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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Caroline Nogueira Accioly

A autonomia desportiva na Constituição da República de 1988

Mestrado em Direito

São Paulo
2016
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Caroline Nogueira Accioly

A autonomia desportiva na Constituição da República de 1988

Mestrado em Direito

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Direito Desportivo, vinculado à área de
concentração Efetividade do Direito sob a
orientação do Prof. Dr. Paulo Sérgio Feuz.

São Paulo

2016
Folha de aprovação

BANCA EXAMINADORA:

1. ____________________________________

2. ____________________________________

3. ____________________________________
“As leis do jogo são as únicas que em
toda parte são justas, claras, invioláveis e
executadas.” Voltaire
Aluna bolsista do CNPq no

período de dezembro de 2015 a agosto de 2016.


Dedico este trabalho a todos que
contribuíram de forma direta ou indireta
para a conclusão do meu curso de
mestrado, em especial: Marcelo Costa,
Cristina Nogueira, Ricardo Pinto,
Claudia Hartje, Jorge Cruz, Prof. Dr.
Angelo Vargas e Prof. Dr. Aurelio
Wander Bastos.
Agradecimentos

&HUWDYH]OLXPDIUDVHTXHPHLQWULJRXSURIXQGDPHQWH³Estudar é a melhor
forma de se rebelar contra o sistema.´$FKHLWmRLQWHUHVVDQWHTXHGHFLGLQDTXHOH
momento que tal assertiva encontraria espaço nesta dissertação. Isso porque o
caminho do estudo não é dos mais fáceis, mas certamente é dos mais
gratificantes. Meu pai costumava dizer que a melhor herança que podemos dar a
um filho é o conhecimento. Ele estava certo. Com estudo vamos a qualquer lugar
e as barreiras geográficas, sociais, culturais ficam em segundo plano quando o
objetivo maior é o aprendizado.

Traçar um caminho e segui-lo, mesmo quando este caminho não é dos mais
tradicionais, cria nas pessoas próximas um misto de curiosidade e objeção. O
Direito Desportivo ainda é disciplina insipiente no meio jurídico e a pouca
informação somada ao mercado fechado, causa certamente desconfiança até nos
próprios profissionais do meio jurídico. Iniciativas que objetivem a expansão do
ramo são bem-vindas e nesta empreitada eu embarquei confiante.

Durante essa jornada e esse desafio que foi cursar a primeira turma do
primeiro mestrado em Direito Desportivo no país, promovido pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo ± PUC SP, pude contar com a torcida de
muitas pessoas, que não só me aconselharam como também, de forma ou outra,
viabilizaram a continuidade dos meus estudos.

Ocorre que, vez ou outra, nossas vidas se tornam tão caóticas e


mecanizadas que nos esquecemos de aperceber daqueles que atuam como
verdadeiros anjos da guarda.

A trajetória não foi simples. Muitas vezes a desistência vinha como uma
ideia quase sem oposição no meu coração, mas o sofrimento com a imagem da
derrota me fez seguir em frente. Ainda assim nada seria possível sem o
incansável e incondicional apoio do meu orientador, Professor Dr. Paulo Sérgio
Feuz, que de forma paternal me trouxe apoio, conforto e motivação.
A paixão pelo Direito Desportivo é o que nos une e permitiu que o curso se
tornasse o sucesso que é.

Professor, obrigada por guiar a mim e seus demais alunos apaixonados pelo
Direito Desportivo pelo caminho da ciência, pesquisa e aprendizado contínuo.
CAROLINE NOGUEIRA ACCIOLY

A autonomia desportiva na Constituição da República de 1988

RESUMO: Após a Constituição de 1988 o esporte obteve lugar de maior


destaque em nossa sociedade, através de sua inserção na Carta Magna na forma
de um capítulo. Essa inovação trouxe consigo aquele que representa a mola
central de todo o sistema desportivo pátrio: o principio da autonomia desportiva. O
objetivo deste trabalho é caracterizá-lo, entendê-lo e delimitá-lo para que sua
aplicabilidade não seja menosprezada nem alargada, fornecendo ao Direito
Desportivo a proteção de que este necessita para seu contínuo desenvolvimento
em nosso país.

Palavras-chave: direito desportivo, esporte, autonomia, Constituição de


1988.

ABSTRACT: After the 1988 Constitution sports received a more prominent


place in our society, through its inclusion as a chapter in our Lex Mater. This
innovation created the backbone of our sports system: the principle of autonomy of
sport. The purpose of this study is to characterize, understand and delimit it so
that its applicability is neither overlooked or enlarged, providing the necessary
protection to the Sports Law and for its continued development in our country.

Keywords: sports law, sports, autonomy, Constitution of 1988.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...............................................................................................12

1. O QUE É ESPORTE................................................................................13

1.1 Origens ..............................................................................................13

1.2 Esporte ou Desporto? .......................................................................19

1.3 Uma proposta de conceituação do esporte hoje ...............................20

2. DIREITO DESPORTIVO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988........................24

3. DA AUTONOMIA DESPORTIVA.............................................................32

3.1 O que é um princípio .........................................................................32

3.2 O que é autonomia ............................................................................36

3.3 Do princípio da autonomia desportiva ...............................................38

3.4 Do limite da autonomia no esporte ....................................................41

3.5 Do fomento estatal ............................................................................46

3.6 Das decisões dos tribunais acerca da autonomia desportiva ...........49


CONCLUSÃO................................................................................................51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................53

ANEXOS........................................................................................................58
12

INTRODUÇÃO

Ousar perante as novas ideias que inquietam a sociedade na qual estamos


inseridos é o desafio dos pesquisadores do Direito, que para isso lutam contra
atitudes limitadas, combatendo a tendência jurídica de concentrar esforços nas
normas e não na realidade social.

O acelerado progresso de questões ligadas ao esporte exigiu respostas


jurídicas imediatas, haja vista a mudança em torno de tudo que envolve o
desporto, hoje ocupando um lugar de destaque nas sociedades modernas, onde
empresta seu clamor para contribuir com a manutenção da paz e a congregação
entre os povos.

Não obstante, o conceito clássico de esporte que girava em torno de saúde


e bem-estar já resta superado pela definição que engloba um movimento
multidisciplinar e altamente rentável, que suscita a atenção de todos os povos, se
firmando como aspecto imprescindível da vida contemporânea e atraindo a
atenção do Estado enquanto agente fomentador.

O prazer e ludicidade da prática desportiva deram lugar a grandes


espetáculos que fazem do esporte um negócio que cresce em ritmo acelerado.
Essa mudança de paradigma trouxe com ela a sanha arrecadatória dos governos,
assim como uma maior necessidade de regulamentação e controle.

Considerando o aperfeiçoamento dos conceitos que envolvem o desporto e


sua organização, não poderíamos deixar de antever que tais remates chegariam à
seara jurídica algum dia, fortalecendo e direcionando as entidades que compõem
o cenário esportivo recente.

Com base nisso a presente dissertação tem por escopo tecer considerações
a respeito daquele que representa o maior dogma da legislação desportiva: a
autonomia.

Por ser a mola central de todo o ordenamento jurídico-constitucional


desportivo e também o tema de maior repercussão nos círculos daqueles que
militam na área, o princípio em comento merece uma análise aprofundada e que
13

destaque suas origens, aplicabilidade e limites, que quase sempre são traduzidos
de forma apaixonada e por vezes imprecisas na seara desportiva.

O estudo se revela de suma importância para aqueles que militam na área e


os demais que estudam o tema, posto que estabelecer um conceito objetivo da
autonomia desportiva e fincar seus limites ajuda a compreender a importância do
instituto, suas vantagens e limitar assim interferências estatais que prejudicariam
o bom andamento das competições.

O trabalho em comento, longe de esgotar o tema, tem a missão de ser mais


um a perfilhar os (ainda) pouco conhecidos caminhos que encampam o Direito
Desportivo.

1. O QUE É ESPORTE

1.1 Origens

O esporte, numa visão contemporânea, é fruto da lenta evolução da


sociedade na qual estamos inseridos. Até pouco tempo atrás seria impensável um
trabalho que abordasse tal temática haja vista o caráter meramente lúdico que
acompanhava a prática desportiva.

As mais longínquas origens do que podemos chamar de legislação


desportiva rudimentar está nos povos primitivos que praticavam atividade física
atrelada a cultos religiosos que tinham por finalidade exaltar um Deus ou herói.
Os povos antigos cumpriam fielmente as regras do que podemos chamar de
rascunho de uma legislação desportiva. Isso porque os exercícios sempre
finalizavam com cultos às divindades, o que deixava bem claro a estreita relação
entre o misticismo e a atividade física. Nesse sentido preleciona Álvaro de Melo
Filho:

“(...) já há 4.000 anos a.C. os egípcios faziam exercícios físicos e


as Leis de Manu emprestavam à ginástica um sentido religioso,
impondo a sua prática obrigatória. Na China, no ano 3.000 a.C.,
houve uma seita cujo rito constava de ginástica, entremeada de
exercícios respiratórios, massagens, fricções e hidroterapia.
Assim, nos primórdios preponderava, antes de tudo, um sentido
eminentemente místico (desporto e religião eram inseparáveis).
14

Atribui-se, aqui, aos exercícios físicos a presença de uma atitude


espiritual capaz de atrair o favor dos deuses (...)”1

Já os jogos greco-romanos pendiam para um cunho social e político,


alimentados pela preocupação dos governantes locais de manter o povo na mais
absoluta ignorância sobre os assuntos estatais.

O termo desporto tem origem no século XIV quando então designava os


passatempos que envolviam habilidades físicas, realizados pelos marinheiros que
VHHQFRQWUDYDP³GHSRUWR´2

No Brasil Colônia, com a vinda dos padres jesuítas veio também a inserção
de práticas corporais ensinadas aos indígenas, que eram desde a tenra idade
LQVHULGRV QRV ³MRJRV GH PHQLQRV GR UHLQR¶ TXH QDGD PDLV HUDP TXH SUiWLFDV
aristocráticas que atravessaram o tempo e incluíam técnicas de postura, andar e
gesticular, aplicadas ao cotidiano.

Os jogos faziam parte da vida diária também dos adultos que durante as
festas públicas praticavam a cavalhada como forma de entretenimento. Os
primeiros relatos que temos destas demonstrações desportivas remontam as
festas promovidas por João Mauricio de Nassau em janeiro de 1641 e da
aclamação de D. João VI.

As cavalhadas consistiam em desfiles de cavalos, corridas de cavaleiros e


jogos de argolinhas que tinham como objetivo demonstrar uma maneira de se
comportar, de se portar. Seu valor era simbólico e representava a polidez em
detrimento do bárbaro. Os cavaleiros eram admirados por homens e mulheres,
pois expressavam a cultura do corpo adaptado à nobreza, um saber singular e
invejado.

Neste mister os portugueses eram especialistas, sendo os mais


extraordinários cavaleiros de sua época e por conta disso as cavalhadas foram
rapidamente incorporadas ao cotidiano da vida na colônia.

Em relação a este que pode ser considerado o primeiro esporte praticado


por aqui, vários estrangeiros deixaram sua impressões acerca dos belíssimos
1
MELO FILHO, 1995, p. 19
2
TUBINO, 1999, p. 8
15

combates simulados travados com extrema habilidade por cavalheiros e


cavaleiros: cavalheiros não portavam espadas e somente a nobreza possuía o
direito de ostentar uma durlindana.3

Mais tarde a equitação de trabalho, antes desprezada em detrimento da


cavalgada clássica e que consistia em tarefas como transpor rios e laçar animais,
disseminou-se na colônia, tanto entre as elites, como entre a classe trabalhadora:

“Os tropeiros paulistas, como classe, diferem muitíssimo dos


mineiros e condutores que visitam o Rio de Janeiro. Têm certa
rusticidade de aspecto, que, misturada à inteligência e algumas
vezes à benignidade, dá às suas feições uma expressão peculiar.
Usam geralmente uma grande faca pontuda, metida atrás da
cinta. Essa faca de ponta é para eles talvez mais essencial do que
a faca do marinheiro é para este. Serve para cortar mato, para
consertar arreios, para matar e preparar um animal, para cortar o
alimento, e em caso de necessidade, para defender ou assaltar. ”4

No Brasil do século XIX um esboço do que viria a ser a prática desportiva


como a conhecemos hoje chegava à capital do Império (Rio de Janeiro)5 trazida
pelos viajantes que aqui aportavam e davam notícia da nova forma de
divertimento/vivência social já tão difundida na Europa.

Com a edição do Código do bom-tom ou Regras da Civilidade e de bem


viver no século XIX, em Portugal, que trazia algumas regras basilares que
forjavam os cavalheiros da época, D SUiWLFD GRV GHQRPLQDGRV ³MRJRV GH
FDYDOKHLURV´FRQVWLWuíam aspecto da civilidade e WUDEDOKDYDPD³JUDFLRVLGDGH´TXH
os nobres deveriam exibir, frutos de sua herança e formação.

Neste aspecto, o corpo são e a capacidade para exercitar-se refletiam


qualidades morais, boa disposição mental, caráter e equilíbrio. Esse
³DGHVWUDPHQWR´GHFRQWUROHFRUSRUDOHUDIUHTXHQWHPHQWHLQYRFDGRQD(XURSDSDUD
diferenciá-los dos bárbaros.

Baseada na conhecida notabilidade dos cavaleiros portugueses, que


gozavam de imensa tradição junto aos seus vizinhos europeus, um dos primeiros

3
Um tipo de espada.
4
KIDDER e FLETCHER apud DEL PRIORE, 2009, p. 27.
5
Única capital imperial das Américas!
16

esportes que de forma organizada por aqui se estabeleceu foi o turfe, conforme
descreve Mary Del Priore:

“Depois das experiências pioneiras realizadas desde a década de


1810, foi mesmo a partir de 1825 que as corridas de cavalo se
tornaram mais organizadas e começaram a chamar a atenção das
elites cariocas (...). Ainda assim, é somente em 1847 que se
observa um decisivo avanço. Mais do que um anúncio
convocando para as corridas, foi publicado no Jornal do
Commércio6 um manifesto que futuramente daria origem ao
primeiro clube de turfe brasileiro. Foi a partir dessa iniciativa que
surgiu definitivamente a ideia de desenvolver no país o esporte de
acordo com o que já existia na Europa.” 7

O desenvolvimento do campo esportivo nas sociedades onde ele


primeiramente se organizou no século XIX (Estados Unidos, França e Inglaterra)
foi fortemente influenciado pela revolução industrial e o crescimento das cidades e
de uma cultura urbana de culto ao corpo, à saúde e à higiene.

Nessa época o Brasil era ainda um país agrícola e pouco populoso que só
viu o crescimento do esporte aflorar com a vinda da família real em 1808 que com
ela, além de ouro, arte e nobreza, trouxe também o esboço das atividades
praticadas pela corte europeia que incluía o turfe, o remo, as corridas a pé e
algumas atividades que jamais conseguiram se estruturar como esporte, mas
eram noticiadas na época como tal, em especial os banhos de mar e o jogo do
bicho.

O desenvolvimento do desporto na Idade Moderna foi impulsionado pelos


estudantes ingleses que reinventaram várias provas do atletismo, além da criação
do rugby e das regras do futebol como o conhecemos hoje. Em relação à
legislação, os bretões instituíram conjuntos de regras fixas para diversas
modalidades desportivas com a finalidade de homogeneizar a prática.

Assim como no restante do mundo, a inserção do esporte na sociedade


pátria foi permeada por aspectos que no decorrer do tempo tomaram outros
contornos, transformando e, por que não dizer, reinventando o papel da atividade
física nas nossas vidas:

6
Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, 6 mar. 1847, p. 03 apud DEL PRIORE, 2009.
7
DEL PRIORE, 2009, p. 47.
17

“Em um mundo no qual se cultiva de forma intensa o conflito, o


esporte propicia o desenvolvimento de princípios aplicáveis a
outras áreas do comportamento humano, tais como integração
social e racial (...) Quando falei da função social, pensei nessa
ideia da tolerância, porque aprendemos a ganhar, mas também a
perder. Isso é fundamental como regra de civilidade, do
contrário se instauraria uma selvageria, o vale-tudo.”8

Apesar da prática já iniciada no século XVIII, as touradas adquiriram por aqui


importante aspecto relacionado às festividades, e as corridas de touros eram
bastante apreciadas pela população. Uma das mais famosas corridas realizadas
foi aquela feita por ocasião do casamento de nosso então futuro imperador D.
Pedro com Dona Carolina Leopoldina nos idos de 1817. Questão interessante diz
respeito a arena para tal festividade construída na época onde hoje se localiza o
Campo de Santana, no Centro, lugar onde concentra hoje também o prédio da
Faculdade Nacional de Direito (FND) da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ ± Universidade do Brasil)9 e que já abrigou o Senado e anos depois a
Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

Também em São Paulo as touradas tiveram papel importante,


principalmente a que foi organizada por ocasião da aclamação de D. João VI em
1818 e cuja arena foi construída onde hoje se localiza a Praça da República.
Tempos depois essas touradas começaram a receber muitas críticas, seja porque
as promovidas pela família real eram bancadas às custas do erário nacional 10,
seja por sua brutalidade que fez com que aos poucos outras atividades fossem
ocupando seu espaço. O próprio Machado de Assis11 chegou a publicar crônica
se manifestando contra as touradas por entendê-las não condizentes com uma
sociedade civilizada:

“O certo é que se eu quiser dar uma descrição verídica da tourada


de domingo passado, não poderei, porque não a vi. Não sei se já
disse alguma vez que prefiro comer o boi a vê-lo na praça. Não
sou homem de touradas; e se é preciso dizer tudo, detesto-as.”12

Pouco a pouco as touradas foram dando lugar às corridas de cavalo:


modismo vindo da Europa e importado juntamente com os laços comerciais entre

8
MACHADO, 2007 apud ADIN 2937/DF.
9
Salve, salve!
10
Qualquer semelhança com o contexto atual é mera coincidência!
11
Primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras.
12
Gazeta de Notícias de 15 de março de 1877.
18

Brasil e Inglaterra após o retorno de grande parte da família real a Portugal, em


1820.

Já no fim do século XIX a preocupação com a estética corporal, outrora


centrada em corpos magros e de olheiras profundas começou a dar sinais de
mudança e um novo tipo físico, forte e hercúleo, colocou o remo no centro da
cultura física que aflorava na época. A influência europeia foi marcante no
desenvolvimento dos primeiros clubes de remo no país, que transmitiam a ideia
de domínio corporal, saúde e leveza. A primeira federação esportiva criada no
Brasil foi o Comitê de Regatas na cidade de Porto Alegre em 1894.

O reinado do remo só foi abalado quando outro esporte desembarcou no


país revolucionando toda a relação da população com o esporte: o futebol.

Nascido com o capitalismo, o futebol logo ganhou força por ser uma
atividade que congregava grupos, não exigia nenhum atributo físico específico,
admitia o acaso e podia ser disputado em qualquer condição. Rapidamente a
atividade se tornou uma espécie de religião dentre a classe operária inglesa.

Com o consumo transitando entre os povos, não tardou que os primeiros


chutes fossem dados por aqui por marinheiros britânicos que desembarcavam
nas costas e escolhiam o esporte como lazer. Logo as primeiras partidas
envolvendo operários brasileiros e funcionários ingleses em gramados
improvisados empolgaram a população.

Mas de fato o futebol só passou a fazer parte da realidade do povo brasileiro


alguns anos depois, com a difusão do esporte nas escolas e o retorno do então
estudante Charles Wiliam Miller, que após ter passado dez anos na Inglaterra
estudando, voltou a São Paulo trazendo o primeiro livro de regras do football,
além de duas bolas, uma bomba de ar, um par de chuteiras e camisas de times
bretões.

Em 1895 foi promovido o primeiro jogo que se tem relato: funcionários da


Companhia de Gás versus os funcionários da São Paulo Railway. Em dezembro
de 1901 nasceu a primeira liga de clubes do país que começou a promover o
19

Campeonato Paulista de Foot-ball e logo depois o primeiro confronto Rio de


Janeiro ± São Paulo, que colocava em evidência o eixo econômico de nosso país:

³E tudo estava muito certo, muito direito. Os filhos no campo, as


filhas nas arquibancadas. Pais, filhos, a família toda. Podia-se
dizer: as famílias todas. O que havia ali, no campo, na
arquibancada, havia nos bailes do Clube das Laranjeiras, mais do
Fluminense e Paissandu, havia nas festas e festinhas da Casa da
Dona Chiquitota, da casa dos Hime, mais do Botafogo.”13

1.2 Esporte ou desporto?

O esporte como conhecemos é fruto da evolução social e existe enquanto


produto da modernidade que se difundiu de tal forma que podemos dizer que já
nasceu globalizado.

A veloz disseminação da cultura esportiva no final do século XIX e primeiras


décadas do século XX veio embalada pela revolução industrial e encontrou seu
ápice apoiado em dois argumentos que legitimam a prática desportiva: a
educação e promoção da saúde.

Enquanto fenômeno sócio-cultural, o esporte conquista, a cada ano, um


número maior de participantes e mesmo dentre os não praticantes, o crescente
interesse midiático ratifica a importância do tema.

Frequentemente nos deparamos com a clássica divergência acerca da


denominação esporte ou desporto. No Brasil, por influência portuguesa que até
hoje utiliza o termo desporto, o adotamos também no Decreto-Lei nº 3.199 de
1941.14

A expressão permanece entre nós até os dias atuais através do artigo 217
da nossa Carta Magna que intitula o capítXOR ³'R 'HVSRUWR´ Apesar disso, o
professor Manoel Tubino declara preferir o termo esporte por sua universalidade e
ligação com uma ciência do esporte.15

13
RODRIGUES, 2003, p. 44-45.
14
Primeira lei do esporte no Brasil.
15
TUBINO, 1999, p. 10
20

Particularmente entendo não haver grande diferença entre os termos, ambos


designando os mesmos institutos, porém, filio-me à corrente que prefere a
expressão esporte, por ser este o verbete de maior difusão em vários idiomas,
como o inglês, o alemão e o italiano.

1.3 Uma proposta de conceituação do esporte hoje

Apesar de não constituir o tema central deste trabalho, a conceituação de


esporte sempre gerou dúvidas dentre os estudiosos do tema. Isso porque quando
pensamos na Copa do Mundo ou nos Jogos Olímpicos, é fácil imaginar o que seja
o esporte. Porém, em um estudo aprofundado, esse conceito pode soar deveras
complexo. Isso porque alguns fenômenos, como o jogo, a brincadeira e o trabalho
às vezes podem ser confundidos com ele, levando ora a um entendimento muito
restrito, ora muito elástico do que vem a ser o esporte.

O jogo, segundo Huizinga, é muito anterior a noção de cultura e se


caracteriza por ser gênero que tem como uma de suas espécies o esporte:

“(o jogo) é limitado no tempo, não tem contato com qualquer


realidade exterior a si mesmo e mantém seu fim em sua própria
realização. Caracteriza-se, além disso, pela consciência de se
tratar de uma atividade agradável, que proporciona um
relaxamento de tensões da vida cotidiana .”16

A brincadeira pode ser diferenciada do esporte por ser um fim em si mesma,


além de não seguir as rígidas normas de organização atribuídas ao esporte.
Apesar da imprevisibilidade do resultado e do uso de habilidades relativamente
complexas estarem presentes, ela é imbuída de ludicidade e se encerra em seu
sentido recreativo.

Em relação ao trabalho, cabe aqui ressaltar que para muitos atletas de alto
rendimento o esporte é meio de sustento, sendo sua participação motivada pelo
fator extrínseco relacionado aos prêmios. Ocorre que a diferença entre esses dois
conceitos é tênue, cabendo aqui a reprodução do que escreveu Huizinga:

16
HUIZINGA, 1951, p. 16
21

³A indeterminação das fronteiras entre o jogo e a seriedade tem


um exemplo perfeito na expressão ‘jogar na Bolsa’. O jogador de
roleta não terá dúvida alguma em reconhecer que está jogando,
mas já o mesmo não sucederá com o corretor de valores. Este
último sustentará que a compra e venda, ao sabor das altas e
baixas da Bolsa, fazem parte das coisas sérias da vida, ou pelo
menos da vida dos negócios, e constitui uma função econômica
da sociedade. Em ambos os casos, o fator operante é a
esperança do lucro. Mas enquanto no primeiro caso o caráter
puramente fortuito da coisa é geralmente reconhecido (não
obstante todos os ‘sistemas’); no segundo, o jogador se ilude a si
mesmo com a ideia de que é capaz de prever a tendência futura
do mercado. Seja como for, é ínfima a diferença de mentalidade
entre ambos os casos.”17

O fato é que por longo tempo o esporte era visto sob a ótica do alto
rendimento. O mundo o enxergava como forma de demonstrar uma supremacia
racial, econômica ou cultural. Somente em 1964 com a assinatura do Manifesto
do Desporto, outras manifestações esportivas foram levadas em consideração
como o esporte escolar e o de participação.

Em 1978 a Unesco publicou sua Carta Internacional de Educação Física e


Esporte, ampliando consideralvelmente a magnitude da prática esportiva:

“Artigo 1 – A prática da educação física, da atividade física e do


esporte é um direito fundamental de todos.

1.1 Todo ser humano tem o direito fundamental de acesso à


educação física, à atividade física e ao esporte, sem qualquer tipo
de discriminação com base em etnia, gênero, orientação sexual,
língua, religião, convicção política ou opinião, origem nacional ou
social, situação econômica ou qualquer outra.

1.2 A liberdade de desenvolver habilidades físicas, psicológicas e


de bem-estar, por meio dessas atividades, deve ser apoiada por
todos os governos e todas as organizações ligadas ao esporte e à
educação.”

Atualmente o esporte é visto sob um prisma que abrange suas três


dimensões: esporte educacional, esporte de participação e esporte de
rendimento, todos eles abarcados pela Constituição da República de 1988:

³Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais


e não formais, como direito de cada um, observados:

(...)

17
HUIZINGA, 1951, p. 61
22

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de


promoção social.”

Todavia, o desporto, antes atividade recreativa, deu lugar a um negócio


rentável na atualidade, deixando margem a uma maior regulação estatal e
ganhando até mesmo acaloradas discussões em nossa Corte Suprema.18

A diferenciação entre as práticas esportivas formais e não formais se


encontra de maneira bastante didática na Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé):
“Art. 1o O desporto brasileiro abrange práticas formais e não
formais e obedece às normas gerais desta Lei, inspirado nos
fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito.

