Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Documento produzido pelo grupo de trabalho “História oral e ética em pesquisa”, implementado pela
Associação Brasileira de História Oral (ABHO) em sua gestão 2020-2022. Divulgação aprovada em
assembleia geral realizada em 28 de julho de 2022.
Subsídios sobre ética e história oral
Sumário
IV – Questões em aberto
VI - Recomendações à ABHO
2
I - História oral e ética em pesquisa
A ética como eixo norteador de princípios da maior validade e responsividade na história oral
inscreve na prática acadêmica um corpo de parâmetros e de valores que são social e historicamente
referenciados em seus usos, práticas, experimentações e experiências. Ela não se restringe a
procedimentos institucionais burocráticos de regulação a partir de parâmetros de exterioridade que não
levam em consideração a própria história do desenvolvimento dessa metodologia. A ética na pesquisa
com história oral é mediação para toda investigação preocupada com o registro e interpretação da
memória social consciente de si, não se reduzindo a um corpo formal de regulações.
Reconhecemos que a ética na prática da história oral, para além dos elementos constitutivos de
sua criação e desenvolvimento como uma metodologia no fazer das ciências humanas e sociais, dialoga
com os saberes que a utilizam. Ela é, portanto, mediadora do próprio fazer científico e interage com as
transformações da sociedade e das ciências mencionadas, nunca devendo submeter-se acriticamente a
qualquer corpo de procedimentos propugnado por sujeitos, instituições e organizações alheios aos
meios disciplinares próprios. A ética na história oral ainda tem como parâmetros a construção de saberes
que primam pelo respeito aos direitos humanos, à construção da democracia e da cidadania.
Se compreendemos que a história oral se constitui como uma metodologia aberta e variável às
necessidades plurais de seu emprego, a partir de uma historicidade de processos que se sintonizam às
mudanças da vida social e aos fazeres disciplinares daí mobilizados, por desdobramento somos levados
a compreender que ela não pode se manter defensável sem o escrutínio de um corpo de valores éticos
social e historicamente referenciados. Temos consciência das dificuldades, problemas e situações
desrespeitosas relacionadas às exigências de avaliação dos comitês de ética em pesquisa que se
institucionalizaram nas universidades e centros de pesquisa no Brasil.
3
equidade, dentre outros”. No mesmo trecho, fica registrado que o documento “visa a assegurar os
direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao
Estado”. Na inexistência de regulação própria para as ciências humanas e sociais, os projetos de
pesquisa eram avaliados por essa Resolução, de acordo com uma lógica externa, exclusiva da área de
saúde.
Frente a tal quadro e considerando a participação da ABHO no conturbado processo que levou
à escrita da Resolução 510/2016, é importante que os/as praticantes de história oral leiam
atentamente o documento e se informem a respeito do processo que levou à sua redação. 1
Entendemos que o documento ofereceu algum âmbito protetivo aos praticantes da história oral,
sobretudo por considerar como especificidade de que não se trata de pesquisa em seres humanos, mas
com seres humanos. Na parte II deste texto, registramos as demandas das ciências humanas e sociais
(e da história oral) que foram contempladas na Resolução 510/2016 e, o que consideramos serem os
pontos problemáticos ou em aberto, parte dos quais é retomada na parte IV. Também apresentamos
desdobramentos posteriores à aprovação do documento e que trazem novos desafios para o debate sobre
ética e história oral.
Há muito o que se avançar no corpo referencial de ética na pesquisa de história oral para além
das institucionalidades. O vivaz desenvolvimento da metodologia nas últimas décadas e suas
potencialidades hoje já internacionalmente reconhecidas nos dão algum âmbito de segurança. Por esse
motivo, na parte V deste texto, apresentamos documentos que as associações de história oral dos
Estados Unidos e da Itália redigiram para registrar princípios éticos e boas práticas no uso da
metodologia. Também trazemos documentos aprovados pela ANPUH Brasil e pela ABA na mesma
direção.
1
DUARTE, Luís Fernando Dias. Práticas de poder, política científica e as ciências humanas e sociais: o caso da
regulação da ética em pesquisa no Brasil. História Oral, v.17, n.2, p.9-29, 2014; DUARTE, Luís Fernando Dias.
