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ÉTICA e PESQUISA EM SERES HUMANOS: fortalecendo a participação comunitária

Vellozo,V.1, Israel, G. 1, Durovni, B. 1, Eldred, L.2, DeLuca, A.2

(1)-Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro; (2)- Johns Hopkins University

Resumo

O artigo tem por objetivo descrever e analisar a metodologia e os resultados do Conselho


Comunitário de Acompanhamento do Estudo THRio (CCA-THRio) orientado para fortalecer a
participação comunitária e os mecanismos de garantia dos princípios éticos que orientam a pesquisa
em seres humanos. Embora complementar, o trabalho desenvolvido no âmbito do CCA THRio se
distingue, claramente, daquele realizado pelos Comitês de Ética em Pesquisa estruturados a partir
da Resolução 196. O Comitê, composto por voluntários, foi criado como uma instância
independente da equipe de coordenação do estudo THRio e com autonomia para definir seu
funcionamento e mudanças na sua formação. Assim sendo, logrou ter um número variado de
membros ao longo de cinco anos de atividade, com distintas inserções na realidade social, com a
missão de acompanhar a garantia dos direitos humanos, o cumprimento da ética e dos protocolos de
pesquisa aprovados no âmbito do referido estudo

1- Introdução

Este artigo apresenta a experiência do Comitê Comunitário de Acompanhamento do THRio ,


criado em 2005, como um prérequisito para o desenvolvimento do projeto de pesquisa: “Impacto da
Terapia Preventiva da Tuberculose para Pacientes Co-infectados com HIV/ Tuberculose com
acesso à terapia anti-retroviral de alta potência, no município do Rio de Janeiro, Brasil, Um
Ensaio de Implementação por Etapas”, e com o objetivo de envolver a comunidade no
acompanhamento operacional da várias etapas da pesquisa, antes mesmo do início da sua execução.

O estudo, que ficou conhecido como “Estudo THRio” (TB e HIV no Rio de Janeiro), fez
parte do “Consórcio para Responder Efetivamente à Epidemia de TB/HIV” (CREATE) 1, foi
desenvolvido em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro
(SMSDC-RJ) e iniciado em setembro de 2005. Trata-se de uma pesquisa operacional que envolveu,
de forma escalonada, vinte e nove unidades da rede de serviços públicos de saúde, localizados no
município do Rio de Janeiro, que prestam assistência aos pacientes HIV. A partir da coleta de dados
e análise de prontuários de pacientes ativos2, a intervenção propriamente dita incluiu a
implementação de uma estratégia de triagem e tratamento de infecção tuberculosa latente em todos
os pacientes HIV+, que estejam incluidos nos critérios definidos nos protocolos nacionais para esta

11
CREATE reune pesquisas em saúde pública com a finalidade de reduzir a Tuberculose em áreas de alta prevalência de
TB e de AIDS e abrange, mais especificamente, tres estudos independentes desenvolvidos no Brasil (THRio), na
Africa do Sul (THIBELA) e no Zambia (ZAMSTAR). Os tres estudos também têm por objetivo influenciar as políticas
globais de prevenção da Tuberculose através de “advocacy” baseada em evidências.
2
Pacientes inscritos nos ambulatórios de tratamento do HIV/AIDS e com registro de pelo menos uma consulta posterior
a setembro de 2003
2

ação.3

As reuniões com os representantes da comunidade para a criação do CCA- THRio tiveram


inicio em janeiro de 2005 junto com os demais procedimentos operacionais que criaram as
condições necessárias para a realização do estudo. Até a finalização do Estudo, em setembro de
2010, foram realizadas 40 reuniões. Mais de 30 representantes tiveram a oportunidade de fortalecer
a participação comunitária e de reforçar os mecanismos de garantia dos princípios éticos que
orientam a pesquisa em seres humanos.

2- Comitês comunitários: uma ferramenta inovadora?