§ 1o A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais


e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada
modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de
administração do desporto.

§ 2o A prática desportiva não formal é caracterizada pela


liberdade lúdica de seus praticantes.”

Levando em consideração o disposto na Constituição de 1988 e também na


Lei Pelé, fica fácil deduzir que hoje o conceito de esporte é mais amplo do que
outrora, e abrange outras formas de prática além daquela que visa as
competições de alto rendimento. Ocorre que com a ampliação do vocábulo, mais
árdua é a tarefa de diferenciá-lo de outras menifestações.

Em conversas com o Prof. Dr. Paulo Sergio Feuz, meu orientador na PUC
São Paulo, o mesmo me apresentou seu conceito de esporte que peço vênia para
compartilhar:

“Esporte é uma atividade física ou mental, praticada pelo ser


humano, com o intuito de lazer, recreação, competição, medicinal
ou educacional e tem como fundamento o respeito ao próximo, à
ética, à solidariedade, à competitividade em igualdade de
condições, à superação física e mental e, principalmente, à
valorização da dignidade da pessoa humana.”

Apesar do conceito amplo e atualizado do professor paulista, fato é que a


maioria da doutrina nacional e estrangeira ainda entende que a competição faz
parte do conceito de esporte:

18
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2937/DF.
23

“Esporte é uma atividade competitiva institucionalizada que


envolve esforço físico vigoroso ou o uso de habilidades motoras
relativamente complexas, por indivíduos, cuja participação é
motivada por uma combinação de fatores intrínsecos e
extrínsecos”.19

“A human activity capable of achieving a result requiring physical


exertion and/or physical skill, which, by its nature and organization,
is competitive and is generally accepted as being a sport.” 20

“An activity involving physical exertion and skill in which


an individual or team competesagainst another or others
for entertainment.”21

Ousarei discordar dos conceitos vigentes tendo como norte o fato de que a
Constituição de 1988 considera em seu artigo 217 as três dimensões do esporte:
educacional, de participação e de rendimento, somente este último embasado
pela necessidade da competição.

Além disso, sendo o desporto educacional aquele que objetiva a


congregação, a interação e a educação de seus partícipes, é mister que se inclua
nesse contexto os esportes da mente, aqueles que, mesmo não gozando da
primazia do esforço físico, trazem à baila as noções de disciplina, educação e fair
play.

Em relação aos jogos da mente, há de se ressaltar o advento dos badalados


E-Sports, que arrebanham milhares de jovens que competem em grandes arenas
onde os jogos são transmitidos a um sem número de torcedores.

Não há como negar o fato de que quando alguém se dispõe a praticar uma
atividade física com regularidade está a fazer esporte, ainda que não participe de
nenhuma competição. Além disso, atividades que demandam outros esforços
além do físico devem ser contempladas num conceito de esporte mais condizente
com a realidade atual.

Isso posto, esporte pode ser definido como qualquer atividade física ou
mental, competitiva ou não, que contenha regras pré-definidas em consonância

19
BARBANTI, 2006, p. 56
20
Definição dada por Australian Sport Commission (ASC).
21
Definição trazida pela Oxford Dictionaries.
24

com os ideais olímpicos e que vise a superação do indivíduo através de sua


prática:

a) Atividade física ou mental: um moderno conceito de esporte deve abarcar


atividades de cunho eminentemente mental, mas já consagradas pela
doutrina como esportes, como é o caso do xadrez e da Fórmula 1, além
dos recém-criados E-Sports.
b) Competitiva ou não: o conceito de esporte não pode estar atrelado a
competições haja vista que a própria Constituição englobou o desporto
de participação e o educacional como dimensões atuais.
c) Regras pré-definidas: o conceito de esporte passa pelo de normatização
e uniformização das regras, que asseguram, dentre outras coisas, a
igualdade de condições entre os participantes.
d) Em consonância com os ideais olímpicos: esses princípios expressos na
Carta Olimpica22 dizem respeito à amizade, saúde, bem-estar e fair play
que deve nortear a prática desportiva.
e) Que vise a superação do indivíduo através de sua prática: o objetivo
precípuo do esporte é a oportunidade de autoconhecimento e superação
advinda de seu contínuo exercício. Às vezes é necessário superar o
adversário, mas mais frequentemente, nosso maior adversário somos
nós mesmos. Ainda que não integre competições, o partícipe deve estar
atento aos benefícios frutos da persistência e força de vontade que
permeiam o desporto e fazem com que este seja um dos maiores
movimentos sócio-culturais de nossa época.

2. DIREITO DESPORTIVO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Não obstante ser o esporte um aspecto importante na vida do homem


moderno, não podemos olvidar que em relação a ele houve um abandono

22
"Est une philosophie de la vie, exaltant et combinant en un ensemble équilibré les qualités du corps, de la
volonté et de l'esprit. Alliant le sport à la culture et à l'éducation, l'Olympisme se veut créateur d'un style de
vie fondé sur la joie dans l'effort, la valeur éducative du bon exemple et le respect des principes éthiques
fondamentaux universels."
25

intelectual, e principalmente jurídico, posto que muitos ainda o consideram uma


manifestação de caráter pueril e desprovida de cientificidade:

“Este relativo abandono no resulta fácil de explicar; em todo caso


únicamente puede hacerse relacionándolo com la consideración
como “cuestión menor” que los intelectuales em general y los
juristas em particular han tenido de lo desportivo y de todo aquello
que fuera proyección meramente corporal del actuar humano.
Este extendido demérito por lo físico nos impone realizar uma
brevísima reflexión al respecto. La falsa dicotomia entre físico e
intelecto _ a buen seguro influída por la hipervaloración de lo
espiritual propia del cristianosmo, a su manera ratificada por el
racionalismo_, es fruto de uma visión míope de la existência
humana. Los planteamientos derivados de esa disyuntiva resultan
hoy superados.”23

O desporto moderno traz cinco traços bastante marcantes e que merecem


destaque: a estipulação de “records” com o precípuo fim de comparar as proezas
desportivas dos competidores; a generalização da prática desportiva, deixando
esta de ser uma atividade basicamente burguesa; a correlação do esporte ao
conceito associativo; o amadorismo como fim em si mesmo, não atrelando o
esporte a quaisquer retribuições e a codificação das regras visando à expansão
das competições.

Em diversas constituições estrangeiras, o ponto comum da regulamentação


do desporto está no fato de que este aparece com função multidisciplinar que
inclui a promoção da saúde e lazer, fator de integração social e parte do processo
educacional.

Em algumas nações o desporto se insere na constituição como garantia não


onerosa, tais como as liberdades individuais. Noutras, seu caráter é de garantia
onerosa que depende das limitações econômicas da sociedade e/ou do Estado.

Politicamente, o esporte constitui elemento importante na escala de valores


da vida atual e vez ou outra, esse aspecto é desviado para gerar favorecimento
ideológico, político ou eleitoral. Como exemplo, podemos citar os Jogos Olímpicos

23
FERRER apud MELO FILHO, 1995, p.10.
26

de 1936, em Berlim, quando Hitler se utilizou do evento para fazer propaganda


política de seu regime e consagrar a supremacia da raça ariana. 24

No Brasil o primeiro sopro de regulamentação desportivista se deu com a


criação do Conselho Nacional de Cultura25, que regulamentava atividades que
incluíam a educação física. Efetivamente a legislação ganhou fôlego com o
Decreto 1.056 de 19 de janeiro de 1939 criando a Comissão Nacional de
Desportos, que nasceu com o escopo de estudar a questão desportiva pátria e
apresentar um plano de regulamentação.

O ordenamento jurídico brasileiro atual, sem se deixar intimidar pelos


extremos presentes em todo poder constituinte originário, conseguiu dar ao
desporto uma normatização específica, bem de acordo com a especificidade que
o esporte exige e consagrou princípios que mais do que norteadores da atividade
jurídica, funcionam como verdadeiros pilares de sustentação do sistema
desportivo, garantindo a gestão autônoma, descentralizada e participativa das
entidades, além do esporte como forma de promoção da convivência pacífica e
integração:

“O desporto é fenômeno social universal compartilhado ativa e


passivamente por significativa parcela da população brasileira,
sendo, portanto, capaz de influenciar processos de mudança
social, formação educacional e consolidação da identidade
cultural, daí ter-se convertido, constitucional e legalmente, não só
em direito de cada um, mas também dever do Estado, por
configurar-se como importante meio de formação do homem, de
liberdade e de democratização. A propósito, os analistas registram
que o sufrágio universal, a escola republicana e o desporto
configuram-se como as três grandes instituições que postulam, na
teoria, a igualdade de todos e que materializam, na práxis, a
“sensibilité democratique” de nosso tempo.”26

Ocorre que anteriormente a promulgação da nossa Carta Magna de 1988, o


então presidente José Sarney convocou, em 1986, uma comissão provisória de

24
Apesar de seus esforços em fazer daquela uma competição única, Hitler, que compareceu a diversos
ginásios durante os jogos, teve que presenciar a vitória do afro-americano Jesse Ownes, que venceu os 100
metros rasos, escrevendo seu nome na história olímpica e enterrando de vez o mito da supremacia ariana.
25
Decreto-Lei nº 526 de 1º de julho de 1938.
26
MELO FILHO, 1995, p.36
27

estudos constitucionais para elaborar o anteprojeto do que então viria a ser a


nossa Constituição.27

Essa comissão que mais conhecida ficou pelo nome de seu presidente,
Affonso Arinos, reuniu juristas e estudiosos de várias áreas e elaborou um texto
com 436 artigos jamais apreciado pelo governo, que preferiu redigir o texto
elaborado com base em propostas apresentadas por suas comissões. Apesar do
insucesso do anteprojeto Affonso Arinos, o mesmo acabou por exercer forte
influência no texto constitucional final.

A redação dada pela comissão de 1986 incluiu o esporte no capítulo


referente à saúde:

“Art. 356 – O Plano Nacional de Saúde abrangerá, entre outras


iniciativas:

27
“Excelentíssimos Senhores Membros do Congresso Nacional: É com a mais profunda confiança no
discernimento e na vocação do povo brasileiro, para organizar-se pacificamente em regime de liberdade e
justiça, que proponho a Vossas Excelências a convocação da Assembleia Nacional Constituinte.
Compromisso histórico firmado no curso do movimento cívico que congregou brasileiros de todas as
condições, com o propósito de democratizar a sociedade e o Estado, é a convocação da Assembleia
Nacional Constituinte ato de coragem e fé. De coragem, porque pressupõe, por parte de cada indivíduo que
constitui a comunhão nacional, a disposição de submeter ao escrutínio da nação direitos e situações,
quantas vezes duramente conquistados, para vê-los disciplinados por novas regras, de conteúdo e alcance
não conhecidos, que se espera mais justas, equânimes e conformes ao ciclo histórico que reponta no
presente e se projeta em um futuro de extensão desconhecida. Ato de fé é a convicção da Constituinte,
porque todos os anseios e temores do futuro repousam, afinal, na confiança que cada cidadão deposita nos
sentimentos de seus irmãos, de procurarem, juntos, uma lei fundamental que a todos proporcione os bens
necessários à vida digna, vivida em paz e liberdade. O compromisso, antes aludido, de convocação da
Assembleia Nacional Constituinte, de par com os traços de generosa confiança e incontida esperança que o
exornam, singulariza-se pelo fato de estar em plena vigência uma ordem jurídica e suas instituições políticas
e civis, cujo império se estenderá até o momento em que for promulgada a nova Constituição. Até lá, e sob
pena de instalar-se o caos normativo, que a ninguém aproveitaria, é necessário respeitar a lei que temos e
modificá-la segundo os processos por ela própria admitidos, para que a vontade de alguns não seja erigida
em mandamento supremo de todos. Da inelutável necessidade de manter e operar as instituições
governativas vigentes, harmonizando-as à imperiosa aspiração de instaurar outras mais livres e justas,
resulta o texto que ora submeto à deliberação dos Senhores Membros do Poder Legislativo da União. Por
isso, nele se prevê a investidura de poder constituinte pleno nos Deputados Federais e Senadores
escolhidos pelo sufrágio do povo brasileiro. Evitando tutelar o órgão de tão alta atribuição, a Proposta de
Emenda limita-se a prover quanto à direção das sessões de instalação e eleição do Presidente da
Assembleia Nacional constituinte e a indicar que ela funcione na sede do Congresso Nacional, como corpo
único, sem a divisão própria do sistema bicameral. Esta, contudo, subsistirá nos trabalhos da Legislatura,
enquanto Poder constituído e segundo as normas constitucionais em vigor. E, finalmente, fixa a duração da
1ª Sessão Legislativa da 48ª Legislatura para a promulgação da nova Constituição, e o quorum da maioria
absoluta, que determinará a adoção do projeto e das emendas respectivas. Cumpro o dever assumido com
a Nação pela Aliança Democrática. A Assembleia Nacional Constituinte realizará, sem dúvida, o grande e
novo pacto nacional, que fará o País reencontrar-se com a plenitude de suas instituições democráticas.
Espero que, de agora, a sociedade se mobilize para criar a mística da Constituição, que é o caminho do
Estado de Direito.”
28

I – medicina social, compreendendo assistência médico-sanitária


preventiva;

II – medicina curativa, compreendendo assistência médico-


hospitalar e multiprofissional;

III – expansão dos serviços de atenção primária;

IV – reabilitação;

V – assistência odontológica preventiva e curativa;

VI – assistência farmacêutica;

VII – estímulo e amparo ao esporte e à educação física.”

Já no anteprojeto que efetivamente se tornou nossa Lei Maior, o desporto


ficou a cargo da comissão VIII responsável pelas matérias: família, educação,
cultura, esportes, ciência e tecnologia e comunicação. O desporto foi alocado no
capítulo intitulado Da Educação e Cultura:

“Art. 396 - Compete à União criar normas gerais sobre o desporto,


dispensando tratamento diferenciado para o desporto profissional
e não profissional.

Art. 397 - São princípios da legislação desportiva:

I - respeito à autonomia das entidades desportivas dirigentes e


associações quanto à sua organização e funcionamento internos;

II - destinação de recursos públicos para amparar e promover


prioritariamente o desporto educacional, não profissional e, em
casos específicos, o desporto de alto rendimento;

III – incentivo e proteção às manifestações desportivas de criação


nacional.

Art. 398 - A lei assegurará benefícios fiscais e outros específicos


para fomentar práticas desportivas formais e não formais, como
direito de cada um.”

Nos Anais do anteprojeto, a relatoria explica a normatização menos tímida


que o esporte recebeu em relação à comissão Affonso Arinos:

“Entendeu a relatoria que, noutra parte, necessária se faz


planejado trabalho nacional, co-atuando, também, Estado e
sociedade, na evolução dos esportes como dado indíspensável a
intercomplementar saúde plena da pessoa, que não se restringe à
intelectual, mas sublima-se com a interação de vários aspectos
vitais, dentre os quais a saúde física, desenvolvida no desporto,
que o Anteprojeto bem distingue entre desporto educacional, não
29

profissional e de alto rendimento, assegurando-se a cada um


tratamento legal apropriado.”

As audiências públicas para a discussão da matéria desporto na


Constituição da República, a cargo da VII Comissão da Família, da Educação,
Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, ocorreram entre
os meses de abril e maio de 1987 e contou com representantes das mais diversas
entidades da sociedade civil e dentre os nomes que contribuíram para o prestígio
que o desporto alcançou com a promulgação do novo texto constitucional,
destacamos: Roberto Pasqua28, Manoel Espiridião Pereira29, Cleber Soares do
Amaral30, Alberto Jesus Afonso31, Carlos Henrique de Carvalho Saraiva32 e Paulo
Roberto de Guimarães Moreira33.

Após o lançamento da Carta Internacional de Educação Física e Esportes


pela UNESCO em 1976, que alterou substancialmente o conceito de esporte,
inserindo a prática desportiva na vida de todas as pessoas, a nossa Suprema Lei
incorporou as intenções da organização internacional, regulando a atividade física
e ampliando a abrangência social do desporto.

A ligação do esporte com o direito se deu de forma mais intensa no Brasil a


partir da promulgação da Constituição da República Federativa em 1988, que
normatizou o desporto como direito social.

A profissionalização do desporto, os contratos, a tributação, os incentivos


fiscais e o marketing lacraram definitivamente a antiga visão do esporte como
meio de obtenção de saúde e bem-estar. Isso fez com que os aspectos
econômicos associados ao esporte, juntamente com as altas cifras que
movimenta, elevasse a prática desportiva a condição de negócio que emprega
milhões de pessoas e gera altos lucros.

A Carta Magna de 1988 trouxe um capítulo dedicado ao desporto, alçando-o


ao status de direito social. Essa inovação serviu para evidenciar o arcaísmo da
28
Presidente da Associação Brasileira de Clubes de Futebol.
29
Representante do Conselho Administrativo do Fundo de Assistência ao Atleta Profissional – FAAP.

30
Representante do Conselho Administrativo do Fundo de Assistência ao Atleta Profissional – FAAP.
31
Presidente da Associação Brasileira de Cronistas Esportivos – ABRACE.
32
Presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva.
33
Representante da Organização Nacional das Entidades de Deficientes Físicos – ONEDEF.
30

então norma vigorante referente ao esporte, Lei nº 6.251/75, chamada de


arbitrária e intervencionista, além de não mais restar em consonância com a
realidade do desporto pátrio existente:

“Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais


e não formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e


associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária


do desporto educacional e, em casos específicos, para a do
desporto de alto rendimento;

III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não


profissional;

IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de


criação nacional.

§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e


às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da
justiça desportiva, regulada em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias,


contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de


promoção social.”34

Em relação à constituição anterior, que instituía como competência privativa


da União o poder de legislar sobre desporto, a Carta Magna de 1988 inovou ao
estabelecer a competência concorrente entre estados, União e Distrito Federal:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal


legislar concorrentemente sobre:

(...)

IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia,


pesquisa, desenvolvimento e inovação.”35

Apesar do avanço, nossa lei maior perdeu a oportunidade de especificar os


órgãos estatais que teriam o dever de fomentar as práticas desportivas. Isso
certamente nos traria uma maior garantia, além da certeza de cobrar ações
daqueles que possuem legitimidade para executá-las.

34
Constituição da República Federativa do Brasil.
35
Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015.
31

Após a promulgação da Carta Magna, já foram oito PECs 36 propondo


alterações no capítulo referente ao esporte.37

Fechar os olhos para movimentos da dimensão do desporto é vedar uma


janela para o mundo e ignorar o maior fenômeno social da atualidade, deixando
de regular aspectos importantes ligados às competições, à segurança, à saúde,
aos direitos sociais, aos contratos, aos direitos da criança e do adolescente, à
tributação das entidades, e a tantos outros, posto que se trata de ramo vastíssimo
e, portanto, multidisciplinar.

De acordo com o Ilustre Professor e também baluarte do Direito Desportivo


nacional, Álvaro de Melo Filho:

“A história da legislação desportiva, dentro de sua complexidade e


da sua riqueza, com suas linhas de força e de contradição,
representa a própria história viva das sociedades, das relações

36
Câmara Federal:

PEC 175/2007 – Acrescenta parágrafos ao artigo 217 da Constituição da República para destinação de
recursos ao esporte;

PEC 191/2007 – Acrescenta o artigo 217-A a Carta Magna para assegurar recursos mínimos de 1% (um por
cento) anualmente, na União, nos estados, no Distrito Federal e nos municípios para promoção do
desporto;

PEC 417/2009 – Altera os artigos 34, 35, 167 e acrescenta o § 4º ao artigo 217 da Constituição Federal, e
acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos
para o financiamento das ações e serviços públicos do desporto.

Senado Federal:

PEC 42/2000 – Dá nova redação ao artigo 217 da Constituição Federal, para vedar a recondução dos
dirigentes de entidades de administração do desporto por mais de um período consecutivo.

PEC 08/2005 – Dá nova redação ao artigo 217 para vedar a recondução dos dirigentes das entidades de
administração do desporto por mais de um período consecutivo;

PEC 10/2007 – Acresce parágrafo ao artigo 217 definindo a destinação e redistribuição dos recursos
financeiros e origem pública que são administrados por entidade de prática desportiva, incluindo os
repassados a CBF;

PEC 12/2012 – Dá nova redação ao inciso I do artigo 217 da Constituição Federal, para limitar a autonomia
das entidades desportivas dirigentes e associações de acordo com os interesses da sociedade;

PEC 202/2012 – Acrescenta o § 4º ao artigo 217 para determinar a organização da administração desportiva
no país, na forma da lei, segundo os princípios da democracia, da participação da sociedade, da
transparência, da moralidade, do humanismo, da justiça e da popularização desportiva.
37
CAMARGOS, 2015, p. 153 e 154.
32

dos homens entre si, dos constrangimentos que eles enfrentam,


das liberdades que conquistam e dos sonhos que possuem.” 38

Analisando os dispositivos acerca do tema, nota-se a preocupação do


legislador com os elementos da integração social oportunizados pelo esporte,
como agente no processo educacional, coadjuvante na política pública de saúde e
ainda como propiciador do lazer.

Apesar de sua elevação ao direito constitucionalmente tutelado, o esporte


não deve ser visto como dever ou obrigação pública tão somente, mas sim como
um direito do homem, conforme prelecionou também a UNESCO.

3. DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DESPORTIVA


3.1. O que é um princípio

Princípio, segundo os dicionários, vem do latim principium e significa causa


primária, origem, fundamento ou essência de algo. O princípio já foi objeto de
investigação de vários filósofos. Para Tales de Mileto39, considerado o pai da
filosofia, o princípio era a água. A matéria-prima do cosmos era algo do qual tudo
podia se formar, era essencial a vida, capaz de se mover e mutável, logo, para o
filósofo nascido onde hoje se localiza o território da Turquia, tudo era composto de
água e essa caracterizava o princípio de tudo.

Já para Anaximandro, discípulo de Tales, o princípio era o infinito. Para


Anaxímenes, o ar.

Pitágoras40, mais tarde, desenvolveu sua teoria baseando-se na premissa de


que o princípio de tudo são os números. Seus estudos estabeleceram que tudo no
universo se conformava às relações matemáticas e que, compreendendo a
matemática, compreenderíamos também a estrutura do cosmos, logo a
matemática seria o modelo para o pensamento filosófico e a origem de tudo.

38
MELO FILHO, 1995, p.101.
39
Tales de Mileto viveu entre 624 e 546 a.C. Tinha domínio da geometria e astronomia, prevendo inclusive
um eclipse total em 585 a.C. Além de ser considerado o pai da filosofia era também político e um homem
de negócios bem-sucedido. Foi o primeiro professor da chamada Escola de Mileto.
40
Pitágoras viveu entre 570 e 495 a.C. na região onde hoje se localiza a Turquia. Pouco se sabe sobre a vida
do filósofo que não deixou textos escritos. Sabe-se que quando jovem viajou bastante e se tornou um líder
na comunidade que criou em Crotona, no sul da Itália.
33

O princípio a que se refere o tópico vai além daquele estudado pelos


filósofos. O cerne da questão acerca deste estudo passa pelos princípios
jurídicos, esses sim de interesse dos juristas e objeto deste trabalho.

Os princípios jurídicos são espécies de norma. As normas se dividem em


princípios e regras e aqui cabe uma diferenciação importante. A discussão acerca
dessa matéria ganhou força com os estudos de Ronald Dworkin e Robert Alexy.

Segundo Dworkin, o positivismo jurídico não consegue julgar casos mais


complexos se entender o Direito como um conjunto exclusivo de regras. Isso
porque somente com as regras que compõe um ordenamento jurídico, o juiz não
consegue fundamentar todas as situações que lhe são exigidas uma solução,
simplesmente porque não encontra sempre uma norma aplicável. Para o
jusfilósofo, somente incluindo princípios no ordenamento haveria a possibilidade
de solucionar os casos concretos que frequentemente o juiz tem que decidir. Isso
porque diferentemente das regras, que possuem somente uma dimensão de
validade (ou valem e são aplicáveis, ou não valem e não são aplicáveis), os
princípios possuem peso. A questão da validade, quando sopesamos princípios,
não é relevante, o que se analisa é o peso que eles têm. Terá prevalência aquele
princípio que se mostrar mais relevante no caso concreto, contudo, não deixando
o princípio preterido de pertencer ao ordenamento jurídico, ao contrário, em
situações diferentes, este poderá prevalecer.

Robert Alexy obteve solução, a priori, semelhante, afirmando que princípios


são mandamentos de otimização e que a diferenciação entre estes e as regras
deve se dar no campo qualitativo e não de grau. Ademais, sopesando-se
princípios o juiz procura chegar a um resultado ótimo e para isso a limitação de
um ou mais princípios se faz necessária. Além disso, as regras, que expressam
deveres e direitos, devem realizar aquilo que prescrevem, ao contrário dos
princípios que podem variar seu grau de realização.

Se entendermos princípio por sua fundamentalidade, então falar em princípio


da legalidade ou da dignidade da pessoa humana é aceitável para as doutrinas
tradicionais, porém, pela teoria de Alexy, se não podemos fazer o sopesamento
deles no confronto com outros, então na verdade ele seria classificado como uma
34

regra. Assim, no caso do princípio da dignidade humana, se entendermos que ele


se sobrepõe a todos os demais pela sua essencialidade, então estaríamos de fato
na presença de uma regra.

Vários autores nacionais teceram considerações acerca da problemática


conceituação de princípio e todos chegaram a conclusões parecidas, afirmando
que tratam-se de normas mais fundamentais de um sistema.

-RVp $IRQVR GD 6LOYD DILUPD VHU ³SULQFtSLR´ XPD H[SUHVVmR HTXLYRFDGD
porque abrange vários significados: pode ser conceituado como origem, início,
mas a acepção da palavra levada a cargo pelo legislador ordinário em nossa
Constituição da República certamente difere dessa primeira. O constituinte quis
XWLOL]DUDVLJQLILFDomRUHIHUHQWHD³PDQGDPHQWRQXFOHDUGHXPVLVWHPD´

Ainda segundo o jurista paulista, os princípios constitucionais são variados e


podem ser divididos em fundamentais e gerais:

Os princípios fundamentais constitucionais integram o direito positivo,


traduzindo-se em normas matriz que contêm decisões políticas fundamentais do
legislador ordinário.

