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Para Cunha e Cintra (2008), o “-o” em “gato”, “cachorro”, “menino” é classificado como desinência de
gênero em oposição ao “-a” em “gata”, “cachorra”, “menina”.
Na perspectiva dos autores, o “-o” só seria vogal temática quando não há oposição de gênero. Ex.:
“caderno”, “carro” (não existem as palavras “caderna”, nem “carra”).
Vejamos a seguir a discussão a partir da proposta de alguns linguistas.
1. aluna x aluno
2. a tatuagem
3. o sofá
Sexo é um conceito biológico e está diretamente atrelado a nomes que fazem referência a seres cuja
formação física, orgânica e celular permite distinguir o macho da fêmea. [...] Sexo diz respeito ao
universo biossocial. (Gonçalves, 2019, p. 109)
2.1.2 A distribuição dos nomes em três grandes classes (Mattoso, 1970, p. 92)
Vejam que a distribuição de Mattoso (1970) é diferente daquela estabelecida pela tradição:
● Substantivo sobrecomum - é um tipo de substantivo uniforme, utilizado para nomear pessoas nos
dois gêneros;
7. criança, vítima, cadáver, etc.
● Substantivo epiceno - é um tipo de substantivo uniforme, utilizado para nomear animais nos dois
gêneros;
8. cobra, jacaré, onça, etc.
● Substantivo comum de dois gêneros - é um tipo de substantivo em que há referência aos dois
gêneros, mas não há alteração no substantivo, sendo o gênero marcado no artigo/determinante;
9. (o, a) artista, (o, a) diplomata, (o, a) aprendiz, etc.
“A classificação das gramáticas em nomes comuns de dois gêneros, sobrecomuns e epicenos não
contribui para a descrição do gênero enquanto categoria gramatical, uma vez que não há, nesses casos,
qualquer alteração na forma da palavra que esteja a serviço da expressão do gênero.” (Gonçalves, 2019,
p. 109)
Atenção: a Flexão é entendida como uma marca formal que relaciona nomes masculinos e femininos em
torno de alguma propriedade semântica.
IMPORTANTE:
ENTENDE-SE POR FLEXÃO, SOMENTE, A ASSOCIAÇÃO EM TORNO DE UM RADICAL COMUM,
POR MEIO DE UMA OPOSIÇÃO PRIVATIVA (PRESENÇA X AUSÊNCIA DO MORFEMA -A).
Para Mattoso (1970), sobre o valor semântico da categoria gênero no português, só é possível
declarar que o masculino é a forma geral e não marcada e o feminino é a forma especificada e
marcada que “indica uma especialização qualquer” (Mattoso, 1970, p. 110)
Do ponto de vista formal, o masculino é sempre representado por Ø, sendo a vogal final, quando
aparece, um atualizador lexical (índice temático) chamado de vogal temática.
17. a. serv [VT -o] [DGMØ]
b. mong [VT -e] [DGMØ]
18. a. alun [DGF -a]
b. menin [DGF -a]
Observe que em sintagmas onde o gênero é marcado pela morfossintaxe a vogal que encerra o
vocábulo é chamada de índice temático ou vogal temática.
19. a. a cas [VT -a]
b. o brinqued [VT -o]
● O sufixo derivacional [–eu] desenvolve um hiato /ej/ diante do /a/. Ao mesmo tempo, há uma
alternância entre timbre fechado e timbre aberto para a vogal tônica.
20. a. ateu - ateia
b. plebeu - plebeia
● nas formas primitivas terminadas no ditongo –ão, acessa-se a forma básica do masculino,
encontrada nas derivações, e a queda da nasal pode deixar duas vogais idênticas contíguas,
havendo posterior crase, (21), ou duas vogais diferentes, promovendo a desnasalização, (22).
21 a. irmão - irmã
b. cidadão - cidadã
22. a. bom - boa
b. leão – leoa.
● O sufixo de aumentativo /oN/ transfere o travamento nasal posvocálico /N/ para a sílaba seguinte
como consoante /n/
23. a. valentão – valentona
b. sabichão - sabichona
● num conjunto reduzido de formas, também ocorre alternância vocálica, atingindo também as
médias anteriores.
25. a. novo - nova
b. sogro - sogra
Há determinados substantivos cujo gênero, além de ser assinalado por um determinante, recebe marca
morfológica: este menino estudioso/esta menina estudiosa, um gato preto/uma gata preta.
- Apenas uma parte insignificante dos substantivos (seres sexuados) pode receber uma marca
morfológica distintiva de gênero (4.5%), e desses, nem todos recebem uma marca morfológica de gênero
(criança, cônjuge, homem, jacaré, selvagem – gênero único/expediente sintático).
Conclusões:
1. O gênero do substantivo em português é marcado por um determinante flexionado; é uma relação
sintática.
2. Há poucos casos em que o substantivo é marcado morfologicamente.
3. Todo substantivo tem um gênero. No português, masculino ou feminino.
Não é a natureza da frase que impõe o gênero substantivo no masculino ou no feminino (uma inflação
desenfreada) – o item inflação será feminino em qualquer frase. Esta aluna está interessada ... é a
situação que obriga a usar a forma aluna, MAS o substantivo obriga o adjetivo a concordar com o gênero
imanente de inflação, surgindo desenfreada. (idem Aluna/interessada).
- Concordância in absentia – ouvi tiros de madrugada.