A garantia do cumprimento de princípios éticos nas pesquisas em seres humanos é uma


conquista histórica. No Brasil, em 1996, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Resolução 196
regulamentando as pesquisas que envolvem seres humanos, no Brasil tendo como base os principais
documentos internacionais como o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do
Homem (1948), a Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983, 1989,
1996 e 2000), o Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ONU, 1966, aprovado pelo
Congresso Nacional Brasileiro em 1992), as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para
Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993), as Diretrizes
Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991) e as disposições
legais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, entre outras.

A Resolução 196 institucionalizou os quatro princípios da bioética: autonomia, não


maleficência, beneficência e justiça, a fim de assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à
comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado. Desde então, por força da lei, todas as
pesquisas envolvendo seres humanos devem atender às exigências éticas e científicas fundamentais,
como: o consentimento livre e esclarecido dos indivíduos-alvo e a proteção aos grupos vulneráveis
e aos legalmente incapazes; a ponderação entre riscos e benefícios, tanto reais como potenciais,
individuais ou coletivos visando o compromisso com o máximo de benefícios e o mínimo de danos
e riscos; a garantia de que os danos previsíveis serão evitados e, a relevância social da pesquisa com
vantagens significativas para os sujeitos da pesquisa e minimização do ônus para os vulneráveis, o
que garante a equivalência na consideração dos interesses envolvidos.

Assim, a partir da Resolução 196, as instituições de ensino e pesquisa no Brasil começaram


a criar seus comitês de ética em pesquisa (CEP) e a exigir que pesquisas com humanos, em todas as
áreas, sejam aprovados pelos respectivos comitês. A existência dessas instituições é, sem dúvida,
um passo importante. No entanto, a conquista efetiva das garantias legais e, simultaneamente, da
prevenção de distorções e desvios durante a execução dos estudos implica, necessariamente, em
avançar rumo à criação de metodologias que permitam a participação mais efetiva daqueles que
estão direta e indiretamente envolvidos.

A ética não é um atributo imediato, ao contrário, sabemos que as condutas éticas são parte

3
A realização de teste tuberculínico – PPD – em todos os pacientes elegíveis, a exclusão de tuberculose ativa e a oferta
de isoniazida (INH) para todos com PPD maior ou igual a 5mm fizeram parte desta estratégia
3

de um exercício cotidiano que demanda a criação de espaços de reflexão, de socialização de


conhecimentos e de inclusão dos diversos interessados4. Assim sendo, os comitês comunitários de
acompanhamento de pesquisas operacionais são, em nossa opinião, uma ferramenta inovadora e um
espaço privilegiado para observar e garantir as exigências éticas para a realização de pesquisa em
seres humanos. Dito de outra forma, do nosso ponto de vista, um CCA é um canal de advocacy, de
mobilização social e comunicação capaz de contribuir para o empoderamento dos sujeitos
envolvidos nas pesquisas e para “a construção de um novo consenso” através do diálogo e da ação
de pesquisadores, ativistas e membros da comunidade.5

Naturalmente, também sabemos que o sucesso desta ferramenta de promoção da


participação comunitária em pesquisas tem seu potencial de êxito limitado e dependente de uma
série de fatores tais como: capacidade de ter participantes que sejam membros representativos da
comunidade; reduzir o hiato de conhecimento existente entre pesquisadores e representantes da
comunidade através de atividades de capacitação adequadas; promover o encontro de expectativas
dos diversos participantes e da definição clara de papéis; explicitação das questões éticas que
perpassam o estudo e, busca de soluções coletivas baseadas nos princípios éticos e no compromisso
com a redução da assimetria / vulnerabilidade da comunidade envolvida. 6

Acreditamos que a formação de comitês desta natureza, com reuniões regulares, permite
socializar os objetivos e os procedimentos que serão utilizados no desenvolvimento da pesquisa,
disseminar seus resultados parciais e finais, assim como divulgar os achados durante o processo de
execução, incluindo fatos relevantes que alterem o curso normal do estudo, reduzindo o hiato entre
intenção e gesto7.