Cronologia da luta pela regulação específica para as ciências humanas e sociais da avaliação da ética em pesquisa
no Brasil. Práxis Educativa, v.12, n.1, 2017; RODEGHERO, Carla Simone. História oral e ética: um olhar
comparativo entre Brasil, Canadá e Itália . História, Ciências, Saúde-Manguinhos [online]. 2022, v. 29, n. 2
[Acessado 7 Junho 2022] , pp. 481-500.
4
ciência, de interferência política ideológica mediada por intervenções nas instituições de pesquisa e
universidades, um crescente autoritarismo governamental e ameaças reais à democracia e às
instituições, entendemos que é o momento de olharmos para a Resolução 510/2016, como
potencial proteção para a prática da história oral. Em face aos negacionismos e a uma cultura
anticientífica pulsante nos meios sociais e políticos, a aprovação e o reconhecimento de pesquisas com
história oral nos comitês de ética podem fornecer elementos protetivos importantes.
Neste sentido, apresentamos sugestões que visam contribuir com os praticantes da história oral
quanto aos procedimentos necessários à tramitação de projetos de história junto aos comitês científicos
institucionais via Plataforma Brasil (parte III). Cumpre porém observar que temos clareza de que todo
o conjunto de indicações que emitimos encontram realidades locais específicas, muitas vezes tomadas
por posições burocráticas institucionais muito duras em relação ao emprego da história oral e outras por
desinformação. Não é nossa intenção intermediar diretamente as relações entre pesquisadores/as de
história oral e comitês de ética, mas oferecer informações organizadas e comentadas que possam ajudar
os praticantes a avançar em seus trâmites.
5
II - Comentários sobre as Resoluções CNS 510/2016, 674/2022 e sobre o PL 7082/2017
A Resolução CNS 510/2016, no artigo 9º, prevê os seguintes direitos aos participantes
da pesquisa (pessoas entrevistadas, no caso da história oral). Clique no título sublinhado para
acessar o documento;
Obs.: nada na Resolução CNS 510/2016 sustenta o pedido de certos comitês de ética de
que os TCLEs sejam entregues assinados quando da submissão do projeto, nem que seja
apresentada a lista com nomes das pessoas a serem entrevistadas.
6
aprovado, desde que não contenha modificação essencial nos objetivos e na
metodologia do projeto original”. Sugere-se que o uso dessa estratégia para a aprovação
de projetos de orientandos ou para projetos institucionais de coletivos de história oral
seja alvo de cuidadosa reflexão, a fim de que o/a orientador/a ou coordenador/a não
assuma compromissos que estão além do seu alcance.
Obs. – ao invés de uma resolução sobre gradação de risco, a Conep criou um GT para a redação
de um documento que deu origem à Resolução CNS nº 674, de 06 de maio de 2022, a qual,
conforme seu primeiro artigo, "estabelece a tramitação dos protocolos de pesquisa científica
envolvendo seres humanos, no Sistema CEP/Conep, de acordo com a tipificação da pesquisa e
os fatores de modulação”. Clique no título sublinhado para acessar o documento. Para um relato
sobre o processo que deu origem a essa resolução, indicamos a mesa redonda promovida pela
Associação Brasileira de Antropologia, em maio de 2022, sobre o tema “Ética em pesquisa nas
Ciências Humanas e Sociais: o Sistema CEP/CONEP em perspectiva”. A fala de Martinho
Braga Batista e Silva (UERJ), a partir de 01:02:11, trata da escrita da Resolução CNS 674/2022.
Clique no título para ter acesso ao evento.
7
O Fórum de Associações de Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Letras,
Linguística e Artes (FCHSSALLA) vem promovendo um forte movimento para provocar
modificações no projeto. Ele é explícito nas suas referências à avaliação das práticas de
pesquisas tomando por base as Ciências Experimentais, mas no Artigo 73 impõe a disposição
de regulamentar as Ciências Humanas, como se pode perceber: “Art. 73. Esta Lei e seu termos
se aplicam às pesquisas com seres humanos em todas as áreas do conhecimento, no que couber,
desde que não exista regulamentação específica em contrário.”
8
que um possível novo modelo avaliativo exigirá encaminhamentos e sistemas de submissão
apropriados.
