiência, cada um deles com perspectivas
distintas e efeitos diversos.
5
Em África, o sujeito é formado por aspecto não A deficiência era entendida, segundo o
apenas biopsicossocial, mas também fenômeno modelo biomédico, como uma lesão que
cultural (espiritual). impõe restrições à participação social de
6
Honwana, A. M. (2002). Espíritos vivos, tradições uma pessoa. Assim, era localizada no corpo
modernas: possessão de espíritos e reintegração biológico e encerrada no indivíduo. Esse
social pós-guerra no sul de Moçambique. Maputo: conceito, para além de ter sido ampliado, foi
Promédia.
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desigualdade pela deficiência resultava mais traz aspetos ligados ao cuidado em relação à
de estruturas sociais poucos sensíveis à pessoa com deficiência, também colocando
diversidade que de um corpo com lesões. O em cena questões ligadas à
modelo social da deficiência – principal família/acompanhantes, tendo em conta a
marco teórico dos estudos sobre deficiência sua localização. Destarte, traz à cena
– subverteu a lógica da causalidade proposta questões antes invisibilizadas por uma
pela International Classification of militância protagonizada por homens: as
Impairments, Disabilities and Handicaps perspectivas das mães e mulheres que
(ICIDH):7 não eram as lesões a principal cuidam de pessoas com deficiência, além
causa das desvantagens, mas sim a opressão das contribuições conceituais feministas
social aos deficientes. (que rediscutem a questão da autonomia
A demanda do modelo social da presente no modelo social da deficiência,
deficiência era por descrever as lesões como por exemplo).
uma variável neutra da diversidade corporal O modelo social da deficiência traz
humana, entendendo o corpo como um uma perspectiva que a afirma como uma
conceito representativo da biologia humana. falha do ambiente em acolher e habilitar
O sistema proposto pela ICIDH, por outro esses corpos. Dessa forma, afirmam que,
lado, classificava a diversidade corporal diante de um ambiente corretamente
como consequência de doenças ou arranjado, a pessoa com deficiência poderia
anormalidades, além de considerar que as ser absolutamente autônoma e eficiente. A
desvantagens eram causadas pela maior crítica feminista se dá,
incapacidade do indivíduo com lesões de se principalmente, sobre estas duas categorias:
adaptar à vida social. Para o modelo social, a a da autonomia e a da eficiência, afirmando
ICIDH retirava a força política do conceito que esse modelo de pessoa com deficiência
de deficiência, pois o fundamentava em não dá conta da multiplicidade de histórias
termos estritamente biológicos: era a que compõem o ser deficiente. Assim sendo,
natureza que determinava a desvantagem, e demonstram que uma militância que se faça
não os sistemas sociais ou econômicos apenas pelo geral, pelo homogêneo,
(Diniz, Medeiros & Squinca, 2007). negligencia uma infinidade de casos. Ou
Em suma, encontra-se no movimento seja, sua abordagem permite refletir que é
feminista as consequências principais da preciso entender as questões locais que
deficiência para este estudo, ainda que sem agem sobre a deficiência e das pessoas que
descartar os avanços do modelo social, pois cuidam/acompanham as pessoas com
deficiência em Moçambique. Assim, com o
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A publicação da International Classification of auxílio do movimento feminista, emergiram
Functioning, Disability and Health (ICF ou CIF, em questões culturais e tradicionais sobre a
português) pela Organização Mundial da Saúde
(OMS), em 2001, é considerada um marco no
deficiência, pois, nele destaca-se o fator
debate sobre deficiência. O documento é uma cuidado localizado, que parece ser
revisão da International Classification of fundamental para o estudo, uma vez que
Impairments, Disabilities and Handicaps (ICIDH), permite abordar questões a respeito da
primeira tentativa da OMS de organizar uma importância da família/acompanhantes8 no
linguagem universal sobre lesões e deficiências,
publicada em 1980. Entre as várias modificações
cenário da deficiência a partir do lugar.
propostas pela CIF, uma das mais desafiantes foi o
8
novo significado do termo “deficiência”, que de Neste trabalho iremos usar a expressão
uma categoria estritamente biomédica na ICIDH família/acompanhantes para marcar o grupo de
assumiu um caráter também sociológico e político pessoas que convivem e cuidam das pessoas com
na CIF. deficiência.
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