Nestes termos, um CCA também pode se constituir uma instância para a formação das
comunidades participantes oportunizando a discussão de aspectos correlatos à pesquisa e
envolvendo-as nas atividades de capacitação dos participantes da pesquisa e de elaboração de
material didático específico ou de informação, educação e comunicação (IEC) orientados para a
prevenção de agravos, a promoção da saúde, as boas práticas clínicas e a sustentabilidade dos
resultados.

Por fim observamos que a participação nestes comitês também se constitui uma
oportunidade de aprendizado para os envolvidos, credenciando-os para participar de fóruns
similares e ampliando a capacidade de vocalização dos seus direitos e garantias no campo da
pesquisa envolvendo seres humanos.

4
Quinn, S.C. Protecting Human Subjects: the role of Community Advisory Boards. American Journal of Public Health,
June 2004, vol 94, No 6, 918-922.
5
.Zoysa, I., Elias, C.J., Bentley, M.E. Ethical Challenges in Efficacy Trials of Vaginal Micribicides for HIV Prvention.
American Journal of Public Health, April 1998, vol 88, No 4, 571-575
6
.Morin, S.F., Maiorana, A., Koester, K. A., Sheon, N. M., Richards, T. A. Community Consultation i HIV Prevention
Research: a study of community advisory boards at 6 research sites. JAIDS Journal of Acquired Immune Deficiency
Syndromes, 33:513-520, 2003.
7
.ESTIGARA, Adriana. Consentimento livre e esclarecido na pesquisa envolvendo seres humanos. A distância entre o
"dever ser" e o "ser". Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1144, 19 ago. 2006. Disponível em:
<http://jus.uol.com.br/revista/texto/8803>. Acesso em: 08 mar. 2011..
4

3- A metodologia de criação do CCA-THRio

O CCA-THRio tem como base a proposta dos Community Advisory Boards (CAB), criados
nos Estados Unidos com o objetivo de envolver a comunidade no acompanhamento de pesquisas
clínicas, e as experiências brasileiras de implantação dos protocolos de pesquisa ACTG (AIDS
Clinical Trials Group) 8.

Os principais objetivos do CCA THRio foram:


a) garantir que os direitos dos participantes da pesquisa sejam preservados em todos os
níveis;
b) garantir aos participantes e à comunidade a existência de uma fonte independente de
informações sobre a pesquisa, servindo como portavoz junto à equipe responsável pelo
estudo;
c) assessorar a equipe do estudo no planejamento, desenvolvimento e implementação da
pesquisa, no sentido de garantir sua qualidade técnica e o respeito aos princípios éticos que
norteiam as pesquisas clínicas; e
d) garantir que as questões emergentes sejam consideradas pela equipe do estudo.

Neste sentido, embora complementar, o trabalho desenvolvido no âmbito do CCA THRio se


distingue, claramente, daquele realizado pelos Comitês de Ética em Pesquisa estruturados a partir
da Resolução 196.

O Comitê, com caráter consultivo e de acompanhamento, foi formado por voluntários


representantes da sociedade civil organizada, pessoas vivendo com HIV/AIDS, profissionais de
saúde e de universidades. Foi criado como uma instância independente da equipe de coordenação
do estudo THRio e com autonomia para definir seu funcionamento e mudanças na sua formação.
Assim sendo, o Comitê logrou ter um número variado de membros, com distintas inserções na
realidade social, com a missão de acompanhar a garantia dos direitos humanos, o cumprimento da
ética e dos protocolos de pesquisa aprovados no âmbito do referido estudo.

