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Gabriel Villote de Paula - 106635

Questão Reflexiva 1 - HIS 361

Ética em Pesquisas Históricas

A Ética é um conceito muito importante para a história da humanidade tanto na


época em que se tornou importante no âmbito das ciências quanto hoje em dia. Esse
conceito norteia o nosso entendimento de como se deve lidar com seres humanos a
partir do momento em que se envolvem estes em pesquisas dirigidas por cientistas.
Como diz Schnell e Heinritz:

A ética na pesquisa trata da questão de quais problemas eticamente


relevantes causados pela intervenção de pesquisadores pode-se esperar que
causem impacto nas pessoas com as quais ou sobre as quais eles pesquisam.
Ela também está preocupada com os passos tomados para proteger àqueles
que participam da pesquisa, se isto for necessário. (Schnell e Heinritz, 2006,
p. 17)

A reflexão que se tentará nesse texto diz respeito ao conceito de ética aplicado às
pesquisas sociais de forma geral e por último tentar trazer esse conceito para a área da
pesquisa histórica, que também possui desdobramentos que seriam interessantes se
tratados sob um ponto de vista ético; não só as pesquisas no campo da história oral mas
também aquelas baseadas em fontes escritas, que, por mais que não trate com seres
humanos de forma direta ainda assim possui elementos para se ter em consideração
dentro da ética.
Comecemos então com a ética em campos genéricos. Miguel Kottow, que é um
médico cirurgião que se enveredou pela área da ética, entrega um panorama da história
da Bioética. Segundo o mesmo esse tema começou a ganhar importância a partir da
criação do Código de Nuremberg, que surgiu por conta do julgamento, acontecido nessa
mesma cidade, de médicos e cientistas nazistas que utilizavam pessoas em seus
experimentos de forma indiscriminada e sem levar em conta as consequências que
advinham desses experimentos para a saúde física e mental das cobaias. Isso acontecia
sob o argumento do Terceiro Reich de que aqueles que foram presos e levados aos
campos de concentração nazistas, ou seja, Judeus, Ciganos, Homosexuais, Etc, não
possuiam status de “seres humanos”, e que portanto não seria necessário se levar em
consideração como tais na hora de fazer os experimentos. O resultado disso foram
milhares de pessoas serem utilizadas em experimentos contra a sua vontade e que
foram danosos para a sua saúde física e psicológica. Não convém aqui repetir a
natureza dos mesmos pois já o são de ampla divulgação.
E não foi apenas no Reich que se ignorou a ética em pesquisa com seres
humanos, já que o mesmo aconteceu em Tuskegee quando de um experimento em
massa com pessoas afrodescendentes sem que estas soubessem do que se tratava e
também sem o seu devido consentimento. A partir da percepção dos danos que podem
causar uma pesquisa sem os devidos comprometimentos com a ética, foram feitas
discussões e consensos que geraram declarações e códigos de condutas que devem
nortear as pesquisas com seres humanos e que portanto devem ser seguidas para
produzir uma pesquisa válida aos olhos da comunidade científica. O primeiro deles foi
o Código de Nuremberg, que pela primeira vez reconheceu a importância da ética em
pesquisas que usem cobaias humanas, determinando que as mesmas precisam estar em
pleno juízo das possíveis consequências do experimento e também das suas razões.
Esse código foi seguido por outras declarações, como a de Helsinque que estabeleceu o
padrão de ética na área da medicina.
Enfim, a partir desse breve histórico percebemos como este é um tema
importante para a comunidade científica mundial e também como a não discussão dessa
temática pode acarretar inúmeras injustiças e danos irreparáveis aos indivíduos
envolvidos. Agora convém entrar na questão da ética na pesquisa histórica que é o
nosso tema principal. Esse assunto se desdobra principalmente na área da história oral,
onde tem-se que criar um “arquivo” a ser pesquisado a partir do relato oral das pessoas.
A partir disso, é importante que se entenda a questão a partir de quatro pontos conforme
pontuam Murphy e Dingwall (2001): Não Prejuízo - os pesquisadores devem evitar
causar danos aos participantes; Beneficência - a pesquisa sobre seres humanos deve
produzir alguns benefícios positivos e identificáveis, em vez de ser simplesmente
realizada em benefício próprio; Autonomia ou autodeterminação - os valores e
decisões dos participantes da pesquisa devem ser respeitados; Justiça - todas as pessoas
devem ser tratadas igualmente. Cada um desses pontos é essencial para que se garanta
não só a integridade das pessoas envolvidas na pesquisa como também a validade da
mesma ante a comunidade científica, pois pesquisas que tratam de períodos traumáticos
da história, por exemplo, podem causar uma série de prejuízos a saúde mental dos
entrevistados, principalmente se o tema não for tratado de forma respeitosa e, mais
importante, voluntária, tendo o entrevistado pleno conhecimento do uso que será feito
do seu depoimento.
E por último, é importante pensar a ética aplicada às pesquisas históricas que
não envolvem contato direto com seres humanos. Esse é o caso da maior parte das
pesquisas em arquivo e documentação escrita, que por sua vez a princípio não geram
nenhum malefício a indivíduos vivos. Porém, é possível refletir a ética do pesquisador
com relação a sua fonte. Como discute a autora Tânia Regina de Luca, o historiador
que trabalha com fontes também possui um código de ética a seguir; só que direcionado
ao trato com as fontes históricas. Sabemos que na maioria das vezes as fontes que se
estudam se referem a indivíduos que a muito só vivem no mundo da memória e do
patrimônio, e que, portanto, ainda assim são indivíduos que merecem justiça e
compreensão, já que se não os merecessem não seria necessária a existência de
historiadores. Dessa forma a autora lembra que é muito importante que se pense na
dimensão da historicidade, ou seja, em como a história ou o conhecimento histórico é
um processo de releitura constante de acontecimentos que em si não mudaram. Assim,
é importante que não se transfira para uma outra época códigos morais e julgamentos
que não cabem na mesma e que portanto se configuram anacronismo.
É preciso que se tenha em mente que indivíduos que não falam por si, como as
figuras históricas ou aqueles dos quais as fontes tratam, não tem meios de se defender,
em consequência cabe ao pesquisador, aquele por meio do qual essas figuras podem
“falar”, garantir que não sofram injustiças cometidas por julgamentos que não estejam
alinhados com a sua ética em pesquisa. Daí mais uma vez percebemos a importância da
ética em todas as áreas do conhecimento.

Referências Bibliográficas

DE LUCA, Tania Regina. Práticas de Pesquisa em História. São Paulo: Contexto, 2020.
Em busca do passado, p. 13-32.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7658820/mod_resource/content/1/Tania%20R
egina%20de%20
Luca%20-%20Pr%C3%A1ticas%20de%20pesquisa%20em%20hist%C3%B3ria.pdf

FLICK, Uwe. Questões éticas na pesquisa social. Introdução à metodologia de


pesquisa: um guia para iniciantes. Tradução Magda Lopes. Porto Alegre: Penso, 2013,
p. 207-220

Kottow, Miguel. (2008). História da ética em pesquisa com seres humanos. Revista
Eletrônica De Comunicação, Informação & Inovação Em Saúde, v.2.
https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/863/1505

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