Já os princípios gerais acabam formando temas de uma teoria geral do


direito constitucional porque envolvem objetos e conceitos gerais.

Outro que discorreu longamente acerca dos princípios e mais


especificamente dos princípios constitucionais foi o professor da Universidade do
estado do Rio de Janeiro ± UERJ e atual ministro do Supremo Tribunal Federal,
Luís Roberto Barroso:

“Os princípios constitucionais são o conjunto de normas que


espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e
seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais
são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou
qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A
atividade de interpretação da Constituição deve começar pela
identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado,
descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à
formulação da regra concreta que vai reger a espécie.”

O professor carioca também estabeleceu uma divisão de princípios com


35

base em seu grau de destaque no âmbito do sistema e sua consequente


abrangência, variando de acordo com seu raio de abrangência:
a) Princípios fundamentais ± esses princípios contêm as decisões políticas
estruturais do Estado, estabelecendo nossa organização e decisões
políticas. Para que haja modificação dessas decisões estabelecidas no
texto magno é necessário um novo processo constituinte originário, pois
constituem o núcleo imutável da Constituição. São princípios
fundamentais do Estado: princípio republicano, princípio federativo,
princípio do Estado democrático de direito, princípio da separação de
poderes, princípio presidencialista e o da livre iniciativa.
b) Princípios gerais ± esses princípios se irradiam por toda a ordem
juridical e tem menor grau de abstração, ensejando a tutela imediata dos
fatos contemplados por eles. Eles limitam o poder estatal e não
possuem decisão política. Além disso a maior parte se encontra
expressa no capítulo dedidicado aos direitos e garantias fundamentais.
São exemplos: princípio da legalidade, princípio da liberdade, princípio
da isonomia e princípio do acesso ao Judiciário.
c) Princípios setoriais ± esses princípios afetam determinado tema ou
capítulo da Carta Magna, de forma sectorial, como o próprio nome
indica. São exemplos: princípio da legalidade administrativa, princípio do
concurso público e o princípio da prestação de contas, todos estes
ligados à Administração Pública.

Segundo o Prof. Alvaro Melo Filho, existem duas categorias de princípios


constitucionais:

“Os princípios estruturantes, constitutivos e indicativos das ideias


diretivas básicas de toda a ordem constitucional, insculpidos no
estatuto político, como no Brasil há o princípio democrático, o
princípio republicano, o princípio do Estado de direito; e os
princípios específicos que decorrem dos princípios gerais, como o
princípio da separação e interdependência dos poderes, o
princípio da igualdade civil e política, o princípio da autonomia e
tantos outros.”41

41
MELO, 1995, p. 70
36

Valores são preferências individuais ou coletivas quanto aquilo que é bom


para a minha vida e princípios são estruturas de dever-ser com pretensão de
universalidade e que permite a crítica a valores, partindo de modelos
universalistas e pragmáticos:

“Os princípios servem para abrir e enriquecer a cadeia


argumentativa. Eles envolvem argumentos primariamente
substantivos, referentes à adequação social do Direito. Eles têm
um caráter reflexivo em relação às regras. Eles atuam em forma
de Hidra.

As regras é que servem ao fechamento da cadeia argumentativa.


Envolvem argumentos primariamente formais, referentes à
consistência do sistema jurídico. Elas é que têm um caráter
hercúleo.

A relação entre princípios e regras importa, portanto, um paradoxo


da busca incessante de um equilíbrio instável entre consistência
jurídica e adequação social. O mero principialismo leva a um
realismo com capa moral, deixando o Direito afogar-se nos
particularismos dos interesses de grupos e pessoas. O puro
modelo de regras conduz ao formalismo e à rigidez, tornando o
direito insensível aos problemas sociais.”42

3.2. O que é autonomia

O primeiro a dissertar sobre o princípio da autonomia da vontade foi


Immanuel Kant. Em seus estudos, Kant definia a autonomia como a característica
da vontade de se submeter livremente a lei moral instituída pela razão. Ele
caracterizou a autonomia como sendo o único princípio da moralidade.

Segundo Kant somente os seres racionais teriam as condições necessárias


para agir de acordo com as leis vigentes, pois só estes possuem vontade
autônoma.

Para Habermas, crítico da autonomia na ética kantiana, o conceito de


autonomia não está ligado somente à moralidade, mas também deve ser
entendido como princípio da democracia posto que não deve existir subordinação
do direito para com a moral, o que deve existir é uma complementação.

42
NEVES, 2012.
37

Para o professor Marcelo Neves, a autonomia está ligada a capacidade de


criticar as normas que o grupo criou para ele, sejam as normas mais
institucionalizadas, sejam elas familiares, e isso está muito ligado à tradição
kantiana.

O sociólogo Niklas Luhmann se apropriou de um conceito da biologia, muito


difundido nos anos setenta, e o relacionou a autonomia jurídica: a autopoiesis.

Segundo o professor Willis Santiago, da PUC São Paulo:

“Sistema autopoiético é aquele dotado de organização


autopoiética, em que há a (re)produção dos elementos de que se
compõe o sistema e que geram sua organização pela relação
reiterativa (‘recursiva’) entre eles. Esse sistema é autônomo
porque o que nele se passa não é determinado por nenhum
componente do ambiente, mas sim por sua própria organização,
isso é, pelo relacionamento entre seus elementos. Essa
autonomia do sistema tem por condição sua clausura, quer dizer,
a circunstância de o sistema ser ‘fechado’, do ponto de vista de
sua organização, não havendo ‘entradas’ (inputs) e ‘saídas’
(outputs) para o ambiente, pois os elementos interagem no e
através dele, que é ‘como o agente que conecta as extremidades
do sistema (como se fosse uma gigantesca sinapse) e o mantém
fechado, autopoiético’.”43

A tese de sistemas autopoiéticos se baseia em dois fundamentos básicos: a


auto-organização e a autopoiesis. A auto-organização está relacionada à
construção da própria ordem, gerando-as independentemente do meio. A
autopoiesis também chamada de autorreprodução significa criar seus próprios
elementos e condições originárias de produção:

“Na concepção autopoiética do social de Luhmann, o sistema


social global da sociedade complexa é particularizado pela
coexistência de vários sistemas, como a Economia, o Direito, a
ciência, a religião, etc. Cada sistema tem uma função específica
no interior do sistema social, cabendo ao subsistema jurídico, por
exemplo, o papel de reforçar e estabilizar as expectativas de
comportamento. O sistema social tem nas comunicações seu
elemento fundamental, comunicações que constroem um sentido
e que conferem unidade ao sistema. No paradigma autopoiético
os sistemas são autônomos no nível das operações, pois
produzem as operações necessárias para reproduzir-se, servindo-
se da rede de suas próprias operações.”44

43
GUERRA FILHO, 2009, p. 209
44
SILVA, 2004.
38

Para Luhmann, não existe meio termo quando falamos em sistemas


autopoiéticos, ou eles são ou não são, sem direito à gradação:

“Un sistema no puede ser un - poco — autopoiético. Esta


disposición de teoria es práticamente obvia en la biología: un
organismo o está vivo o está muerto (con excepciones muy
extremas de casos en los que no es posible reconocer la vida o la
muerte); una mujer o está embarazada o no lo está...”45

Partindo de conceitos similares aos do sociólogo alemão, Teubner rompe


com a concepção sistêmica de Luhmann quando explicita seu conceito de
autonomia relativa, partindo do fato de que nos sistemas jurídicos existe uma
evolução do conceito de autopoiesis, podendo-se falar em estágios de autonomia.

Os questionamentos de Teubner acerca da influência que o direito receberia


de outras áreas as quais também influenciaria, levou-o a conceituar autopoiesis
de uma forma menos inflexível e rígida.46

3.3 Do princípio da autonomia desportiva

Na Carta Magna de 1988 o legislador entendeu por bem fomentar a


participação das associações no sistema desportivo pátrio, concedendo-lhes uma
prerrogativa que faz com que sua vontade interna prevaleça tanto no que diz
respeito à organização, quanto no que diz respeito ao seu funcionamento.
Significa ter a posse de uma capacidade exercitável. Autonomia é

45
LUHMANN apud SILVA, 2004.
46
“No caso do Direito, a clausura autopoiética configura-se quando o sistema jurídico constitui elementos
próprios, os atos jurídicos, que operam como agentes de mudança, colocando o sistema ou ‘ciclo
autopoiético’ em movimento. Então, um ato jurídico gera urna mudança jurídica, que por sua vez gera outro
ato jurídico. O ato jurídico é, na leitura de Teubner, o elemento vital que confere autonomia ao sistema
jurídico. Desse modo, a autorreferência e a autopoiesis são tornadas corno indicadores do grau de
autonomia, nurna concepção, segundo o autor, ‘mais elaborada e complexa da autopoiesis jurídica’,
expressa na noção de hiperciclo. A autorreferencialidade e autonomia do sistema jurídico apresentarn
diferentes graus à medida que o sistema evolui, através das etapas de auto-observação, autoconstituição e
autorreprodução. Na etapa da auto-observação ocorre a definição autorreferencial de seus componentes;
na autoconstituição, o sistema incorpora e utiliza operativamente os componentes auto-observados até a
etapa da autorreprodução, quando se efetiva a articulação hipercíclica dos componentes sistêmicos
autogerados enquanto elementos que se produzem entre si, numa circularidade recíproca. Aqui as normas
jurídicas têm como ponto de referência não fontes extrajurídicas, mas componentes do próprio sistema, as
operações jurídicas. Essa autorreprodução, a partir das normas, doutrina e processo jurídico implica em que
novos atos de decisão judicial podem ser criados, os atos jurídicos, mas tendo-os sempre como referência e
fundamento de sua validade. Isso significa, em outros termos, a criação jurisprudencial do Direito.”
39

autodeterminação nos limites da lei, um poder limitado. Obviamente esse princípio


não se traduz em desrespeito no que tange ao restante do ordenamento jurídico
haja vista que não se confunde com soberania nem independência, posto que
sofre do condicionamento geral atribuído pelo Estado.

Ao contrário, ter autonomia é ter liberdade levando sempre em consideração


os pressupostos da limitação inerente a todos os institutos que permeiam nossa
legislação.

A autonomia não foi algo arbitrariamente concedido aos entes que tratam do
desporto. Ela é necessária para garantir o equilíbrio das competições e evitar a
ingerência alheia ao mundo esportivo. Essa autonomia, que não deve ser
entendida como soberania, é conditio sine qua non47 ao bom andamento da lógica
própria e peculiar que permeia as competições:

“A previsão do direito ao esporte é preceito fundador, em vista de


cuja realização histórica se justifica a autonomia das entidades
dirigentes e associações, quanto à sua organização e
funcionamento.

Logo, é imprescindível ter-se em conta, na análise das cláusulas


impugnadas, a legitimidade da imposição de limitações a essa
autonomia desportiva, não, como sustenta o requerente, em razão
de submissão dela a ‘legislação infraconstitucional’, mas como
exigência do prestígio e da garantia do direito ao desporto,
constitucionalmente reconhecido (art. 217, caput).” 48

Essa liberdade condicionada está explícita em diversos diplomas legais que,


de formas diferentes, procuram resguardar as competições de interferências
alheias ao mundus sportivus e principalmente da mão patriarcal do Estado, que
vez ou outra insiste em interferir onde só deveria fomentar.

A autonomia desportiva presente no texto constitucional se desdobra em


duas acepções bastante distintas: autonomia de gestão das entidades desportivas
quanto a sua organização e funcionamento e a autonomia das decisões da justiça
desportiva.

47
Expressão que se originou do termo legal em latim que pode ser traduzido como “sem a/o qual não pode
ser”. Refere-se a uma ação cuja condição ou ingrediente é indispensável e essencial.
48
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2937/DF.
40

A autonomia de gestão se refere ao fato de que quanto a sua organização e


funcionamento, as entidades desportivas gozam de liberdade para instituir suas
próprias regras, sempre levando em consideração a ordem jurídica nacional,
como não haveria deixar de ser, haja vista que a autonomia está relacionada à
face interna da entidade, jamais podendo se confundir com independência ou
soberania, que só geraria um verdadeiro caos desportivo.

Neste diapasão surge o termo lex sportiva designando uma ordem


desportiva transnacional e autônoma, que alinha os regulamentos das federações
nacionais, as normas estatais, as regras das federações internacionais e as
sentenças emanadas por tribunais e cortes desportivas. O termo tomou corpo
com a consolidação da autonomia do Direito Desportivo, este enquanto ramo do
Direito.

De acordo com Vinícius Machado Calixto:

“A Lex Sportiva seria, portanto, um ordenamento jurídico


transnacional baseado na prática contratual que transcende
limites nacionais e que possui organismos próprios capazes de
formar o que Teubner chama de “triângulo institucional de
jurisprudência, legislação e contrato.”49

O moderno conceito da lex sportiva, que prevê uma ordem jurídica


desportiva transnacional e autônoma, embasa o argumento de que apesar de
haver liberdade no que tange ao seu modus operandi, as entidades desportivas
estão adstritas aos limites de uma legislação nacional que permeia todas as
relações sociais aqui presentes.

O objetivo do legislador em conferir tal benesse às entidades tem uma


finalidade bastante aparente: ao Estado, hoje em uma posição de normatizador,
não cabe adentrar no seio dessas entidades privadas e ditar as regras que devam
seguir, pois isso além de suscitar desconfiança levaria a uma burocratização dos
procedimentos e que são incompatíveis com a dinâmica do esporte.

Quanto à autonomia das decisões da justiça desportiva, esta tem se


mostrado bastante benéfica e mais adequada à solução das lides causadas no
âmbito das competições. Isso porque a justiça desportiva possui composição

49
CALIXTO, 2015, p. 26 In CAMARGOS (Org.)
41

representativa de várias entidades que estão inseridas no cenário desportivo


pátrio, tornando as decisões mais de acordo com um tema que nos é tão
particularizado. Além disso, todo o procedimento na justiça desportiva deve ser
bastante célere, conforme inclusive preceitua o capítulo da Constituição destinado
ao desporto. Isso faz com que as situações envolvendo as competições tenham
rápida solução, em consonância com o princípio desportivo da continuidade das
competições (pro competitione).

Não seria razoável transferir o espetáculo das arenas para os tribunais de


uma justiça comum já tão assoberbada e morosa, além de pouco afeita às
questões esportivas. Ademais, com a proliferação de concessão de liminares, não
seria raro que tais decisões, que para o esporte acabariam por ter um caráter de
definitividade, prejudicariam o bom andamento das competições, gerando
verdadeira insegurança e inegável injustiça.

Alguns autores, como Álvaro Melo Filho50, consideram a justiça desportiva


como uma justiça administrativa, posição a qual me filio tendo em vista que
inegavelmente ela não faz parte do Poder Judiciário e seu poder disciplinar é
eminentemente administrativo, tendo como exemplo mais próximo os tribunais
arbitrais.

3.4 Do limite da autonomia no esporte

O princípio da autonomia desportiva assegurado na nossa Carta Magna não


se traduz em independência e assim como todos os princípios insculpidos em
nossa legislação, não é absoluto. Uma recorrente confusão relacionada à
interpretação do princípio em comento costuma relacionar a autonomia com a
desnecessidade de subordinação aos demais regramentos normativos:

“Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto. Não


há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que
se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de
relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio
de convivência das liberdades legitimam, ainda que
excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de

50
MELO FILHO, 1995, p. 58
42

medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas,


desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria
Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao
delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas — e
considerado o substrato ético que as informa — permite que sobre
elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas de um lado,
a proteger a integridade do interesse social, e de outro, a
assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum
direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem
pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de
terceiros.”51

A despeito disso, ele se traduz em auto-organização e autofuncionamento,


características indispensáveis a um movimento basicamente desenvolvido por
entidades privadas, apartadas de ingerência pública, apesar do pressuporto de
fomento estatal que permeia o texto magno.

Essa autonomia, que constitui garantia constitucional e também cláusula


pétrea, vem ao encontro de uma democracia amadurecida e configura
característica indispensável à continuidade das atividades desportivas no país.
Além disso, guarda estreita correlação com a liberdade de associação, esta
também amparada pela legislação pátria:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a


de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de


cooperativas independem de autorização, sendo vedada a
interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente


dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial,
exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a


permanecer associado;

51
MS nº 23.452, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 12.05.00 apud ADIN 2937 EDT x CR.
43

XXI - as entidades associativas, quando expressamente


autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados
judicial ou extrajudicialmente.”

O artigo 217, ao contrário do que possa parecer numa primeira leitura,


guarda estrita consonância com o que dispõe o artigo 24, IX do mesmo diploma
legal:

“Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal


legislar concorrentemente sobre:

IX - educação, cultura, ensino e desporto.”

Isso se deve ao fato de que, apesar do princípio enaltecido no capítulo


referente ao desporto, a Constituição da República não traz uma exceção,
concedendo competência à União para legislar sobre o desporto, sendo esta
responsável por instituir normas gerais sem o condão de colocar em xeque o
princípio que é a base de toda a legislação desportivista.

Em relação a essas normas gerais, tratam-se estas de diretrizes,


direcionamentos aplicáveis ao desporto respeitando os limites instituídos na
própria Carta Magna.

A autonomia também não pode ser confundida com soberania, conceito


existente somente nas relações entre Estados, nunca entre entidades de
administração ou prática desportiva.

O esporte é matéria tão peculiar que mesmo dentro do conceito de


autonomia existe diferença entre outras autonomias previstas no texto
constitucional, como, por exemplo, àquela concedida às universidades:

“Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-


científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e
obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão.

§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e


cientistas estrangeiros, na forma da lei.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa


científica e tecnológica.”
44

Nesse caso, apesar de gozarem dos pressupostos de organização e


administração, as universidades estão submetidas a outras regras também
apostas na Constituição da República, subordinando-se ao próprio Texto Básico,
diferentemente do desporto que tem capítulo próprio e traz somente normas
gerais.

Muito embora o princípio em comento seja vislumbrado como norteador de


toda a trama que permeia o sport enviroment, isso não se converte em anarquia
no que diz respeito aos ditames legais que regem nosso país. A regra basilar de
que em nosso ordenamento nenhum princípio é absoluto também encontra vez
por aqui.

Um caso envolvendo a questão da mitigação dos princípios ocorreu quando


da análise de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade ± ADIN pelo STF. Na
ocasião o Partido Democrático Trabalhista ± PDT impetrou ação objetivando a
declaração da inconstitucionalidade, sem redução de texto, do artigo 59 e seu
parágrafo único do então noviço Código Civil (Lei nº 10.406) promulgado em
2002:

“Art. 59. Compete privativamente à assembleia geral:

I – destituir os administradores;

II – alterar o estatuto.

Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos


I e II deste artigo é exigido deliberação da assembleia
especialmente convocada para esse fim, cujo quorum será o
estabelecido no estatuto, bem como os critérios de eleição dos
administradores.”

Isso porque, segundo o impetrante, tal artigo feriria o princípio da


autonomia desportiva previsto no Texto Maior e que, sendo essas organizações
livres para se auto-organizarem, poderiam estabelecer em seus estatutos regras
diferentes daquelas trazidas pelo novo codex civilista. Na manifestação trazida
aos autos pelo então Consultor Geral da União este pensamento fica claro.52

52
"Em primeiro lugar, há de se notar que, mesmo gozando de autonomia quanto a sua organização e
funcionamento, as entidades desportivas dirigentes e associações estão sujeitas a incidência de normas de
ordem pública. Ou seja, sua autonomia não é absoluta, nem poderia ser. Trata-se de autonomia a ser
exercitada dentro de certos parâmetros. Sobretudo daqueles que dizem respeito ao próprio conceito de
45

O Ministro Celso de Melo, relator do processo, proferiu voto onde defendeu


a manutenção do artigo 59 do Código Civil, não excluindo sua aplicabilidade às
entidades desportivas, informando que a regra insculpida no códex civilista se
reveste de matriz determinante nos limites do ordenamento estatal, permitindo
aos destinatários da norma uma atuação com certa liberdade decisória e que não
extrapola o que determina o artigo 217, I da Constituição da República. Aduz
ainda que o conceito de autonomia, visto como autonomia privada ou autonomia
normativa, significa uma capacidade de se autodeterminar essencialmente
exercitável, porém sem deixar de obedecer os limites do ordenamento positivado.
Ademais, ainda que se reconheça as entidades desportivas como núcleos de
emanação do poder normativo, estas não estão imunes quanto a incidência das
regras jurídicas de caráter geral e nem se qualificam como elementos de restrição
ao Congresso Nacional. Para o ministro, o preceito do artigo 59 do Código Civil é
norma de ordem pública e possui caráter imperativo estabelecendo disciplina e
ordem no seio das associações e de modo algum impede que estas exerçam seu
poder autônomo de conferir a este mesmo órgão colegiado outros encargos
compatíveis com seus estatutos sociais. Além disso, informa que a autonomia das
entidades não se traduz em independência ou em qualquer outro tipo de
desvinculação jurídica ao poder estatal, especialmente naquilo que este resolve
disciplinar mediante lei, e conclui:

“Entendo, desse modo, Senhora Presidente, que se revelam


revestidos de legitimidade constitucional os dispositivos legais
impugnados nesta sede de controle normativo abstrato, que se
examine a questão sob o enfoque da autonomia das entidades
desportivas, que se analise a controvérsia à luz do postulado da
liberdade de associação.
Concluo o meu voto, Senhora Presidente, tendo em consideração
as razões expostas e, acolhendo ainda, as doutas manifestações
dos eminentes Advogado Geral da União e Procurador-Geral da

associação, que é estabelecido em lei. Nesses termos, só se enquadra como associação aquela união de
pessoas organizadas para fins não econômicos, de acordo com o conceito legal - art. 53 do Código Civil.
Assim, não obstante as associações e entidades desportivas terem autonomia para se organizar, não é
possível que se organizem para fins diversos daqueles previstos na lei, sob pena de se descaracterizarem
como associações. Também não podem dispor sobre a conceituação de associação e seus elementos
essenciais, o que desvirtuaria a sua natureza. Em resumo, a condição de associação decorre de conceito
legal. Uma agremiação de entidades desportivas será ou não uma associação consoante atenda ou não os
requisitos constantes da lei. Além disso, vale lembrar que a disciplina relativa à associação de entidades
desportivas é objeto de lei especial, qual seja a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, e, não
exclusivamente, dos arts. 53 a 61 do Código Civil.”
46

República, julgo improcedente a presente ação direta e, em


consequência, declaro a plena constitucionalidade do artigo 59 e
seu parágrafo único do Código Civil. É o meu voto.”

Destaque-se que desde a sua entrada em vigor na Constituição de 1988,


esse princípio tem gerado inúmeras discussões no que tange a sua real
aplicabilidade e limites, sendo a causa de algumas dezenas de contendas
judiciais e debates acalorados dentre aqueles que militam na área.

Apesar da prerrogativa constitucional, cada vez mais nos deparamos com


leis intervencionistas que aumentam consideravelmente as responsabilidades e
deveres das entidades envolvidas com o desporto e criando mais burocracias e
obrigações sem, contudo, trazer em contrapartida mais vantagens orçamentárias.

Isto posto, cabe esclarecer que a autonomia deve ser sempre pautada pela
ordem jurídica vigente, essencial para que se mantenha a liberdade concedida às
entidades desportivas, sem, contudo, fazer dessa autonomia uma desculpa para o
descumprimento desenfreado das normas mais basilares que guiam o Estado
brasileiro.

3.5 Do fomento estatal

A primeira questão que vem a mente quando pensamos que o Estado se


comprometeu a fomentar as atividades esportivas em nosso país é: por quê? Por
que o Estado escolhe alguns temas e resolve, em relação a eles, ser um
incentivador?

Antes de explicitar o papel do Estado no esporte é preciso fazer algumas


considerações acerca dessa modalidade de intervenção na ordem econômica.

Essa intervenção pode se dar de três formas: através de uma atuação direta
do Estado, através da propositura de normas que tenham como fim precípuo
disciplinar o tema ou através de atividades de fomento.

Fomentar significa incentivar um comportamento, estimulando-o. Quando o


ente estatal decide estimular um comportamento, ele está intervindo
indiretamente na ordem econômica, posto que tal comportamento não o coloca na
47

linha de frente da prática de determinada atividade. Se comprometer


constitucionalmente a fomentar determinadas atividades, em detrimento de tantas
outras, é considerá-las de suma importância para o interesse público.

Um aspecto interessante desta modalidade de intervenção é o fato de que


no fomento o Estado não se envolve diretamente na atividade, tampouco obriga
que os particulares pratiquem determinado comportamento. Ao contrário, o que se
tem é a oferta de estímulos para que estes executem as atividades que tem
relevância social.

A adesão ao comportamento sugerido constitui opção do particular que, para


tal, gozará de certos benefícios em prol da execução de determinada atividade.
Cabe ressaltar que, aderindo a sugestão estatal, estará ele obrigado aos deveres
específicos relacionados ao caso concreto, não restando impune quanto a
eventuais inadimplementos contratuais.

A administração pública pode atuar no fomento de três maneiras distintas:


por meios honoríficos, meios jurídicos e meios econômicos.

Os meios honoríficos premiam com títulos e condecorações aqueles que se


dispõem a exercer determinada atividade de relevante cunho público.

Os meios jurídicos reservam aos particulares tratamento diferenciado,


regulando-os por legislação excepcional que lhes confere certos privilégios. Um
excelente exemplo são as microempresas, reguladas por legislação mais
benéfica, como forma de incentivar o empreendedorismo e a geração de
empregos.

Os meios econômicos constituem o fomento mais relevante na atual


conjuntura social, e dizem respeito a concessão de vantagens patrimoniais reais
ou financeiras. Vantagem real pode se traduzir na cessão de uso de determinados
bens públicos ao particular. Já a vantagem financeira pode ser direta ou indireta,
variando conforme o repasse de recursos do Estado ou não, e que tem na
subvenção sua modalidade mais popular.