A instalação do CCA-THRio foi precedida de um amplo diálogo com a equipe de


pesquisadores, os grupos relacionados diretamente ao estudo, incluindo profissionais de saúde,
usuários dos serviços e sociedade civil organizada. O quadro, a seguir, sintetiza os principais passos
executados para operacionalização do CCA que, em linhas gerais, podem orientar a instalação de
novos comitês comunitários de acompanhamento.

Quadro 1- Procedimentos metodológicos para operacionalização do CCA

1- Estabelecer as bases para a definição dos papéis e responsabilidades dos representantes das
diversas comunidades envolvidas;
2- Facilitar o trabalho dos representantes das comunidades, estimulando a confiança e a
comunicação entre as comunidades envolvidas e as equipes de pesquisa;
3- Definir uma estrutura de funcionamento e redigir regras de funcionamento interno, a fim de
permitir a participação ampla, inclusiva e diversa das comunidades;

8
.Cox, L.E., Rouff, J.R., Svendsen, K. H., Markowitz, M., Abrams, D. I., and Terry Beirn Community Programs for
Clinical Research on AIDS. Community Advisory Boards: Their role in AIDS clinical trials. Health & Social Work, vol
23, No 4, November 1998, 290-296.
5

4- Discutir e aprovar o regulamento interno do CCA, contendo suas regras de funcionamento;


5- Criar as condições para que todos os membros do CCA se familiarizarem com toda a
documentação da pesquisa;
6- Prover informações sobre boas práticas clínicas;
7- Garantir a participação de representantes do CCA em todos os treinamentos ofertados no
âmbito do estudo, mesmo que apenas na condição de observadores e em esquema de rodízio
entre os membros;
8- Envolver os membros na formulação de material de IEC;
9- Atualizar regularmente a comunidade sobre os sucessos, falhas e outras decisões que afetem
os rumos da pesquisa e/ou a confiança entre as comunidades envolvidas e as equipes de
pesquisa, tais como dotação de pessoal, recursos financeiros e prazos de execução;
10- Consensuar um calendário anual para as reuniões (preferencialmente, um calendário fixo
que facilite a memorização rápida e evite a sobreposição de agendas);
11- Formalizar a existência de um técnico ou mais técnicos da pesquisa como facilitador(es) do
CCA e com a tarefa de preparar as reuniões e reproduzir documentos que irão nortear a
discussão. Ao facilitador cabe ainda estar atento às dificuldades de participação,
monitorando as ausências, mobilizando para a participação, incluindo novos membros
sempre que oportuno e reduzindo os possíveis danos ocasionados pela rotatividade dos
membros. Dito de outra forma é tarefa do facilitador evitar a “fadiga do voluntário”,
implantando estratégias adequadas para fortalecimento do grupo e valorização do trabalho
realizado;
12- Reduzir as barreiras de linguagem cuidando para que a comunicação seja apropriada ao
grupo e que contenha mecanismos que assegurem a compreensão. Neste sentido observamos
que é fundamental investir na formação / fortalecimento dos membros do CCA, ofertando
uma gama ampliada de capacitações e utilizando, se necessário, metodologias diversas a fim
de ampliar a capacidade do grupo dialogar com a equipe de pesquisadores, de fazer análise
crítica dos achados de pesquisa e recomendações. e
13- Destinar recursos específicos para subsidiar o funcionamento do CCA, tais como: aluguel de
espaço adequado para a realização das reuniões, auxílio transporte e alimentação.