- Concordância in praesentia – ouvi tiros repetidos de madrugada.
O problema é que nem sempre dá pra determinar que a regra geral se aplica. Vejam que “moça” e
“senhorita” são palavras que remetem ao sexo feminino, entretanto são neutras. As palavras do campo
semântico “meio de transportes” se inserem tanto grupo do gênero neutro quanto no grupo do gênero
masculino.
No alemão, segundo Cavalcante (2022), não faz sentido falar em linguagem neutra ou gênero neutro
porque já há distinção entre palavras femininas, masculinas e neutras. Lá há estratégias capazes de
marcar uma linguagem apropriada ao gênero.
Como gênero gramatical é uma categorização, na língua, quando se deseja marcar uma
linguagem inclusiva de gênero, faz-se uso de diversas estratégias grafemáticas.
Ex: LehrerIn (professor e professora)
mein_e e beste*r Freund:in (meu melhor amigo)
3.2.1 Antes de Cavalcante (2022), um pouco de discussão (algumas opiniões para reflexão).
Várias tentativas de marcar “neutralizar” o gênero morfologicamente já foram feitas, como o uso de
“@” ou de “x” no lugar do afixo de gênero (ou da vogal temática), mas se mostraram pouco produtivas, já
que as palavras não eram lidas adequadamente por processadores de texto (Cavalcante, 2022, p. 75).
Contudo, segundo Possenti (2022, p. 21), é no léxico que a violência discursiva no campo dos
gêneros se exerce mais pesadamente. Um mesmo termo pode ter sentidos diferentes se empregado no
masculino ou no feminino, sendo que, na segunda opção, o sentido é geralmente pejorativo. Ele dá
exemplos na tabela da página 21. No masculino, por exemplo, temos “cão” (melhor amigo do homem),
“vagabundo” (desocupado); “touro” (homem forte); “homem da vida” (pessoa com sabedoria) etc., em
oposição a “cadela”, “vagabunda”, “vaca”, “mulher da vida”.
Labov (1990) postula algumas bases para o entendimento da mudança linguística a partir da
observação do comportamento da comunidade de fala. Existem processos de mudança linguística que
são mais bem aceitos do que outros. Muitas vezes, em razão do grupo social em que a construção
inovadora é mais frequente.
❖ From above - mudança acima do nível da consciência social
❖ From below - mudança abaixo do nível da consciência social
✓ “geralmente as mudanças com origem na classe dominante sofrem menos preconceito social e
são menos estigmatizadas do que as mudanças oriundas do vernáculo.” (Cavalcante, 2022, p. 89)
Para Cavalcante (2022), em português, há oposição gramatical entre masculino e feminino, a qual
representa uma oposição no mundo biossocial. Ocorre que a autora defende que o não binário não tem
uma marcação gramatical específica e isto propicia o surgimento de um movimento que postula um
morfema gramatical capaz de marcar essa oposição conceitual.
1. a. aluno/aluna/alune
b. professor, professora, professore
c. cansado, cansada, cansade
d. nu, nua, nue
✓ Cavalcante (2022) defende que formas homófonas existem na língua desde sempre e que elas
não se anulam. Ex: amava (primeira ou terceira pessoa do pretérito imperfeito do indicativo) /
amaram (terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo e do pretérito mais que perfeito
do indicativo).
Há uma discussão e há diferentes pontos de vista sobre tema. Conforme aponta Possenti (2022, p.
34), “independentemente se se chegar a uma solução de consenso entre as alternativas postas, [...] o
fato é que a questão está posta. Seria indecente não reconhecer sua relevância”.
De qualquer forma, o meio acadêmico é o lugar mais adequado para refletir sobre tais questões e,
além disso, reconhecer a existência e a importância dos dialetos identitários é questão de respeito e
cidadania.
Referências Bibliográficas
CÂMARA, JR, Joaquim Mattoso. Estrutura da Língua Portuguesa. Petrópolis, Editora Vozes, 1970.
CAVALCANTE, Silvia Regina de Oliveira. “A Morfologia de gênero neutro e a mudança acima do nível da
consciência.” In: FILHO, Fábio Ramos Barbosa & OTHERO, Gabriel de Ávila. Linguagem Neutra - Língua e Gênero
em debate. São Paulo, Parábola, 2022, p. 73-93.
FREITAG, Raquel Meister Ko. “Conflito de regras e dominância de gênero.” In: Filho, Fábio Ramos Barbosa &
Othero, Gabriel de Ávila. Linguagem Neutra - Língua e Gênero em debate. São Paulo, Parábola, 2022, p. 53-72.
GONÇALVES, Carlos Alexandre. Morfologia. 1. ed. São Paulo, Parábola, 2019.
LABOV, William. The intersection os sex and social class in the course of linguistic change. Language variation and
change. Cambrigde: Cambrigde University Press, v.2, 1990, p. 135-156
POSSENTI, Sirio “O Gênero e o gênero.” In: FILHO, Fábio Ramos Barbosa & OTHERO, Gabriel de Ávila. Linguagem
Neutra - Língua e Gênero em debate. São Paulo, Parábola, 2022, p. 17-36.
ROCHA, Luiz Carlos Assis. Estruturas morfológicas do português. São Paulo, Martins Fontes, 2008.
SCHWINDT, Luiz Carlos. Sobre gênero neutro em português brasileiro e os limites do sistema linguístico. Revista
da Abralin, v. 19, n.1, 2020