Trata a subvenção de transferência pecuniária ao particular, constituindo-se


de verdadeira doação, haja vista que a administração pública não tem o intuito de
48

reaver os valores repassados. Essa transferência, obviamente, deve ser utilizada


naquela atividade com a qual o particular se comprometeu e o Estado tem o
interesse de fomentar.

Uma outra forma de subvenção consiste em facilitar empréstimos junto a


entidades ligadas a administração, sendo aqueles concedidos pelo BNDES um
ótimo exemplo.

Questão importante se deve ao fato de que as atividades de fomento muitas


vezes são questionadas por ferirem o princípio da isonomia, afinal, o que leva o
(VWDGRD³EHQHILFLDU´FHUWDVDWLYLGDGHVHPGHWULPHQWRGHRXWUDV"

A máxima de Aristóteles que preconiza o tratamento igual para os iguais e


desigual para os desiguais não poderia levar a administração pública a fomentar
atividades ao seu bel prazer, ao arrepio da lei e do princípio da isonomia?

Para evitar atitudes estatais com finalidades escusas, o tratamento desigual


deve promover os valores protegidos pela nossa Carta Magna. É a preocupação
constitucional com o tema que gerará a concessão de incentivos plasmados em
fomento a determinados temas de relevância social porque ela legitimará um
regimento jurídico diferenciado.

Antes tema sem maior respaldo, carente de normatização, agora elevado a


direito social pela Constituição de 1988, o legislador entendeu por bem fomentar a
prática desportiva e para tal, promulgou a Lei nº 11.438/2006:

“Art. 1o A partir do ano-calendário de 2007 e até o ano-calendário


de 2022, inclusive, poderão ser deduzidos do imposto de renda
devido, apurado na Declaração de Ajuste Anual pelas pessoas
físicas ou em cada período de apuração, trimestral ou anual, pela
pessoa jurídica tributada com base no lucro real os valores
despendidos a título de patrocínio ou doação, no apoio direto a
projetos desportivos e paradesportivos previamente aprovados
pelo Ministério do Esporte.”

Os benefícios advindos desta lei se traduzem em renúncia de receita


tributária, abatimento do imposto de renda pelo financiador, competitividade dos
projetos (que devem ser previamente aprovados pelo Ministério dos Esportes) e
sujeição a fiscalização permanente dos órgãos públicos com o fim de combater a
concessão fraudulenta de recursos públicos.
49

Em relação ao esporte, tal fomento visa estimular a inclusão social, a


educação física, a descoberta de novos talentos esportivos e promover a saúde e
bem-estar de seus partícipes.

O papel do Estado fomentador não se confunde com aquele que pretende


intervir no funcionamento das entidades desportivas. Isso porque fomentar está
intimamente ligado ao conceito de estimular, dar suporte, incentivar, não se
relacionando com ingerência.

Ultrapassar o limite do incentivo, instituindo leis que atentem contra a


autonomia desportiva, presente no texto constitucional tanto quanto o fomento, é
intervir de forma inconstitucional em um tema que, para cumprir seu papel,
necessita possuir uma autossuficiência capaz de lhe livrar das amarras
burocráticas da máquina estatal que só retardariam o seu funcionamento.

3.6 Das decisões dos tribunais acerca da autonomia desportiva

Nem todos os temas relacionados ao Direito Desportivo encontram na


Justiça Desportiva a sua resolução. Esta só cuida dos casos envolvendo a
disciplina e as competições, deixando à justiça comum as respostas acerca das
questões envolvendo os contratos de trabalho dos atletas, o estatuto do torcedor,
os aspectos tributários e empresariais das agremiações entre outras.

Com a mudança de paradigma inerente a ampliação do conceito até então


reinante de esporte e seu desenvolvimento englobando suas três dimensões
sociais, o Estado deixou de ser um tutor e passou a ser normatizador do desporto
nacional. A inclusão do tema como capítulo em nossa Carta Magna é a maior
constatação desse novo papel governamental.

Com o inegável crescimento do esporte, os tribunais desportivos passaram a


gozar de maior holofote, tendo inclusive seus julgamentos mais expressivos
televisionados, algo totalmente impensável tempos atrás. Além disso,
frequentemente instado a decidir sobre questões que impactarão diretamente em
50

campeonatos em curso, os tribunais desportivos passaram a fazer parte da


conversa nas rodas de bar, incitando debates acalorados e interesse do grande
público.

O Estado normatizador traz consigo uma maior intervenção do Poder


Judiciário, quem vem sendo incitado a resolver questões atinentes ao desporto
enquanto negócio.

Como anexo trazemos duas grandes decisões envolvendo a autonomia


desportiva: o anexo 1 trata da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2937/2012,
de relatoria do Ministro Cezar Peluzo, primeira ADI que discorre sobre a
autonomia das entidades desportivas, em processo que debatia a
constitucionalidade de alguns artigos do Estatuto do Torcedor (Lei nº
10.671/2003).

A ação, que teve como requerente o Partido Progressista, gozou de enorme


repercussão e um voto magistral do Ministro Relator Cesar Peluzo, que decidiu
pela manutenção dos artigos atacados na lide, no que foi acompanhado pelo
Ministro Gilmar Ferreira Mendes, notório entusiasta da matéria desportiva.

Já o anexo 2 traz a decisão do Tribunal Arbitral Internacional (TAS) acerca


do doping do jogador Dodô. Essa decisão é bastante emblemática posto que um
dos argumentos de defesa do atleta era exatamente o questionamento acerca da
autonomia da nossa justiça desportiva para decidir, em último grau, questões
envolvendo as infrações cometidas aqui. A defesa entendia que o Tribunal Arbitral
não era competente para rever a decisão do Superior Tribunal de Justiça
Desportiva (STJD), mas os árbitros do TAS se utiizaram das normas formadoras
da Lex Sportiva para rechaçar esse argumento e estabeler que o então artigo 136
do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) não teria relevância
internacional capaz de obstar a revisão do mérito pela corte indicada no artigo 61,
$7º do Estatuto da Fifa.
51

Esse resultado constituiu novo paradigma e seu argumento acabou


FXOPLQDQGRQDDOWHUDomRGR&%-'³$VGHFLV}HVGR7ULEXQDO3OHQRGR67-'VmR
irrecorríveis, salvo disposição diversa neste código ou na regulamentação
internacional especíILFDGDUHVSHFWLYDPRGDOLGDGH´

Assim resume o ilustre professor Carlos Francisco Portinho:


“Esse precedente ampliou definitivamente o limite final da
jurisdição desportiva, mesmo em competições nacionais reduzidas
ao território brasileiro, indo além do que supunha o antigo artigo
136 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), fazendo-o
definitivamente ‘letra morta’, o que justamente motivou a recente
reforma que passou a prever no parágrafo primeiro do artigo 136 a
possibilidade de recurso sobre as decisões finais do STJD, desde
que previsto na lei nacional ou mesmo na legislação internacional
da modalidade.”53

CONCLUSÃO

A autonomia desportiva é tema de grande interesse dentre os operadores do


direito desportivo, suscitando dúvidas e frequentemente interpretações
equivocadas acerca da sua aplicabilidade e limites.

Essa autonomia encontrada na Constituição de 1988 se fragmenta em duas


acepções bastante distintas: a autonomia de gestão das entidades desportivas
quanto a sua organização e funcionamento e a autonomia das decisões da justiça
desportiva.

Em que pese o fato de que a autonomia deve permear todo o mundus


sportivus, de modo que as interferências patriarcais do Estado possam ser
evitadas, essas entidades não estão acima da lei e nem lhe são permitidas
legislar de modo que tenhamos organismos amórficos.

Nem mesmo os entes federados que possuem ampla autonomia


organizacional, financeira, administrativa e política estão afastados dos limites
mínimos instituídos pelo Código Civil. Ora, se o legislador não exceptuou nem
mesmo seus entes, com mais razão ainda incluiu a iniciativa privada.

53
PORTINHO apud CAMARGOS, 2015.
52

Apesar disso, a autonomia é princípio constitucional que faz o sistema


desportivo se mover com significativa flexibilidade e por conta disso não pode
nem deve sofrer restrições que lhe diminua o sentido.

Intromissões doutrinárias ou jurisprudenciais são afrontas que não devem


ser toleradas sob pena de inação das entidades desportivas e intervenção estatal
muitas vezes eivadas de interesses escusos e com a nítida finalidade de intervir
em benefício próprio ou de terceiros nada bem intencionados.

É natural que um movimento tão afeito a sociedade contemporânea como é


o esporte hoje sofra uma maior regulamentação estatal. As cifras em torno do
movimento desportivo e, em especial no nosso país do futebol, chamam a
atenção do poder governamental, porém só com a autonomia o esporte avança,
deixando ao Estado apenas os papéis que não possam ser assumidos pelas
entidades desportivas.

O desporto autônomo cria condições de participação ativa de seus entes e


dá a estes a responsabilidade de escrever sua própria história, sem a árdua tarefa
de aguardar por soluções prontas do Estado, que só engessariam toda a
sistemática envolvida.
53

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58

ANEXO 1

Dia 23 de fevereiro de 2012.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.937 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

REQTE.(S) : PARTIDO PROGRESSISTA - PP

ADV.(A/S) : WLADIMIR SÉRGIO REALE

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Arts. 8º, I, 9º, § 5º,


incs. I e II, e § 4º, 11, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, 12, 19, 30, § único, 32, caput
e §§ 1º e 2º, 33, § único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1º e inc. II, e § 3º, da
Lei federal nº 10.671/2003. Estatuto de Defesa do Torcedor. Esporte. Alegação de
incompetência legislativa da União, ofensa à autonomia das entidades desportivas,
e de lesão a direitos e garantias individuais. Vulneração dos arts. 5º, incs. X, XVII,
XVIII, LIV, LV e LVII, e § 2º, 18, caput, 24, inc. IX e § 1º, e 217, inc. I, da CF. Não
ocorrência. Normas de caráter geral que impõem limitações válidas à autonomia
relativa das entidades de desporto, sem lesionar direitos e garantias individuais.
Ação julgada improcedente. São constitucionais as normas constantes dos arts. 8º,
I, 9º, § 5º, incs. I e II, e § 4º, 11, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, 12, 19, 30, § único,
32, caput e §§ 1º e 2º, 33, § único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1º e inc. II,
e § 3º, da Lei federal nº 10.671/2003, denominada Estatuto de Defesa do Torcedor.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo


Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro
59

CEZAR PELUSO, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas,


por unanimidade e nos termos do voto do Relator, em julgar improcedente a ação
direta. Ausentes o Senhor Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, representando o
Tribunal em visita oficial à Suprema Corte do Japão e, neste julgamento, o
Senhor Ministro JOAQUIM BARBOSA. Falaram, pelo requerente, o Dr. WLADIMIR
SÉRGIO REALE e, pela Advocacia-Geral da União, o Ministro LUÍS INÁCIO
LUCENA ADAMS, Advogado-Geral da União.
Brasília, 23 de fevereiro de 2012.

Ministro CEZAR PELUSO


Presidente e Relator

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.937 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. CEZAR PELUSO

REQTE.(S) : PARTIDO PROGRESSISTA-PP

ADV.(A/S) : WLADIMIR SÉRGIO REALE

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

R E L AT Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator):


1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade,
proposta pelo Partido Progressista (PP) e tendente à declaração de
inconstitucionalidade dos dispositivos, a seguir sublinhados, da Lei federal nº
10.671, de 15.05.2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor):
“Art. 8º - As competições de atletas profissionais de que
participem entidades integrantes da organização desportiva
do País deverão ser promovidas de acordo com calendário
anual de eventos oficiais que:
60

I - garanta às entidades de prática desportiva participação em


competições durante pelo menos dez meses do ano;

Art. 9º - É direito do torcedor que o regulamento, as tabelas


da competição e o nome do Ouvidor da Competição sejam
divulgados até sessenta dias antes de seu início, na forma do
parágrafo único do art. 5º.
§ 5º - É vedado proceder alterações no regulamento da
competição desde sua divulgação definitiva, salvo nas
hipóteses de:
I- apresentação de novo calendário anual de eventos oficiais
para o ano subsequente, desde que aprovado pelo Conselho
Nacional do Esporte – CNE;
II- após dois anos de vigência do mesmo regulamento,
observado o procedimento de que trata este artigo.

Art. 10. É direito do torcedor que a participação das entidades


de prática desportiva em competições organizadas pelas
entidades de que trata o art. 5º seja exclusivamente em
virtude de critério técnico previamente definido.
§ 4º - Serão desconsideradas as partidas disputadas pela
entidade de prática desportiva que não tenham atendido ao
critério técnico previamente definido, inclusive para efeito de
pontuação na competição.

Art. 11. É direito do torcedor que o árbitro e seus auxiliares


entreguem, em até quatro horas contadas do término da
partida, a súmula e os relatórios da partida ao representante
da entidade responsável pela organização da competição.
§ 1º - Em casos excepcionais, de grave tumulto ou
necessidade de laudo médico, os relatórios da partida
poderão ser complementados em até vinte e quatro horas
após o seu término.
§ 2º - A súmula e os relatórios da partida serão elaborados
em três vias, de igual teor e forma, devidamente assinadas
pelo árbitro, auxiliares e pelo representante da entidade
responsável pela organização da competição.
§ 3º - A primeira via será acondicionada em envelope lacrado
e ficará na posse de representante da entidade responsável
pela organização da competição, que a encaminhará ao setor
competente da respectiva entidade até as treze horas do
primeiro dia útil subsequente.
61

§ 4º - O lacre de que trata o § 3º será assinado pelo árbitro e


seus auxiliares.
§ 5º - A segunda via ficará na posse do árbitro da partida,
servindo-lhe como recibo.
§ 6º - A terceira via ficará na posse do representante da
entidade responsável pela organização da competição, que a
encaminhará ao Ouvidor da Competição até as treze horas
do primeiro dia útil subsequente, para imediata divulgação.

Art. 12. A entidade responsável pela organização da


competição dará publicidade à súmula e aos relatórios da
partida no sítio de que trata o parágrafo único do art. 5º até as
quatorze horas do primeiro dia útil subsequente ao da
realização da partida.

Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da


competição, bem como seus dirigentes respondem
solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus
dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos
prejuízos causados ao torcedor que decorram de falhas de
segurança nos estádios ou da inobservância do disposto
neste capítulo.

Art. 30. É direito do torcedor que a arbitragem das


competições desportivas seja independente, imparcial,
previamente remunerada e isenta de pressões.

Parágrafo único. A remuneração do árbitro e de seus


auxiliares será de responsabilidade da entidade de
administração do desporto ou da liga organizadora do evento
esportivo.

Art. 32. É direito do torcedor que os árbitros de cada partida


sejam escolhidos mediante sorteio, dentre aqueles
previamente selecionados.
§ 1º O sorteio será realizado no mínimo quarenta e oito horas
antes de cada rodada, em local e data previamente definidos.
§ 2º O sorteio será aberto ao público, garantida sua ampla
divulgação.

Art. 33. Sem prejuízo do disposto nesta Lei, cada entidade de


prática desportiva fará publicar documento que contemple as
62

diretrizes básicas de seu relacionamento com os torcedores,


disciplinando, obrigatoriamente: (...)
Parágrafo único. A comunicação entre o torcedor e a entidade
de prática desportiva de que trata o inciso III do caput poderá,
dentre outras medidas, ocorrer mediante:

I- a constituição de um órgão consultivo formado por


torcedores não sócios; ou
II- reconhecimento da figura do sócio-torcedor, com direitos
mais restritos que os dos demais sócios.

Art. 37. Sem prejuízo das demais sanções cabíveis, a


entidade de administração do desporto, a liga ou a entidade
de prática desportiva que violar ou de qualquer forma
concorrer para a violação do disposto nesta Lei, observado o
devido processo legal, incidirá nas seguintes sanções:
I– destituição de seus dirigentes, na hipótese de violação das
regras de que tratam os Capítulos II, IV e V desta Lei;
II- suspensão por seis meses dos seus dirigentes, por
violação dos dispositivos desta Lei não referidos no inciso I;
§ 1º - Os dirigentes de que tratam os incisos I e II do caput
deste artigo serão sempre:
I- o presidente da entidade, ou aquele que lhe faça as vezes;
e
II- o dirigente que praticou a infração, ainda que por omissão.

§ 3º A instauração do processo apuratório acarretará adoção


cautelar do afastamento compulsório dos dirigentes e demais
pessoas que, de forma direta ou indiretamente, puderem
interferir prejudicialmente na completa elucidação dos fatos,
além da suspensão dos repasses de verbas públicas, até a
decisão final.”

2. Alega o autor que os dispositivos impugnados contrariam o art. 5º, incisos


X, XVII, XVIII, LIV, LV, LVII e § 2º, o art. 18, caput, o art. 24, inciso IX e §1º e, por
fim, o art. 217, inciso I, todos da Constituição da República.

3. Expõe os fundamentos a seguir sintetizados para sustentar a contrariedade


dos preceitos impugnados ao texto constitucional:
(i) extravasamento da competência legislativa da União
em matéria de desporto, afrontando-se o artigo 24, inciso IX e § 1º, da Constituição
63

Federal. A competência da União para legislar sobre desporto, prevista no artigo


24, inciso IX, não seria ampla e irrestrita, pois o § 1º do mesmo artigo limitaria seu
poder legiferante à emissão de normas gerais a respeito do assunto, sendo-lhe
vedado descer a pormenores e minudências. Por conseguinte, qualquer dispositivo
sobre esporte, constante de lei federal, que ultrapasse a noção de norma geral (lei
de base ou de SULQFtSLR  VHUi LQFRQVWLWXFLRQDO HP UD]mR GH ³exorbitância ou
invasão do espaço legislativo de um centro de poder por outro´ IOV (D/HLQž
10.671/03, de feição detalhista e aplicável apenas ao desporto profissional, não se
amoldaria ao conceito de norma geral sobre desporto, afrontando, assim, a
Constituição Federal.

(ii) desrespeito à dimensão jurídico-constitucional da


autonomia desportiva, assegurada em seu artigo 217, inciso I. O princípio da
autonomia desportiva, aplicável às associações e entidades desportivas dirigentes,
no que toca a sua organização e funcionamento, impediria a existência de leis que
se imiscuíssem nas questões internas da administração esportiva, ostentando tal
garantia plena compatibilidade com um regime democrático e não autoritário. A
forma de organização e funcionamento das entidades desportivas é assunto interna
corporis, a respeito do qual não deve haver intromissão estatal.

2 GHVSRUWR SURILVVLRQDO RULJLQiULR GH ³iniciativas espontâneas privadas,


apartadas de qualquer ingerência pública, conta, exclusivamente, com recursos
privados” (fls. 14), cumprindo função que deveria caber ao Estado, consoante
previsão constitucional (artigo 217, caput). Teria recebido em troca, contudo, uma
legislação desportiva estatizante e intervencionista, que aumentou as
responsabilidades e obrigações dos envolvidos no desporto profissional, sem
nenhuma contrapartida orçamentária.

2 SRVWXODGR GD DXWRQRPLD GHVSRUWLYD TXH ³não se confunde com


independência (em face do monopólio e da hierarquização organizacional das
estruturas desportivas internacionais), nem tampouco com soberania (em razão
deste conceito aplicar-se tão só às relações entre Estados e não entre entes
desportivos privados de diferentes países”, QmRVLJQLILFD³impermeabilidade total ao
64

ordenamento estatal” (fls. 14). Seu conceito deve ser depurado, levando-se em
conta a singularidade do desporto, decorrente de sua dupla especificidade
³specificité de l’activité sportive´ H ³specificité des féderations sportives´  TXH VH
teria refletido num tratamento constitucional específico e peculiar, no Brasil. A
autonomia desportiva, nesse passo, não poderia ser confundida nem considerada
análoga à autonomia universitária, tendo em vista que esta se encontraria
submetida ³a diversas outras normas gerais previstas na Constituição” – noutras
SDODYUDV D DXWRQRPLD XQLYHUVLWiULD ³subordina-se a outros limites previstos no
próprio Texto Básico, ou seja, ‘cumprimento das normas gerais de educação
nacional’ (art. 209, I) e ‘autorização e avaliação da qualidade pelo Poder Público’
(art. 209, II)” (fls. 15). De forma diversa, a autonomia desportiva não teria nenhum
condicionante ou limitação nos princípios e normas constitucionais, não havendo
nenhuma restrição, explícita ou ± o que seria inadmissível ± implícita, a ela.
Portanto, a legislação ordinária desportiva não pode derrogar, e nem mesmo
regulamentar (à falta da expressão ³nos termos da lei´  R SULQFtSLR GD DXWRQRPLD
desportiva, cuja sede é constitucional, devendo-se afastar o dirigismo desportivo
consubstanciado no estatuto do torcedor. A autonomia, que é garantia
constitucional e cláusula pétrea, traduz-se nos direitos à autorregulação e à auto-
organização, compreendidos no direito de associação (liberdade de associação e
vedação de interferência estatal no seu funcionamento, previstos no artigo 5º, XVII
e XVIII), afigurando-se inconstitucional restringi-la por intermédio de legislação
ordinária.

(iii) previsão indevida de dupla sanção, nos artigos 19 e


37 do estatuto do torcedor, em afronta, respectivamente, aos artigos 5º, LIV e 5º, X,
XVII, XVIII, LIV, LV, LVII, § 2º e 217, I, da Constituição da República. De um lado,
prevê-se a penalidade atinente à responsabilidade solidária em caso de prejuízo ao
torcedor decorrente de falhas de segurança, e de outro, a destituição ou suspensão
do dirigente. Entretanto, ³um só ato de infração não pode gerar uma dupla
apenação, que se tornaria demasiado onerosa e desequilibrada, afrontando o
princípio constitucional da proporcionalidade” (fls. 29) previsto no artigo 5º, LIV, do
texto constitucional, tanto em sua acepção negativa (vedação de excessos, arbítrio
65

e restrições a direitos fundamentais) quanto positiva (exigência de razoabilidade


nos atos do poder público).

O artigo 37 do estatuto do torcedor estabelece sanções que não são


UD]RiYHLV YLRODQGR ³o postulado constitucional do devido processo legal, nada
obstante, retórica e ardilosamente, a ele faça menção no seu caput” (fls. 31).
Assim, as cominações legais de destituição e suspensão por seis meses,
cumuladas com a previsão de afastamento cautelar compulsório dos dirigentes,
são incompatíveis com a exigência constitucional de razoabilidade e
proporcionalidade ± cita-VHFRPRH[HPSORRFDVRGHXPGLULJHQWHTXHSHUPLWD³que
um torcedor ocupe um lugar diferente do número constante no ingresso (...),
‘violação tão grave’ que pode resultar na destituição cumulativa dos dirigentes.” (fls.
33). O afastamento cautelar compulsório, ademais, ofende os princípios da ampla
defesa e do contraditório (artigo 5º, LV, da CF), mostrando-se a imposição de
alteração de seus estatutos para a inserção dessa penalidade ofensiva à
autonomia desportiva. A imposição das sanções de destituição e suspensão, por
sua vez, configura ingerência indevida em assuntos intestinos das entidades
desportivas (ofensa ao art. 5º, XVII e XVIII, da CF), já que pode nem mesmo haver
previsão estatutária das referidas sanções. Nem um dos três Poderes pode
interferir no funcionamento de uma associação privada, nem mesmo por meio de
emenda constitucional. As penalidades previstas no estatuto do torcedor, em suma,
UHSUHVHQWDP XPD ³universalização da incidência sancionatória, sem qualquer
dosimetria, decorrente até de atos de terceiros ou fatos alheios à vontade dos
dirigentes, configurando-se como um verdadeiro, arbitrário e inquisitorial ‘Código
Penal do Dirigente Desportivo’, e, o que é pior, sem contemplar qualquer atenuante
nem excludente de punibilidade” (fls. 36), conducente, até, à maculação da
intimidade, da vida privada, da honra e da imagem dos dirigentes desportivos, ao
arrepio do artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal. Demais disso, desprezam a
presunção constitucional de inocência ou de não culpabilidade, inscrita no inciso
LVII do artigo 5º da CF, que não se aplica apenas aos procedimentos que resultem
em sentença penal condenatória por força do Pacto de São José da Costa Rica,
artigo 8º, I, incorporado ao ordenamento jurídico pátrio com status constitucional.
66

O autor pleiteia, ao final, o recebimento e processamento da ação direta de


inconstitucionalidade, para que seja julgada procedente, com a declaração de
inconstitucionalidade dos dispositivos apontados (inciso I do art. 8º; incisos I e II do
§ 5º do art. 9º; § 4º do art. 10; trechos em destaque do caput e do § 1º e íntegra
dos §§ 2º a 6º do art. 11; art. 12; art. 19; parágrafo único do art. 30; caput e §§ 1º e
2º do art. 32; incisos II e III do parágrafo único do art. 33; incisos I e II do art. 37,
bem como incisos I e II do § 1º e § 3º do mesmo artigo), cuja incompatibilidade
vertical com normas constitucionais entende demonstrada. Requer,
subsidiariamente, a declaração de inconstitucionalidade in totum do Estatuto do
Torcedor, caso a análise segregada dos trechos da lei impugnada possa tornar o
texto remanescente assistemático.

Houve pedido de liminar inaudita altera parte, em razão da plausibilidade das


alegações e do perigo na demora, consistente na possibilidade de que dirigentes
de HQWLGDGHV GHVSRUWLYDV SRVVDP ³ser vítimas de arbitrariedades, ante a
possibilidade de afastamento preventivo, imediato, automático e compulsório” (fls.
39), bem como na perspectiva de que “referidos dispositivos já produziram
prejuízos e danos irreparáveis e, se mantidos, levarão, celeremente, a organização
e o funcionamento dos entes desportivos à inviabilização e ao caos” (fls. 40). Foi
determinada, pelo então Presidente Min. MAURÍCIO CORRÊA, a aplicação do
artigo 12 da Lei nº 9.868/99, diante da relevância da matéria (p. 80).