Em síntese, a operacionalização de um CCA, orientado para promover uma efetiva


participação pública no desenvolvimento de pesquisas envolvendo seres humanos, requer que os
participantes sejam tratados com respeito, de modo que o processo seja transparente, integro,
adaptado às circunstâncias, envolva o grupo diversificado de interessados, priorize o diálogo,
mantenha todos informados, permita a avaliação e revisão dos procedimentos. 9

4- Compartilhando nossa experiência: depoimentos

Uma das diversas sugestões construídas durante as reuniões do CCA e viabilizadas durante a
sua vigência, com o objetivo de compartilhar a experiência do grupo, foi a publicação dos
depoimentos dos seus membros10. Apresentamos, a seguir, alguns destes depoimentos obtidos dos

9
Warburton, D., Gavelin, K., Wilson, R., Noun, A. Effective deliberative public engagement: nine principles. Involve
and National Consumer Council UK, 2008. http://www.involve.org.uk/assets/Publications/Deliberative-public-
engagement-nine-principles.pdf
10
Em 2010, foi publicado um livreto com a experiência do CCA THRio, como um investimento efetivo na difusão de
informações sobre a participação comunitária em pesquisas envolvendo seres humanos para as lideranças comunitárias,
profissionais de saúde, pesquisadores e gestores. Mil exemplares em português serão distribuídos pelas as ONG Pela
6

participantes do CCA THRio no decorrer de cinco anos de existência, a partir de três perguntas
propostas: Por que participo do CCA-THRio? Por que as pessoas devem participar? e, Por que eu
recomendo que participem?

Apresentamos, a seguir, uma seleção destes depoimentos. Ao fazê-lo buscamos compartilhar


nossa experiência, evidenciando a centralidade da participação das comunidades, o respeito pela
diversidade de pontos de vista e a certeza de que o diálogo franco contribui para a emancipação dos
indivíduos e para o fortalecimento da ética no desenvolvimento das pesquisas em seres humanos. 11
Com finalidade didática e analítica optamos por apresentar estes depoimentos à luz dos quatro
“objetivos éticos da consulta à comunidade em pesquisa”12, ao fazê-lo buscamos avaliar os
resultados neste campo. Vejamos:

Quadro 2- Objetivos éticos da consulta à comunidade* e depoimentos dos membros CCA-THRio

Objetivos Definição Depoimentos


éticos

Aumentar Aumentar a Participo do comitê Comunitário de Acompanhamento pois acho importante


a proteção para acompanhar as pesquisas realizadas no Brasil e se os direitos dos pacientes estão
proteção os indivíduos sendo respeitados. Como sou usuária do Sistema Único de Saúde, desejo que o
e mesmo melhore sempre e cresça com os erros e acertos (sociedade civil).
comunidades,
identificando Participar de um Comitê Comunitário de Acompanhamento de um estudo científico
riscos que não ou de uma pesquisa clínica é contar com múltiplos olhares no trabalho que está
foram sendo conduzido contando, num mesmo grupo, com o usuário do sistema de saúde,
anteriormente com os profissionais de saúde que fazem parte do processo da assistência e com a
considerados, equipe da pesquisa. Todos envolvidos e imbuídos da perspectiva do que seja o
sugerindo ou melhor para o participante do estudo, quais as melhores alternativas para o estudo
identificando e, principalmente, daquilo que o estudo poderá contribuir para melhorar a
potenciais assistência do serviço de saúde no local onde ela é realizada. pode ser enriquecedor
proteções para o estudo e mais vantajoso para o participante (sociedade civil).

Participar das reuniões do CCA me possibilitou conhecer as normas que regulam os


protocolos de pesquisa, a seriedade deste trabalho e de que forma interpretar este
procedimento para o participante, caso necessário, assegurando que este tenha
garantidos seus direitos humanos e respeitados os princípios éticos. Também me
instruiu sobre como levar aos pesquisadores as dúvidas e desejos dos participantes
e/ou comunidade envolvida em um estudo garantindo também a qualidade técnica
das ações (membro da sociedade civil).