9
III - Sugestões sobre a submissão do projeto de pesquisa a um comitê de ética
Como ainda não aconteceu a adaptação da Plataforma Brasil aos projetos das
humanidades, a Carta Circular nº 110-SEI/2017-CONEP/SECNS/MS instruiu sobre o
preenchimento do formulário para submissão de projetos das Ciências Sociais e Humanas e
indica que vários campos podem ser preenchidos com a observação: “não se aplica”. No
preenchimento do formulário e na redação do projeto a ser anexado na Plataforma Brasil,
sugere-se:
1 - que fique explícito que o/a pesquisador/a sabe que a normativa que orienta a
avaliação do seu projeto é a Resolução CNS 510/2016 e que conhece a Carta Circular
110/2017;
10
Obs. - Ainda que o projeto de pesquisa seja mais extenso que o formulário e comporte
discussões teórico-metodológicas que dialogam com o campo disciplinar específico e com a
metodologia da história oral (e que não são objeto de análise do comitê de ética), é
recomendável descrever os objetivos, a metodologia, as etapas da pesquisa do mesmo
modo no projeto e no formulário da Plataforma Brasil. No caso dos anexos solicitados,
como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, usar exatamente o mesmo texto no
projeto e no formulário.
Resumo
Introdução
Hipótese – se a pesquisa não trabalha com hipótese, registrar “não se aplica, de acordo
com a Carta Circular nº 110-SEI/2017-CONEP/SECNS/MS”
Objetivo Primário
11
Metodologia de Análise dos Dados – Se a metodologia estiver devidamente explicada
no campo “metodologia adotada”, registrar aqui “não se aplica, de acordo com a Carta
Circular nº 110-SEI/2017-CONEP/SECNS/MS”
Desfecho primário – registar: “não se aplica, de acordo com a Carta Circular nº 110-
SEI/2017-CONEP/SECNS/MS”
12
IV - Questões em aberto na Resolução 510/2016 e/ou na prática da história oral
- como agir em relação aos TCCs, que segundo a resolução devem passar pela avaliação
dos comitês de ética? É possível e seguro que os/as orientadores/as submetam projetos
“guarda-chuva” para abrigar esses trabalhos?
- quando o foco não é o indivíduo, mas uma comunidade, como fica o registro de
consentimento?
- como fazer uso responsável de entrevistas antigas, produzidas quando não se tinha a
prática de apresentar termo de consentimento ou carta de cessão?
13
V - Subsídios para um documento da ABHO sobre ética e história oral
2
http://www.portal.abant.org.br/codigo-de-etica/ Consulta em 10/06/2022.
14
3. Realizar o trabalho dentro dos cânones de objetividade e rigor inerentes à prática
científica.
“No caso do uso da metodologia de história oral, é fundamental que o entrevistado conheça os
objetivos da pesquisa e consinta explicitamente em dela participar, podendo este consentimento
ser expresso de forma escrita ou oral. Cabe ao historiador cumprir fielmente os termos do
consentimento, especialmente no que diz respeito à divulgação ou não da identidade dos
envolvidos e à autorização ou não do uso dos registros produzidos. A garantia do anonimato
reside no compromisso de não só omitir o nome do entrevistado como informações que possam
identificá-lo. Possibilitar que os sujeitos envolvidos na pesquisa tenham acesso ao
conhecimento construído a partir dos seus relatos é um procedimento altamente
recomendável”.
V – decidir se sua identidade será divulgada e quais são, entre as informações que
forneceu, as que podem ser tratadas de forma pública;
3
https://anpuh.org.br/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/2902-carta-de-principios-
eticos-anpuh-brasil . Cópia literal do documento da ANPUH Brasil.
4
https://www.oralhistory.org/oha-statement-on-ethics/ . Tradução literal, na maioria das vezes, do que consta no
site da OHA.
15
A ética se refere aos princípios que devem governar os múltiplos relacionamentos
inerentes à história oral. Todas as pessoas envolvidas no processo devem trabalhar para garantir
que a perspectiva, a dignidade, a privacidade e a segurança dos/as narradores/as sejam
respeitadas.
16
difamação e a invasão da privacidade e a outros temas que podem colocar em perigo os/as
narradores/as.
As entrevistas devem ser usadas de forma honesta e respeitosa, o que significa produzir
análises que se mantenham fiéis às palavras e aos significados produzidos pelo/a narrador, o
que implica em não citar palavras fora do contexto ou que fujam do sentido originalmente
atribuído. Isso não impede que os/as pesquisadores/as cheguem a conclusões diferentes
daquelas dos/as narradores/as, desde que baseadas em evidências propriamente citadas.