A Presidência da República apresentou informações às fls. 89-101,


elaboradas pela Advocacia-Geral da União, com apoio em
pronunciamento da Consultoria Jurídica do Ministério do Esporte, nas quais
defende a improcedência do pedido, argumentando, em resumo, que:

a) o Estatuto do Torcedor não invadiu o direito de livre


associação, não interferiu no funcionamento das associações ou na autonomia das
entidades de prática desportiva quanto a sua organização, nem tampouco invadiu
competência legislativa concorrente;

b) a Lei nº 10.671/03 cuida apenas do direito do torcedor,


67

equiparado à figura do consumidor pelo artigo 42, § 3º, da Lei nº 9.615/98, que
estabelece normas gerais sobre desporto. Logo, o Estatuto do Torcedor é
indissociável do Código de Defesa do Consumidor, pois o organizador do evento
esportivo também se equipara ao fornecedor;

c) o tratamento preferencial do consumidor justifica a


adoção da responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco do negócio,
independentemente de culpa. A responsabilidade objetiva dos dirigentes e
organizadores do evento está em harmonia com o artigo 927 do Código Civil;

d) o Estatuto visa a garantir que se respeitem direitos


básicos do torcedor, como o direito público subjetivo e constitucionalmente
assegurado à integridade física e moral e o direito à transparência na organização
das competições;

e) assegurou-se aos acusados o devido processo legal, por


meio do contraditório e da ampla defesa, do procedimento previsto no artigo 14, §
1º, do Estatuto do Torcedor, e também da aplicação subsidiária dos Códigos de
Processo Civil ou Penal;

f) não houve invasão de competência estadual pela União,


que a exerceu nos limites constitucionalmente previstos. Ainda que o Estatuto do
Torcedor contemple regras sobre desportos, tem caráter genérico e destina a
proteger direito do torcedor. E, mesmo que contemple detalhes eventuais, esse é
³o veículo que assegura o atendimento da regra geral da qual é indissociável”;

g) não ocorreu ofensa à autonomia das entidades


GHVSRUWLYDV³que não são livres para atuar acima ou contrariamente à lei” (fls. 100),
nem ao artigo 5º da Constituição Federal.

O Congresso Nacional enviou informações, elaboradas pela Advocacia do


Senado Federal, nas quais aduz que ³os dispositivos da Lei nº 10.671/2003 em
68

nenhum momento afrontam a Constituição Federal, ao contrário, está ela a


preservar bens e institutos jurídicos que são tutelados pela Lei Maior de forma
rigorosa e prevalente”, propondo a total improcedência da ação. Fundamenta seu
entendimento nas razões a seguir resumidas:

a) o Estatuto do Torcedor tem por objetivos defender a


vida, a segurança e a dignidade da pessoa humana (o torcedor), promover o
desporto brasileiro, considerado patrimônio cultural brasileiro, de elevado interesse
social;

b) a Lei nº 10.671/03 busca garantir os direitos do


torcedor, na qualidade de consumidor, que ³é quem movimenta toda a indústria do
esporte”, estando a sobrevivência desta condicionada ao respeito aos direitos
humanos e de consumidor do torcedor, que merece ³ter sua paixão reconhecida e
valorizada, com a garantia de que as competições que aprecia e participa se
constituam em eventos honestos, transparentes e equânimes” (fls. 113). Inúmeros
acidentes ocorridos em estádios, bem como manipulação de resultados de
competições esportivas, levaram à edição do Estatuto do Torcedor;

c) o evento esportivo é um espetáculo no qual há relação


de consumo, entre as entidades desportivas e seus dirigentes e o torcedor-
consumidor, devendo-se ver a gestão do esporte profissional como atividade
empresarial, submetida às disposições constitucionais sobre a ordem econômica e
financeira (que inclui a proteção ao consumidor);

d) não há interferência indevida aos princípios da livre


iniciativa ou da liberdade de associação, que não são fins em si mesmos e
subordinam-VH j OHJtWLPD LQWHUIHUrQFLD HVWDWDO ³quando essa interferência, na
medida em que busca garantir valores jurídicos fundamentais, justifica a mitigação
dos princípios insculpidos respectivamente no art. 5º, inciso XVIII, e no art. 217,
inciso I, ambos da Carta Maga”;
69

e) os princípios da igualdade e isonomia exigem que se


FRUULMD SRU PHLR GD OHL R GHVHTXLOtEULR GHFRUUHQWH GD ³supremacia do poder
econômico das entidades esportivas sobre os torcedores´;

f) o futebol, principal esporte profissional do país, tem sido


JHULGRjPDUJHPGDOHLSRLVFRPRGHPRQVWUDUDPDV&3,VVREUHRDVVXQWR³não
parece haver regras para a atuação dos dirigentes de clubes. São contratos
informais, movimentações financeiras em paraísos fiscais, propinas, administração
temerária de toda sorte (...)”, justificando-se a intervenção estatal para proteger o
esporte, bem jurídico da sociedade, cujos efeitos e repercussão são públicos e de
interesse coletivo;

g) deve o legislador, pois, conceber mecanismos que


preservem o interesse coletivo nacional, tais como a publicação com antecedência
GRV FDOHQGiULRV GH FRPSHWLo}HV HVSRUWLYDV D IL[DomR GH ³sanções para coibir a
inobservância dos seus dispositivos, de acordo com a natureza da infração, assim
como (...) a possibilidade de adoção de medidas acautelatórias visando garantir o
devido processo de apuração de infrações, a aplicação da lei e a manutenção da
ordem jurídica. O devido processo legal está garantido na medida em que os
indiciados estarão sujeitos à jurisdição criminal, com audiência do Ministério
Público e com direito a todos os meios de defesa previstos na lei dos juizados
especiais criminais.”;

h) a autonomia desportiva não é absoluta, devendo-se


avaliar o limite entre liberdade de organização e independência administrativa, de
um lado, e o respeito ao ordenamento jurídico pátrio, de outro. Deve-se harmonizar
a autonomia desportiva com a fixação de normas gerais sobre desporto, pois não
se pode confundir aquela com ausência anárquica de normas. As entidades
GHVSRUWLYDV H DVVRFLDo}HV ³devem respeito integral às normas previstas na
legislação. (...) Ao mesmo tempo em que são livres para decidir sobre questões
interna corporis de suas organizações, não estão desobrigadas do cumprimento
dos demais ditames constitucionais, bem como das diretrizes estabelecidas pelas
70

legislações civil, tributária, trabalhista, penal e previdenciária” e

i) o desporto tem natureza social, elevado interesse social


e compõe o patrimônio cultural brasileiro, nos termos da Lei nº 9.615/95, integrando
o campo dos direitos difusos. As atividades das entidades desportivas nacionais
não envolvem apenas matéria de cunho desportivo, mas, como atividade
HPSUHVDULDO³questões econômicas, comerciais, tributárias, trabalhistas, sanitárias,
cíveis, etc.” ± DVVLP TXDQGR R (VWDGR HGLWD XPD OHL DSOLFiYHO DR DVVXQWR ³não
necessariamente está legislando apenas sobre desporto, mas cumprindo suas
atribuições constitucionais de garantir a ordem pública, os direitos fundamentais, o
cumprimento da ordem jurídica vigente e, sobretudo, respeitando e fazendo
respeitar os legítimos interesses da sociedade”.

As entidades Avaí Futebol Clube, Ceará Sporting Club, América Futebol


Clube, Santa Cruz Futebol Clube, Clube Atlético Paranaense, Associação Atlética
Portuguesa de Desportos, Cruzeiro Esporte Clube, Sociedade Esportiva Palmeiras,
Santos Futebol Clube, Futebol Brasil Associados, Mogi Mirim Esporte Clube, Vila
Nova Futebol Clube, São Raimundo Futebol Clube, União São João Esporte Clube,
Sociedade Esportiva e Recreativa Caxias do Sul, Grêmio Foot-ball Porto
Alegrense, Esporte Clube Juventude, Sport Club Internacional, Clube Atlético
Mineiro, Paulista Futebol Clube Ltda. e Londrina Esporte Clube requereram sua
admissão ao feito na qualidade de amici curie. Mas, em razão da ocorrência do
fenômeno processual conhecido como preclusão consumativa, indeferi os pedidos.

Manifestou-se à AGU, às fls. 129-130, reiterando o teor das informações


prestadas pela Presidência da República, fls. 89-101, no sentido da improcedência
da ADIN.

A Procuradoria Geral da República opinou, outrossim, pela improcedência da


ação, apresentando as seguintes ponderações, em parecer da lavra do então Vice-
Procurador Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza:

(i) a interpretação dada pelo autor à liberdade de


71

associação destoa da exegese do texto constitucional, que não garante, às


associações, total independência ou desnecessidade de subordinação a
regramentos normativos. A proibição de interferência estatal no funcionamento das
associações restringe-se às intervenções arbitrárias, e esse não é o caso do
Estatuto do Torcedor, TXH ³representa o atendimento aos anseios de inúmeros
cidadãos, que na qualidade de torcedores, eram obrigados a suportar o descaso e
os desmandos dos dirigentes das mais diversas associações esportivas”. É,
SRUWDQWR ³perfeita e exigível a intervenção do Poder Público, a fim de que sejam
protegidos os direitos de uma camada expressiva da população que, em última
análise, financia o desenvolvimento do esporte no país”;

(ii) não há ofensa à autonomia das entidades de prática


desportiva, quanto à sua organização e funcionamento, porque a lei impugnada
não às disciplinas, apenas protege o direito do torcedor. Autonomia não se
confunde com independência, soberania ou total falta de compromisso com o bem-
estar público ± tem cunho administrativo, relativo a sua organização e
funcionamento, e não pode ensejar desprezo aos interesses da coletividade. O
Estatuto do Torcedor, ademais, não altera em nenhum dispositivo ³o
funcionamento e a organização administrativa das entidades e associações
desportivas, sendo fixados, na verdade, preceitos a serem obedecidos a fim de que
sejam protegidos os direitos de sujeito estranho a esta estrutura interna: o
torcedor”;

(iii) o artigo 42, § 3º, da Lei nº 9.615/98, equipara o


torcedor ao consumidor, donde perfeita a consagração da responsabilidade
objetiva no artigo 19, caput, do Estatuto do Torcedor, fundada na teoria do risco e
na hipossuficiência do consumidor-torcedor; e

(iv) não se verifica invasão de competência legislativa pela


União, por suposta infração ao art. 24, I, porque o Estatuto, como o CDC, ³fixa os
princípios norteadores da proteção dos direitos do torcedor, estabelecendo ainda,
os instrumentos que garantirão efetividade a tais princípios”.
72

O Partido Progressista se manifestou em outras oportunidades. Noticiou, às


fls.153-193, a existência de casos de afastamento de dirigentes esportivos (da
Federação de Futebol do Rio de Janeiro), bem como a divulgação dos fatos pela
³JUDQGHPtGLD´-XQWRXjVIOV-323, cópias de decisões que deram aplicação à
Lei 10.671/03, especialmente ao artigo 37, § 3º (afastamento compulsório de
dirigentes), aduzindo a existência de danos irreparáveis ao desporto. E aduziu às
fls. 338-348 que a inicial não confundiu autonomia desportiva com soberania, mas
que aquela decorreu desta e não pode sofrer limitações infraconstitucionais.
Também se insurge contra a aproximação entre o estatuto do torcedor e o CDC e
repete argumentos já expendidos na inicial, anexando cópias de reportagens
alusivas a vicissitudes do esporte profissional envolvidas, em seu entendimento,
com a aplicação do estatuto.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator):

1. Esclareço, desde logo, que as diversas modificações introduzidas no


chamado Estatuto de Defesa do Torcedor pela Lei nº 12.299, de 27 de julho de
2010, em nada atingiram o teor e o alcance das normas atacadas nesta ação, cujo
objeto não está, pois, prejudicado.

2. Vou-lhe ao mérito. A ação direta proposta contra a validez constitucional


do Estatuto do Torcedor, posto que envolva assunto de relevante impacto
social e de consideráveis efeitos sobre o esporte pátrio, não me parece de
difícil resolução. As informações prestadas, bem como as manifestações da
AGU e da PGR, no sentido da total improcedência da ação, indicam-lhe o
desfecho apropriado.

A inconsistência das alegações do requerente não é sutil, pois, em síntese,


nenhuma das normas impugnadas fere o texto constitucional, o que desnuda a
73

absoluta inaplicabilidade dos princípios que invocou.

Os argumentos todos da inicial ± muitos dos quais, aliás, guardam estreita


VHPHOKDQoD FRP WUHFKRV GDREUD³Direito Desportivo: novos rumos´ GH ÈOYDUR GH
Melo Filho, sendo as de fls. 10 a 28 nitidamente inspiradas no teor constante das
páginas 93 a 120 desse livro ± fundamentam, em essência, as três principais
arguições da causa: (i) extravasamento da competência da União, em razão da
edição de normas não gerais; (ii) ofensa à autonomia das entidades desportivas; e
(iii) lesão a diversos direitos e garantias individuais por força das sanções
irrazoáveis e desproporcionais previstas no Estatuto. Não tem razão.

2. O diploma questionado não deixa de ser um conjunto


ordenado de normas de caráter geral. Sua redação não só atende à boa regra
OHJLVODWLYD VHJXQGR D TXDO ³de minimis non curat lex´ FRPR HVWDEHOHFH preceitos
que, por sua manifesta abstração e generalidade ± em relação assim ao conteúdo,
como aos destinatários ± configuram bases amplas e diretrizes gerais para
disciplina do desporto nacional, no que toca à defesa do torcedor.

Não vislumbro, no diploma, nenhuma norma ou tópico que desça a


³peculiaridades locais´ FRPR VH DOXGLX QD $', Qž  5HO 0LQ &$5/26
9(//262'-GH QHPD³especificidades´RX³singularidades´HVWDGXDLV
ou distritais, como se tachou na ADI nº 3.669, (Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJ de
29.06.07, e Informativo STF nº 472). A lei não cuida de particularidades nem de
PLQXGrQFLDV TXH SXGHVVHP HVWDU UHVHUYDGDV j GLWD ³competência estadual
concorrente não cumulativa ou suplementar´ $', Qž   GR DUW  † ž GD
Constituição da República. A União exerceu a competência estatuída no inciso IX
desse artigo, sem dela desbordar, em se adstringindo a regular genericamente à
matéria.

É muito evidente, por outro lado, que as normas gerais expedidas não
poderiam reduzir-se, exclusivamente, a princípios gerais, sob pena de completa
inocuidade prática. Tais normas não se despiram, em nenhum aspecto, da sua
vocação genérica, nem correram o risco de se transformar em simples
74

recomendações. Introduziram diretrizes, orientações e, até, regras de


procedimentos, todas de cunho geral, diante da impossibilidade de se estruturar,
normativamente, o subsistema jurídico-desportivo apenas mediante adoção de
princípios.

Neste passo cabe observação adicional. As competições esportivas são, por


natureza, eventos fortemente dependentes da observância de regras,
designadamente as do jogo. Nesse sentido, o Estatuto do Torcedor guarda, em
certas passagens, índole metanormativa, porque, visando a proteção do
espectador, dita regras sobre a produção de outras regras (os regulamentos). E daí
vem a óbvia necessidade da existência de regras, ao lado dos princípios, no texto
normativo, que nem por isso perde o feitio de generalidade.

Nenhum intérprete racional, por mais crédulo que seja, poderia ter convicção
sincera de que uma legislação federal sobre competições esportivas que fosse
pautada apenas pelo uso de substantivos abstratos, como, por exemplo, princípios
GH ³WUDQVSDUrQFLD´ ³UHVSHLWR DR  WRUFHGRU´ ³SXEOLFLGDGH´ H ³VHJXUDQoD´ SXGHVVH
atingir um mínimo de efetividade social, sem prever certos aspectos procedimentais
imanentes às relações de vida que constituem a experiência objeto da normação.
Leis que não servem a nada não são, decerto, o do que necessita este país e,
menos ainda, a complexa questão que envolve as relações entre dirigentes e
associações desportivas.

Ainda nos dispositivos mais pormenorizados ± como, v. g., o art. 11, que trata
das súmulas e relatórios das partidas ±, existe clara preocupação com o resguardo
e o cumprimento dos objetivos maiores do Estatuto, à luz do nexo de
instrumentalidade entre regras e princípios. Além disso, o fato de aplicar-se à
generalidade dos destinatários é providência fundamental nas competições de
caráter nacional, cuja disciplina não poderia relegada ao alvedrio de leis estaduais
fortuitas, esparsas, disformes e assistemáticas. Ao propósito, notou a Procuradoria-
Geral da República:
75

³$Vafirmações no sentido de que o legislador fixou minúcias as quais somente


poderiam ter sido determinadas pelos Estados e Municípios não possuem
fundamento, porquanto o que se verifica, na realidade, é que o Estatuto fixa os
princípios norteadores da proteção dos direitos do torcedor, estabelecendo ainda
os instrumentos que garantirão efetividade a tais princípios. (...) Caso a União não
estabelecesse, desde já, os meios que garantem a concretização dos princípios
consagrados no diploma legal, estes poderiam permanecer no mundo da
abstração, tornando o Estatuto do Torcedor um mero rol de dispositivos normativos
destituídRVGHIRUoDFRJHQWH´

Ademais, embora possa ter inspiração pré-jurídica em características do


futebol, de certo modo o esporte mais popular e que movimenta as maiores cifras
no planeta, aplica-se o Estatuto às mais variadas modalidades esportivas (art. 2º),
tanto do ângulo dos torcedores, quanto das entidades que as promovam, sem
prejuízo das particularidades de cada qual.

Deve-se ressaltar, ao depois, que a Lei nº 10.671/03 se destina a reger ações


apenas no plano do desporto profissional, circunstância que o autor parece tomar
FRPR IRQWH GH VXD VXSRVWD ³QmR JHQHUDOLGDGH´ e D SUySULD &RQVWLWXLomR GD
5HS~EOLFD QR HQWDQWR TXH LPS}H HVVD GLVWLQomR DR H[LJLU QR DUW  ,,, ³o
tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional´ O
discrímen na regulação, portanto, é mais que legítimo, já que encontra amparo no
texto mesmo da Constituição da República, sem que as normas voltadas ao só
campo profissional deixem de estar, nesse âmbito de incidência, revestidas de
generalidade.

3. No que tange à autonomia das entidades desportivas, ao


direito de livre associação e a não intervenção estatal, tampouco assiste razão ao
requerente. Seria até desnecessário a respeito, mas faço-o por excesso de zelo,
relembrar a velhíssima e aturada lição de que nenhum direito, garantia ou
prerrogativa ostenta caráter absoluto. Como acentua VIEIRA DE ANDRADE, que
se debruça largo sobre as três vertentes da limitação a que estão sujeitos, não ³é
76

novidade afirmar... que os direitos fundamentais não são absolutos nem


ilimitados´.54

É o que já assentou esta Corte:

“Os direitos e garantias individuais não têm caráter absoluto.


Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou
garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque
razões de relevante interesse público ou exigências derivadas
do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda
que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos
estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais
ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos
pela própria Constituição. O estatuto constitucional das
liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas
estão sujeitas — e considerado o substrato ético que as
informa — permite que sobre elas incidam limitações de
ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a
integridade do interesse social, e de outro, a assegurar a
coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito
ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem
pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de
terceiros." 55
Tem-se a alegação de ofensa aos incisos XVII e XVIII do art. 5º da
&RQVWLWXLomR GD 5HS~EOLFD VRE GHVDYLVDGD DVVHUomR GH TXH ³a autonomia
desportiva (art. 217, I), diferentemente da mencionada autonomia universitária, não
tem qualquer condicionante nos princípios e normas da Carta Política, do mesmo
modo que inexiste qualquer limitação insculpida no corpo normativo da
Constituição Federal”.

Penso se deva conceber o esporte como direito individual, não se afigurando


viável interpretar o caput do artigo 217 - que consagra o direito de cada um ao
esporte - à margem e com abstração do inciso I, onde consta a autonomia das
entidades desportivas. Ora, na medida em que se define e compreende como

54
VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na constituição portuguesa de 1976.
Coimbra: Almedida. 1967, p. 213. Ver, ainda, p. 215 e segs. Sobre certa relativização do próprio valor
da dignidade humana, segundo boa parte da doutrina constitucional contemporânea, cf. SARLET,
Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado. 2007. p.128-145.
55
MS nº 23.452, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 12.05.00.
77

objeto de direito do cidadão, o esporte emerge aí, com nitidez, na condição de bem
jurídico tutelado pelo ordenamento, em relação ao qual a autonomia das entidades
é mero instrumento de concretização, que, como tal, se assujeita àquele primado
normativo. A previsão do direito ao esporte é preceito fundador, em vista de cuja
realização histórica se justifica a autonomia das entidades dirigentes e
associações, quanto à sua organização e funcionamento.

Logo, é imprescindível ter-se em conta, na análise das cláusulas impugnadas,


a legitimidade da imposição de limitações a essa autonomia desportiva, não, como
VXVWHQWD R UHTXHUHQWH HP UD]mR GH VXEPLVVmR GHOD j ³legislação
LQIUDFRQVWLWXFLRQDO´ mas como exigência do prestígio e da garantia do direito ao
desporto, constitucionalmente reconhecido (art. 217, caput).

O esporte é, aliás, um dentre vários e relevantes direitos em jogo. As


disposições do Estatuto homenageiam, inter alia, o direito do cidadão à vida, à
integridade e incolumidade física e moral, inerentes à dignidade da pessoa
humana, à defesa de sua condição de consumidor, ao lazer e à segurança.

Não me impressionam, por isso, os argumentos ad terrorem desfiados pelo


requerente, segundo os quais muitos incidentes lamentáveis (brigas em estádios,
YLROrQFLD PRUWH H ³EDUEiULH HQWUH WRUFLGDV´  GHFRUUHULDP GD vigência do Estatuto.
Esta inconcebível relação de causalidade é expressamente sugerida pelo
UHFRUUHQWH TXH UHOHYD DR SHGLU XUJrQFLD QR MXOJDPHQWR GR IHLWR ³RV WXPXOWRV H
LQFHUWH]DV TXH DV QRUPDV LPSXJQDGDV YrP FDXVDQGR DR GHVSRUWR QDFLRQDO´ IOV
338). Parece, até, fazer crer que os torcedores se revoltam contra a maior
transparência nas competições ou com a possibilidade de os maus dirigentes
serem punidos, entranto, levando-os, por consequência, a agir de maneira violenta
nas praças esportivas. Trata- se de absurdo que o transcurso do tempo só
avigorou.

As regras do Estatuto têm por objetivo, precisamente, evitar ou, pelo menos,
reduzir, como tem reduzido, em frequência e intensidade, os episódios e incidentes
narrados nas sucessivas petições do requerente. Sua adoção e observância
78

estritas ± DR FRQWUiULR GR TXH VH DGX] VRE D WtSLFD IDOiFLD³post hoc, ergo propter
hoc” ± não são nem nunca foram causa de tais problemas, senão exemplo frisante
de legítimo esforço para conjurá-los. E é bom não esquecer que se ainda com
todas as medidas alvitradas no Estatuto e postas em prática, os problemas não
foram de todo extintos, decerto mais caótica e preocupante seria a situação se o
diploma não estivesse em vigor.

4. De todo modo, no que concerne ao alegado desrespeito


a direitos e garantias individuais, anoto que, sobre não se revestirem de caráter
absoluto, como já afirmado, não encontro sequer vestígio de ofensa aos incisos X
(intimidade, honra, imagem dos dirigentes), LIV (devido processo legal), LV
(contraditório e ampla defesa), LVII e § 2º (proibição de prévia consideração de
culpabilidade), todos do art. 5º da Constituição da República.

A responsabilização objetiva prevista no art. 19 é consectário da textual


equiparação das entidades desportivas, consoante o disposto no art. 3º, à figura do
fornecedor do Código de Defesa do Consumidor. Tal equiparação não é apenas
obra da lei, mas conclusão necessária da relação jurídica que enlaça os eventos
desportivos profissionais e os torcedores. Fere qualquer conceito de justiça
imaginar que pequena lavanderia possa ser responsabilizada, quando cause dano
ao cliente, mas organizadores de eventos milionários, de grande repercussão, com
público gigantesco, e que se mantêm graças à paixão dos torcedores que pagam
pelo ingresso e pelos produtos associados, já não suportem nenhuma
responsabilidade sob pretexto de se não enquadrarem no conceito ou classe dos
fornecedores. Todo fornecedor ou prestador de espetáculo público responde pelos
danos de suas falhas.

E a solidariedade atribuída aos dirigentes tipifica hipótese de desconsideração


direta, ope legis, da personalidade jurídica, positivada em estratégia normativa
análoga ao que, além doutras leis, o Código de Defesa do Consumidor já prevê em
termos de poder conferido ao magistrado (art. 28, caput e § 5º), em consideração
de intuitivos propósitos inibitórios e de garantia. Será ou é, deveras, medida dura,
que, necessária, adequada e explicável no contexto dos riscos aos direitos do
79

torcedor, não insulta nenhum preceito constitucional.

Não há falar, ainda, em indevida imposição de sanção dupla, desproporcional


ou irrazoável pela razão manifestíssima de que as penalidades do art. 37 são
aplicáveis a hipóteses diversas, à vista da gravidade das condutas, segundo
consideração do legislador. O inciso I do art. 37 prevê destituição por violação das
regras dos Capítulos II (transparência à organização), IV (segurança do torcedor) e
V (ingressos), enquanto o inciso II concerne aos demais dispositivos.

Por sua vez, o afastamento prévio e compulsório dos dirigentes e de outras


pessoas que, de forma direta ou indireta, possam comprometer ou prejudicar a
completa elucidação dos fatos, encontra sua ratio iuris na necessidade de
assegurar resultado útil ao processo de investigação, e somente será determinado
pelo Poder Judiciário, donde não constituir sanção, mas autêntica medida cautelar
que, compatível com a Constituição da República, é regulada em diversas áreas do
Direito.

Não há, nesse instituto, contrariedade alguma à chamada presunção


constitucional de inocência. E, no particular, bem advertiu a AGU que as normas do
Estatuto ³(...) ao indicar punições por desrespeito às regras de direito público,
inafastáveis por interesses particularistas (...), guardam plena e equilibrada relação
de causa e efeito, mediante apuração em devido processo legal, que ocorrerá
perante o juiz de direito.”

As reportagens e decisões juntadas pelo requerente, relativas ao afastamento


compulsório de dirigentes, antes que apoiar, reforçam-lhe a inconsistência da
argumentação, ao revelarem a aplicabilidade, a efetividade e a aceitação social das
normas impugnadas, as quais guardam consonância rigorosa com a Constituição.