Ser membro de um Comitê Comunitário de Acompanhamento é fazer parte de uma


experiência única onde os participantes fazem do processo um constante exercício
de troca, que enriquece as discussões sobre os objetivos e a finalidade do estudo
intervindo, sempre que necessário, para preservar o participante ou resguardar a

Vidda, Movimento nacional das Cidadãs Posithivas e CEDAPS e também nas unidades de sáude do município do Rio
de Janeiro. Atualmente, está no prelo uma edição bilingue, inglês-português, a fim de contemplar os países africanos
parceiros do CREATE e os países africanos de língua portuguesa.
11
Idem 9.
12
Dickert, N. and Sugarman, J. Ethical Goals of Community Consulation in Research. Peer Reviewed, Health policy
and Ethics, American Journal of Public Health, July 2005, Vol 95, No 7, 1123-1127
7

própria finalidade do estudo (membro da sociedade civil).

Eu recomendo a participação em comitês comunitários de acompanhamento de


pesquisa clinica como uma forma de aproximar pesquisadores e comunidade;
monitorar o desenvolvimento de pesquisas privilegiando o sigilo e a segurança do
voluntário; garantir o acesso à informação ao voluntário de qualquer alteração no
curso do desenvolvimento da pesquisa; e promover processos de educação
continuada junto as comunidades a serem pesquisadas (profissional de saúde)

A principal recomendação para a participação no Comitê Comunitário de


Acompanhamento é a importante experiência adquirida a partir do debate entre os
profissionais e a comunidade, com o objetivo comum de realização de um projeto de
pesquisa com qualidade e respeito aos direitos dos participantes, que possa ser
estendido à prática clínica (profissional de saúde)

Aumentar Aumentar os O meu interesse em contribuir na busca de respostas para a clientela da ONG me
os benefícios estimulou, entre outras ações, a participar das reuniões do Comitê Comunitário de
benefícios para os Acompanhamento representando o Grupo Pela Vidda/RJ, a princípio como uma
participantes oportunidade para ampliar os meus conhecimentos sobre o tema TB (membro da
do estudo, a sociedade civil).
população
para a qual a Eu participo porque acredito que quando você está informada as doenças são mais
pesquisa é fáceis de serem compreendidas e, se necessário, enfrentadas (membro da sociedade
concebida, ou civil)
a comunidade
na qual o Eu recomendo a continuidade dos encontros porque é fundamental a troca entre o
estudo é saber popular e o saber acadêmico (membro da sociedade civil)
conduzido
Recomendo que as pessoas da sociedade civil participem do comitê, pois
aprendemos sobre as pesquisas desenvolvidas em nosso município, cobrando sempre
o respeito pelo sigilo das ações, respeitando sempre o paciente que está
contribuindo para a pesquisa. Podemos ver nesta pesquisa que os pacientes que
contribuiram foram respeitados e que a equipe responsável teve bom êxito em suas
ações, pois ouvimos relatos desejosos de que o projeto não se encerrasse (membro
da sociedade civil)

Eu recomendo que os membros das organizações da sociedade civil - OSC


participem de comitês comunitários de pesquisas, como também dos comitês de ética
em pesquisa de diversos centros de pesquisa e hospitais do país, levando o olhar
diferenciado da mobilização social e da defesa do Sistema Único de Saúde, e que
todos os resultados positivos desses estudos sejam incorporados às políticas
públicas de saúde no nosso país (membro da sociedade civil)

Legitimid Conferir Sendo médico infectologista e gerente de uma Unidade de Saúde onde o THRIO foi
ade legitimidade implantado pude observar, in loco, como as ações do projeto foram importantes
ético-político, agilizando o diagnóstico da tuberculose, ampliando enormemente a cobertura do
dando as PPD e, consequentemente, do número de pacientes que receberam profilaxia com
partes que isoniazida. Por isso, entendo a importância da sustentabilidade destas ações, o que
tenham me motivou a participar de um Comitê de Acompanhamento (profissional de saúde).
interesse ou
participação Participei do CCA THRio porque foi impossível resistir ao convite para integrar este
na grupo de debate, de consulta e de acompanhamento que incluia segmentos distintos
investigação a da sociedade civil, representando os implicados no estudo: profissionais de saúde de
oportunidade serviços onde se realiza o estudo, usuários dos serviços de saúde (representantes de
de expressar ONGs e lideranças comunitárias) e universidade. Era a primeira vez que eu
8

