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Sumário
1. Introdução; 2. A Revolução Acreana; 2.1.
O longo processo insurrecional; 2.2. Bolivian
Syndicate: pomo da discórdia; 2.3. Diplomacia
em vez de guerra; 3. O Tratado de Petrópolis;
3.1. O acordo com o Peru: aquilo que faltou ao
Tratado de Petrópolis; 4. A Questão Acreana
Passa à Economia Doméstica; 4.1. A disputa de
fronteiras em sede constitucional: o mea culpa
da União; 5. O Acre na Federação: Ontem e
Hoje; 6. Conclusão; 7. Notas; 8. Referências.
1. Introdução
A história do Acre sempre esteve associa-
da a disputas territoriais externas e inter-
nas. Esses conflitos deram forma ao cente-
nário Tratado de Petrópolis, tido como sua
certidão de nascimento, e à Reclamação
Constitucional n o 1421, de 2000, em trami-
tação no Supremo Tribunal Federal. Pode-
se afirmar, então, que esses dois documen-
tos constituem faces distintas de uma só
moeda: tanto o primeiro, firmado entre o
Flávia Lima e Alves é bacharel em Ciênci- Brasil e a Bolívia, quanto o segundo, de au-
as Econômicas e Relações Internacionais pela toria do Estado do Amazonas, versam so-
UnB; Assistente Técnica do Quadro Permanen- bre os limites territoriais do Acre.
te do Senado Federal. Desde a segunda metade do século XIX,
Trabalho final apresentado ao Curso de alguns brasileiros — sobretudo cearenses
Especialização em Direito Legislativo realiza- fustigados por sucessivas secas no Nordes-
do pela Universidade do Legislativo Brasilei-
te — embrenharam-se na selva amazônica,
ro – UNILEGIS e Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul – UFMS como requisito para pela bacia do rio Acre, para se dedicar à ati-
obtenção do título de Especialista em Direito vidade extrativista. Sem conhecer e mesmo
Legislativo. Orientador: Prof. ANTÔNIO JOSÉ sem se importar com títulos de proprieda-
BARBOSA. de, eles foram aos poucos ocupando as ter-
Brasília a. 42 n. 166 abr./jun. 2005 131
ras localizadas no extremo oeste do País, a No plano externo, o Brasil viria a firmar
maior parte delas pertencente à Bolívia e tratados que encerrariam os conflitos terri-
outras pretensamente peruanas. Eram fron- toriais relativos àquela região e assentariam
teiras inexatas e fluidas, apesar de estabele- os marcos das linhas limítrofes do Acre com
cidas reiteradas vezes por tratados interna- os países vizinhos de língua espanhola. Na
cionais, a exemplo daqueles celebrados em esfera doméstica, ao contrário, até hoje os
Madri (1750), em Santo Ildefonso (1777) e estados do Acre e do Amazonas mantêm a
em Ayacucho (1867). discussão em litígio.
Enquanto a borracha era apenas um item Assim, em pleno século XXI, era da tec-
“exótico” das exportações amazônicas, as nologia espacial, o Brasil ainda carece de
incursões populacionais nessas áreas não um mapa definitivo da região Norte, uma
chegaram a preocupar os referidos países das mais atrativas para investidores nacio-
vizinhos. Acostumados aos altiplanos, eles nais e estrangeiros por conta de suas reser-
não se mostravam aptos ou mesmo interes- vas minerais, suas extensas áreas desabita-
sados em tomar posse daquela região de das e seu potencial agroindustrial.
planície. Registre-se, por oportuno, que são inú-
Todavia, a Revolução Industrial provo- meras as pesquisas em curso para o apro-
cou a alteração do status dessa matéria-pri- veitamento econômico da Amazônia, visan-
ma na pauta de importações da Europa e do combinar a preservação e o uso susten-
dos Estados Unidos. De fato, a produção tável de sua enorme biodiversidade. Elas
industrial da borracha — viabilizada pelo deixam evidente que as questões relativas à
processo de vulcanização inventado por região não podem ser tratadas como algo
Charles Goodyear em 1839 — deu origem periférico. Afinal, o interesse dos investido-
ao advento dos pneumáticos, item funda- res que para lá voltam seus olhos requer o
mental da vigorosa e ascendente indústria delineamento preciso dos parceiros envol-
automobilística. Iniciou-se, desse modo, a vidos, o que pressupõe clareza quanto às
corrida ao “ouro negro” da Amazônia, já divisas territoriais.
valorizado graças ao incremento da produ-
ção de calçados e das exigências do maqui- 2. A Revolução Acreana
nário empregado no processo de industria-
2.1. O Longo Processo Insurrecional
lização em si. Isso acabou por despertar os
anseios de propriedade da Bolívia e do Peru Não se pode entender o Tratado de Pe-
sobre terras antes esquecidas. trópolis, firmado entre a Bolívia e o Brasil
Os reflexos de tal mudança na economia em 1903, sem conhecer as origens da cha-
mundial não tardaram a ditar os rumos do mada Revolução Acreana. A Bolívia, cujos
processo socioeconômico de migração nes- domínios se estendiam sobre a região até
te País, acentuado após a grande seca nor- aquele momento, jamais exercera ali sua
destina de 1877, que acelerou a ocupação soberania. A área entre os rios Javari e Ma-
territorial do futuro Estado do Acre e a con- deira constava em seus mapas como “tier-
tenda para sua anexação ao Brasil. ras non descubiertas”.
Internamente, já se percebiam desejos Todavia, com o aumento da demanda
contrastantes: os habitantes da região que- internacional pela borracha extraída na re-
riam vê-la transformada em Estado da Fe- gião, o Governo de Sucre, em setembro de
deração brasileira, ao passo que o Estado 1898, mudou de atitude e rompeu com a in-
do Amazonas pretendia incorporá-la a seus diferença que nutria quanto à ocupação bra-
domínios, conforme declara Ernesto Leme sileira em curso naquela fronteira. Com isso,
no prefácio ao volume 37 das Obras Com- o que antes eram “simples escaramuças lo-
pletas de Rui Barbosa (1984, t. 6, p. XXII). cais”, “controvérsia de interesses” envol-