Por fim, ainda do ponto de vista extrajurídico, a válida legislação, além de


tutelar, diretamente, o torcedor, favorece, indiretamente ± até porque em nenhum
dispositivo estabelece normas tendentes a alterar o funcionamento e a organização
administrativa das entidades ±, o aperfeiçoamento das instituições, incentivando-
80

lhes a profissionalização e a busca da eficiência na gestão esportiva, com benefício


a toda a sociedade. Pertinente, aqui, a observação do Min. Gilmar Mendes,
quando, supondo o correto desempenho da função social do esporte, nos relembra:

“Em um mundo no qual se cultiva de forma intensa o conflito,


o esporte propicia o desenvolvimento de princípios aplicáveis
a outras áreas do comportamento humano, tais como
integração social e racial (...) Quando falei da função social,
pensei nessa ideia da tolerância, porque aprendemos a
ganhar, mas também a perder. Isso é fundamental como regra
de civilidade, do contrário se instauraria uma selvageria, o
vale-tudo.”56
Eventuais maus dirigentes, únicos que se não aproveitam da aplicação da lei,
esses terão de sofrer as penalidades devidas, uma vez apuradas as infrações e as
responsabilidades, sob o mais severo respeito aos direitos e garantias individuais
(due process of law), como, aliás, prevê o Estatuto. Não lhes é dado questionar lei
que, de cunho tuitivo, suplementar ao Código de Defesa do Consumidor,
UHYHUHQFLD WRGDV DV SURYLV}HV FRQVWLWXFLRQDLV $ SURWHomR WUD]LGD ³representa o
atendimento aos anseios de inúmeros cidadãos, que na qualidade de torcedores,
eram obrigados a suportar o descaso e os desmandos dos dirigentes das mais
diversas associações e entidades desportivas”. E, a título de derradeiro efeito
positivo, o Estatuto SRGHUi³colocar para escanteio” a nefasta figura do cartola, cuja
GHILQLomROH[LFDOpDGH³dirigente de clube ou de qualquer entidade esportiva, visto
geralmente como indivíduo que se aproveita de sua posição para obter ganhos e
prestígio” (Dicionário Houaiss).

5. Ante o exposto, julgo improcedente a presente ação


direta de inconstitucionalidade.

VOTO

A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, embora paixão

56
Direito Desportivo: função social dos desportos e justiça desportiva In: MACHADO, Rubens A. et al.
Curso de direito desportivo sistêmico. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 335- 343.
81

e segurança não costumam andar de mãos dadas, compartilho da compreensão de


que este Estatuto de Defesa do Torcedor visa a assegurar ao torcedor o exercício
da sua paixão com segurança, o máximo da segurança possível. Isso implica,
necessariamente, imputar responsabilidade aos organizadores dos eventos
desportivos. Como o Código de Defesa do Consumidor, ele tem por objeto e
objetivo a defesa do torcedor. É o próprio artigo 1º que estipula que o Estatuto
estabelece normas de proteção e defesa do torcedor.

Fiz a leitura atenta de todos os preceitos acoimados de inconstitucionais


nesta ADI e compartilho do entendimento de Vossa Excelência no sentido de que,
observado o objetivo da lei, não se vislumbra o vício de inconstitucionalidade. Ao
contrário, entendo que tais dispositivos guardem absoluta consonância com o
nosso texto fundamental e, por isso, acompanho o voto de Vossa Excelência na
íntegra.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhor Presidente, egrégio Plenário,


ilustre representante do Ministério Público, senhores advogados presentes.

Senhor Presidente, todas as peças que instruem o processo, oriundas das


autoridades públicas, na realidade deixam entrever que o Estatuto do Torcedor,
mutatis mutandis, é um código de defesa do torcedor, que é quem subvenciona
esses espetáculos.

Confesso a Vossa Excelência que, em um primeiro momento, antes de ouvir


o voto de Vossa Excelência, eu me deparei com uma certa perplexidade com o
artigo 19, responsabilizando solidariamente os dirigentes. Pareceu-me que esse
dispositivo não perpassaria pelo critério da razoabilidade e da proporcionalidade,
haja vista essas infrações multitudinárias que ocorrem nos estádios de futebol:
pode-se imaginar duas torcidas grandiosas do futebol carioca e do futebol paulista
gerando danos múltiplos em inúmeras pessoas e a insuficiência patrimonial natural
de um dirigente para implementar esta obrigação.
82

Por outro lado, Senhor Presidente, os benefícios da lei são tão relevantes,
pelo que se lê até da exposição de motivos, e, ato contínuo, o ordenamento jurídico
defende de maneira tão eficaz aquele que pode até ter a obrigação ex legis (mas
não tem como cumpri-la, porque tem o bem de família, tem a insuficiência
patrimonial, a pena não passa da pessoa do condenado e, quando vai aos
sucessores, obedece àquele limite do que foi transmitido) e há tantos instrumentos
de defesa desses dirigentes - e, como Vossa Excelência também destacou, essa
responsabilidade vai ser apurada casuisticamente e já era antevista pelo próprio
Código Civil, antes mesmo do Código de Defesa do Consumidor -, que eles fazem
com que efetivamente se mantenha a higidez da norma. Sob o ângulo formal,
entendo que esses dispositivos se encartam na competência da União para legislar
sobre desporto e, de forma alguma, têm interferência na vida interna corporis das
entidades associativas e das agremiações. Por isso, acompanho o brilhante voto de
Vossa Excelência.

VOTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA ² Senhor Presidente, eu também


acompanho Vossa Excelência e faço brevíssimas observações.

A primeira é que, especialmente em se tratando ² só para citar o que foi


referido várias vezes nos trabalhos e, agora, na tribuna ² do futebol, que é o que
mais chama atenção quando se fala no torcedor, se é verdade que, como disse
Nelson Rodrigues, o Brasil é a pátria de chuteiras, o torcedor é o cidadão que usa
essas chuteiras e, por isso mesmo, como tudo o que diz respeito ao cidadão e à
cidadania que se exerce no espaço público, há de merecer, nos termos do artigo
17, o tratamento normativo competente.

Num primeiro momento, a alegação de que não se trataria apenas de normas


gerais ² que Vossa Excelência enfatizou também no início do voto ² chama
atenção porque esta não é uma matéria que tenha tido um tratamento que possa
ser considerado um tratamento brasileiro do Direito, uma teoria brasileira dessas
normas. Raul Machado Horta, que tanto se debruçou sobre isso, fala em normas
83

quadro, mas trazendo um pouco de modelos estrangeiros que traçam apenas uma
moldura, que seria preenchida, conforme a federação, pelos Estados.

Não é isso que se tem no Brasil. Como Vossa Excelência bem afirmou,
pensamento do qual partilho inteiramente, essas normas gerais não deixam em
desvalia a necessidade de normas que deem substância a isso que está posto;
quer dizer, não é apenas de enunciado, nem lei é aviso só por ser norma geral,
nem é uma proposta. Não me parece que tenha havido nenhuma exorbitância, ao
contrário do que alegado na petição inicial e nos documentos que, depois, vieram
a, mais uma vez, reiterar o quanto dito.

Quanto à liberdade de associação, que também foi objeto de muitos cuidados,


tenho que não há nenhuma possibilidade que se considere inconstitucional,
pela circunstância de que o que se veda é apenas arbítrio do legislador ou do
Estado de interferir, não de ausência de normas. Por essa razão, eu também
considero que a liberdade de associação, garantida pela Constituição, de nenhuma
forma foi tisnada, maculada neste caso.

O artigo 19, que inicialmente também tinha me causado preocupação,


posteriormente mostrou, a meu ver, num estudo mais detalhado, que não interfere
realmente em nada, nem agride nenhum dispositivo constitucional. A explicação de
Vossa Excelência agora enriquece, pois que os precedentes que nós já temos na
própria legislação autorizam, e isso será devidamente verificado.

Não vejo nenhuma exorbitância no que se refere ao artigo 18, que foi também
tido como um dos agredidos, ou seja, que a autonomia dos Estados estaria
comprometida pela circunstância de que a União teria ido além daquilo que lhe é
garantido. Vejo nessa legislação um resguardo dos torcedores. Vossa Excelência
GL]TXHHODQmRPDQGRX³SUDHVFDQWHLR´HXDLQda sou do tempo em que se falava
em corner e que se falava "retrato", não "foto". Então, acho que realmente essa
OHJLVODomR QmR PDQGD ³SUD HVFDQWHLR´ ² para usar o que Vossa Excelência disse
² nenhum dos princípios ou normas constitucionais, razão pela qual tenho a ação
como improcedente, tal como Vossa Excelência, acompanhando, portanto, a
84

conclusão do brilhante voto de Vossa Excelência.


É como voto, Presidente.

VOTO

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO ² Senhor Presidente também acho


que Vossa Excelência fez excelente, um voto que me lembra aquela imagem de
alguém que consegue bater o escanteio e cabecear ao mesmo tempo.

Vossa Excelência fez um imbricamento, um enlace da matéria desporto com


outros bens jurídicos, com outras matérias constitucionais também de primeira
grandeza. De fato, as práticas desportivas se colocam numa linha de intersecção
com a economia, a cultura brasileira, o exercício de profissões e a defesa do
consumidor, conforme Vossa Excelência bem retratou numa análise mais
abrangente, numa macroanálise ² e tudo de lastro constitucional.

Vossa Excelência lembra muito bem que o mais popular dos esportes, em
todo o planeta, é o futebol. Pelo refinamento artístico em que consiste o futebol,
sobretudo aqui no Brasil ² outros dizem que não mais aqui, no Brasil, com
preponderância, a partir do exemplo do Barcelona, na Espanha, que, sem dúvida,
é o time de futebol melhor do mundo, hoje ², é o esporte mais popular por
características interessantes de envolvimento emocional, que toca as raias da
paixão. Daí a Ministra Rosa Weber dizer com muita propriedade: o exercício da
paixão do torcedor com segurança, debaixo de segurança.

E segurança é outro setor constitucional lembrado por Vossa Excelência


porque, de fato, essas práticas esportivas, a partir do futebol ² hoje do vôlei, que
coloca tão bem o Brasil no cenário internacional ², significam a concentração de
multidões em determinados espaços físicos, sob um clima de acirramento de
ânimos, de revelação de impulsos emocionais que, realmente, tocam os debruns
do apaixonamento, da paixão. Aí entra o item da segurança, da saúde, da
incolumidade física de cada torcedor.
85

O futebol, por exemplo, no Brasil é a profissão de milhares e milhares de


pessoas, entre jogadores, organizadores, técnicos, massagistas, roupeiros,
assistentes técnicos, médicos. Há toda uma estrutura econômica em torno de
certas práticas desportivas, e a figura do consumidor não pode deixar de ser
considerada, como Vossa Excelência muito bem lembrou.

Podemos colocar no enfoque dessas práticas desportivas a dicotomia


fornecedor do espetáculo público/consumidor. Quando a Constituição fala de
competência concorrente legislativa e estabelece esse condomínio legislativo para
legislar sobre determinados bens jurídicos, em alguns deles a legislação se fará no
sentido protetivo; a Constituição usa o substantivo "proteção". É o que faz essa lei:
protege o torcedor-consumidor sem prejuízo, também disse Vossa Excelência, da
autonomia das entidades esportivas, que são verdadeiras associações, protegidas,
portanto, pelo artigo 5º da Constituição, porque a autonomia imposta, preservada
ou garantida pela Constituição é quanto à organização e ao funcionamento dessas
instituições. Não é autonomia para ditar as regras do jogo, não é autonomia para
dotar essas instituições de um poder normativo, de um poder regulamentar sobre
práticas esportivas, absolutamente.

Depois, subjaz ao regramento constitucional um outro tipo de autonomia que


a lei reforça. É uma autonomia implícita. É aquela que se traduz na proibição de o
Estado aparelhar ideologicamente as entidades para alcançar objetivos político-
ideológicos, objetivos que não sejam propriamente do esporte.

Então, a lei impede esse apoderamento, essa apropriação das instituições e


das organizações esportivas para fins ideológicos do Estado ou de eventuais
dirigentes do Estado.

Enfim, Senhor Presidente, eu teria muita coisa ainda para dizer sobre esse
tema do desporto, mas terminaria como Vossa Excelência começou: é dever do
Estado fomentar práticas esportivas, formais e não formais, como direito de cada
um de nós, como direito de cada assistente, como direito de cada torcedor. E esse
enfoque jurídico subjetivo, investindo os torcedores numa situação jurídica ativa,
86

Vossa Excelência colocou muito bem como tratado por maneira


constitucionalmente irretocável pela lei agora posta em xeque.

Cumprimento Vossa Excelência pelo acerto, pela judiciosidade do seu voto e


também julgo improcedente a ADI.

VOTO

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES ² Presidente, eu também vou


me manifestar no sentido da improcedência da ação. Vossa Excelência já
demonstrou bem que, ao tratar do desporto, no artigo 217, o próprio texto
constitucional estabelece claramente um dever geral de proteção no sentido de
"ser dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como
direito de cada um".

E aí diz:
"(…) observados:
I- a autonomia das entidades desportivas dirigentes e
associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II- a destinação de recursos públicos para a promoção


prioritária do desporto educacional e, em casos específicos,
para a do desporto de alto rendimento;

III- o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o


não profissional;

IV- a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de


criação nacional".

Ao exigir que o Estado atue aqui, obviamente a Constituição não supôs uma
ausência de atuação do Estado, muito menos uma ausência de disciplina
normativa. Por outro lado, se houvesse qualquer dúvida ² e dúvida não há em
relação a isso ², o próprio texto constitucional define as competências das
entidades:
"Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre:
87

..........................................
IX - educação, cultura, ensino e desporto."

A base para legislação está claramente aqui fixada quanto à competência


concorrente.

Todos nós sabemos que decorre desse próprio modelo do artigo 24 a ideia de
que a competência da União para legislar sobre essas chamadas normas gerais,
como esclarece o § 1º, não exclui a competência suplementar dos Estados. Daí,
então, vem a questão ² que já foi colocada de forma magnífica no voto de Vossa
Excelência e, depois, considerada nas outras observações aqui trazidas pelos
demais Ministros ², na qual, muitas vezes, a imposição de uma regulação, de uma
disciplina universal decorre da necessidade de um tratamento uniforme. Se há
exatamente uma imposição desse tipo, é na seara que envolve essa prestação de
serviço/espetáculo e da necessidade de que haja a definição de responsabilidade
de forma geral, de forma global.

Não seria admissível que nós tivéssemos, num campeonato nacional, por
exemplo, disciplinas diversas sobre a temática relativa ao chamado Direito do
Consumidor, utente, expectador, e as responsabilidades dos eventuais
apresentadores, prestadores. Isso exige uma disciplina uniforme.

Tanto isso é verdade que, fora mesmo do contexto legislativo, também as


próprias regras ² essa é uma área, inclusive, muito interessante ² têm sido
objeto de uma série de elucubrações por parte de importantes teóricos do Direito: a
área do desporto e a sua autonomia. O notável Gunther Teubner, por exemplo, fala
que aqui é um campo em que a autopoiese se realiza de maneira muito forte, muito
evidente, citando como exemplo o poder da FIFA; quer dizer, consegue
conglomerar um número elevado de países, federações que a compõem, muito
mais até do que a ONU, estabelece regras mais ou menos uniformes e tem um
poder coativo enorme. Vejam as dificuldades das discussões que nós estamos a
assistir quanto à chamada Lei Geral da Copa, que, na verdade, é quase que uma
88

disciplina mais ou menos universal, aqueles modelos que se estabelecem mundo


afora, uma condição, um tipo de acordo, de agreement, que se faz com uma
organização ² e realmente não seria reconhecida como organização internacional,
mas, talvez, uma das mais internacionais das organizações.

No plano interno, é interessante verificar que essa organização


também se faz de maneira efetiva, tanto é que repudia-nos a ideia ² e o
próprio texto constitucional valida isso ² de uma certa intervenção do Estado em
algumas searas da atividade desportiva, na medida em que o texto clama alguma
intervenção, mas, ao mesmo tempo, também limita. Por exemplo, diz no § 1º do
artigo 217 que "O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às
competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva,
regulada em lei;".

O Ministro Ayres Britto gosta de fazer esse tipo de análise. Salvo engano,
talvez seja o único ponto no texto constitucional em que expressamente se faz uma
ressalva àquela disposição quanto à proteção judicial de caráter universal. É um
exemplo típico para, realmente, destacar a autonomia. E nós, de qualquer forma,
incorporamos um pouco esse sentimento, tanto é que consideramos como um jogo
não muito fair o recurso à Justiça para essas questões de anulação das punições
dos tribunais desportivos. Veja também a eficácia das decisões, que muito
rapidamente já se aplicam às suspensões, sem que haja muita discussão. É um
setor que realmente chama atenção por todas as suas singularidades.

Exatamente por isso, tendo em vista a repercussão que esse tema desperta
em todos nós, especialmente no Brasil, por causa da nossa sensibilidade para a
questão do desporto ² inicialmente para o futebol, mas, hoje, já ampliado para
outras áreas ², é que é importante mostrar, como Vossa Excelência mostrou no
seu voto, a necessidade de uma disciplina minimamente uniforme e igualitária.
Também aqui eu não vejo sentido ² embora também já tenha feito coro às
manifestações, em outro momento, de que é preciso valorizar a autonomia dos
entes federados. Acho que há quase que uma imposição de uma disciplina
normativa uniformizada para que nós não tenhamos dissensos nesse campo.
89

Como o Ministro Fux ² e Vossa Excelência também já havia destacado ²,


tive um pouco de dúvida em relação à questão da responsabilidade solidária.
Parece-me até que é uma opção técnica inevitável. A AGU e o Ministério Público
chamam a atenção para o modelo preexistente do Código do Consumidor, que
trabalha com a ideia de responsabilidade solidária, talvez até estimulando uma
atitude de prevenção. E veja que no esporte internacional essa é mais ou menos a
regra, tanto que se cancelam jogos. Quer dizer, pune-se, às vezes, o país; pune-se
um determinado clube, de forma geral, por ali terem verificado atos de vandalismo
² como ocorria, por exemplo, no futebol europeu, no futebol inglês ²; pune-se o
local, o estádio. Ele deixa de ser palco, por exemplo, de atividades esportivas
internacionais.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO ² Aqui no Brasil já se faz isso


também, interditando estádios.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES ² Há uma interdição ao próprio


estádio. Ele deixa de ser parte ou palco dessas atividades. Veja, portanto, que é
uma tentativa de estimular não a sanção, mas um atitude de prevenção, para que
todos os dirigentes e todas as pessoas envolvidas nesse espetáculo, que é
complexíssimo, possam tomar as medidas adequadas para desestimular essas
práticas.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO ² E em prol da


credibilidade do próprio esporte, ou do desporto como um todo, o Estado adota
essas medidas.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES ² Assim, também, toda a


discussão e a responsabilização dos clubes pelas chamadas "torcidas
organizadas", porque elas é que acabam, muitas vezes, causando esse tipo de
dano generalizado. Quer dizer, é um estímulo para essa responsabilidade.
Portanto, é uma técnica que o legislador quis utilizar para obter, talvez, não o
resultado responsabilização, pois o que não se quer aqui é que ocorram essas
tragédias, mas para que haja uma atitude ativa no que concerne à prevenção.
90

Com essas brevíssimas considerações, também voto no sentido da


improcedência, destacando este aspecto que é realmente singular: a busca dessa
autonomia e a disciplina que o texto constitucional, acredito que de forma muito
feliz, conferiu à matéria nesse contexto de esporte.

Para encerrar, Presidente, eu lembrava que, numa das muitas conversas que
tive com o professor Peter Rabele, eu ² adepto do futebol, e ele sem compreender
qualquer coisa ligada ao futebol ² dizia que existe uma identidade constitucional
EUDVLOHLUD (OH XP SRXFR HP WRP GH EULQFDGHLUD GL]LD ³e HQWUH RXWUDV FRLVDV
talvez, no futebol. O futebol compõe essa alma mater do sistema constitucional
EUDVLOHLUR´'HDOJXPDIRUPDSRGHPRVSHUFHEHULVVRQXPDVpULHGHPDQLIHVWações.
A Ministra Cármen Lúcia já falou nessa ideia da pátria de chuteira ² algo com um
quid de identidade nacional, no que diz respeito à essa questão ligada ao desporto,
muito especialmente ao futebol.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO ² Essa questão da identidade de


certas práticas, atividades ou artes que são portadoras de referência à própria
identidade do país, está regrada pela Constituição no art. 216. Lembrou bem o
Ministro Peluso que o futebol é identificado com o nosso País. Ele porta consigo
uma referência de perfeita identificação com a nação brasileira.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA ² Eu acho que é um fenômeno


político-social. O futebol, no Brasil, é um fenômeno político-social, não é apenas
um dado da cultura da sociedade.

O SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO ² Por isso que Vossa Excelência


citou, magnificamente, a metáfora de Nelson Rodrigues: A pátria de chuteiras.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES ² Presidente, eu


acompanho o voto de Vossa Excelência, com essas brevíssimas considerações.

VOTO

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Senhor Presidente, também


91

entendo que as normas impugnadas revestem-se de plena legitimidade


constitucional, quer analisadas sob a égide da cláusula que estabelece a
discriminação constitucional de competências normativas no âmbito do Estado
Federal, quer examinadas sob a perspectiva do princípio básico da liberdade de
associação, quer, ainda, discutidas em face do postulado da autonomia das
associações desportivas.

Observo que o tema pertinente à autonomia das entidades desportivas já foi


por mim examinado, nesta Suprema Corte, quando do julgamento plenário da ADI
3.045/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, que resultou consubstanciado, no ponto,
em acórdão assim ementado:

“A QUESTÃO DA AUTONOMIA DOS ENTES DE DIREITO


PRIVADO, INCLUSIVE DAS ENTIDADES DESPORTIVAS, E O
PODER DE REGULAÇÃO NORMATIVA DO ESTADO — O
POSTULADO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE
ASSOCIAÇÃO — A EVOLUÇÃO DESSA LIBERDADE DE
AÇÃO COLETIVA NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO
— AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DA LIBERDADE DE
ASSOCIAÇÃO (...).”

As razões que então expus aplicam-se, por inteiro, ao litígio constitucional ora
em exame, notadamente no ponto em que reconheço a plena legitimidade jurídica
de o Congresso Nacional exercer a competência normativa que lhe foi atribuída
pelo próprio legislador constituinte, que admitiu a possibilidade de o Estado
formular, em sede legislativa, os lineamentos básicos e os parâmetros
conformadores do exercício da liberdade de associação.

Em uma palavra: o maior grau de autonomia concedido aos entes


associativos, de um lado, e o princípio da liberdade de associação, de outro, não
privam nem destituem o Estado do exercício do seu poder de conformação
legislativa.

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES ² Ministro Celso de Mello, se


Vossa Excelência me permite?
92

Eu só acho que há uma confusão muito corrente que apareceu quando da


discussão da chamada Lei Pelé, a qual dizia não poder haver disciplina sobre a
organização dos clubes, porque eles eram instituições de caráter social e que não
poderiam ser balizados pela legislação. Mas, veja, o próprio texto constitucional,
quando assegura a liberdade de associação, já formula a possibilidade de
disciplina legislativa ao dizer, no artigo 5º, XVII: ³e plena a liberdade de associação
para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;"

E depois diz, no inciso XVIII, do mesmo artigo: ³$ criação de associações e,


na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a
interferência estatal em seu funcionamento;"

Mas o texto constitucional não impede que o legislador estabeleça as bases


estatutárias das associações, tanto é que é tradição a disciplina no próprio Código
Civil.

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O próprio Código Civil


estabelece regulação normativa que subordina e rege o processo de
institucionalização das entidades de direito privado.

A cláusula constitucional de autonomia não pode ser invocada para excluir as


organizações desportivas da necessária observância das regras positivadas em
diplomas legislativos, como se tais agremiações desportivas fossem entidades
marginais, infensas e imunes à ação normativa do Estado.

Por tais razões, Senhor Presidente, além daquelas, já por mim, expostas no
julgamento da ADI 3.045/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, acompanho,
integralmente, o magnífico voto de Vossa Excelência, para julgar improcedente a
presente ação direta.

É o meu voto.
93

PLENÁRIO

EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.937

PROCED. : DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO

REQTE.(S): PARTIDO PROGRESSISTA - PP

ADV.(A/S): WLADIMIR SÉRGIO REALE

INTDO.(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S): CONGRESSO NACIONAL

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator,


Ministro Cezar Peluso (Presidente), julgou improcedente a ação direta. Ausentes o
Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, representando o Tribunal em visita oficial à
Suprema Corte do Japão e, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa.
Falaram, pelo requerente, o Dr. Wladimir Sérgio Reale e, pela Advocacia-Geral da
União, o Ministro Luís Inácio Lucena Adams, Advogado-Geral da União. Plenário,
23.02.2012.

Presidência do Senhor Ministro Cezar Peluso. Presentes à sessão os


Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ayres Britto,
Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Rosa Weber.

Procurador-Geral da República,

Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos.


94

ANEXO 2

Arbitration CAS 2007/A/1370 Fédération Internationale de Football Association


(FIFA) v. Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD) &
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) & Mr Ricardo Lucas Dodô

&

Arbitration CAS 2007/A/1376 World Anti Doping Agency (WADA) v. Superior


Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD) & Confederação Brasileira de
Futebol (CBF) & Mr Ricardo Lucas Dodô

11 September 2008

Football; doping (fenproporex); CAS jurisdiction; applicable law; no fault or


negligence; no significant fault or negligence; burden of proof; duty of care of the
athlete; commencement of the suspension period.

Relevant facts:

0U 5LFDUGR /XFDV EHWWHU NQRZQ DV 'RG{ WKH ³3OD\HU´ RU ³0U /XFDV´ RU
³'RG{´  LV D %UD]LOLDQ IRRWEDOO SOD\HU ERUQ RQ 2 May 1974 in São Paulo. He has
been registered in the last couple of seasons with the Confederação Brasileira de
Futebol (CBF), having played in 2007 for the club Botafogo de Futebol e Regatas
³%RWDIRJR´RUWKH³&OXE´ DQGLQIRUWKHFOXE)OXPLQHQVH.