suas opiniões participava de um espaço de debate sobre questões éticas, operacionais e do próprio
e interessadas desenrolar de um estudo, em que se garantia a participação de diferentes olhares (e
acima no vozes) sobre questões de interesse de toda a sociedade mas ainda tão restritas aos
momento em espaços acadêmicos (profissional de saúde).
que as
mudanças As pessoas devem participar para garantir que o ativismo em pesquisa se consolide
podem ser no Brasil, pois no meu entendimento é insuficiente e frágil. O próprio sentido da
feitas no participação num comitê de acompanhamento precisa ser melhor consolidado entre
protocolo de nós. A participação em comites de acompanhamento favorece a construção de
pesquisa resultados de pesquisa mais consolidados e aplicáveis à realidade social, educativa
e cultural dos grupos populacionais para os quais está sendo construida e ainda,
qualifica o ativismo social em temáticas da saúde como TB e HIV. Amplia o
conhecimento sobre medicamentos, procedimentos, protocolos de atendimento e
outros. O que quer dizer que participar de comites de acompanhamento qualifica o
ativismo em pesquisa mas também o ativismo social e o controle das políticas
públicas no que se refere às práticas e à gestão em saúde. O estudo THRio é um
exemplo claro desta correlação. (membro da sociedade civil).

Nada substitui a participação, o colegiado, a discussão de idéias e o conjunto de


pessoas que têm um objetivo em comum. A participação contempla ambas as partes
e "força" um convivio muito produtivo e poderoso, isto é, a união do movimento
social e dos pesquisadores (membro da sociedade civil).

Comparti Consultar as Através da participação nesses espaços é possivel juntar duas partes de um mesmo
lhar comunidades processo, ou seja, movimento social e pesquisadores que às vezes ficam distanciados
responsab pode ter algum por ranços e prejulgamentos de ambos os lados. A possibilidade de discussão, de
ilidade grau de troca de ideias, de experiências e de conhecimento formam um conjunto de fatores
responsabilida que unidos são a matéria prima para a produção de saberes que tem potencial de
de moral para ajudar na redução da morbidade/mortalidade de pessoas soropositivas por conta da
o projeto de tuberculose (membro da sociedade civil).
pesquisa e a
comunidade As pessoas devem participar para compartilhar seus conhecimentos, suas
pode assumir experiencias e construir uma firme e sólida parceria no sentido de alcançar os
algumas objetivos propostos pela pesquisa. A participação de várias pessoas enriquece o
responsabilida debate por conta dos diversos pontos de vista, principalmente no que tange à fala do
des para a paciente que, em última instância, será o beneficiado pelos resultados alcançados.
realização do A participação cria a oportunidade dos vários discursos se encontrarem,
estudo favorecendo melhores e acertadas decisões (membro da sociedade civil).

Ser membro de um Comitê Comunitário de Acompanhamento é fazer parte de uma


experiência única onde os participantes fazem do processo um constante exercício
de troca, que enriquece as discussões sobre os objetivos e a finalidade do estudo
intervindo, sempre que necessário, para preservar o participante ou resguardar a
própria finalidade do estudo (membro da sociedade civil).

É importante participar por que este é um espaço que permite o estabelecimento de


vínculos, de compromissos e de responsabilidades (com)partilhadas entre os
diferentes atores envolvidos numa pesquisa. Ao mesmo tempo cumpre um papel
formador, que colabora para a vocalização de demandas dos cidadãos em relação
às políticas públicas de saúde (ou outras), fortalecendo a cidadania (profissional de
saúde)
(*) Adapatado de Dickert & Sugarman13

13
Dickert, N. and Sugarman, J. Ethical Goals of Community Consulation in Research. Peer Reviewed, Health policy
and Ethics, American Journal of Public Health, July 2005, Vol 95, No 7, p. 1125.
9

Considerando este conjunto de depoimentos sobre a experiência de participação no Comitê


Comunitário de Acompanhamento do THRio, podemos afirmar que a iniciativa logrou acolher os
diversos pontos de vista dos membros que dela participam, investindo na interlocução entre os
vários representantes dos grupos interessados na pesquisa operacional.