Quanto à coleta:
5
[3] https://www.aisoitalia.org/buone-pratiche/ . Tradução literal, na maioria das vezes, do que consta no site da
AISO.
17
modificar os mesmos. O pesquisador deverá registrar essas mudanças sem alterar os dados
originalmente recolhidos.
Quanto à conservação:
A fonte oral é o registro em áudio e vídeo, enquanto que a transcrição é uma redução
ou uma aproximação textual. Ela deve ser conservada e tornada acessível aos estudiosos, a
menos que tenha sido combinado de forma diferente. Cabe ao/à pesquisador/a escolher o local
mais adequado ao depósito. É necessário que o/a entrevistador/a assine um documento no qual
constem os dados de identificação da entrevista (salvo nos casos de solicitação de anonimato),
assim como as informações sobre local, data, modalidade da entrevista. Deve registrar também
eventuais limites à consulta e divulgação e a presença de dados pessoais ou elementos que
possam lesar a dignidade de terceiros. A esse documento podem ser anexados índices e
transcrição e outros registros que possam ser úteis para os futuros usuários da entrevista.
18
oportunidade de adequá-las às normas presentes. Depois de doadas, o dever de respeitar os
limites da utilização e da publicação das entrevistas é repassado à pessoa responsável pela
instituição de guarda.
Quando trabalhando por contrato para entes públicos ou privados, o/a pesquisador/a e
seus colaboradores/as são responsáveis pela integridade da pesquisa e pelo respeito à dignidade
das pessoas entrevistadas. O/a contratante/a deve ser adequadamente informado sobre os
cuidados necessários para gerir a fase de conservação dos produtos resultantes de pesquisa com
história oral.
Os/as praticantes da História Oral no Brasil não contam com um código de ética próprio,
mas o tema dos cuidados e boas práticas tem sido alvo de discussão em eventos e publicações
da área. Na ausência de tal código, a redação deste texto foi feita tendo como base a Carta de
Princípios Éticos aprovada pela Associação Nacional de História (ANPUH BRASIL) em 2015;
a Resolução 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde, relativa à avaliação ética de pesquisas
das Ciências Humanas e Sociais; e, ainda, documentos correlatos produzidos nos Estados
Unidos e na Itália.7 Dialogando com esses materiais, serão apresentados tanto direitos das
pessoas entrevistadas quanto direitos e deveres dos/as pesquisadores/as.
6
https://www.ufrgs.br/repho/wp-content/uploads/2018/08/Manual-do-Repositorio-de-Entrevistas-de-Historia-
Oral-versao-maio-2022.pdf. O texto é de autoria de Carla Simone Rodeghero.
7
ANPUH BRASIL, Carta de Princípios Éticos, 201. Disponível em https://anpuh.org.br/index.php/2015-01-20-
00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/2902-carta-de-principios-eticos-anpuh-brasil. Acesso em 08 de julho
de 2020; BRASIL, Conselho Nacional de Saúde. Resolução 510, de7 de abril de 2016. Disponível em
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf. Acesso em 09 de julho de 2020; Para a declaração
de princípios éticos da Oral History Association (Estados Unidos), atualizada em 2018, ver
https://www.oralhistory.org/oha-statement-on-ethics/ . Acesso em 18/05/2022. Para a segunda versão do
documento Buone Pratiche per la Storia Oral, publicada pela Associazione Italiana di Storia Orale em 2020, ver
https://www.aisoitalia.org/buone-pratiche/ . Acesso em 18/05/2022.
19
indispensável para as etapas de arquivamento e divulgação para futuros usos. Os/as
entrevistados/as também têm direito de decidir se a entrevista poderá ser divulgada na Internet
e se a sua imagem poderá ser usada. Os/as participantes da pesquisa têm, ainda, o direito de
não serem expostos a riscos materiais e emocionais ao participarem do projeto, de conhecer os
resultados da pesquisa e de ter sua experiência de vida e sua pessoa retratadas de forma
respeitosa.
20
VI - Recomendações à ABHO
Este GT, no limite das suas possibilidades, considerou realizada a tarefa proposta pela
atual direção da ABHO, ao dar conta de:
21