On 14 June 2007, Dodô was selected for an incompetition anti-doping control


on the occasion of the Brazilian championship match between Botafogo and
Vasco da Gama. The test was performed by the WADA-accredited LADETEC
laboratory of Rio de Janeiro. The urine sample provided by the Player revealed the
SUHVHQFH RI ³)HQSURSRUH[´ D SURKLELWHG VXEVWDQFH DSSHDULQJ RQ WKH 
Prohibited List under category S6, stimulants. Fenproporex is a strong stimulant,
precursor to amphetamine.

The Player had already undergone in-competition doping tests on 6 and 16


May 2007, and was tested again on 30 June 2007, always with negative results.
$IWHU WKH 3OD\HU ZDV QRWLILHG WKDW KLV ³$´ 6DPSOH RI  -XQH  KDG WHVWHG
95

SRVLWLYH KHUHTXHVWHG WKH DQDO\VLV RI WKH ³%´ 6DPSOH 7he test on the B Sample
confirmed the adverse analytical finding.

On 9 July 2007, the Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol


(STJD), the highest sports court in Brazilian football, provisionally suspended the
Player for 30 days. On 11 July 2007, on the advice of Dr Alexandre Pagnani
(President of the Brazilian Association of Studies and Fight on Doping, ABECD),
Botafogo sent several nutritional supplements regularly used by the team to the
University of São Paulo Laboratory for Toxicological AnDO\VHV WKH ³863
/DERUDWRU\´  WR EH WHVWHG LQ RUGHU WR DVFHUWDLQ WKH SRVVLEOH SUHVHQFH RI
)HQSURSRUH[7KH863/DERUDWRU\¶VUHSRUWGDWHG-XO\DQGFRQVLVWLQJRID
single page signed by the laboratory director and by the person in charge of the
analysis, stated that the analysis had found the presence of Fenproporex in some
FDIIHLQHFDSVXOHVSURGXFHGE\³)DUPiFLDGH0DQLSXODomR3KDUPDF\´

The analysed capsules were taken from three containers, two sealed (lots
no. 348877 and 348873) and one unsealed and partially used (lot no. 3419560),
ZKLFK KDG EHHQ VHQW WR WKH 863 /DERUDWRU\E\ %RWDIRJR 7KH 863 /DERUDWRU\¶V
report did not specify which, nor how many, caffeine capsules were found to be
FRQWDPLQDWHGEXWGLGVWDWHWKDWWKH863/DERUDWRU\³GRHVQRW assume liability for
WKHRULJLQRIWKHPDWHULDOGHOLYHUHGIRUDQDO\VLV´

In the disciplinary proceedings brought by the Brazilian Sports Prosecutor


DJDLQVW WKH 3OD\HU EHIRUH WKH QG 'LVFLSOLQDU\ &RPPLVVLRQ WKH ³'LVFLSOLQDU\
&RPPLVVLRQ´ WKH3OD\HUUHOLHGRQWKH863/DERUDWRU\¶VUHSRUWWRDUJXHWKDWWKH
prohibited stimulant had entered his bodywithout his knowledge and will through
the contaminated caffeine capsules manufactured by the local producer Pharmacy
 0DQLSXODomR /WGD ³3KDUPDF\  0DQLSXODomR´  WKDW WKH %RWDIRJR PHGLFDO
staff had given him to ingest before the match. The Player has declared
throughout the Brazilian and CAS proceedings that he trusted the team doctors
and essentially took whatever was given to him, as he had no reason to make
particular inquiries or to have doubts about the various products that were
regularly administered to him. On 24 July 2007, the Disciplinary Commission
imposed a 120 days suspension to the Player, stating that the explanation given
96

by the Player was implausible, especially in light of the fact that no other Botafogo
player had tested positive in that or in other matches.

The Player lodged an appeal with the STJD. On 2 August 2007, the STJD
GHFLGHGE\PDMRULW\YRWHWRVHWDVLGHWKH'LVFSOLQDU\&RPPLVVLRQ¶VGecision and to
DFTXLW WKH 3OD\HU WKH ³$SSHDOHG 'HFLVLRQ´  7KH 67-' DFFHSWHG WKH 3OD\HU¶V
argument that he had been an innocent victim of contamination and that he had
not been negligent. The CBF notified the Appealed Decision to FIFA on 20 August
2007. WADA was informed of the Appealed Decision on 22 August 2007.

On 6 and 11 September 2007, respectively, FIFA and WADA filed statements


of appeal against the decision of the STJD with the CAS. On 10 December 2007,
the Panel issued an Order on Application for Provisional Measures which
dismissed a request for provisional measures filed by FIFA. The Panel held that it
was not satisfied that FIFA had discharged the burden on it of demonstrating that
a provisional suspension of the Player was necessary to protect its position or that
the harm or inconvenience that it would have suffered from the refusal of the
provisional suspension would have been greater than the harm or inconvenience
that the Player would have suffered if such measure had been ordered. By letter
dated 26 March 2008, the Player objected to the request of WADA to hear as
witness a representative of Pharmacy 65 Manipulação since (i) Dodô had filed a
claim against such company with a Brazilian court and (ii) this evidentiary request
of WADA was not mentioned in its appeal brief. On 31 March 2008, the President
of the Panel decided to accept the request. On 29 April 2008, WADA sent to the
CAS the written witness statement of Mr Milton Luis Santana Soares, owner and
chief executive officer of Pharmacy 65 Manipulação. A hearing took place in
Lausanne on 19 and 20 May 2008.

Extracts from the legal findings:

1. CAS jurisdiction over the CBF and the STJD


First of all, the Panel observes that the CBF is a member of FIFA and, as
such, is contractually bound to respect the Statutes of FIFA to which it has
voluntarily adhered. Article 61 of the applicable 2007 version of the FIFA Statutes
provides that, once all internal remedies have been exhausted, FIFA and WADA
97

are both entitled to appeal to the CAS against doping-related decisions adopted by
FIFA members such as the CBF. Hence, the CBF is legally bound to yield to an
appeal to the CAS brought by FIFA and/or WADA against one of its final doping-
related decision. However, the CBF argues that Article 61 of the FIFA Statutes is
of no relevance here because the Appealed Decision was not adopted by the CBF
but rather by the STJD, that is a wholly independent judicial body. Nevertheless,
having reviewed Brazilian law and Brazilian sports rules, as well as the documents
on file, the Panel has formed the view that the STJD is a justice body which,
although independent in its adjudicating activity, must be considered part of the
organisational structure of the CBF. With regard to Brazilian law, first of all the
Panel observes that Article 217, paras. 1 and 2, of the Constitution of the Federal
5HSXEOLF RI %UD]LO PHQWLRQV ³VSRUWV MXVWLFH ERGLHV´ ³MXVWLoD GHVSRUWLYD´  IRr the
purposes of providing that Brazilian ordinary courts have jurisdiction over sporting
matters only when sports proceedings have been exhausted and that sports
justice bodies must exhaust such proceedings within sixty days. It is worth
mentioning that, contrary to what the Player alleges, Article 217 of the Brazilian
Constitution does not specify how sports justice bodies must be structured and
whether they are to be independent and set up inside or outside the organisational
structure of sports federations. Article 217 leaves the regulation of those details to
ordinary laws.

Then, the Panel notes that pursuant to Article 23, para. I, of Lei Pelé, the
statutes of Brazilian sports federations must provide for the institution of sports
justice bodies in accordance with the requirements of Lei Pelé. In compliance with
Lei Pelé, the STJD and the Disciplinary Commissions have been instituted as
independent and autonomous sports justice bodies by Articles 69-71 of the CBF
Statutes and have been given authority to judge whether disciplinary violations
have been committed by anyone ± associations, clubs, players, coaches, etc. ±
directly or indirectly affiliated to or registered with the CBF. In other words, the
CBF has wholly entrusted its vested disciplinary power to the STJD and the
Disciplinary Commissions. In independently exercising such disciplinary power on
EHKDOI RI WKH &%) WKH 67-'LVREOLJHG³WR FRPSO\ ZLWK WKH 6WDWXWHV UHJXODWLRQV
FLUFXODUV DQG GHFLVLRQV DQG &RGH RI (WKLFV RI ),)$´ DV ZHOO DV ³WR Uespect the
98

principles and rules of the FIFA Disciplinary Code, of universal application, and the
%UD]LOLDQ&RGHRI6SRUWV-XVWLFH &%-' RIQDWLRQDODSSOLFDWLRQ´ $UWLFOHSDUD
3, of the CBF Statutes). The Panel also notes that under Article 50, para. 4, of Lei
Pelé, sports federations must finance the functioning of the sports justice bodies
that operate with them. Then, the Panel notes that Article 70, para. 1, of the CBF
Statutes confers on the President of the CBF the formal power to appoint the nine
judges of the STJD. Pursuant to Article 55 of Lei Pelé, such appointment is done
upon indication by the CBF (two judges), by the clubs participating in the top
professional championship (two judges), by the Brazilian Bar (two judges), by the
referees (one judge) and by the players (two judges). Therefore, seven judges out
of nine are designated by the CBF itself or by bodies or individuals operating
within the CBF, being affiliated thereto (the clubs) or registered therewith (the
referees and the players). Moreover, according to Article 41, para. XXIII, of the
CBF Statutes, the President of the CBF must enforce the rulings of the sports
justice bodies. The Panel also notes that Article 22, para. 3-VII, of the CBF
Statutes provides that the General Assembly of the CBF has the power to decide
on appeals against the final rulings of the sports justice bodies concerning the loss
of affiliation or exclusion of affiliated entities (such as clubs). So, there is at least
RQHWRSLFLQZKLFKWKH67-'¶VMXGJPHQW\LHOds to that of the main body of the CBF.

,Q DGGLWLRQ WKH 3DQHO QRWHVWKDW WKH 67-'¶V 3UHVLGHQW LQ D OHWWHU GDWHG 
6HSWHPEHU  WR WKH &%)¶V 6HFUHWDU\ *HQHUDO KDV FOHDUO\ VWDWHG WKDW ³WKH
Superior Tribunal de Justiça Deportiva do Futebol, thus, has no own legal
personality. It is just one of the bodies of the CBF, as well as the Board of
Directors (with executive powers) and the General Meeting (with internal
legislative powers). As one of the bodies of CBF, the STJD does not constitute a
governmental body. Despite that, Article 52 of Law 9615 of 1998 attributes
organizational autonomy and decision-PDNLQJLQGHSHQGHQFHIURP&%)WR67-'´
[Emphasis added] In the light of the foregoing, the Panel is of the opinion that the
STJD is a justice body which is an integral part of the organisational structure of
the CBF, with no legal personality of its own. The fact that in Lei Pelé, in the CBF
Statutes and in the Brazilian Code of Sports Justice there are rules protecting the
autonomy and independence of the STJD vis-à-vis the executive and legislative
99

powers of the CBF does not alter the fact that the STJD has been instituted by
(and thus owes its legal birth and existence to) the CBF Statutes and is financially
DQG DGPLQLVWUDWLYHO\ GHSHQGHQW RQ WKH &%) ³GHSHQGência físico-ILQDQFHLUD´ DV
characterized by Dr Paulo Marcos Schmitt in his article Organização e
competência da justiça desportiva, published in Código Brasileiro de Justiça
Desportiva ± Comentários e Legislação: Ministério do Esporte, ass. Comunicação
Social, Brasília/DF, 2004, pp. 23-  ,Q WKH 3DQHO¶V YLHZ LW LV D FRPPHQGDEOH
feature of the Brazilian sports system that sports federations are organised in
accordance with the principle of separation of powers. This means that the
Presidency, the Secretariat and the Board, the executive branch of the CBF ±of
Directors± is not permitted to encroach on the domain of the judicial branch ±the
STJD, the Disciplinary Commissions and the Arbitration Court± and vice-versa.
This happens also in other football associations. However, the praiseworthy
independence and autonomy of the STJD in adjudicating the disputes brought
before it does not entail that the STJD is a body which could legally stand alone if
WKH&%)GLGQRWH[LVW,QGHHGLQWKH3DQHO¶VRSLQLRQWKH³stand-DORQHWHVW´LVWKH
decisive test to reveal whether a given sports justice body pertains in some way to
the structure of a given sports organization or not. If the CBF did not exist, the
STJD would not exist and would not perform any function. In this respect, the
similarity that the STJD suggested between itself and the CAS ± ³-XVWDVWKH&$6
is independent of the IOC and the other sports institutions that finance the CAS or
QRPLQDWH LWV PHPEHUV WKH 67-' LV LQGHSHQGHQW RI WKH &%)´ ± is wholly
misplaced. Apart from the fact that CAS arbitrators are appointed by a private
Swiss foundation, the International Council of Arbitration for Sport, which is also
responsible for the financing of the CAS, the CAS would legally stand alone and
exist as an arbitration institution even if the IOC or any of the international
federations suddenly disappeared (or simply withdrew their choice of the CAS as
arbitration forum). In contrast, the STJD would not legally stand alone if the CBF
did not exist. Accordingly, the Panel is of the view that (at least) for international
purposes the decisions of the STJD, although independently reached, must be
considered to be the decisions of the CBF. In other words, the CBF is to be
considered responsible vis-à-vis FIFA (or other international sports bodies) for the
decisions adopted by the STJD. This is exactly the same legal situation as we
100

have in public international law, where States are internationally liable


forjudgmentsrendered by their courts, even if under their constitutional law the
judiciary is wholly independent of the executive branch. In conclusion, the Panel
finds that the STJD has no autonomous legal personality and may not be
considered as a Respondent on its own in a CAS appeal arbitration concerning
one of its rulings; consequently, the procedural position of the STJD before the
CAS must be encompassed within that of the CBF. Therefore, the Panel holds that
the Appealed Decision must be considered as a dopingrelated decision adopted
by a national federation and thus, pursuant to Article 61 of the FIFA Statutes, the
&$6KDVMXULVGLFWLRQWRKHDU:$'$¶VDQG),)$¶VDSSHDOVDJDLQVWWKH&%)

2. CAS jurisdiction over the player


The Panel notes that the Player is registered as a professional athlete with
the CBF and that, by his deliberate act of registering, he has contractually agreed
to abide by the statutes and regulations of the CBF. The Panel also notes that in
the third clause of the employment contract which the Player signed with Botafogo
on 16 January 2007, the Player has explicitly declared to be cognisant of and to
pledge to respect, besides his contract, the rules of the CBF. Article 1, para. 2, of
the CBF Statutes provides inter alia that all athletes must comply with the rules of
FIFA. Article 61 of the FIFA Statutes entitles FIFA and WADA to appeal to the
CAS against dopingrelated decisions adopted by national federations. In the
3DQHO¶VYLHZZKLOHWKH3OD\HU¶VDUJXPHQWEDVHGRQWKHIDFWWKDW$UWLFOHRIWKH
Brazilian Code of Sports Justice provides that the 67-'¶V GHFLVLRQV DUH QRW
subject to appeal may be relevant at national level, it is irrelevant for international
purposes, because Article 61, para. 7, of the FIFA Statutes specifies that appeals
WRWKH&$6DUHLQIDFWGLUHFWHGDJDLQVW³LQWHUQDOO\ILQDODnd binding doping-related
GHFLVLRQ´ ,Q FRQQHFWLRQ ZLWK WKH SURYLVLRQ RI WKH &%) 6WDWXWHV UHTXLULQJ DOO &%)
players to comply with FIFA rules, the Panel remarks that it is the Brazilian
legislation itself which strengthens the status of international sports rules within the
Brazilian sports system. Indeed, Article 1, para. 1, of Lei Pelé expressly states that
official sports practice in Brazil is governed by national and internationalrules and
by sporting practice rules of each type of sport, accepted by the respective
national federations. The Panel also observes that Article 3, para. III, of Lei Pelé
101

specifically imposes on athletes practising professional sport the duty to abide by


international sports rules, besides Lei Pelé and national sports rules. The Panel
finds these provisions of Lei Pelé particularly wise, insofar as international
disciplinary rules are concerned. Indeed, strengthening by law the application of
LQWHUQDWLRQDO UXOHV WHQGV WR UHPRYH ³WKH WHPSWDWLRQ WR DVVLVW QDWLRQDO FRPSHWLWRUV
by overindulgence. The objective is to subject all athletes to a regime of equal
treatment, which means that national federations must be overruled if they look the
RWKHU ZD\ ZKHQ WKHLU DWKOHWHV EUHDFK LQWHUQDWLRQDO UXOHV´ &$6 $ 
2007/A/1211, para.   ,Q WKH 3DQHO¶V YLHZ DV D UHVXOW RI WKH DERYH TXRWHG
express legislative provisions, international sports rules are directly applicable to
Brazilian sport; accordingly, any athlete registered with a Brazilian federation is
directly bound by the international rules accepted by that federation, including any
provision therein giving jurisdiction to the CAS, as is the case here with doping-
related decisions under Article 61 of the FIFA Statutes. In this respect, the Panel
observes that a player who has been exposed to an international experience,
having played international matches with both his clubs and his national team,
must be particularly aware of the existence of international rules directly applicable
to him. Accordingly, the Panel does no more than to observe that the Player has
accepted to be bound by the rules of the CBF and by the rules of FIFA. In light of
the foregoing, in accordance with Article R47 of the Code of Sports-related
$UELWUDWLRQ WKH³&$6&RGH´ WKH&$6KDVMXULVGLFWLRQWRKHDU:$'$¶VDQG),)$¶V
appeals against the two Respondents CBF and Mr Ricardo Lucas Dodô.

The Panel wishes to point out, by analogy to what another CAS Panel stated
in the above quoted CAS 2006/A/1149 & 2007/A/1211 case, that it would be a
mistake to consider this conclusion to be contrary to Brazilian interests. First, the
prosecution of antidoping violations is in the interest of all Brazilian clubs and
players who respect the anti-doping rules. Secondly, all Brazilian federations,
clubs and players obviously benefit from the coherent and effective anti-doping
regime which FIFA has sought to establish whenever Brazilian clubs or selections
are engaged ±as often happens, due to the worldrenowned excellence of Brazilian
football ± in international matches and tournaments.
102

3. Applicable law
The Panel has noted above that Brazilian law explicitly imposes on Brazilian
federations and athletes the observance of international sports rules. It is worth
adding that, with specific reference to doping and anti-doping controls, the
Brazilian Code of Sports Justice confirms and reinforces the status of international
anti-doping rules within the Brazilian sports system, providing for the obligation to
comply also with international rules (Article 101). In line with such provisions of the
Brazilian Code of Sports Justice, Article 65 of the CBF Statutes provides that the
prevention, fight, repression and control of doping in Brazilian football must be
done complying also with international rules. The Panel has already noted that the
CBF itself dictates its own compliance, as well as that of its clubs, athletes etc.,
with FIFA rules (see Articles 1, para. 2, and 5, para. V, of the CBF Statutes).
0RUHRYHUWKH&%)LPSRVHVWKHDSSOLFDWLRQRIWKH³SULQFLSOHVDQGUXOHVRIWKH),)$
DiscLSOLQDU\ &RGH´ LQ DQ\ GLVFLSOLQDU\ SURFHHGLQJV FRQFHUQLQJ LWV FOXEV DWKOHWHV
HWF FRQVLGHULQJ WKRVH SULQFLSOHV DQG UXOHV ³RI XQLYHUVDO DSSOLFDWLRQ´ DQG WKH
%UD]LOLDQ&RGHRI6SRUWV-XVWLFH³RIQDWLRQDODSSOLFDWLRQ´ VHH$UWLFOHSDUDRI
the CBF SWDWXWHV  ,Q WKH 3DQHO¶V YLHZ WKLV &%) VWDWXWRU\ SURYLVLRQ
acknowledging the legal primacy of FIFA disciplinary principles and rules, although
drafted as a rule concerning the law that must be applied by the STJD, implies the
obvious consequence of its applicability in any international proceedings reviewing
a decision issued by the STJD. The Panel has also already observed that the
Player, in addition to the duty imposed on him by Lei Pelé to respect international
sports rules, has contractually agreed, by his deliberate act of registering as a
professional athlete with the CBF, to comply with CBF rules and, thus, with FIFA
rules too.

The Panel also remarks that Article 60, para. 2, of the FIFA Statutes ±
contractually accepted by the CBF and the Player, as already explained ± provides
WKDWLQ&$6SURFHHGLQJV³&$6VKDOOSULPDULO\DSSO\WKHYDULRXVUHJXODWLRQVRI),)$
DQG DGGLWLRQDOO\ 6ZLVV ODZ´ ,QOLJKW RIWKH IRUHJRLQJ WKH 3DQHOLV RIWKHRSLQLRQ
WKDWWKH³DSSOLFDEOHUHJXODWLRQV´XQGHU$UWLFOH5RI the CAS Code are primarily
the rules of FIFA ± accepted by all parties ± and, subsidiarily, the rules of the CBF.
In other words, in case of inconsistency between a CBF provision and a FIFA
103

provision, the FIFA provision must prevail. Otherwise, the deference to


international sports rules proclaimed in Brazilian legislation and the obligation
assumed by CBF in its own Statutes (and accepted by its clubs, players, etc.) to
comply with FIFA rules would become mere lip service. The compliance with and
enforcement of FIFA rules is even indicated in Article 5, para. V, of the CBF
6WDWXWHVDVRQHRIWKH&%)¶VEDVLFSXUSRVHV,QSDUWLFXODUFRQVLGHULQJWKDWWKLVLV
a disciplinary case involving an athlete of international status, the Panel is of the
view that the FIFA Disciplinary Code ± incorporating by express reference (at
Article 63, para. 1) the FIFA Doping Control Regulations ± must prevail, in case of
conflicting provisions, over the Brazilian Code of Sports Justice and the CBF
Doping Control Regulation because, as expressly acknowledged by the CBF
6WDWXWHV WKH ),)$ GLVFLSOLQDU\ UXOHV DUH RI ³XQLYHUVDO DSSOLFDWLRQ´ ZKHUHDV WKH
FRUUHVSRQGLQJ&%)UXOHVDUHPHUHO\RI³QDWLRQDODSSOLFDWLRQ´ $UWLFOHSDUDRI
the CBF Statutes). In addition, the right of appeal to CAS against national
decisions ± granted to FIFA and WADA under Article 61, paras. 5 and 6, of the
FIFA Statutes ± confirms that national football associations (which, as members of
FIFA, have the collective legislative power to enact and modify the FIFA Statutes)
have expressed the clear wish to pursue uniform interpretation and application of
anti-doping rules and sanctions vis-à-vis athletes of international status throughout
the football world. Such uniform interpretation and application would be imperilled
or impeded if the CAS ± absent any mandatory rule or public policy principle
imposing such legal course ± had to accord precedence to domestic anti-doping
rules over a FIFA disciplinary system contractually accepted, on a basis of
reciprocity, by all national football associations and their affiliated clubs and
registered individuals. Furthermore, the Panel notes that the Player, in his appeal
WR WKH 67-' ORGJHG RQ  -XO\   DJDLQVW WKH 'LVFLSOLQDU\ &RPPLVVLRQ¶V
decision, expressly invoked in his favour (in addition to some national rules) the
DSSOLFDWLRQ RI WKH :$'$ &RGH LQ SDUWLFXODU RI $UWLFOH  ³(OLPLQDWLRQ RU
5HGXFWLRQ RI 3HULRG RI ,QHOLJLELOLW\ %DVHG RQ ([FHSWLRQDO &LUFXPVWDQFHV´ 
PRWLRQLQJ IRU KLV DFTXLWWDO ³RU HYHQWXDOLWHU IRU Whe application of a sanction in
DFFRUGDQFHZLWKWKHSURYLVLRQVRIWKH:$'$&RGH´ ³RXHYHQWXDOPHQWHOKHDSOLFDU
D SHQD HP FRQVRQkQFLD FRP RV DUWLJRV GR &yGLJR 0XQGLDO $QWLGRSLQJ´  'XULQJ
the CAS proceedings, the Player has slightly modified his position, arguing at the
104

hearing that the WADA Code is applicable only on a subsidiary basis. In any
event, it seems to the Panel that, by explicitly invoking the rules of the WADA
Code, the Player has accepted the application of those rules in his favour as well
as to his detriment. The applicability of the WADA Code is confirmed by the fact
that the STJD did apply the WADA Code (in addition to Brazilian rules, FIFA rules
and general principles of law) in performing its disciplinary function on behalf of the
CBF. Indeed, as the President of the STJD himself explained in his letter to the
&$6 GDWHG  6HSWHPEHU  WKH 67-'¶V GHFLVLRQ WR DFTXLW WKH 3OD\HU ³ZDV
based on general principles of law, the provisions of the CBJD and the rules of
international sports law, particularly articles 2.1 and 10.5.1 of the World Anti-
'RSLQJ&RGH>@ZKLFKLQVSLUHGDUWLFOHRIWKH),)$'LVFLSOLQDU\&RGH )'& ´
Therefore, considering that (i) FIFA and WADA have also invoked during these
proceedings the application of the WADA Code; (ii) various Brazilian rules impose
deference to normas internacionais, i.e. international rules (see Articles 1, para. 1,
and 3, para. III, of Lei Pelé, Articles 101 and 248 of the Brazilian Code of Sports
Justice and Article 65 of the CBF Statutes); and (iii) the WADA Code inspired the
antidoping rules of FIFA, the Panel finds that the rules of the WADA Code can also
be complementarily applied in this arbitration as regulations whose application has
been invoked, and thus accepted, by all parties. In WKH3DQHO¶VYLHZ%UD]LOLDQODZ
may be applied on a subsidiary basis as the law of the country in which the body
which has issued the challenged decision is domiciled. Taking into account Article
60, para. 2, of the FIFA Statutes, Swiss law may also be additionally applied,
particularly in reference to the interpretation and application of FIFA rules, which
are rules issued by a private association incorporated in Switzerland. In
conclusion, the Panel holds that the present case must be adjudicated on its
merits applying primarily FIFA rules, complementarily the WADA Code and,
subsidiarily,CBF rules andBrazilian law.Additionally, Swiss law might also be
applied in connection with the interpretation and application of FIFA rules.