A colaboração consolidada, ao longo deste período, permitiu localizar iniciativas de muita


criatividade, adequadas às diferentes realidades e possibilidades locais, envolvendo um esforço de
consolidação que congregou gestores, profissionais e comunidade nas suas diferentes frentes de
atuação.

O resultado se expressa nos depoimentos, na cooperação e no compromisso dos diferentes


sujeitos de ação envolvidos e contribui para tornar realidade a estratégia dos “3 Is” da Organização
Mundial de Saúde14 para reduzir o impacto da Tuberculose nas pessoas vivendo com HIV/Aids.

5- Considerações finais

Reafirmar o compromisso com a produção de conhecimento intimamente vinculada ao


tratamento adequado dos envovlvidos e ao crescimento humano e pessoal dos interessados é um
desafio cotidiano cuja resposta demanda a implantação de ações de reforço à reflexão ética
constante e ao compromisso social.

Do nosso ponto de vista, a implantação de Comitês Comunitários de Acompanhamento são


um passo na direção de assegurar os direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica,
aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.

Nossa experiência nos aponta que, o CCA-THRio se constituiu um locus privilegiado de


interlocução, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, capaz de enfrentar os dilemas que se
apresentaram ao longo da pesquisa e de buscar soluções coletivas, construídas mediante o resgate
vivo dos princípios básicos da bioética, operando como uma ferramenta de proteção da liberdade e
dignidade dos sujeitos da pesquisa e criando as condições para o desenvolvimento de uma praxis
educativa.

6- Bibliografia
1. ACTION, Best practices for advocacy: a dozen tactis, tools and strategies. Advocacy to Control
TB Internationally- ACTION. November, 2007
2. Almeida, J. L. T. de. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma
abordagem principialista da relação médico-paciente. [Doutorado] Fundação Oswaldo Cruz,
Escola Nacional de Saúde Pública; 1999.
3. Berlinguer, G.. Bioética cotidiana. Traduzido por Lavínia Bozzo Aguilar Porciúncula. Brasília:
Fundação Universidade de Brasília, 2004.

14
Intensificação da busca de casos de TB, controle da Infecção e tratamento preventivo com Isoniazida. WHO.
Guidelines for intensified tuberculosis case finding and isoniazid preventive therapy for people living with HIV in
resource constrained settings. WHO, 2011.
10

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maio 2002. SCHRAMM, Fermin Roland. A pesquisa bioética no Brasil entre o antigo e o novo.
5. Cox, L. E., Rouff, K.H., Svendsen, M.M., Abrams, D.I. and Terry Beirn Community Programs
for Clinical Research on AIDS. National Association of Social Workers. Health & Social Work,
Vol 23, No 4, November 1998.
6. Dickert, N. and Sugarman, J. Ethical Goals of Community Consulation in Research. Peer Reviewed, Health policy
and Ethics, American Journal of Public Health, July 2005, Vol 95, No 7, 1123-1127
7. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Conselho
Nacional de Saúde. Resolução n.º 196/96.
8. Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos. Preparadas pelo
Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS), em colaboração com a
Organização Mundial de Saúde (OMS). Traduzida por Maria Stela Gonçalves e Adail Ubirajara
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9. Emanuel, E. J., Wendler, D., Killen, J., Grady, C. What makes clinical research in developing
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11. Green, L.W. and Mercer, S.L. Can public health researches and agencies reconcile the push
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2001, Vol 91, No. 12, 1936-1943
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