The Panel deems also worth clarifying that, as to the applicable rules setting
RXWWKHOLVWRISURKLELWHGVXEVWDQFHVDQGPHWKRGV WKH³3URKLELWHG/LVW´ WKH
Prohibited List of CBF and FIFA is perfectly consistent with that of WADA. Indeed,
the CBF Doping Control Regulation provides that any modification to the list
105

determined by WADA and accepted by FIFA prevails over the CBF list, and the
),)$'RSLQJ&RQWURO5HJXODWLRQVH[SUHVVO\VWDWHWKDWWKH),)$OLVWLV³WDNHQ
from the 2007 [WADA] Prohibited List, International StandarG´ DQG ³LV DGDSWHG
DFFRUGLQJWRWKHUHYLVHGYHUVLRQVLQWKH:RUOG$QWL'RSLQJ&RGH´

4. Sanction
In this respect, the Panel wishes to recall the WADA Code warning clause to
be found at the very beginning of the Prohibited List and which any athlete or
FOXE¶V VWDIIRUGRFWRUVKRXOGDOZD\VEHDULQPLQG³7KHXVHRIDQ\GUXJVKRXOGEH
OLPLWHGWRPHGLFDOO\MXVWLILHGLQGLFDWLRQV´ It is undisputed that the analysis of both
urine samples A and B delivered by the Player on 14 June 2007, on the occasion
of the match between Botafogo and Vasco da Gama, showed evidence of an
adverse analytical finding of Fenproporex, that is a stimulant included in section
S6 of the 2007 Prohibited List. As a result, the Panel finds that the objective
SUHVHQFHRI)HQSURSRUH[LQWKH3OD\HU¶VXULQHVDPSOHVUHJDUGOHVVRIWKHDWKOHWH¶V
subjective attitude (i.e. his possible intent, knowledge, fault or negligence),
constitutes an anti-GRSLQJ UXOH YLRODWLRQ SURYHQ WR WKH 3DQHO¶V FRPIRUWDEOH
satisfaction, bearing in mind the seriousness of the allegation. Under Article 65,
para. 1(a), of the FIFA Disciplinary Code, the sanction for a first offence is a two-
year suspension. In light of the above discussion on the law applicable in this
appeal arbitration, the Panel cannot take into account the lesser sanction set out
by Article 244 of the Brazilian Code of Sports Justice (between 120 and 360 days
of suspension) because (i) this sanction is merely of national application whereas
the FIFA sanction is of universal application, as acknowledged by the CBF
Statutes; and (ii) the twoyear sanction is among the FIFA mandatory rules that
must be incorporated without exception in the national disciplinary regulations
(Article 152 of the FIFA Disciplinary Code). The Panel remarks that, under the
FIFA Disciplinary Code, the two-year sanction may be eliminated or reduced if the
3OD\HU GLVFKDUJHVWKH EXUGHQ RI SURYLQJ WKDW ³KH EHDUV QR IDXOW RU QHJOLJHQFH´
$UWLFOH  SDUD   RU DW OHDVW WKDW ³KH EHDUV QR VLJQLILFDQW IDXOW RU QHJOLJHQFH´
(Article 65, para. 2). According to CAS jurisprudence, the possible application of
VXFKWZRIROGH[FHSWLRQ³LVWREHDVVHVVHGRQWKHEDVLVRIWKe particularities of the
LQGLYLGXDO FDVH DW KDQG´ &$6 $  $UWLFOH  SDUD  RI WKH ),)$
106

'LVFLSOLQDU\&RGHSURYLGHVWKDWLQ³FDVHRIDGRSLQJRIIHQFHLWLVLQFXPEHQWHXSRQ
the suspect to produce the proof necessary to reduce or cancel a sanction. For
sanctions to be reduced, the suspect must also prove how the prohibited
VXEVWDQFHHQWHUHGKLVERG\´$FFRUGLQJO\UHO\LQJRQDORQJOLQHRI&$6FDVHV VHH
e.g. CAS 2006/A/1067, para. 6.8) and on the WADA Code principles related to the
DWKOHWHV¶ IDult or negligence, the Panel observes that the Player, in order to
establish that he bears no fault or negligence, must prove: (a) how the prohibited
substance came to be present in his body and, thus, in his urine samples, and (b)
that he did not know or suspect, and could not reasonably have known or
suspected even with the exercise of utmost caution, that he had used or been
administered the prohibited substance. The proof of both (a) and (b) would
HOLPLQDWH WKH 3OD\HU¶V WZR-year sanction. In order to establish that he bears no
significant fault or negligence, in addition to the proof of (a) above, the Player must
prove: (c) that his fault or negligence, when viewed in the totality of the
circumstances and taking into account the requirement of (b) above, was not
significant in relationship to the anti-doping rule violation. The proof of both (a) and
F ZRXOGUHGXFHWKH3OD\HU¶VVDQFWLRQWRDSHQDOW\UDQJLQJEHWZHHQRQH\HDUDQG
WZR\HDUV $UWLFOHSDUDRIWKH),)$'LVFLSOLQDU\&RGH³WKHVDQFWLRQ may be
UHGXFHGEXWRQO\E\XSWRKDOIRIWKHVDQFWLRQ´ 7KH3DQHOREVHUYHVWKDWLQOLJKW
of the CAS jurisprudence, the burden of proving the above is a very high hurdle for
an athlete to overcome (cf. e.g. CAS 2005/A/830; TAS 2007/A/1252). Indeed, the
W$'$ &RGH¶V RIILFLDO FRPPHQW WR $UWLFOH  XQHTXLYRFDOO\ VWDWHV WKDW WKH
PLWLJDWLRQ RI PDQGDWRU\ VDQFWLRQV LV SRVVLEOH ³RQO\ LQ FDVHV ZKHUH WKH
FLUFXPVWDQFHV DUH WUXO\ H[FHSWLRQDO DQG QRW LQ WKH YDVW PDMRULW\ RI FDVHV´ :LWK
regard to the standard of proof required from the indicted athlete, the Panel
observes that, in accordance with established CAS case-law and the WADA Code,
WKH3OD\HUPXVWHVWDEOLVKWKHIDFWVWKDWKHDOOHJHVWRKDYHRFFXUUHGE\D³EDODQFH
RISUREDELOLW\´$FFRUGLQJWR&$6MXULVSUXGHQFH, the balance of probability standard
means that the indicted athlete bears the burden of persuading the judging body
that the occurrence of the circumstances on which he relies is more probable than
their non-occurrence or more probable than other possible explanations of the
doping offence (see CAS 2004/A/602, para. 5.15; TAS 2007/A/1411, para. 59). a)
(YLGHQFH RI KRZ WKH SURKLELWHG VXEVWDQFH HQWHUHG WKH 3OD\HU¶V ERG\ ,Q WKHVH
107

proceedings, exactly as in the STJD proceedings, the Player has argued that the
prohibited stimulant came to be present in his system because the caffeine
capsules that were administered to him before the match against Vasco da Gama
had been contaminated with Fenproporex during the production process at the
premises of Pharmacy 65 Manipulação. As evidence of such alleged
contamination, the Player relies essentially on the report dated 13 July 2007
issued by the USP Laboratory. However, in light of the balance of probability
standard, the Panel finds the evidence provided by such USP LDERUDWRU\¶VUHSRUW
to be inadequate to discharge the burden on the Player. The Panel accepts the
evidence given by Dr Pagnani that the USP Laboratory is a reliable laboratory and
does not wish to speculate as to why the caffeine capsules were sent to be
analysed all the way from Rio de Janeiro to São Paulo (rather than to the local
WADA-accredited laboratory). Nor the Panel wishes to cast any doubt on the
correctness of the analyses performed by the USP Laboratory and on the
accuracy of its report. However, WKH 3DQHO FDQQRW UHDG LQ WKH 863 /DERUDWRU\¶V
report more than what is expressly stated therein. Having carefully scrutinized the
863 /DERUDWRU\¶V UHSRUW WKH 3DQHO KDV QRWHG WKH IROORZLQJ VSHFLILF PDWWHUV - In
comparison to many detailed laboratory reports that these arbitrators have seen in
RWKHU GRSLQJ FDVHV WKH 863 /DERUDWRU\¶V UHSRUW LV YHU\ VKRUW DQG VNHWFK\ DQG
gives scant details of the analysis. - The disclaimer at the bottom of the report (the
863 /DERUDWRU\³GRHVQRW DVVXPH OLDELOLW\ IRU WKH Rrigin of the material delivered
IRU DQDO\VLV´  ZDUQV DERXW WKH DEVHQFH RI DQ\ FXVWRGLDO SURFHGXUHV SULRU WR WKH
delivery of the caffeine capsules to the USP Laboratory and, thus, raises serious
doubts as to what was truly given to be analysed. The Player has argued, relying
on the testimony of Dr Pagnani, that this is a standard annotation that bears no
relevance. However, the Panel observes that the annotation has been typed and
signed by the USP Laboratory Director and by the person responsible for the
analysis; given the described reliability of the USP Laboratory, it is an annotation
that can by no means be ignored. - The report, in describing the containers in
which the caffeine capsules were contained, does not indicate the presence of any
SOD\HU¶V QDPe on the labels although, according to the evidence heard at the
KHDULQJHDFKFRQWDLQHUZDVSHUVRQDOLVHGZLWKWKHSOD\HU¶VQDPHZULWWHQRQLWGXH
to the different weight of the players and the consequent different quantity of
108

caffeine needed (2 mg for each kg of weight). - The USP Laboratory received


three containers of caffeine capsules, two of them sealed and one open and
partially used. According to the evidence provided by Dr Vilhena, the two sealed
containers had been delivered by Pharmacy 65 Manipulação to Botafogo (for the
players Dodô and L.) on 27 June 2007, whereas the open container had been
delivered to Botafogo on 20 April 2007 and used by Dodô during May and June
 6R JLYHQ WKDW 'RG{¶V SRVLWLYH WHVWLQJ ZDV RQ  -XQH  WKH RQO\
relevant analysis to provide evidence of how Fenproporex came to be in the
3OD\HU¶V ERG\ LV WKDW RI WKH FDSVXOHV FRQWDLQHG LQ WKH FRQWDLQHU GHOLYHUHG RQ 
$SULO  KRZHYHU WKH 863 /DERUDWRU\¶V UHSRUW KDV QRW LQGLFDWHG KRZ PDQ\
capsules were in that container nor how many of them were found to contain
Fenproporex. - Indeed, in the report it is only generically stated that there was a
positive result of the presence of Fenproporex. The Panel has heard the evidence
of Dr Pagnani testifying that the USP Laboratory found that all capsules in all three
containers tested positive for Fenproporex. The Panel does not consider it
QHFHVVDU\ WR H[SUHVV DQ\ FRQFOXVLRQ DV WR ZKHWKHU LW DFFHSWV 'U 3DJQDQL¶V
evidence in this regard, because the Panel finds it quite extraordinary that the USP
/DERUDWRU\¶V UHSRUW GRHV QRW VSHFLI\ ZKLFK FDSVXOHV DQG IURP ZKLFK FRQWDLQHUV
nor how many, were found to be positive for Fenproporex, nor how much
Fenproporex was found, nor whether the positive result came from contaminated
caffeine capsules or whether it came from Fenproporex capsules found in the
containers given for the analysis. In addition to the above unusual elements, the
Panel observes that, strangely, nobody from the USP Laboratory was called by the
Player to give direct evidence on the analysis performed. Such evidence could
have possibly clarified some of the doubts raised by the disappointingly
LQDGHTXDWH FRQWHQW RI WKH 863 /DERUDWRU\¶V UHSRUW 7KH 3DQHO ILQGV DOVR
QRWHZRUWK\WKDWWKH3OD\HU¶VXULQHVDPSOHVGHOLYHUHGDWWKHDnti-doping controls of
6 May, 16 May and 30 June 2007 showed no presence of Fenproporex. Indeed,
on the basis of the evidence provided by Dr Vilhena, in that period the Player
ingested before matches ± except for night matches starting at 21:45 ± the
caffeine capsules taken from the container delivered by Pharmacy 65 Manipulação
to Botafogo on 20 April 2007, and later sent to the USP Laboratory for analysis.
Accordingly, the Panel is asked to conclude that inside the container delivered in
109

April only the capsules ingested by the Player on 14 June 2007 and those
analysed by the USP Laboratory on 13 July 2007 were contaminated, while the
other capsules contained pure caffeine. The Panel finds this possibility quite
implausible. With regard to the implausibility of the contamination explanation, it is
to be noted that Pharmacy 65 Manipulação, as testified by its owner and CEO, Mr
Milton Luís Santana Soares, provided to Botafogo a total of 808 caffeine capsules
in 2006 and 2007 with not a single case of adverse analytical finding, except for
'RG{¶V FDVH ,W LV DOVR LQWHUHVWLQJ WR QRWH WKDW )HQSURSRUH[ LV D YHU\ FRVWO\
substance ± much more expensive than caffeine ± subjected to strict controls by
public authorities, in particular by the Brazilian agency of health vigilance,
$19,6$0U 6RDUHVDOVRWHVWLILHGWKDWLQKLVFRPSDQ\¶VSUHPLVHVDVUHTXLUHGE\
the law, the production of caffeine capsules and Fenproporex capsules is done at
different times and in different places. In addition, the Panel finds quite remarkable
the evidence provided by Mr Soares that the caffeine capsules can be easily
opened and closed again and the containers can be unsealed and sealed again,
rendering a deliberate contamination possible at any time after the end of the
production process. The Panel also notes that on the occasion of the antidoping
controls related to the matches of 1 April 2007 (Botafogo-Vasco da Gama) and 29
April 2007 (Flamengo-%RWDIRJR  WKH %RWDIRJR¶VWHDP GRFWRU GLG GHFODUH RQ ERWK
medications list forms that all players had been administered caffeine, while the
tested players A., T. (twice) and M. did declare on their respective doping control
forms that they had taken caffeine. However, as already mentioned, on the
RFFDVLRQ RI WKH GRSLQJ FRQWURO WKDW \LHOGHG 'RG{¶V DGYerse analytical finding
neither the team doctor nor Dodô declared the use of caffeine on the same forms.
Therefore, the proof that the Player did ingest a caffeine capsule on the day of his
SRVLWLYHWHVWLQJLVOHIWWRWKH3OD\HU¶VRZQZRUGVJLYHQWKDWWKH &OXE¶VQXWULWLRQLVW
Dr Vilhena, acknowledged at the hearing that she did not personally witness the
3OD\HU¶VLQJHVWLRQ RI FDIIHLQH ,Q WKHOLJKW RIDOO WKH DERYH HOHPHQWV WKH 3DQHOLV
QRW ZLOOLQJ WR VKDUH WKH 67-'¶V FRQFOXVLRQ WKDW WKH H[SODQDWLRQ RIIHUed by the
3OD\HULVDFFHSWDEOH,QWKH3DQHO¶VYLHZWKHHYLGHQFHVXEPLWWHGE\WKH3OD\HUDV
to both the ingestion of a caffeine capsule prior to the match and the
contamination of that caffeine capsule is unsatisfactory. In particular, the Panel
would have expected a much more detailed and unambiguous report by the USP
110

Laboratory, thoroughly illustrating its analytical findings.The Panel finds also quite
difficult to believe, considering the high cost of Fenproporex and the public
controls to which is subject, that a producer might inadvertently mix Fenproporex
with the much cheaper and unrestricted caffeine. Besides, if the production
process of Pharmacy 65 Manipulação was so unreliable as to lend itself to such an
accidental contamination, it would be a quite unlikely event that only a few caffeine
capsules out of many hundreds ended up being contaminated. Given the Botafogo
SOD\HUV¶LQWHQVLYHLQJHVWLRQRIWKRVHFDIIHLQHFDSVXOHVEHIRUHPDWFKHVRQHZRXOG
expect some more adverse analytical findings in the many anti-doping controls
which they underwent, particularly in the period of May and June 2007. Given the
stringent requirement for the Player to offer persuasive evidence of how the
positive finding of Fenproporex occurred, the Panel finds that the PlayHU¶V
explanation would have needed more persuasive evidence to pass the balance of
probability test. In other terms, the Panel is not persuaded that the occurrence of
the alleged ingestion of Fenproporex through a contaminated caffeine capsule is
more probable than its non-occurrence. The Panel has no reason to think that the
3OD\HU LV D FKHDW +RZHYHU LQ YLHZ RI L  WKH IDFW WKDW %RWDIRJR¶V VWDII ZDV
accustomed to dispensing to their players before or during matches no less than
five nutritional supplements (declaration by Dr Vilhena) including a stimulant such
as caffeine ± forbidden until 2004 and permitted nowadays, but still subject to the
WADA monitoring program ± and (ii) the circumstance that the Player, as he
explicitly admitted, essentially ingestHG ZKDWHYHU WKH &OXE¶V VWDII JDYH KLP WKH
Panel finds the occurrence of contamination less likely than the possible deliberate
administration of a Fenproporex capsule to the Player. Accordingly, the Panel
holds that, on the balance of probability, the Player has failed to establish how the
SURKLELWHGVXEVWDQFHHQWHUHGKLVV\VWHPE 3OD\HU¶VFDXWLRQDQGGHJUHHRIIDXOWRU
negligence With regard to the duty of caution required under the applicable rules,
the Panel shares the following opinion expressed by aQRWKHU&$63DQHO³1RIDXOW´
PHDQVWKDWWKHDWKOHWHKDVIXOO\FRPSOLHGZLWKWKHGXW\RIFDUH>«@³1RVLJQLILFDQW
IDXOW´PHDQVWKDWWKHDWKOHWHKDVQRWIXOO\FRPSOLHGZLWKKLVRUKHUGXWLHVRIFDUH
The sanctioning body has to determine the reasons which prevented the athlete in
a particular situation from complying with his or her duty of care. For this purpose,
the sanctioning body has to evaluate the specific and individual circumstances.
111

However, only if the circumstances indicate that the departure of the athlete from
the required conduct under the duty of utmost care was not significant, the
VDQFWLRQLQJERG\PD\>«@GHSDUWIURPWKHVWDQGDUGVDQFWLRQ´ &$6& 
 ,QWKHOLJKWRIVXFKGHILQLWLRQRIWKHDWKOHWH¶VGXW\RIFDUHHYHQLIWKH3OD\HU¶V
explanation of how Fenproporex had come into his body was supported by
SODXVLEOH HYLGHQFH TXRGQRQ LW VHHPV WR WKH 3DQHO WKDW WKH 3OD\HU¶VEHKDYLRXU
was significantly negligent under the circumstances. His departure from the
required duty of utmost caution was clearly significant. Indeed, the Player did not
exercise the slightest caution. Questioned at the hearing on the caution that he
took before ingesting the caffeine capsules and the other nutritional supplements
WKDWWKH%RWDIRJR¶VVWDIIUHJXODrly gave him, the Player candidly answered that he
simply trusted his employer and the team doctors and never knew exactly how and
where the products were manufactured nor who produced them. Apart from the
MXVWLILFDWLRQWKDWKHUHOLHGRQWKH&OXE¶VGRFWRUV, the Player has not even attempted
to demonstrate that he exerted some particular care before ingesting those
products. Questioned about his experience with his current club (Fluminense), the
Player testified that he was still being administered several products before
matches, but was not able to mention their names or what they were. The Panel
ILQGV H[WUDRUGLQDU\ WKLV 3OD\HU¶V DGPLVVLRQ WKDW GHVSLWH KDYLQJ DOUHDG\ KDG D
positive test, he is still passively ingesting a variety of products administered to
him by his current club without asking any information or doing any research on
his own. As seen above, the Player has the burden to establish that he did not
know or suspect, and could not reasonably have known or suspected even with
the exercise of utmost caution, that he had used or been administered a prohibited
VXEVWDQFH$OWKRXJKWKH3DQHOLVVDWLVILHGWKDWWKH3OD\HUGLGQRW³NQRZRUVXVSHFW´
that the caffeine capsule could be contaminated by a prohibited substance, the
Panel cannot accept that the PlD\HU ³FRXOG QRW UHDVRQDEO\ KDYH NQRZQ RU
VXVSHFWHG´ WKDW WKLV ZDV VR 7KH 3DQHO QRWHV LQ SDUWLFXODU WKH FOHDU DQG SXEOLF
warning issued by the CBF to Brazilian football players (and their doctors) as to
the risk of contaminated nutritional supplements. Article 8 of the CBF 2007 Doping
&RQWURO 5HJXODWLRQ UHDGV DV IROORZV ³&20021 0,67$.(6 %< 7+( $7+/(7(
253+<6,&,$17+$7&$1%5,1*$%287$326,7,9(7(67>«@'2127XVH
medications, nutritional supplements or vitamins of dubious origin. DO NOT trust
112

the composition declared on leaflets and labels of medications, nutritional


supplements and pharmaceutical and homeopathic productions. Verify the
reliability of the supplier, as there are many cases of omitted mention in labels of
VWLPXODQWV DQG DQDEROLF DJHQWV´ 7he Panel also notes that the WADA Code ±
published even in a Portuguese version in the WADA internet site± provides at
DUWLFOH  WKDW LW ³LV HDFK $WKOHWH¶V SHUVRQDO GXW\ WR HQVXUH WKDW QR 3URKLELWHG
6XEVWDQFH HQWHUV KLV RU KHU ERG\´ 7KLV PHDQV WKDW WKe Player is personally
responsible for the conduct of people around him from whom he receives food,
drinks, supplements or medications, and cannot simply say that he trusts them
DQGIROORZVWKHLULQVWUXFWLRQV7KHQWKH:$'$&RGH¶VRIILFLDOFRPPHQWWR$UWLcle
10.5 (provision whose application was expressly invoked by the Player) reads as
IROORZV³DVDQFWLRQFRXOGQRWEHFRPSOHWHO\HOLPLQDWHGRQWKHEDVLVRI1R)DXOWRU
Negligence in the following circumstances: (a) a positive test resulting from a
mislabeled or contaminated vitamin or nutritional supplement (Athletes are
responsible for what they ingest (Article 2.1.1) and have been warned against the
possibility of supplement contamination); (b) the administration of a prohibited
VXEVWDQFH E\ WKH $WKOHWH¶V personal physician or trainer without disclosure to the
Athlete (Athletes are responsible for their choice of medical personnel and for
advising medical personnel that they cannot be given any prohibited substance);
DQG F VDERWDJHRIWKH$WKOHWH¶VIRRGor drink by a spouse, coach or other person
ZLWKLQ WKH $WKOHWH¶V FLUFOH RI DVVRFLDWHV $WKOHWHV DUH UHVSRQVLEOH IRU ZKDW WKH\
ingest and for the conduct of those persons to whom they entrust access to their
IRRGDQGGULQN ´7KHFLUFXPVWDQFHVRIWKHSUHVHQt case are quite typical and fall
squarely in the warnings set out in the quoted Article 8 of the CBF 2007 Doping
&RQWURO5HJXODWLRQDVZHOOLQWKH:$'$&RGH¶VFRPPHQWWR$UWLFOH,QGHHG
there have been so many anti-doping cases where the athlete has attempted to
justify himself on the basis of a contaminated supplement that practically every
sports or antidoping organization in the world has issued warnings against the use
of nutritional supplements. In addition, the Panel notes that, according to the
concurrent evidence put forward by Dr Pagnani and Dr Vilhena, there have been
in Brazil various publicly known cases of contaminated nutritional supplement that
yielded positive anti-doping tests. Such cases, showing the high risk of
contamination of nutritional supplements in Brazil, should have rendered the
113

Player acutely aware of the risk and induced him to refuse the caffeine capsules
given to him. All the more so, as the Player has declared that he never felt that
caffeine contributed any particular benefit to his sporting performance.
Notwithstanding the extensive information available that should have alerted him
to the risk of a doping offence, the Player chose to do nothing, simply and without
question ingesting every product administered to him. Even accepting that the
Club has a serious responsibility towards the Player, the Panel finds that the
3OD\HU¶V FRQGXFW LQ WKH FLUFXPVWDQFHV DPRXQWHG WR D VLJQLILFDQW GLVUHJDUG RI KLV
positive duty of caution. Indeed, nothing prevented the Player from complying with
such duty and refusing the products given to him or, at least, checking personally
how, where and by whom the products were manufactured. The Panel finds that
QRZDGD\VDQDWKOHWHRI'RG{¶VVWDWXUHDJHDQGH[SHULHQFHFDQQRWPHUHO\UHO\RQ
his teDP¶V VWDII LQ XVLQJ VXSSOHPHQWV DQG YLWDPLQV $V DQRWKHU &$6 3DQHO KDV
YLYLGO\ SXW LW WKLV 3OD\HU¶V DWWLWXGH LV ³WDQWDPRXQW WR D W\SH RI ZLOIXO EOLQGQHVV IRU
ZKLFKKHPXVWEHKHOGUHVSRQVLEOH7KLV³VHHQRHYLOKHDUQRHYLOVSHDNQRHYLO´
attitude in the face of what rightly has been called the scourge of doping in sport ±
this failure to exercise the slightest caution in the circumstances ± is not only
unacceptable and to be condemned, it is a far cry from the attitude and conduct
expected of an athlete VHHNLQJWKHPLWLJDWLRQRIKLVVDQFWLRQIRUDGRSLQJYLRODWLRQ´
&$6$ 7KHUHIRUHWKH3DQHOILQGVWKDWWKH3OD\HU¶VGHJUHHRI³IDXOWRU
QHJOLJHQFH´ YLHZHG LQ WKH WRWDOLW\ RI WKH FLUFXPVWDQFHV LV FOHDUO\ ³VLJQLILFDQW´ LQ
relation to the anti-doping rule violation. Notwithstanding the fact that the Panel is
ILQGLQJDJDLQVWWKH3OD\HUWKHDFFRXQWJLYHQE\WKH&OXE¶VQXWULWLRQLVWSURPSWVWKH
3DQHOWRPDNHFOHDUWKDWWKH&OXE¶VKDELWRIKDQGLQJRXWQXPHURXVFDSVXOHVDQG
supplements to its players aV ZHOO DV WKH &OXE¶V V\VWHP RI REWDLQLQJ NHHSLQJ
guarding and dispensing those capsules and supplements seem, to say the least,
imprudent. Indeed, what this case has highlighted is that it is the players who end
up bearing any consequences of such a club¶VDWWLWXGHLQWHUPV.

In conclusion, the CAS has jurisdiction ratione materiae and ratione personae
to entertain the appeals of the FIFA and the WADA in respect of the CBF and Mr
Ricardo Lucas Dodô, while it has no jurisdiction ratione personae in respect of the
114

STJD. The appeals of FIFA and WADA against the decision dated 2 August 2007
of the STJD are upheld.

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